Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ADEODATO BROTAS | ||
Descritores: | VENDA DE BENS DE CONSUMO DENÚNCIA DE DEFEITOS PRAZO DE CADUCIDADE RECONHECIMENTO DO DIREITO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/17/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | 1-Embora o DL 67/2003, de 08/04, na redacção dada pelo DL 84/2008 de, 21/05, relativo à venda de bens de consumo, não preveja expressamente o impedimento da caducidade da denúncia do defeito, nem o impedimento da caducidade do direito à reparação do defeito ou redução do preço, deve aceitar-se que esse impedimento da caducidade é admissível, nos termos gerais do artº 331º nº 2 do CC, mediante o reconhecimento do direito do comprador/consumidor por banda do construtor/vendedor. 2-Vem sendo entendido que são requisitos do reconhecimento do direito, nos termos do artº 331º nº 2 do CC: (i) a concretude; (ii) a clareza; (iii) a inequivocidade. Ou seja, o reconhecimento deve ser concreto, no sentido de delimitado e suficientemente preciso; deve ser claro e não assentar em declarações vagas e ambíguas; e, deve evidenciar o propósito do beneficiário da caducidade aceitar o direito do titular. 3-Por outro lado, a declaração de reconhecimento do direito por parte do beneficiário da caducidade, não tem de ser necessariamente expressa, podendo ocorrer, validamente, de modo tácito, nos termos do artº 217º nº 1, 2ª parte do CC, exigindo-se, porém, que resulte de factos concludentes, inequívocos, no sentido de não ser admissível qualquer outra interpretação no caso concreto, ou seja, em termos de não subsistirem dúvidas sobre a aceitação/reconhecimento, pelo devedor, dos direitos do credor e a sua disponibilidade para o cumprimento da prestação respectiva. 4-Se o construtor vendedor reconheceu a impossibilidade de acesso dos veículos automóveis às garagens do piso -2 e, que a rampa de acesso era inadequada e, comprometeu-se para com os autores que resolveria o problema da referida rampa tornando-a utilizável ao trânsito de automóveis e, realizou obras com vista a tentar eliminar aquela desconformidade, constitui um reconhecimento do direito dos autores à eliminação/reparação dos defeitos na coisa, o que nos termos do artº 331º nº 2 do CC impede a caducidade do direito de acção dos autores, tornando esse direito estável e subtraído, definitivamente, à caducidade. (Pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO. 1-Condomínio do Prédio sito na Rua…, Sandra…e Pedro…; Nuno…e Maria…; Nuno…e Ana…; Cátia…e Pedro..., instauraram acção declarativa, com processo comum, contra, Sociedade de Construções,Lda, pedindo: - Seja a ré condenada a eliminar os vícios e defeitos de que a obra padece ao nível da rampa da garagem de acesso ao piso menos 2, tornando-a funcional e adequada ao fim a que se destina; - Caso a eliminação dos defeitos e vícios não se mostre possível e o acesso ao piso menos 2 se mantenha disfuncional, seja a mesma condenada a pagar aos 2ºs a 5ºs autores a quantia de €105.000,00 (€15.000,00 por cada lugar de garagem); - Seja a ré condenada a pagar aos 2º a 5º autores a quantia de €10.000,00 a título de danos não patrimoniais (€2.000,00 aos 2ºautores; €2.000,00 aos 3º autores; €2.000,00 aos 4º autores e €2.000,00 aos 5º autores); - Seja a ré condenada, a título de dano de privação de uso, a pagar aos 2º a 5º autores o montante de €150,00/mês relativamente a cada lugar de garagem, desde a citação até à realização das obras indicadas no ponto 1 do pedido; - Seja a ré condenada a substituir as placas de revestimento do prédio aludidas no art. 32º e 33º pi, realizando as obras necessárias à sua colocação e respeitando a linha arquitectónica do prédio; - Seja a ré condenada no pagamento aos autores de sanção pecuniária compulsória no montante de €20/dia, por cada dia de incumprimento na realização da prestação; - Seja a ré condenada no pagamento de juros de mora a contar da citação até integral pagamento. Alegaram, em síntese, que a ré construiu o prédio habitacional sito na Rua…, tendo os autores, 2ºs a 5ºs adquirido àquela, determinadas fracções autónomas desse prédio. Aquando da amostragem e negociação das respectivas fracções, logo se aperceberam que o acesso aos lugares de garagem do piso menos 2 seria extremamente difícil, arriscado e nada prático para automóveis ligeiros e familiares de dimensões comuns, devido à inclinação excessiva, ângulo curto e piso escorregadio. A ré prontamente aceitou e reconheceu a existência do vício ou desconformidade e comprometeu-se a resolvê-la. Apesar das intervenções realizadas pela ré, o problema de acesso ao piso menos dois do prédio subsiste e a ré refere que não é possível melhorá-lo. Mais alegam que nunca utilizaram os parqueamentos para o fim a que se destinam e nessa sequência vêm a sofrer incómodos. Por sua vez, o Sr. Paulo…, actuando em representação da ré, que também é condómina e proprietária de fracções no prédio, designadamente, das fracções “A”, “B” e “I”, alegando urgência, ordenou e autorizou a recolocação das placas que se haviam soltado e a fixação à parede de todas elas, sem permitir que o condomínio decidisse os termos em que se deveria proceder a tal reparação. 2- Citada, a ré contestou. Invocou que as situações alegadas pelos autores, com excepção das pretensas infiltrações nas fracções, dizem respeito a partes comuns do edifício, a saber, o piso menos 2 da garagem e a fachada tardoz do edifício, não se encontrando junta aos autos deliberação a atribuir poderes ao administrador para intentar a presente ação. Mais invocou a caducidade da presente ação, bem como a excepção de prescrição dos direitos invocados, impugnando, na sua maioria, os factos alegados. 3- Foi decidida a não verificação da falta de deliberação para a intervenção do primeiro autor. Foi proferido despacho saneador, no qual se relegou a apreciação das excepções invocadas pela ré para momento posterior. 4- Com data de 16/07/2021, foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório: “VI - DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condena-se a Ré SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES…, LDA.: i) a pagar aos Autores (2.º a 5.º), a quantia de € 13.000,00 (treze mil euros) por cada lugar de parqueamento de que sejam proprietários, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento; ii) a pagar a cada um dos Autores (2.º a 5.º) a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento e iii) a substituir as placas de revestimento, na fachada tardoz, do prédio sito na Rua…, que foi pela Ré intervencionada, realizando-se para o efeito as obras necessárias à sua colocação, com respeito à linha arquitetónica do mesmo. iv) No mais, absolve-se a Ré do Pedido. * Face aos factos ínsitos nos pontos 12., 13., 14., 15. e 16. da Matéria de Facto Provada e o alegado em sede de contestação no art. 54.º, o Tribunal perspetiva a possibilidade de vir a condenar a Ré como litigante de má-fé, nos termos constantes do disposto no art. 542.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Ao abrigo do disposto no art. 3.º, n.º 3, do CPC, notifique a Ré para se pronunciar, querendo.” 5- Inconformada, a ré veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: I - A matéria dada como provada ficou aquém do que deveria abranger, resultando que a decisão em apreço é fundamentada em insuficiente e incongruente apreciação dos factos e incorrecta aplicação do Direito. II - O que importa averiguar é se a conduta da Apelante é de molde a afastar a invocada caducidade do direito dos Apelados, por se aplicar o disposto no artigo 331, nº 2 do Código Civil. III - A análise dos documentos juntos aos autos, com a petição inicial, mormente as actas de assembleia de condomínio, permite concluir que nunca a Apelante reconheceu um direito dos Apelados e, portanto, nunca esteve no seu espírito renunciar ao prazo de caducidade de 3 anos, previsto no artigo 5-A, do Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril. IV - Os depoimentos da testemunha Carlos… e das partes Nuno… e Pedro… apenas permitem concluir que a Apelante se comprometeu a fazer obras de rectificação e melhoramento do acesso à rampa e que os próprios reconhecem vieram a ser feitas. V- A prova testemunhal e depoimentos de parte deveriam ter sido valorados de forma individualizada, em relação a cada um dos Apelados coligados nos presentes autos. VI - Os Apelados não adquiriram as respectivas fracções no mesmo momento nem nas mesmas circunstâncias, pelo que o depoimento da testemunha Carlos… apenas pode aproveitar ao Apelado Nuno…, pois que este agente imobiliário só interveio na mediação e compra da fracção àquele respeitante. VII - Não existe prova documental ou testemunhal nos autos que permita concluir que a Apelante reconheceu algum direito aos Apelados, e só neste caso cairíamos no âmbito do disposto no artigo 331º, nº 2 do Código Civil. VIII - Seria mesmo um contra-senso admitir que o facto de o construtor/vendedor, quando fizesse uma intervenção correctiva num imóvel, ficaria, automaticamente, privado do benefício do prazo de caducidade de 3 anos, já referido. IX - Se na lei estivesse ínsita a possibilidade desta interpretação, nenhum construtor colaboraria na resolução de patologias nos imóveis, com receio de ficar refém de um prazo prescricional geral de 20 anos! X - Como refere o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, atrás citado: “ Em matéria de “reconhecimento” e do artigo 331º, 2 do Código Civil, há que distinguir duas situações/reconhecimentos: o reconhecimento da existência dos defeitos, hipótese em que o dono da obra/empreiteiro está dispensado de os denunciar, contando-se o prazo do exercício dos direitos desde a declaração de reconhecimento dos defeitos e, coisa diversa, o reconhecimento da existência dos direitos, o qual tem como efeitos impedir a caducidade, passando o exercício dos direito reconhecimentos a estar sujeitos apenas ao prazo de prescrição ordinário. A circunstância de o vendedor se ter deslocado à coisa defeituosa e ter procedido à realização de pinturas, vale como reconhecimento da existência de defeito na coisa (…) mas não vale como um reconhecimento de direitos, que tem que ser concreto, preciso, indiscutível, evidente, real e categórico, sem margem de vaguidade ou ambiguidade, de tal modo que torne o direito certo e faça as vezes de sentença. (…)a circunstância do Réu se ter deslocado à coisa defeituosa e ter procedido à realização de pinturas – como termo inicial para o exercício dos direito, isto é, tendo sido efectuada a denúncia dos defeitos e tendo, na sequência de tal denúncia, sido realizados trabalhos de eliminação de defeitos na coisa ( …), trabalhos esses sem sucesso, mantendo-se a coisa (…) defeituosa, o prazo de caducidade em causa conta-se, não deste a data da denúncia dos defeitos, mas sim a partir da data em que tais trabalhos, sem sucesso, de eliminação dos defeitos, foram realizados”. XI - No mesmo sentido aponta o Decreto-Lei 67/2003 de 08/04, quando refere no seu artigo 5-A, nº3 que o prazo de caducidade do direito de acção de 3 anos suspende-se a partir do momento da reparação, e só começa a contar a partir da conclusão desta. XII - O que permite concluir que a reparação não é compaginável, por si só, com um reconhecimento do direito, mas tão-somente, do defeito. XIII - Não houve nenhum reconhecimento formal, certo e indiscutível de um direito dos Apelados por parte da Apelante, contrariamente ao que julgou, incorrectamente, a sentença recorrida. XIV - Assim, no caso em apreço, não se aplicará o prazo prescricional geral de 20 anos. XV - Tendo a Apelante dado por concluídos os trabalhos de melhoramento em 2011, conforme referido na acta número 3 de 02.11.11, é a partir desse momento que se deverá iniciar a contagem do prazo de 3 anos, dentro do qual os Apelados poderiam ter interposto a competente acção judicial, prazo esse que terminou em 02.11.14. XVI - Tendo a Apelante sido citada para a presente acção em 02.02.17, já se encontrava precludido o direito dos Apelados de recorrer à via judicial. XVII - Já no que respeita à reparação efectuada pela Apelante na fachada tardoz, enquanto construtora e ao abrigo da garantia quinquenal do imóvel, será forçoso analisar os factos à luz, igualmente, dos prazos a que alude a lei anteriormente citada. XVIII - Ora, tendo sido dado como provado que a intervenção em causa ocorreu durante o Verão de 2012, é a partir desse momento que, em rigor, se deveria, igualmente contar o prazo no qual os Apelados, insatisfeitos com a intervenção, poderiam ter intentado a competente acção judicial. XIX - Estando esta situação explicitamente referida na acta número 4 de 19.11.12, valer-nos-emos da mesma para considerar tal data e ficcioná-la como sendo a primeira denúncia formal do defeito da intervenção, e termo a partir do qual se contam os já mencionados 3 anos, que terminaram no dia 19.11.15. XX - Como referido, a Apelante foi citada para a presente acção em 02.02.17, quando se verificava já a caducidade do direito dos Apelados. XXI - Pelo acima exposto, verifica-se que a sentença a quo enferma de manifesta incongruência na fixação da matéria de facto, não tendo valorado e conjugado adequadamente a prova constante dos autos, com o que ofendeu o disposto no artigo 607º, nº 3 e 4 do C.P.C. XXII - Ao considerar aplicável à situação vertente do disposto no artigo 331º, nº 2 do Código Civil, ao invés do disposto no artigo 5º-A do DL. 67/2003 de 08/04 a sentença fez uma incorrecta apreciação e aplicação do Direito. XXIII - Por essa razão, a sentença não declarou, caducado o direito à acção dos Apelados, como se impunha. Nestes termos deverá a presente Apelação ser julgada procedente por provada e, em consequência, revogada a sentença recorrida, devendo ser proferido douto acórdão no sentido de ser verificada a caducidade do direito dos Apelados, com a consequente absolvição do pedido. 6- Os autores/apelados, contra-alegaram, sem formularem conclusões, pugnando pela inadmissibilidade do recurso, por falta de pagamento de multa a que se refere o artº 642º do CPC; defendem a inadmissibilidade do recurso quanto à impugnação da matéria de facto; concluem pela improcedência do recurso. 7- Por despacho de 24/11/2021, proferido na 1ª instância, foi constatado que, a ré/apelante havia pago, tempestivamente, a taxa de justiça devida pela interposição do recurso. * II-FUNDAMENTAÇÃO. 1-Objecto do Recurso. É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida. Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir: -A impugnação da matéria de facto; -A revogação da sentença, com absolvição da ré do pedido, por procedência da excepção de caducidade do direito dos autores. Previamente importa ter em consideração a matéria de facto decidida na 1ª instância. 2- Factualidade Decidida na 1ª Instância. “A. FACTOS PROVADOS Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1. A Ré construiu o prédio habitacional sito na Rua… na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures, inscrito na matriz, sob o n.º …. 2. Por escritura de compra e venda celebrada em 28/07/2011, os 2ºs AA. declararam comprar à 1ª R. e esta declarou vender-lhes a fração designada pela letra E, correspondente ao 2º andar direito, pelo preço de €185.500,00, com dois lugares de estacionamento no piso menos dois do edifício (designado por lugar 4), com entrada pelo n.º 12-A, estando o direito de propriedade sobre a referida fração inscrito desde 28/07/2011 a seu favor pela Ap. 5…, artigo matricial 2…; 3. Por escritura de compra e venda celebrada em 8/10/2009, os 3ºs AA. declararam comprar à 1ª R. e esta declarou vender-lhes a fração designada pela letra F, correspondente ao 2º andar esquerdo, pelo preço de €187.000,00, com dois lugares de estacionamento no piso menos dois do edifício (designado por lugar 3), com entrada pelo n.º 12-A, estando o direito de propriedade sobre a referida fração inscrito desde 8/10/2009 a seu favor pela Ap.1…. 4. Por escritura de compra e venda celebrada em 30/01/2009, os 4ºs AA. Declararam comprar à 1ª R. e esta declarou vender-lhes a fração designada pela letra D, correspondente ao 1º andar esquerdo, pelo preço de €156.500,00, com 1 lugar de estacionamento no piso menos dois do edifício (designado por lugar 6), com entrada pelo n.º 12-A, estando o direito de propriedade sobre a referida fração inscrito desde 16/01/2009 a seu favor pela Ap.2…. 5. Por escritura de compra e venda celebrada em 23/04/2010, os 5.ºs AA. declararam comprar à 1ª R. e esta declarou vender-lhes a fração designada pela letra H, correspondente ao 3º andar esquerdo, pelo preço de €180.000,00, com dois lugares de estacionamento no piso menos dois do edifício (designado por lugar 5), com entrada pelo n.º 12-A, estando o direito de propriedade sobre a referida fração inscrito desde 25/04/20110 a seu favor pela Ap. 3…, artigo matricial 2…. 6. Aquando da amostragem e negociação das respetivas frações, logo se aperceberam os AA. de que o acesso aos lugares de garagem do piso menos 2 seria extremamente difícil, arriscado e nada prático para automóveis ligeiros e familiares de dimensões comuns, devido à inclinação excessiva, ângulo curto e piso escorregadio. 7. A R. aceitou e reconheceu os factos referidos em 6., designadamente, que a rampa era inadequada ao fim a que se destinava. 8. (…) comprometendo-se para com os AA. de que resolveria o problema da referida rampa, tornando-a utilizável para o trânsito de automóveis. 9. Não fora o facto referido em 8., os AA. não teriam realizado o negócio de compra e venda das frações. 10. Ainda na execução da obra de construção do prédio referido em 1., a Ré introduziu correções ao projeto inicial de arquitetura de forma a melhorar a inquinação da rampa. 11. Na sequência do referido em 8., a Ré procedeu: Piso -1 na zona de viragem que dá acesso ao piso -2: - Redução de cerca de 1,00m de muro localizado do lado direito, junto ao estacionamento N.º 2; - Execução de reentrância na parede exterior entre os pilares P21 e O17, de modo a incrementar um ligeiro aumentar no raio exterior de trajetória de descida. Piso -2 na zona de viragem para a rampa de acesso ao -1, subida: - Redução do muro do lado esquerdo; - Alteração do Pilar P11 em betão armado por pilar em estrutura metálica; - Execução de reentrância na parede exterior entre os pilares P6 e P12, de modo a incrementar ligeiro aumentar no raio exterior da trajetória de subida. 12. Após as intervenções referidas em 11., a rampa apresenta: - uma curvatura de 4 m; - uma largura de 2,80 m; - inclinação inicial acentuada do raio interior da trajetória. 13. Os factos referidos em 12., impedem uma utilização regular, cómoda, rápida e segura da rampa por automóveis ligeiros de passageiros de dimensão regular e familiar. 14. Na sequência do referido em 12. e 13., os AA. continuaram a não utilizar os respetivos lugares de estacionamento para aparcamento dos seus automóveis. 15. (…) Sempre que tentaram ali estacionar necessitaram de realizar dezenas de manobras, solicitar ajudas de terceiros para que se evitassem toques nas paredes e pilar do prédio, o que, ainda assim, chegou a ocorrer. 16. Determinados veículos não só “patinavam” na subida, como “deslizavam” na descida. 17. Os AA. que têm filhos pequenos e até bebés, vêem-se impedidos de utilizar comodamente o estacionamento e são muitas vezes obrigados a estacionar os respetivos automóveis longe da entrada do prédio, uma vez que não é fácil arranjar lugar de estacionamento livre nas imediações. 18. (…) O mesmo se passa em relação às mais variadas compras domésticas semanais, vendo-se por vezes os AA. na necessidade de percorrer largos metros com sacos de compras cheios, garrafões de água e outros bens indispensáveis à regular vida doméstica. 19. (…) Os AA. e respetivo núcleo familiar ficam, assim, expostos à chuva, vento e frio. 20. (…) Como os seus automóveis ficam na rua e desabrigados, estão sujeitos à erosão natural e a um desgaste mais precoce. 21. Os AA. temem que as viaturas sejam vandalizadas ou furtadas, bem como, temem pela sua própria segurança, principalmente à noite, quando têm que se deslocar e fazer o trajeto a pé do automóvel para o prédio. 22. O valor médio de um lugar de garagem no prédio referido em 1., é de €13.000,00 (treze mil euros). 23. O valor de mercado devido pelo arrendamento de um lugar de garagem semelhante é de €130,00/mês (cento e trinta euros). 24. Durante o verão de 2012, algumas placas (duas a três) do revestimento exterior da parte tardoz do prédio referido em 1., soltaram-se. 25. O Sr. Paulo…, atuando em representação da R., que também é condómina e proprietária de frações no prédio, designadamente, das A, B e I, alegando urgência, ordenou e autorizou a recolocação das placas que se haviam soltado e a fixação à parede de todas elas. 26. A Ré não chamou as autoridades competentes (designadamente, a Proteção Civil ou PSP) para vedar a área circundante, com vista a ser diagnosticado o problema e encontrada, pelo condomínio, a solução técnica adequada para a respetiva resolução. 27. (…) Antes ordenou que as placas fossem furadas e cravadas diretamente à parede do prédio com parafusos. 28. (…) A furação implicou a destruição da textura da pedra, de acabamento bujardado, aplicando-se argamassa de cor aproximada à da pedra, com vista à ocultação dos parafusos. 29. (…) Ficaram a notar-se os pontos de argamassa aplicados para ocultar os parafusos. 30. (…) Falta betume em algumas zonas entre as placas e entre a colagem das mesmas junto aos vãos das janelas, sendo expetável que venham a ocorrer humidades nas habitações ou paredes do prédio. 31. Na ata n.º 4, datada de 19.11.12, do condomínio do prédio referido em 1., refere-se que “Rampa e Obra Fachada Tardoz – Foi apresentado o relatório solicitado pelos condóminos e fornecido para a empresa Home… relativamente ao assunto da rampa e da falta de acessibilidade dos condóminos aos seus lugares de estacionamento na garagem, foi o mesmo entregue ao Sr. Paulo… o qual informou os condóminos que não fará mais nenhuma obra nesse espaço visto já ter feito arranjos por cinco vezes e não se sentir obrigado a mais (…). Os condóminos também abordaram o assunto da obra efetuada na fachada a tardoz, das pedras que se deslocaram e caíram, as quais foram repostas aparafusadas à estrutura ficando a fachada com mau aspeto e esteticamente feia. (…) Os condóminos referiram que gostariam de ter sido avisados do que se passou e questionaram se não poderia advir deste processo infiltrações para as paredes internas (…). Alguns condóminos informaram que o betume nas juntas de certas pedras está com fissuras e a saltar, pelo que o Sr. Paulo… vai entrar em contacto com o responsável da obra e solicitar a sua deslocação ao prédio para solucionar o problema. 32. O Sr. Paulo… convidou alguns condóminos a experimentar a aceder aos lugares de estacionamento. 33. A configuração mais exígua das rampas de acesso aos pisos menos 2 é uma situação que se verifica em outros edifícios da Urbanização da Quinta…, 34. A Câmara Municipal de Loures, emitiu a licença de utilização nº 5…/2007, Processo 4…/AA/E/OR, referente ao prédio referido em 1. 35. (…) Do Alvará de Utilização consta a seguinte menção “competirá aos futuros proprietários ou futuros arrendatários, contemplados com estacionamento, antes da efetivação dos respetivos contratos, verificar se os aspetos funcionais e as dimensões de cada lugar de estacionamento satisfazem o por estes pretendido”. 36. (…) Os Autores tiveram, antes da outorga das respetivas escrituras de compra e venda e contratos-promessa, possibilidade de aceder, quer ao imóvel, quer à licença de utilização referida em 34. 37. A intervenção referida em 11., não coloca em perigo a estabilidade estrutural do edifício. 38. Após a intervenção referida em 11., o tipo de pavimento colocado na garagem é antiderrapante. 39. Nas circunstancia temporais referidas em 24., em que muitos dos condóminos se encontravam de férias, a Ré recebeu uma chamada telefónica de um condómino de um dos prédios vizinhos, alertando para o facto de 2 lages se terem desprendido da fachada tardoz do prédio referido em 1., tendo vindo a partir-se no chão junto ao mesmo, bem como a partir um peitoril de varanda do terceiro andar. 40. O Sr. Paulo…, gerente da Ré, perante o perigo que representava a possibilidade mais lages se poderem desprender da fachada, contactou a empresa Branco…Lda., que havia feito a obra de colocação das pedras na fachada e revestimento dos vestíbulos, entrada do edifício, alvenaria e reboco. 41. O engenheiro responsável de obra da Ré, (que acompanhou toda a construção do edifício) após a análise da situação e dado o perigo de nova queda, aconselhou o aparafusamento das lages e preenchimento com betume, à cor da pedra, em vez da colagem. 42. Quando chove, as perfurações betumadas escurecem. 43. Alguns condóminos do prédio referido em 1., instalaram, junto às respectivas janelas, estendais de roupa. 44. A correção da rampa implicaria a supressão de lugares de garagem no piso menos 1 e alterações na caixa de escadas e de elevadores. 45. A suavização das extremas da rampa poderá introduzir uma ligeira melhoria funcional, o que importaria um custo estimado de € 2.000,00 (dois mil euros). * B. Factos Não Provados 1. A Ré agiu nos termos referidos em 25. e 27. da Matéria de Facto Provada, por ser previsível que o Condomínio A. viesse a exigir-lhe., na qualidade de empreiteira, a reparação com a reposição integral da linha estética do prédio. 2. Face à furação de alto a baixo das placas de revestimento, a impermeabilização está afetada. 3. (…) Há infiltrações e aparecimento de humidade nas habitações, quando antes da perfuração da parede nunca tal ocorreu. 4. Houve Autores que não quiseram efetuar a manobra de acesso ao piso menos 2, tendo afirmado que era evidente que os automóveis podiam entrar e sair da garagem sem dificuldades de maior. 5. A Ré convidou os Autores a experimentarem o acesso à garagem devido à limitação do próprio projeto, devidamente aprovado, a margem de manobra ser inferior ao do piso menos 1 e poder não convir a certos condutores. 6. Os Autores, caso queiram, podem perfeitamente usar os respetivos lugares de garagem no imóvel em causa e se o não fazem é porque não querem. 7. A fachada está isolada, assim como as pedras e zonas que foram aparafusadas à fachada que, de resto, tem parede dupla com caixa-de-ar. 8. Qualquer perfuração do pano de parede exterior nunca poderia afetar o interior de uma fração, visto que os orifícios feitos e depois fechados, só foram realizados na parede de fora, havendo uma caixa-de-ar no meio. 9. O referido em 33. da Matéria de Facto Provada, era do conhecimento geral e dos próprios Autores. 10. Quanto ao piso das garagens, este é revestido de um material (epóxi) resinoso, destinado, justamente a este tipo de espaços, permitindo mais higiene e melhor limpeza dos óleos e detritos acumulados.” * 3- As Questões Enunciadas. 3.1- Impugnação da Matéria de Facto. No corpo da alegação a ré/apelante parece impugnar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto. Na verdade, por exemplo, no ponto 3 da alegação refere que “...resulta da prova documental e testemunhal que a matéria de facto dada como provada ficou aquém do que deveria abranger (…) insuficiente e incongruente apreciação dos factos…”; e, transcreve partes dos depoimentos de testemunhas e de declarações de parte; e, no ponto 20 da alegação refere “…Ao responder como faz nos números 7 e 8 dos factos provados, a Mmª. Juiz fez uma incorrecta apreciação da prova,…”; e, no ponto 61 da alegação, diz “…verifica-se que sentença, quanto à matéria de facto, não deu a devida relevância à prova constante dos autos…”. A questão que se coloca é a de saber se esta “impugnação”, feita pela apelante, pode ser tida com impugnação da matéria de facto. Pois bem, em matéria de impugnação da matéria de facto, importa, antes de mais, ter presente os Ónus que o CPC impõe no artº 640º, a cargo do recorrente, quando pretenda impugnar a decisão relativa à matéria de facto. Assim, estabelece o artº 640º do CPC: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.” Como é sabido, por comparação com o artº 685º-B do anterior código, verifica-se um reforço do ónus de alegação que impõe ao recorrente, sob pena de rejeição: i)- especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; ii)- especificar os meios de prova constantes do processo que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; iii)- indicar a resposta que, no seu entender deve ser dada às questões de facto impugnadas (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, 2016, Almedina, pág. 136 e segs). Saliente-se ainda que o legislador optou por rejeitar a admissibilidade de recursos genéricos contra errada decisão da matéria de facto (Abrantes Geraldes, Recursos…cit., pág. 137). Além disso, relembre-se que não existe despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da matéria de facto (Abrantes Geraldes, Recursos…cit., pág. 141). Ora, no caso dos autos, a apelante não indica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. Limita-se, por atacado e genericamente, a afirmar que a prova produzida aponta para decisão diversa e que não foi valorada a prova produzida e que a 1ª instância fez uma incorrecta apreciação da prova. Além disso, não indica as respostas concretas que, em seu entender, deveria ser dada às questões de facto impugnadas. Estas duas circunstâncias são determinativas da rejeição do recurso quanto à matéria de facto. Assim, sem necessidade de outros considerandos, não se apreciará a impugnação da matéria de facto. * 3.2- A Caducidade dos direitos dos autores. A ré/apelante funda o seu recurso na alegada caducidade dos direitos dos autores, defendendo que não se pode considerar que ela reconheceu qualquer direito aos autores e nunca pretendeu renunciar ao prazo de caducidade de 3 anos a que se refere o artº 5º-A do DL 67/2003, de 08/04, não havendo, por isso, lugar à aplicação do artº 331º nº 2 do CC. E que à luz do artº 5º-A nº 3 do DL 67/2003, pode concluir-se que a reparação não é compaginável com o reconhecimento do direito, mas somente do defeito. Que não houve reconhecimento formal, certo e indiscutível do direito dos apelados por parte da apelante. E, tendo a apelante concluído os trabalhos de melhoramento dos acessos às garagens em 2011 é a partir desse momento que se inicia a contagem dos prazo de 3 anos para os autores instaurarem a acção, prazo esse que terminou em 2014 e a acção apenas foi instaurada em 02/02/2017, mostrando-se já extintos os direitos dos autores por caducidade. Quanto à reparação na fachada a tardoz, a intervenção ocorreu no verão de 2012, pelo que é a partir desse momento que se conta o prazo de três anos para os autores instaurarem a acção, que terminou em 2015; como a acção apenas foi instaurada em 2017, caducou o direito dos autores à pretendida reparação. Vejamos a pretendida caducidade do direito dos autores à reparação do defeito de acesso às garagens ou à redução do preço. A 1ª instância considerou improcedente a excepção de caducidade dos direitos dos autores/apelados, argumentando com o impedimento da caducidade nos termos do artº 331º nº 2 do CC face à actuação da ré/apelante ao tentar eliminar os constrangimentos/impossibilidade de acesso às garagens do piso -2. Argumentou a 1ª instância: “Perante o defeito da coisa, o consumidor tem o direito à reparação, à substituição, à redução do preço, à resolução, e à indemnização, previstos no Código Civil (arts. 913, n.º 1. e 905 e segs.), sendo que, face ao DL nº 67/2003, de 08 de abril, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio, o consumidor pode prevalecer-se do direito comum, desde que lhe seja mais favorável - Diretiva n.º 1999/44/CE (art.8.º). (…) No que respeita ao prazo de caducidade, preceitua o art. 329.º do CC, que “se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido”. Por sua vez, o n.º 2 do art 331.º do CC refere que, estando em causa direitos disponíveis, como se verifica no caso em apreço, estando fixado por disposição legal um prazo de caducidade, impede essa caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido. Efetivamente, como atrás deixámos escrito, a Ré não só reconheceu a desconformidade da rampa de acesso ao piso menos dois, como se comprometeu a resolver tal desconformidade. A tal «assunção da responsabilidade pela verificação desses defeitos», há que atribuir efeitos muito mais extensos, pois que este, quando feito de forma inequívoca pelo empreiteiro – e ainda que este não pratique os atos equivalentes à realização do direito, por exemplo, eliminando os defeitos ou entregando obra nova - não apenas liberta o dono da obra de proceder à denúncia dos defeitos – quando, porventura, o não houvesse ainda feito – como o liberta do respeito pelo prazo de propositura da ação para fazer valer os seus direitos. Tal reconhecimento «não determina a contagem de novo prazo de caducidade, passando o exercício desse direito a estar sujeito apenas ao prazo de prescrição ordinário » - Ac. do STJ 09/07/2015, disponível in www.dgsi.pt e Cura Mariano, “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, 4ª ed, p 9. Assim sendo, não temos dúvidas de que face ao reconhecimento da desconformidade assumida pela Ré, ter-se-ão de considerar improcedentes as exceções de caducidade e de prescrição invocadas, procedendo, parcialmente, o pedido em apreço, nos termos acima aduzidos.” Será assim? Em termos gerais, o direito de exigir que a prestação defeituosa, imperfeita ou inexacta seja rectificada ou substituída está sujeita a prazos: um prazo de garantia, um prazo de denúncia dos defeitos e um prazo de actuação ou de exercício dos direitos à reparação, ou substituição da coisa. Quer dizer, em termos simples, o defeito há-de manifestar-se dentro do prazo de garantia; e o credor tem o ónus de comunicar o defeito ao devedor dentro do prazo de denúncia; e se o devedor não reparar nem substituir a coisa, o credor tem o ónus de propor a acção de reparação ou substituição dentro do prazo de exercício. No âmbito do regime geral que emerge do Código Civil, no que toca à compra e venda de imóveis, o prazo de garantia é de 5 anos a contar da entrega da coisa (artº 916º nº 3 do CC). O prazo de denúncia é de 1 ano a contar do conhecimento do defeito dentro dos 5 anos a contar da entrega da coisa (artº 916º nº 3 do CC). O prazo para o exercício do direito é de seis meses a contar da denúncia (artº 917º do CC). No entanto, tratando-se de compra e venda de bem de consumo ou em que o comprador seja equiparado a consumidor, o regime estabelecido no DL 67/2003, de 08/04, mostra-se mais favorável ao consumidor. Vejamos as normas dos artºs 5º e 5º-A do DL 67/2003, de 08/04, na redacção dada pelo DL 84/2008, de 21/05 – diploma que, entretanto, foi revogado pelo DL 84/2021, de 18/10; no entanto, este decreto-lei apenas é aplicável aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor (artº 53º nº 1) que ocorreu no dia 01/01/2022 (artº 55º) –: “Artigo 5.º Prazo da garantia 1 - O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel. 2 - Tratando-se de coisa móvel usada, o prazo previsto no número anterior pode ser reduzido a um ano, por acordo das partes. 3 - (Revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.) 4 - (Revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.) 5 - (Revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.) 6 - Havendo substituição do bem, o bem sucedâneo goza de um prazo de garantia de dois ou de cinco anos a contar da data da sua entrega, conforme se trate, respectivamente, de bem móvel ou imóvel. 7 - O prazo referido no n.º 1 suspende-se, a partir da data da denúncia, durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens. Artigo 5.º-A Prazo para exercício de direitos 1 - Os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam no termo de qualquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. 2 - Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado. 3 - Caso o consumidor tenha efectuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data. 4 - O prazo referido no número anterior suspende-se durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens com o objectivo de realização das operações de reparação ou substituição, bem como durante o período em que durar a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao vendedor ou ao produtor, com excepção da arbitragem. 5 - A tentativa de resolução extrajudicial do litígio inicia-se com a ocorrência de um dos seguintes factos: a) As partes acordem no sentido de submeter o conflito a mediação ou conciliação; b) A mediação ou a conciliação seja determinada no âmbito de processo judicial; c) Se constitua a obrigação de recorrer à mediação ou conciliação.” Pois bem, com as alterações introduzidas ao DL 67/2003 pelo DL 84/2008, o legislador separou a matéria relativa ao prazo de garantia, do artº 5º, como de resto decorre da respectiva epígrafe, da matéria relativa aos prazos de denúncia e prazos para o exercício dos direitos, previstos no artº 5º-A, como igualmente a sua epígrafe anuncia. Assim, quanto ao prazo de garantia. O artº 5º nº 1, estabelece o prazo até ao termo do qual o consumidor tem direito de reagir perante uma situação de desconformidade com o contrato. De acordo com o preceito, os direitos de reparação da coisa, de substituição do bem, de redução do preço e de resolução do contrato só podem ser exercidos se o vício ou falta de conformidade se revelar no prazo de dois anos (coisa móvel) ou de cinco anos (imóvel) a contar da sua entrega. E o nº 7 do artº 5º determina que o prazo de garantia se suspende “…a partir da data da denúncia, durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens.”. Isto é, a partir do momento em que o consumidor denuncia ao vendedor a falta de conformidade do bem com o contrato, suspende-se o prazo, apenas recomeçando a sua contagem no momento em que o bem é novamente entregue ao consumidor já em conformidade com o contrato. Quanto ao prazo de denúncia. Para além dos prazos de garantia, previstos no artº 5º, o artº 5º-A prevê dois prazos adicionais cujo não cumprimento leva à perda dos direitos do consumidor. Assim, o primeiro prazo, respeita à denúncia da falta de conformidade do bem, caducando os direitos do consumidor se esta não for feita dentro dos prazos previstos no nº 2 do artº 5º-A: de dois meses para os móveis e, de um ano, para os imóveis. Ora como é sabido, a denúncia tem por finalidade comunicar/informar o vendedor que o bem padece de desconformidade com o contrato, “…pelo que se revela desnecessária se o consumidor tiver conhecimento que o vendedor reconhece a falta de conformidade (artº 331º nº 2 do CC). Em sede de empreitada defeituosa, o nº 2 do artº 1220º do Código Civil também estabelece que “equivale à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito”. Este princípio, embora não se encontra expressamente consagrado no DL 67/2003, está abrangido no espírito do regime e resulta da razão de ser da exigência de denúncia.” (Jorge Morais de Carvalho, Os Contratos de Consumo – Reflexão sobre a autonomia privada no Direito do Consumo, dissertação de doutoramento, edição online, pág. 544). Pois bem, no caso dos autos, resulta do ponto 7 dos factos provados que, logo antes da celebração dos contratos de compra e venda das fracções, a ré aceitou e reconheceu que a rampa de acesso ao piso menos dois era inadequada. Por conseguinte, à luz do que acaba de se expor, conclui-se que os autores não tinham de denunciar à ré os vícios de construção que impedem o acesso às garagens do piso menos dois. E, por conseguinte, não pode ter-se como caducado o direito dos autores por via da “não denúncia” dos vícios da coisa. De resto, a caducidade invocada pela ré não diz respeito à caducidade do prazo de denúncia mas, antes, á caducidade do prazo de exercício dos direitos. É o que veremos de seguida. O prazo de exercício dos direitos. A lei impõe ao consumidor um prazo para exercer judicialmente os direitos de reparação do bem, substituição do bem, redução do preço e resolução do contrato. Concretamente, o artº 5º-A nº 3 do DL 67/2003, na redacção dada pelo DL 84/2008, estabelece que esses direitos caducam decorridos três anos se se tratar de coisa imóvel, contados após a denúncia. A ré/apelante baseia a excepção de caducidade dos direitos dos autores, precisamente neste preceito, dizendo que procedeu às reparações do acesso às garagens em 2011 e que de acordo com o referido artº 5º-A nº 3, o prazo (3 anos) para que os autores exercessem judicialmente os seus direitos terminou em 2014 e estes apenas em 2017 instauraram a acção. Será assim? Ora bem, como esclarece Jorge Morais de Carvalho (Os Contratos de Consumo…cit., pág. 549 e seg.), “Aplicam-se as regras gerais sobre caducidade, pelo que tem de se observar se se verifica alguma causa impeditiva, nos termos do artº 331º do Código Civil. É especialmente relevante o nº 2, que estatui que impede “a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.” Assim, se o vendedor admitir a falta de conformidade, o prazo de caducidade da acção deixa de correr, podendo o direito ser exercido pelo consumidor após o seu termo.” Ora, no caso dos autos, a ré/apelante/vendedora, além de reconhecer os vícios da rampa de acesso à garagem, tentou reparar esses vícios realizando as obras referidas no ponto 11 dos factos provados - a Ré procedeu: Piso -1 na zona de viragem que dá acesso ao piso -2: - Redução de cerca de 1,00m de muro localizado do lado direito, junto ao estacionamento N.º 2; - Execução de reentrância na parede exterior entre os pilares P21 e O17, de modo a incrementar um ligeiro aumentar no raio exterior de trajetória de descida. Piso -2 na zona de viragem para a rampa de acesso ao -1, subida: - Redução do muro do lado esquerdo;- Alteração do Pilar P11 em betão armado por pilar em estrutura metálica; - Execução de reentrância na parede exterior entre os pilares P6 e P12, de modo a incrementar ligeiro aumentar no raio exterior da trajetória de subida. – não obstante, essas tentativas de reparação não surtiram efeitos: os autores continuam sem poder usar as garagens, como resulta dos pontos 13 e 14 dos factos provados. Ora, o comportamento da ré/apelante, ao realizar obras com vista a tentar eliminar a desconformidade da coisa, tentando reparar o vício de construção que impede o acesso dos autores às suas garagens, constitui um reconhecimento do direito dos autores à eliminação/reparação dos defeitos na coisa, o que nos termos do artº 331º nº 2 do CC impede a caducidade do direito de acção dos autores. Na verdade, nos termos do artº 331º nº 2 do CC, a caducidade pode ser impedida pelo reconhecimento do direito por parte do seu beneficiário nos casos, além dos mais, em que estão em causa direitos disponíveis. A doutrina e a jurisprudência vêm indicando que são requisitos do reconhecimento do direito, nos termos do artº 331º nº 2 do CC: (i) a concretude; (ii) a clareza; (iii) a inequivocidade (Cf. entre outros, Ac. STJ, de 07/02/2013 (Pereira da Silva); Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade – Anotação aos artigos 296º a 333º do CC, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 337;). Ou seja, o reconhecimento deve ser concreto, no sentido de delimitado e suficientemente preciso. Em segundo lugar, deve ser claro e não assentar em declarações vagas e ambíguas. Em terceiro lugar, deve evidenciar o propósito do beneficiário da caducidade aceitar o direito do titular (Cf. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade…cit., pág. 337; ver ainda Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo IV, 2007, pág. 225). Por outro lado, a declaração de reconhecimento do direito por parte do beneficiário da caducidade, não tem de ser necessariamente expressa, podendo ocorrer, validamente, de modo tácito nos termos do artº 217º nº 1, 2ª parte do CC. No entanto, como menciona Paulo Mota Pinto (Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, pág. 774 e seg.) “…deve distinguir-se entre o regime geral da declaração tácita e eventuais casos excepcionais em que a lei ou a doutrina requeiram, não apenas factos que permitam a ilação “com toda a probabilidade”, mas antes comportamentos inequivocamente concludentes (…) dever-se-á fazer uma distinção entre a, normalmente bastante concludência relativa e uma excepcional concludência absoluta do comportamento (…) de facto, esta última não é hoje exigida para a declaração negocial tácita em geral (…) mas há hipóteses excepcionais onde se requerem factos inequívocos – é o caso da hipótese do artº 325º nº 2 (…) e outros que eventualmente se lhe devam juntar em que deverá ser excluída toda a inconcludência - no sentido de que não é admissível qualquer outra interpretação no caso concreto…”. A exigência de um acto expresso que a jurisprudência exige, tem, pois, de ser interpretada como sinónimo de clareza e univocidade, isto é, em termos de não subsistirem dúvidas sobre a aceitação, pelo devedor, dos direitos do credor. O acento tónico reside, pois, na clareza do comportamento adoptado pelo devedor, que não deve deixar dúvidas quanto à disponibilidade para o cumprimento da prestação respectiva (Ana Filipa Pais Antunes, Prescrição e Caducidade…cit., pág. 338). Ora, no caso em apreço, a ré/apelante aceitou e reconheceu a extrema dificuldade/impossibilidade de acesso dos veículos automóveis às garagens do piso -2 e que a rampa de acesso era inadequada (pontos 6 e 7 dos factos provados) e comprometeu-se para com os autores que resolveria o problema da referida rampa tornando-a utilizável ao trânsito de automóveis (ponto 8); e, para isso, a ré introduziu correcções ao projecto inicial de arquitectura para melhorar a inclinação da rampa (ponto 10) e realizou as obras especificadas no ponto 11. Ora bem, destes factos resulta que inequivocamente a ré/apelante reconheceu o direito dos autores à reparação da desconformidade impeditiva da utilização/acesso às garagens do piso -2 e tentou mesmo reparar esse defeito. Deste comportamento concludente e inequívoco da ré não resulta possível qualquer outra interpretação que não seja o do reconhecimento do direito dos autores à eliminação dos defeitos. A ser assim, esse reconhecimento inequívoco do direito dos autores, tem de ser subsumido ao disposto no artº 331º nº 2 do CC: a caducidade dos direitos dos autores à reparação ou à redução do preço, foi impedida. Ora o reconhecimento dos direitos dos autores à reparação não é interruptivo, uma vez que não inutiliza o tempo já decorrido, nem determina o início de um novo prazo de caducidade; antes, torna o direito estável e subtrai-o definitivamente à caducidade (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ 107, 232-234). A esta luz, resta concluir que não pode merecer acolhimento a posição da ré/recorrente ao defender que caducou o direito dos autores à reparação/redução do preço. Quanto à reparação da fachada a tardoz. O raciocínio é o mesmo: durante o verão de 2012, algumas placas do revestimento exterior a tardoz soltaram-se (ponto 24), o Paulo…, (gerente da ré, ponto 40) actuando em representação da ré, ordenou a recolocação das placas (ponto 25) que foram aparafusadas à parede (ponto 27) e esse aparafusamento implicou a destruição da estrutura das pedras de cobertura, levando à aplicação de argamassa para ocultar os parafusos (ponto 28), ficando a notar-se a argamassa (ponto 29) e, que a falta de betume em algumas zonas poderá vir a causar humidades (ponto 30). Ora bem, perante a queda de placas de revestimento a tardoz, a ré tomou conhecimento desse vício/desconformidade; logo, como vimos, tornou-se desnecessária a denúncia dessa desconformidade: e, ao ordenar a respectiva reparação, reconheceu, inequívoca e claramente, o direito dos autores à reparação dessa desconformidade. Este comportamento da ré não pode ter outro entendimento que não seja o reconhecimento do direito dos autores à reparação do revestimento a tardoz. A essa luz, perante o reconhecimento inequívoco do direito dos autores à reparação da desconformidade, fica impedida, como vimos, a caducidade desse direito nos termos do artº 331º nº 2 do CC. Também aqui não pode proceder a posição da ré apelante. É oportuno chamar à colação o acórdão do STJ, de 24/09/2009 (Lopes do Rego) “…não seria aceitável, nem conforme aos princípios da boa fé e da confiança, «forçar» o comprador a propor em juízo acção visando o reconhecimento do seu direito e a condenação do réu a efectivá-lo quando o comportamento da contraparte sugere claramente uma aceitação do «núcleo essencial» do seu direito e vem manifestando disponibilidade prática para o realizar, através das intervenções técnicas aparentemente adequadas, sem necessidade de recurso à via judiciária: na realidade, a propositura de acção na pendência desta situação implicaria normalmente a falta do pressuposto processual «interesse em agir», por o direito invocado não estar, nesse momento, carecido de tutela judiciária, inexistindo um litígio actual e efectivo entre os contraentes - o qual, naturalmente, apenas se desencadeará no momento em que o vendedor, invertendo a posição inicialmente assumida, passar a recusar a existência e o dever de reparação dos defeitos da coisa que ainda subsistam.” Assim sendo, resta concluir que o recurso improcede totalmente. * III-DECISÃO. Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença sob recurso. Custas no recurso pela apelante, na modalidade de custas de parte (as custas na vertente da taxa de justiça mostram-se satisfeitas e não há lugar a encargos nesta instância de recurso). Lisboa, 17/03/2022 Adeodato Brotas Vera Antunes Aguiar Pereira |