Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
61/14.5PAALM.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
DEFICIÊNCIA DA GRAVAÇÃO
APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - Como resulta de jurisprudência uniforme do STJ “ A nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ªinstância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada”.

- A sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º PP.

- E “impor decisão diversa da recorrida” não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto., sendo necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade.

- Na tarefa de valoração da prova e de reconstituição dos factos, tendo em vista alcançar a verdade – não a verdade absoluta e ontológica, mas uma verdade histórico-prática e processualmente válida – o julgador não está sujeito a uma “contabilidade das provas”. E não será a circunstância, normal nas lides judiciais, de se contraporem, pela prova pessoal (declarações e testemunhos), versões distintas, a impor que o julgador seja conduzido, irremediavelmente, a uma situação de dúvida insuperável. A função do julgador não é a de encontrar o máximo denominador comum entre os depoimentos prestados, não lhe é imposto ter de aceitar ou recusar cada um deles na globalidade, cumprindo-lhe antes a missão, certamente difícil, de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece ou não crédito e em que termos.

- No caso em apreço, não se suscitando dúvidas quanto a ter a demandante sofrido danos de natureza não patrimonial, sendo igualmente inquestionável que estes últimos assumem gravidade suficiente para justificar a intervenção reparadora do direito ( a demandante sofreu uma fortíssima perturbação psicológica devido à tortura emocional perpetrada pelo demandado durante os anos em que este a agrediu psicologicamente; sentia-se envergonhada e humilhada enquanto sua companheira e mãe de duas filhas dele; sentiu um profundo desgosto e vergonha por ver o seu relacionamento terminar de forma violenta; sentiu medo e humilhação, tendo sofrido uma grande alteração ao nível do seu sistema nervoso, pelo que teve de receber acompanhamento psicológico; ainda hoje a demandante demonstra sempre uma tristeza latente e anda permanentemente em estado de angústia e ansiedade) mostra-se adequada a quantia de 3.500,00 euros.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:




            I - RELATÓRIO:



1. No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 61/14.5PAALM, foi o arguido A..., melhor identificado nos autos, acusado da prática dos seguintes crimes: um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b), 2, 4 e 5 do Código Penal (tendo em vista a comunicação em audiência de alteração da qualificação jurídica dos factos); um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º do mesmo diploma legal.

A demandante C... em nome próprio e em representação da sua filha menor, D... deduziu também pedido de indemnização cível contra o arguido/demandado, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia global de € 5.500,00 a título de danos não patrimoniais por ambas sofridos, e bem assim os juros legais contados desde a notificação até efectivo pagamento.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

«Pelo exposto, em conformidade com as citadas disposições legais, decide o tribunal:
4.1. Absolver o arguido A... da prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do Cód. Penal, pelo qual se encontrava acusado;
4.2. Condenar o arguido A... pela prática em autoria material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b) e 2, do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 (dois) anos e 6 ( seis) meses ( art. 50.º, n.º 1 e 5, do Cód. Penal );
4.3. Julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização cível que foi deduzido por C... em representação da sua filha menor D... contra o arguido/demandado e, em consequência, nesta parte, absolve-se o mesmo do pedido que contra ele foi deduzido;
4.4. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante C... e, em consequência, condena-se o demandado A... a pagar à demandante, a titulo de indemnização por danos não patrimoniais por esta sofridos, a quantia de € 3.500,00, a que acrescem os juros de mora nos moldes acima referidos.
(…)

2. O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1. Verificando-se, quanto a alguns pontos dos "factos provados", inconsistências e contradições diversas na prova produzida, que por uma questão de economia aqui se consideram reproduzidas para todos os efeitos legais.
2. Existindo estas contradições, não se vislumbra como pode o douto tribunal a quo concluir, com certeza, qual reflecte a verdade dos factos, afastando a aplicação do princípio in dubio pro reoe, em consequência, condenando o arguido.
3. Resultando provado, no entender do Recorrente, que os factos que lhe são imputados não estão provados, por falta de prova.
4. Falta de prova que não deve ser "suprida" pelo principio da livre apreciação da prova, porquanto este principio deve ser aplicado segundo as regras da experiência onde se "incluem-se as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, devendo as inferências basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, p. 127, citando F. Gómez de Liafío, La Prueba en el Proceso Penal, 184)."
5. Considerando a especificidade da violência doméstica, que dificulta, entendemos a reconstituição dos factos, haverá que recorrer à chamada prova indirecta para se poder formular opinião e concretizar decisão, tão próxima da verdade quanto possível, sobre o que aconteceu.
6. E, desta prova produzida no decurso da audiência de discussão e julgamento, entenda-se, prova testemunhal e tomadas de declarações, haverá que destacar a enormidade de contradições ocorridas nos depoimentos das testemunhas - seja entre si, como ao longo do próprio depoimento, conforme já demonstrado - e que não foram consideradas pelo tribunal a quo.
7. Resultando destas contradições que o tribunal a quo deveria ter, s.m.o., ficado com um estado de dúvida, porquanto, não sendo a verdade absoluta tangível pelos mortais, deverá obter-se um estado de certeza muito elevado quanto ao desenrolar dos factos, o que não nos parece possa ter acontecido com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e, em consequência, deveria ter sido aplicado o principio in dubio pro reo, absolvendo-se o arguido.
8. As testemunhas presentes na festa de aniversário assinalaram que o convívio entre o casal era normal, são, sem conflitos, o que não é compatível com a imputação que é efectuada ao arguido de maus-tratos psicológicos desde há largos anos.
9. De qualquer forma, da prova produzida não resulta claro que o grau de culpa do arguido seja assim tão elevado e tão grave, motivo pelo qual tanto a pena aplicada, como a indemnização em que este foi condenado são exageradas devendo ser modificadas, porquanto,
10. O quantum indemnizatório por danos morais, cujo objectivo é a "reparação" e não a "reposição", e considerando a prova produzida quanto aos danos morais sofridos pela demandante é exagerado devendo em consequência ser reduzido a um quantum mais conforme para com o dano a reparar.

Termos em que, deverá o recorrente ser absolvido por falta de prova condenatória apta a tal, atentas as contradições ocorridas.

Se for outra a decisão desse Venerando Tribunal, peticiona-se que a sentença recorrida seja revista de modo a reflectir a prova efectivamente produzida, o grau de culpa e dolo efectivo do arguido decorrente dessa prova, devendo, ainda, ser reduzido a um valor justo e adequado o quantum indemnizatório concedido a titulo de reparação dos danos morais, como é de Justiça!

3. Respondeu o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de 1.ª instância à motivação de recurso, concluindo no sentido de que o recurso não merece provimento.

4. Subiram os autos a este Tribunal da Relação, tendo a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), emitido parecer no sentido do não provimento do recurso.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P. e colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

            II – Fundamentação:

1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, as questões a decidir no recurso são: 
   
- Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento/violação do princípio in dubio pro reo;
- A determinação da pena e o quantum indemnizatório.

Como questão prévia, suscita-se a questão da alegada ausência de documentação do depoimento da testemunha RS..., geradora, no entender do recorrente, de nulidade susceptível de ser arguida no próprio recurso e no prazo deste.

            2. A Decisão Recorrida:

2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

2.1. O arguido viveu com a ofendida C... em comunhão de cama, mesa e habitação durante cerca de cinco anos, tendo a mesma cessado em Janeiro de 2014.

2.2. Do relacionamento amoroso entre arguido e ofendida nasceram duas filhas: a S... em 19/08/2011 e a M... em 31/03/2010.

2.3. O casal sempre fixou residência na área de Almada e residindo sempre com os mesmos, a filha da ofendida D... nascida em 22/06/1999.

2.4. Decorrido cerca de um ano e meio do inicio da relação amorosa o arguido passou com uma frequência quase diária e sempre que se embriagava a iniciar discussões com a ofendida apelidando-a de "vaca; puta; não serves para nada", fazendo-o na presença das menores.

2.5. Acresce ainda que durante tais discussões o arguido gritava, batia com as portas, agarrava objectos e partia-os contra o chão.

2.6. Assim, no ano de 2011, em data não concretamente apurada e estando a ofendida grávida da filha do casal S... o arguido chegou a casa e iniciou com a ofendida uma discussão na sequência da qual lhe desferiu um murro nas costas.

2.7. Acresce ainda que no dia 31 de Março de 2013 após o aniversário da filha M... e do baptizado da filha S... o arguido sem qualquer motivo iniciou uma discussão com a ofendida na qual a agarrou no braço direito e o torceu nas costas.

2.8. No dia 10 de Janeiro de 2014 o arguido uma vez mais chegou a casa embriagado iniciando com a ofendida uma discussão na sequência da qual a apelidou de " vaca; puta" e disse-lhe ainda "escreveste o teu destino; vais ver o que te vou fazer; rebento-te toda".

2.9. O arguido sabia que com as suas condutas e mais precisamente ao dirigir as expressões injuriosas, que rebaixava e humilhava a sua companheira, bem como dirigia-lhe as ameaças com o objectivo de provocar medo e inquietação.

2.10. Mais, sabia e, queria o arguido com as suas condutas causar dores e mau estar físico na companheira.

2.11. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, em obediência ao mesmo desígnio de crueldade e malvadez, com a perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei, não se tendo contudo coibido de as praticar.

2.12. O arguido vive sozinho, numa casa arrendada, pela qual paga € 300,00 mensais.

2.13. É empregado de mesa na Portugália, auferindo € 650,00 mensais.

2.14. As filhas estão entregues à guarda e cuidados da mãe, pagando o arguido uma pensão de alimentos no valor global de € 130,00 mensais.

2.15. Contraiu um crédito pessoal pelo qual paga € 45,00 mensais.

2.16. Possui como habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade.

2.17. Constam no seu Certificado de Registo Criminal as seguintes condenações:

- Pela prática em 28/04/1998 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n° 1, al. e), ambos do Cód. Penal, foi condenado por sentença de 07/05/2001, já transitada em julgado, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de Esc. 600$00, o que perfez o total de Esc. 54.000$00.

- Pela prática em 06/02/2003 de um crime de injúria agravada, p. e p . pelos arts. 181.º e 184.º ambos do Cód. Penal; e de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal, foi condenado por sentença de 21/10/2003, transitada em julgado no dia 05/11/2003, na pena única de 230 dias de multa à taxa diária de € 5,00.

- Pela prática em 09/11/2008 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1, do Cód. Penal, foi condenado por sentença de 21/05/2010, transitada em julgado no dia 21/05/2010, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 6,00, o que perfez o total de € 360,00.

2.18. A demandante sofreu uma fortíssima perturbação psicológica devido à tortura emocional perpetrada pelo demandado durante os anos em que este a agrediu psicologicamente.

2.19. Em virtude dos insultos perpetrados pelo demandado, a demandante sentia-se envergonhada e humilhada enquanto sua companheira e mãe de duas filhas dele.

2.20. A demandante sentiu um profundo desgosto e vergonha por ver o seu relacionamento terminar de forma violenta.

2.21. Sentiu medo e humilhação quando em 2011 foi agredida fisicamente pelo demandado, vivendo em constante sobressalto, com medo dele.

2.22. A demandante perdeu a capacidade de se concentrar em qualquer assunto, pois, não reunia condições físicas e emocionais para o que quer que fosse, tendo sofrido uma grande alteração ao nível do seu sistema nervoso, pelo que teve de receber acompanhamento psicológico.

2.23. A demandante recebeu ajuda da " Umar - União de Mulheres, Alternativa e Resposta ".

2.24. Ainda hoje a demandante demonstra sempre uma tristeza latente e anda permanentemente em estado de angústia e ansiedade.
           
2.2. Quanto a factos não provados ficou consignado na decisão recorrida (transcrição):

Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente, que em Outubro de 2013, em data não concretamente apurada, o arguido de forma livre, voluntária e consciente iniciou uma discussão com a menor D..., na qual lhe desferiu uma palmada na nuca e disse-lhe que caso a mesma não fizesse as coisas que lhe dizia para fazer podia sair de casa; que nessa data, e na sequência da conduta do demandado, a menor demandante sentiu dores na nuca; que nessa data a menor demandante sentiu medo do demandado, designadamente que este a pusesse na rua, tal como a havia ameaçado.

2.3. O tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto nos seguintes termos (transcrição):

A convicção do tribunal para a decisão que tomou sobre a matéria de facto assentou na análise e ponderação conjuntas e críticas da prova produzida, ponderada segundo as regras da lógica e da experiência. Nomeadamente, auxiliou a formação da convicção do tribunal a ponderação conjunta do teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas, analisando-os criticamente em conjugação com a demais prova produzida, de acordo com a razão de ciência que evidenciaram e tendo em conta a forma mais ou menos espontânea, firme, coerente, vacilante, clara, vaga, pormenorizada, serena ou apaixonada como foram prestados.

Assim, tivemos em conta o CRC junto aos autos, o qual permitiu ao tribunal formar a sua convicção sobre os antecedentes criminais do arguido.

Tivemos em conta as declarações do arguido sobre as suas condições sociais, profissionais e familiares. Factos de que o tribunal conheceu nos termos do disposto no n.º 2 do art. 358.º do Código de Processo Penal.

Consideramos também as declarações do arguido sobre os factos que lhe eram imputados na acusação, tendo o mesmo admitido a factualidade que se julgou provada e que consta nos números 2.1 a 2.3 dos factos provados e, no essencial, negou a prática da restante factualidade, à excepção das injúrias que constam no n.º 2.8 dos factos provados, não se tratando de uma verdadeira confissão, na medida em que o arguido admite que possa ter dito tais palavras, não se recordando, mas se o fez foi para responder a injúrias que a ofendida proferiu contra ele, o que também sucedeu em outras ocasiões.

Não nos podemos esquecer que as declarações do arguido, em qualquer das fases do processo, revestem uma dupla natureza: meio de prova; e meio de defesa, o que implica uma regulamentação específica.

É que, constituindo as declarações do arguido também um meio de defesa, cabe-lhe ordená-la como bem entender para a eficácia da sua defesa, nomeadamente não depondo sobre os factos.

Assim, tivemos em conta as declarações aparentemente isentas e credíveis da ofendida C..., que confirmou a matéria de facto que se julgou provada e que consta nos números 2.4 a 2.8 dos factos provados. Não foi produzida qualquer outra prova que permitisse abalar a credibilidade que nos mereceram as declarações da ofendida.

Aliado a tudo isto, acresce que, neste tipo de ilícitos, que ocorrem entre marido/mulher ou companheiro/companheira, as declarações das vítimas não podem deixar de merecer ponderada valorização, pois que, consabidamente, as agressões ocorrem, por via da regra, ou no domicílio de ambos, ou em locais onde ninguém as presenciou. Ou seja, as agressões ocorrem no recato da impunidade não presenciada, preservado da observação alheia, garantido até pelo generalizado pudor que os mais próximos têm de se imiscuir na vida privada do casal. A ofendida emocionou-se ao relatar em Tribunal as várias agressões físicas e psíquicas que sofreu ao longo do tempo, referindo que no último episódio, que levou à separação do casal, já não via o arguido há dois dias, ouviu barulho na rua e viu-o na companhia de um amigo. Concluiu que ambos estavam bêbados. Assim que chegou a casa com o amigo perguntou à ofendida o seguinte: "Então, ainda aqui estás? ". Pensei que ao fim de dois dias já te tinhas ido embora, a casa é minha!".

Explicou a testemunha que ligaram o televisor, cujo som colocaram em "altos berros". A filha M... acordou, eles, dois também falavam bastante alto, por isso pegou na criança ao colo.

Referiu que sem que se tivesse apercebido a filha D... ligou para a polícia, que apareceu no local e convidou os dois a saírem, porque estavam embriagados. Ambos saíram, a polícia foi embora e, nessa altura, o arguido proferiu as expressões que constam em 2.8 dos factos provados, que terão sido proferidas na rua. Após a polícia se ter ausentado o arguido e o seu amigo voltaram a entrar em casa, voltou a ligar a televisão e a injuriar a ofendida, pelo que a filha voltou a chamar a polícia que se deslocou de novo ao local.

Anote-se que, conforme referiu a testemunha, não, só o arguido a injuriou e a ameaçou, como permitiu ao amigo que tivesse idênticos comportamentos em relação à companheira, dentro da sua própria casa, o que levou a que esta tivesse ficado apavorada.

Nessa noite a ofendida saiu de casa com as três filhas, na companhia da policia, e nunca mais regressou.

No caso dos autos, alguns dos episódios foram presenciados por terceiros.

A testemunha FL..., agente da PSP, foi chamado à ocorrência, por duas vezes, tendo da última vez a testemunha lhe dito que estava a ser vítima de injúrias e ameaças, recordando-se de ela lhe ter transmitido a expressão "escreveste o teu destino, rebento-te toda".

Mesmo nesta parte este depoimento foi valorado, na medida em que o depoimento de testemunhas que ouviram o relato dos factos da boca do próprio ofendido, quase de seguida à ocorrência dos mesmos, podem ser valorados pelo Tribunal, não constituindo prova proibida, uma vez que o ofendido, na qualidade de testemunha, os confirmou em audiência de julgamento (vid. a este respeito os Acs. publicados nas CJ, Ano XXVI, Tomo V, 2001, p. 230 e Ano XXX, Tomo I, 2005, p. 42).

No entanto, relativamente aos factos relatados na acusação e que tiveram como vitima a menor D..., o tribunal não valorou o depoimento da ofendida, pois, nesta parte, o mesmo foi pouco preciso, começando por dizer "acho que lhe deu um empurrão e ela ficou deitada de costas na cama, tendo-lhe depois colocado as mãos por cima dos ombros". Só depois, é que referiu o que constava no art. 8.º da acusação, ficando o Tribunal convencido que ela não assistiu a tal episódio, tendo o mesmo muito provavelmente lhe sido relatado pela menor, que não o confirmou.

Com efeito, o que estava aqui em causa era uma palmada na nuca desferida em Outubro de 2013, não tendo a D... confirmado que nessa data tivesse sofrido uma agressão desse tipo, referindo que em algumas ocasiões o arguido efectivamente lhe deu palmadas na nuca, mas não se recordando das datas em que isso aconteceu.

Ora, o que estava em causa nestes autos não era toda e qualquer palmada que o arguido tivesse dado na nuca da D..., mas uma palmada desferida em Outubro de 2013, e neste particular não foi feita prova sustentada e convincente.

Também a testemunha D... confirmou que as discussões começaram a surgir após o nascimento da M..., que o arguido injuriava a mãe, atirava objectos para o chão que se partiam, referindo o episódio referido em 2.7 ocorreu já após os convidados se terem ido embora, encontrando-se em casa o arguido, a mãe, as três filhas e avó, ouviu-os a discutirem, ela estava no quarto com a avó e as irmãs, ouviu um barulho como se alguém estivesse a ser agredido, foi ao encontro deles e a mãe contou-lhe que ele a tinha agredido .

No essencial confirmou o que disse a mãe em relação ao episódio ocorrido no dia 10/01/2014, acrescentando que a mãe tinha medo do arguido.

A testemunha RS..., mãe da ofendida, transmitiu ao Tribunal aquilo que ouviu da boca da filha, ou seja, actos de agressões físicas e psíquicas praticados pelo arguido na sua pessoa. No episódio descrito em 2.7, e já após a festa ter terminado, ouviu o arguido dirigir-se à filha e dirigir-lhe as seguintes expressões: "não prestas para nada, não sabes fazer nada". A filha queixou-se que ele a tinha agredido. Em relação ao último episódio descrito nos factos provados referiu que se deslocou até casa da filha tendo visto o aparato policial.

A testemunha MP..., na data dos factos era vizinha do arguido e da ofendida. Devido ao tipo de construção do prédio ouvia gritos na casa deles, o arguido a chamar "cabra e puta" à ofendida, no episódio referido em 2.8. Referiu que também ouvia a voz do amigo a injuriar a ofendida, não se tendo apercebido do arguido repreender o amigo por esse facto. Quando eles saíram da primeira vez ouviu o amigo a perguntar ao arguido " qual é O carro dela? ", este indicou, o amigo dirigiu-se ao automóvel e deu dois pontapés na porta que a meteu dentro. Esta situação foi igualmente confirmada pela ofendida. Referiu a testemunha que noutras ocasiões também ouvia o arguido a injuriar a ofendida com as expressões "cabra e puta ". Ouvia portas a bater com força e ele a dizer" isto é meu, eu é que pago a renda ".

Foi com base nos depoimentos destas duas últimas testemunhas que o Tribunal julgou provada a factualidade que consta nos n. 2.18 a 2.24, os quais foram conjugados com o teor do " Relatório de Atendimento e Acompanhamento da Umar ", que faz fls. 190 e ss ..

O Tribunal teve ainda em conta os "Assentos de nascimento " que fazem fls. 83, 92 e 93.

Os depoimentos das testemunhas NB..., irmão do arguido, MV..., amiga do arguido, e SB..., irmã do arguido, não foram susceptíveis de abalar a credibilidade que nos mereceram os depoimentos das testemunhas acima identificadas. Com efeito, todos eles tentaram fazer passar a ideia que a relação entre o arguido e a ofendida era perfeitamente normal, passando a sua estratégia de defesa por tentar convencer o Tribunal, e porque estiveram presentes na festa a que se alude em 2.7 dos factos provados, e que foi o arguido e o CP quem levaram a mãe da ofendida a casa, pelo que esta não poderia ter assistido a qualquer episódio de violência.

No entanto, resulta do depoimento da ofendida, da sua filha e da sua mãe, que para além desses episódios de violência terem ocorrido, foi a ofendida quem levou a sua mãe a casa, já após os convidados se terem ido embora e após os actos de violência perpetrados pelo arguido. O "Relatório" de fls. 190, elaborado por uma Psicóloga da Umar, e apreciado livremente por este Tribunal, é bem conclusivo quanto ao facto de estarmos perante uma vítima de violência doméstica: "sintomas depressivos, fragilização, tensão, choro compulsivo, amedrontada perante a postura do arguido, hipervigilante, ataques de pânico e hipervigilância do sono", sendo a sintomatologia apresentada compatível com o desgaste que o clima de insegurança e terror, promovido pelo arguido, acarreta.

3. Apreciando:

3.1. Questão da alegada ausência de documentação do depoimento da testemunha RS....

Alega o recorrente que o depoimento da testemunha RS..., mãe da demandante, não foi gravado, o que, no seu entender, consubstancia a nulidade prevista no artigo 363.º do C.P.P., susceptível de ser arguida nas próprias alegações e dentro do prazo de recurso.

Para sustentar o seu entendimento, socorre-se o recorrente do acórdão desta Relação, de 26.01.2012, proferido no processo 281/08.1TAALM.L2-9 (disponível em www.dgsi.pt), que teria acolhido o entendimento jurisprudencial largamente dominante.

Porém, o recorrente ignora que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2014, de 3 de Julho de 2014, publicado no Diário da República, 1.ª série,  N.º 183, de 23 de Setembro de 2014, por unanimidade dos Juízes Conselheiros, fixou jurisprudência nos seguintes termos:

«A nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada.»

Não se verifica qualquer razão para afastarmos o acatamento da jurisprudência fixada pelo Supremo.

A ter existido falta de gravação do depoimento em causa, a mesma ocorreu no dia 23 de Outubro de 2014, não constando dos autos que o recorrente tenha requerido cópia da gravação, a não ser na sequência da sentença recorrida.

Como só na motivação de recurso veio o recorrente arguir a dita nulidade, fê-lo claramente fora de prazo.

Acresce, porém, que o pressuposto de facto da arguição de nulidade pelo recorrente também não se verifica, pois conforme se comprova através do CD... junto aos autos, o depoimento da referida testemunha RS... foi gravado e encontra-se em perfeitas condições de audição. Assim, das duas uma: ou o recorrente não ouviu atentamente a gravação que lhe foi facultada, ou então o CD... que lhe foi entregue não continha, por lapso, a gravação do depoimento em causa e tal irregularidade (que não nulidade, pois o depoimento foi efectivamente gravado) deveria ter sido, em tempo, arguida perante o tribunal de 1.ª instância, o que não aconteceu.

Do que se conclui que o recorrente carece de razão ao invocar a dita nulidade e que a mesma, a ter-se verificado – o que não ocorreu - , deve considerar-se sanada.

 
3.2. Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento/violação do princípio in dubio pro reo.
           
3.2.1. Dispõe o artigo 428.º, n.º 1, do C.P.P., que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito. Dado que no caso em análise houve documentação da prova produzida em audiência, com a respectiva gravação, pode este tribunal reapreciar em termos amplos a prova, nos termos dos artigos 412.º, n.º3 e 431.º do C.P.P., ficando, todavia, o seu poder de cognição delimitado pelas conclusões da motivação dos recorrentes.

A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º3, 4 e 6, do mesmo diploma. No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª ed., p. 873; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121).

No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do artigo 412.º do C.P. Penal.

Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acordãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, a consultar em www. dgsi.pt).

Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P. Penal:

«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»

A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.

A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.

Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.).

Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.), salientando-se que o S.T.J, no seu acórdão N.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no seguinte sentido: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».

O recurso em apreço não é modelar no cumprimento das exigências de especificação.

No entanto, da conjugação das conclusões com o corpo da motivação resulta que o recorrente pretende sindicar a apreciação da prova, através da impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, indicando os depoimentos da ofendida e das testemunhas MV..., SB..., NB..., CP..., MP... e FL..., percebendo-se que estão em causa os pontos de factos provados 2.4. a 2.11., pelo que se procedeu à audição da prova gravada, não olvidando a motivação da decisão de facto exposta na sentença recorrida.

E procedeu-se dessa forma tendo sempre em vista que, como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 (Processo: 07P4375, www.dgsi.pt), a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:

- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º – também neste sentido o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt].

Como se diz no Acórdão da Relação de Évora, de 1 de Abril de 2008 (processo n.º 360/08-1.ª, www.dgsi.pt):

«Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente

Assim, ouvida a gravação da prova, importa cotejá-la com a motivação da decisão de facto e verificar se as provas indicadas pelo recorrente (e agora reapreciadas) impõem decisão diversa da proferida pela 1.ª instância.

3.2.2. Começa o recorrente por alegar a existência de contradições da prova, referindo-se ao ponto de facto 2.4. onde se diz que, decorrido cerca de um ano e meio do início da relação amorosa o arguido passou com uma frequência quase diária e sempre que se embriagava a iniciar discussões com a ofendida apelidando-a de "vaca; puta; não serves para nada", fazendo-o na presença das menores.

Não se alcança a alegada contradição da prova: a existência de discussões quase diárias, em que o arguido dirigia as referidas expressões à sua companheira, na presença das menores, estando embriagado, tem por base as declarações da ofendida, C..., que o tribunal considerou, nesta parte, isentas e credíveis.

Tais declarações são ainda credibilizadas pelo depoimento da menor D... que presenciou muitas dessas discussões, motivadas, nas suas palavras, «por coisas mínimas», em que o arguido dirigia à ofendida «nomes feios» e atirava coisas para o chão; pelo depoimento de RS..., mãe da ofendida, que não assistindo a essas discussões, delas sabia pela sua filha – mas a testemunha assistiu à que ocorreu no dia do aniversário da menor Inês, em que o arguido se dirigiu à ofendida com gritos dizendo-lhe que ela não prestava e não servia para nada, batendo com as portas com violência, ao ponto de fazer saltar as tintas; pelo depoimento de MP..., na data dos factos vizinha do arguido e da ofendida, que por diversas vezes ouviu discussões em que o arguido chamava a sua companheira de "cabra e puta", ouvindo portas a bater com força e o arguido a dizer" isto é meu, eu é que pago a renda".

O arguido, tendo admitido a factualidade que se julgou provada e que consta nos números 2.1 a 2.3 dos factos provados, negou a prática da restante factualidade, à excepção das injúrias que constam no n.º 2.8 dos factos provados, o que, como realça a sentença recorrida, não se trata de uma verdadeira confissão, já que o arguido admite que possa ter dito tais palavras, não se recordando, mas se o fez foi, segundo declarou, para responder a injúrias que a ofendida proferiu contra ele, o que também sucedeu em outras ocasiões. Em síntese, o arguido negou que alguma tivesse agredido fisicamente a ofendida; disse que sempre cumpriu as suas obrigações, enquanto a ofendida não fazia nada e tinha tido dois empregos de que fora despedida, tendo deixado voluntariamente um terceiro; a ofendida, inclusivamente, descuidava as filhas enquanto ficava «refastelada no sofá a ver televisão»; era ele que pagava todas as contas; a admitiu que na ocasião de 2.8 dos factos provados estava embriagado – que chegou a casa «num estado bebido». Segundo o arguido, nas discussões, os nomes eram «de parte a parte».

No que concerne à questão da credibilidade das declarações e depoimentos, a imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como «a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão» (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.

Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador que é fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).

Tal não significa que o tribunal superior não deva analisar os depoimentos prestados e ajuizar sobre a sua verosimilhança e plausibilidade.

No caso vertente, ouvida a gravação da prova, não se vislumbra razão para censurar o juízo positivo que o tribunal recorrido formulou sobre a credibilidade do depoimento da ofendida (nesta parte) em contraponto às declarações do arguido.

Disse a ofendida C... que, no inicio, a sua relação de casal com o arguido funcionava normalmente, ainda que ela não gostasse do consumo excessivo de álcool por parte deste, sendo certo que todos os casais «têm altos e baixos». Após o nascimento da filha de ambos, M..., começaram «as discussões sérias», quase todos os dias, em que o arguido lhe dizia «não prestas para nada», «não prestas para mãe», «vaca» e «puta», o que acontecia na presença das menores, «estivesse quem estivesse». As discussões aconteciam por qualquer razão, dizendo-lhe o arguido que ela não prestava para mãe apenas porque a recém nascida chorava durante a noite. Nesses momentos, o arguido gritava, batia com as portas, agarrava objectos e partia-os contra o chão, ao que a ofendida lhe dizia que «as coisas não têm culpa». Os episódios de agressividade iam piorando à medida que o arguido bebia mais. No que toca a agressões físicas, aconteceram apenas duas ou três, uma das quais quando estava grávida da filha do casal, S..., ocasião em que o arguido chegou a casa, iniciou mais uma discussão com a ofendida  e, quando esta estava virada para a janela, ele desferiu-lhe uma pancada nas costas e ela, ofendida, foi abaixo. A ofendida acabou por se sentar no sofá e depois escorregou para o chão e deixou-se estar, enquanto o arguido pegou nas chaves do carro e foi-se embora sem se interessar por ela. De outra vez, após a festa de aniversário da filha M..., após a saída dos pais dele, numa altura em que estavam em casa a mãe da ofendida e as três filhas desta, o arguido iniciou nova discussão sem qualquer motivo. Nessa ocasião, a ofendida e o arguido estavam na sala, enquanto a mãe da ofendida e as menores estavam no quarto destas. No decurso dessa discussão, o arguido agarrou no braço direito da ofendida e torceu-o nas costas – da gravação da prova constata-se que a ofendida exemplificou ao tribunal o que o arguido lhe fez ao braço -, ao que a ofendida dizia «olha o meu braço», «olha o meu braço» e «larga-me». Nessa ocasião, o arguido bateu violentamente com a porta, ao ponto da tinta sair.

Diz-se na motivação da decisão de facto, com corroboração na prova gravada a cuja audição se procedeu:

«Aliado a tudo isto, acresce que, neste tipo de ilícitos, que ocorrem entre marido/mulher ou companheiro/companheira, as declarações das vítimas não podem deixar de merecer ponderada valorização, pois que, consabidamente, as agressões ocorrem, por via da regra, ou no domicílio de ambos, ou em locais onde ninguém as presenciou. Ou seja, as agressões ocorrem no recato da impunidade não presenciada, preservado da observação alheia, garantido até pelo generalizado pudor que os mais próximos têm de se imiscuir na vida privada do casal. A ofendida emocionou-se ao relatar em Tribunal as várias agressões físicas e psíquicas que sofreu ao longo do tempo, referindo que no último episódio, que levou à separação do casal, já não via o arguido há dois dias, ouviu barulho na rua e viu-o na companhia de um amigo. Concluiu que ambos estavam bêbados. Assim que chegou a casa com o amigo perguntou à ofendida o seguinte: "Então, ainda aqui estás? ". Pensei que ao fim de dois dias já te tinhas ido embora, a casa é minha!".

Explicou a testemunha que ligaram o televisor, cujo som colocaram em "altos berros". A filha M... acordou, eles dois também falavam bastante alto, por isso pegou na criança ao colo.

Referiu que sem que se tivesse apercebido a filha D... ligou para a policia, que apareceu no local e convidou os dois a saírem, porque estavam embriagados. Ambos saíram, a policia foi embora e, nessa altura, o arguido proferiu as expressões que constam em 2.8 dos factos provados, que terão sido proferidas na rua. Após a policia se ter ausentado o arguido e o seu amigo voltaram a entrar em casa, voltou a ligar a televisão e a injuriar a ofendida, pelo que a filha voltou a chamar a policia que se deslocou de novo ao local.

Anote-se que, conforme referiu a testemunha, não, só o arguido a injuriou e a ameaçou, como permitiu ao amigo que tivesse idênticos comportamentos em relação à companheira, dentro da sua própria casa, o que levou a que esta tivesse ficado apavorada.

Nessa noite a ofendida saiu de casa com as três filhas, na companhia da policia, e nunca mais regressou.»

É sabido que no âmbito da criminalidade que ocorre na reserva da vida privada e do lar, a prova possível consistirá, predominantemente, no depoimento da vítima.

Porém, daí não resulta que esse meio de prova deva merecer, só por isso, uma credibilidade especial, pois dessa circunstância não derivam regras especiais de valoração de prova que conduzam a uma sobreavaliação injustificada de determinado depoimento, por contraposição a uma negação dos factos pelo arguido.

O artigo 127.º, do C.P.P., consagra o princípio da livre apreciação da prova, consubstanciado na não sujeição do julgador a regras rígidas de prova tarifada ou vinculada e, simultaneamente, trata-se de “liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e susceptíveis de motivação e controlo” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 2004, p. 202-3).

A prova por depoimento de vítima é livremente valorada, também quando se confronta com o resultado da prova por declarações de arguido. A lei não proíbe que possa, por si só, conduzir à condenação – proibição que constituiria um retrocesso ilegal ao sistema da prova vinculada ou tarifada e inviabilizaria a perseguição de crimes que ocorrem na absoluta privacidade, como sucede, frequentemente, com o crime de violência doméstica.
 
Por outro lado, também é certo que a existência de versões contraditórias – que é corrente nos casos julgados em tribunal – não tem que conduzir, necessariamente, o julgador a uma situação de dúvida insanável.

Na tarefa de valoração da prova e de reconstituição dos factos, tendo em vista alcançar a verdade – não a verdade absoluta e ontológica, mas uma verdade histórico-prática e processualmente válida –, o julgador não está sujeito a uma “contabilidade das provas”. E não será a circunstância, normal nas lides judiciais, de se contraporem, pela prova pessoal (declarações e testemunhos), versões distintas, a impor que o julgador seja conduzido, irremediavelmente, a uma situação de dúvida insuperável. A função do julgador não é a de encontrar o máximo denominador comum entre os depoimentos prestados, não lhe é imposto ter de aceitar ou recusar cada um deles na globalidade, cumprindo-lhe antes a missão, certamente difícil, de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece ou não crédito e em que termos.

No caso em apreço, as declarações da ofendida foram consideradas credíveis pelo tribunal recorrido, nesta parte, sendo essa credibilidade reforçada pelos depoimentos das testemunhas DRS e MP... A testemunha D..., embora começando por dizer que o arguido dirigia à ofendida «nomes feios» e atirava coisas para o chão, sem especificar esses “nomes”, acabou por referir as expressões «filha da puta», «vaca» e «só serves para abrir as pernas». RS..., mãe da ofendida, que não assistindo a essas discussões, delas sabia pela sua filha, assistiu, porém, à que ocorreu no dia do aniversário da menor Inês, em que o arguido se dirigiu à ofendida com gritos dizendo-lhe que ela não prestava e não servia para nada, batendo com as portas com violência, ao ponto de fazer saltar as tintas, ao que a testemunha lhe disse «tu dás cabo da casa», tendo obtido como resposta que a casa era dele. Por sua vez, a testemunha MP,.. que na data dos factos era vizinha do arguido e da ofendida, por diversas vezes ouviu discussões em que o arguido chamava a sua companheira de "cabra e puta", ouvindo portas a bater com força e o arguido a dizer" isto é meu, eu é que pago a renda".

Não podemos deixar de observar que as menções a que a casa era do arguido e não da ofendida – de onde se infere que o arguido achava poder fazer o que bem queria – adequam-se perfeitamente ao discurso do arguido em audiência de julgamento, em que frisou que a casa era dele, que foi ele a querer que a ofendida saísse e que era ele a pagar todas as contas.

Temos, assim, que as declarações da ofendida, num registo por vezes emocionado, mereceu um juízo positivo de credibilidade e que, no confronto com as declarações do arguido, não vislumbramos razão para colocar em crise esse juízo.

Dizer-se que a ofendida não estaria em condições para afirmar que o arguido se embriagava não faz sentido: não é preciso ver alguém a beber álcool para poder inferir, pela observação e por recurso à experiência comum, que uma pessoa está alcoolizada. E, pelo menos no episódio de 10 de Janeiro de 2014, o arguido admitiu que estava alcoolizado.

            Lê-se na motivação da decisão de facto:

«Os depoimentos das testemunhas NB..., irmão do arguido, MV..., irmã do arguido, não foram susceptíveis de abalar a credibilidade que nos mereceram os depoimentos das testemunhas acima identificadas. Com efeito, todos eles tentaram fazer passar a ideia que a relação entre o arguido e a ofendida era perfeitamente normal, passando a sua estratégia de defesa por tentar convencer o Tribunal, e porque estiveram presentes na festa a que se alude em 2.7 dos factos provados, e que foi o arguido e o CP... quem levaram a mãe da ofendida a casa, pelo que esta não poderia ter assistido a qualquer episódio de violência.

No entanto, resulta do depoimento da ofendida, da sua filha e da sua mãe, que para além desses episódios de violência terem ocorrido, foi a ofendida quem levou a sua mãe a casa, já após os convidados se terem ido embora e após os actos de violência perpetrados pelo arguido. O "Relatório" de fls. 190, elaborado por uma Psicóloga da Umar, e apreciado livremente por este Tribunal, é bem conclusivo quanto ao facto de estarmos perante uma vitima de violência doméstica: "sintomas depressivos, fragilização, tensão, choro compulsivo, amedrontada perante a postura do arguido, hipervigilante, ataques de pânico e hipervigilância do sono", sendo a sintomatologia apresentada compatível com o desgaste que o clima de insegurança e terror, promovido pelo arguido, acarreta.»

Ouvida a gravação da prova, não identificamos qualquer razão para ajuizar de modo diverso do tribunal de 1.ª instância: a circunstância de as testemunhas NB..., MV... e SB... dizerem que a relação entre o arguido e a ofendida era perfeitamente normal e que nunca o viram alterado, sabendo a testemunha SB..., porém, que a relação não andava bem, não coloca em crise a demais prova, sendo certo que, com excepção do episódio referido no ponto 2.7., também a testemunha RS... não presenciou outra discussões, o que é normal no âmbito de criminalidade que ocorre na reserva da vida privada e do lar, longe da vista de terceiros.

Alega o recorrente que não batia com as portas e não «agarrava objectos e partia-os contra o chão» (factos provados 2.5).

Trata-se de uma mera afirmação, contrariada pela prova a que o tribunal reconheceu credibilidade.

Quanto aos factos ocorridos em 2011, o arguido identifica a existência de contradições nas declarações da ofendida. Sem razão, porém. A ofendida disse que, na altura, estava grávida da filha do casal, S..., ocasião em que o arguido chegou a casa, iniciou uma discussão com a ofendida  e, quando esta estava virada para a janela, ele desferiu-lhe uma pancada nas costas e ela, ofendida, foi abaixo. A ofendida acabou por se sentar no sofá e depois escorregou para o chão, onde permaneceu sentada enquanto o arguido pegou nas chaves do carro e foi-se embora sem se interessar por ela. Não identificamos qualquer contradição neste depoimento. A circunstância da ofendida não conseguir concretizar o dia em que ocorreram os factos não diminui a sua credibilidade. Quanto ao facto de se ter sentado no sofá e de ter escorregado para o chão, onde permaneceu sentada, não é tanto consequência directa da agressão física sofrida, mas antes sinaliza e corporiza o estado de desânimo e abandono em que a ofendida ficou.

No tocante aos factos de  31 de Março de 2013, o arguido argumenta com os depoimentos de NB..., MV..., SB... e CP..., no sentido de que nada aconteceu de anormal na festa de aniversário e de que a mãe da ofendida terá sido levada a casa pela testemunha CP....

Desde logo importa dizer que ofendida afirmou que quando foi agredida pelo arguido, nesse dia, após a festa terminar, a sua mãe encontrava-se no quarto com as menores, enquanto a ofendida e o arguido estavam na sala. Ou seja, a ofendida admite que a sua mãe, e bem assim a sua filha D..., não presenciaram a agressão, do mesmo modo que a testemunha RS..., mãe da ofendida, disse que o arguido se dirigiu à ofendida com gritos, dizendo-lhe que ela não prestava e não servia para nada, batendo com as portas com violência, ao ponto de fazer saltar as tintas, ao que a testemunha lhe disse «tu dás cabo da casa», tendo obtido como resposta que a casa era dele. A testemunha replicou que não era bem assim, que ela era a fiadora. Quer isto dizer que a testemunha não disse ter visto o arguido a agarrar no braço direito da ofendida e a torcê-lo nas costas, o mesmo acontecendo com a testemunha D..., que também não presenciou a agressão física.

Não se vislumbra, pois, qualquer razão para se inventar que a testemunha RS... estava ainda na residência do casal quando os factos ocorreram e que foi a ofendida quem levou a sua mãe a casa, já após os convidados se terem ido embora e após os actos de violência perpetrados pelo arguido.

Além disso, o “relatório” de fls. 190, elaborado por uma Psicóloga da Umar, e apreciado livremente pelo tribunal de 1.ª instância, reforça a credibilidade das declarações da ofendida e diminui a das testemunhas que pretenderam fazer passar a ideia de que a relação entre o casal era perfeitamente normal, assinalando-se nesse “relatório” "sintomas depressivos, fragilização, tensão, choro compulsivo, amedrontada perante a postura do arguido, hipervigilante, ataques de pânico e hipervigilância do sono", sendo a sintomatologia apresentada compatível com o desgaste que o clima de insegurança e terror, promovido pelo arguido, acarreta, como se realça na motivação da decisão de facto.

Salientamos que o depoimento da testemunha RS... – gravado em perfeitas condições, como já se assinalou, diversamente do alegado pelo recorrente -, ainda que com algumas imprecisões que são inteiramente compreensíveis, não se mostra tendencioso, tendo a testemunha afirmado que se apercebia de que o relacionamento do casal não estava bem, sabendo, pelo que a sua filha lhe contava, que o arguido lhe chamava nomes e já a tinha agredido. Porém, foi clara na afirmação de que, para além da discussão já atrás referida, não presenciou outras discussões e que o arguido lhe «tinha um bocadinho de respeito», não chamando nomes à ofendida na presença da testemunha.

Não vislumbramos, pois, qualquer razão para colocar em crise a factualidade constante do ponto de facto 2.7.

Quanto aos factos ocorridos no dia 10 de Janeiro de 2014 (2.8), argumenta o arguido com os depoimentos das testemunhas FL..., MP..., S... e CP....

No tocante à FL..., agente da PSP, disse ter sido chamado à ocorrência, por duas vezes, sendo que da última vez a ofendida lhe disse que estava a ser vitima de injúrias e ameaças, recordando-se de ela lhe ter transmitido a expressão "escreveste o teu destino, rebento-te toda". Na 1.ª vez não visualizou qualquer desentendimento; da 2.ª vez havia um ambiente tenso e o arguido «estava um pouco embriagado». A ofendida pediu apoio para sair de casa com as filhas e o ânimo do arguido exacerbou-se nessa altura. A ofendida disse estar com medo do arguido derivado das ameaças que este lhe fazia  e que era vitima de violência psicológica – injúrias e ameaças -, não referindo agressões físicas.

A testemunha MP..., por sua vez, disse ter ouvido gritos e vozes exaltadas, ouvindo dizer «sua cabra», «porque não te vais embora», «porque não deixas o meu amigo».

Saliente-se que o arguido, que admitiu que pudesse ter dirigido à ofendida as expressões que foram dadas como provadas, também declarou que a ofendida queria que o seu amigo (dele, arguido) saísse da casa e que ele replicou que «ele não vai sair, quem vai sair és tu« e que a casa era dele.

Ou seja, as declarações do arguido corroboram, até, o sentido das expressões que a testemunha MP... disse ter ouvido.

No mais, procura o recorrente esmiuçar o depoimento da testemunha em busca de aparentes contradições, mas sem lograr colocar em crise a sua credibilidade.

A testemunha disse que estava na casa da filha quando ouviu gritos e vozes exaltadas, tendo vindo à escada e apercebendo-se das referidas palavras, proferidas pelo arguido e pelo amigo que o acompanhava.

Relatou que, a dada altura, chegou à janela e ouviu o amigo do arguido perguntar «qual é o carro», tendo o arguido respondido «é aquele». O amigo do arguido chegou-se ao pé da viatura e deu dois pontapés na porta.

Quanto à intervenção policial, disse que não viu a chegada da polícia. Que a dada altura sentiu passos na escada, abriu a porta e viu dois polícias à frente, cada um com uma das menores mais pequenas ao colo e «um terceiro com a miúda mais velha pela mão». Por último veio a C..., «com um saquito na mãe«, que se agarrou a ela a chorar.

Argumenta o arguido que a testemunha a dada altura do seu depoimento disse ter ido à janela e noutras que não foi; que o seu depoimento contraria o da ofendida, segundo o qual as menores foram todas levadas pela mão; que a testemunha disse ouvir mal as vozes em surdina; que a ofendida disse que o arguido saiu atrás da polícia enquanto a dita testemunha ora disse presumir que ele ficara em casa, ora que depois saiu para a rua, etc.

Ora, não vislumbramos que as aparentes contradições, no plano do pormenor, comprometam globalmente a credibilidade do depoimento em causa.

A circunstância de ora se dizer que se viu algo da janela, ora se dizer que não se foi à janela, não descredibiliza o depoimento porque estamos a falar de factos dinâmicos com diferentes momentos: e se nuns a testemunha aproximou-se da janela, noutros não.

A circunstância de a testemunha ouvir mal as vozes em surdina não contraria que ouvisse as vozes exaltadas e aos gritos.

O pormenor de se saber exactamente como e porque ordem saíram de casa as menores, a ofendida e o arguido é de menor importância, sendo certo que nem todas as pessoas retêm na memória, com exactidão, esse tipo de pormenores.

Aliás, o relato da testemunha MP..., quanto à circunstância das menores mais pequenas irem ao colo dos agentes policiais, é até o mais consentâneo com a idade das mesmas - dois e três anos à data dos factos -, sendo mais credível que descessem as escadas ao colo do que a pé.

Em suma, analisado na sua globalidade, não se encontra razão para questionar a credibilidade do depoimento em causa.

Quanto à referência às declarações da ofendida, no sentido de que a irmã do arguido, SB..., sabia de tudo e que hoje já não lhe convém dizer, é inócua.

O depoimento da testemunha CP..., na parte em que afirma que a discussão terá começado por a ofendida não o querer em casa e que o arguido disse que quem mandava era ele, por ser ele quem pagava  e que se ela não estava bem que saísse, até corrobora o sentido de algumas das expressões relatadas pela testemunha MP... e a forma peculiar como o arguido interpretava a vida de casal: como era ele a pagar as contas, era ele quem punha e dispunha.

Ouvidos os depoimentos das testemunhas FL..., MP..., SB... e CP..., não se vê razão para, com base nessa prova alterar a factualidade que o tribunal deu como provada em 2.8.

Finalmente, quanto aos factos de 2.9, 2.10 e 2.11, não se vislumbra qualquer base para que sejam alterados. A pergunta sobre porque motivo a ofendida não terminou antes o relacionamento, «se o convívio era assim tão mau», chegando a aceitar ter outro filho do arguido, contraste com o conhecimento de tantas situações de violência no casal que perduram anos a fio. O arguido/recorrente, em rigor, nada diz de substancial que contrarie tais factos, para além da negação genérica dos mesmos e da afirmação de que as testemunhas NB..., seu irmão, e CP..., seu amigo, disseram – o que efectivamente fizeram – não ter conhecimento de quaisquer situações de violência no casal.

3.2.3. Aqui chegados, conclui-se que, ouvida a gravação dos depoimentos (e não perdendo de vista que o princípio da livre apreciação da prova também se aplica ao tribunal de 2.ª instância), entendemos que, por via da prova invocada, não se conclui que o tribunal recorrido tenha apreciado arbitrariamente a prova e que houvesse que decidir de forma diversa.

Invoca o recorrente o princípio in dubio pro reo, que decorre do princípio da presunção de inocência do arguido, com assento no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República, dando resposta ao problema da dúvida sobre o facto [e não sobre a interpretação da norma] e impondo ao julgador que o non liquet da prova seja sempre resolvido a favor do arguido.

            Ensina, sobre a matéria, o Prof. Figueiredo Dias:

«À luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do tribunal, também não possam considerar-se como provados. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova – não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (...) – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo» (Direito Processual Penal, reimpressão, 1984 p. 213).

O estado de dúvida (insanável, razoável e objectivável) - valorado a favor do arguido por não ter sido ilidida a presunção da sua inocência - pressupõe que, produzida a prova, o tribunal, e só o tribunal, tenha ficado na incerteza quanto à verificação ou não, de factos relevantes para a decisão. Como diz Cristina Líbano Monteiro: «O universo fáctico – de acordo com o “pro reo” – passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos factos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige a certeza.» (Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», pág. 53).  
 
Pois bem: percorrendo-se a sentença recorrida, desta não resulta que tenha ficado instalada no espírito do julgador, muito pelo contrário, a mais pequena incerteza quanto a qualquer um dos factos que na decisão considerou provados, ou seja, não se alcança que o tribunal a quo tenha valorado contra o arguido qualquer estado de dúvida sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, as devesse ter, em face do que decorre da própria sentença e da prova reapreciada.

Não se verificou, por conseguinte, qualquer violação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio.

3.3. Face ao exposto, nos limites da reapreciação da prova, não vislumbramos quaisquer razões para divergir do juízo formulado pelo tribunal recorrido em sede de decisão de facto, pelo que, inexistindo vícios de conhecimento oficioso, deve manter-se a factualidade provada e não provada.

3.4. Não se questionando a subsunção jurídico-penal dos factos, questiona-se a condenação indemnizatória.

Confessamos algumas dúvidas quanto à admissibilidade do recurso, nesta parte.   
        
Prescreve o artigo 400.º, n.º2, do C.P.P.: «Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada».

O artigo 24.º, n.º1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, fixou em 750.000$00 a alçada dos tribunais de 1.ª instância, em matéria cível.

Este valor foi convertido em euros pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, sendo fixado em €3.740,98 (três mil setecentos e quarenta euros e noventa e oito cêntimos).

O Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, determinou que a alçada dos tribunais de 1.ª instância, em matéria cível, é de €5.000,00 (cinco mil euros), valor que foi mantido pelo artigo 44.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.

No caso, a demandante C..., em nome próprio e em representação da sua filha menor, D..., deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido/demandado, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia global de € 5.500,00 a título de danos não patrimoniais por ambas sofridos, e bem assim os juros legais. Se o valor da quantia global é superior ao da alçada do tribunal de 1.ª instância, o mesmo não acontece com a parcela em questão: o valor peticionado como indemnização para a ofendida/demandante civil C.

Com esta dúvida, ainda assim conheceremos do recurso nesta parte, tendo como referência o valor global do pedido.

O tribunal de 1ª instância condenou o arguido/demandado a pagar à demandante C..., a título de indemnização por danos não patrimoniais por esta sofridos, a quantia de € 3.500,00, acrescida de juros, que aquele considera exagerada.

No que toca às considerações atinentes à decisão de facto, as mesmas têm de ceder perante a circunstância de ter-se como assente a factualidade provada e não provada, nos termos exactos que constam da sentença recorrida.

Prescreve o artigo 129.º, do Código Penal: «A indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil».
Para a fixação do quantum indemnizatório terá o julgador de se socorrer das regras estabelecidas no Código Civil, designadamente, das contidas nos artigos 483.º e seguintes e 562.º e seguintes.

Nos termos do artigo 483.º do Código Civil, «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem...fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». Os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito são, pois: a violação de um direito; a ilicitude do facto danoso; o nexo de imputação do facto ao agente; o dano; um nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado.

Face à factualidade provada, todos estes pressupostos estão inequivocamente reunidos.

Dentro da obrigação de indemnizar incluem-se, de acordo com o artigo 496.º, n.º1, do Código Civil, os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado «que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».

Estes danos – que tradicionalmente eram designados de danos morais - resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem-estar físico e psíquico, a liberdade, a honra, a reputação,…), verificando-se quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, maxime, de personalidade (ver Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 85 e 86, edição de 1976). Abrangem, assim,  prejuízos como as dores físicas, o sofrimento psicológico, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação e os complexos de ordem estética de cada lesado que, não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente.

Nos termos dos artigos 496.º, n.º 1 e n.º 3, 1ª parte e 494.º, ambos do Código Civil, quanto aos danos de natureza não patrimonial, o seu montante é fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção a gravidade e extensão dos prejuízos, o grau de culpabilidade do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

No caso em apreço, não se suscitam dúvidas quanto a ter a demandante sofrido danos de natureza não patrimonial, sendo igualmente inquestionável, a nosso ver, que este últimos assumem gravidade suficiente para justificar a intervenção reparadora do direito. A demandante sofreu uma fortíssima perturbação psicológica devido à tortura emocional perpetrada pelo demandado durante os anos em que este a agrediu psicologicamente; sentia-se envergonhada e humilhada enquanto sua companheira e mãe de duas filhas dele; sentiu um profundo desgosto e vergonha por ver o seu relacionamento terminar de forma violenta; sentiu medo e humilhação, tendo sofrido uma grande alteração ao nível do seu sistema nervoso, pelo que teve de receber acompanhamento psicológico; ainda hoje a demandante demonstra sempre uma tristeza latente e anda permanentemente em estado de angústia e ansiedade.

O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso, segundo critérios de equidade, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.   
 
Como salienta o S.T.J., em acórdão de 25 de Outubro de 2007 (Processo: 07B3026, www.dgsi.pt), «sendo certo que nestes casos a indemnização não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, é mister que tal compensação seja significativa, e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal acentua cada vez mais a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Importa, todavia, sublinhar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O legislador manda, como vimos, fixar a indemnização de acordo com a equidade, sem perder de vista as circunstâncias, já enunciadas, referidas no art. 494º – o que significa que o juiz deve procurar um justo grau de “compensação”».

Assim, considerando a matéria de facto provada e relevante para a fixação do quantum indemnizatório, afigura-se-nos ser ajustado o valor fixado pela 1.ª instância, que não deve sofrer, por conseguinte, qualquer diminuição.
           
            Conclui-se que o recurso não merece provimento.


            III – DISPOSITIVO:

Nestes termos, acordam os Juízes da ....ª Secção desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A....
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.



Lisboa, 15 de Setembro de 2015


(o presente acórdão, integrado por de trinta e uma páginas com os versos em branco, foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


(Jorge Gonçalves)
(Maria José Machado)