Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GRAÇA ARAÚJO | ||
Descritores: | FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO MATÉRIA DE FACTO NULIDADE DA DECISÃO REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL INCUMPRIMENTO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/21/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ANULADA A DECISÃO | ||
Sumário: | 1 – Em sede de julgamento de facto importa saber o resultado da convicção do tribunal em face das provas produzidas: quais os factos (em particular de entre os alegados) que o Sr. Juiz considera que ocorreram e quais os que não se convenceu de terem ocorrido. 2 - Se ao relatar o que as partes alegaram e o que consta de documentos o Sr. Juiz não expressa – inequivocamente - a sua convicção, pode concluir-se que o tribunal não procedeu, pelo menos em peça escrita, ao julgamento de facto. 3 - A ausência de decisão sobre a matéria de facto significa o desconhecimento de quais os elementos de prova de que a Sr. Juiz se socorreu para considerar provados ou não provados os factos alegados e, eventualmente, outros que julgasse pertinentes. 4 - A ausência de decisão sobre a matéria de facto constitui a situação-limite da decisão deficiente a que alude o nº 4 do artigo 712º do Cód. Proc. Civ., conduzindo à anulação da decisão. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: Por apenso à acção de regulação do exercício do poder paternal relativo às menores S e R que correu termos entre os respectivos progenitores, J e M, veio aquele deduzir incidente de incumprimento do regime acordado em 1.7.99, quer na vertente alimentar (a mãe não envia as facturas das despesas de gás, electricidade e água, para que o requerente deduza os respectivos montantes no valor da pensão de alimentos), quer quanto ao regime de visitas (a mãe impede os contactos entre o pai e as filhas). Requereu que o tribunal ordenasse as diligências adequadas ao cumprimento coercivo do regime de regulação do exercício do poder paternal e, bem assim, a condenação da requerida em multa. Para tal notificada, a requerida apresentou alegações, imputando ao requerente a ausência de contactos com as menores e requerendo a sua condenação como litigante de má fé. Realizado inquérito social, procedeu-se, em 5.7.01, a uma conferência de pais, tendo estes chegado a acordo, que foi homologado por sentença. Em 8.8.01, o pai deduziu novo incidente de incumprimento do regime de visitas, por culpa da mãe, nomeadamente ao instrumentalizar a filha S; e, bem assim, ausência de comunicação por parte da mãe relativamente às consultas de pedopsiquiatria da menor S. Requereu, em consequência, a colaboração das autoridades policiais para a efectivação das visitas, a intimação da mãe para apresentar comprovativos das consultas e a sua condenação em multa, mais arrolando testemunhas. Notificada, a requerida alegou em 3.12.01, invocando que nunca impediu os contactos entre as menores e o pai, nem contribuiu para que eles não ocorressem, sendo o requerente que, pelo seu afastamento, não tem sabido cativar as filhas. Apresentou rol de testemunhas. Foi pedido relatório à pedopsiquiatra que acompanhou a menor Sara. Foi tentada, sem sucesso, a mediação familiar. Em 12.7.05, o requerente apresentou novo requerimento, acusando a circunstância de não ter contacto com as filhas desde 13.7.01 e nada saber delas. Requereu a marcação de uma conferência de pais ou a realização do julgamento do incidente e arrolou testemunhas. Em 13.10.05, realizou-se conferência de pais, tendo sido acordado, para vigorar provisoriamente, um regime de retoma dos contactos entre pai e filhas. No âmbito de nova conferência de pais, no dia 17.11.05, por eles foi dito que as visitas acordadas não haviam resultado. Efectuados inquéritos sociais, foi proferido despacho determinando que as visitas se processassem, nos dois meses seguintes, com a mediação e acompanhamento de técnico do IRS. Na sequência de relatório de avaliação das visitas, efectuado pelo IRS, foi provisoriamente fixado novo regime de visitas. Veio, então, em 5.12.05, o pai informar do novo insucesso do regime fixado, por culpa da mãe, dando por reproduzido o rol de testemunhas já antes apresentado. Junto novo relatório do IRS, em 21.3.07 sobre ele se pronunciou a requerida. Foi, então, proferido despacho, fixando um regime de visitas a implementar nos quatro meses seguintes, a avaliar posteriormente pelo IRS. Em 5.11.07, apresentou o pai novo requerimento, dando conta do insucesso das suas tentativas de contacto com as menores, por culpa da mãe e de que esta não emite declaração das pensões de alimentos recebidas, para efeitos de IRS. Reclamou a condenação da requerida em multa e no pagamento da quantia de 180€, montante por ele despendido para tentar, sem sucesso, estar com as filhas. Juntou dois documentos. Respondeu a requerida, em 16.11.07, refutando qualquer responsabilidade da sua parte na ausência de contactos entre pai e filhas e requerendo a condenação daquele como litigante de má fé. Foi junto novo relatório de avaliação das visitas. Foi, então, em 4.12.07, proferida sentença nos seguintes termos: “Compulsados integralmente os autos e seus apensos, verifica-se, em síntese, o seguinte: 1. Os presentes autos respeitam às menores S e R, nascidas respectivamente em 1992 e Março de 1998. 2. Os seus progenitores casaram em 1989 e encontram-se separados de facto desde Dezembro de 1998 (poucos meses após o nascimento da Rita). 3. O pai é militar da marinha, fuzileiro, e a mãe professora de inglês. 4. Após a separação o progenitor esteve a pagar as despesas atinentes à casa de morada de família, num montante aproximado de 66.000$00. 5. Em Março de 1999 intentou RPP onde propunha o pagamento de 40.000$00 mensais a título de alimentos, acrescido de 50% das despesas médicas e escolares, bem como um mês e férias, fins-de-semana alternados e sua prévia autorização das deslocações das menores para o estrangeiro. 6. Nessa RPP, após declaração de incompetência territorial do TFM de Lisboa, veio a ser obtido acordo de RPP em 01/7/1999, onde foi fixado o pagamento de 50.000$00 mensais a título de alimentos e prévia comunicação ao requerente das deslocações das menores para o estrangeiro. 7. Em 28/10/1999 a progenitora intentou incidente de incumprimento devido ao alegado não pagamento de 4 prestações pelo progenitor e solicita descontos no vencimento deste, para além de requerer alteração da RPP, onde peticionou o pagamento de todas as despesas médicas e medicamentosas e escolares das menores. 8. Tal requerimento, entrado no Tribunal Cível de Sintra, foi enviado a este TFM e neste Tribunal houve declaração no sentido de não dever ser este o Tribunal a apreciar a parte peticionada atinente a incumprimento, mas apenas na parte da mencionada alteração da RPP. 9. Decidido o conflito negativo de competência, entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ser este TFM o Tribunal competente para apreciar também do mencionado incumprimento. 10. Nesse aludido apenso, a progenitora alega ter tido depressão, ter estado sete meses e meio sem trabalhar, alega dificuldades económicas, mesmo com a alimentação e vestuário das filhas, bem como despesas com a vista da mais velha e os dentes da mais nova, tal como apoio psicológico à mais velha, bem como despesas com o ballet e natação das filhas. 11. Inclusivamente alegou despesas de manutenção da conta onde seriam depositadas as pensões de alimentos, tendo facultado novo NIB em 01/6/2005. 12. A alteração de RPP requerida pela progenitora foi indeferida, em síntese por falta de superveniência de factos, atenta a circunstância de tais autos haverem sido intentados apenas cerca dois meses depois da obtenção do acordo mencionado acima. 13.Por sua vez, o progenitor havia já intentado em 01/10/1999 incidente de incumprimento, onde alegava já que a progenitora não lhe facultava as visitas acordadas, nem recibos, pelo que não procedeu ao pagamento dos alimentos, mais requerendo a condenação em multa da progenitora. 14. Tal requerimento, entrado no Tribunal Cível de Sintra, foi enviado a este TFM e neste Tribunal houve declaração no sentido de não dever ser este o Tribunal a apreciá-lo. 15.Decidido o conflito negativo de competência, entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ser este TFM o Tribunal competente para apreciar também este mencionado incumprimento. 16. A fls. 33 destes autos a progenitora alega que a S se recusa a ir e peticiona a litigância de má-fé do progenitor. 17. Conforme se afere do relatório de fls. 41, a progenitora encontrava-se a residir com as filhas na morada que tinha sido a casa de morada de família. 18.Aí a mesma alega que pretende a retoma das visitas ao progenitor, desde que não afecte o equilíbrio emocional das filhas. 19. Regressado o pai de Timor, vem aos autos alegar que a progenitora não lhe diz em que escola as filhas estão. 20. Em 05/7/2001, a fls. 55/56 destes autos, em conferência de pais, foi obtido novo acordo de RPP, em que quantificaram o em dívida e forma de pagamento, fixaram a pensão mensal em 50.000$00, menciona-se que a filha mais velha frequentaria consultas de pedopsiquiatria no Hospital, acordando-se ainda no que respeita a visitas e idas do pai com a menor às mencionadas consultas. 21. Cerca de um mês depois, em 08/8/2001, o pai vem requerer diligências urgentes, alegando em síntese que a mãe manipulou a filha mais velha e não permitiu as idas, mais requerendo a condenação em multa da progenitora. 22. A progenitora respondeu a tal requerimento, negando o vertido no mesmo (de forma tida por este Tribunal como não convincente, nomeadamente na parte em que alega que tudo fez para minimizar os efeitos da separação dos pais; na parte em que aventa que o pai é que se afastou das menores; na parte em que aventa que tinha instruído a filha mais velha para acompanhar o pai - se o fez, fê-lo mal e com o intuito contrário, do que a menor se apercebeu). 23. Note-se mesmo que no art° 24°, a fls. 77, a progenitora aventa que não existem consultas de pedopsiquiatria no Hospital, o que desde logo é revelador da má-fé desta na celebração do supra mencionado acordo. 24. E tal afirmação é mesmo comprovada mentira, conforme se afere de fls. 85, 90 e 91. 25. Por requerimentos entrados nos autos, ambos os progenitores mencionaram aderir à intervenção do Gabinete de Mediação Familiar. 26. Todavia, por falta da mãe, o processo foi arquivado nesse gabinete (fls. 105). 27. E, conforme se afere de fls. 116, 127 e 128, obtida logo a comparência do pai, apenas se conseguiu a comparência da mãe passado mais de um ano sobre a do pai, mais vindo essa mediação a ser inviabilizada, por falta de acordo de ambas as partes nessa intervenção. 28. A fls. 143 foi designada nova data para conferência de pais. 29. Feita esta a fls. 149, aí foi obtido acordo no que respeita a visitas em 13/10/2005. 30. Feita nova conferência de pais em 17/11/2005, aí se mencionou que as visitas não resultaram e não foi conseguido acordo. 31. Junto relatório a fls. 155ss atinente à progenitora, aí se menciona que o casal, quando vivia em conjunto, vivia ainda com a sogra da progenitora, mãe do progenitor. 32. Aí a progenitora alega violência por parte do progenitor, que este não pagou o em atraso, que a progenitora ganharia cerca de 300.000$00 mensais e as menores frequentariam ballet e sapateado. 33. A fls. 157 a progenitora refere que impediu as visitas no início porque a sua sogra a denegriu junto da sua filha mais velha. 34. Mais em tal relatório se aventa que as filhas recusam o pai e que têm um relacionamento forte e gratificante com a mãe. 35. Sendo que esta aventa instabilidade das menores alegadamente causada pelos contactos das mesmas com o pai. 36. Aí conclui-se por pretender-se uma imagem "descontaminada" de cada um dos pais, sugere-se apoio psicológico e propõe-se a retoma das visitas em contexto neutro, preferencialmente com apoio técnico. 37. A fls. 153ss, no seu relatório, o progenitor concorda com o supra sugerido e proposto. 38. Menciona que a entrega junto de parentes maternos reforça a recusa das menores. 39. Refere que ganha cerca de 200.000$00 mensais. 40. Menciona-se aí forte empenhamento em convívio por parte do progenitor. 41. E necessidade de mudança da imagem paterna, com má influência da reactividade materna e figuras associadas a esta. 42. A fls. 169 foi proferida decisão onde se consagram visitas no IRS. 43. A fls. 174ss o progenitor vem referir novos incumprimentos por parte da progenitora, nomeadamente com o acompanhamento das visitas por, sucessivamente, vizinha, advogada e madrinha. 44. A fls. 186 menciona-se em síntese que as 4 visitas no IRS correram bem. 45. Nesse relatório, bem como a fls. 188, mencionam-se "resistências da mãe aos contactos" (ente pai e filhas). 46. Sugere-se regime de visitas progressivo, regular e previsível, ao fim-de-semana, ao sábado ou domingo, com posterior avaliação e mediação familiar. 47. A fls. 192/3, a progenitora mudou de Advogado. 48. A progenitora pronunciou-se sobre tal relatório, negando que tenha havido qualquer resistência da sua parte; aventa que a Sara lhe disse que não estava para ouvir falar mal da mãe e avós; e diz concordar com a sugestão, mas não com imposição. 49. Recusa a intervenção do Gabinete de Mediação Familiar a fls. 193. 50. A fls.199/200 é proferida nova decisão, por 4 meses, onde se fixam visitas quinzenais ao sábado ou domingo, das 10h30 às 17h00. 51. Aí se fala claramente em alienação parental por parte da mãe, com distorção da imagem paterna. 52. E se fixa o dito regime de visitas progressivo em 24/5/2007, com avaliação pelo IRS. 53. Em 05/11/2007, a fls. 206, o pai deu entrada a novo requerimento, onde menciona que se deslocou ao local, não lhe tendo sido aberta a porta mas tendo sido observado por vídeo-porteiro, mais requerendo a condenação da progenitora em multa e a passagem desta de declaração anual das importâncias pagas para efeitos de IRS. 54. Aí o mesmo menciona o envio de 2 cartas registadas à progenitora. 55. Esta respondeu peticionando litigância de má-fé do progenitor, por não a ter avisado. 56. A fls. 221 sugere-se passagem das menores na escola e refere-se culpabilização recíproca dos progenitores pelo sucedido. 57. 0 MP pronunciou-se a fls. 227 a 228 verso, cujo teor se dá por aqui reproduzido, onde também menciona alienação parental por parte da mãe, promove advertência solene desta da possibilidade de mudança de guarda da menores, mais promovendo a condenação da mãe em multa no montante de 259€ e no pagamento de indemnização ao pai no montante de 180€, tudo nos termos do art°.181°, n°.1, da OTM. 58. A progenitora instaurou execuções em Maio de 2004 (Apenso D) e em Novembro de 2006 (Apenso F), nas quais o MP se encontra notificado da conta. 59. Instaurou ainda alteração da RPP em Abril de 2005 (Apenso E). 60. Onde foi obtido acordo provisório de RPP a 13/10/2005 (fls. 15). 61. Em 17/11/2005 não se conseguiu obter acordo (fls. 18). 62. A fls. 96 a 106 desse apenso mostram-se juntos relatórios atinentes aos progenitores, cujas conclusões a progenitora perfilha. 63. Nesse apenso encontra-se designado o dia 13/12/2007 para julgamento. Cumpre decidir. Desde logo cabe dizer que improcede a litigância de má-fé peticionada pela progenitora. Isso desde logo porque o próprio progenitor desde logo confessa no seu requerimento que a primeira missiva que enviou à progenitora não foi recebida atempadamente por esta. No entanto, esta recebeu atempadamente a segunda missiva, e, não obstante, incumpriu com o decidido. Pelo que procede o presente incidente de incumprimento. Nomeadamente com a consequente condenação em multa da progenitora. Mas bem ainda com a condenação desta no pagamento de indemnização ao progenitor, de montante equivalentes às despesas suportadas por este, conforme peticionado. A aludida multa, todavia, não pode ultrapassar o montante previsto no art°.181°.da OTM. Note-se que, atento o promovido pelo MP, no interesse das menores, mesmo que não reclamado pelo progenitor, é viável a alteração da guarda das menores. Com efeito, saber amar é saber deixar ir. E, o que se verifica ao longo destes autos é que o progenitor ao longo dos anos tem tentado ao menos ter visitas com as menores. E, quando estas por acção do Tribunal decorreram, correram bem, designadamente as que ocorreram no IRS. Se é verdade que os mais recentes relatórios juntos aos autos de Alteração da RPP vão no sentido pretendido pela mãe, não menos verdade é que o Tribunal pode legitimamente vir a entender que o proposto pela segurança social não acautela devidamente os interesses das menores. Não é pelo facto de uma eventual lavagem cerebral ter sido bem sucedida que se deve recompensar quem a fez. A alienação parental é um facto estudado. E, não obstante a mãe destes autos alegar que não é "má da fita" e que promoveu os contactos das menores com o pai, contra factos não há argumentos: a verdade é que não foram visitadas pelo pai (ou foram-no muito escassamente em 8 anos), apesar dos esforços deste. Mais: está comprovada nos autos a mentira por parte da progenitora no que respeita às consultas de pedopsiquiatria. E a sua alegada adesão à mediação familiar mas subsequente falta às convocatórias, com comparência apenas decorrido um ano, e para inviabilizar a mediação. E bem ainda o facto de ter inviabilizado a comparência do progenitor nas consultas de pedopsiquiatria. Mais ainda: o reiterado comportamento por parte da progenitora leva o Tribunal a duvidar da eficácia de mais qualquer solução consensual. Com efeito, o que se tem verificado é que perante a iminência da tomada de atitude por parte do Tribunal, os progenitores acordam, para logo de seguida ser protelado o estabelecimento de um normal regime de visitas e mesmo de uma normal relação de filiação. Assim, afigura-se pertinente a solene advertência promovida no sentido de que qualquer incumprimento mais no que respeita ao regime de visitas poderá implicar uma mudança na guarda das menores. Essa mudança de guarda, conforme referido pelo MP, decorrerá, obviamente do facto de o progenitor que tem a guarda dos menores, ter de a partilhar, facultando visitas. Se o guardião não faculta visitas, então, há que ponderar a alteração da guarda para aquele que as faculte. Nos casos mais graves, é mesmo feita a retirada dos menores para instituição, dado o perigo para a sua formação inerente ao egoísmo patenteado pelo guardião, ou mesmo pelo conflito entre os progenitores. Assim, deverá ser retomado, de imediato o regime de visitas do pai às filhas, sendo aos sábados, das 10h30 às 17h00, devendo este ir buscá-las e entregá-las na residência destas. Desde já, para obviar a eventuais não atendimentos de porta, se defere o recurso a mandados para entrega de menor, por entidade policial, com recurso a arrombamento de portas e portões, se necessário. Com vista ao restabelecimento futuro de pernoitas, e acolhendo a sugestão de que no futuro as recolhas e entregas deverão ser feitas na escola, a mãe deverá facultar ao Tribunal os estabelecimentos escolares que as menores frequentem, com a cominação de incorrer em crime de desobediência no caso de não o fazer no prazo fixado. TERMOS EM QUE SE DECIDE: 1. Julgar improcedente a litigância de má-fé peticionada pela progenitora. 2. Julgar procedente o presente incidente de incumprimento e consequentemente condenar a progenitora no pagamento de multa no montante de 249€ (duzentos e quarenta e nove euros). 3. Julgar procedente o presente incidente de incumprimento e consequentemente condenar a progenitora no pagamento de indemnização ao progenitor no montante de 180€ (cento e oitenta euros). 4. Advertir solenemente a progenitora no sentido de que qualquer incumprimento mais no que respeita ao regime de visitas poderá implicar uma mudança na guarda das menores, passando esta a caber ao pai. 5. Ordenar seja retomado, de imediato o regime de visitas do pai às filhas, aos sábados, das 10h30 às 17h00, devendo este ir buscá-las e entregá-las na residência destas. 6. Desde já, se defere o recurso a mandados para entrega das menores, por entidade policial, com recurso a arrombamento de portas e portões, se necessário. 7. Ordenar que a mãe faculte ao Tribunal, no prazo de cinco dias, os estabelecimentos escolares que as menores frequentam, com a cominação de que incorre em crime de desobediência no caso de não o fazer no prazo fixado. 8. Ordenar que a mãe faculte ao progenitor declaração anual das importâncias recebidas, para efeitos de IRS. Custas do incidente a cargo da requerida. Notifique.” De tal decisão apelou a requerida (vindo, já nesta Relação, o recurso a ser qualificado como agravo), formulando as seguintes conclusões: a) Embora a apelante concorde com a sentença recorrida na parte respeitante ao regime de visitas e nas demais obrigações previstas nos n°s 7 e 8 da parte decisória, já o mesmo não sucede na parte que respeita ao incumprimento que lhe vem imputado e, consequentemente, na condenação em multa e indemnização a favor do apelado; b) Com efeito, e em síntese, a decisão recorrida assenta na consideração de que a apelante terá mentido, terá agido de má-fé na celebração do Acordo de Regulação do Poder Paternal de 5-7-2001 e que o insucesso das visitas e da intervenção do Gabinete de Mediação Familiar lhe é imputável; c) Porém, uma análise mais criteriosa permite concluir que esta decisão se encontra em manifesta oposição com alguns elementos e documentos constantes dos autos, os quais, por sua vez, não continham ainda os elementos probatórios suficientes para uma decisão justa e conscienciosa sobre o incumprimento alegado pelo apelado; d) Na verdade, a decisão recorrida considera que, no que concerne às consultas de pedopsiquiatria alegadas no acordo de regulação de poder paternal de 5-7-2001, a apelante mentiu; e) Tal conclusão não encontra, porém, qualquer suporte nos autos, só podendo ter resultado de manifesto lapso de leitura ou de interpretação do art° 24° de fls. 77 por parte do M° Juiz a quo, onde se pretendia dizer que as consultas de pedopsiquiatria tinham lugar – como efectivamente tiveram — noutro local que não as instalações principais do Hospital (embora pertencentes ao mesmo hospital, como se vê de fls. 85, 90 e 91), afirmação que terá sido entendida como querendo dizer que não havia consultas de pedopsiquiatria. Não houve, pois, qualquer mentira da apelante nem má-fé na celebração do dito acordo de regulação do poder paternal; f) Por outro lado, considera o Mº Juiz que a apelante inviabilizou a comparência do progenitor nas ditas consultas de pedopsiquiatria. Também nesta parte os autos contêm elementos suficientes que permitem extrair conclusão contrária; g) De facto, está demonstrado nos autos (n° 14, fls 61), que o progenitor fora avisado pela própria apelante que a consulta teria lugar no dia 30-8-2001 e que teria lugar noutro local, que não o Hospital. E está também demonstrado que o progenitor, apesar de convocado, não compareceu nessa data, tendo apenas comparecido em 21-9-2001, apesar das consultas terem tido lugar até Janeiro de 2002 (cfr. fls. 85, 90 e 91). Chega-se, pois, à conclusão que não foi a apelante que inviabilizou a comparência do progenitor, mas sim este que apenas compareceu no dia 21-9-2001; h) Diz a sentença recorrida a fls. 232, n° 27, que "...obtida logo a comparência do pai, apenas se conseguiu a comparência da mãe passado mais de um ano sobre a do pai.". Ora, a fls. 120, 121, 122 e 123 constam as cartas enviadas à apelante, que foram devolvidas porque esta já não residia naquela morada, como, aliás, o tribunal veio a confirmar a fls. 126. É, pois, injusto que essa falta lhe seja imputada a título de culpa, quando nos autos constam documentos que provam o contrário; i) A fls. 232, n° 27, diz a sentença em apreço que a mediação ficou inviabilizada por falta de acordo de ambas as partes nessa intervenção. Todavia, apesar disso ser imputável a ambas as partes, o M° Juiz considerou que a recusa de intervenção do Gabinete de Mediação Familiar era da responsabilidade da apelante, sem curar de saber que o insucesso do acordo anterior era imputável a ambos, e não apenas àquela; j) A fls. 232, n° 45, o Tribunal a quo invoca o relatório do IRS de fls. 186 e 188 que refere "resistências da mãe". Todavia, duma forma que se considera parcial e injusta, já não valoriza a postura colaborante da mãe que ali vem referida, como também já não desvaloriza a atitude negativa do pai ali mencionada, o qual " desencadeou estratégias de confronto/responsabilização e participação parental pouco geradoras de mudança, em grande parte facilitadoras do actual incumprimento" (o destaque é do signatário); l) De qualquer modo, entende a apelante que, transitada em julgado a decisão de fls. 199 e 200, o tribunal a quo se deveria ter cingido a julgar o alegado incumprimento do regime de visitas aí estabelecido, dando às partes a oportunidade de provarem o que alegaram; m) Ora o que se verificou foi que o progenitor enviou uma primeira missiva, por correio registado, avisando que iria fazer uma visita no dia 30-6-2007. Como esta carta, por razões que se prendem com o horário de trabalho da apelante, só pôde ser levantada após esta data, a visita acabou por se frustrar, sem que possa ser imputada a responsabilidade à apelante que, obviamente, desconhecia o seu conteúdo; n) Contudo, quando a apelante tomou conhecimento do sucedido, teve a preocupação de tentar evitar que esta situação se repetisse. Por isso, para evitar outros desacertos, procurou combinar previamente datas, através dos respectivos advogados, mas a Ilustre mandatária do apelado, apesar de contactada em 12-7-2007, 17-7-2007 e 27-9-2007, não se mostrou disponível para colaborar nesse sentido; o) Em vez disso, o apelado preferiu enviar uma segunda missiva, com data de 31-7-2007, avisando que iria fazer uma visita no dia 8-9-2007, pelas 10,30 horas. Esta carta foi efectivamente recebida pela apelante e, por isso, ela e as suas filhas aguardaram o apelado no dia e na hora aprazados; p) Porém, apesar da apelante, na resposta de fls. 223, n°s 13 a 15, ter alegado que o apelado não apareceu, pelo menos até as 11,45 horas, como também nunca mais apareceu desde 8-9-2007 até 15-12-2007, o tribunal a quo fez letra morta de tudo isto e considerou ter havido incumprimento por parte da apelante, pese embora a ausência de qualquer prova nesse sentido; q) O tribunal a quo aderiu facilmente à estratégia de vitimização do apelado, como se conclui pelo que acaba de se dizer e pela desvalorização de tudo o que de desfavorável dele vem referido nos relatórios do IRS de fls. 155 a 158, 162 a 164, 185 a 187 e 199 destes autos, bem como a fls 95 a 106 do Apenso E; r) Em contrapartida, quando o teor dos relatórios mais recentes (fls 95 a 106 do Apenso E) se mostram mais favoráveis à posição da mãe e das menores, o M° Juiz considera que tais relatórios já não merecem o mesmo crédito e considera que eles resultam duma lavagem cerebral bem sucedida; s) A apelante está convicta que, acima de tudo, o que o apelado pretende é fabricar pretextos que lhe permitam invocar incumprimentos e, por via disso, vingar-se dela pela sua incapacidade de conquistar o afecto das suas filhas; t) Na verdade, ao apelado basta-lhe constatar pouco entusiasmo ou afecto por parte das suas filhas, para imediatamente responsabilizar a apelante, preferindo desistir das visitas e vir aos autos alegar supostos incumprimentos, em lugar de, com amor e não com ameaças e imposições, tentar conquistar gradualmente o afecto de suas filhas e apagar, com atitudes positivas, a imagem negativa que ele próprio construiu com agressões físicas à mãe na frente da filha mais velha, com os cortes da água e da electricidade da casa de morada de família, com os recentes incumprimentos no pagamento das pensões de alimentos e com as críticas que sistematicamente faz da progenitora e dos avós maternos, todas as vezes que se encontra com as filhas; u) A sentença recorrida é, pois, sumamente injusta quando considera que o incumprimento é imputável à apelante e a condena no pagamento de multa e indemnização a favor do apelado; v) Deve, por isso, ser revogada nesta parte, em virtude da condenação assentar em pressupostos que os factos e os documentos constantes dos autos não confirmam ou, quando assim se não entenda, que seja ordenada a produção de prova, visto os autos se mostrarem deficientemente instruídos, no que concerne à prova do alegado incumprimento. O requerente contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão. * Os factos a considerar no presente recurso são os que se deixaram consignados no relatório.* I - Os incidentes de incumprimento da regulação do exercício do poder paternal constituem processos de jurisdição voluntária (artigos 150º da LTM), a que se aplicam, na ausência de disposição privativa (artigo 161º da LTM), os artigos 1409º a 1411º e 302º a 304º do Cód. Proc. Civ..O incidente inicia-se por um requerimento, em que deve ser alegada a factualidade em que o incumprimento se traduz e requeridas as diligências tidas por adequadas ao restabelecimento da situação, podendo igualmente ser requerida a condenação do incumpridor em multa e indemnização (artigo 181º nº 1 da LTM). Não havendo lugar a indeferimento liminar e, tendo sido convocada conferência de pais, se nela se não tiver chegado a acordo, tem a outra parte o direito de responder ao alegado (sob pena de manifesta violação do princípio do contraditório e ainda que a redacção do nº 2 do artigo 181º da LTM possa inculcar a ideia de alternativa). Cada uma das partes, no respectivo requerimento, pode requerer as diligências de prova que entender adequadas (artigo 303º nº 1 do Cód. Proc. Civ.). De seguida, proceder-se-á a inquérito sumário e ás diligências tidas por necessárias (artigos 181º nº 4 e 1409º nº 2 do Cód. Proc. Civ.), o que implica pronúncia sobre as diligências requeridas, ainda que se considere deverem ser indeferidas. Finalmente, há que decidir quais os factos que indiciariamente resultaram provados/não provados (tendo como base o alegado nos requerimentos e o mais que o tribunal considerar útil, nos termos do nº 2 do artigo 1409º do Cód. Proc. Civ. – vd. nº 5 do artigo 304º do mesmo diploma) e qual a decisão que, perante a factualidade demonstrada e os preceitos legais aplicáveis, se mostra mais adequada a tutelar os interesses em jogo, em especial, o do menor. II - O incidente de incumprimento suscitado pelo pai em 1.10.99 – e que deu origem a este Apenso – e em que a mãe respondeu em 3.11.00 findou por acordo, homologado por sentença, em 5.7.01. Dele não cuidaremos, pois. Sucede que, ao contrário do que sustenta a requerida, essa é a única (exceptuada, naturalmente a ora recorrida) decisão com carácter final proferida nos autos. Com efeito, a decisão de fls. 199-200 – que a requerida considera ter transitado em julgado, assim impedindo o conhecimento das situações invocadas antes da data (24.5.07) em que foi proferida – pese embora não referir qualquer disposição legal, representa claramente uma decisão provisória/cautelar (proferida ao abrigo do disposto no artigo 157º da LTM). Como decorre da leitura da mesma, a decisão visou “implementar um regime de visitas progressivo”, a vigorar nos quatro meses seguintes e sujeito a avaliação subsequente. E compreende-se a decisão como tentativa de restabelecimento de contactos entre pai e filhas. Assim, ainda que não tenha sido impugnada por qualquer das partes, a decisão de fls. 199-200 não assume senão natureza interlocutória, não constituindo a apreciação final das questões até aí suscitadas pelas partes. III – Em causa está, pois, neste incidente de incumprimento, a matéria carreada pelo requerente nos seus requerimentos de 8.8.01 (em que arrola duas testemunhas), 12.7.05 (em que arrola 5 testemunhas), 5.12.05 (em que reitera o rol já apresentado) e 5.11.07 (com o qual junta 2 documentos) e pela requerida nos seus requerimentos de 3.12.01 (em que arrola três testemunhas), 21.3.07 e 16.11.07. As diligências instrutórias efectuadas no processo consistem em inquéritos realizados pelo Instituto de Reinserção Social e em informações da médica pedopsiquiatra que acompanhou a menor Sara durante certo período. Nada foi dito a propósito das testemunhas arroladas. Foi proferida a decisão final que acima se transcreveu. Mesmo que o tribunal tivesse indeferido a inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, não estaria o juiz dispensado de se pronunciar sobre os factos que considerava terem ou não sido demonstrados, já que o nº 5 do artigo 304º do Cód. Proc. Civ. prevê a decisão sobre a matéria de facto uma vez “finda a produção da prova”, seja ela qual for. Só em relação a “não factos” – conclusões ou matéria de direito – deverá o juiz abster-se de os considerar (artigo 646º nº 4 do Cód. Proc. Civ.), havendo, porém, de os mencionar como tal para eliminar dúvidas que possam colocar-se. Ora, o Sr. Juiz não proferiu qualquer decisão sobre a matéria de facto, quer autonomamente, quer englobada na decisão final do incidente. Com efeito, a parte inicial da decisão (até “cumpre decidir”) não passa de um relatório – excessivamente pormenorizado nalguns aspectos e omisso noutros com relevância - de vários dos processos de natureza tutelar cível que têm oposto as partes. À excepção dos pontos 1. a 4. (que contemplam aspectos que, noutro contexto formal, se não teria dúvidas em entender como factos que o tribunal considerou provados), dos pontos 6., 20., 29., 42., 50. e 60. (que reproduzindo, ainda que nalguns casos insuficientemente, os acordos/decisões a que as partes ficaram vinculadas em matéria de regulação do exercício do poder paternal, sempre se mostrariam relevantes porque é relativamente a eles que hão-de aferir-se as situações de incumprimento) e dos pontos 22. a 24. (em que se tecem considerações sobre o alegado pela mãe, considerações apenas com cabimento em sede de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto ou em sede de análise da factualidade demonstrada), os demais pontos relatam o processado, descrevem o que cada uma das partes alegou e requereu, referem o conteúdo dos relatórios do IRS (nomeadamente, quanto às declarações que aí se imputam aos progenitores e às propostas formuladas) e reportam-se ao insucesso da mediação familiar. O que importa em sede de julgamento de facto é saber o resultado da convicção do tribunal em face das provas produzidas: é saber quais os factos (em particular de entre os alegados) que o Sr. Juiz considera que ocorreram e quais os que não se convenceu de terem ocorrido. Ora, ao relatar o que as partes alegaram e o que consta dos relatórios do IRS, o Sr. Juiz não expressou – inequivocamente, como se impõe – a sua convicção. Ou, dito de outro modo: o tribunal não procedeu, pelo menos em peça escrita, ao julgamento de facto. E tal procedimento impede que esta Relação se pronuncie sobre as questões objecto do recurso, quer ao nível factual, quer numa perspectiva jurídica. Aliás, tal procedimento também impede as partes de cabalmente argumentarem na defesa das suas posições (nomeadamente, impugnando a decisão sobre a matéria de facto), porquanto desconhecem a convicção do Sr. Juiz, restando-lhes supor que factos terá considerado como provados para concluir como o fez. Acresce que, a ausência de decisão sobre a matéria de facto significa, também, o desconhecimento de quais os elementos de prova de que a Sr. Juiz se socorreu para considerar provados ou não provados os factos alegados e, eventualmente, outros que julgasse pertinentes. Pelo que nem se pode afirmar que esta Relação disponha dos elementos de prova que serviram de base à decisão – inexistente – sobre a matéria de facto. Em conclusão: a ausência de decisão sobre a matéria de facto não pode deixar de se entender como a situação-limite da decisão deficiente a que alude o nº 4 do artigo 712º do Cód. Proc. Civ.. Impõe-se, pois, anular a decisão recorrida. No sentido exposto: Ac. RE de 12.11.92, BMJ 421º-520; Ac. RE de 3.12.92, BMJ 422º-452; Ac. RP de 14.3.95, BMJ 445º-620; e Ac. RL de 1.7.99, Col. Jur. 99-4º-90. Fica, em consequência, prejudicada a apreciação das questões suscitadas. * Por todo o exposto, acordamos em anular o julgamento e, consequentemente, o segmento da decisão objecto de recurso, devendo o Sr. Juiz, se considerar o processo suficientemente instruído, apreciar cada um dos factos alegados, nos termos dos artigos 304º nº 5 e 653º nº 2 do Cód. Proc. Civ..Custas pela parte vencida a final. Lisboa, 21 de Maio de 2009 Maria da Graça Araújo José Eduardo Sapateiro Maria Teresa Soares |