Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JOSÉ CAPACETE | ||
Descritores: | VEÍCULO AUTOMÓVEL COMPRA E VENDA ANULAÇÃO INDEMNIZAÇÃO AO LESADO PRIVAÇÃO DE USO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/11/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | 1.– Em caso de anulação do contrato nos termos do nos termos do art. 905.º do Cód. Civil, está em causa um vício de direito que afeta a situação jurídica da coisa e não as suas qualidades fáticas. 2.– O legislador acolheu, naquele preceito, a solução consistente na recondução da matéria à doutrina geral do erro e do dolo, podendo, por isso, o comprador pedir a anulação do contrato (com base em erro ou dolo), verificados os necessários requisitos. 3.– No caso de indemnização por simples erro a que alude o art. 909.º do Cód. Civil, está-se perante uma responsabilidade objetiva do vendedor por danos causados ao comprador cuja “ratio” reside no pressuposto de que o vendedor deve garantir que o bem vendido se encontra livre de ónus ou encargos, só respondendo, no entanto, por danos emergentes e não por lucros cessantes. 4.– Tendo a sentença afastado expressamente o dolo como fundamento da anulação do contrato, o qual declarou anulado com fundamento em simples erro da autora/adquirente, não se provando a ocorrência de danos emergentes, não pode esta ser condenada a título de danos patrimoniais: - nem na modalidade de lucros cessantes; - nem pelo dano autónomo de privação do uso da viatura objeto do contrato anulado. 5.– Só numa situação em que o lesado não sofreu nem danos emergentes, nem lucros cessantes, tendo apenas ficado impedido de utilizar o veículo, por exemplo, nas suas deslocações normais, faz sentido abordar a questão da privação do seu uso como dano autónomo indemnizável, sendo certo que, no caso de se concluir em sentido negativo, o lesado ficará sem indemnização, pois que sem dano não há responsabilidade civil, seja delitual, seja contratual. 6.– Logo, numa situação em que o contrato sido anulado com fundamento em simples erro da adquirente, não pode a mesma ser indemnizada pelo dano autónomo de privação do uso da viatura, pois que a isso impede o referido art. 909.º do Cód. Civil. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I–RELATÓRIO: “TCL, Lda.”, intentou a presente ação declarativa de condenação contra “CGL, Lda.”[1], que gira sob a denominação comercial de “LCAR”, e “BST, S.A.”[2], alegando, em suma, que é uma sociedade cuja atividade principal consiste no transporte de mercadorias em camiões de carga. A 2.ª ré encarregou a 1.ª ré, no âmbito da sua atividade de leiloeira, de proceder à venda da viatura de marca e modelo “DFX”, com a matrícula __-EN-__[3], a qual, nesse contexto, veio a ser adquirida pela autora no dia 13 de fevereiro de 2104, pelo preço de € 17.480,76. Sucede que no dia 8 de março de 2018, após ter sido interveniente num acidente de viação de pequena gravidade, o EN foi apreendido pela PSP, por existir uma ordem judicial para o efeito, proferida no âmbito de um procedimento cautelar pendente no Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz _, sob o n.º __/__, instaurado pelo 2.º réu, processo esse que veio a ser apensado ao Proc. n.º __/__, pendente no Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz _, em que é insolvente a sociedade Transportes Encarnação, S. A.. O EN nunca fez parte do acervo da massa insolvente da insolvente Transportes Encarnação, S.A. O 2.º réu solicitou no Proc. n.º __/__ o levantamento da ordem de apreensão sobre o EN, o mesmo tendo feito a autora. No entanto, a ordem de apreensão não foi levantada, mantendo-se o EN sem circular desde 8 de março de 2018, situação que tem provocado danos patrimoniais na esfera jurídica da autora. A autora nunca teria adquirido o EN se soubesse da existência de uma ordem de apreensão sobre o mesmo, situação que era do conhecimento de ambas as rés, e da qual nunca a avisaram. A autora conclui assim a petição inicial: «Nestes termos e nos melhores de Direito, (...)deve a presente acção ser julgada procedente provada e em consequência: - Ser o negócio de compra e venda entre a A. e as RR. da viatura “DFX”, com a matrícula __-EN-__, anulado, porquanto foi celebrado estando o bem objecto da venda limitado para além dos limites normais do direito de propriedade, nos termos do Art.º 905; - Em consequência, serem as RR. condenadas a restituir o valor pago pela viatura pela A., no total de € 17.480,76 (dezassete mil, quatrocentos e oitenta euros e setenta e seis cêntimos); - E ainda serem as RR. condenadas numa indemnização pelo prejuízo do credor, neste caso a A., nos termos do Art.º 798º e 799º do CC., no valor de € 46.265,40 (quarenta e seis mil duzentos e sessenta e cinco euros e quarenta cêntimos), correspondente ao valor da paralisação da viatura, conforme taxas diárias aferidas da tabela constante do acordo entre a ANTRAM e a APS; - Serem ainda as RR condenadas no pagamento diário da quantia de € 257,03 (duzentos e cinquenta e sete euros e três cêntimos), calculados e contados desde a data da sua citação até ao dia em que a ordem de apreensão seja efetivamente levantada.» * As rés contestaram, fazendo-o separadamente, defendendo-se por impugnação, concluindo ambas no sentido de a ação ser julgada improcedente, por não provada, com a sua consequente absolvição dos pedidos. * Na sequência da normal tramitação dos autos realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte: «Por tudo quanto exposto fica decide-se julgar a acção parcialmente procedente por provada e em consequência: - declarar anulado o negócio de compra e venda do veículo DAF AUDIÊNCIA FINAL, matrícula __-EN-__, celebrado entre a autora e o 2.º réu, com as legais consequências, nos termos preditos supra; - condenar o 2.º réu a pagar à autora a quantia de 15.200,00 euros a título de indemnização pela paralisação do veículo; - absolver a 1.ª ré dos pedidos contra si formulados.» * O 2.º réu não se conformou com o assim decidido, pelo que interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações: «A)- Como ressalta claro da decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto, a A. não fez qualquer prova dos danos concretos para si (eventualmente) resultantes da privação do uso do veículo em causa nestes autos. B)- Não obstante, entendeu a sentença recorrida que, apesar de a A. não ter feito qualquer prova de danos concretos, a mesma teria direito a receber uma indemnização pela não utilização do veículo. C)- Isto porque, no dizer da sentença, mesmo sem ter sido efectuada qualquer prova concreta de danos, “… a simples privação do uso do veículo se traduz numa diminuição do património da A. que há que reparar” – vd. pag. 15 da sentença. D)- Com base em tal tese, o Tribunal a quo, por recurso à equidade, nos termos do artº 566º, nº 3, do CC, estipulou in casu uma indemnização na quantia de € 15.200,00, correspondente a € 100,00 por cada dia de paralisação do veículo. E)- Ora, salvo o devido respeito, que é muito, julga-se que, ao condenar o BST no pagamento da referida indemnização, a sentença recorrida efectuou uma errada interpretação e aplicação da lei. F)- De facto, afigura-se como manifesto que a A. não tem in casu direito a qualquer indemnização. G)- Tal sucede, desde logo, porque da prova produzida resultou inequívoco que o BST agiu sem dolo. H)- Tal foi, aliás, expressamente reconhecido na sentença recorrida – vd. pag. 12 da sentença. I)- A ausência de dolo do BST retira, como se notou, qualquer fundamento ao pedido de indemnizatório formulado pela A. nestes autos, uma vez que o mesmo respeita a lucros cessantes. J)- De facto, essa circunstância, nos termos dos artºs 908º e 909º do Cod. Civil, implica que a indemnização seja restrita aos danos emergentes do contrato (ou seja, à devolução do preço pago), e exclua a indemnização por danos emergentes que a A. pretende. K)- Sem conceder, reitera-se que a A. não fez qualquer prova dos danos concretos para si (eventualmente) resultantes da privação do uso do veículo em causa nestes autos. L)- O que, como bem entende a jurisprudência dominante, sempre impediria, por si só, que lhe fosse atribuída in casu qualquer indemnização. M)- Pelo que, ao entender diversamente, a sentença recorrida incorreu em ilegalidade, por violação, designadamente, dos artºs 566º, nº 3, 908º e 909º, todos do Cod. Civil. N)- Sem conceder, para a hipótese, que se admite apenas academicamente e por cautela de patrocínio, de assim não ser entendido, ainda se aduz, a título subsidiário, que: a) também em tal cenário a sentença não poderia ter fixado nenhum valor indemnizatório a pagar pelo BST, por falta de elementos essenciais para o efeito, e b) a assim não se entender, sempre o valor indemnizatório arbitrado pela sentença recorrida (€ 100,00 por dia) é manifestamente excessivo e teria que ser reduzido. Mas vejamos: O)- Como se depreende da pag. 16 da sentença recorrida, esta, para fixar o valor da indemnização em € 100,00 por dia, utilizou, como referencial, o valor indicado na Tabela da ANTRAM. P)-Sucede que, a própria sentença recorrida reconhece que, ao caso dos autos, não é aplicável a dita Tabela da ANTRAM. Q)-A sentença recorrida não podia, pois, fixar o valor indemnizatório usando como referência a Tabela da ANTRAM. R)- Sendo que, o critério jurisprudencial normalmente seguido para o cálculo do valor indemnizatório por recurso à equidade, nos casos de privação do uso do veículo, é o do valor de aluguer de um bem de características semelhantes, com ponderação global de outras situações. S)-Sucede que, nos presentes autos nada foi alegado, nem provado, quanto ao valor de “aluguer de um bem de características semelhantes”, nem quanto à “normal taxa de lucro obtida pela utilização do veículo”, nem quanto ao “uso concreto que o lesado fazia do veículo em causa”, nem quanto à “poupança decorrente da própria não utilização do veículo imobilizado”, ou à “existência de dificuldades e ou sacrifícios decorrentes do seu não uso”. T)-Ou seja, no cenário académico em apreço, importa notar que, no caso dos autos, não resultaram provados os elementos necessários para ser fixada, com recurso à equidade, uma indemnização a arbitrar à A. pela não utilização do veículo. U)-Ao entender diversamente a sentença recorrida incorreu em violação do citado artº 566º, nº 3, do Cod. Civil. V)-Novamente sem conceder, cumpre ainda alegar, também a título subsidiário, que, mesmo que se entendesse que a A. tinha direito ser indemnizada, sempre o valor indemnizatório arbitrado pela sentença recorrida (€ 100,00 por dia) seria manifestamente excessivo. W)-Com efeito, os valores normalmente aplicados pela nossa jurisprudência para os casos de privação de uso de veículo, sem que tenham sido demonstrados danos concretos, oscilam entre os € 10,00 e os € 15,00 por dia. X)-Sendo que, no caso dos autos, não se pode olvidar que a A. irá agora receber integralmente o valor que pagou pela aquisição da viatura em 13.02.2014. Y)-Sendo que, como se notou, irá agora receber integralmente o valor que pagou pela aquisição da viatura. Z)-O que, na prática, significa que dispôs (e continua a dispor) da viatura de forma gratuita. AA)-Ou seja, a A., por via da devolução do preço, assegurará ressarcimento bastante dos eventuais danos que tenha sofrido. BB)-Pelo que, também por isso, o valor de € 100,00 por dia arbitrado pela sentença é manifestamente excessivo. CC)-Devendo o mesmo, no cenário académico em apreço, ser fixado, na esteira da jurisprudência citada, em quantia não superior a € 10,00 por dia. DD)-Por fim, ainda a título subsidiário, cumpre notar que, no descrito cenário académico, o período de tempo de contagem da imobilização do veículo não pode ser o considerado pela sentença. EE)-Para esse efeito, a sentença recorrida considerou o período compreendido entre a data da apreensão do veículo (08.03.2018) e a data do despacho que determinou o levantamento da apreensão (12.10.2018). FF)-Sucede que, o que o BST não é responsável por todo o tempo em que o veículo esteve apreendido. GG)-De facto, o BST, logo no dia 16.03.2018, requereu no processo respectivo o imediato levantamento da ordem de apreensão do veículo em causa – vd. doc. junto à p.i. sob o nº 4, que se dá por reproduzido, e al. J) dos Factos Provados pela sentença.. HH)-Requerimento esse ao qual juntou a prova documental adequada – idem. II)-Ora, perante a urgência, clareza e simplicidade da situação, era expectável que o dito requerimento fosse deferido no prazo máximo de sete dias, ou seja, até 23.03.2018. JJ)-Sucede que, consoante se referiu, o despacho a determinar o levantamento da apreensão apenas foi proferido a 12.10.2018. KK)-Sendo que, como ressalta límpido do exposto, tal demora não pode ser imputada ao BST, pois é da exclusiva responsabilidade do Tribunal de Comércio de Lisboa. LL)-Face ao exposto, importa concluir que o BST só poderia ser responsabilizado pela não utilização do veículo pela A. entre 08.03.2018 e 23.03.2018. TERMOS, em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou o BST a pagar à A. € 15.200,00 a título de “indemnização pela paralisação do veículo, ou alterando-se a mesma, de forma a que o valor indemnizatório a pagar pelo BST seja de € 10,00 por dia, e o período a considerar para o efeito seja entre 08.03.2018 e 23.03.2018.» *** II–ÂMBITO DO RECURSO: Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso. Assim, perante as conclusões da alegação do apelante, a única questão a decidir neste recurso prende-se com o direito da autora, uma vez anulado o contrato, nos termos do art. 905.º do C.P.C., ser indemnizada pelo 2.º réu pela privação de uso do EN. *** III–FUNDAMENTOS: 3.1-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «A)-A ora requerente é uma sociedade comercial cujo objecto social e principal actividade comercial é o transporte de mercadorias em camiões de carga. B)-De forma que, e nesse âmbito, a 13 de Fevereiro de 2014, a requerente veio a adquirir uma viatura “DFX”, com a matrícula __-EN-__. C)-A autora pagou a quantia total de 17.480,76 euros sendo que o preço de aquisição da viatura foi de 12.900,00 euros mais IVA. D)-A referida viatura foi adquirida junto da CGL, Lda que opera sob o nome comercial “LCAR”, NIPC 5.. ... ..3, com sede no Largo P..., nº..., Lisboa, 1...-1... Lisboa. E)-A A. procedeu ao licenciamento da viatura para que a mesma pudesse servir o seu propósito no âmbito da actividade comercial da A., nomeadamente o transporte de mercadorias. F)-Ora, na decorrência da utilização da viatura na prossecução daquele que é o objecto social da ora A., a viatura esteve envolvida num menor acidente de viação no dia 08 de Março de 2018. G)-E nesse sentido, após a chegada das Autoridades Policiais ao lugar do sinistro; nomeadamente da PSP e da exibição dos documentos da viatura, foi comunicado ao condutor da mesma que sob a viatura em causa existia pendente uma ordem de apreensão. H)-Ordem de apreensão essa que existia em virtude de Processo Cautelar n.º __/__, que correu termos na 7ª Vara Cível de Lisboa, e que tinha por Requerente o “BST”, aqui 2ª R.. I)-Os referidos autos foram apensados ao processo de insolvência que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz _ sob o n.º __/__ e em que é insolvente a sociedade “TE, S.A.”. J)-Pelo “BST, S.A.”, réu nos presentes autos e requerente do procedimento cautelar, foi dirigido aos autos do processo de insolvência, com a Ref.ª n.º __, um Requerimento a solicitar o levantamento da ordem de apreensão. L)-Também a ora A., se dirigiu aos autos do Processo de Insolvência, por via de Requerimento, com a Ref.ª __, datado de 20.03.2018, solicitando o levantamento da ordem de apreensão por parte do tribunal, demonstrando não dever a mesma perdurar uma vez que o titular da viatura não era já o demandado da providência cautelar de onde originara. M)-A 1ª ré, enquanto entidade leiloeira e mera prestadora de serviços, organiza leilões de veículos automóveis usados, propriedade de terceiros, que lá inscrevem os mesmos bens para esse efeito, N)-Actividade leiloeira essa - bem como a intervenção nela quer de interessados vendedores quer de interessados compradores, estes últimos exclusivamente profissionais do ramo automóvel - que se rege pelas regras previstas nas “Condições Gerais" de participação nos leilões da ora ré, e aceites por todos (disponíveis in www.leilocar.com). O)-Nos termos do previsto no n.º 1 da cláusula 3.ª das “Condições Gerais” de participação nos leilões da ora R., já referidas supra: “1.- A LCAR tem por única e exclusiva função e responsabilidade a organização e condução de leilões dos Veículos que lhes tenham sido entregues, para esse fim, pelos VENDEDORES, e aceites pela LCAR, no âmbito do mandato acima referido, não tendo nenhuma outra intervenção ou responsabilidade nos contratos de compra e venda, a respeito desses mesmos veículos.” P)-A ora ré foi instruída pelo seu cliente “BST, S.A.” em 04/Fev/2014, para proceder à colocação para venda, em leilão organizado pela ora R., do veículo automóvel em causa nos presentes autos (uma viatura pesada de marca DFX com a matrícula __-EN-__). Q)-Tendo essa viatura sido de facto licitada, adjudicada e adquirida pela autora no leilão de dia 07/Fev/2014, que é uma entidade inscrita como participante nos leilões Auto organizados pela ora ré, desde 2013 e sua cliente habitual. R)-Pelo preço de venda licitado pela autora de € 12.900,00 + IVA. S)-E tendo a ora ré pouco depois (24/Fev/2014) prestado contas ao Vendedor da viatura, o seu Cliente “BST, S.A.”, pela respectiva venda, tal como está obrigada, enquanto mandatária da mesma Vendedora. T)-Por uma mera questão operacional, e para prestar um serviço mais completo aos seus Clientes, a ora ré permite que os Vendedores lhe facturem directamente as vendas em leilão desses veículos em segunda mão, U)-Faz parte do serviço contratado à Leiloeira pelos seus clientes o processo de averbamento da aquisição das viaturas vendidas a favor dos respectivos Compradores. V)-Averbamento esse que, no presente caso, foi efectuado pela ora ré sem quaisquer problemas ou dificuldades assim considerando o processo encerrado. X)-Em 13/Março/2018, mais de quatro anos após o leilão aqui em causa, recebeu a ora ré um e-mail dirigido, pelo ilustre mandatário da A., Sr. Dr. A, ao ilustre mandatário da segunda R., Sr. Dr. P, e ao Sr. Administrador de Insolvência Dr. J, reportando a situação da apreensão da viatura de matrícula __-EN-__, decorrente de um acidente de viação que a terá envolvido no dia 08/Março/2018. Z)-Na sequência da recepção dessa comunicação veio a ora ré a responder ao ilustre mandatário da A., Sr. Dr. A, e ao ilustre mandatário da segunda ré, Sr. Dr. P, em 20/Março/2018, dando conhecimento dessa resposta à própria autora. AA)-Aí informando, muito claramente, desconhecer por completo a situação reportada de uma “ordem de apreensão da viatura em virtude de procedimento cautelar”, confirmando e demonstrando ter a viatura sido colocada para venda em leilão pelo “BST, S.A.” sem qualquer ónus registado. BB)-Mais ainda, foi também, na mesma comunicação acima referida, informada a autora e o seu Advogado que a ora ré “em nome dos valores de diligência comercial” estava em contacto com o “BST, S.A.” para “tentar assegurar a maior brevidade possível na resolução definitiva da situação”. CC)-Diligência comercial essa que foi cumprida, tendo a ora ré insistido, por escrito, junto da segunda ré sobre esta situação em 20/Março/2018, em 10/Abril/2018 e em 07/Maio/2018. DD)-Tendo obtido as respostas que constam do documento em causa. EE)-E tendo ainda a ora ré tomado conhecimento tanto do requerimento apresentado pela 2ª ré junto do Juízo de Comércio de Lisboa logo em 16/Março/2018, pouco depois de ter tomado conhecimento desta situação, aí solicitando expressamente “o imediato levantamento da mesma ordem de apreensão”, como de requerimento nesse mesmo sentido apresentado pela própria autora no mesmo Juízo de Comércio de Lisboa em 20/Março/2018, igualmente requerendo “o imediato levantamento da ordem de apreensão da viatura com a matrícula __-EN-__”, FF)-E documento último este onde a própria A. sustenta: “11.-Do registo não constavam quaisquer ónus, nem sequer o da locação que efectivamente teria vindo a motivar o Procedimento Cautelar por parte do “BST, S.A.” intentado contra a ora Insolvente, de onde proviria a Ordem de Apreensão. 12.-De forma que (…), dentro da bitola da boa fé (…) a Requerente assume-se perante os presentes Autos como terceiro de boa fé.” GG)-O BST intentou procedimento cautelar que correu termos na 7ª Vara Cível de Lisboa., sob o nº __/__, requerendo que lhe fossem entregues o veículo agora em causa nestes autos (__-EN-__), assim como mais 117 veículos que tinha também locado à “TE, S.A.” HH)-Sendo que, por sentença de 04.07.2013, foi essa providência cautelar deferida, tendo o Tribunal ordenado a entrega imediata ao BST dos 118 veículos abrangidos pela providência. II)-Em consequência o tribunal ordenou a emissão dos competentes mandados de apreensão dos veículos em causa, a ser efectuada pelas autoridades policiais. JJ)-À medida que as viaturas iam sendo restituídas/apreendidas, o BST procurava proceder à respectiva venda, nomeadamente por intermédio de leiloeiras. LL)-Comunicando previamente, nos processos cautelares respectivos, as recuperações ocorridas, de forma a que fossem dadas sem efeito as correspondentes ordens de apreensão. MM) Assim, designadamente no referido Pº __/__, o BST, em 10 e 16.07.2013, comunicou ao Tribunal que havia recuperado 23 das viaturas em causa em tal processo – vd. docs. que se juntam sob os nºs 2, 3 e 4, e se dão por reproduzidos. NN)-Sendo que, especificamente no que concerne à dita viatura __-EN-__, a mesma, na sequência da referida sentença de 04.07.2013, acabou por ser entregue ao Banco em Setembro de 2013. OO)-Por lapso o BST, ao contrário do que sucedeu em todos os outros casos de viaturas por si recuperadas, não comunicou então no processo cautelar em causa, para efeito de levantamento da respectiva ordem de apreensão, que havia recuperado a dita viatura. PP)-Tendo remetido a mesma para venda, por intermédio da 1ª ré, venda essa que acabou por ser efectuada à ora autora. QQ)-O BST tomou conhecimento da referida apreensão no dia 13.03.2018, por e-mail enviado, às 17H32m de tal dia, pelo Ilustre Advogado da autora ao mandatário do BST. RR)-Face a tal informação, o BST, logo no dia 16.03.2018, requereu no dito processo de insolvência o imediato levantamento da ordem de apreensão do veículo em causa – vd. doc. junto à p.i. sob o nº 4, que se dá por reproduzido. SS)-Entretanto, consultado o processo de insolvência da “TE, S.A.” no Tribunal de Comércio de Lisboa, o BST constatou que, relativamente ao seu requerimento de 16.03.2018, incidiu despacho de 24.04.2018, o qual ordenou a notificação do Administrador de Insolvência e da Comissão de Credores para se pronunciarem quanto ao levantamento da ordem de apreensão. TT)-Sucede que, decorridos cerca de seis meses, nem o Administrador de Insolvência, nem a Comissão de Credores se pronunciaram. UU)-Nada mais tendo sido feito pelo Tribunal nesse sentido. VV)-O que obrigou o BST a, mediante requerimento apresentado a 05.10.2018, (voltar a) requerer, com cariz de extrema urgência, o imediato levantamento da ordem de apreensão, ou, subsidiariamente, a renovação do despacho de 24.04.2018, com a fixação de um prazo de 5 dias para a resposta. XX)-Por despacho de 12-10-2018 proferido no Proc. Nº __/__ foi determinado o levantamento da apreensão que incidia sobre o veiculo referido nos autos tendo o réu BST dado conhecimento da prolação deste despacho nestes autos em 16-10-2018 e, na mesma data, à autora. ZZ)-A viatura não circulou desde a data da apreensão até, pelo menos, à data em que foi determinado o levantamento desta.» * 3.2–DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO: A sentença recorrida declarou anulado, conforme peticionado pela autora, ao abrigo do disposto no art. 905.º do Cód. Civil[4], o contrato de compra e venda celebrado no dia 13 de fevereiro de 2014, entre ela, na qualidade de compradora, e o 2.º réu, na qualidade de vendedor, tendo por objeto a viatura automóvel de marca e modelo “DFX”, com a matrícula __-EN-__. Fê-lo por entender que à data da celebração do contrato de compra e venda sobre o EN impendia ou ónus ou limitação que excedia os limites normais dos direitos da mesma categoria. Está em causa um vício de direito que afeta a situação jurídica da coisa e não as suas qualidades fáticas[5]. Segundo o mesmo Autor, o legislador acolheu a solução consistente na «recondução da matéria à doutrina geral do erro e do dolo» podendo, por isso, «o comprador […] pedir a anulação do contrato (com base em erro ou dolo), verificados os necessários requisitos.»[6]. Tendo a autora pedido da condenação das rés a pagarem-lhe a quantia de € 46.265,40, a título de indemnização «correspondente ao valor da paralisação da viatura, conforme taxas diárias aferidas da tabela constante do acordo entre a ANTRAM e a APS», a sentença recorrida condenou o 2.º réu a pagar-lhe «a quantia de 15.200,00 euros a título de indemnização pela paralisação do veículo», ou seja, como resulta da respetiva fundamentação, por a autora ter ficado privada do seu uso no período compreendido entre 8 de março e 16 de outubro de 2018. A sentença recorrida condenou o 2.º réu a pagar à autora a referida quantia ao abrigo do disposto no art. 909.º do Cód. Civil, por entender tratar-se de um dano emergente. Dispõe o art. 908.º do Cód. Civil que «em caso de dolo, o vendedor, anulado o contrato, deve indemnizar o comprador do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada», acrescentando o art. 909.º que «nos casos de anulação fundada em simples erro, o vendedor também é obrigado a indemnizar o comprador, ainda que não tenha havido culpa da sua parte, mas a indemnização abrange apenas os danos emergentes do contrato.» A sentença recorrida afastou expressamente o dolo como fundamento da anulação do contrato, tendo, antes, declarado anulado o contrato com fundamento em simples erro da autora/adquirente. Nesta segunda situação, segundo Santos Justo, «estamos perante uma responsabilidade objetiva do vendedor por danos causados ao comprador cuja “ratio” reside no pressuposto de que o vendedor deve garantir que o bem vendido se encontra livre de ónus ou encargos. No entanto, só responde por danos emergentes e não por lucros cessantes.»[7]. No mesmo sentido: - Pires de Lima e Antunes Varela: «A doutrina desta disposição corresponde à do artigo 899.º. Independentemente de culpa do vendedor, se a anulação se fundar em simples erro do adquirente, aquele é obrigado a uma indemnização. Mas esta abrangerá apenas os danos emergentes do contrato, os sejam, os referidos na primeira parte do n.º 1 do artigo 564.º. Não são considerados, assim, os lucros cessantes, ou sejam os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da anulação do contrato.»[8]; - Menezes Leitão: «Existindo simples erro do comprador, mesmo perante a ausência de dolo do vendedor, o art. 909.º não deixa de estabelecer, em caso de anulação do contrato, a responsabilidade objectiva do vendedor pelos danos causados ao comprador, a qual, como é tradicional neste tipo de responsabilidade, não atribui uma reparação integral. O fundamento desta responsabilização é o pressuposto de o vendedor, no momento em que procede à venda do bem, dever garantir, independentemente de culpa sua, que o bem vendido se encontra livre de ónus ou encargos, respondendo pelos danos causados se tal não se verificar. (...). Daqui resulta que o vendedor responde sempre objectivamente pelos danos emergentes, mas não pelos lucros cessantes, sofridos pelo comprador em virtude da aquisição do bem sujeito a ónus ou limitações.»[9]; - Pedro Romano Martinez: «A lei admite também uma situação de responsabilidade civil objectiva no art. 909º do CC que, diversamente da subjectiva, só abrange os danos emergentes (...).»[10]. - Carneiro da Frada: «O art. 909.º estabelece que nos casos de anulação fundada em simples em simples erro, o vendedor indemnizará o comprador, ainda que tenha agido sem culpa, embora a indemnização abranja apenas os danos emergentes do contrato. Quando a conduta do alienante não seja censurável, imputam-se-lhe os danos emergentes do contrato, por o risco da falha do programa contratual que os originou pertencer à sua esfera de domínio. Dificuldades hermenêuticas surgem agora quanto a saber se a negligência do seu comportamento o leva a indemnizar também apenas nos termos do art. 909º, ou se o vendedor responde, nesse caso, ao abrigo do art. 908º. A simetria, afirmada, e por certo desejável, com o disposto no art. 899º, levaria a que o vendedor culposo respondesse nos termos do art. 908º. Todavia, a interpretação gramatical mais linear do art. 909º leva a considerar que a previsão legal abrange todos os casos de anulação baseados em simples erro, havendo ou não culpa do vendedor. Deste modo, a norma do art. 908º só se aplicará realmente aos casos tidos pelo legislador como de dolo-vício.»[11]; - Menezes Cordeiro: «O artigo 909.º põe a hipótese de uma anulação fundada em simples erro, por oposição a dolo. Sendo o dolo a má-fé, o simples erro traduzirá a situação em que o vendedor estava de boa-fé, ou seja: desconhecia na oneração ou a limitação, sem dever conhecê-las. O preceito apoia essa hipótese explicitando “ainda que não tenha havido culpa da sua parte”, a traduzir por “ainda que o vendedor não tenha violado os deveres de diligência que ao caso caibam”. A indemnização fica, então, mais contida, isto é, abrange apenas, os danos emergentes do contrato. Trata-se também aqui, de uma clara responsabilidade contratual, que visa o interesse positivo, mas limitada aos danos emergentes: exclui os laterais e os lucros cessantes. O preceito aplica-se quando seja ilidida a presunção de culpa: o vendedor responde pelo risco, numa solução adequada, uma vez que ele recebeu a devida contraprestação: o preço.»[12]. A sentença recorrida, reitera-se: - afastou expressamente o dolo como fundamento da anulação do contrato; - declarou anulado o contrato com fundamento em simples erro da autora/adquirente; - condenou o 2.º réu a pagar à autora a quantia de € 15.200,00, ao abrigo do disposto no art. 909.º do C.P.C., a título de indemnização pela privação do uso do EN entre 8 de março e 16 de outubro de 2018, por entender tratar-se de um dano emergente. Salvo o devido respeito, não podemos concordar com tal decisão. O art. 564.º, n.º 1, do Cód. Civil, ao tratar dos danos patrimoniais, consagra a distinção entre os danos emergentes e os lucros cessantes: «O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.» Assim: - constitui um dano emergente a perda ou a diminuição de valor de bens já existentes no património do lesado; - entende-se por lucro cessante a frustração de um acréscimo daquele património. Utilizando um critério jurídico, a delimitação terá por base a existência, ou não, da titularidade de um bem considerado[13]. Segundo Antunes Varela, dentro do dano patrimonial cabe, não só o dano emergente, ou perda patrimonial (damnum emergens, la parte éprouvée), como o lucro cessante ou o lucro frustrado (lucrum cessans; le gain manque). O primeiro compreende o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão. O segundo abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão.»[14]. No dizer de Pereira Coelho, «o critério de distinção entre as duas formas formas do dano[15]só pode ser um critério jurídico (formal) não um critério económico (substancial). Decisivo é só aqui que o lesado tenha ou não tenha um direito ao bem atingido (ou sobre o bem atingido) no momento do facto danoso. Se se quisesse aplicar nesta distinção um critério económico, identificando a esfera do dano emergente com os casos em que o facto tivesse destruído uma utilidade actual ou um bem de que o lesado já pudesse dispor naquele momento, chegar-se-ia a bem estranhas conclusões. De resto, pode mesmo dizer-se que o critério económico nunca será idóneo para distinguir o dano emergente do lucro cessante; pois o património em sentido económico; pois o património em sentido económico (não assim o património em sentido jurídico […]) abrange também as utilidades futuras e as simples expectativas de aquisição de bens, por forma que o lucro cessante se traduz, tal e qual o dano emergente, numa diminuição do património (em sentido económico). Formalmente errada seria igualmente (de que é fruto a concepção segundo a qual no dano emergente a diferença seria uma diferença entre duas situações reais e no lucro cessante a diferença entre uma situação real e outra hipotética; (...) no dano emergente tem lugar uma diminuição efectiva do património, enquanto o lucro cessante assenta no cálculo hipotético do estado em que o património do lesado se encontraria se o facto não tivesse tido lugar (...). Mas este critério assenta na falsa ideia de que o dano emergente é alguma coisa de sólido e de acabado, quando é certo que ele se traduz , como o lucro cessante, na frustração das utilidades ou das vantagens que o lesado tiraria do bem atingido pelo facto, de tal maneira que o cálculo do dano emergente também só pode ser feito - como o do lucro cessante - ponderando aquela situação hipotética em que o património do lesado se encontraria se não fosse o facto. O reconhecimento disto conduz de algum modo à unidade do conceito de dano, unidade aqui obtida à custa de uma desmaterialização do dano emergente e que outros têm procurado conseguir através de uma materialização do lucro cessante (...). Por fim, é claro que seria incorrecto identificar o dano emergente como o dano presente e o lucro cessante como o dano futuro; as duas classificações entrecruzam-se (...).»[16]. Ainda segundo Antunes Varela, «no domínio da própria responsabilidade contratual, haverá muitas vezes que distinguir entre a prestação em falta (o dinheiro, a coisa, ou a mercadoria que devia ser entregue; o facto que deveria ter sido realizado) e as vantagens de que o credor se viu privado (o negócio lucrativo que deixou de fazer, a revenda que se frustrou, por ex.), em virtude da falta de prestação debitória.»[17]. A privação de utilização de uma coisa, no caso, de uma viatura, pode traduzir-se num dano patrimonial: - na modalidade de dano emergente; ou, - na modalidade de lucro cessante. Tal como refere Adriano de Cupis, citado no Ac. do S.T.J. de 11.12.2012, Proc. n.º 549/05.TBCBR-A.C1.L1 (Fernando Bento), in www.dgsi.pt, «o chamado dano da imobilização (dano de paro ou dano por paro na terminologia espanhola) decorre da paragem imposta a uma viatura destinada a circulação com fins de lucro quando a paragem resultou de um facto culposo de terceiro. Este dano é posterior ao causado à estrutura material da viatura cuja medida é a do custo da reparação (dano emergente). O dano de imobilização decorre da impossibilidade de utilização do veículo imobilizado por culpa de outrem e configura-se como lucro cessante quando não é possível remediar-se essa falta de utilização, sofrendo então o património do transportador uma carência de benefícios – lucro cessante – intimamente dependente da paragem do mesmo veículo. Não existe remédio quando o transportador não dispõe de outra viatura nem pode substituir o veículo danificado por outro, não podendo assim, satisfazer as exigências do tráfico que anteriormente satisfazia, sofrendo assim uma perda de ganhos (lucro cessante). Pelo contrário, o dano por imobilização configura-se como emergente quando há remédio para suprir a falta de utilização do veículo, ainda que oneroso. Quando o transportador pode substituir o veículo danificado por outro, pode continuar a sua actividade e não sofre por isto uma perda de ganhos, ainda que tenha de suportar os gastos de substituição, os quais representam um prejuízo para a estrutura actual do seu património que há que qualificar como dano emergente. Este custo constitui a perda de um elemento actual do seu património, originado pelo facto culposo do mesmo terceiro (integram também o dano a ressarcir as medidas empregadas pelo lesado para remediar ou atenuar as consequências do facto culposo, já que, visando remediar ou obviar as consequências lesivas do facto, elas mesmas se deduzem dele.»[18]. Ora, fundando-se, no caso concreto, a indemnização, no disposto no art. 909.º do Cód. Civil, ela apenas pode respeitar e abranger os danos emergentes do anulado contrato de compra e venda celebrado entre a autora e o 2.º réu, não fazendo, por isso, sequer sentido, salvo o devido respeito, equacionar a questão do dano autónomo (relativamente aos danos emergentes e dos lucros cessantes, os quais, como se viu, têm expressão legal no art. 564.º, n.º 1, do Cód. Civil) da privação do veículo. Ora, é só quanto a este dano autónomo que faz sentido equacionar a questão de saber se a simples privação do uso do veículo não será, de per se, suscetível de originar prejuízos que mereçam a tutela do direito. Seria o caso, por exemplo, de um determinado lesado não ter sofrido qualquer um daqueles danos (danos emergentes e lucros cessantes, reiterando-se que para efeitos do art. 909.º do Cód. Civil apenas os primeiros relevam) mas ter apenas ficado na impossibilidade de utilizar o veículo nas suas deslocações normais, como simples meio de transporte para o local de trabalho, ou em passeios de família, recorrendo a boleias de colegas ou de outra viatura cedida por familiares ou amigos. É em casos como este que faz sentido falar-se em dano autónomo e indemnizável de privação de uso de veículo automóvel; de outro modo dizendo, é em casos como este que faz sentido questionar se a privação do uso do veículo comporta, ou não, um prejuízo efetivo na esfera jurídica do lesado correspondente à perda temporária dos poderes de fruição[19]. Por outras palavras, se se quiser, só numa situação em que o lesado não sofreu nem danos emergentes, nem lucros cessantes, tendo apenas ficado impedido de utilizar o veículo, por exemplo, nas suas deslocações normais, faz sentido abordar a questão da privação do seu uso como dano autónomo indemnizável, sendo certo que, no caso de se concluir em sentido negativo, o lesado ficará sem indemnização, pois que sem dano não há responsabilidade civil, seja delitual, seja contratual. Na situação sub judice, decorrendo a responsabilidade indemnizatória do 2.º réu perante a autora, da anulação do contrato de compra e venda entre ambos celebrado no dia 13 de fevereiro de 2014, tendo por objeto a viatura acima identificada, decorrente de simples erro da adquirente, e abrangendo a indemnização, apenas e só, nos termos do art. 909.º do Cód. Civil, os danos emergentes daquele contrato (e não quaisquer outros danos, nomeadamente lucros cessantes ou dano autónomo de privação de uso de veículo automóvel), teria a autora de alegar e fazer prova da ocorrência de tais danos (emergentes). Ora, não está provado qualquer facto demonstrativo de que em consequência da anulação do contrato acima identificado, fundada em simples erro, a autora sofreu danos dele emergentes. Aliás, na petição inicial, a autora mais não fez do que peticionar uma indemnização pela privação do uso do EN, enquanto dano autónomo, com referência às «regras estabelecidas no acordo celebrado entre a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) e a Associação Portuguesa de Seguradoras (APS) quanto aos valores da paralisação para veículos de serviço internacional», imputando o valor diário de € 257,03 (...), por cada dia de paralisação.» - 16.º E era sobre ela, autora, que recaia o ónus de alegação e prova dos danos emergentes, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do Cód. Civil. Perante isto, e sem necessidade de mais considerandos, importa concluir que à autora não assiste o direito de ser indemnizada pelo 2.º réu nos termos decididos na sentença recorrida, a qual, por isso, nesta parte, terá de ser revogada. *** IV–DECISÃO: Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação, em consequência do que: 4.1- revogam a sentença recorrida na parte em que condenou o 2.º réu a pagar à autora a quantia de € 15.200,00 (quinze mil e duzentos euros) «a título de indemnização pela paralisação do veículo.»; 4.2- mantêm a sentença recorrida quanto a tudo o mais que nela se mostra decidido, e que não foi objeto de recurso. Custas do recurso pela apelada - art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. Lisboa, 11 de dezembro de 2019 José Capacete Carlos Oliveira Diogo Ravara [1]Doravante identificada como 1.ª ré. [2]Doravante identificado como 2.º réu. [3]Doravante a viatura seré identificada apenas por “EN”. [4]«Se o direito transmitido estiver sujeito a alguns ónus ou limitações que excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade.» [5]Cfr. Santos Justo, Manual de Contratos Civis, Vertentes Romana e Portuguesa, Petrony, 2018, p. 63. [6]Ob. Cit., p. 64. [7]Ob. cit., p. 68. [8]Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1986, p. 206. [9]Direito das Obrigações, Vol. III, 4.ª Edição, Almedina, 2006, p. 114. [10]Compra e Venda, in Direito das Obrigações (Parte Especial) - Contratos, Almedina, 2000, p. 121. [11]Perturbações Típicas do Contrato de Compra e Venda, in Forjar o Direito, 2.ª Edição, Almedina, 2019, p. 119. [12]Tratado de Direito Civil, XI, Contratos em Especial (1.ª Parte), Almedina, 2018, pp. 246-247. [13]Cfr. Henrique Sousa Antunes, Comentário do Código Civil - Direito das Obrigações - Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2019, p. 561. Afirma ainda o Autor que «nalguns casos a lei exclui o lucro cessante do objeto da indemnização. Assim sucede, por exemplo, (...), na anulação da venda de bens onerados fundada em erro do comprador (artigo 909.º) - Ob. e loc. cit.. [14]Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª Edição, Almedina, 2003. [15]O dano emergente e o lucro cessante. [16]O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 1995. p. 91, nota 43. [17]Ob. cit., pp. 599-600. [18]El Daño, Tradução Espanhola, p. 314. [19]E esse dano seria de natureza patrimonial. Tal como refere Liliana Fernandes Gonçalves, Da indemnização do dano da privação do uso de veículo decorrente de acidente de viação, Dissertação de Mestrado, Universidade do Minho, p. 72, acessível na Internet em file:///C:/Users/MJ01695/iCloudDrive/DOUTRINA/DIREITO%20DAS%20OBRIGAÇÕES/PRIVAÇÃO%20DO%20USO/Da%20indemnização%20do%20dano%20da%20privação%20do%20uso%20de%20veículo%20decorrente%20de%20acidente%20de%20viação.pdf, hoje em dia é praticamente unânime da doutrina e na jurisprudência portuguesas, o entendimento de que o dano autónomo da privação do uso consiste num dano patrimonial. |