Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6150/23.8T8SNT-A.L1-7
Relator: DIOGO RAVARA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
NÃO PAGAMENTO DA RENDA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
REDUÇÃO DA RENDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- O contrato de arrendamento, mesmo quando acompanhado da comunicação a que alude o art. 14º-A, nº 11 do NRAU não constitui título executivo relativamente à indemnização referida no art. 1041º, nº 1 do Código Civil Adiante designado pela sigla “CC”..
II- No contexto de um contrato de arrendamento para habitação, a invocação da exceção de não cumprimento por parte do inquilino para sustentar a recusa do pagamento da renda pressupõe a demonstração da total impossibilidade de residir no locado, por falta de condições de habitabilidade do mesmo.
III- Não se verificam os pressupostos da mencionada exceção se se demonstrou que não obstante a verificação de deficiências no locado, o inquilino ali se manteve a residir.
IV- Para que a exceptio non adimpleti contractus prevista nos arts. 428º a 431º do CC possa operar, é necessário que exista um nexo ou relação de correspetividade entre as prestações em causa (sinalagma) e ainda, à luz dos ditames da boa- fé (art. 762º nº 2 CC), exista uma relação de proporcionalidade ou equilíbrio entre a infração contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a exceção.
V- O mecanismo da redução da renda, previsto no art. 1040º do CC. constitui uma manifestação especial da exceção de não cumprimento.
VI- A aplicação de tal mecanismo depende da iniciativa do locatário, não podendo ser oficiosamente determinada pelo Tribunal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A  veio deduzir embargos de executado por apenso à execução para pagamento de quantia certa que B e C haviam intentado contra si, e que corre termos no Juízo de Execução de Sintra (Juiz 4) sob o nº 6150/23.8T8SNT.
No requerimento executivo, os exequentes consignaram o que segue:
“II - DA LEGITIMIDADE
1. Os Exequentes são donos e legítimos proprietários do prédio urbano, destinado a habitação, sito em Casal da Beloura, limites do Linhó, lote …., freguesia de Sintra (S. Pedro de Penaferrim), concelho de Sintra, composto de moradia de cave, rés-do-chão e primeiro andar, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o número …, da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de Sintra (S. Maria e S. Miguel, S, Martinho e S. Pedro de Penaferrim) sob o artigo ..., com a aquisição registada a seu favor naquela Conservatória pela inscrição correspondente à Apresentação … de 09/02/2021 (vide Doc. 1 e Doc. 2, que se juntam e cujo teor se dá por integralmente reproduzido). 2. A aquisição do identificado imóvel pelos Exequentes teve lugar mediante a celebração de escritura pública de dação em cumprimento, lavrada a 09/02/2021, de folhas cento e trinta e cinco a folhas cento e trinta e seis verso do livro de notas para escrituras diversas número …, do Cartório Notarial sito na …, em Lisboa, a cargo da Notária … (vide Doc. 3, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido). 3. O Executado é arrendatário do ora mencionado prédio urbano, nos termos do contrato de arrendamento celebrado a 01/09/2020, com os então proprietários B e C, contrato esse que tem a duração de três anos, automaticamente renovável no seu termo por períodos de um ano, tendo o seu início a 01/09/2020 e termo a 31/08/2023 (cfr. Doc. 4, que se junta e cujo integral teor se dá por reproduzido). 4. A transmissão da posição contratual do senhorio por ato inter vivos foi comunicada via e-mail ao Executado em 19/02/2021 e nessa mesma data confirmada a respetiva receção por aquele (vide Doc. 5, que se junta e cujo integral teor se dá por reproduzido).
II - DO TÍTULO EXECUTIVO
5. Estabelece o artigo 703.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC), que constituem título executivo “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”.
6. Deste modo, o contrato de arrendamento dado à execução, acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário, aqui Executado, do montante em dívida, constitui-se em título executivo, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º-A, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (vide Doc. 6, que ora se junta e cujo integral teor se dá por reproduzido). 7. A comunicação dirigida ao arrendatário para o informar dos valores em dívida derivados de rendas obedeceu à forma estipulada entre as partes no n.º 1 da Cláusula Nona do contrato de arrendamento junto, isto é, carta registada com aviso de receção.
arrendamento junto, isto é, carta registada com aviso de receção. 8. Ainda nos termos da supramencionada cláusula, as partes convencionaram que o domicílio do arrendatário é a morada do locado.  
III - DO CRÉDITO
9. O Executado é arrendatário dos Exequentes, conforme acima mencionado, tendo para tal celebrado contrato de arrendamento através do qual ficou adstrito ao pagamento da renda mensal no valor de € 3.000,00 (três mil euros), sendo a liquidação de tal valor efetuada trimestralmente, no primeiro dia útil do mês correspondente ao início de cada novo período de três meses, por depósito ou transferência bancária para a conta com o IBAN ..., do Novo Banco, S.A. (cfr. Cláusula Terceira, n.º 1 do contrato de arrendamento ora junto e Doc. 5). 10. Sucede que, desde o mês de outubro do ano transato que o Executado deixou de cumprir com esta obrigação, estando em dívida o pagamento das rendas dos meses de outubro, novembro e dezembro do ano de 2022, bem como dos meses de janeiro, fevereiro e março do ano de 2023. 11. Apesar de devidamente interpelado para o efeito (vide Doc. 6), o Executado mantém-se em mora para com os Exequentes, encontrando-se presentemente em dívida o valor total de € 18.000,00 (dezoito mil euros), correspondente a:
A)   Rendas dos meses de outubro, novembro e dezembro de 2022, à razão de € 3.000,00 (três mil euros) mensais, perfazendo a quantia de € 9.000,00 (nove mil euros), com vencimento a 03/10/2022;
B)   Rendas dos meses de janeiro, fevereiro e março de 2023, à razão de € 3.000,00 (três mil euros) mensais, perfazendo a quantia de € 9.000,00 (nove mil euros), com vencimento a
02/01/2023.
12.  A interpelação enviada ao Executado em 14/02/2023 foi deliberada e conscientemente ignorada pelo mesmo, pelo que é de concluir que tal atitude demonstra uma total falta de interesse daquele na resolução extrajudicial do presente litígio, forçando os Exequentes a recorrer à via judicial.
13.  À quantia em dívida a título de capital acresce ainda o valor de € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros), relativo a indemnização igual a 20% do valor em dívida, nos termos do artigo 1041.º, n.º 1 do Código Civil, bem como € 261,37 (duzentos e sessenta e um euros e trinta e sete cêntimos) a título de juros moratórios. 14. Pelo que, o Executado é devedor da quantia total de € 21.861,37 (vinte e um mil oitocentos e sessenta e um euros e trinta e sete cêntimos). 15. A este valor acrescem ainda juros moratórios vincendos, calculados à taxa legal em vigor, até ao efetivo e integral pagamento da quantia em dívida, liquidados a final pelo Agente de Execução, nos termos do artigo 716.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. 16. A dívida é certa, líquida e exigível.
IV - DA COMPETÊNCIA
17. Visto que o local de cumprimento da obrigação relativa ao pagamento das rendas é o domicílio do Executado situado no concelho de Sintra, este é o tribunal territorialmente competente (artigo 89º, nº 1 do CPC).”
A execução embargada tem por título executivo um contrato de arrendamento celebrado entre a anterior proprietária do imóvel mencionado no requerimento executivo e os executados.
Na petição de embargos os embargantes invocaram os seguintes fundamentos:
i. Exceção de não cumprimento – arts. 1 a 49;
ii. Falta de título executivo relativamente à quantia peticionada a título de indemnização a que se reporta o art. 1041º, nº 1 do Código Civil – arts. 50 a 66.
Recebidos os embargos, e notificado os embargados, estes contestaram, impugnando os factos e conclusões de Direito invocados pelos embargantes, e pugnando pela improcedência dos embargos, e consequente prosseguimento da execução.
No desenvolvimento da causa, realizou-se a audiência prévia, e ulteriormente a audiência final, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Termos em que, face ao exposto, julgo os presentes embargos parcialmente procedentes, por provados e, em consequência, determino o prosseguimento da execução, mas apenas para cobrança da quantia de €9.000,00.
Custas pelo embargante e pela embargada, na proporção do respetivo decaimento (art. 527.°, n.°s 1 e 2).”
Inconformados, os embargados interpuseram o presente recurso de apelação, cuja motivação sintetizaram nas seguintes conclusões:[1]
1 - Não se pode entender a decisão recorrida por a mesma ser absolutamente contrária à Lei e ao espirito do Legislador. 
2 – O MmºJuiz a quo, utilizou a forma mais simplista de resolver uma contenda decidindo “dividir o mal pelas aldeias”, ou seja, assumiu o lugar de Salomão na sua conhecida sentença. 
3 - A questão a resolver e corrigir agora resume-se apenas a saber se pode o inquilino decidir unilateralmente deixar de pagar as rendas de um locado, invocando que o mesmo não tem condições de habitabilidade e salubridade plenas aí mantendo a sua residência e do seu agregado familiar e se não substituiu à senhoria na efetivação de obras.
A resposta só pode ser negativa porque se o locado não tem condições então mostra-se impossível alguém ali residir.
4 - Não se diga que a falta de pagamento constitui exceção de não cumprimento. É que a Lei consagra expressamente mecanismos para resolver a questão, mecanismos que não passam nunca pela falta de  pagamento puro e simples.
A existir caso de cumprimento parcial ou defeituoso é doutrina e jurisprudência dominantes que, apesar da perda da sua eficácia compulsiva, a exceptio deverá ser invocada proporcionalmente à qualidade/quantidade do incumprimento, sob pena de estarmos perante um exercício abusivo.
5 - No caso concreto o embargante tomou unilateralmente a decisão de suspender unilateralmente o pagamento das rendas. Mas, continuou a habitar o imóvel o que torna legitima a conclusão de que as deficiências, a existirem, não assumiam gravidade suficiente para impedir a habitabilidade ou, pelo menos, não frustraram a utilidade do imóvel para o efeito contratual. Até e também porque não alegou situação de urgência das alegadas obras. 
6 - No caso dos autos, ficou documentalmente provado que, aquando do início do arrendamento, foi concedido aos embargantes um mês de carência de renda para que fossem efetuadas obras de reparação no imóvel. Obras essas que foram então identificadas, delas não constando aquelas que os embargantes vieram agora invocar como indispensáveis. Tais obras nunca foram realizadas nem, por isso, apresentadas as inerentes faturas. 
7 - Em 2020, os embargados concederem um mês de isenção de pagamento de renda para que fosse solucionado o problemas de infiltrações e, no final 10 desse ano adquiriram para o locado um desumidificador. 
Em 2021 e 2022, procederam às reparações das deficiências então identificadas. Ou seja, portaram-se como pessoas de bem e sempre se mostraram disponíveis para facultarem pleno e adequado gozo do locado.   
O embargante, por seu lado, não fez quaisquer obras no locado, limitando-se a reivindicá-las e a deixar de pagar a renda. 
8 - O caminho do embargante seria o de cumprir a Lei, ou seja, cessar por sua iniciativa o contrato de arrendamento e exigir a devolução da caução, mas nunca manter-se no gozo do locado sem pagar renda, ou estaria descoberta a maneira de qualquer inquilino alegar vícios ou defeitos e, com a simples alegação passar a residir de forma gratuita no locado. 
9 - Deparando-se o inquilino, ora embargante, com vícios que ponham em causa a sua saúde ou a falta de condições de habitabilidade e por isso existindo necessidade de realização de obras a Lei confere-lhe os seguintes direitos/ deveres: 
a) Dever de avisar imediatamente o senhorio sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa a fim de ele realizar as obras necessárias - 1038 al. h) e 1074 n.º 1 do CC e artigo 2.º n.º 1 do RJOPA; 
b) Caso o senhorio não cumpra tem direito a solicitar ao município a sua intimação para a sua realização ou proceder à realização coerciva das obras 11
- artigo 2.º,  n.º2 do RJOPA;
c)    Tratando-se de reparações urgentes se depois de avisado o senhorio as não realizar, pode o locatário fazê-las extrajudicialmente, com direito ao reembolso/ compensação no valor das rendas- artigo 1036.º e 1074.º do CC e artigo 22.º-A e seguintes do RJOPA.
d)    Perante uma diminuição do gozo do imóvel poderá reduzir o montante da renda em proporção à diminuição- artigo 1040.º do CC
e)    Mover ação executiva para prestação de facto- artigo 868.º e seguintes do CPC 
f)    Resolver o contrato- artigo 1050.º do CC.
Ora, nada disto o embargante optou por fazer!
10   - É deveras estranho que alguém alegue que o locado acarreta graves problemas para a sua saúde e especialmente dos seus filhos ao ponto de, alegadamente, lhe causarem vómitos e, ainda assim, decidir manter-se no locado. É do senso comum que não põe em perigo a sua saúde e, menos ainda, a de seus filhos. E, estamos em face de um inquilino com capacidade económica para pagar 3.000,00 euros de renda podendo por isso, facilmente, optar por mudar de residência.  
11   - Há que avaliar se falta de condições de habitabilidade do locado é fundamento para a existência ou exigibilidade do pagamento da renda. E 12 ainda, se estamos perante uma situação como alegado de exceptio non rite adimpleti contratus ou um cumprimento defeituoso do contrato. 
12   - A exceção do não cumprimento constitui uma disposição geral que se aplica a qualquer contrato e ao contrato de arrendamento a Lei atribui regras específicas. 
13- No contrato de arrendamento são obrigações do senhorio e do inquilino, respetivamente proporcionar o gozo do locado de acordo com os fins que este se destina e a de pagar renda cfr. art. 1031.º al. b) e art. 1038.º al a) do CC. É ainda obrigação do senhorio de acordo com o art. 1032.º do CC que o imóvel não apresente vício que não permita realizar cabalmente o fim a que este é destinado, nem que o locado carece de qualidades necessárias ao seu fim devendo ser asseguradas pelo locador, sob pena de o contrato de arrendamento se considerar não cumprido. 
14 - O embargante pretendeu usar o mecanismo da compensação não tendo todavia exercido a faculdade que lhe era conferida pelo artigo 1040º do CC - redução do valor da renda por privação do uso do locado. Antes pretendeu ver compensado o valor do alegado prejuízo causado com as alegadas patologias do locado com o valor das rendas que não pagou. Ou seja, pretendeu extinguir a sua obrigação de pagamento das rendas com a compensação do seu crédito decorrente dos alegados prejuízos sofridos.  15 - A norma especial do artigo 1074.º do CC afasta a aplicação do regime geral da compensação.
16   - Emerge do regime específico da locação que o embargante apenas poderia extinguir a sua obrigação do pagamento das rendas caso se tivesse adiantado (e substituído ao senhorio) com a realização das obras, o que não fez.  
17   - Se o locatário por motivos que lhe sejam estranhos, sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta nos termos do artigo 1040.º n.º1 do CC, o que não foi efectuado ou mesmo pedido no caso dos autos. 
18   - Perante os vícios no locado, a não realização de obras por parte do locador concedia ao locatário duas vias de tutela: ou arrogar-se o direito de reduzir a renda proporcionalmente ao tempo da privação ou à extensão desta (artigo 1040.º n.º 1 do CC) ou realizar ele próprio as obras desde que urgentes, podendo efectuar posteriormente a compensação do seu crédito pelas despesas com a realização dessas obras com a obrigação de pagamento da renda (artigos 1074 n.º 3 e 1036.º do CC)
19 - A jurisprudência a este propósito é abundante e toda no mesmo sentido sendo relevante aquela que supra vai identificada e que se dá por reproduzida.”
Remataram as suas conclusões nos seguintes termos:
“(…) deverá ser dado provimento ao presente recurso substituindo - se a sentença recorrida por outra que tenha em atenção tudo o aduzido nas presentes alegações e, assim, prosseguir a execução para pagamento da totalidade da quantia exequenda e legais acréscimos (…)”
O apelado apresentou alegações, que sumariou nas seguintes conclusões:

a) A decisão que julgou os embargos parcialmente procedentes, por provados, determinando o prosseguimento da execução para cobrança de 50% do valor das rendas peticionadas enquanto quantia exequenda, encontra o devido respaldo na lei, nomeadamente no n.º 1 do artigo 1040.º do CC.
b) Neste caso, e conforme resulta da matéria de facto dada como provada, o motivo para a redução da renda não é imputável nem ao locatário nem aos seus familiares.
c) O contrato de arrendamento foi acertado entre as partes logo prevendo, no seu texto, que iria necessária a realização de diversas obras de reparação no locado.
d) De outro passo, pouco depois do Recorrido e da sua família terem ido residir para o imóvel, começaram logo a manifestar-se diversos defeitos, como o fossem humidades no interior da casa (que se agravaram ao longo do tempo e provocaram a formação de fungos) e uma fossa séptica no seu interior, na cave.
e) Houve uma clara privação/diminuição do gozo da coisa locada (imóvel) por motivo não atinente ao locatário ou aos seus familiares.
f) Tal privação/diminuição é claramente imputável ao locador, atenta a tipologia dos problemas que foram surgindo (e que nunca foram devidamente solucionados pelo locador) e o facto de ter sido verificada a inaptidão do locado para fins habitacionais, face à inadequação e legalidade das edificações constatada pela Câmara Municipal de Sintra.
g) O locador tem como obrigação assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que esta se destina.
h) Estando a habitabilidade do imóvel claramente colocada em causa através de um vasto elenco de patologias e desconformidades comprovado pelos técnicos da Câmara Municipal de Sintra, não se pode concluir que foi assegurado o gozo do imóvel para os fins a que ele se destina, isto é, habitar.
i) A solução adotada pelo Tribunal a quo não foi, uma mera “divisão salomónica”, mas antes a aplicação do regime de redução da renda prevista no artigo 1040.º do CC, a qual deriva da exceção de não cumprimento, mitigando-a face aos critérios de proporcionalidade e equidade que devem nortear a intenção de reequilíbrio prestacional num contrato sinalagmático.
j) Uma vez que o Recorrido permaneceu efetivamente no locado no período colocado em crise nos presentes autos, aceita-se a solução preconizada na decisão recorrida, a qual está conforme a Lei.
k) Pelo que deve o presente recurso improceder in totum.”
Admitido o recurso, remetidos os autos a este Tribunal, e nada obstando à apreciação do seu mérito, foram colhidos os vistos.
2. Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[2]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do CPC).
Não obstante, excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[3].
No caso vertente, verifica-se que na sentença apelada o Tribunal a quo julgou extinta a execução relativa ao crédito emergente de indemnização nos termos do art. 1.141º do CC, por falta de título executivo, e determinou a redução em 50% dos créditos relativos a rendas, sendo que da leitura das conclusões de recurso alinhadas pelos embargantes resulta que os mesmos se reportam exclusivamente à questão da redução do valor das rendas, nada dizendo no que se refere à falta de título, embora a final pugnem pela procedência da execução “para pagamento da totalidade da quantia exequenda e legais acréscimos”.
Assim sendo, cumpre reapreciar ambas as questões analisadas na sentença apelada, ou seja:
i. falta de título executivo no tocante ao crédito de indemnização a que se reporta o art. 1041º, nº 1 do Código Civil
ii. A exceção de não cumprimento e a redução da renda.
3. Fundamentação
3.1. Os factos
3.1.1. Factos provados:
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. O prédio urbano sito em Casal da Beloura, limites do Linhó, … 119 (MUP56), composto de moradia de cave, rés do chão e 1.º andar, para habitação, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o n.º ..., da freguesia de Sintra (S. Pedro de Penaferrim), mostra-se inscrito desde 09.02.2021 a favor da exequente B, casada com o exequente C em regime de bens equiparado ao regime português da comunhão de adquiridos, por “Dação em Cumprimento”, figurando como sujeitos passivos dessa inscrição B e C(Ap. … de 2021/02/09 19:08:39 UTC – Aquisição);
2. Por acordo escrito, datado de 01.09.2020, intitulado de “Contrato de Arrendamento Urbano para Fins Habitacionais Com Prazo Certo”, B cedeu ao executado A, para habitação própria e permanente deste e do seu agregado familiar, o gozo daquele prédio urbano, mediante o pagamento da renda mensal de €3.000,00, acordando as partes que o pagamento deste valor seria feito “de forma trimestral, no primeiro dia útil do mês correspondente ao início de cada novo período de três meses”;
3. O prazo convencionado de cessão do gozo do imóvel foi de três anos, com início em 01.09.2020 e termo em 31.08.2023, convencionando as partes que o contrato se renovaria automaticamente no seu termo e por sucessivos períodos de um ano, sem prejuízo do direito das partes se operam à sua renovação;
4. Convencionaram as partes naquele contrato que “A Primeira Outorgante confere ao Segundo Outorgante um período de 1 mês (Setembro) de carência de renda por este ir efetuar obras de reparações no imóvel”, concretamente de “a) Reparação de dois vazamentos de água do portão de entrada e caiação; b) Reparação das infiltrações do banheiro de cima (refazer a impermeabilização da área do banheiro); c) Reparação das peças de madeira da área do jardim e churrasqueira; d) Reparação da porta do chuveiro.”;
5. Mais convencionaram as partes que “Todas as notificações e outras comunicações no âmbito do presente contrato de arrendamento deverão ser efetuadas por escrito e enviadas por correio registado com aviso de receção, considerando-se efetuadas no 2º dia posterior ao seu envio ou na data da assinatura do respetivo aviso, consoante o que primeiro ocorrer. Quando o prazo para a prática de qualquer ato terminar num Sábado, Domingo ou feriado oficial, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.”, mais convencionando que “Todas as comunicações ou notificações no âmbito do presente contrato deverão ser enviadas para os seguintes endereços: a) Se dirigidas à Primeira Outorgante: - Av. … Lisboa. b) Se dirigidas aos Segundos Outorgantes: - Morada do locado, Rua … Sintra.”;
6. Na data da assinatura do contrato, o executado entregou a B a quantia de €6.000,00 “a título de caução” para “garantir o cumprimento pontual das obrigações previstas no presente contrato e, bem assim, assegurar a conservação do IMÓVEL no estado em que atualmente se encontra”, convencionando-se que “À Primeira Outorgante é conferida a faculdade de, em execução do presente contrato e verificando-se a mora ou incumprimento de qualquer obrigação por parte do Segundo Outorgante, efetuar a compensação da obrigação em mora ou incumprida com o montante da caução ora prestada” e que “No termo do presente contrato, verificando-se a inexistência rendas por liquidar, despesas ou indemnizações ou que o estado do IMÓVEL não sofreu qualquer deterioração que não seja resultante do uso normal e prudente, a Primeira Outorgante obriga-se a devolver a caução prestada num prazo máximo de 15 dias a contar do dia seguinte à vistoria do IMÓVEL.”;
7. Após a celebração do “Contrato de Arrendamento Urbano para Fins Habitacionais Com Prazo Certo”, o executado passou a residir no imóvel com a sua esposa e com três filhos menores, de dois, cinco e treze anos de idade;
8. No rés do chão situava-se o quarto principal da casa, onde dormiam o executado e a sua esposa;
9. No 1.º andar ficavam outros quartos, onde dormiam as crianças;
10. A cave do prédio era composta por uma casa de banho, uma cozinha e uma sala de estar e de jantar;
11. A referida casa de banho e cozinha não dispunham de janelas para o exterior;
12. A sala de estar e de jantar era a única área social da casa;
13. Aquando do início do arrendamento, a casa estava toda pintada, sem vestígios de humidades;
14. Pouco tempo depois do executado e da sua família terem ido residir para o imóvel, começaram a aparecer humidades no interior da casa, com especial incidência no 1.º andar;
15. O executado e a sua família começaram também a notar a presença de maus cheiros na cave, acabando por descobrir que existia uma fossa séptica no seu interior, cuja tampa estava oculta por debaixo de um tapete;
16. Devido à existência da fosse séptica, o odor a fezes e a urina era permanente na cave, principalmente quando era usada a casa de banho;
17. As humidades no rés do chão e no 1.º andar também se foram tornando cada vez mais intensas, provocando a formação de fungos;
18. No 1.º andar existiam mesmo infiltrações, com penetração de água vinda do exterior;
19. Os menores andavam frequentemente doentes, com problemas respiratórios, com dores de garganta e de ouvidos;
20. Deixaram por isso de dormir no 1.º andar para passarem a dormir no quarto do executado e da esposa, no rés do chão;
21. O executado queixou-se à representante de B da penetração de água no 1.º andar do prédio e de humidades em toda a casa, remetendo-lhe comunicações escritas, em 12.12.2020, em 15.12.2020 e em 16.12.2020, com propostas de solução para esses problemas e custos de reparação previstos;
22. Em 16.12.2020, a representante de B respondeu ao executado comunicando-lhe que:
A dona da casa só aceita os 3.000euros para tratar a penetração de água da casa que pode ser deduzir na renda trimestre de abril-maio-junho.
Eu expliquei a situação da humidade, mas ela disse que durante estes últimos tempos ela já gastou muito para reparação da casa e desde inicio do contrato foi combinado que os novos móveis serão sempre da responsabilidade do cliente(o cliente compra e depois podem levar consigo também).
23. Para minorar o problema da humidade, o executado tinha três desumidificadores e aquecedores quase sempre ligados;
24. Um desses desumidificadores foi comprado e cedido ao executado por B;
25. Em 09.02.2021, por escritura publica outorgada no Cartório Notarial sito na …, em Lisboa, a cargo da Notária …, B e C declararam dar a A o prédio urbano supra identificado, para pagamento de uma dívida que tinham para com esta, que declarou aceitar essa “dação em cumprimento nos termos exarados”;
26. Em 19.02.2021, a representante dos exequentes remeteu ao executado comunicação eletrónica com o seguinte teor:
Serve o presente email para notificar V. Exa, que, por Escritura Pública de dação em cumprimento, outorgada a 9 de fevereiro de 2021, pelo Cartório Notarial de …, em Lisboa, teve lugar a transmissão do prédio urbano sito em Casal da Beloura, lote …, freguesia de Sintra, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.° …, da dita freguesia, inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de Sintra sob o artigo n.° …, a favor da Senhora B, contribuinte fiscal número ….
Assim, a partir da referida data, a Senhora B passou a ser a proprietária do identificado imóvel, pelo que passará também a assumir todos os direitos e obrigações inerentes à posição de Senhoria no âmbito do Contrato de Arrendamento celebrado com a V. Exa..
Como tal, mais se informa que, doravante, as rendas devidas ao abrigo do referido Contrato de Arrendamento, serão pagas para a conta bancária aberta junto do Novo Banco, SA, com o IBAN …, da qual é titular a Senhora B.
Permanecemos inteiramente disponíveis para prestar quaisquer esclarecimentos adicionais tidos por convenientes. Com os melhores cumprimentos,
27. O executado respondeu a essa comunicação, no mesmo dia 19.02.2021, através de comunicação eletrónica com o seguinte teor:
Boa noite,
Tomo nota da sua comunicação de que a propriedade da casa para a qual tenho o contrato de arrendamento, que anexou, foi alterada. A anterior proprietária tinha autorizado alguns trabalhos que eu tinha feito com a sua aprovação, pelo que o próximo pagamento a pagar no início de Abril será de 6.000 euros em vez de 9.000, peço-lhe que confirme se o novo proprietário foi informado deste acordo.
Cumprimentos
28. Após a aquisição do imóvel pela exequente, o executado continuou a insistir com a sua representante, que era a mesma da anterior proprietária, pela resolução dos problemas da humidade e também dos maus cheiros na cave, que já tinha reportado a B;
29. Em 07.09.2022, o executado e a sua esposa, …, remeteram aos exequentes, através de correio registado, comunicação com o assunto em epígrafe “Aviso de defeitos na casa do arrendamento datado de 01 de Setembro de 2020”, e com o seguinte teor:
Pelo presente notificamos-te dos seguintes defeitos presentes na casa alugada por nós:
1. O chão de madeira do quarto no primeiro andar, como reportado acima, é levantado do chão do lado direito, olhando para a janela;
2. O chão perto do duche do jardim alguns azulejos são levantados, criando perigo para aqueles que têm de passar aquele pedaço de chão;
3. A persiana a pedir a janela francesa na direcção da piscina está partida pela terceira vez, o motor, como disse o técnico da última vez, já não tem potência para a levantar.
4. A piscina tem grandes defeitos, primeiro; há muitos azulejos que saíram, segundo; muito seriamente, o chão de betão perto da porta da janela francesa criou uma fenda, que presumivelmente deve haver uma saída de água, tendo reparado que se esvazia mais rápido do que o normal;
5. Como tenho relatado noutras ocasiões, a casa de banho no chão da sala, ao lado da cozinha, tem uma fossa séptica, onde convergem a água preta da própria casa de banho, a água da máquina de lavar loiça e da máquina de lavar roupa; o fedor que sai da fossa é insuportavelmente nojento, especialmente em dias específicos.
Mandámos um técnico inspeccionar o quarto, que me informou que este quarto não está à altura dos padrões de saúde, não só devido à presença de uma fossa séptica num quarto habitado, como na casa de banho e na cozinha, este quarto nem sequer tem ventilação natural ou mesmo forçada.
6. Lembro-te também que a parede externa que conduz à casa de banho no primeiro andar tem manchas escuras, mostrando uma forte presença de humidade, devido ao facto de a pintura de manutenção não ser feita há muitos anos.
7. O cano que conduz a água para irrigar o jardim, tendo sido instalado há muitos anos, está a partir-se frequentemente, e temos de intervir frequentemente às nossas próprias custas, não só para reparar a peça, mas sobretudo devido ao consumo de água, que se tornou insustentável devido a fugas na piscina e no jardim:
8. Também reportei que as cadeiras da mesa da sala estão a sair com pequenos pedaços de estofos devido ao desgaste.
9.. Volto a informar-te que a parede dentro do corredor está a descascar o seu gesso, o técnico que enviaste da última vez certificou-se de que se deve ao revestimento exterior de pedra.
10.. As manchas de humidade reapareceram na entrada perto do radiador, a de subir as escadas lá em cima, e no tecto à direita quando entras no quarto da suite.
Estou a informar-te oficialmente da existência dos defeitos acima mencionados, dando-te sete dias para os removeres, se não o fizeres dentro deste período, serei obrigado a tomar medidas de precaução ao abrigo das leis que regem estes casos.
Certo da tua compressão e de urna resposta rápida, aproveito esta oportunidade para te enviar os nossos melhores cumprimentos.
30. Em 22.09.2022, o executado e a sua esposa, representados por ilustre mandatário, remeteram aos exequentes, através de correio registado com aviso de receção, comunicação escrita com o seguinte teor:              
Exmos. Senhores,
Na qualidade de mandatários dos Exmos. Senhores A e …, e reportando-nos ao Contrato de Arrendamento celebrado em 1 de setembro de 2020 para o imóvel sito na Rua … Sintra, bem como à vossa comunicação de 13 de julho de 2022, solicitam-nos os N/ Clientes que vos transmitamos os seguintes comentários:
Em relação às deduções de despesas no valor das rendas mensais levadas a cabo pelos N/ Clientes, informamos que essa é uma faculdade permitida aos arrendatários, para fazer face a reparações urgentes ou ao pagamento de despesas em nome e por conta dos senhorios; Não obstante, e no que é mais grave, os M/ Clientes encontraram um problema grave no imóvel, que não pode ser resolvido, e que os obrigará a fazer cessar o arrendamento com a maior brevidade possível. O problema em questão prende-se com a construção da casa de forma ilegal, ou seja, sem respeito pela licença de construção emitida pela Câmara Municipal de Sintra.
Por essa razão, o piso térreo (ou piso O) da casa, que deveria constituir apenas a cave, possui divisões não autorizadas expostas a cheiros e vapores vindos da fossa séptica, o que constitui um perigo de saúde para os M/ Clientes e seus filhos.
Este problema foi descoberto após vários relatos efetuados diretamente a V/ Exa., relativos aos vários problemas anteriores que a fossa séptica apresentou (inclusivamente com inundações e sujidades que surgiram por via do mau funcionamento da bomba), e foram os M/ Clientes que se preocuparam junto da Câmara Municipal de Sintra em perceber a razão para a ocorrência destes factos.
A casa não possui condições de habitabilidade e, por conseguinte, não está apta a prosseguir os fins do arrendamento.
Assim, informamos que os N/ Clientes estão na disposição de não prosseguir com quaisquer queixas junto das autoridades competentes, desde que lhes seja assegurada a saída do imóvel a breve trecho, mediante comum acordo com VI Exas..
Aguardamos a vossa resposta no prazo máximo de 5 (cinco) dias, sendo que na ausência de resposta satisfatória no prazo referido, ver-nos-emos lamentavelmente compelidos a iniciar os necessários procedimentos de supervisão e judiciais adequados à salvaguarda dos legítimos interesses que nos estão confiados.
31. Na sequência das queixas apresentadas pelo executado, os exequentes procederam à reparação das luzes do exterior, à reparação dos estores, trocaram a caldeira de águas quentes, pintaram o interior da casa com primário anti fungos, repararam uma fuga de água existente no sistema de rega, e instalaram uma nova bomba na fossa séptica;
32. Porém, as intervenções efetuadas pelos exequentes não resolveram os problemas da humidade e dos maus cheiros provenientes da fossa séptica;
33. Como a nova bomba instalada triturava, o que a anterior não fazia, o problema dos odores na cave até se tornou mais intenso nos momentos em que a bomba estava a triturar;
34. Devido a essa situação, os menores vomitaram por diversas vezes;
35. Como forma de a pressionar a solucionar os problemas da humidade e dos maus cheiros, o executado deixou de pagar à exequente a renda a partir da relativa ao mês de outubro de 2022, não tendo pago nenhuma das subsequentes;
36. Em 28.12.2022, o executado formulou junto da Câmara Municipal de Sintra pedido de vistoria de segurança e salubridade do imóvel, apontando a existência das seguintes anomalias:
Uma bomba instalada dentro da fossa séptica, que origina problemas de salubridade.
Onde temos salão, cozinha e sala de estar, temos o banheiro, sem ante-sala de banho, o grande problema é que dentro do banheiro foi instalada a bomba dentro da fossa séptica para drenar a água suja do banheiro e da cozinha.
37- Em 08.02.2023, os exequentes, através de ilustre solicitador, remeteram ao executado e à sua esposa, para a morada do imóvel supra identificado, através de correio registado com aviso de receção, comunicações escritas com o assunto em epígrafe “Oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins habitacionais com prazo certo”, e com o seguinte teor:
Na qualidade de mandatário da Srª B e marido, C, senhorios e proprietários do prédio urbano, destinado a habitação, sito em Casal da Beloura, limites do Linhó, na Rua …, união de freguesias de Sintra (S. Maria e S. Miguel, S. Martinho e S. Pedro de Penaferrim), concelho de Sintra, descrito na 1.8 Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o número …, da freguesia de Sintra (S. Pedro de Penaferrim), inscrito na matriz predial urbana da mencionada união de freguesias sob o artigo matricial …, venho, ao abrigo do disposto no artigo 1097.°, n.° 1, alínea b), do Código Civil, comunicar formalmente a V. Exa., na qualidade de arrendatário, a oposição dos meus Constituintes à renovação do contrato de arrendamento celebrado em 01 de setembro de 2020, que anexo à presente missiva.
Com efeito, em virtude da outorga do mencionado contrato de arrendamento habitacional com prazo certo, ficou expressamente estipulado no n.° 1 da cláusula
segunda que o mesmo era "... celebrado pelo prazo de 3 (três) anos, com inicio a 07 de setembro de 2020 e termo a 37 de agosto de 2023, renovando-se automaticamente no seu termo e por sucessivos períodos de 7 (um) ano, sem prejuízo do direito de as partes se oporem à sua renovação .
Assim, considerando o fim do período de duração inicial do contrato de arrendamento, findo o qual. o mesmo automaticamente se renovaria, reitero a intenção dos meus Constituintes em não renovar o contrato celebrado com V. Exa., extinguindo-se o mesmo no dia 31 de agosto de 2023, devendo ser, em consequência, o locado entregue nessa mesma data totalmente devoluto de pessoas e bens.
38. O executado e a sua esposa receberam essas comunicações em 09.02.2023, assinando os respetivos ARs;
39. Em 27.02.2023, o executado efetuou novo pedido de vistoria junto da Câmara Municipal de Sintra, descrevendo então a existência das seguintes anomalias:
 Foi detetado pelo requerente que se encontra uma bomba instalada dentro da fossa séptica, que origina problemas de salubridade. Na cave encontra-se a zona do salão, cozinha, sala de estar e o banheiro, sem ante-sala de banho, que tem instalada a dita bomba dentro da fossa séptica para drenar a água suja do banheiro e da cozinha, o que provoca cheiros nauseabundos na casa. Toda a configuração da casa contraria o que está nas plantas iniciais da casa, para além de toda a humidade em todas as divisões da casa.
40. Realizada vistoria ao imóvel em 03.04.2023, os técnicos que compuseram a comissão de vistoria elaboraram relatório datado de 21.09.2023, no qual apontaram a existência das seguintes patologias, com as seguintes origens:
41. E relativamente ao piso -1 fizeram ainda constar do relatório o seguinte:
a) Consultados os processos de licenciamento n" 013/02911/2000 e n° OB /00449/2004 observa-se que na cave no local designado por arrumas no projeto de arquitetura foi construída uma cozinha e nas plantas da rede predial de drenagem de águas residuais domésticas, observou-se que a bomba submersível está Localizada na zona de arrumas da cave onde atualmente estão as instalações sanitárias da cave, situações que carecem de regularização urbanística;
b) A instalação de bombagem não observa o disposto no artigo 262° instalações elevatórias do Regulamento Geral dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais - decreto lei n' 23/95 de 23 de agosto;
c) A admissão de águas sujas à câmara de bombagem não deve estar submersa (como se observou na vistoria) e falta ventilação secundária e refletindo-se em mau cheiro nas instalações sanitárias da cave do edifício;
d) A instalação de bombagem também não observa o disposto no ITE 42 - Instalações Elevatórias e Sobrepressoras de Água para Edifícios do LNEC, devendo ficar fora da zona habitacional devido ao ruído e mau cheiro;
e) A tubagem de compressão deve ter um diâmetro mínimo de 075 atendendo que recebe águas sujas de sanitas (bacia de retrete);
f) No que se refere as condensações ocorridas em pontes térmicas, informa-se que as mesmas dependem das condições de utilização dos compartimentos, designadamente diferenciais térmicos e higrométricos e condições de ventilação, pelo que, embora recomendáveis, não são preconizados trabalhos de correção de pontes térmicas;
42. Propondo-se no auto de vistoria fosse notificada a proprietária do imóvel para proceder à execução dos trabalhos preconizados, o que foi depois superiormente aprovado e efetuado;
43. O executado e a sua família residiram no imóvel até 17.07.2023, data em que o entregaram à exequente;
44. Após terem deixado de habitar naquele imóvel, os menores deixaram de ter problemas respiratórios;
45. A caução de €6.000,00 paga pelo executado no início do arrendamento não lhe foi restituída quando o arrendamento cessou.
3.1.2. Factos não provados:
A sentença apelada não contém qualquer elenco de factos não provados.
3.2. Os factos e o direito
3.2.1. Da falta parcial de título executivo
Estabelece o art. 10º, nº 5 do CPC que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
Como ensina LEBRE DE FREITAS[4], “(…) o acertamento é o ponto de partida da acção executiva, pois a realização coativa da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos (subjetivos e objetivos) da relação jurídica de que ela é objeto. O título executivo contém esse acertamento; daí que se diga que constitui a base da execução, por ele se determinando «o fim e os limites da acção executiva» (art. 10-5), isto é o tipo de acção (…) e o seu objeto, assim como a legitimidade ativa e passiva para ela (art. 53-1), e, sem prejuízo de poder ter que ser complementado (arts. 714 a 716), em face dele se verificando se a obrigação é certa, líquida e exigível (art. 713).”
Assim, sempre que a obrigação exequenda não se mostre devidamente acobertada por um título executivo, ou exceda os seus limites, verifica-se o vício de falta de título executivo, o qual pode ser total ou parcial.
Sendo manifesta a falta de título executivo, tal constitui fundamento para indeferimento liminar do requerimento executivo (art. 726. nº 1, al. a) do CPC); já se  o vício for detetado posteriormente, mas antes de ocorrer o primeiro ato de alienação de bens penhorados, legitima a rejeição da execução (art. 734º, nº 1 do mesmo código).
Quer o indeferimento do requerimento executivo, quer a rejeição da execução  poderão ser totais ou meramente parciais – vd. arts. 726º, nº 3 e 734º, nº 2 do CPC.
Paralelamente, a falta de título executivo constitui fundamento de oposição à execução mediante embargos de executado – arts. 729º, al. a) e 730º do CPC.
No caso vertente, como já referimos, os exequentes e ora embargados reclamam do executado o pagamento executivo de rendas vencidas e não pagas, bem como da quantia de € 3.600,00 a título de indemnização a que se refere o art. 1.140º do CC (e respetivos juros de mora).
O embargante sustentou que o contrato de arrendamento e a comunicação apresentados com o requerimento executivo não constituem título executivo no que respeita ao mencionado crédito indemnizatório.
Esta questão foi apreciada pelo Tribunal a quo nos seguintes termos:
“ A Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro [que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU)], no seu art. 15.º, n.º 2, veio atribuir força executiva ao contrato de arrendamento, para a ação de pagamento de renda, quando acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
Esta lei sofreu, entretanto, diversas alterações, a última das quais introduzida pela Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro.
Atualmente, é no art. 14.º-A que se prevê a possibilidade de constituição de título executivo para cobrança de rendas, encargos e despesas que corram por conta do arrendatário, dispondo o seu n.º 1 que “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.”.
Estamos perante um título complexo, dado que se reclamam para que seja exequível, dois documentos: o contrato de arrendamento, e o comprovativo da comunicação ao arrendatário das rendas e eventuais outros valores em dívida.
No caso, os exequentes intentaram a execução a que estes autos se mostram apensos, visando obter a cobrança de rendas não pagas relativas aos meses de outubro de 2022 a março de 2023, acrescidas da indemnização de 20% do valor em dívida prevista no art. 1041.º, n.º 1, do Código Civil, e de juros de mora.
Para o efeito, juntaram o contrato de arrendamento, bem como o comprovativo de comunicação dirigida ao arrendatário, aqui executado, do montante reclamado.
Tal comunicação foi feita através de carta registada com aviso de receção, dirigida para a morada do locado, onde as partes haviam convencionado o domicílio para efeitos de comunicações a efetuar entre as partes no âmbito do arrendamento, pelo que se considera devidamente realizada, ainda que o aviso de receção não tenha sido assinado pelo executado, ficando a senhoria dispensada do envio de nova carta (arts. 9.º, n.º 1, 10.º, n.ºs 1, al. b), e 2, al. b), e 14.º-A, n.º 1, do NRAU).
Alega, porém, desde logo o executado que a comunicação efetuada não permite a formação de título executivo para cobrança da quantia reclamada a título de indemnização, por tal não constar da previsão do art. 14.º-A, n.º 1, do NRAU.
Esta questão é há muito uma verdadeira vexata quaestio que tem suscitado junto da doutrina as mais diversas abordagens e que, junto da jurisprudência tem vindo a ser objeto de diversas e diferentes soluções.
Desde já se adianta que, na perspetiva deste Tribunal, o art. 14.º-A, n.º 1, do NRAU, não permite a formação de título executivo para cobrança da indemnização pretendida.
Com efeito, no que aos títulos executivos respeita, vigora o princípio da tipicidade ou taxatividade, do qual decorre que o legislador, de modo imperativo, fixou que documentos podem concretamente cumprir essa função, elencando-os no art. 703.º e em outras disposições especiais, nos termos permitidos pela al. d) do seu n.º 1.
Conforme refere Rui Pinto, in «Manual da Execução e Despejo», Coimbra Editora, 2013, pág. 150, “trata-se de um rol taxativo, não se admitindo o seu alargamento por interpretação extensiva e, muito menos, por analogia.”
Ou seja, os títulos executivos são os indicados na lei como tal, estando a sua enumeração legal submetida a uma regra de tipicidade – “nullus titulus sine lege” – sem possibilidade de quaisquer exceções criadas “ex voluntate”, estando, assim, vedado às partes não só a atribuição de força executiva a um documento a que a lei não reconheça eficácia de título executivo, como ainda a recusa de um título legalmente qualificado como executivo (cfr., neste sentido, o Ac. da RC, de 21.03.2013, relatado por José Avelino Gonçalves, disponível in www.dgsi.pt).
Também no Ac. do STJ de 26.01.2021, Proc. 956/14.6TBVRL-T.G1.S1, relatado por Pinto de Oliveira, disponível no mesmo lugar, se escreveu que:
“Discutindo-se a existência/extensão de um título executivo, importa começar por, no âmbito do último elemento de interpretação referido, enquadrar a norma interpretanda no complexo normativo aplicável.
Como se referiu, o art. 703º. Nº 1, do CPC contém uma enumeração categoricamente taxativa[3] dos títulos executivos: à execução apenas podem servir de base os títulos aí indicados, como é o caso dos documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva – al. d).
Assim, considerando esse carácter taxativo, a constituição pelo legislador de novos títulos executivos é verdadeiramente excepcional, não comportando a respectiva norma aplicação analógica; apenas admite interpretação extensiva (art. 11º do CC).”
É, portanto, neste quadro de especialidade e excecionalidade que terá que ser entendida e enquadrada a formação do título executivo agora em análise.
Dispõe o art. 1041.º, n.º 1, do Código Civil, que “Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20 /prct. do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.”.
E o n.º 1 do art. 14.º-A do NRAU, recorde-se, dispõe que o contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a cobrança das quantias correspondentes “às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.”.
Não se prevê neste normativo, portanto, a possibilidade de formação de título executivo para a cobrança de indemnizações, apenas se permitindo a sua formação para a cobrança de rendas, encargos e despesas que corram por conta do arrendatário.
E não se diga que tal omissão se deveu a mero lapso, porquanto o legislador não podia ignorar que a referida indemnização decorre da lei, estando prevista no art. 1041.º, n.º 1, do Código Civil. Nem parece legítimo que se possa invocar que tal menção era desnecessária, porquanto, em relação aos juros de mora, o legislador fez constar no art. 46.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que se consideram abrangidos pelo título executivo.
Porque se trata de norma especial, não comporta interpretação analógica (art. 11.º do Código Civil), não podendo ademais olvidar-se que o intérprete não pode considerar o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, e que tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir adequadamente o seu pensamento (art. 9.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil).
Não se pode ir além da literalidade da norma, admitindo-se o seu alargamento por interpretação extensiva e, muito menos, por analogia, para a formação de título executivo destinado à cobrança de indemnização, devendo entender-se, em face da conjugação das normas indicadas, que o legislador não quis foi estender a força executiva do contrato de arrendamento à indemnização prevista no art. 1041º, n.º 1, do Código Civil.
Carece, pois, a exequente de título executivo para obter a cobrança da pretendida indemnização.”
Os apelantes pugnaram pela alteração do decidido quanto a esta questão, e pelo prosseguimento da execução também para pagamento deste crédito indemnizatório, mas não invocaram nenhum argumento que sustente o seu entendimento.
Quanto a este Tribunal, subscreve inteiramente o entendimento manifestado pelo Tribunal a quo, pelas razões expostas no trecho supratranscrito, acrescentando apenas que a posição assumida na sentença apelada foi também subscrita nos acs. RP 12-05-2009 (Guerra Banha), p. 1358/07.6YYPRT e RL 07-04-2022 (António Santos), p. 20420/19.6T8SNT-B.L1-6.
Termos em que nesta parte se conclui pela improcedência da apelação.
3.2.2. Da exceção de não cumprimento
Como é sabido, a causa de pedir dos embargos de executado é delimitada em função dos argumentos que na petição de embargos o embargante invoca como fundamentos da oposição à execução e, eventualmente, pelas exceções que o embargado possa também ele chamar à colação com vista a impedir, modificar ou extinguir os efeitos resultantes dos argumentos invocados pelo embargante.
No caso vertente, e para o que agora interessa, o embargante invocou a exceção de não cumprimento do contrato de arrendamento dos autos para justificar a inexigibilidade da obrigação de pagar as rendas reclamadas pelos embargados.
Sucede, contudo, que o Tribunal a quo decidiu reduzir o valor das rendas mensais reclamadas pelos exequentes e ora embargantes, nos termos previstos no art. 1040º do CC.
Como veremos, alguma jurisprudência tem entendido que o mecanismo previsto neste preceito constitui uma manifestação da exceção de não cumprimento no âmbito da locação.
Não obstante, cremos que a questão de saber se a execução embargada deve ou não prosseguir relativamente aos créditos relativos a rendas do locado deve ser apreciada à luz da causa de pedir invocada pelos embargantes, isto é, nos quadros da exceção material de não cumprimento (art. 428º do CC), sem prejuízo de, a propósito desta, nos referirmos ao mecanismo previsto no art. 1040º do CC.
Nos termos do disposto no art. 729º, al. e) do CPC, a inexigibilidade da obrigação exequenda constitui fundamento de oposição à execução mediante embargos de executado.
Quanto à exigibilidade refere LEBRE DE FREITAS[5]:
“(…) a certeza, a exigibilidade e a liquidez só constituem requisitos autónomos da ação executiva quando não resultem já do título executivo (art. 713); caso contrário diluem-se no âmbito das restantes caraterísticas da obrigação e a sua verificação é, tal como elas, presumida pelo título, sem qualquer especialidade de regime a ter em conta. Trata-se assim de exigências de complemento do título executivo, que acabam por exercer uma função processual paralela à deste. A certeza, a exigibilidade e a liquidez da prestação, desde que entendidas menos como características duma relação de direito material do que como verificação autónoma dessas características, quando elas não constem do título executivo, constituem pressupostos processuais.”
Por seu turno ensina RUI PINTO[6] que “A exigibilidade é a qualidade substantiva da obrigação que deva ser cumprida de modo imediato e incondicional após a interpelação ao devedor. Tal qualidade não é processual, mas substantiva: a verificação do facto do qual depende o cumprimento - interpelação do credor, decurso do prazo de vencimento, ocorrência de condição, realização de contraprestação.
(…)
A exigibilidade da obrigação exequenda pode resultar de modo imediato do próprio título executivo quando obrigação esteja sujeita a prazo nele estipulado e já vencido.
Diversamente sucederá se for obrigação sujeita a condição suspensiva, contraprestação do próprio credor ou estiver dependente de facto atinente aos termos do cumprimento - v.g. o credor por termo à sua própria mora. Nesta hipótese incumbirá ao credor, ao instaurar a execução, fazer a demonstração da ocorrência do facto que condicionava a exigibilidade, nos termos do artigo 715º.
(…)
A prestação da obrigação pode estar dependente de condição suspensiva ou de uma contraprestação simultânea por parte do credor ou de terceiro.
Nessas eventualidades incumbe ao exequente proceder, segundo o regime do artigo 715º, à demonstração do facto externo da exigibilidade da obrigação: a verificação da condição, ou de que efetuou ou ofereceu a sua prestação.”
Por outro lado, é sobre o exequente que, para evitar os efeitos desta exceção, incide o ónus da prova do cumprimento ou oferecimento do cumprimento “perfeito” da contraprestação a que está vinculado, devendo fazê-lo logo em sede de prova complementar do título (art. 715º do CPC). Neste sentido cfr. ac. STJ 02-11-2023 (Fernando Baptista), p.  4197/18.5T8VNF-E.G1.S1.
Não o fazendo, ou ainda que o faça, pode ainda assim o executado a deduzir embargos de executado invocando a exceção de não cumprimento (art. 428º do CC).
No caso em análise, estamos em presença de um contrato de arrendamento urbano para habitação, o qual se rege pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano[7], bem como pelo regime geral da locação, consagrado nos arts. 1038º a 1063º do CC, bem como pelas normas relativas a arrendamentos urbanos consagradas nos arts. 1064º a 1091º do mesmo código, e mais concretamente pelas regras especiais em matéria de arrendamento urbano para habitação, contidas nos arts. 1092º a 1107º, todos do CC.
No caso em apreço, resulta da factualidade provada que em 01-09-2020 foi outorgado um contrato de arrendamento, subscrito pelo embargante na qualidade de arrendatário e por B, na qualidade de senhoria, mediante o qual esta deu de arrendamento àquele uma moradia, para o mesmo ali habitar, juntamente com a sua família, e mediante o pagamento de uma renda mensal no valor de € 3.000,00[8],  que na sequência da outorga de tal contrato o embargante e ora apelado passou a residir no locado, juntamente com a sua mulher e três filhos menores[9], e que o embargante e a sua família residiram no locado até 17-07-2023, data em que o entregaram à exequente e ora embargada[10]. Mais se apurou que a propriedade do locado se veio a transmitir para o exequente marido, tendo este adquirido a qualidade de senhorio.[11]
Tendo os exequentes e ora embargados reclamado na execução a quantia de € 18.000,00, relativa às rendas referentes aos meses de outubro de 2022 a março de 2023[12], vieram os executados, embargantes, e ora apelados reconhecer que não pagaram tais rendas, invocando para tal diversas deficiências do locado, comprometedoras da salubridade do mesmo e da saúde dos seus filhos[13], tendo resultado provado que como forma de pressionar e solucionar os problemas da humidade e dos maus cheiros, o executado deixou de pagar a renda à exequente, a partir da relativa ao mês de outubro de 2022, não tendo pago nenhuma das subsequentes.[14]
Resulta do disposto no art. 1022º do C. Civil que o contrato de locação é um contrato sinalagmático, na medida em que do mesmo emergem para locador e locatário obrigações recíprocas e interdependentes.
Assim, e por um lado, o locador obriga-se a entregar ao locatário a coisa locada e a assegurar-lhe o uso da mesma, para os fins a que se destina (art. 1031º, als. a) e b) do CC), ao passo que o locatário se obriga a pagar a retribuição ajustada, que no caso do arrendamento se chama renda (art. 1038º a) do Código Civil), bem como a usar efetivamente a coisa para o fim contratado, não deixando de a utilizar por mais de um ano (art. 1072º, nº 1 do CC), podendo eventualmente não fazer tal uso nos casos previstos no nº 2 do mesmo preceito.
Assim, no âmbito do contrato de arrendamento urbano para habitação, o sinalagma contratual abrange, pela parte do inquilino, não só a obrigação de pagar a renda, mas também aqueloutra de habitar o locado, constituindo ambas o correspetivo das obrigaçºoes do locador de lhe entregar a coisa locada e lhe proporcionar o gozo da mesma.
No caso vertente, e como já foi referido, apurou-se que a dado momento o embargante e ora apelado deixou de pagar a renda devida, embora se tenha mantido a habitar o locado, juntamente com o seu agregado familiar.
A factualidade provada demonstra, à saciedade que o locado tinha graves problemas de salubridade, decorrentes da deficiente instalação e funcionamento de uma fossa séptica, bem como de infiltrações, as quais causaram problemas de saúde aos filhos do embargante, que tais deficiências foram denunciadas aos embargados, e que embora estes tenham mandado efetuar reparações no locado, não lograram resolver os problemas detetados na fossa séptica, persistindo por isso os problemas de saúde dos filhos do embargante.[15]
A questão que se coloca é, pois, a de saber, se  se a persistência das deficiências registadas no locado, que comprometiam de modo manifesto a salubridade do mesmo, pelo menos no que respeita ao piso onde se situava o quarto dos filhos do embargante, legitimava a recusa do pagamento da renda.
Como já referimos, o locador tem a obrigação de proporcionar o gozo da coisa locada (art. 1031º do CC), bem como realizar as obras de conservação necessárias (arts 1074º e 1111º, nº 2 do CC), sendo certo que a inobservância da obrigação do senhorio de realizar tais obras que comprometa a habitabilidade do locado, e em geral a aptidão deste para o uso previsto no locado, constitui fundamento de resolução do contrato pelo arrendatário (art. 1083º, nº 5 CC).
Assim, quando a degradação das condições de habitabilidade do locado em virtude do incumprimento da obrigação de conservação que impende sobre o senhorio torne tal locado inabitável, ocorre motivo de força maior que desonera o locatário da obrigação de ali habitar (art. 1072º, nº 2 do CC).
Neste sentido., cfr. acs:
- RL 03-07-2012 (Manuel Ribeiro Marques), p. 8625/10.0TBCSC.L1-1;
- RL 20-10-2011 (Teresa Pardal), p. 515/09.5TJLSB.L1-6.
Em tais situações, enquanto se achar impossibilitado de usar e fruir do locado, o inquilino fica também desonerado da obrigação de pagar a renda, assistindo-lhe assim o direito de invocar a exceção de não cumprimento do contrato para justificar tal omissão.
Porém, em situações em que a degradação das condições de habitação do locado não comprometem totalmente os fins a que o mesmo se destina, não pode o inquilino recusar licitamente o pagamento da totalidade da renda.
Com efeito, dispõe o art. 1040, nº 1 do CC:
“Se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta, sem prejuízo do disposto na secção anterior.”
Assim, nas situações de degradação do estado do locado, que afetam e diminuem a sua aptidão para os fins ajustados, mas não a impossibilitam totalmente estabelece o art. 1040º, nº 1 do CC poderá o locatário deixar de pagar uma parte da renda, na proporção da diminuição do gozo do locado, mas não poderá recusar o pagamento da totalidade da renda.
Por outro lado, estatui o art. 1036º, nº 1 do CC que quando o locador incorra em mora relativamente à sua obrigação de fazer reparações no locado, e estas se revistam de caráter urgente, pode o inquilino mandar efetuá-las extrajudicialmente, com direito a reembolso.
No caso vertente, o embargante e ora apelado não recorreu a nenhum dos apontados mecanismos, limitando-se a suspender a totalidade do pagamento da renda acordada, sendo manifesto que a omissão das obras necessárias à reposição das condições de salubridade do locado não comprometeu totalmente o gozo do mesmo, mas apenas no tocante ao piso em que se situava o quarto dos seus filhos menores, o que possibilitou que todo o agregado familiar se mantivesse a residir no locado até à data em que a vigência do contrato cessou, embora com evidente prejuízo para a saúde das crianças e o conforto de toda a família, na medida em que os filhos do embargante passaram a dormir no seu quarto.[16]
Como já referimos, a posição dominante da doutrina e jurisprudência vai no sentido de reconhecer a admissibilidade ou aplicação do instituto da exceção de não cumprimento do contrato ao contrato de arrendamento, sendo certo que a invocação desta exceção é admitida tanto em casos de incumprimento total, como de incumprimento parcial ou cumprimento defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa-fé, consagrado no art. 762º, nº 2 do CC, o que pressupõe uma relação de proporcionalidade ou equilíbrio entre a infração contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a exceção.
Como bem saliente ALMEIDA COSTA[17], “(…) seria contrário à boa fé que um dos contraentes recusasse a sua inteira prestação, só porque a do outro enferma de uma falta mínima ou sem suficiente relevo. Na mesma linha, surge a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção. Uma prestação significativamente incompleta ou viciada justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha adstrito. Mas, em tal caso, só é razoável que recuse quanto se torne necessário para garantir o seu direito.”
Em idêntico sentido se pronunciaram, entre outros, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[18]; ARAGÃO SEIA[19], bem como os seguintes acórdãos:
- RG 03-03-2016 (Jorge Seabra), p. 328/14.2T8VCT.G1;
- RP 14-03-2017 (Anabela Dias da Silva), p. 27468/15.8T8PRT-A.P1;
- RL 23-01-2024 (Ana Mónica Mendonça Pavão), p. 457/22.9T8MTJ.L1[20];
- STJ 09-12-2008 (Nuno Cameira), p. 08A3302.
Poder-se-á assim sustentar, como faz MENEZES CORDEIRO[21], que o mecanismo da redução da renda previsto no art. 1040º do CC constitui uma manifestação especial da exceção de não cumprimento consagrada nos arts. 428º a 431º do mesmo código. Este foi também o entendimento manifestado v.g. nos acs.:
- RL 28-03-2017 (Luís Filipe Pires de Sousa), p. 122/15.3T8HRT.L1-7;
- RG 08-09-2020 (Maria do Céu Silva), p. 26151/19.0T8LSB.L1-8.;
- RG 19-11-2020 (Conceição Sampaio), p. 104778/19.3YIPRT;
- STJ 09-12-2008 (Nuno Cameira), p. 08A3302.
Contudo, o funcionamento deste mecanismo de redução da renda depende de iniciativa do inquilino, seja por via judicial, seja extrajudicialmente.
No caso vertente em momento algum o embargante invocou este mecanismo. Não o fez antes da propositura da execução embargada, nem aquando da dedução dos embargos de executado.
Não o tendo feito, não podia o Tribunal a quo substituir-se ao executado e reduzir, por sua própria iniciativa, o montante das rendas em falta.
Assim, cumpre apenas reconhecer que não se verificam os pressupostos de que depende a exceção de não cumprimento do contrato e que por isso inexiste fundamento que obste ao prosseguimento da execução embargada no tocante ao montante de € 18.000,00 correspondente às rendas relativas aos meses de outubro de 2022 a março de 2023, que o executado, embargante, e ora apelado reconheceu não ter pago, bem como aos respetivos juros de mora.
Termos em que nesta parte se conclui pela procedência da presente apelação.
3.2.3. Das custas
Nos termos do disposto no art. 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
A interpretação desta disposição legal, no contexto dos recursos, deve atender ao elemento sistemático da interpretação.
Com efeito, o conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
No sentido amplo, tal conceito inclui a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. arts. 529º, nº1, do CPC e 3º, nº1, do RCP).
sentido restrito, as custas são sinónimo de taxa de justiça, sendo esta devida pelo impulso do processo, seja em que instância for (arts. 529º, nº 2 e 642º, do CPC e 1º, nº 1, e 6º, nºs 2, 5 e 6 do RCP).
O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (vd. arts. 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC). Por isso é devido quer na 1ª instância, quer na Relação, quer no STJ.
Assim sendo, a condenação em custas a que se reportam os arts. 527º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC, só respeita aos encargos, quando devidos (arts. 532º do CPC e 16º, 20º e 24º, nº 2, do RCP), e às custas de parte (arts. 533º do CPC e 25º e 26º do RCP).
No caso vertente, face à parcial procedência da presente apelação, as custas devem ser suportadas por apelante e apelados, na proporção dos respetivos decaimentos.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência, alterar a decisão apelada, julgando os embargos parcialmente procedentes no que diz respeito ao pagamento da quantia de € 3.600,00 relativa a indemnização nos termos previstos no art. 1041º, nº 1 do Código Civil e respetivos de mora vencidos, e vincendos, e determinando o prosseguimento da execução relativamente às demais quantias a que se reporta o requerimento executivo, a saber, € 18.000,00 a título de rendas e respetivos juros de mora.
Custas por apelantes e apelado, na proporção dos respetivos decaimentos.

Lisboa, 24 de setembro de 2024
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva
Edgar Taborda Lopes
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[1] O apelante não numerou as conclusões apresentadas. Para facilidade de análise suprimos tal omissão.
[2] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117
[3] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119
[4] “A ação executiva – à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7ª ed., Gerstlegal, 2017, p. 45.
[5] Ob. cit, pp. 40-41.
[6] “A ação executiva”, AAFDL Editora, 2019 (reimpressão), pp. 230-235.
[7] Aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27-02, retificado pela Decl. Ret. 24/2006, de 17-04, e alterado pelas Leis n.ºs 31/2012, de 14-08; 79/2014, de 19-12; 42/2017 e 43/2017, ambas de 14/06; 12/2019 e 13/2019, ambas de 12/02; com retificações introduzidas pelas Decls. Retif. 7/2019, de 07-03 e 11/2019, de 04-04; pela Lei nº 2/2020, de 31-03, e pela Lei nº 56/2003, de 06-10. Passaremos a reportar-nos a este diploma usando a sigla “NRAU”.
[8] Ponto 2 dos factos provados.
[9] Ponto 7 dos factos provados.
[10] Ponto 43 dos factos provados.
[11] Ponto 1 dos factos provados.
[12] Vd art. 11 do requerimento executivo.
[13] Arts. 1 a 49 da petição de embargos.
[14] Ponto 35 dos factos provados.
[15] Pontos 8 a 34 dos factos provados.
[16] Pontos 19, 20, e 43 dos factos provados.
[17] RLJ 119º, p. 144
[18] vol I, 4ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 406
[19] “Arrendamento Urbano”, 7ª ed., Almedina, 2004, p. 412.
[20] Inédito.
[21] “Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, 2014, p. 72.