Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SIMONE ABRANTES DE ALMEIDA PEREIRA | ||
Descritores: | CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO OU ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/22/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | I. A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão” que consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão, ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada; II. Não integra o vício decisório da contradição entre os factos e a fundamentação da decisão de facto, geradora de nulidade, a aparente incongruência entre os factos não provados e a fundamentação da decisão de facto, quando esta resultar apenas de deficiência expositiva da motivação e possa ser ultrapassada por via da interpretação conjugada da motivação, permitindo, por essa via, apreender o sentido da convicção formada pelo Tribunal, ainda que incorrectamente exposta; III. Integra erro notório na apreciação da prova, que traduz um vício de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, o dar como provado factos integradores da tipicidade objectiva do crime de acesso ilegítimo e apenas por não considerar probatoriamente demonstrada a identidade da operadora lesada, vir a dar como não provado os factos atinentes ao elemento subjectivo do ilícito em causa, que sendo um crime público não depende de queixa [tinha necessariamente que considerar provado que o arguido actuou com o propósito de mediante a utilização de equipamentos e programas informáticos concebidos e adaptados para o efeito, utilizar e distribuir, sem autorização ou conhecimento dos prestadores de serviço licenciados, programas e dados informáticos apenas disponibilizados pelas operadoras aos seus clientes]. (da inteira responsabilidade da relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa: I. Relatório: No Juízo Local Criminal de Lisboa (Juiz 11) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal singular nº 10469/18.1T9LSB, o arguido ..., devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de burla informática e nas comunicações, previsto e punido pelos artigos 221.º, n.º 1, e 2, do Código Penal, um crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo artigo 6.º, n.º 1, e 2, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, e de um crime de usurpação, previsto e punido pelos artigos 195.º, n.º 1, por referência ao artigo 187.º, n.º1, alínea a), e 197.º, n.º1, do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, tendo a final sido proferida sentença que, julgando improcedente a acusação pública, absolveu o arguido dos crimes que lhe vinham imputados. Inconformado com a decisão absolutória apenas relativamente ao crime de acesso ilegítimo, veio o Ministério Público interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): I. DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE OS FACTOS E ENTRE OS FACTOS E A FUNDAMENTAÇÃO - ARTIGO 410.º N.º 2 AL. B) DO CPP: da leitura dos factos dados como provados e dos factos dados como não provados, na fundamentação de facto da sentença, verifica-se de forma cristalina a contradição entre os pontos n.ºs 12, 13, 14, 15 e 16 (factos provados) e alíneas b), c), d), j) e l) (factos não provados). II. É clara a contradição entre os factos dados como provados e os factos não provados. III. O tribunal a quo considerou que o arguido agiu, de forma ilegal, transmitindo sinais televisivos, através de ligação multicast e fê-lo transmitindo conteúdos (12), sendo que ao mesmo tempo afirma não estar provado (al. b) que o arguido tenha partilhado a divulgação de canais codificados a terceiros. O tribunal a quo no ponto 12 faz referência a conteúdos e constata-se que tais conteúdos têm que ser de canais de televisão e codificados conforme decorre da leitura total dos factos dados como provados. IV. Face a tal não se compreende como se pode dar como provada e não provada a mesma realidade, tendo inclusive dado como provado que o arguido agia de forma ilegal. V. Quanto aos demais pontos dos factos dados como provados - 14., 15 e 16. - o tribunal a quo dá como provados que o arguido após instruir os clientes para instalar aplicação para visualização de IPTV (ponto 13) e para subscreverem o serviço por ele fornecido, através de pagamento, pedia-lhes o endereço da máquina onde havia instalado a aplicação disponibilizando username e password enviava o sinal de vídeo directamente para o equipamento, e que através de acesso a servidores on line (ponto 16) comutava o sinal de televisão por cabo e divulgou, através de amigos e conhecidos e ao público, através do Facebook, que tinha facilidade em partilhar sinal de televisão por cabo na internet, mediante pagamento por parte destes. VI. Do confronto dos factos dados como provados e não provados verifica-se a incoerência e contradição de ao mesmo tempo ter ficado provado que o arguido: VII. - enviava sinais de vídeo directamente para os equipamentos (os MAC Adress) dos clientes; VIII. - acedendo a servidores on line comutava o sinal de televisão por cabo; IX. - divulgava nas redes sociais (FB), amigos e conhecidos que dispunha de facilidade em partilhar o sinal de televisão por cabo através da internet, mediante pagamento, e que (factos não provados) NÃO FICOU DEMONSTRADO/PROVADO que o arguido X. - partilhava a divulgação de canais codificados pela operadora NOS a terceiros a troco de quantias monetárias; XI. - permitia o acesso a sinal televisivo da NOS através da internet, designadamente de conteúdos codificados por parte de terceiros; XII. - partilhava o sinal da NOS mediante contrapartida financeira que lhe era directamente paga; XIII. - que tenha utilizado os servidores/receptores descritos na acusação (constantes dos factos dados como provados - PONTO 16) para partilhar sinal televisivo, sem o consentimento e contra a vontade da NOS; XIV. - que o arguido tenha actuado com o propósito, concretizado, de através da utilização de equipamentos e programas informáticos concebidos e adaptados para o efeito, tenha utilizado e distribuído, programas e dados informáticos apenas disponibilizados pela operadora NOS aos seus clientes, fazendo-o mediante pagamento de uma contrapartida monetária. XV. Não podia o tribunal a quo ter dado como provados e não provados realidades que se autoexcluem. XVI. Ou o tribunal a quo entendia que o arguido agiu, de forma ilegal, transmitindo sinais televisivos e transmitindo conteúdos; enviou sinais de vídeo directamente para os equipamentos (os MAC Adress) de clientes; acedeu a servidores on line que permitiram comutar o sinal de TV por cabo e divulgar publicamente esse serviço de partilha de sinal de TV por cabo na internet mediante pagamento ou não. XVII. Na verdade, não pode o tribunal atribuir ao arguido uma conduta ilegal de transmissão de sinal de TV Cabo e seus conteúdos (ou seja, canais codificados) da única operadora em causa nos autos, a NOS, tendo através de servidores comutado esse sinal, fazendo-o na vez e em prejuízo da NOS, cobrando os valores desse serviço, que anunciava publicamente, e prestava a troco de quantias monetárias (que pertenciam à NOS) ou não o fez. XVIII. Não se consegue compreender o que afinal o Tribunal a quo quis dar como provado e não provado. XIX. O mesmo sucede entre o confronto dos factos dados como provados e a motivação/fundamentação da matéria de facto. XX. Não obstante os factos dados como provados e os dados como não provados, acima elencados, a verdade é que o tribunal recorrido considerou como assente a prática dos factos que são imputados ao arguido, sem fazer qualquer distinção (vide fls. 17 da sentença no início da apreciação crítica da prova). XXI. Afirma o tribunal que a versão apresentada pelo arguido não pode colher dada a documentação junta, em particular relatório pericial elaborado aos objectos apreendidos e depoimento da testemunha LC (cliente do arguido). XXII. O tribunal alega ainda ter sido apurado que o arguido possuía os endereços que permitiam o acesso à IPTV, os cedeu, a troco de dinheiro a terceiros, e que dessa forma permitiu que terceiros acedessem a canais (de TV!), apenas disponibilizados pelos operadores licenciados pela ANACOM, de entre eles a NOS. XXIII. Realçou o tribunal que existiam nos aparelhos apreendidos ao arguido, conversações mantidas entre ele e os seus clientes sobre paragens no serviço do fornecimento de canais, sendo que o arguido respondia disponibilizando-se a resolver essas situações. XXIV. Da análise critica da prova efectuada pelo tribunal a quo resulta ter ficado que o arguido tinha praticado todos os factos que lhe haviam sido imputados na acusação pública, sendo inverosímil a versão do arguido, versão que também foi contrariada por toda a prova carreada para os autos - nomeadamente relatório pericial a todos os objectos apreendidos ao arguido e inquirição da testemunha LC, que foi cliente, por um ano, do arguido. XXV. A conclusão do tribunal recorrido de eu o arguido não descodificou o serviço digital da NOS, não partilhou nem divulgou esses canais codificados dessa operadora a terceiros a troco de quantias monetárias e os demais factos dados como não provados é totalmente contraditória face à motivação da sentença. XXVI. Tendo o tribunal recorrido decidido absolver o arguido ... da prática de um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6.º n.ºs 1 e 2 da Lei do Cibercime, sendo que decorre da própria fundamentação da sentença outro entendimento - vide fls. 17 e 18 - verifica-se ter havido contradição insanável entre os factos constantes dos pontos n.ºs 12, 13, 14, 15 e 16 dados como provados e as alíneas b), c), d), j) e l) dos factos dados como não provados e quanto ao teor da própria fundamentação da sentença com a decisão absolutória tomada. XXVII. Entende o M. P. que a sentença recorrida padece do vício previsto no artigo 410.º n.º 2 al. b) do CPP, e como tal deve a decisão ser anulada por forma a corrigir tal vício. XXVIII. O Ministério Público entende que, a decisão proferida padece de erro de julgamento, previsto no art.º 412.º n.º 2 al. c) do C.P.P. e viola o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.127.º do C.P.P.: Tendo em conta a prova produzida quer em audiência de julgamento - testemunhal, documental e pericial junta aos autos - considerada pela Tribunal a quo e bem assim as regras de experiência comum, afigura-se-nos que, o Tribunal deu como “não provados”, factos que deviam ter sido dados como “provados”. XXIX. Tendo em conta a prova produzida em audiência, designadamente, a não integral valoração do depoimento do arguido e das testemunhas, a prova documental junta aos autos desconsidera/ignorada pelo Tribunal a quo acima enumerada e explicada, o afastamento da prova pericial e bem assim a violação das regras da experiência comum, afigura-se-nos que, o Tribunal a quo deu “não provados” factos descritos nas alíneas b), c), d), f), g), h), j), k), l), que deveriam ter sidos dados como “provados”. XXX. Perante o circunstancialismo supra descrito, tendo em conta a leitura conjunta de toda a prova que se referiu e se transcreveu, em respeito pelos critérios do art.127.º do CPP, impunha-se que o Tribunal a quo desse como provado as alíneas b), c), d), f), g), h), j), k), l), com as seguintes redacções, passando a constar como pontos 12, 13, 14, 23, 24, 28, 29 e 30 da matéria de facto dada como provada: XXXI. 12. Desde pelo menos Março de 2018 o arguido ..., o qual possui conhecimentos técnicos informáticos que lhe permitiam descodificar canais de operadoras de rede de televisão por cabo e fibra, decidiu proceder à descodificação não autorizada do serviço digital de televisão da NOS e partilhar a divulgação de canais codificados por esta operadora a terceiros, a troco de quantias monetárias; XXXII. 13. Com efeito, o arguido ligou o sinal televisivo da NOS através da internet, permitindo o acesso ao mesmo, designadamente aos conteúdos televisivos codificados, por parte de terceiros. XXXIII. 14. O arguido, utilizando para o efeito um sistema informático, partilhou o sinal da NOS, aliciando os clientes desta operadora a, mediante uma contrapartida financeira que lhe era directamente paga, acederem aos referidos canais sem nada pagarem àquela operadora. XXXIV. 23. Com efeito, e na execução do mencionado plano, em data concretamente não apurada, mas anterior a Março de 2018, o arguido celebrou com a NOS um contrato de prestação de serviço de distribuição de emissões televisivas. XXXV. 24. Aquando da assinatura do referido contrato a NOS forneceu ao arguido um aparelho de descodificação do sinal (power box) e um cartão associado aos serviços subscritos (smartcard) para ser introduzido nesse mesmo aparelho e sem o qual a mesma não funcionaria. XXXVI. 28. Desde modo, desde pelo menos Março de 2018 até ao dia 22 de Janeiro de 2020, o arguido através dos servidores/receptores supra indicados e outros concretamente não apurados, partilhou sinal televisivo com um número indeterminado de pessoas, sem o consentimento e contra a vontade da NOS. XXXVII. 29. Através da actuação do arguido a NOS viu-se privada do valor não pago pela subscrição de pacotes base de programação, acrescido do valor devido pelo acesso aos Canais Codificados dos seus clientes, obtendo o arguido um benefício ilegítimo de valor concretamente não apurado. XXXVIII. 30. O arguido actuou com o propósito, aliás concretizado, de mediante a utilização de equipamentos e programas informáticos concebidos e adaptados para o efeito, utilizar e distribuir, sem autorização ou conhecimento do respectivo prestador de serviço, ou seja, da NOS, programas e dados informáticos apenas disponibilizados por esta operadora aos seus clientes e mediante o pagamento de uma contrapartida monetária. XXXIX. O Tribunal a quo violou o previsto nos art.ºs 355.º, 127.º e 163.º, todos do CPP, sendo que a decisão proferida padece de erro de julgamento na apreciação da prova, previsto no art.º 412.º/2 al. c) do CPP. * Nestes termos e nos demais de direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve a sentença ser anulada face à contradição entre factos e entre factos, fundamentação e decisão decorrente do texto da sentença e a sentença ser revogada e substituída por outra, dando-se ainda provimento ao recurso, condenando o arguido ..., pela prática, de um crime de acesso ilegítimo face ao erro de direito verificado na decisão e que se pretende ver reconhecido. * Contudo, V. Exas decidindo farão, uma vez mais, a costumada JUSTIÇA! * O recurso foi admitido por despacho proferido a 8 de Novembro de 2022, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo [fls. 970 dos autos; referência 420041062]. Pelo arguido foi apresentada resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência por entender que a mesma não padece dos vícios imputados, nomeadamente de oposição entre os factos provados e não provados, de contradição entre a motivação e a decisão da matéria de facto nem de erro notório na apreciação da prova, e ainda não ter o recorrente dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 412º. Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, pelo Exmº. Procurador-Geral Adjunto foi lavrado parecer no sentido da improcedência do recurso, no que à invocada contradição entre factos diz respeito, por entender que a mesma não ocorre, e da procedência do recurso no que respeita à pretendida condenação do arguido pela prática do crime de acesso ilegítimo, atenta a sua natureza pública, declarando acompanhar nesta parte o recurso interposto pelo Ministério Público em 1ª instância. Cumprido o preceituado no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, respondeu a assistente NOS Comunicações, S.A., declarando aderir aos fundamentos invocados no parecer e acrescentando ainda que é uma das 4 operadoras licenciadas em Portugal para a retransmissão do sinal televisivo, que o arguido não tem, sendo a mesma lesada mesmo que a origem da partilha de canais não seja o sinal da NOS, por se tratar de canais que a mesma comercializa. Concluiu que o arguido ao distribuir o acesso a esses conteúdos aos seus clientes, como faria uma operadora licenciada, permitiu o acesso ilegítimo a um sistema protegido, como sucede com os canais codificados, incorrendo na prática do crime. No exame preliminar considerou-se que o objecto do recurso interposto deveria ser conhecido em conferência (uma vez que não foi requerida a realização da audiência e não é necessário proceder à renovação da prova nos termos do artigo 430º do Código de Processo Penal). Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419º do Código de Processo Penal, cumpre decidir. ** * II – FUNDAMENTAÇÃO II.1. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª Instância (transcrição): Discutida a causa, e com relevância para a mesma, resultaram provados os seguintes factos: - Da acusação 1. A “NOS Comunicações, S.A.” (doravante denominada apenas por NOS) é uma operadora de rede de televisão por cabo que presta um serviço de distribuição de emissões televisivas, de forma simultânea e integral, através da sua rede de distribuição por cabo, sob a marca NOS. 2. O serviço prestado pela referida operadora, além de pacotes base de programação (com uma mensalidade base), inclui a possibilidade de acesso a um ou mais canais de televisão designados por Canais Codificados de Acesso Condicionado, designadamente: - a “Sport TV”; - a “Eleven Sport”; - a “TV Cine”; - a Caça e Pesca; - a “Disney Cinemagic; - a TV Globo; e - a Toros e TV. 3. Tais canais de televisão são transmitidos sob codificação e comercializados como opção adicional ao serviço base. 4. O serviço digital de televisão prestado pela NOS está protegido por sistemas de codificação do fabricante “Nagravision”, o qual permite gerir os canais a que cada cliente pode ter acesso de acordo com o serviço contratado. 5. Os Canais Codificados de Acesso Condicionado apenas são acessíveis e visualizados pelos clientes depois de descodificado o respectivo sinal através de um equipamento disponibilizado pela NOS, designado por “Power Box” (no caso de sistema de distribuição por cabo) ou receptor de sinal (no caso de satélite). 6. Este equipamento, que interage com o sistema informático de acesso condicional da NOS, gere o acesso aos canais codificados, aos quais os clientes apenas têm acesso mediante o pagamento do preço devido pela utilização do próprio equipamento e da mensalidade devida pelo acesso aos Canais Codificados de Acesso Condicionado. 7. Assim, para que possam visualizar os referidos Canais Codificados, os clientes da NOS terão de dispor de um equipamento receptor oficial e de um cartão (denominado smartcard) associado a esse mesmo equipamento. 8. Cada cartão funciona, única e exclusivamente, num determinado equipamento receptor, sendo que o mesmo define quais os canais a descodificar. 9. A autorização de descodificação está armazenada no referido cartão, o qual regista os canais a que cada cliente tem acesso, procedendo assim à desencriptação dos canais a visualizar, se autorizada. 10. Estes cartões estão protegidos com mecanismos de segurança que impedem o acesso ao conteúdo dos mesmos. 11. Os clientes que subscrevem canais de acesso condicionado pagam à referida operadora os seguintes valores: a mensalidade respeitante ao “serviço base”; a mensalidade referente aos canais de acesso condicionado subscritos e a mensalidade devida pela utilização do equipamento receptor disponibilizado pela NOS. 12. O arguido recorreu ao sistema IPTV (Internet protocol television) – Streaming de canais por subscrição, que consiste num método de transmissão de sinais televisivos através de uma ligação multicast, transmitindo ilegalmente os conteúdos de forma contínua. 13. Para tanto, deu instruções aos seus clientes para instalar uma aplicação de visualização de IPTV, designada por web player, nos respectivos aparelhos eletrónicos (computador ou televisão), à semelhança de qualquer outra aplicação e depois subscrever o serviço por si fornecido, mediante um pagamento mensal ou anual. 14. Posteriormente, os clientes eram instruídos a fornecer o endereço da máquina (denominado de MAC Address) onde a aplicação tinha sido instalada, sendo que o arguido disponibilizava um user e uma password e enviava o sinal de vídeo diretamente para o referido equipamento. 15. Através deste mecanismo, os “clientes” do arguido passavam a poder visualizar milhares de canais, muitos deles de acesso reservado e pago (canais premium), sem pagarem a contraprestação devida às operadoras. 16. Posteriormente, o arguido acedeu aos servidores on line denominados http://tugavip.com, https://iptvtotal.org, https://ribeirohdtv.com e https://tvnetplay.com e outros de denominação desconhecida para onde comutou o sinal de televisão por cabo. 17. Simultaneamente, o arguido divulgou, entre amigos e conhecidos, designadamente na rede social Facebook (nas páginas com os endereços https://www.facebook.com/....caixinha82 e http://www.facebook.com/iptvptvipserver/), que dispunha de facilidade em partilhar o sinal de televisão por cabo, através da internet, mediante o pagamento, por parte destes. 18. Os interessados contactavam o arguido, através do Facebook ou do telemóvel ... e aquele envia-lhes um link para instalação de uma aplicação, que depois instalavam nas suas televisões, telemóveis e outros aparelhos electrónicos com acesso à internet, nos termos supra descritos. 19. O arguido mais indicava a cada um dos seus “clientes” que o pagamento do serviço de partilha de canais (com uma periodicidade mensal, trimestral ou anual, conforme o acordado) deveria ser efectuado para a conta da Caixa Geral de Depósitos, com o NIB 0035.0808 e/ou do Banco Millennium BCP, com o NIB 0033.0000, 20. O arguido também fornecia aos seus “clientes” a entidade 11854 e referências por eles indicadas, associadas à conta aberta pelo arguido junto da PPRO, em Março de 2018, da qual aquele era o único beneficiário. 21. O arguido também forneceu aos seus “clientes” os dados referentes a uma conta Paypal, de endereço desconhecido, da qual era o único beneficiário. 22. A partilha do sinal televisivo, nos moldes em que era oferecido pelo arguido, incluiu os canais codificados, designadamente, a “Sport TV”, a “Eleven Sports”, “Canais Lusomundo”, “TV Cine”, a “Caça e Pesca”, a “Disney Cinemagic”, a “TV Globo” e a “Toros e TV”. 23. No dia 22 de Janeiro de 2020, o arguido tinha na sua residência, sita na Urbanização Bairro das …, 2.º Esq,, na localidade do Teixoso, além do mais, os seguintes bens: - um telemóvel da marca Nelfos; - um caderno com dizeres manuscritos; - um computador; - uma Box Android, da arca XIAOMI. 24. No dia 22 de Janeiro de 2020, o arguido tinha no apartamento por si utilizado, sito no mesmo prédio da sua residência, na Urbanização Bairro das Nogueiras, n.º 13, mas no 3.º Dtro, na localidade do Teixoso, além do mais, os seguintes bens: - um computador portátil da marca Toshiba; - uma BOX androide da marca Vontar. Mais resultou provado em sede de audiência 25. Que os canais referidos em 2. são disponibilizados para além da NOS pelos outros operadores licenciados pela ANACOM. Do Enquadramento socioeconómico do arguido 26. Do teor do relatório social elaborado pela DGRSP resulta que: “I – Dados relevantes no processo de socialização ... tem 39 anos de idade e é natural de França, país para onde os progenitores emigraram, procurando melhores condições de vida. Tem mais dois irmãos, sendo que a irmã faleceu recentemente, vítima de doença oncológica. Refere uma infância de boa convivência sociofamiliar. Quando contava 5 anos de idade, os pais decidiram regressar a Portugal fixando-se no Alcaide, onde fez o ensino básico. Aos 10 anos regressou a França onde concluiu o ensino secundário, bem como um curso profissional de informática. Iniciou a sua atividade laboral com 18 anos de idade, com trabalhos sempre direcionados para a área da informática, chegando a trabalhar por conta própria em empresa por si constituída. Contraiu matrimónio com cerca de 24 anos de idade. Deste relacionamento nasceram dois filhos, respetivamente com 13 e 11 anos. Com o seu agregado familiar constituído, voltou a emigrar para França, onde permaneceu durante cinco anos. Afirma que, por razões de saúde de um familiar da sua mulher, decidiram regressar a Portugal, retomando a sua atividade na área da informática. De referir que este casamento terminou, dando origem ao divórcio. No seguimento do divórcio, ... foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica agravado, na pena de dois anos e dois meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova (processo nº 10/19.4GHCVL). No âmbito desta suspensão de execução da pena subordinada a regras de conduta, cujo termo aconteceu em 16 de março de 2022, o arguido vem sendo acompanhado por esta Equipa de Reinserção Social. Há cerca de quatro anos reorganizou a sua vida amorosa, estando a viver em união de facto com a atual companheira, na morada supramencionada, com o filho de ambos, com um ano de idade, e o enteado, com 12 anos. Trata-se de um apartamento arrendado, renda social, inserido em bairro social na freguesia do Teixoso. II – Condições sociais e pessoais Aparentemente, ... tem registado alguma instabilidade pessoal ao longo dos últimos anos, decorrente das intervenções do sistema judicial conforme anteriormente referido, as quais se mantêm no que se refere à regulação dos poderes parentais. Em termos laborais, o arguido refere estar a trabalhar, em trabalho remoto, na empresa Concentrix, pertencente à Ramstad, como operador de Call-center, no apoio técnico da linha francesa para a Apple. Verbaliza auferir um salário de 730€, pelo que considera a sua situação económica como deficitária. O estilo de vida do arguido assenta na realização das rotinas familiares e profissionais, não tendo sido identificadas vivências passíveis de destaque, fora das assinaladas. Atualmente, e à data da alegada prática dos factos, o arguido mantinha a mesma situação familiar e profissional. No meio residencial, e pese embora ... estar associado a problemas com o sistema judicial, não goza de imagem negativa. III – Impacto da situação jurídico-penal Na avaliação que efetua sobre o presente processo, ... assume uma postura de inconformismo, discordando em alguns aspetos constantes da acusação. Dispõe de capacidade para avaliar as consequências dos seus comportamentos, tendo consciência do normativo legal e daquilo que se constitui como ilícito. Em abstrato, e face ao crime pelo qual está acusado, reconhece a ilicitude do mesmo. Mostra-se apreensivo quanto ao desenrolar do processo judicial e recetivo a assumir as consequências dos atos que lhe são imputados. Quer a companheira, quer os pais do arguido, conhecem o presente processo, demonstrando disponibilidade para o apoiarem. Durante o processo avaliativo o arguido revelou uma postura correta, de cordialidade, e de colaboração. Confrontado com a possibilidade de vir a ser aplicada uma medida ou ação de reinserção social, manifesta disponibilidade para cumprir o que o Tribunal lhe venha a impor. IV – Conclusão ... desenvolveu o seu processo de socialização integrando um agregado familiar de baixa estrutura socioeconómica, mas de acordo com os parâmetros sociais para a época. Apesar de revelar possuir competências pessoais e sociais, denota alguma dificuldade na interiorização da necessidade de mudança. Contudo, o arguido está integrado em termos laborais e familiares. Conta com o apoio dos pais e da companheira. (…)” Dos antecedentes criminais 27. Por sentença datada de 17/04/2008, transitada em julgado em 07/03/2011, proferida no âmbito do processo comum singular n.º 88/07.3 GBFND, do extinto Tribunal Judicial do Fundão – 1.ºJuízo, foi o arguido condenado, pela prática em 09/02/2007, de um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,00, a qual se mostra extinta. 28. Por sentença datada de 26/01/2017, transitada em julgado em 16/02/2017, proferida no âmbito do processo sumaríssimo n.º 476/16.4 PBFIG, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – F. Foz – JL Criminal, foi o arguido condenado, pela prática em 30/06/2016, de um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de €5,00, a qual se mostra extinta. 29. Por sentença datada de 26/04/2017, transitada em julgado em 06/06/2017, proferida no âmbito do processo sumaríssimo n.º 254/16.0PBCVL, do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Fundão – JL Criminal, foi o arguido condenado, pela prática em 02/06/2016, de um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de € 6,00, a qual se mostra extinta. 30. Por sentença datada de 17/12/2019, transitada em julgado em 16/01/2020, proferida no âmbito do processo comum singular n.º 10/19.4 GHCVL, do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Covilhã – JL Criminal, foi o arguido condenado, pela prática em 01/2019, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 2 anos e dois meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, bem como na pena acessória de proibição de contactos com a vítima pelo período de 2 anos e 2 meses, mostrando-se extinta a pena acessória. II.2. Factos dados como não provados pelo Tribunal de 1.ª Instância (transcrição): Da prova produzida e com interesse para a boa decisão da causa resultaram não provados os seguintes factos. Que: a) No circunstancialismo referido em 2. os pacotes base de programação têm uma mensalidade base, actual, de 26,99 euros), e os canais: - a “Sport TV” – com uma mensalidade, actual, de 23,99 euros; - a “Eleven Sport” – com uma mensalidade de 10,99 euros; - a “TV Cine” - com uma mensalidade, actual, de 10,00 euros; - a Caça e Pesca - com uma mensalidade, actual, de 5,00 euros; - a “Disney Cinemagic - com uma mensalidade, actual, de 5,00 euros; - a TV Globo - com uma mensalidade, actual, de 10,00 euros; e - a Toros e TV - com uma mensalidade, actual, de 10,00 euros. b) Desde pelo menos Março de 2018 o arguido ..., o qual possui conhecimentos técnicos informáticos que lhe permitiam descodificar canais de operadoras de rede de televisão por cabo e fibra, decidiu proceder à descodificação não autorizada do serviço digital de televisão da NOS e partilhar a divulgação de canais codificados por esta operadora a terceiros, a troco de quantias monetárias; c) Com efeito, o arguido ligou o sinal televisivo da NOS através da internet, permitindo o acesso ao mesmo, designadamente aos conteúdos televisivos codificados, por parte de terceiros. d) Ou seja, o arguido, utilizando para o efeito um sistema informático, partilhou o sinal da NOS, aliciando os clientes desta operadora a, mediante uma contrapartida financeira que lhe era directamente paga, acederem aos referidos canais sem nada pagarem àquela operadora. e) No circunstancialismo referido em 13. os valores pagos eram de cerca de 60,00 euros ou 100,00 euros; f) Com efeito, e na execução do mencionado plano, em data concretamente não apurada, mas anterior a Março de 2018, o arguido, ou outro indivíduo a seu pedido, celebrou com a NOS um contrato de prestação de serviço de distribuição de emissões televisivas. g) Aquando da assinatura do referido contrato a NOS forneceu ao arguido um aparelho de descodificação do sinal (power box) e um cartão associado aos serviços subscritos (smartcard) para ser introduzido nesse mesmo aparelho e sem o qual a mesma não funcionaria. h) No circunstancialismo referido em 22. o valor pago era de cerca de 100,00 euros anuais; i) O circunstancialismo referido em 17., se verificou através deste ou alguém a seu pedido que tinham validamente subscrito com a NOS. j) Desde modo, desde pelo menos Março de 2018 até ao dia 22 de Janeiro de 2020, o arguido através dos servidores/receptores supra indicados e outros concretamente não apurados, partilhou sinal televisivo com um número indeterminado de pessoas, sem o consentimento e contra a vontade da NOS. k) Através da actuação do arguido a NOS viu-se privada do valor não pago pela subscrição de pacotes base de programação, acrescido do valor devido pelo acesso aos Canais Codificados dos seus clientes, obtendo o arguido um benefício ilegítimo de valor concretamente não apurado. l) O arguido actuou com o propósito, aliás concretizado, de mediante a utilização de equipamentos e programas informáticos concebidos e adaptados para o efeito, utilizar e distribuir, sem autorização ou conhecimento do respectivo prestador de serviço, ou seja, da NOS, programas e dados informáticos apenas disponibilizados por esta operadora aos seus clientes e mediante o pagamento de uma contrapartida monetária. m) Como consequência da conduta do arguido, a NOS sofreu um prejuízo económico fruto da diminuição dos contratos relativos à subscrição de pacotes base de programação e de canais codificados de eventuais clientes. n) Através da sua actuação, logrou o arguido alterar o normal funcionamento da exploração dos serviços de telecomunicações que a NOS prestava, o arguido teve um benefício económico nunca inferior a 1.926,50 euros. o) Com a descrita actividade logrou o arguido obter proveitos económicos correspondentes aos valores pagos pelos clientes por si angariados num valor concretamente não apurado, tendo causado um prejuízo à NOS de valor correspondente ao valor não pago pela subscrição de pacotes base de programação, acrescido do valor devido pelo acesso aos Canais Codificados dos seus clientes, o arguido teve um benefício económico nunca inferior a 1.926,50 euros. p) O arguido, ao permitir a terceiros o acesso aos canais distribuídos pela NOS e, consequentemente aos filmes, séries e demais programas ali transmitidos, actuou também com o intuito de retransmitir as mesmas, ciente que não estava autorizado para tal por aquela operadora. II.3. Motivação da decisão de facto pela 1ª instância (transcrição): «O Tribunal fundou a sua convicção, concreta e globalmente, a partir da prova produzida em audiência de julgamento, depois de criticamente analisada, à luz das regras de experiência comum e da verosimilhança, incluindo-se as declarações do arguido, das testemunhas, dos peritos e dos documentos juntos aos autos, bem como o seu certificado de registo criminal. O arguido prestou declarações nas quais negou a prática dos factos, aludindo que possuiu uma empresa de informática entre 2015 e 2018, na qual procedia à venda de boxes e outros artigos, empresa esta que encerrou, encontrando-se actualmente a trabalhar por conta de outrem. Mencionou o arguido que efectuou, quando da sua actividade comercial, várias boxes Android, no entanto, afirmou desconhecer aquilo que os clientes faziam com elas, afirmando ainda que conhecia pessoas que faziam vendas de canais codificados e quando o questionavam encaminhava-as. Questionado quanto ao endereço de Facebook, disse que era o seu, respeitante a conta que foi fechada pelo Facebook, o qual utilizava para partilhar sites que encontrava com os clientes a quem vendia as boxes, em virtude de estes o questionarem acerca desses canais. Mencionando igualmente que os clientes lhe pediam ajuda para efectuarem a instalação das boxes, as quais permitiam que Tv’s antigas funcionassem como uma Smart TV. Referiu o arguido quanto à morada que o 3.º Dt.º era a residência da companheira, passando depois para o 2.º Esq., sendo que quando foram efectuadas as buscas encontravam-se a fazer mudanças, assumindo como suas as boxes apreendidas, mencionando que uma estava estragada e a outra era usada por si. Aludiu ainda o arguido que após o divórcio passou para um apartamento no qual a senhoria lhe solicitou que efectuasse um contrato com a NOS para que fornecesse internet a todo o prédio, o qual era maioritariamente utilizado por estudantes, isto entre 2018/2019, tendo sido contratado serviço de fibra, com router e TV, não tendo box, mas cuja instalação foi efectuada por um técnico, sendo o pacote subscrito o mínimo, o qual era pago pela senhoria, mencionando que após ter tido um problema com esta, foi bloqueado não lhe tendo sido permitido aceder à sua caixa de correio. Salientou o arguido que os seus pais também tiveram um contrato, pensa que com a TV Cabo Portugal, através de serviço satélite, na medida em que não havia serviço fibra e actualmente têm o serviço MEO ADSL, pois é o único que ali chega. Questionado disse conhecer três dos servidores que constam na acusação, mas que nunca acedeu aos mesmos, tendo apenas acedido ao site por mera curiosidade, referindo conhecer que alguns destes servem como IPTV. A testemunha LC, disse não conhecer o arguido pessoalmente, mas já ter falado com o mesmo, referindo quanto aos factos que teve conhecimento dos contactos do arguido através de uma página de Facebook, cujo nome actualmente não consegue precisar, tendo “clicado” na respectiva publicidade que por sua vez encaminhou para o Facebook de alguém, cujo nome apenas surgiu quando da informação para pagamento, após aquisição de uma box. Mais disse que era proposto um serviço e que o contacto foi efectuado para que concretizasse que serviço era, tendo sido transmitida a informação que se tratavam de canais portugueses acedidos através da internet, situação que gerou interesse do depoente em virtude de no Luxemburgo não ter acesso a essa possibilidade, referindo que foi antes da pandemia, talvez entre 2014/2015, sendo que apenas manteve esse serviço durante 1 ano, por existirem muitas falhas no fornecimento dos canais. Questionado quanto ao modo de instalação, disse que foi necessário instalar uma aplicação – smartviptv – após o que lhe foi fornecido um código e o número da conta para efectuar o referido pagamento, que foi pago por transferência bancária, no montante de €100,00, salientando que quer o NIB, quer o IBAN foi o arguido quem lhos forneceu. Disse igualmente o depoente que a ligação tinha muitos problemas, que suscitava através do Facebook – conversação, recebendo a resposto que já repararia o problema, situação que se verificou frequentemente, uma vez que a ligação ia várias vezes abaixo. Chamado a referir que canais visualizou, disse que foram bastantes, nomeadamente SportTV, TvCine, Disney Cinemagic, TV Globo, entre outros, não tendo qualquer referência a operadores, mas tão somente a canais. As declarações da testemunha revelaram-se claras, esclarecedoras e precisas quanto aos factos e à dinâmica dos mesmos, sendo merecedoras de credibilidade, permitindo a resposta aos pontos 13. a 15., 17. a 18. e 22. dos factos provados. O perito informático FC, explicou o modo de execução da perícia esclarecendo que foram analisados os seguintes equipamentos telemóvel 01, Box 01 e 02 e CD01, verificação que foi igualmente verificada por outro perito. Referiu que o equipamento lhe foi entregue pelo DIAP de Lisboa devidamente selado. Esclareceu que trabalham sobre uma cópia integral do equipamento, de acordo com as boas práticas informáticas, de modo a evitar a contaminação da prova, e que foi igualmente efectuada reportagem fotográfica das boxes em funcionamento, como sucedeu com a box01, sendo que a box 02 não funcionava. Relativamente à situação em apreciação, disse que a mesma é uma situação tecnológica complicada, considerando que a IPTV é um processo evolutivo que passa por sistemas digitais. Referiu que boxes com as configurações certas estão aptas a receber IPTV, sendo que actualmente o mesmo sucede com telemóveis, tablets, entre outros. Refere que os ficheiros de configuração m3.8 – com URL e password são obtidos e apontam para um determinado servidor “algures” no planeta, pelo que obtidos esses ficheiros os mesmos podem ser visualizados em várias Tv’s, trata-se assim de um objectivo de partilha global, sendo que esses ficheiros não estão disponibilizados em fontes abertas, sendo por isso necessária a existência de conhecimentos informáticos, por forma a conseguir obter essa mesma informação. Disse o senhor perito que no equipamento analisado existe uma enorme quantidade de ficheiros – CD 01 -, conforme mencionado na pág. 43 do relatório, de onde se alcança que permitem aceder a conteúdos multimédia, áudio e vídeo, bem como a fls. 47, concluindo-se que não se trata de um mero curioso, mas sim a alguém com objectivos concretos. Questionado para que esclarecesse sobre a possibilidade de quem vende manter o serviço a funcionar, referiu que existem 3 patamares, em primeiro lugar quem possui os servidores, em segundo lugar quem compra o serviço aos servidores, e por fim, em terceiro lugar os revendedores, isto é, quem circula no mercado. A este respeito disse que quem configura os ficheiros é quem coloca nos serviços móveis, sendo usual manter um username e uma password, para controlo dos pagamentos. Mencionou o senhor perito que os ficheiros são guardados para que possibilite a replicação, ou seja, a sua venda a mais pessoas. Questionado o senhor perito, o mesmo disse que os servidores referidos no ponto 16. dos factos provados não são de acesso livre, sendo necessários códigos de acesso, uma vez que o objectivo desses servidores é efectuarem partilhas de canais e conteúdos multimédia. Foi igualmente questionado o senhor perito acerca de mensagens que possa ter detectado no âmbito da perícia efectuada, ao que o mesmo referiu existir um variado número de mensagens trocadas, as quais vão de encontro a venda de serviços e respectivos pagamentos, aliás tal é mencionado na pág. 100 do relatório. Mencionou ainda a existência de mensagem envidada pelo arguido em grupo de Whatsapp de alguém que possui para venda canais, estando tal situação documentada na pág. 146/147 do relatório pericial. Disse o senhor perito que a IPTV constitui uma alternativa aos serviços dos operadores nacionais, tendo sempre que a pessoa ser cliente de um serviço de internet, salientando que os canais procurados são transversais, dependendo da localização regional, quer a nível nacional, quer a nível internacional. Mencionou ainda que a IPTV tem também um interesse monetário, na medida em que é sempre feita referência aos valores a pagar pela disponibilização dos servidores, no entanto, salientou igualmente que a IPTV não é apenas usada para utilizações indevidas. Ainda no tocante à linha IPTV disse que são dadas indicações quanto às linhas de acesso a alguns canais, existindo referência a cerca “de mil e tal utilizadores”, mas inexiste qualquer possibilidade de alcançar um número fixo, sendo que o número elevado de utilizadores depende do número de servidores que foram adquiridos, havendo nos autos referência a cerca de 4 a 6 servidores, salientando a propósito que quantos mais servidores, mais capacidade para clientes. Mais disse o senhor perito que não é possível identificar a fonte do operador. Relativamente ao pc portátil – pc 01 – apurou-se que no mesmo existia ficheiro de configuração, bem como software que permitia ver canais no computador, no entanto, comparativamente com o CD01, o computador possuía menos ficheiros. Questionado quanto às boxes, disse que uma box pode ter diversas utilizações, sendo que sem configuração “pouco dá”, apenas permite ver filmes e/ou ouvir música através de uma pen, sendo ainda possível converter uma TV normal em SmartTv porque efectua a ligação à internet, permitindo, por exemplo aceder ao Facebook. Os esclarecimentos do senhor perito, conjugados com o relatório pericial por si elaborado, permitiram ao Tribunal dar como provados os pontos 1. a 22. e 25. dos factos provados. A testemunha PM, disse não conhecer o arguido e ser engenheiro informático na NOS há 20 anos, tendo quanto aos factos referido que a operadora para a qual trabalha, a par das outras operadoras nacionais, trabalham no sistema de distribuição de televisão com encriptação de dados, sendo a NOS, tal como os demais operadores licenciados pela ANACOM, situação que não se aplica a particulares, mas apenas a empresas. Relativamente aos canais, disse que a sua grande maioria é disponibilizada pela totalidade dos operadores a funcionar em Portugal, existindo situações pontuais de canais unicamente distribuídos em exclusivo por algum dos operadores licenciados. Referiu ainda que nos casos de IPTV tem de existir sempre acesso ao sinal do operador, sendo-o através de conteúdo ao qual está associado, sendo os acessos disponibilizados em servidores, tendo usualmente acesso a todos os operadores. Mais disse que existe um username e uma password para uso de IPTV, tal como existe com os operadores devidamente licenciados, sendo paga igualmente uma contrapartida pelo fornecimento. Mencionou a testemunha que os canais IPTV têm uma lista, tala como uma normal grelha de canais em ficheiros m3u e m3u8. Questionado quanto à possibilidade de existência de sinal de fibra óptica sem box, disse que não pode haver. Mencionou o depoente que os canais existentes não são da NOS, mas também da NOS, porquanto são distribuídos por todos os operadores licenciados. Mais disse que a IPTV pode ser utilizada para partilhar um vídeo entre familiares, mas também para usos ilícitos. A testemunha foi confrontada com fls. 103, 113 e 137 do relatório pericial, identificando os elementos aí constantes como sendo soluções de IPTV. Referiu a testemunha que quem usa IPTV, por regra não possui quaisquer contratos em seu nome, no entanto, alguém tem de ter acesso físico à box para poder aceder aos respectivos conteúdos. As declarações da testemunha foram prestadas de forma clara e esclarecedora quanto à forma como obteve conhecimento dos factos, permitindo ao Tribunal concluir conforme os pontos 1. a 12. e 25. dos factos provados. A testemunha RA., disse ser amigo do arguido desde 2014, tendo quanto aos factos referido que este teve uma loja de informática entre 2014 e 2018, loja na qual o depoente adquiriu alguns artigos, nomeadamente uma box, para alterar a sua TV antiga para SmartTV e aceder ao Youtube, referindo ter pago cerca de e 100,00 pela box. As declarações da testemunha foram prestadas de forma clara e esclarecedora quanto à actividade laboral do arguido da qual tem conhecimento, merecendo nesta óptica credibilidade. A testemunha TS, disse conhecer o arguido desde 2018, tendo ambos actualmente uma relação de namoro, referiu que em 2018 o arguido trabalhava numa fábrica de polimento de peças, encontrando-se actualmente a trabalhar para a Apple, tendo sido igualmente técnico de instalação da MEO. Disse a testemunha que o arguido actualmente tem horário rotativo, mas quando trabalhava na fábrica fazia um horário das 7.00h às 17horas, e na MEO iniciava o serviço às 9.00horas, saindo apenas após efectuadas as instalações programadas para aquele dia, nunca se tendo apercebido ao longo deste tempo de qualquer trabalho paralelo. Questionada a testemunha disse que tinha acesso ao perfil de Facebook do arguido, desconhecendo a existência de perfil do Facebook quanto à empresa, e ainda que tinha acesso ao telemóvel do arguido, mas não da respectiva password. As declarações da testemunha foram prestadas de forma clara e esclarecedora quanto à actividade laboral do arguido da qual tem conhecimento, merecendo nesta óptica credibilidade. A prova dos factos relativos aos pontos 30. e 31. resultaram dos autos de Busca e Apreensão – fls. 432 a 434, 446 a 449, 468 a 472, 492 a 516. O Tribunal considerou ainda os seguintes documentos juntos aos autos, a saber: - Relatório de Perícia Informática – Apenso aos presentes autos; Documentos de fls. 6 a 12; Ofício do Banco de Portugal de fls. 21 a 23; Elementos bancários da Caixa Geral de Depósitos de fls. 91 a 97 e 369; Elementos bancários do Millennium BCP de fls. 102 a 153, 294 a 318, 372 a 382; E-mail da PPRO de fls. 281 e 282; Elementos bancários da Caixa de Crédito Agrícola de fls. 370 e 371, 397 a 400; e, Autos de Busca e Apreensão – fls. 432 a 434, 446 a 449, 468 a 472, 492 a 516. Do cotejo da prova produzida em sede de audiência, com a documentação junta aos autos, resulta clara a prática pelo arguido dos factos que lhe são imputados. Com efeito, a versão trazida a juízo pelo arguido não pode colher, considerando a documentação junta aos autos, nomeadamente o relatório pericial elaborado tendo por base os objectos apreendidos ao arguido na busca que foi efectuada, e bem assim no depoimento da testemunha LC. Deste modo, resulta à saciedade que a actividade que foi desenvolvida pelo arguido não o foi sozinho, mas antes envolvendo terceiros, desconhecendo-se todavia, se a sua intervenção foi de venda ou de revenda, atentas as explicações fornecidas pelo senhor perito FC, o qual foi peremptório em afirmar que nestas situações de IPTV se opera em 3 patamares, tendo-os descrito como num primeiro patamar quem possui os servidores, num segundo patamar quem compra o serviço aos servidores, e por fim, no terceiro patamar os revendedores, isto é, quem circula no mercado. Todavia, da prova produzida não se logrou apurar em que patamar concreto se situava o arguido, apurando-se, apenas, que o arguido possuía os endereços que permitiam o acesso a IPTV, fornecendo esse acesso IPTV a terceiros, permitindo-lhes desse modo aceder a canais que apenas são disponibilizados pelos operadores licenciados pela ANACOM, de entre eles a NOS, assim como, resultou que nos aparelhos que lhe foram apreendidos existiam conversações com clientes que o questionavam acerca das paragens que o serviço de canais disponibilizado fazia, respondendo o arguido que iriam resolver a situação. Ora, aqui chegados, resulta da prova inexistir quaisquer elementos, nomeadamente do relatório pericial que permitam determinar que o arguido entrou no sistema informático da operadora NOS, na medida em que, a mera existência de endereços electrónicos e troca de mensagens, não permitem por si só concluir que foi o arguido quem acedeu aos serviços da NOS. Acresce que, muito embora se faça referência à existência de um contrato celebrado com a NOS, não se logrou apurar que a respectiva box foi entregue ao arguido e que dessa forma, fazendo uso do cartão respectivo acedeu ao sistema informático, o que lhe permitiu facultar a terceiros o acesso. Destarte ainda que se tenha apurado os factos vertidos em 12. e 17. a 22., tal não se afigura bastante para condenar o arguido pela prática do crime de acesso ilegítimo, por força do princípio constitucional in dubio pro reo. Por sua vez, da prova produzida não se logrou apurar quais os valores totais de que o arguido beneficiou, nem tão pouco quais os valores de que a NOS se viu privada, acrescendo ainda que na acusação não se mostra descrito o elemento subjectivo do crime de burla informática e nesta medida não pode o arguido ser condenado, uma vez que, não pode o Tribunal se substituir à acusação e determinar neste momento o elemento subjectivo do crime em questão. Por fim, no tocante aos canais disponibilizados, conforme supra se referiu as operadoras licenciadas actuam como distribuidores de comunicações licenciados e nessa qualidade, disponibilizam aos seus clientes canais que podem ter sinal aberto ou codificado, como acontece com os canais premium, no entanto, apurou-se que, quer a NOS, quer os demais operadores nacionais licenciados, não produzem quaisquer obras, antes se limitam a disponibilizá-los, e nessa medida, não integra a prática do crime de usurpação que lhe é imputado. A convicção do tribunal sedimentou-se assim, nos documentos juntos aos autos e no depoimento das testemunhas, conforme supra mencionado, permitindo concluir pelos factos provados na forma em que o foi. No que respeita aos elementos psicológicos e volitivos dados como provados, resultaram da análise da prova produzida, posto que de acordo com as regras da experiência e normalidade, outro não poderia ser o conhecimento e vontade do arguido aquando da prática dos factos. Os antecedentes criminais do arguido resultaram do respectivo certificado de registo criminal juntos aos autos através da referência Citius n.º 32716234. Para prova das condições económicas e pessoais dos arguidos a convicção do Tribunal alicerçou-se, ainda, e exclusivamente nas suas declarações as quais mereceram credibilidade. No tocante aos factos dados como não provados os mesmos resultaram de a prova produzida ter imposto prova negativa ou não ter sido produzida qualquer prova.». * III. APRECIAÇÃO DO RECURSO: Questões a decidir no recurso: Constitui jurisprudência assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP[1], os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).[2] Nos recursos em apreciação, tendo em consideração as conclusões extraídas da motivação apresentada, cumpre apreciar: i) Se ocorre contradição insanável entre os factos e os factos e a fundamentação [a contradição entre os pontos n.ºs 12, 13, 14, 15 e 16 (factos provados) e alíneas b), c), d), j) e l) (factos não provados], integradora do vício previsto no artigo 410º, nº 2 al. b) do CPP; ii) Se ocorre erro de julgamento relativamente à matéria de facto dada por não provada sob as alíneas b), c), d), f), g), h), j), K) e l), devendo a mesma ser dada por provada e o arguido condenado pela prática de um crime de acesso ilegítimo. i) [In] Verificação de vícios da sentença integradores da previsão normativa do artigo 410º, nº 2 O Ministério Público pretende, por via do presente recurso, ver anulada a sentença proferida, por entender que a mesma padece do vício da contradição insanável entre os factos e os factos e a fundamentação [contradição entre os pontos n.ºs 12, 13, 14, 15 e 16 (factos provados) e alíneas b), c), d), j) e l) (factos não provados], integradora do vício previsto no artigo 410º, nº 2 al. b) do CPP. A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. O que ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. No caso em apreciação, dissecados os factos provados e não provados, em concreto os pontos n.ºs 12, 13, 14, 15 e 16 dos factos provados e as alíneas b), c), d), j) e l) dos factos não provados, verificamos não ocorrer a apontada contradição, como correctamente sustentou o Exmo Procurador-Geral Adjunto deste Tribunal no seu parecer. Como bem explicita na sustentação do seu parecer, que aqui acompanhamos, pelo rigor e clareza expositiva «o que resulta provado do ponto 12. (1) é que o arguido transmitiu ilegalmente conteúdos de forma contínua. Todos os pontos seguintes dos factos provados se reportam a esta premissa: transmissão ilegal de conteúdos de forma contínua. Já nos factos não provados todas as ações ali referenciadas se reportam a atuações relativamente à operadora de rede de televisão por cabo NOS. Ou seja, resultou não provado que a transmissão ilegal de conteúdos de forma contínua que o arguido levou a cabo tivesse origem em descodificação não autorizada do serviço digital de televisão da NOS, que tenha ligado o sinal televisivo da NOS através da internet, permitindo o acesso ao mesmo, que partilhou o sinal da NOS, (…). (…) a transmissão ilegal de conteúdos de forma contínua que o arguido levou a cabo terá tido origem em sinal diferente do da operadora NOS, ou, pelo menos, não se provou que tivesse origem no sinal da operadora NOS.». Pese embora a técnica de redacção adoptada nos factos não provados não seja a mais aconselhável [bastaria ter dado como não provado que a transmissão, pelo arguido, dos conteúdos referida em 12 tenha tido origem em descodificação não autorizada do serviço digital de televisão da NOS ou que o sinal partilhado pelo arguido fosse o da NOS], não ocorre contradição entre os factos provados e não provados, improcedendo, assim, este segmento do recurso. Igualmente improcedente é a invocada contradição entre os factos e a fundamentação da decisão de facto invocada pelo recorrente, com fundamento na circunstância de o Tribunal recorrido ter consignado na motivação, que “Do cotejo da prova produzida em sede de audiência, com a documentação junta aos autos, resulta clara a prática pelo arguido dos factos que lhe são imputados. Com efeito, a versão trazida a juízo pelo arguido não pode colher, considerando a documentação junta aos autos, nomeadamente o relatório pericial elaborado tendo por base os objectos apreendidos ao arguido na busca que foi efectuada, e bem assim no depoimento da testemunha LC”, concluindo, depois, pela indemonstracção probatória de que o arguido tenha descodificado o serviço digital da NOS, tenha partilhado e divulgado os canais codificados dessa operadora a terceiro a troco de quantias monetárias. Pese embora a falta de rigor evidenciada pela exposição motivacional do Tribunal a quo no segmento sindicado pelo recorrente, afirmando resultar “clara a prática pelo arguido dos factos que lhe são imputados”, cujo significado frásico é ainda reforçado com a afirmação de que “a versão trazida a juízo pelo arguido não pode colher”, tal deficiência expositiva não integra o vício da contradição entre factos e a fundamentação dos mesmos que lhe é assacada pelo recorrente. Com efeito, a motivação do Tribunal a quo tem que ser interpretada globalmente e não como pretende o recorrente, extraindo tal segmento da demais fundamentação, dando-lhe um sentido que, analisado autonomamente, se apresentaria como incongruente com a decisão de facto, nomeadamente com os factos não provados [constitui hoje entendimento corrente que a sentença proferida em processo judicial constitui um verdadeiro acto jurídico e que quanto à sua interpretação se aplicam, com as devidas adaptações, as regras reguladoras dos negócios jurídicos, devendo a interpretação da parte decisória assentar na análise dos seus antecedentes lógicos que a tornam possível e a pressupõem, dada a sua interdependência– veja-se, a este propósito, e por todos, o decidido pelo STJ nos seus acórdãos de 05 de Novembro de 2009, processo nº 4800/05.TBAMD-A, de 03 de Fevereiro de 2011, processo nº 190-A/1999, de 26 de Abril de 2012, processo n. 289/10.7TBPTB e de 20 de Março de 2014, processo nº 392/10.3TBBRG; todos acessíveis em www.dgsi.jstj.pt]. O segmento selecionado pelo recorrente, integrado na restante exposição motivacional, nomeadamente com a explicitação [que textualmente lhe segue] de que de acordo com a prova produzida, nomeadamente através da testemunha LC, “nas situações de IPTV se opera em 3 patamares (…) num primeiro patamar quem possui os servidores; num segundo patamar quem compra o serviço aos servidores, e por fim, no terceiro patamar os revendedores, isto é, quem circula do mercado.” e ainda a de que “Todavia, da prova produzida não se logrou apurar em que patamar concreto se situava o arguido, apurando-se, apenas, que o arguido possuía os endereços que permitiam o acesso a PPTV, fornecedendo esse acesso IPTV a terceiros, permitindo-lhes desse modo aceder a canais que apenas são disponibilizados pelos operadores licenciados pela ANACOM, de entre eles a NOS, assim como, resultou que nos aparelhos que lhe foram apreendidos existiam conversações comclientes que o questionavam acerca das paragens que o serviço de canais disponibilizado fazia, respondendo o arguido que iriam resolver a situação. Ora, aqui chegados, resulta da prova inexistir quaisquer elementos, nomeadamente do relatório pericial que permitam determinar que o arguido entrou no sistema informático da operadora NOS, na medida em que, a mera existência de endereços electrónicos e troca de mensagens, não permitem por si só concluir que foi o arguido quem acedeu aos serviços da NOS.”, permite apreender o sentido da convicção formada pelo Tribunal, ainda que a mesma não tenha sido exposta, da forma mais rigorosa. Não existindo qualquer contradição suscetível de gerar nulidade, sendo a aparente a incongruência apontada ultrapassada por via da interpretação conjugada da motivação, improcede também este argumento recursório. O vício que a decisão evidência [de julgamento] e que não foi directamente invocado no recurso em apreciação, mas apenas por via da impugnação ampla da matéria de facto, é do erro notório na apreciação da prova, decorrente da interpretação dos factos objectivos apurados que impunha que deles se inferisse o elemento subjectivo do ilícito em causa e que o Tribunal recorrido deu como não provado [e ao qual a motivação aparentemente se refere na página 19 da sentença, no segmento “No que respeita aos elementos psicológicos e volitivos dados como provados, resultaram da análise da prova produzida, posto que de acordo com as regras da experiência e normalidade, outro não poderia ser o conhecimento e vontade do arguido aquando da prática dos factos”, indiciando, nesta parte, a existência de uma contradição entre os factos e a fundamentação]. Tratando-se de vício de conhecimento oficioso cumpre dele conhecer. O erro notório na apreciação da prova [alínea c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal], como é sabido e resulta da lei, constitui vício intrínseco da decisão, independente de qualquer elemento que lhe seja exterior, designadamente de meios de prova produzidos [ressalvada a desconsideração de prova de valor legalmente vinculado] ou que o deveriam ter sido, e que decorre de aquela assentar em premissas ou chegar a conclusões entre si excludentes ou frontalmente contrariadas por regras científicas ou por qualquer regra da normalidade e experiência. Tal como os demais previstos no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, consubstanciam vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto [constituem vícios da decisão relativa à matéria de facto e não do julgamento], verificando-se quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74). É o que ocorre no caso em apreciação. Da leitura do texto da sentença recorrida, concretamente da matéria de facto provada e não provada que aí é descrita, bem como da parte relativa à respetiva fundamentação, não podemos deixar de afirmar que o Tribunal a quo ao dar como provado que «12. O arguido recorreu ao sistema IPTV (Internet protocol television) – Streaming de canais por subscrição, que consiste num método de transmissão de sinais televisivos através de uma ligação multicast, transmitindo ilegalmente os conteúdos de forma contínua; 13. Para tanto, deu instruções aos seus clientes para instalar uma aplicação de visualização de IPTV, designada por web player, nos respectivos aparelhos eletrónicos (computador ou televisão), à semelhança de qualquer outra aplicação e depois subscrever o serviço por si fornecido, mediante um pagamento mensal ou anual; Posteriormente, os clientes eram instruídos a fornecer o endereço da máquina (denominado de MAC Address) onde a aplicação tinha sido instalada, sendo que o arguido disponibilizava um user e uma password e enviava o sinal de vídeo diretamente para o referido equipamento; Através deste mecanismo, os “clientes” do arguido passavam a poder visualizar milhares de canais, muitos deles de acesso reservado e pago (canais premium), sem pagarem a contraprestação devida às operadoras; 16. Posteriormente, o arguido acedeu aos servidores on line denominados http://tugavip.com, https://iptvtotal.org, https://ribeirohdtv.com e https://tvnetplay.com e outros de denominação desconhecida para onde comutou o sinal de televisão por cabo; 17. Simultaneamente, o arguido divulgou, entre amigos e conhecidos, designadamente na rede social Facebook (nas páginas com os endereços https://www.facebook.com/....caixinha82 e http://www.facebook.com/iptvptvipserver/), que dispunha de facilidade em partilhar o sinal de televisão por cabo, através da internet, mediante o pagamento, por parte destes; 18. Os interessados contactavam o arguido, através do Facebook ou do telemóvel ... e aquele envia-lhes um link para instalação de uma aplicação, que depois instalavam nas suas televisões, telemóveis e outros aparelhos electrónicos com acesso à internet, nos termos supra descritos; 19. O arguido mais indicava a cada um dos seus “clientes” que o pagamento do serviço de partilha de canais (com uma periodicidade mensal, trimestral ou anual, conforme o acordado) deveria ser efectuado para a conta da Caixa Geral de Depósitos, com o NIB 0035.0808 e/ou do Banco Millennium BCP, com o NIB 0033.0000; 20. O arguido também fornecia aos seus “clientes” a entidade 11854 e referências por eles indicadas, associadas à conta aberta pelo arguido junto da PPRO, em Março de 2018, da qual aquele era o único beneficiário; 21. O arguido também forneceu aos seus “clientes” os dados referentes a uma conta Paypal, de endereço desconhecido, da qual era o único beneficiário; 22. A partilha do sinal televisivo, nos moldes em que era oferecido pelo arguido, incluiu os canais codificados, designadamente, a “Sport TV”, a “Eleven Sports”, “Canais Lusomundo”, “TV Cine”, a “Caça e Pesca”, a “Disney Cinemagic”, a “TV Globo” e a “Toros e TV”.» tinha necessariamente que considerar provado que o arguido actuou com o propósito de mediante a utilização de equipamentos e programas informáticos concebidos e adaptados para o efeito, utilizar e distribuir, sem autorização ou conhecimento dos prestadores de serviço licenciados, programas e dados informáticos apenas disponibilizados pelas operadoras aos seus clientes mediante o pagamento de uma contrapartida monetária, obter, como obteve, proveitos económicos em montantes não concretamente apurados correspondentes aos valores pagos pelos clientes que angariou, ciente de que não estava autorizado a exercer tal actividade e que a sua conduta era proibida e punida por lei. Tendo em consideração a matéria de facto dada por provada e independentemente de considerar probatoriamente indemonstrado que a operadora lesada foi a NOS, não podia o Tribunal a quo ter dado como não provado o conhecimento da incriminação. A factualidade provada determina que se considere que o arguido agiu com dolo directo. Como refere Ana Maria Barata Brito [in “A valoração da prova e a prova indireta, No e-book A prova ou por indícios”, CEJ Julho de 2020, pág. 125], Na ausência de confissão, em que o arguido reconhece ter sabido e querido os factos que realizam um tipo objectivo de crime, a prova do dolo terá de fazer-se por ilações, a partir de indícios, através de uma leitura do comportamento exterior e visível do agente. O julgador deve resolver a questão de facto decidindo que (ou se) o agente agiu internamente da forma como o revelou externamente. No caso presente, é possível dar como provada a imputação ao arguido, a título doloso nos termos concretamente referidos na acusação e defendidos pelo Ministério Público no seu recurso, através das regras da experiência comum, que não autorizam qualquer dúvida de que o arguido agiu internamente como externamente o demonstra. Face ao exposto impõe-se alterar a decisão de facto, considerando-se provados os factos relativos ao dolo, quer na sua vertente cognitiva quer volitiva, aditando à factualidade provada o seguinte ponto fáctico, que numeramos de 25-A: 25-A. O arguido actuou, da forma descrita, com o propósito de mediante a utilização de equipamentos e programas informáticos concebidos e adaptados para o efeito, utilizar e distribuir, sem autorização ou conhecimento dos prestadores de serviço licenciados, programas e dados informáticos apenas disponibilizados pelas operadoras aos seus clientes mediante o pagamento de uma contrapartida monetária, obter, como obteve, proveitos económicos em montantes não concretamente apurados correspondentes aos valores pagos pelos clientes que angariou, ciente de que não estava autorizado a exercer tal actividade e que a sua conduta era proibida e punida por lei. Não se vislumbrando na sentença recorrida a existência de outros vícios de conhecimento oficioso e considerando prejudicada a apreciação da impugnação ampla da matéria de facto [questão enunciada sob o ponto ii) das questões a decidir] porquanto, como bem salientou o Ex.mo Procurador Geral Adjunto deste Tribunal, os factos dados por provados permitem, só por si, o preenchimento da tipicidade objectiva e subjectiva do ilícito penal imputado ao arguido, cumpre passar ao enquadramento jurídico dos factos a fim de decidir se é de reverter a decisão de absolvição, como pretende o recorrente. Enquadramento jurídico dos factos: Vem o arguido acusado da prática de um crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo artigo 6.º, n.ºs 1, e 2, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, que prescreve: «1 - Quem, sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo proprietário, por outro titular do direito do sistema ou de parte dele, de qualquer modo aceder a um sistema informático, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Na mesma pena incorre quem ilegitimamente produzir, vender, distribuir ou por qualquer outra forma disseminar ou introduzir num ou mais sistemas informáticos dispositivos, programas, um conjunto executável de instruções, um código ou outros dados informáticos destinados a produzir as acções não autorizadas descritas no número anterior.» O crime de acesso ilegítimo tem como bem jurídico protegido a segurança dos sistemas informáticos. Como refere Pedro Verdelho [em anotação ao artigo 6.º, da Lei n.º 109/2009, in “Comentário das Leis Penais Extravagantes, vol. I, pág. 516, UCE], citado na sentença recorrida e que aqui igualmente acompanhamos, «O crime de acesso ilegítimo dirige-se às modernas ameaças à segurança dos sistemas informáticos que ponham em causa as respectivas confidencialidade, integridade e disponibilidade. É interesse protegido a salvaguarda da possibilidade de gerir, operar e controlar os sistemas de forma livre e tranquila, sem perturbação. “Acesso” é a entrada no todo ou numa parte de um sistema informático (hardware, componentes, dados armazenados no sistema instalado, directorias, dados de tráfego e dados relativos ao conteúdo). É, portanto, a penetração num sistema informático, acessível através das redes de telecomunicações públicas, ou num sistema informático na mesma rede «, tal como uma LAN (rede de área local) ou intranet no seio de uma organização (como por exemplo, na rede privada de uma empresa. O crime de acesso ilegítimo é, tal como os restantes crimes previstos na Lei do Cibercrime, praticado por quem actue de forma não autorizada. (…)». Ainda no que respeita ao n.º 2, do artigo 6.º da Lei n.º 109/2009, refere o mesmo Autor «(…) aquilo que se pune nesta disposição do n.º 2 é apenas a obtenção ilegítima de dados de acesso a locais reservados no mundo virtual.». Como decorre da literalidade do normativo legal em apreço, a tipicidade objectiva do ilícito preenche-se por uma das duas modalidades de conduta típica: a) aceder, de qualquer modo, a um sistema informático, sem permissão legal ou sem para tal estar autorizado pelo proprietário ou por outro titular do direito do sistema ou de parte dele; b) produzir, vender, distribuir ou, por qualquer outra forma, disseminar ou introduzir, num ou mais sistemas informáticos, dispositivos, programas, um conjunto executável de instruções, um código ou outros dados informáticos destinados a permitir o acesso, de qualquer modo, a um sistema informático. Relativamente ao elemento subjetivo, apenas se exige o dolo genérico, em qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal. Atenta a factualidade provada sob os pontos 12 a 22 e 25-A, dúvidas não subsistem de que o comportamento do arguido preenche a tipicidade objectiva e subjectiva do ilícito em causa, devendo o mesmo ser condenado pelo crime que lhe vem imputado. Cumpre, pois, fixar a respectiva pena. A aplicação da pena visa a protecção dos bens jurídicos violados (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a medida concreta da pena exceder a culpa do agente (artigo 40º do Código Penal), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem contra e a favor do agente (nº 2 do artigo 71º do Código Penal), reconduzindo-se estas a três grupos ou núcleos fundamentais: - Factores relativos à execução do facto [alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpa sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta]; - Factores relativos à personalidade do agente [alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto]; e - Factores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto (alínea e). Deverá, pois, a pena a aplicar permitir alcançar o desiderato contido no número 1 do artigo 40.º do Cód. Penal – a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – sem olvidar que, como consta do número 2 desse preceito, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Sempre que forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 70º do Código Penal). A opção pela concreta modalidade da pena a aplicar deve, pois, ter na sua base o binómio culpa-prevenção (nº 1 do artigo 71º, nº 1 do Código Penal). Ao crime em análise corresponde pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias. Tendo em conta que o arguido apresenta antecedentes criminais relevantes [apresenta 3 condenações por crime de burla simples e uma condenação pelo crime de violência doméstica, no âmbito do qual lhe foi aplicada pena de prisão, suspensa na sua execução – factos 27 a 30], atentatórios de idêntico bem jurídico [mas não só], entende-se que a aplicação de uma pena de multa não realizará de forma adequada e suficiente as finalidades inerentes à punição, designadamente a elevada exigência de prevenção geral que se já se faz sentir neste tipo de criminalidade e as elevadíssimas exigências de prevenção especial que o caso evidencia. Por conseguinte, atento o grau de ilicitude da conduta do arguido [desvalor da acção, desenvolvendo actividade que depende de licenciamento próprio, em paralelo com as únicas entidades licenciadas para o efeito], o grau de culpa [que se considera elevado por motivado pelo lucro fácil], as elevadas exigências de prevenção geral e as elevadíssimas exigências de prevenção especial, afigura-se adequado aplicar a pena de prisão de 6 meses. Não sendo equacionável, por não estarem reunidos os pressupostos legais da substituição da pena de prisão por multa (artigo 45º, nº 1 do Código Penal) ou execução da pena em regime de permanência na habitação (artigo 43º, nº 1, al. a) do Código Penal), por inadequação às finalidades da execução da pena no caso em apreciação [que passam pela consciencialização do arguido para a imperiosa necessidade de adopção de conduta socialmente aceitável e conforme ao ordenamento jurídico], ou ainda a prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58º do Código Penal) atentas as exigências de prevenção especial identificadas, resta aferir da possibilidade da suspensão da sua execução, nos termos do artigo 50º do Código Penal. Não olvidando os antecedentes criminais do arguido e a condenação anterior em pena de prisão suspensa na sua execução, bem como o facto de o arguido não assumir a responsabilidade pela sua conduta desviante, circunstâncias que tornam particularmente exigente o juízo de prognose, atendendo a que o arguido ainda apresenta graus de inserção social e profissional susceptíveis de o auxiliar no necessário processo de ressocialização que se impõe que percorra, sob pena de agravamento necessário da reação penal, afigura-se que a suspensão da pena, como patamar de resposta à concreta conduta criminosa em causa, ainda se apresenta como suficiente para responder às finalidades da punição [necessidades de prevenção geral que o caso requer, face aos bens jurídicos questionados e cuja validade da norma que os protegem tem de ser reafirmada, bem como de prevenção especial já enunciadas]. Por conseguinte, decide-se suspender a execução da pena de prisão de 6 meses, pelo prazo de um ano (artigos 50º, nº 1 Código Penal). O recurso procede na totalidade, ainda que sem total correspondência com os argumentos invocados. IV – DECISÃO Face ao exposto, acordam os Juízes desta 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência: a) Alterar a decisão recorrida, passando a constar como provado o seguinte ponto: 25-A. O arguido actuou, da forma descrita, com o propósito de mediante a utilização de equipamentos e programas informáticos concebidos e adaptados para o efeito, utilizar e distribuir, sem autorização ou conhecimento dos prestadores de serviço licenciados, programas e dados informáticos apenas disponibilizados pelas operadoras aos seus clientes mediante o pagamento de uma contrapartida monetária, obter, como obteve, proveitos económicos em montantes não concretamente apurados correspondentes aos valores pagos pelos clientes que angariou, ciente de que não estava autorizado a exercer tal actividade e que a sua conduta era proibida e punida por lei; b) Revogar a decisão de absolvição do arguido ... de um crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo artigo 6.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro; c) Julgar a acusação procedente quanto ao referido crime, condenando o arguido ... pela prática, em autoria material singular e na forma consumada, de um crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo artigo 6.º, n.º 1, e 2, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, na pena de prisão de 6 (meses) meses, suspensa na sua execução pelo prazo de um ano. Sem custas – artigo 513º a 515º, ambos do Código de Processo Penal. Lisboa, 22 de Junho de 2023 (Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelas signatárias) Simone Abrantes de Almeida Pereira Lídia Renata Goulart Whytton da Terra Maria José Cortes _______________________________________________________ [1] Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995 [2] Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção. |