Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SUSANA SILVEIRA | ||
Descritores: | CATEGORIA PROFISSIONAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/28/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. A categoria profissional de um determinado trabalhador afere-se não em razão do nomen iuris que lhe é dado pela entidade empregadora, mas sim em razão das funções efectivamente exercidas pelo trabalhador, em conjugação com a norma ou convenção que, para a respectiva actividade, indique as funções próprias de cada uma, sendo elemento decisivo o núcleo funcional que caracteriza ou determina a categoria em questão. II. Exercendo o trabalhador diversas actividades subsumíveis a diferentes categorias, a sua categorização deve efectuar-se atendendo à actividade predominante ou, no caso de diversidade equilibrada, atender-se à que lhe é mais favorável. III. Estando a trabalhadora integrada, pela empregadora, na categoria profissional de jornalista redactora, nível de desenvolvimento II, mas avultando, dos factos provados, que as suas funções se reconduzem, predominantemente, às descritas para a mesma categoria, mas nível de desenvolvimento III, deverá ser-lhe reconhecido este enquadramento profissional. IV. A ausência do cumprimento do procedimento interno da empregadora, previsto no Acordo de Empresa, tendente a aferir da evolução profissional dos trabalhadores, não pode obstar a que o trabalhador exerça, pela via judicial, o direito ao seu correcto enquadramento profissional, sob pena de, assim não sendo, ficar na exclusiva esfera jurídica do empregador a decisão quanto a essa matéria. V. Prevendo o Acordo de Empresa que regula a relação de trabalho entre as partes que «os trabalhadores que exerçam funções de coordenação ou de chefia funcional auferirão um subsídio nos termos de regulamento próprio», deve esse subsídio ser atribuído ainda que a categoria profissional na qual o trabalhador se integre preveja a possibilidade de exercício dessas funções. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório 1. AA intentou a presente acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do Processo Comum, contra “Rádio e Televisão de Portugal, S.A.” peticionando o reconhecimento da sua integração no nível desenvolvimento III, desde 1 de Janeiro de 2008, com a respectiva progressão nos escalões, e a condenação da ré no pagamento das correspectivas diferenças salariais e de um subsídio de coordenação, tudo com acréscimo dos juros de mora. Alegou, para o efeito e em síntese, que, estando ao serviço da ré, no Centro Regional dos Açores, com a categoria profissional de jornalista redactor, nível de desenvolvimento II, as funções que efectivamente desempenha desde pelo menos 1 de Janeiro de 2008 são as de coordenação, integrando estas o nível de desenvolvimento III, constante do instrumento de regulamentação colectiva aqui aplicável. 2. Realizada a audiência de partes, frustrou-se a conciliação, tendo a ré sido notificada para contestar. 3. A ré contestou a acção, alegando, em breve síntese, que: (i) os créditos reclamados com referência ao período anterior a 5 anos e 160 dias desde a citação encontram-se extintos por prescrição; (ii) as funções desempenhadas pela autora não lhe permitem fundamentar a sua integração no nível de desenvolvimento III, nem a mesma exerce funções de coordenação (havendo, em qualquer dos casos, incompatibilidade entre o pagamento de subsídio de coordenação e a atribuição do nível de desenvolvimento III, por este último já prever, no seu descrito funcional, a coordenação); (iii) mesmo a admitir este enquadramento num nível de desenvolvimento mais elevado, sempre teriam de ser levadas em conta as reduções previstas nas normas orçamentais do Estado publicadas entre 2011 e 2017. Conclui a ré no sentido da improcedência da acção, com a sua consequente absolvição dos pedidos ou, assim não se entendendo, que pelo menos se opere a redução das peticionadas diferenças salariais por força da parcial prescrição das mesmas, assim como das reduções previstas nas Leis do Orçamento do Estado que vigoraram desde 2011 a 2017. 4. Foi dispensada a realização de audiência prévia e foi proferido Despacho Saneador, no qual foi fixado valor à causa e dispensada a enunciação dos temas da prova. 5. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença cujo dispositivo é o seguinte: «Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos: a) declara a Autora, AA, como jornalista redactora nível de desenvolvimento III, desde 1 de Janeiro de 2022; b) condena a Ré, Rádio e Televisão de Portugal, SA, a reconhecer este nível de desenvolvimento fixado em a) e a pagar à Autora as diferenças de retribuição recebida enquanto classificada no nível de desenvolvimento II e a que receberia com a integração no nível de desenvolvimento III, vencidas desde 1 de Janeiro de 2022, com acréscimo dos juros de mora, calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até definitivo e integral pagamento (a apurar mediante incidente de liquidação); c) condena a Ré a pagar à Autora um subsídio de coordenação, desde 1 de Janeiro de 2022, com acréscimo dos juros de mora, calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até definitivo e integral pagamento (a apurar mediante incidente de liquidação); d) absolve a Ré do que mais foi peticionado». 6. A autora, inconformada, interpôs recurso da sentença proferida, rematando as suas alegações com a seguinte síntese conclusiva: «a) O presente recurso é interposto da douta sentença na parte em que julgou a ação parcialmente procedente, declarando que apenas em 1 de janeiro de 2022 a A/Recorrente passou a exercer as funções de jornalista redactora nível de desenvolvimento III; Condenando a R a reconhecer este nível de desenvolvimento e a pagar à A. as diferenças de retribuição recebida enquanto classificada no nível II e a que receberia com a integração no nível de desenvolvimento III, vencidas apenas desde 1 de janeiro de 2022, com acréscimo dos juros de mora, calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até definitivo e integral pagamento; Condenado, ainda, a R. a pagar à A. um subsídio de coordenação, apenas desde 1 de janeiro de 2022, com acréscimo dos juros de mora, calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até definitivo e integral pagamento; b) A douta sentença recorrida considerou que a Recorrente seria requalificada como jornalista redactor nível de desenvolvimento III desde 1 de janeiro de 2022. c) A Recorrente deverá ser requalificada desde 1 de janeiro de 2020, visto que foi reconhecido pelo Tribunal a quo que a partir do ano de 2020 esta começou a desempenhar funções de jornalista redactor nível de desenvolvimento III de forma regular, efetiva e predominante. d) Razão pela qual a douta sentença recorrida merece ser alterada por outra que declare a integração da Recorrente como jornalista redator, nível de desenvolvimento III, desde 1 de janeiro de 2020, condenando a Ré a pagar à recorrente as diferenças de remuneração vencidas desde janeiro de 2020, bem como ao diferencial dos valores que recebeu a título de subsídio de férias e de Natal desde aquela data e, finalmente, condenando a R a pagar à Autora um subsídio de coordenação, desde 1 de Janeiro de 2020, com acréscimo dos juros de mora, calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até definitivo e integral pagamento». 7. A ré, também inconformada com a sentença, interpôs recurso, concluindo como segue as suas alegações: «A. Vem o presente recurso interposto da Sentença, proferida nos presentes autos, que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Recorrente a pagar à Recorrida um subsídio de coordenação, desde 1 de janeiro de 2022; B. Contudo, da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, tendo por base o depoimento prestado pela testemunha BB (que se encontra gravado entre as 09:49 e as 10:49 horas, tendo o mesmo sido prestado na audiência final que teve lugar no dia 15.10.2024), resultou que a Autora não desempenha funções de coordenação, matéria essa que se requer que seja aditada ao elenco dos factos provados e que implicará a absolvição da Recorrente do pagamento de qualquer subsídio de coordenação, pelo facto de a Recorrida não executar essas funções; C. Em qualquer caso, independentemente da decisão sobre a matéria de facto, a verdade é o nível de desenvolvimento que foi atribuído à Recorrida a partir de 2022 (III) já prevê a possibilidade de exercício de funções de coordenação, o que, automaticamente, sempre teria de inviabilizar a concessão de um subsídio de coordenação (seria remunerar duas vezes a mesma função); D. O n.º 6 da cláusula 38.ª do Acordo de Empresa em vigor na Recorrente, que prevê a atribuição de um subsídio de coordenação a quem desempenha este tipo de funções não é aplicável, naturalmente, às categorias e níveis de desenvolvimento que já contemplem, no seu descritivo funcional, o desempenho de funções de coordenação; E. Tendo decidido da forma descrita, a Sentença Recorrida violou, designadamente, a cláusula 38.ª, n.º 6 e o Modelo de Carreiras constante do Anexo II-A do Acordo de Empresa aplicável à Recorrente». Conclui a ré no sentido de dever «o (…) recurso ser considerado procedente e, consequentemente, deve a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pagamento à Recorrida de um subsídio de coordenação, só assim se fazendo o que é de JUSTIÇA». 8. A ré interpôs recurso subordinado da sentença que rematou formulando as seguintes conclusões: «A. Vem o presente recurso subordinado interposto da Sentença, proferida nos presentes autos, que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Recorrente a integrar a Recorrida no nível de desenvolvimento III da categoria de jornalista redatora desde 1 de janeiro de 2022, bem como a pagar-lhe as diferenças salariais daí decorrentes, incluindo juros de mora. B. Porém, a Sentença recorrida merece reparo, devendo ser substituída por outra que absolva totalmente a Recorrente deste pedido de reenquadramento da Recorrida no nível de desenvolvimento III da categoria de jornalista-redatora, mantendo-se a mesma no atual nível de desenvolvimento II. C. A passagem de um trabalhador para um nível de desenvolvimento superior é feita atendendo a um conjunto de critérios base pré-definidos. Ou seja, não se trata de uma progressão automática, dependendo de uma análise global das necessidades da organização, estando dependente de proposta da chefia e de, como se disse, autorização do Conselho de Administração, conforme decorre da cláusula 12.ª, n.º 3 do AE (pressupostos estes que nunca se verificaram em relação à Recorrida). D. Sendo certo que, para o efeito, é necessário desenvolver, de forma consistente e significativa, todas as funções correspondentes aos níveis de desenvolvimento anteriores dessa mesma categoria (cfr. cláusula 12.ª, n.º 2 do AE), bem como o desempenho de todas as atividades previstas no nível superior. E. O que não sucede em relação à Recorrida, tal como é reconhecido na própria Sentença Recorrida, motivo pelo qual o Tribunal a quo procura justificar a conclusão retirada, afirmando que não é necessário o desempenho da totalidade das tarefas descritas em determinado nível para a integração nesse mesmo nível (apelando à suficiência do desempenho do "núcleo essencial"). F. Contudo, o Tribunal a quo não explica em que é que o conceito de "núcleo essencial" se traduz, isto é, quais as tarefas que considera fundamentais para caracterizarem esse nível de desenvolvimento. G. Por outro lado, os elementos fáticos que utiliza para justificar a integração no nível de desenvolvimento III também já fazem parte do descritivo funcional do nível de desenvolvimento II (por exemplo, a apresentação de blocos informativo, a moderação de debates, a realização de reportagens e documentários). H. Tendo decidido da forma supra exposta, a Sentença Recorrida acabou por violar, nomeadamente, as disposições convencionais, constantes do Acordo de Empresa aplicável à Recorrente, designadamente o Modelo de Carreiras constante do Anexo II-A a esse mesmo Acordo de Empresa, bem como o disposto nas cláusulas 11.ª e 12.ª desse mesmo instrumento de regulamentação coletiva de trabalho». E conclui a ré no sentido de o recurso ser considerado procedente e, consequentemente, deve a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente da integração da Recorrida no nível de desenvolvimento III da categoria de jornalista redatora». 9. A ré apresentou as suas contra-alegações ao recurso interposto pela autora. 10. A autora apresentou as suas contra-alegações aos recursos interpostos pela ré. 11. Os recursos foram admitidos por despacho datado de 10 de Março de 2025. 12. Os autos foram recebidos neste Tribunal da Relação e foi determinado o cumprimento do disposto no art.º 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho. 13. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de não dever ser concedido provimento aos recursos interpostos pelas partes. 14. Ouvidas as partes, nenhuma ofereceu pronúncia quanto ao parecer do Ministério Público. 15. Cumprido o disposto na primeira parte do n.º 2 do art.º 657.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir. * II. Objecto do Recurso Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes – art.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art.º 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado – são as seguintes as questões a conhecer, pela seguinte ordem de precedência lógica que entre elas intercede: (i) da impugnação da matéria de facto (recurso da ré apelante); (ii) da integração da autora no nível de desenvolvimento III da categoria de jornalista redatora (recurso subordinado da ré apelante); (iii) concluindo-se pela integração da autora na indicada categoria, a data em que tanto se operou (recurso da autora apelante); (iv) do subsídio de coordenação (recurso da ré apelante). * IV. Fundamentação de Facto 1. Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos: 1. Com antiguidade contada desde 1 de Julho de 1997, AA encontra-se admitida ao serviço de Rádio e Televisão de Portugal, S.A. para, no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização desta última, exercer funções inerentes à categoria profissional de ‘jornalista redactor’. 2. No âmbito deste acordo ajustado entre as partes, a Autora exerce estas funções na RTP - Centro Regional dos Açores, em Ponta Delgada e em Angra do Heroísmo. 3. Presta 36 horas semanais. 4. Recebe uma retribuição mensal fixada, no presente, em € 1.758,50, com acréscimo de outras prestações: ‘remuneração de antiguidade’, subsídio de alimentação. 5. E está enquadrada, com a categoria profissional de ‘jornalista redactor’, no ‘nível de desenvolvimento II’, escalão C. 6. A Autora tem licenciatura em Ciências da Comunicação, pela Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. 7. É titular da carteira profissional de jornalista, com o n.º 2353. 8. E é filiada no Sindicato dos Jornalistas, desde 17 de Dezembro de 1998. 9. No âmbito deste acordo ajustado entre as partes, a Autora exerce as seguintes funções na emissão de televisão da RTP Açores: a) apresenta programas informativos e modera debates sobre temas políticos, económicos, sociais e culturais; b) apresenta, de forma rotativa, com regularidade não concretamente determinada, o programa “Jornal da Tarde”; c) apresenta, nalguns fins-de-semana, não concretamente determinados, o programa “Telejornal”; d) apresenta, de forma alternada com outro jornalista, o programa quinzenal “Grande Debate”, com temas políticos e sociais; 10. Ainda no âmbito deste acordo, ao longo da vigência do mesmo, a Autora apresentou os seguintes programas televisivos: a) “Escolhas”, magazine cultural semanal; b) “Ficheiros Pessoais” c) “Azores Invite”, magazine sobre roteiros turísticos, nos anos de 2006 – 2008; d) “Estação de Serviço”, programa diário de opinião pública, pelo menos nos anos de 2011 – 2014; e) “Em Foco”, programa de entrevistas sobre ‘actualidade’, nos anos 2012 e 2013; f) “Arquipélago de Escritores”, magazine cultural, no ano de 2022; g) “Lugares da Escrita”, programa semanal de entrevista com escritores, nos anos de 2022 e 2023; h) “Açores que Futuro?”, programa de debate, no ano de 2023; i) “Debates Autárquicas”, pelo menos no ano de 2021; j) “Especial Noite Eleitoral 2021”; l) documentários / reportagens intitulados “A Base Adormecida”, “Missão Nené”, no ano de 2013, “Um Dia de Eurodeputado” e “Álamo Oliveira: 75 Anos Vida e Obra”, no ano de 2020. 11. Nos programas “Jornal da Tarde” e “Telejornal”, como ‘pivot’, a Autora: a) procede ao tratamento de informação; b) adapta os textos elaborados por jornalistas redactores à apresentação desses programas; c) prepara entrevistas; d) faz pesquisa sobre as notícias da actualidade para preparação do noticiário e apresentação em directo. 12. No programa “Grande Debate”, a Autora: a) faz pesquisa sobre o conteúdo do programa; b) dá indicações sobre o tema do programa e sobre os convidados / entrevistados que ‘melhor se enquadram’ no mesmo; c) obtém validação da indicação do tema e dos convidados / entrevistados, junto dos seus superiores hierárquicos (chefe de redacção / responsável de área / subdirector); d) entra em contacto com os entrevistados, explicando as ‘linhas’ e os ‘objectivos’ do programa e remetendo-lhes a respectiva sinopse; e) esclarece dúvidas com o realizador, repórteres e assistentes que intervêm na emissão do programa; f) elabora textos (apresentação, perguntas); g) dá indicações sobre alguma situação imprevista (ausência ou atraso de entrevistados). 13. Pelo menos nos programas “Escolhas”, “Estação de Serviço”, “Em Foco” e “Lugares da Escrita”, a Autora: a) fazia pesquisa sobre o conteúdo do programa; b) dava indicações sobre o tema do programa e sobre os convidados / entrevistados que ‘melhor se enquadravam’ no mesmo; c) obtinha validação da indicação do tema e dos convidados / entrevistados, junto dos seus superiores hierárquicos (chefe de redacção / responsável de área / subdirector); d) entrava em contacto com os entrevistados, explicando as ‘linhas’ e os ‘objectivos’ do programa e remetendo-lhes a respectiva sinopse; e) esclarecia dúvidas com o realizador, repórteres e assistentes que participavam na realização do programa; f) elaborava textos (apresentação, perguntas); g) nos locais de gravação, dava indicação à equipa de recolha de imagens sobre a ‘adequação’ destas últimas ao conteúdo do programa; h) acompanhava o editor no trabalho de pós-produção. 14. Pelo menos nos documentários / reportagens “A Base Adormecida”, “Missão Nené” e “Álamo Oliveira: 75 Anos Vida e Obra”, a Autora, para além do descrito no número anterior: a) concebeu a ideia / formato e definiu o guião / conteúdo, validando-os junto dos seus superiores hierárquicos (chefe de redacção / responsável de área / subdirector); b) criou um alinhamento que serviu de indicativo para os repórteres de imagem e assistentes. 15. Em todos os restantes programas e documentários / reportagens mencionados em 9) e 10), a Autora, pelo menos, e para além da sua apresentação, fez pesquisa sobre os conteúdos dos mesmos. 16. Na avaliação de desempenho da Autora com referência ao ano de 2008, consta que: “A colaboradora aplica competência, de forma autónoma e eficaz, no desempenho da actividade. É receptiva a novos desafios e participativa na abordagem e procura das melhores soluções. Usa de ponderação e experiência e revela segurança. Deve ser considerada a subida de Nível de Desenvolvimento, já que actua acima do ND que lhe está atribuído”. 17. Em 18 de Junho de 2023, a Autora apresentou, junto do Director da RTP Açores, uma comunicação escrita com o seguinte teor: “…venho requerer o respectivo reenquadramento (…), considerando o desempenho de competências, o currículo e a evolução profissional. (…) A funcionária cumpre com o descritivo do ND III…”. 18. Em resposta, os serviços da Ré enviaram à Autora uma comunicação escrita com o seguinte teor: “…o seu processo de reenquadramento não está incluído no Processo Global de Reenquadramentos de 2023 aprovado pelo CA, mas a análise da sua situação profissional prosseguirá em próximo processo global de reenquadramentos que se prevê que venha a ocorrer em 2024”. 19. Em 5 de Setembro de 2023, a Autora apresentou, junto do Director da RTP Açores, uma comunicação escrita com o seguinte teor: “…faço chegar o pedido de atribuição de um complemento remuneratório pelo trabalho desempenhado enquanto coordenadora do Grande Debate e pivot do Jornal da Tarde”. 20. Em período não concretamente determinado entre os anos de 2016 e 2020, a Autora, por dois anos, esteve requisitada para o exercício de funções como assessora no Governo Regional dos Açores. 21. Sem que, nesse período, fosse remunerada pela Ré. * 2. Da alteração – no sentido da sua ampliação/aditamento – da decisão de facto com recurso à prova gravada. No recurso por si interposto, procede a ré apelante à impugnação da matéria de facto, sendo seu entendimento que, à luz do depoimento da testemunha BB, deverá aditar-se aos factos provados o seguinte: «a Autora não desempenha funções de coordenação». Trata-se de matéria pela ré apelante alegada no artigo 41.º, da contestação. 2.1. O exercício de funções a que correspondam as de coordenação está subordinada ao ónus de alegação e prova por banda da parte que reclama o ou os direitos a ele associados. Isto para dizer que os factos que integram o exercício das apontadas funções de coordenação correspondem a ónus que, no caso, impende sobre a autora. Compreende-se, no entanto, que à ré, ora apelante, interesse a contraprova desses factos, daí que a pretensão que ora manifesta não fosse de desconsiderar. Seja como for e independentemente da natureza que assumam os factos integradores do exercício de funções de coordenação ou os factos que se destinem à sua contraprova, certo é que uns e outros terão sempre que se subordinar justamente à categoria de factos, por oposição a juízos conclusivos, por só aqueles poderem ser objecto de prova (art.º 341.º, do Código Civil, e art.º 410.º, do Código de Processo Civil). Embora na lei processual civil actualmente em vigor inexista preceito igual ou similar ao art.º 646.º, n.º 4, do CPC revogado, de acordo com o qual se têm «por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes», certo é que a separação entre facto e direito continua a estar, como sempre esteve, presente nas várias fases do processo declarativo, quer na elaboração dos articulados, quer no julgamento, quer na delimitação do objecto dos recursos. O direito aplica-se a um conjunto de factos que têm que ser realidades demonstráveis, não podendo, por isso, constituir, na verdade, juízos valorativos ou conclusivos. É esta, aliás, uma destrinça imposta pelo art.º 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, cuja valia se estende, por força do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo compêndio adjectivo, à elaboração dos acórdãos. Isto para dizer que também o Tribunal da Relação, ainda que chamado a pronunciar-se sobre a impugnação da matéria de facto, está impedido de fundar o seu juízo sobre afirmações constantes do elenco de facto que se traduzam em juízos valorativos ou de direito. 2.2. Aqui chegados e transpondo o que vem de ser dito à pretensão da ré apelante, estamos em crer que com mediana clareza se se intui que a sua proposta de aditar ao elenco dos factos provados um que diga que «a Autora não desempenha funções de coordenação» assume, no contexto da acção, natureza conclusiva. Possibilitar a inserção, no elenco dos factos provados, de uma tal matéria equivaleria a que nele se consentisse figurasse conceito que, no caso, constitui um dos objectos do processo e que subsiste em disputa entre as partes. O desempenho ou não de funções de coordenação terá que, por necessário, constituir um juízo a extrair dos factos, não podendo consentir-se, ponderando o objecto da causa, que no elenco dos factos provados conste matéria que, em bom rigor, dá resposta a uma das questões sobre as quais incide o dissenso das partes. Só dos factos, na sua globalidade considerados, se poderia extrair a conclusão jurídica relativa ao exercício, ou não, de funções de coordenação, daí que as mesmas, seja na sua vertente positiva, seja, como pretende a ré apelante, na sua vertente negativa, não possam ser convocadas para o elenco factual assente. Em conformidade, a matéria sugerida pela ré apelante não pode ser objecto do elenco factual provado, na medida em que assume natureza conclusiva, daí que improceda, nesta parte, o seu recurso. * V. Fundamentação de Direito 1. A primeira questão que, como vimos, urge enfrentar, prende-se com a possibilidade de à autora, também apelante, ser reconhecida a categoria de jornalista redactora nível de desenvolvimento III (recurso subordinado da ré apelante). Após, e assim concluindo, definir desde quando esse reconhecimento deverá operar-se: se desde 1 de Janeiro de 2022, como decidido na sentença da 1.ª instância, ou se desde 1 de Janeiro de 2020, como pretende a autora apelante no recurso que interpôs. 2. O lapso temporal em presença convoca, por um lado, a aplicação do Código do Trabalho de 2009, e, por outro, os instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis à relação jurídica estabelecida entre as partes. Na verdade, conforme decorre dos factos provados, a autora é titular da carteira profissional de jornalista e é filiada no Sindicato dos Jornalistas desde 17 de Dezembro de 1998 (factos provados constantes dos pontos 7. e 8.). Este Sindicato subscreveu, por seu turno, o Acordo de Empresa da ré, ora apelante, publicado no BTE n.º 36, de 29 de Setembro de 2015, com alterações publicadas nos BTE’s ns. 14, de 15 de Abril de 2019, e 45, de 8 de Dezembro de 2022. O citado AE foi globalmente revisto através de instrumento publicado no BTE n.º 33, de 8 de Setembro de 2023, tendo, também, sido subscrito pelo indicado Sindicato. 3. De acordo com o disposto no art.º 118.º, n.º 1, do Código do Trabalho, «[o] trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida actividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional». Dispõe, ainda, o n.º 2, do mesmo preceito, que «[a] actividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação colectiva ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional». O n.º 1 do dispositivo legal que de deixou transcrito consubstancia norma que a doutrina qualifica de imperativa mínima, não admitindo, por isso, modificações em sentido menos favorável ao trabalhador, permitindo, apenas, modificações num sentido inverso. Assim se compreende que, com a sua entrada numa empresa, o trabalhador não permaneça estaticamente no lugar e na categoria para o exercício da qual foi contratado, mas seja promovido a lugares ou categorias superiores. A sua ascensão na carreira ou no trabalho constitui, assim, o expoente da sua realização como trabalhador e o sinal da sua promoção humana e social. A posição do trabalhador na organização empresarial em que se insere define-se pelo conjunto de serviços e tarefas que forma o objecto da sua prestação de trabalho. Essa posição, assim estabelecida, traduz a qualificação ou a “categoria” do trabalhador e é com base nela que se dimensionam alguns dos seus direitos e garantias. Como nos refere Pedro Romano Martinez, a categoria «(...) constitui uma forma de determinar certos parâmetros aos quais o empregador se tem de sujeitar. No seu poder de concretizar a actividade, o empregador não pode adjudicar uma tarefa que esteja fora da categoria na qual o trabalhador de insere, atento o respectivo contrato de trabalho»1. A categoria assume a natureza de conceito normativo, no sentido em que circunscreve positiva e negativamente as funções a exercer em concreto pelo trabalhador, ou, noutros termos, que nela se subsumem as tarefas prometidas e se excluem actividades diferentes, e, por conseguinte, se estabelece uma relação de necessidade entre o exercício de certa função e a titularidade de certa categoria. A categoria corresponde, pois, em síntese, ao status do trabalhador na organização produtiva da empresa, qualquer que seja a sua dimensão, determinada com base numa classificação normativa e em conformidade com a posição que o trabalhador nela realmente ocupa. Tal como nos é referido pelo Prof. Menezes Cordeiro2, «(…) da categoria em Direito de Trabalho pode dizer-se que ela obedece aos princípios da efectividade, da irreversibilidade e do reconhecimento. A efectividade recorda que, no domínio da categoria-função, relevam as funções substancialmente pré-figuradas e não as meras designações exteriores; a irreversibilidade explica que, uma vez alcançada certa categoria, o trabalhador não pode dela ser retirado ou despromovido; (…) o reconhecimento determina que, através da classificação, a categoria estatuto assente nas funções efectivamente desempenhadas». Na concretização do exposto e dentro da denominada categoria-função, importa reter que a categoria profissional de um determinado trabalhador afere-se não em razão do nomen iuris que lhe é dado pela entidade empregadora, mas sim em razão das funções efectivamente exercidas pelo trabalhador, em conjugação com a norma ou convenção que, para a respectiva actividade, indique as funções próprias de cada uma, sendo elemento decisivo o núcleo funcional que caracteriza ou determina a categoria em questão. Tal como refere Maria do Rosário Palma Ramalho3, «[o] princípio básico no que toca à função do trabalhador é um princípio de substancialidade ou efectividade: a função corresponde ao conjunto de tarefas que, de facto, o trabalhador realiza e não a uma determinada designação formal; em caso de discrepância entre esta e aquelas, é a função efectiva e não a função nominal que prevalece, designadamente para efeitos da determinação do regime aplicável ao trabalhador». Situações há em que é simples aquilatar, independentemente do nome da categoria profissional atribuída ao trabalhador, o núcleo funcional a cujo cumprimento está adstrito por mor do vínculo laboral que mantém com a sua entidade empregadora e a sua associação a uma determinada categoria, isto é, aquelas situações em que é perfeitamente possível descortinar, em face daquele núcleo funcional, a sua correspectividade/correspondência a uma categoria profissional, ainda que não a que haja sido a atribuída. A realidade e as situações de facto, decorrentes da dinâmica do vínculo laboral e sua evolução ao longo do tempo – preconizadas seja pela evolução da técnica, seja pelas aptidões e experiência adquiridas pelo trabalhador –, potenciam, não raras vezes, o desencadear de situações de maior ou menor indefinição, isto é, casos em que enfrentar a tarefa de integração das tarefas numa determinada categoria profissional se revela de extrema complexidade e dificuldade, seja por os traços distintivos entre uma e outra serem, por vezes, ténues, seja porque o trabalhador exerce tarefas susceptíveis de integração em qualquer uma das categorias profissionais em confronto, sendo difícil percepcionar qual a dominante. Nestas situações, tem vindo a ser entendimento jurisprudencial que, exercendo o trabalhador diversas actividades subsumíveis a diferentes categorias, a sua categorização deve efectuar-se atendendo à actividade predominante ou, no caso de diversidade equilibrada, atender-se à que lhe é mais favorável. E, em caso de dúvida, para determinar qual a categoria profissional do trabalhador, lançar-se mão do princípio que rege em direito do trabalho, a saber, o favor laboralis4. Na verdade, tal como exposto no Acórdão do STJ de 30 de Janeiro de 201355, «[n]a determinação do concreto enquadramento do trabalhador numa determinada categoria profissional apela-se (…) à essencialidade das funções exercidas, no sentido de que não se torna imperioso que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria – tal como ela decorre da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva – mas apenas que nela se enquadre o núcleo essencial das funções efectivamente desempenhadas», salientando-se que, «exercendo o trabalhador diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deve fazer-se tendo em consideração o núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou a actividade predominante e, sendo tal diversidade indistinta, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efectivamente exercidas, ou seja, em caso de dúvida quanto à categoria profissional, a atracção deve fazer-se para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador». 4. A autora estava classificada, na ré, com a categoria profissional de ‘jornalista redactor’, no ‘nível de desenvolvimento II’, sendo sua pretensão, conforme resulta do recurso que interpôs, a sua integração na mesma categoria, mas no nível de desenvolvimento III, desde 2020. A ré, por seu turno, entende, face ao elenco dos factos provados, que à autora não deverá ser reconhecida a integração neste nível III, seja na data por si proposta, seja na data que veio a ser reconhecida na sentença proferida pelo tribunal a quo. 4.1. A cláusula 11.ª, do AE/2015, sob a epígrafe “funções desempenhadas”, estatui, no seu n.º 1, que «[o]s trabalhadores abrangidos por este acordo exercem as funções correspondentes à função tipo/categoria e nível de desenvolvimento em que estão integrados». Constitui esta cláusula princípio que não difere, em termos substanciais, do inscrito no art.º 118.º, n.º 1, do Código do Trabalho, isto é, o da necessária correspondência entre a actividade contratada e as tarefas – principais ou funcionalmente afins – que deverão ser atribuídas ao trabalhador. Na cláusula 12.ª, do mesmo AE/2015, estabelece-se, por seu turno, o modelo de evolução profissional, aí se prevendo que: «1 - A empresa compromete-se a promover a evolução profissional dos trabalhadores, enquanto fator indispensável à sua sustentabilidade e ao desenvolvimento profissional dos trabalhadores. 2 - A evolução profissional do trabalhador para um nível de desenvolvimento superior ou para outra categoria terá em consideração um conjunto de critérios base pré-definidos, designadamente: as habilitações académicas adequadas e/ou formação técnica especializada; a experiência profissional comprovada no desempenho das atividades; o reconhecimento do desempenho como consistente e significativo; e terá ainda em conta o universo dos trabalhadores abrangidos e as necessidades da organização. 3 - Sem prejuízo de, em qualquer momento, o trabalhador ter direito a solicitar a revisão da sua situação, o processo de evolução profissional deverá ser efetuado por proposta do responsável máximo da estrutura, integrando a análise de todos os critérios definidos no número anterior, que garantam a adequação do trabalhador às novas exigências profissionais. (…)». Em anexo ao citado AE surge o Anexo IIA, subordinado à temática “Modelo de Carreiras”, que, como aí dito, constitui um «instrumento de gestão que visa enquadrar o conjunto de carreiras profissionais na perspetiva de uma maior adequação à forma como a atividade é desenvolvida, à evolução do setor e mercados, ao mercado de trabalho, à multidisciplinaridade e mutação dos conteúdos funcionais. O modelo de carreiras permite definir formas de evolução profissional possíveis de serem realizadas pelos profissionais afetos à empresa e evidenciar a todos os colaboradores qual o percurso profissional proporcionado, promovendo o alinhamento entre as expectativas estabelecidas pela empresa e as individualmente geradas». O citado modelo assenta nos seguintes conceitos essenciais, também enunciado no identificado anexo: - Área de conhecimento: «[c]onjunto de funções tipo/categorias que assentam em atividades cuja natureza do trabalho e/ou complexidade e/ou nível de conhecimentos são similares»; - Função tipo/categoria: «[c]onjunto de atividades, de conteúdo, âmbito de intervenção e impacto na organização afins. No âmbito da mesma função tipo/categoria, cada colaborador poderá ser chamado a exercer atividades para as quais tenha aptidão ou que se integrem no domínio da sua especialidade. Quando dentro da mesma função tipo/categoria for identificada a existência de sub-funções a que possa ser reconhecida a natureza de especialidade, tal não inibe o exercício de atividades de outra especialidade, sendo também fator de qualificação no nível de desenvolvimento/carreira o seu exercício»; - Nível de desenvolvimento/carreira: «[o] desenvolvimento preconizado para as diferentes funções tipo/categorias reflete as necessidades da empresa em termos de: – Retenção de conhecimentos críticos; – Desenvolvimento interno de competências e conhecimentos; – Coordenação funcional. A integração num nível de desenvolvimento superior compreende o desempenho de todas as atividades descritas nos níveis de desenvolvimento inferiores»; - Formação e conhecimentos: «[c]omo componente do perfil da função, tem como objetivo identificar a formação e conhecimentos que o trabalhador deve possuir para desempenhar corretamente a função tipo/categoria no respetivo nível de desenvolvimento. Os requisitos de formação e conhecimentos indicados em cada nível de desenvolvimento são os exigidos nas admissões do exterior». Na área do jornalismo a área de conhecimento enquadra as atividades relativas à pesquisa, recolha e tratamento de informação e respetiva divulgação de peças/programas de caráter informativo. No que ora releva, o descritivo funcional da categoria de jornalista redactor é, de acordo com o citado Anexo, o seguinte: «pesquisa, recolhe, seleciona e trata informação sobre factos, acontecimentos e conhecimentos, dando-lhes forma objetiva, com vista à sua divulgação. É o responsável pela conceção e elaboração de notícias e comentários, planificação e direção de reportagens e entrevistas, nos aspetos editoriais e redatoriais de conteúdo e de forma. Efetua a apresentação de blocos e/ou programas de carácter informativo. Pode efetuar a edição do próprio material informativo, utilizando de forma autónoma os meios e tecnologias disponíveis». A citada categoria distribui-se por vários níveis de desenvolvimento, neles se surpreendendo, naturalmente, os níveis III e II, cujo descritivo é o seguinte: - Nível II - Realiza trabalho técnico numa ou várias áreas específicas de conhecimento, envolvendo a resolução de problemas complexos no âmbito da pesquisa de fontes, seleção e tratamento informativo. Pode efetuar a apresentação de blocos informativos de pequena complexidade. Possui conhecimentos técnicos para a investigação aprofundada de temas para reportagem, debate, documentário, entrevista ou qualquer tipo de programa de informação, através de fontes, instituições ou experts, com vista à realização de trabalhos jornalísticos mais elaborados. Elabora dossiers temáticos e propõe temas». - Nível III - «Realiza trabalho especializado consubstanciado no desempenho de qualquer tarefa no domínio de informação. Possui domínio de conhecimentos técnicos para o desenvolvimento e apresentação de programas informativos, mesas redondas e moderação de debates sobre temas particularmente sensíveis, nacionais ou internacionais, de natureza política, económica, social, cultural, etc. Pode dedicar-se ao tratamento de informação de uma determinada área especializada ou redigir crónicas ou documentários. Pode coordenar equipas de trabalho». 4.2. As alterações ao AE/2015, publicadas, como dito, nos BTE’s ns. 14, de 15 de Abril de 2019, e 45, de 8 de Dezembro de 2022, não introduziram, nas expostas matérias, modificação relevante para o caso que ora nos ocupa. Idêntica conclusão se retira se visto actual o AE/2023. 4.3. Nos níveis de desenvolvimento em confronto, por se integrarem na mesma categoria profissional – a de jornalista redactor – assinalam-se traços comuns, neles avultando os conhecimentos em áreas transversais da informação e o seu tratamento. Assinalam-se, também, em ambos os níveis, dimensões funcionais cujo traço distintivo, com honestidade, se não alcança, como sejam a realização de trabalho técnico e a realização de trabalho especializado, sem que se compreenda exactamente a diversidade de um e de outro, já que todo o trabalho técnico será, por natureza, um trabalho especializado. Desta feita, o trabalho técnico, de um lado, e o trabalho especializado, do outro, não se diferenciarão, neste conspecto, qualitativamente, mas antes do ponto de vista da sua abrangência, aparentando ser maior a amplitude funcional associada ao nível III: qualquer tarefa no domínio da informação, por contraposição com as tarefas do nível II, circunscritas ou vocacionadas à pesquisa de fontes, selecção e tratamento informativo. O que se nos apresenta decisivo e distintivo entre um e outro dos níveis em confronto é assinalado, na nossa perspectiva, no segundo segmento de cada um dos descritivos funcionais: ao passo que ao trabalhador do nível II estão acometidas tarefas com vista à realização de trabalhos de natureza jornalística, o que nos direcciona para tarefas que lhe servirão de suporte e de relevante apoio, já ao trabalhador do nível III estarão atribuídas tarefas que se relacionam, depois, com o seu desenvolvimento com vista à sua disponibilização e apresentação ao público, designadamente através de apresentação de programas informativos, mesas redondas e moderação de debates sobre um vasto conjunto de temáticas, o que implica não apenas o estudo do que, a jusante, é preparado pelo trabalhador do nível II, mas também, a montante, o seu tratamento, conjugação e a forma mais adequada da sua apresentação ao público, a demandar a necessária aglutinação e associação dos temas e das fontes informativas. Isto é, ao trabalhador do nível II estarão acometidas tarefas de apoio e de suporte, ainda que obviamente caracterizadas por elevado conhecimento e associadas a relevante trabalho de pesquisa e investigação, ao passo que ao trabalhador do nível III caberá, depois, dar-lhe significado e visibilidade. De sorte que ao trabalhador de nível II estejam acometidas as tarefas de elaboração de dossiers temáticos e/ou de sugestão de temáticas, isto é, tarefas que, em rigor, preparam e antecipam a sua apresentação ao público, mas que, obviamente, não dispensam, depois, a sua harmonização e conciliação, na medida em que pré-ordenadas a um determinado modelo informativo/espaço noticioso. Acresce, no nível III, a possibilidade de ao trabalhador serem atribuídas tarefas de coordenação de equipas de trabalho, o que justamente envolve o trabalho de aglutinação, tratamento e desenvolvimento da informação, tarefas estas cuja execução não surpreendemos no elenco funcional característico do trabalhador do nível II justamente porque, segundo se intui do respectivo descritivo, as suas tarefas se situam num plano de apoio ou suporte, como vimos. Também no nível III a maior autonomia que se perspectiva na possibilidade de redigir crónicas ou documentários, sem a aparente necessidade de, antes, propor a respectiva temática, o que, todavia, não apoiará a presunção de, ainda assim, não terem que ser respeitados os níveis hierárquicos que se perspectivem ou os critérios editoriais em cada momento eleitos pelo empregador. 5. Aqui chegados, é tempo, pois, de aproximar os considerandos expostos ao concreto dos autos. 5.1. O Mm.º Juiz a quo entendeu ser a autora merecedora do enquadramento profissional no nível II, da categoria de jornalista redactor, desde Janeiro de 2022. A fim de alcançar o seu juízo decisório ponderou como segue: «A Autora, na emissão televisiva da sua empregadora, para além da apresentação regular de blocos informativos (e aqui com destaque para o “Jornal da Tarde”), assegura, de forma alternada com um outro jornalista, o programa quinzenal “Grande Debate”, o qual passa, precisamente, por um debate sobre temas políticos e sociais. E afirma-se que a Autora assegura este programa (ou organiza, ou coordena), uma vez que a mesma não se limita a apresentá-lo e a moderar o debate, fazendo pesquisa sobre o conteúdo do mesmo, dando indicações sobre qual o tema e sobre quem convidar para participação em cada programa (ainda que obtendo validação junto da sua hierarquia), entrando em contacto com esses participantes, explicando-lhes o objecto do programa e remetendo-lhes a respectiva sinopse, elaborando textos (de apresentação e das perguntas a formular) e esclarecendo dúvidas com o realizador, repórteres e assistentes que também vão intervir nesta emissão, no fundo articulando todo aquele seu trabalho com as tarefas que estes últimos executam. Para além dos blocos informativos e do “Grande Debate”, e sempre de acordo com o que ficou provado, a Autora, como jornalista redactora ao serviço da Ré, já foi responsável por outros programas de debate e / ou entrevistas, “Debates Autárquicas 2021”, “Especial Noite Eleitoral 2021”, “Açores que Futuro?”, “Arquipélago de Escritores”, “Escolhas”, “Estação de Serviço”, “Em Foco”, “Lugares da Escrita”, sendo que, nalguns deles, pelo menos nestes quatro últimos, também assumiu as tarefas acima descritas, que vão para além da simples apresentação do programa e que consistem naquilo que se pode chamar de coordenação do respectivo conteúdo. Inclusivamente, já foi responsável por alguns documentários / reportagens, desde a concepção da ideia / formato até à sua apresentação, passando pela definição do seu alinhamento (ainda que, claro está, sempre com subordinação à cadeia hierárquica onde se insere): “A Base Adormecida”, “Missão Nené” e “Álamo Oliveira: 75 anos Vida e Obra”. Com toda esta actividade, a Autora, pode afirmar-se com segurança, não só preenche todo o conteúdo funcional dos níveis de desenvolvimento I e II, mas também demonstra realizar trabalho especializado em qualquer domínio de informação e possuir domínio de conhecimentos técnicos para o desenvolvimento e a apresentação (realça-se: desenvolvimento e apresentação) de programas informativos, mesas redondas e debates sobre temas especialmente relevantes e sensíveis, de natureza política, económica, social, cultural ou outra (e aqui faz-se notar o seguinte: trabalhando numa estação televisiva regional, RTP Açores, obviamente que os temas tratados nesses programas têm, antes de mais, uma abordagem regional, mas muitos deles podem ter uma amplitude nacional e até mesmo internacional, assim acontecendo seguramente com muitos dos temas tratados no tal “Grande Debate” quinzenal, da mesma forma que assim também sucedeu, pelo menos, com os debates eleitorais ou com um debate sobre o tema “Açores que Futuro?”). E com toda esta actividade, é ainda possível concluir, a Autora também demonstra poder (estar capaz de / ter competências para) dedicar-se ao tratamento de informação de uma determinada área especializada ou redigir documentários (pelo que se apura, já o fez, mais do que uma vez) e mesmo poder (estar capaz de / ter competências para) articular ou mesmo coordenar equipas compostas por outros profissionais. Em suma, de uma forma que se considera regular, efectiva, predominante, a Autora exerce um conjunto de tarefas ou funções que preenche, pelo menos, o núcleo essencial, não só dos níveis de desenvolvimento I e II, mas também do nível de desenvolvimento III – das acções, das competências e dos conhecimentos que aí estão tipificados. Esta é, pois, a primeira conclusão a que o Tribunal chega: AA exerce, como jornalista redactora, tarefas ou funções correspondentes ao nível de desenvolvimento III, devendo ser enquadrada neste nível de desenvolvimento». 5.2. Afiguram-se-nos acertadas e congruentes, para além de suportadas pelo elenco dos factos provados, as considerações tecidas pelo Mm.º Juiz a quo. Sendo evidente que do elenco dos factos provados é possível recortar-se realidade capaz de integração em ambos os níveis em confronto, é também para nós evidente que as tarefas desempenhadas pela autora, também ora apelante, não se circunscrevem às de pesquisa de fontes, sua selecção e seu tratamento informativo, indo, seguramente, para além disso, conforme evidenciado pelas alíneas b), c), d), e), f) e g), do facto provado sob o ponto 12., alíneas b) a h), do facto provado sob o ponto 13., e alíneas a) e b), do facto provado sob o ponto 14., para além das que genérica e predominantemente resultam do facto provado constante do ponto 9.. A abrangência das tarefas que desempenha e a sua transversalidade são aptas, assim, a caracterizar a exigência pressuposta pelo descritivo enunciado para o nível III de desenvolvimento, qual seja o da realização do trabalho especializado em qualquer tarefa no domínio da informação, que não apenas, como dito, as que se reportam às de pesquisa de fontes, sua selecção e seu tratamento informativo. Isto por um lado. Por outro, e embora seja claro que o trabalho da autora, ora apelante, é, também ele, um trabalho de apoio e de suporte com vista à realização de trabalhos jornalísticos, no fundo, um trabalho com vista à sua preparação, é inevitável também reconhecer que é a autora quem, depois, o concretiza, designadamente por via do desenvolvimento e apresentação dos múltiplos programas de cariz informativo e de debate que constam do elenco dos factos provados. E se é verdade que no descritivo funcional do nível II de desenvolvimento consta a possibilidade de apresentação de blocos informativos de pequena complexidade, não menos verdade é que a estruturação desta tarefa, tal como ali desenhada, não constitui o seu cerne, do mesmo passo que se associa a blocos informativos de pouca complexidade. E embora o descritivo funcional não nos diga o que se deva entender por “blocos informativos de pequena complexidade”, seguramente que a eles se não poderão, de todo, associar blocos informativos que se traduzam na necessidade de tratar e desenvolver uma quantidade significativa de informação – como sucederá com a apresentação de telejornais ou jornais –, ou de preparação de programas informativos com envolvimento de múltiplos personagens – como sucederá com programas de debate – ou de apresentação de blocos informativos que exijam o tratamento e o desenvolvimento de informação na hora e com forte componente de imprevisibilidade, como sucederá como programas destinados a acompanhar, por exemplo, noites eleitorais. O mesmo é dizer, pois, que as tarefas de apresentação, designadamente de programas informativos, levadas a cabo pela autora, descritas no elenco dos factos provados, não se traduzem, por um lado, em tarefas que possamos reputar de pequena complexidade, e, por outro, não constituem tarefas cuja possibilidade de desempenho, por vezes, ocorra. Seja a complexidade das tarefas associadas à apresentação de blocos informativos ou programas informativos, seja a sua regularidade e essencial predominância, seja, por fim, a apresentação de outra tipologia de programas (debates sobre temas políticos, económicos, sociais e culturais), associam-se ou são típicas do nível III de desenvolvimento, afastando, assim, possibilidade de enquadramento da autora no nível II. Por outro lado, os vários programas cuja preparação e apresentação a autora teve e terá a seu cargo evidenciam não apenas um vasto domínio técnico em várias áreas da informação e da comunicação, mas também uma amplitude funcional e temática dificilmente reconduzível ao nível II de desenvolvimento, que, com todo o respeito, não nos parece susceptível de afastamento por virtude de a autora estar alocada a uma estação televisiva de âmbito regional. Por outro lado, ainda, a considerável autonomia que a autora denota ter com referência à indicação de temas dos programas e indigitação, por exemplo, de convidados, a par da elaboração de textos e preparação de questões, dificilmente se poderão reportar a meras propostas. A validação dessas indicações será pressuposta pelos níveis hierárquicos que se perspectivem e estará subordinada a critérios editoriais eleitos pelo empregador, mas não afastam a considerável autonomia detida pela autora. Por fim, a coordenação de equipas de trabalho, embora não constitua o âmago do descritivo funcional do nível III de desenvolvimento, reconduzir-se-á a tarefas de organização de meios e pessoas e resolução de questões que podem surgir no decurso do desempenho da actividade jornalística, estando, no nosso ver, evidenciadas no contexto das alíneas e) e g), do facto provado 12., e e) e g), do facto provado 13., sendo de salientar que esta tipologia de tarefas não encontra respaldo no elenco do descritivo funcional do nível II de desenvolvimento. O que se deixa dito consente, pois, como já anunciado, a integração da autora no nível de desenvolvimento que, por via da presente acção, reclamou, sendo, ainda, de salientar que embora a predominância das tarefas que se lhe associam se infiram, de modo claro, dos factos provados, mormente dos que genericamente constam do ponto 9., sempre a uma tal conclusão não obstaria a dúvida que porventura existisse entre a predominância dessas tarefas quando em comparação com as tarefas que se mostrem inscritas no nível de desenvolvimento II. É que, como dissemos, em caso de dúvida que se suscite nesse contexto, seja em termos qualitativos, seja em termos quantitativos, a aproximação há-de ser feita ao nível/categoria mais elevado ou que mais beneficie o trabalhador. A ré apelante suscita no recurso subordinado que interpôs – bem como nas contra-alegações que apresentou ao recurso interposto pela autora – a circunstância de a progressão dos seus trabalhadores na organização estar dependente não apenas de procedimento interno, no qual avulta a proposta do responsável máximo da estrutura e a subsequente autorização do Conselho de Administração, mas também da avaliação e ponderação de critérios vários que têm em vista não apenas as necessidades da empresa mas também a salvaguarda do princípio da equidade entre os vários trabalhadores. Apela, para o efeito, ao disposto nas cláusulas 11.ª e 12.ª, do AE, e à circunstância de autora não reunir os pressupostos dos quais depende a sua progressão. Ora, o AE aplicável impõe, na sua cláusula 11.ª, n.º 1, que o trabalhador exerça, de facto, as funções correspondentes à função tipo/categoria e nível de desenvolvimento em que está integrado, imposição esta que a ré apelante deve fazer cumprir ao longo da execução do contrato de trabalho. Todavia, seja por apelo a esta cláusula, seja por apelo ao já citado art.º 118.º, n.º 1, do Código do Trabalho, não é o nome da categoria que, pelo empregador, é atribuído ao trabalhador, ou, neste caso, o nível da categoria, que é decisivo do ponto de vista do enquadramento, mas antes as funções que efectivamente o trabalhador exerça, o que significa que o empregador não pode escudar-se no enquadramento profissional que eleja para afastar aqueloutro que se imponha na economia da execução do vínculo. Doutro passo e embora o AE/2015 – e também o de 2023 – prevejam, de facto, um procedimento interno, tanto não pode ter por significado impedir o trabalhador, em caso de inércia do empregador, de, pelos meios que tem ao seu dispor, designadamente o recurso ao meios judiciais, a solicitação do seu correcto enquadramento profissional. Os factos provados dão nota, aliás, que a autora, em Junho de 2023, solicitou o seu reenquadramento no nível que ora reclama (facto provado constante do ponto 17.), sem que se vislumbre que a apelada haja, a esse propósito, analisado os pressupostos dos quais o mesmo dependeria, limitando a sua resposta ao que consta do facto provado sob o ponto 18.. Do que vem de ser dito decorre, pois, que a ré apelante não pode prevalecer-se da ausência de procedimento interno e da avaliação dos critérios que se lhe associam para impedir ou obstar ao exercício do direito por parte da autora, sob pena de ficar na sua exclusiva esfera de decisão o seu – da autora – enquadramento profissional, estando este que estar, como não poderá deixar de estar, depende de uma análise substancial das funções e, por conseguinte, ser independente de qualquer perspectiva procedimental. Do ora exposto resulta, pois, que terá que improceder o recurso subordinado da ré apelante, mantendo-se o decidido pela 1.ª instância quanto à integração da autora no nível de desenvolvimento III, da categoria de jornalista redactora. 6. A autora apelante, insurgindo-se contra a sentença proferida pelo tribunal a quo, entende que a integração no nível III, da categoria de jornalista redactora, deverá recuar a Janeiro de 2020, 6.1. O Mm.º Juiz a quo reconheceu à autora, apelante, como vimos, o enquadramento na categoria de jornalista redactora nível de desenvolvimento III. Esse reconhecimento, contudo, reportou-se à data de Janeiro de 2022. A fim de assim decidir, o Mm.º Juiz a quo prevaleceu-se da seguinte argumentação: «A Autora alega que esta integração no nível III deve reportar-se à data de 1 de Janeiro de 2008. O único facto apurado que nos leva a essa data é a avaliação de desempenho desta trabalhadora com referência a esse ano, na qual é declarado, para além do mais, que “Deve ser considerada a subida de Nível de Desenvolvimento, já que actua acima do ND que lhe está atribuído”. No presente entendimento, este facto, por si só, não determina (ou não determinaria) a integração da Autora num nível de desenvolvimento superior, sendo o mesmo manifestamente insuficiente para tal. Haverá, mais uma vez, que analisar, de acordo com os factos provados, as funções desempenhadas pela Autora, os conhecimentos e as competências que a mesma foi mostrando ao longo do tempo e qual o enquadramento temporal a dar a tudo isso, densificando esta matéria com base em critérios de constância, regularidade e efectividade. Neste sentido, e sem que se tenha apurado desde quando, em concreto, a Autora ‘faz’ o “Grande Debate”, o que é possível verificar, atendendo aos outros programas atrás destacados nos quais a Autora trabalhou (e nas condições materiais em que o fez), é que alguns deles remontam aos anos de 2011 (“Estação de Serviço”), 2012 (“Em Foco”) e 2013 (documentário / reportagem “Missão Nené”), mas todos os restantes, de uma forma mais constante e significativa, fazendo evidenciar uma maior consistência, foram realizados a partir de 2020, 2021, 2022: “Álamo Oliveira: 75 anos Vida e Obra”, em 2020, “Debates Autárquicas 2021” e “Especial Noite Eleitoral 2021”, “Lugares da Escrita”, em 2022 e 2023, “Arquipélago de Escritores”, em 2022, “Açores que Futuro?”, em 2023. E isto tendo igualmente presente que a Autora, por um período de dois anos entre 2016 e 2020, até esteve sem exercer funções ao serviço da Ré, por se encontrar, na altura, requisitada ao serviço de uma entidade terceira. Ponderando todos estes dados, o Tribunal entende que a integração da Autora no nível de desenvolvimento III, embora justificada e legítima, não deverá ser reconhecida em momento anterior ao ano de 2022, fixando-se a mesma no dia 1 de Janeiro deste ano (2022), mantendo-se, tomando como referência Junho de 2024, nesse nível de desenvolvimento (III), escalão A». 6.2. As considerações em que assenta o juízo alcançado pela 1.ª instância merecem, na medida em que amparadas nos factos provados, a nossa total anuência. A autora apelante não pode olvidar que, impendendo sobre si o ónus probatório dos factos constitutivos do direito que reclama na acção, caber-lhe-ia, por conseguinte, demonstrar que, no ano de 2020, as tarefas integradoras da categoria e nível reclamados assumiam natureza consistente e significativa. Ora, de acordo com os factos provados, a autora esteve, entre os anos de 2016 e 2020, requisitada para o exercício de funções como assessora no Governo Regional dos Açores (facto provado constante do ponto 20.), o que tem por efeito a impossibilidade de se poder fazer recuar ao início do ano de 2020 o exercício de funções integradoras da categoria e nível reclamados, uma vez que se desconhece quando, no ano de 2020, a autora apelante retomou as suas funções. Neste ano de 2020, aliás, desconhecendo-se o dia ou o mês, apenas se surpreende, nos factos provados, a apresentação de dois programas. Compreende-se, por isso, o apelo ao exercício consistente e significativo do exercício das funções integradoras da categoria e nível reconhecidos à autora apelante apenas a partir do início do ano de 2022, o que encontra arrimo na maior intensidade dos programas apresentados a partir de então, a par da consistente e regular apresentação de blocos informativos como sejam o Jornal da Tarde, o Telejornal ou o Grande Debate e das tarefas que se lhes associam. Não merece, pois, pelo que se deixa dito, qualquer reparo a decisão da 1.ª instância, improcedendo, assim, a apelação da autora. 7. Resta a apreciação do recurso interposto pela ré, cujo objecto se circunscreve à, no seu ver, impossibilidade de à autora poder ser atribuído o subsídio de coordenação. A apelante sustenta a sua pretensão na seguinte ordem de razões: em primeiro lugar, por entender que a autora, ora apelada, não exerce funções de coordenação; em segundo lugar, e assim não se entendendo, não ser devido o subsídio em virtude de na categoria na qual se integra estar prevista a possibilidade do exercício de tais funções, donde a impossibilidade de do seu exercício poder derivar o pagamento de uma prestação autónoma. 7.1. Na sentença da 1.ª instância foi também a apelante condenada no pagamento do subsídio de coordenação desde 1 de Janeiro de 2022. O juízo decisório assentou na seguinte ponderação: «o Tribunal considera que a Autora, para além do mais, pode coordenar equipas de trabalho, reúne conhecimentos e competências para o fazer, preenchendo, desta forma, aquele último pressuposto material para a integração no nível III. Essa capacitação da Autora é verificável na articulação que a mesma tem vindo a fazer com outros serviços e com outros profissionais da empresa na emissão de determinados programas televisivos, no fundo na coordenação que assume do conteúdo desses programas, com a sua intervenção na escolha dos temas e dos convidados, com o prévio contacto com os mesmos, com o contacto que também estabelece com o realizador, com os repórteres e com os assistentes intervenientes, nalguns casos mesmo com a definição de um alinhamento que serve de indicativo para estes profissionais, muito para lá, portanto, da simples apresentação do programa. De acordo com aquilo que é possível perceber, AA é uma jornalista sénior, dotada de experiência, conhecimentos e competências que, em conjunto com alguns trabalhos que já fez e continua a fazer, permite, no entendimento deste Tribunal, e pelo menos desde Janeiro de 2022, a sua integração no nível de desenvolvimento III, preenchendo todos os requisitos materiais para tal. Inclusivamente o requisito ‘poder coordenar equipas de trabalho’. Ora, este subsídio de coordenação, nos termos definidos no Acordo de Empresa, é destinado, precisamente, a quem exerça funções de coordenação (ou chefia funcional), nos termos ora definidos, razão pela qual, nesta parte, o pedido da Autora é também julgado procedente, ainda que parcialmente, sendo-lhe fixado este subsídio de coordenação, mas apenas a partir de 1 de Janeiro de 2022». 7.2. Também nesta sede não vimos razão objectiva para nos afastarmos do juízo decisório da 1.ª instância. A apelante, para além de ter visto soçobrar a sua pretensão de ver ampliada a matéria de facto, nada mais alegou, no seu recurso, apto a sindicar a decisão do tribunal a quo. E vista a matéria de facto, aponta o que, para além do mais, dela consta nas alíneas e) e g), do facto provado 12., e e) e g), do facto provado 13. para o exercício de funções que, desempenhadas pela apelada, se reconduzem às de organização de meios e pessoas e resolução de questões que podem surgir no decurso do desempenho da actividade jornalística, assim se evidenciando, na economia da sua prestação, o exercício de tarefas de coordenação. Por outro lado, a cláusula 38.º, n.º 6, do AE/2015, cuja redacção se manteve no AE/2023, ao estabelecer que «os trabalhadores que exerçam funções de coordenação ou de chefia funcional auferirão um subsídio nos termos de regulamento próprio» não faz depender a sua atribuição da previsão, no descritivo funcional, da possibilidade de exercício ou não dessas funções. Isto é, não se exclui o seu pagamento a trabalhadores integrados em categorias ou níveis que prevejam a possibilidade de exercício de funções de coordenação ou de chefia, de sorte que onde as partes que subscreveram os sucessivos AE’s aplicáveis não distinguiram também a nós, a quem cabe a interpretação e aplicação do clausulado, não cabe distinguir. Em síntese, exercendo a apelada funções reconduzíveis às de coordenação e prevendo o AE que a elas se associe o pagamento de um subsídio, nada há a apontar ao juízo decisório alcançado na 1.ª instância, o que tem por efeito o soçobrar da pretensão da ré apelante. 8. A autora apelante, na medida em que ficou vencida no recurso que interpôs, é responsável pelas respectivas custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Também a ré apelante, porque ficou vencida nos recursos – principal e subordinado – que interpôs, é responsável pelas respectivas custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). * VI. Dispositivo Por tudo quanto se deixou exposto, nega-se provimento aos recursos interpostos pela autora e pela ré, confirmando-se, na íntegra, a sentença da 1.ª instância. * As custas do recurso interposto pela autora sobre si recaem; as custas do recurso principal e do recurso subordinado interpostos pela ré são da sua responsabilidade. * Lisboa, 28 de Maio de 2025 Susana Martins da Silveira Alda Martins Manuela Fialho _______________________________________________________ 1. Direito do Trabalho I, Lisboa, 1994/1995, págs. 360 e 361. 2. Manual do Direito do Trabalho, Almedina, 1994, págs. 669. 3. In, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 5.ª Edição, Almedina, 2014, pág. 460. 4. Cfr., neste sentido, a mero título exemplificativo, o Acórdão do S.T.J. de 9 de Junho de 1998, in, CJ, Ano VI, Tomo II, págs. 287-289; o Acórdão do S.T.J. de 20 de Março de 2002, proferido no processo nº 02S3060; o Acórdão do S.T.J. de 24 de Outubro de 2002, proferido no processo nº 02S2508, estes dois últimos arestos acessíveis em www.dgsi.pt. 5. Proferido no Processo n.º 77/06.5TTLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt. |