Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ALDA TOMÉ CASIMIRO | ||
Descritores: | OMISSÃO DE PRONÚNCIA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/03/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I- Só existe nulidade por omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. II- O recurso em matéria de facto não implica uma reapreciação, pelo Tribunal ad quem, da globalidade dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida – duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa direito a novo (a segundo) julgamento no Tribunal para que se recorre. III- O Recorrente não pode pretender substituir a convicção alcançada pelo Tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível, sendo imperioso demonstrar que as provas indicadas impõem uma outra convicção. IV- O erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do nº 2 do art.º 410º do Cód. Proc. Penal é pacificamente considerado, na doutrina e na jurisprudência, como aquele que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da decisão, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, Relatório No âmbito do Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular e nº 74/21.0GDCTX, que corre termos no Juízo Local Criminal de Alenquer, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, foi o arguido AA, solteiro, nascido a ........1974 em …, filho de BB e CC, e residente na ..., absolvido da imputada prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º, nº 1, alínea d), da Lei 5/2006, de 23.02, por referência ao art.º 3º, nº 2, alínea g) da mesma Lei. * Sem se conformar com a decisão, o Ministério Público interpôs o presente recurso onde formula as conclusões que se transcrevem: 1. O Ministério Público não concorda com a sentença proferida no âmbito dos presentes autos, entendendo que a mesma enferma de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código Processo Penal, bem como de erro de julgamento, por errada apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código Processo Penal, considerando-se terem sido incorretamente julgados os factos dados como não provados sob as alíneas A), B) e C), os quais deviam ter sido dados como provados. 2. Porquanto, da análise conjugada dos depoimentos acima transcritos e da suprarreferida prova documental, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais (artigo 412.º, n.º 3, alíneas a) e b), e n.º 4, do Código Processo Penal), o Tribunal a quo devia ter dado como provados todos factos constantes do libelo acusatório. 3. Não obstante o arguido ter negado a posse da arma e do ferro (ou seja, dos dois objetos), afirmando, para o efeito, que ambos se encontravam no interior da conduta do saneamento, o que, em face da prova produzida, a nosso ver, resulta clarividente que o arguido procurou a todas as luzes escamotear a sua conduta, na medida em que a versão por este agora trazida aos autos, no sentido de que a arma já ali se encontrava antes do seu ingresso naquela cela não teria fundamento para existência do ferro encontrado no seu vestuário e cujas características em tudo são iguais às do ferro transformado em arma, o Tribunal a quo desvalorizou totalmente esse facto com o argumento que não podendo a mentira do arguido, por si só, justificar que se considere toda a demais factualidade dada como provada. 4. Todavia, valorou o facto de a testemunha DD ter dito que todas as hipóteses são sempre uma hipótese, mas não posso dizer mais nada sobre isso, quando instado pelo Ilustre Defensor do arguido sobre a possibilidade de arma ter sido deixada pelo anterior recluso que habitou naquela cela e não ter sido detetada no espólio. 5. Ademais, a nosso ver também, não pode colher a tese apresentada pelo Tribunal a quo de que [(só) – acrescentamos nós] arma se encontrava dissimulada, porquanto o ferro que o arguido negou a sua posse, foi localizado/aprendido por debaixo da sua roupa, isto é, longe do olhar dos guardas e, portanto, também este se encontrava dissimulado. 6. Por tudo isto, não podemos deixar de discordar do Tribunal a quo quando logrou valorar favoravelmente a favor do arguido a sua própria mentira. Não seria antes de se perguntar que quem mente pelo menos não mentirá pelo mais? A nosso ver e de acordo com a normalidade, dizemos que sim. 7. E o mesmo se diga quanto ao facto de o Tribunal a quo ter valorado a favor do arguido a resposta da testemunha DD perante uma hipótese colocada em abstrato e, por seu turno, não obstante fazer constar da sua motivação, ter desvalorizado totalmente o depoimento da testemunha EE, quando disse que é feito um espólio quando alguém sai de uma cela, não podendo ficar, portanto, o espeto. 8. Destarte, entende o Ministério Público que de acordo com as regras da lógica, da experiência e da normalidade, a prova carreada para os autos é bastante para se darem todos factos como provados e consequentemente condenar o arguido AA da prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência ao artigo 3.º, n.º 2, alínea g), do mesmo diploma legal, por preenchidos os seus elementos objetivos e subjetivos. 9. Não fazendo constar dos factos provados que o arguido detinha, naquelas mesmas circunstâncias, dissimulado na roupa que se encontrava em cima da prateleira, um ferro com 39 cm de comprimento do mesmo material e cor da arma apreendida, verifica-se uma omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo, na medida em que, perante a prova que carreada para os autos, impunha-se que tomasse conhecimento da totalidade das questões por aquela suscitada, apreciando-a criticamente e daí extraindo as suas conclusões. 12. Não tendo o Tribunal recorrido apreciado os factos que resultaram da discussão da causa, foi o disposto no artigo 358.º, n.º 1, do Código Processo Penal violado, sendo, deste modo, nula a sentença, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código Processo Penal, devendo ser declarada em conformidade, o que se pugna. * O arguido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, ainda que sem apresentar conclusões. * Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção do decidido. O recorrido respondeu ao Parecer, manifestando a sua concordância com o mesmo. Efectuado o exame preliminar e colhidos os legais vistos, procedeu-se à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir. * * * Fundamentação Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: 1. No dia .../.../2021, pelas 16h15, o arguido encontrava-se a cumprir pena de prisão no ..., situado em ... (recluso nº ...). Na mesma sentença consignou-se como factos não provados: A) Naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido tinha guardado na sua cela nº …, sita no …, nomeadamente no espaço onde passam os tubos de canalização (local do espelho), uma vara de metal aguçada na ponta (espeto), com um punho de plástico, com cerca de 26 cm, com 12,5 cm de haste. B) O arguido conhecia as características e finalidade daquele objeto que guardava na sua cela, que havia construído para ser usado como arma de agressão, bem sabendo que não estava autorizado, por qualquer modo, a detê-lo e que o simples facto de o deter é proibido e punido por lei penal. C) Apesar disso, não se coibiu de o fazer, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. E motivou-se assim a decisão sobre a matéria de facto: Para formar a convicção do Tribunal, no que respeita aos factos dados como provados e não provados, procedeu-se a uma análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento. Foi ainda considerada a restante prova constante dos autos, tendo o Tribunal apreciado toda a prova, atendendo às regras da experiência comum, tendo sempre em consideração o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do Código de Processo Penal. Designadamente, foi tida em consideração a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, tendo sido valorados o depoimento que foi prestado pelas testemunhas DD e EE, ambos guardas prisionais. Teve-se ainda em consideração as declarações do arguido, que, presente em audiência de julgamento, decidiu prestá-las. Foi também apreciada a prova documental presente nos autos, designadamente os auto de notícia (fls. 9 e 39 a 42), auto de apreensão (fls. 43 a 45), autos de exame directo e avaliação (fl. 47), termo de entrega (fl. 10), bem como a lista de mudanças de cela e pavilhão respeitante ao recluso AA e o auto de busca, juntos por e-mail datado de .../.../2025. * Concretizando. No que toca ao facto dado como provado, resulta desde logo das declarações do arguido, das testemunhas e guardas prisionais, bem como de toda a prova documental junta nos autos. Relativamente aos factos dados como não provados, resultam os mesmos desta forma da conjugação da prova que foi produzida nos autos, que o Tribunal considerou não ter sido suficiente para se poder dar como provada aquela factualidade, sem margem para qualquer dúvida, conforme se exige no direito penal, para fundamentar uma condenação. Desde logo o arguido, nas suas declarações, negou os factos, referindo que estava naquela cela apenas há 3 meses e que aquele espeto não era dele e que já se encontrava naquele local - escondido na canalização atrás do espelho. A testemunha EE, guarda prisional, referiu que naquela busca à cela do arguido foram apreendidos dois ferros - o que consta também da prova documental junta - sendo que um, com 50 cm, se encontrava nas prateleiras junto da roupa e o espeto dissimulado. Questionado, referiu que é feito um espólio quando alguém sai duma cela, não podendo ficar o espeto. No entanto, por outro lado, a testemunha DD, também guarda prisional, confirmou também o encontro dos dois objectos, mas referiu ser uma hipótese poder ser do anterior ocupante da cela (veja-se ainda que tal objecto se encontrava dissimulado). Ora, da lista de mudanças de cela e pavilhão respeitante ao recluso AA verifica-se que, de facto, o arguido mudou para aquela cela no dia .../.../2020, menos de 3 meses antes da data dos factos. Posto isto e ainda que o arguido tenha referido que ambos os ferros se encontravam na canalização quando não é isso que resulta da demais prova, tendo optado por referir isso em sua defesa (não podendo a mentira do arguido, por si só, justificar que se considere toda a demais factualidade dada como provada), bem como o facto daquele ter um ferro na prateleira poder indicar que faria do mesmo um espeto, tratando-se isto de hipóteses e existindo uma possibilidade, conforme referiu o arguido e o guarda prisional DD, daquele objecto já se encontrar na cela aquando da mudança do arguido para a mesma, não pode o Tribunal ultrapassar o princípio fundamental in dubio pro reo e dar tais factos como provados, com a certeza necessária em processo penal. * * * Apreciando… De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso. O Recorrente invoca (sic): - a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código Processo Penal; e - erro de julgamento, por errada apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código Processo Penal. * Da nulidade por omissão de pronúncia… Alega o Recorrente que a sentença incorre em omissão de pronúncia por não ter apreciado os factos que resultaram da discussão da causa, concretamente, que o arguido detinha, naquelas mesmas circunstâncias, dissimulado na roupa que se encontrava em cima da prateleira, um ferro com 39 cm de comprimento do mesmo material e cor da arma apreendida. Nos termos da alínea c) do nº 1 do art.º 379º do Cód. Proc. Penal, é nula a sentença “quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. O facto relativamente ao qual o Recorrente pretende que o Tribunal recorrido se deveria ter pronunciado não consta da acusação. Como tal, não tinha que haver pronúncia expressa sobre ele – aliás, é relevante que, tal como lembra a Digna PGA no seu douto Parecer “Em anterior segmento do despacho proferido no termo do inquérito o Ministério Público determinara o arquivamento dos autos quanto ao outro objecto que o arguido detinha nas mesmas circunstâncias de local e tempo, um ferro de gradeamento com cerca de 39 cm de comprimento que detinha debaixo da roupa na prateleira, arquivamento que foi decretado pelas razões normativas ali detalhadas, por não se enquadrar tal objecto em qualquer das classes de armas previstas na lei”. Contudo, a Mma. Juiz a quo alude na sentença a este outro ferro, explicando que o facto de o arguido ter um ferro na prateleira não leva à conclusão de que faria do mesmo um espeto, tratando-se de uma hipótese. Posto isto, diremos apenas que a sentença recorrida conheceu de todas as questões de que tinha que conhecer, não se verificando a alegada nulidade por omissão de pronúncia. Do erro de julgamento e do erro notório na apreciação da prova… O Recorrente parece fazer alguma confusão entre os dois erros que invoca, pois, aludindo a erro de julgamento e ao disposto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, acaba por fazer também referência ao normativo que prevê o erro notório na apreciação da prova: o art.º 410º, nº 2, alínea c) do Cód. Proc. Penal. A impugnação da decisão sobre matéria de facto pode fazer-se por duas vias: mediante a invocação de vícios da sentença enunciados no nº 2 do art.º 410º do Cód. Proc. Penal (dita impugnação de âmbito restrito), ou mediante a invocação de erro de julgamento, detectável pela análise da prova produzida e valorada pelo Tribunal recorrido (dita impugnação ampla). Mas, quanto à eventual existência de erro de julgamento, temos que os n.ºs 3 e 4 do art.º 412º do Cód. Proc. Penal contêm directrizes muito precisas e exigentes. Efectivamente, é consensual entre a doutrina e a jurisprudência que o recurso em matéria de facto não implica uma reapreciação, pelo Tribunal ad quem, da globalidade dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida – duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa direito a novo (a segundo) julgamento no Tribunal para que se recorre. Assim, o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do Tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. E o recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, tem de especificar (em conformidade com o nº 3 do citado art.º 412º), além dos concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo Tribunal recorrido (obrigação só satisfeita com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida), também as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ónus que só fica satisfeito com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida). Além disso, o recorrente tem de expor a(s) razão(ões) por que, na sua perspectiva, essas provas impõem decisão diversa da recorrida. Só assim pode o Tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa – sobre este ponto, cfr. os acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007 (Processo 07P21), de 23 de Maio de 2007 (Processo 07P1498) e de ... de ... de 2008 (Processo 08P1312), todos disponíveis em www.dgsi.pt). No caso, o Recorrente concretiza os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados: os factos dados como não provados sob as alíneas A), B) e C) – ou seja, todos –, os quais defende que deviam ter sido dados como provados de acordo com a análise conjugada das declarações do arguido, dos depoimentos das testemunhas inquiridas e da prova documental. Diz que está documentalmente provado que na cela do arguido foi encontrado um espeto e um ferro, e que o arguido negou a respectiva posse afirmando que ambos se encontravam no interior da conduta do saneamento, o que está em desacordo com a prova documental e com os depoimentos das testemunhas, que afirmaram que só o espeto estava na conduta. Entende, por isso, que as declarações do arguido deviam ter sido desvalorizadas, tal como o depoimento da testemunha DD, guarda prisional, na parte em que admitiu que o espeto poderia ser do anterior ocupante da cela. E que deveria ter sido mais valorizado o depoimento da testemunha EE, guarda prisional, que contou que é feito um espólio quando alguém sai duma cela, não podendo ficar o espeto de um ocupante para outro. Como se vê, o Recorrente quer apenas discutir a convicção do Tribunal a quo, pretendendo que a Relação faça um novo julgamento tendo por base a reapreciação de todas as provas. Mas, como já dissemos, não é esse o objectivo da impugnação ampla. A Mma. Juiz recorrida, como resulta da motivação, apercebeu-se que o arguido não falou com verdade quanto ao local onde se encontravam o espeto e o ferro, mas não retirou daí, e bem, que essa falta de verdade levasse à conclusão de que o espeto lhe pertencia (único objecto em questão). Mais explicou que, estando o arguido naquela cela há menos de 3 meses e estando o espeto escondido na conduta do saneamento (logo, não visível), existindo a possibilidade, conforme referiu o guarda prisional DD, de aquele objecto já se encontrar na cela aquando da mudança do arguido para a mesma, não conseguiu ultrapassar a dúvida e decidiu pro reo. Também se dirá que se tem vindo a entender que a ausência de imediação determina que o Tribunal superior, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida, nos termos previstos pelo art.º 412º, nº 3, al. b) do Cód. Proc. Penal, mas já não quando permitirem outra decisão. Ou seja, a convicção da primeira instância, só pode ser posta em causa quando se demonstrar ser a mesma inadmissível em face das regras da lógica e da experiência comum. Significa isto que o Recorrente não pode pretender substituir a convicção alcançada pelo Tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível, sendo imperioso demonstrar que as provas indicadas impõem uma outra convicção (neste sentido cfr. o acórdão do STJ de 25.03.2010, Proc. 427/08.0TBSTB. E1.S1, pesquisado em www.dgsi.pt). Não logrou o Recorrente demonstrar tal. Quanto ao erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do nº 2 do art.º 410º do Cód. Proc. Penal, é pacificamente considerado, na doutrina e na jurisprudência, como aquele que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da decisão, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum. Neste sentido veja-se o Acórdão do STJ de 9.12.1998 (BMJ 482, p. 68) onde se conclui que “erro notório na apreciação da prova é aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta” e o Acórdão do STJ de 12.11.1998 (BMJ 481, p. 325) onde se refere que o erro na apreciação da prova só pode resultar de se ter dado como provado algo que notoriamente está errado, “que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa”. Analisada a sentença recorrida, não se evidencia qualquer erro notório na apreciação da prova. A circunstância de o arguido deter um ferro, do mesmo material e cor da arma apreendida, com 39 cm de comprimento, dissimulado na roupa que se encontrava em cima da prateleira, não leva a concluir que o espeto escondido na conduta também lhe pertencesse. Pelo contrário, se o espeto era seu, porque pretenderia fazer outro? Por outro lado, e como resulta da motivação da sentença, apesar de testemunha EE, guarda prisional, ter afirmado que é feito um espólio quando alguém sai duma cela, não sendo admissível que o espeto pudesse ficar na cela de um ocupante para outro, a testemunha DD, também guarda prisional, admitiu como possível que o espeto pudesse ser do anterior ocupante da cela. Ora no confronto destes dois depoimentos, a Mma. Juiz a quo ficou na dúvida e resolveu-a a favor do arguido. Pelo que não se verifica erro de julgamento, nem vício de erro notório na apreciação da prova. * * * Decisão Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmam a sentença recorrida. Sem custas, dada a qualidade do Recorrente. Lisboa, 3.06.2025 (processado e revisto pela relatora) Alda Tomé Casimiro Sandra Oliveira Pinto Rui Coelho |