Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
989/23.1PALSB-B.L1-5
Relator: ELEONORA VIEGAS (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
PRAZO EM CURSO
RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/03/2025
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO (405.º, CPP)
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A ocorrência de um evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto, configura uma situação de justo impedimento da prática atempada desse acto, não constituindo fundamento de suspensão do prazo que esteja em curso para a sua prática.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: *
I. Relatório
AA, arguido nos autos, veio reclamar, ao abrigo do disposto no art.º 405.º do CPP, do despacho que não admitiu, com fundamento em extemporaneidade, o recurso que interpôs da sentença que o condenou.
Alega, em síntese, que o recurso é tempestivo face à situação de justo impedimento invocado – e que não foi apreciado no despacho reclamado – bem como o facto notório de ter ocorrido um “apagão” em Portugal, em 28.04.2025, que impossibilitou a apresentação de peças processuais no Citius, ou por email, o que constitui fundamento de suspensão do prazo em curso.
Cumpre apreciar.
*
II. Fundamentação
Da consulta dos autos resultam os seguintes factos com relevância para a decisão:
1. Por sentença lida em audiência no dia 25.03.2025, na presença do arguido e da mandatária e depositada nessa data, o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código Penal;
2. Em 14.04.2025, o arguido requereu “com caráter de urgência, atendendo à natureza dos presentes autos, (…) se digne mandar juntar a sentença escrita, porquanto desde 25 de março de 2025, data em que deveria esta ter sido depositada, ainda não se encontra disponível na plataforma CITIUS, sob pena de se impossibilitar o Arguido do seu direito ao recurso”;
3. Com data de 15-04-2025, foi aberto termo nos autos “a fim de possibilitar em termos informáticos no CITIUS que a Sra. advogada do arguido tenha acesso à sentença proferida nestes autos”;
4. Em 2.05.2025 o arguido apresentou recurso da sentença, alegando no ponto I. das motivações de recurso:
I - Da tempestividade do Recurso
O arguido/recorrente está em tempo, porquanto o prazo para interposição do presente recurso, uma vez que a sentença que proferiu decisão da qual ora se vem recorrer apenas ficou disponível via Citius no dia 15 de abril de 2025, tendo a ora signatária requerido a sua disponibilização, uma vez que desde a data da prolação esta não se encontrava efetivamente depositada no Citius, não estando disponível para consulta, o que nos termos legais, configura uma situação de justo impedimento, devendo o prazo de recurso contar a partir de 15 de abril de 2025, terminando então a 15 de maio de 2025.
Dispõe o artigo 107.º, n.º 2 do Código de Processo Penal:
“Os atos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento.”
Quanto à noção de justo impedimento, nada referindo a esse respeito o Código de Processo Penal, há que atentar àquela que decorre do próprio Código de Processo Civil, o qual, no seu art.º 140.º, nos refere que:
“considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato” (ex vi art.º 4.º do Código de Processo Penal).
Assim, deve ser tido por tempestivo o presente recurso (sublinhado nosso).
Caso assim não se entenda,
Hipótese que se concebe por mero dever de patrocínio, e à cautela,
Considerando que se deverá contar o prazo de recurso da data do depósito da sentença, incluindo os três dias de multa, este terminaria no dia 29 de abril de 2025. Em virtude do apagão internacional que se fez sentir no passado dia 28 de abril de 2025, e que é de conhecimento oficioso, e comum a todos os cidadãos, não havia redes de comunicações, nem internet, pelo que não foi possível apresentar a presente peça processual via Citius, nem sequer via e-mail, o que é justo impedimento para a prática do ato em tempo devido.
Ainda no dia 29 de abril, como consequência do “apagão”, a aplicação Signius não permitia a assinatura das peças processuais, pelo que também se encontra provado o justo impedimento.
Assim, ter-se-á de concluir que se encontram provados os justos impedimentos nos dias 28 e 29 de abril, pelo que o presente recurso está em tempo, ainda nos dias de multa subsequentes ao término do prazo normal e deverá por isso ser admitido.
E assim se entendendo, requer a V. Exas. ser indicado se é devida multa pela prática do ato, e, em caso afirmativo, qual o dia de multa correspondente aplicável ao Arguido.
5. Sobre o que, em 7.05.2025, foi proferido o seguinte despacho (reclamado):
Referência Citius n.º 42709254:
Da interposição de recurso
Veio o arguido AA, interpor recurso da sentença proferida nos autos a 25 de Março de 2025.
Compulsados os autos constata-se que o arguido esteve presente na audiência de leitura da sentença, conforme supra mencionado a 25 de Março de 2025.
O requerimento de interposição de recurso deu entrada em juízo através no dia 2 de Maio de 2025, pelas 19:53:22.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o prazo de interposição de recurso é de 30 (trinta) dias e conta-se, nos termos da alínea a) a partir da notificação da decisão, e da alínea b), tratando-se de sentença, a partir do respectivo depósito na secretaria.
Compulsados os autos, constata-se que o arguido AA, esteve presente em todas as sessões de julgamento, nomeadamente na data designada para a Leitura, a qual ocorreu em 25 de Março de 2025, tendo sido depositada na mesma data, conforme se alcança do teor da referência Citius n.º 444022285.
Considerando o disposto no artigo 411.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o prazo para o arguido interpor recurso da sentença proferida nos autos, considerando a data da leitura da sentença e respectivo depósito, terminava em 24 de Abril de 2025, considerando que se trata de processo de natureza urgente – Violência Doméstica -, correndo por isso os respectivos prazos em férias judiciais.
Todavia, podia o arguido ainda praticar o acto nos termos do artigo 107.º-A, do Código de Processo Penal, mediante o pagamento de multa até ao 3.º dia útil, isto é, até ao dia 30 de Abril de 2025, de acordo com o qual «Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, à prática extemporânea de actos processuais penais aplica-se o disposto nos n.ºs 5 a 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, com as seguintes alterações: a) Se o acto for praticado no 1.º dia, a multa é equivalente a 0,5 UC; b) Se o acto for praticado no 2.º dia, a multa é equivalente a 1 UC; c) Se o acto for praticado no 3.º dia, a multa é equivalente a 2 UC.»
No entanto, constata-se o requerimento de interposição de recurso deu entrada a 2 de Maio de 2025.
Face ao supra exposto, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 411.º, n.º 1 e 107.º-A, ambos do Código de Processo Penal, por manifesta extemporaneidade não se admite o recurso interposto.
Notifique.”
6. Apresentada reclamação pelo arguido, em 26.05.2025 foi proferido o seguinte despacho:
“Por estar em tempo e reportar-se a um despacho que não admitiu o recurso, admite-se a reclamação constante da referência Citius n.º 42910524.
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Cumpre desde já pronunciarmo-nos quanto à reclamação apresentada o que se faz nos seguintes termos.
Vem o arguido interpor reclamação do despacho que não admitiu o recurso interposto a 2 de Maio de 2025, pelas 19:53:22 horas, da sentença proferida a 25 de Março de 2025.
No nosso despacho datado de 7 de Maio de 2025 (referência Citius n.º 445049590), referiu-se o seguinte (…)
Deste despacho veio o arguido interpor a presente reclamação, alegando justo impedimento, invocando o apagão ocorrido a 28 de Abril de 2025, o qual é de conhecimento geral, todavia, nos termos do artigo 107.º, n.ºs 2 e 3, do Código Penal resulta que “2 - Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento. 3 - O requerimento referido no número anterior é apresentado no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento.”
Considerando que o impedimento se verificou apenas no dia 28 de Abril e terminando o prazo por via do pagamento da multa processual prevista no artigo 107.º-A do mencionado Código, nada obstava que o recurso fosse interposto em tempo.
Por outro lado, a situação de justo impedimento tem que ser invocada, no prazo a que se reporta o n.º 2, do artigo 107.º e não após o despacho que não admitiu o recurso.
Finalmente, não podemos deixar de referir que a sentença foi lida em 25 de Março de 2025 e depositada na mesma data, pelo que, o facto de a Defensora do arguido não ter acesso à sentença via Citius, não é do conhecimento do Tribunal, porque nada até esta data havia sido comunicado, assim como, tratando-se de sentença proferida no âmbito de processo urgente, necessariamente que a responsabilidade cabe ao arguido, não podendo ser atribuída ao Tribunal.
Face ao supra exposto, e reportando-nos ao nosso despacho datado de 7 de Maio de 2025, no qual se refere a razão da não admissão do recurso, mantemos a decisão proferida.”
*
Nos termos do disposto no art.º 411.º, n.º 1, al. b) do CPP, o prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta-se, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria.
No caso, a sentença foi depositada na secretaria no dia 25.03.2025, quando foi lida na audiência de julgamento, na presença do arguido e da sua Mandatária.
Tratando-se de um processo com natureza urgente, o prazo de recurso começou a correr no dia 26.03, não se suspendeu nas férias judiciais e terminou no dia 24.04.2025. Podendo ainda ser praticado nos três dias úteis seguintes mediante o pagamento de multa, ou seja, até 30.04.2025. Antes, portanto, do dia 2.05.2025 quando o recurso do arguido foi apresentado.
O arguido invoca duas situações de justo impedimento: o facto de não ter tido acesso à sentença no Citius até 15.04 (tendo requerido tal acesso em 14.04); e o facto notório da ocorrência do “apagão” no dia 28.04, que impossibilitou o acesso ao Citius e emails nos dias 28 e 29.04.
Dispõe o art.º 107.º, n.ºs 2 e 3 do CPP que:
2 - Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento.
3 - O requerimento referido no número anterior é apresentado no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento.
Considera-se «justo impedimento», de acordo com o art.º 140.º do CPC, o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto.
Vejamos.
A ocorrência do evento que justifica o justo impedimento não constitui motivo de suspensão do prazo que esteja em curso, apenas da prática atempada do acto.
No que respeita ao “apagão” e aos constrangimentos provocados nas comunicações, não impediram (nem o reclamante o alega) a prática do acto no dia 30.04, último dia útil para apresentação do recurso, mediante o pagamento de multa. Caso em que seria apenas discutível o montante da multa a liquidar, feita a prova de que não tinha sido possível apresentar o recurso nos dois dias úteis anteriores.
Quanto ao acesso à sentença no Citius por parte da Mandatária do arguido, desconhece-se a razão pela qual não ocorreu antes, sendo certo que a Il. Mandatária praticou anteriormente actos nos autos, v.g. a contestação.
O que se constata é que só 20 dias após a leitura e depósito da sentença (na secretaria, cfr. dispõe o art.º 411.º, n.º1, al. b) do CPP) é que a Mandatária do arguido diligenciou por obter esse acesso, que alegou não ter e que obteve no dia a seguir a tê-lo requerido - sendo que no despacho que recebeu a reclamação se refere que tal não era do conhecimento do Tribunal, porque nada até esta data havia sido comunicado.
De todo o modo, tratando-se de um processo com natureza urgente - cujo prazo de recurso não se suspende durante as férias judiciais – e tendo a sentença sido lida na sua presença e do arguido no dia 25.03.2025, data em que consta do processo que foi depositada, cabia à Il. Mandatária diligenciar por verificar e assegurar-se que tinha acesso no Citius à sentença (ou se, nomeadamente por razões de confidencialidade, atenta a natureza do crime em causa, o acesso não estaria vedado).
Sublinha-se que o depósito da sentença não é feito no Citius e sim na secretaria do Juízo, como consta da declaração da Senhora Escrivã que foi, e no dia 25.03.
Contando-se o prazo para a apresentação do recurso da data do depósito da sentença na secretaria, a falta de acesso à sentença no Citius por parte da Il. Mandatária, que só deu conhecimento desse facto no dia 14.04.2025 e obteve o requerido acesso no dia seguinte, não constitui motivo para “transferir” o início da contagem do prazo para o dia 16.04.2025.
Por último, como dispõe o art.º 107.º do CPP, a invocação do justo impedimento deve ser feita no prazo de três dias contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento, em requerimento endereçado à autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que o acto respeitar, a qual o despacha em vinte e quatro horas. Que não na própria motivação do recurso interposto ou na reclamação do despacho que o não admitir.
Não resta, assim, senão concluir pela improcedência da presente reclamação.
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III. Decisão
Pelo exposto, julgo improcedente a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (art.º 8º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).
Notifique.
***
Lisboa, 3.06.2025
Eleonora Viegas
(Vice-Presidente, com poderes delegados)