Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DA GRAÇA DOS SANTOS SILVA | ||
Descritores: | ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA RESPONSABILIDADE CRIMINAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/20/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | Em processos de abuso de confiança fiscal há que distinguir a fase administrativa e a fase judicial. Ao Tribunal penal não cabe refazer o trabalho feito pela inspecção tributária, de apuramento da matéria tributária e liquidação de imposto, a não ser na restrita medida em que determinada operação seja concretamente impugnada em sede de contestação, e depois de cumpridos tramites tributários administrativos previstos para a oposição às operações referidas. Verificada a inexactidão das avaliações feitas pela entidade tributária, a lei coloca ao dispor do contribuinte uma série de expedientes para que as possa impugnar, caso com elas não concorde, sendo que a liquidação de imposto feita faz fé em juízo. Em sede de procedimento penal a competência do Tribunal não é a de repetir as operações próprias da acção inspectiva, nem tão pouco de as fiscalizar numa perspectiva de cálculo tributário, sem que tenha havido a contestação (escrita) fundada, enunciadora de factos susceptíveis ilidir a presunção inerente à fé em juízo, porque essas operações pertencem a uma área de competência exclusiva dos serviços fiscais. Só depois de verificada a prática de acções de âmbito ilícito, pelos serviços de fiscalização tributária, e uma vez fixada a liquidação, é que se passa à fase judicial, em que a liquidação feita faz fé em juízo, desde que fundamentadas e baseadas em critérios objectivos. O facto gerador da responsabilidade tributária é autónomo da responsabilidade criminal: a obrigação tributária existe independentemente do crime, mas é seu pressuposto necessário. Neste âmbito de distinção, não há confusão possível entre os deveres de informação adstritos ao contribuinte, designadamente através da manutenção de uma contabilidade organizada, transparente e passível de confirmação e qualquer inversão do ónus da prova em juízo, nada se exigindo, nesta fase, ao cidadão. O tempo e o local onde a sua interferência constitui uma obrigação, é o da inspecção tributária. Confirmados os critérios de legalidade e adequação em julgamento, o resultado da inspecção faz fé em juízo e ao arguido compete decidir dos seus meios de defesa estritamente relativos ao campo penal. (Sumário elaborado pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal: I–Relatório: Em processo comum, com intervenção do Tribunal singular, foram julgados os arguidos: - Automóveisamucar - Mediação Automóvel, Lda, sociedade por quotas, com o NIPC 5.......0, com sede na Rua ..... ....., n.° ..., Q____ São ....., C_____, .....-...- S_____; - SLR_____ , casado, nascido a 29.12.1977, natural de Lisboa, empresário, titular do C.C. n.° 1......1, residente na Rua Q_____ do C______; - BNF_____, casado, nascido a 10.01.1980, natural de Lisboa, empresário, titular do C.C. n.° 1......0, residente na Rua ..... -dto, ....-... - A_____. Foram condenados nos seguintes termos: - A sociedade Automóveisamucar pelo pela prática, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal qualificado, previsto e punido (p. e p.) pelos artigos 5°, 7°/3, 105°/1, 5 e 7, do Regime Geral das Infracções Tributárias - Lei 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), e 30º/2, do Código Penal (CP) na pena de 290 dias à taxa diária de 10,00 euros no montante global de 2.900,00; - Os arguidos BNF_____ e SLR_____, pela prática na forma continuada, em co-autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal qualificado, p. e p. pelos artigos 5°, 7°/3, 105°/1, 5 e 7, do RGIT, e artigos 26° e 30º/2, do CP, nas penas de 8 meses de prisão, substituídas por 240 dias de multa à taxa diária de 7,00 euros o BNF_____ e de 8,00€ o SLR_____, no montante global respectivo de €1.680,00 e de € 2.400,00. Os arguidos SLR_____ e BNF_____ contestaram a acusação. O arguido SLR_____ invocou que, embora sendo gerente da sociedade arguida, não facturava as vendas da sociedade nem tratava de documentos relacionados com a fiscalidade porque a facturação e a organização da documentação fiscal e contabilística estavam a cargo do contabilista. Limitava-se a vender as viaturas e a informar o contabilista das vendas e do valor das vendas. Era este que decidia do regime de IVA colocado em cada uma das facturas emitidas e como essas deviam ser emitidas. Não agiu com dolo pois não sabia o que se passava até à realização da inspecção tributária. Invocou, por sua vez, o arguido BNF_____, que nunca foi gerente de facto da sociedade, mas apenas gerente de direito e nunca participou em qualquer acto descrito na acusação, não tendo agido com dolo. *** II–Fundamentação de facto: Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos: 1.–A arguida Automóveisamucar - Mediação Automóvel, Lda., com o NIPC 5.......0, a que corresponde o CAE 4...0-R3, tem a sua sede social na Rua ..... ....., n.° ..., Q____ São ....., ....-... - C_____, S_____ e dedica-se desde 26/09/2012, à actividade de comércio de veículos automóveis e venda e revenda de acessórios e peças novas e usadas para automóveis. 2.–A sociedade arguida foi constituída com a denominação “ROCHA & - MEDIAÇÃO AUTOMÓVEL LDA”, sendo que, em 21-02-2017, alterou a denominação para AUTOMÓVEISAMUCAR - MEDIAÇÃO AUTOMÓVEL LDA. 3.–A sociedade arguida é sujeita passivo de imposto sobre o valor acrescentado, no regime de periodicidade trimestral, tendo alterado para o regime mensal em 1.01.2015. 4.–Estando, por isso, obrigada a liquidar o IVA nas facturas que emite e a entregar o seu valor monetário aos cofres do estado. 5.–O arguido SLR_____ é sócio gerente da sociedade arguida a quem incumbe a responsabilidade da gestão administrativa e financeira, em nome e por conta da sociedade arguida, desde o início da constituição da sociedade. 6.–O arguido BNF_____também foi sócio gerente da sociedade arguida desde 26.09.2012 até 26/11/2014, data em que renunciou, a quem incumbia também a responsabilidade da gestão administrativa e financeira, em nome e por conta da sociedade arguida, desde o início da constituição da sociedade. 7.–Ambos os arguidos celebravam em nome e no interesse da sociedade arguida os contratos de compra e venda de viaturas, de intermediação financeira, cabendo a ambos a gestão administrativa e financeira da sociedade arguida. 8.–No âmbito de actividade de comercialização de veículos automóveis, a sociedade arguida promoveu junto dos adquirentes o financiamento das mesmas junto de três instituições financeiras com quem trabalhava: -Banco Primus, SA, NIPC 5.......9, -Banco Credibom, SA, NIPC 5.......6 e -Banco Santander Consumer Portugal SA, NIPC 5.......3. 9.–Pelo serviço de intermediação financeira a sociedade a arguida cobrou comissões às instituições financeiras com quem colabora, que se encontram isentas de IVA nos termos da alínea a) do n° 27° do artigo 9° do CIVA. 10.–A sociedade arguida cobrou ainda comissões de intermediação aos adquirentes das viaturas, pelas quais liquida IVA à taxa normal. 11.–Sucede que os arguidos por si e no interesse da sociedade arguida decidiram não declarar fiscalmente todas as vendas que efectuaram, não emitindo facturas a cobrar o IVA, de forma a não pagar imposto, e receberam as quantias pagas pelos bancos financiadores e clientes nas suas contas pessoais. 12.–Assim, os arguidos omitiram os seguintes montantes de bases tributáveis e IVA em falta por trimestre, determinados apenas com base nas omissões de vendas e comissões de intermediação indevidamente facturadas: Período omissões de vendas Base tributável em € IVA liquidado em €: 2013- 03T - 141.308,55 32.500,97 2013- 06T - 91.048,80 20.941,22 2013- 09T - 152.980,53 35.185,51 2013- 12T- 381.382,43 87.717,95 Total 2013- 766.720,31 176.345,65 2014- 03T- 382.003,59 87.860,82 2014- 06T - 661.405,87 152.123,35 2014- 09T - 676.095,79 155.502,01 2014- 12T - 1.233.786,83 283.771,03 Total 2014- 2.953.292,08 679.257,21 13.–Após inspecção da autoridade tributária verificou-se que o valor do IVA liquidado e recebido pela sociedade arguida decorrente das vendas omitidas ascendeu aos seguintes montantes: Período - Iva liquidado e não entregue, 2013- 03T- 32.500.97 € 2013- 06T- 20.941.22 € 2013- 09T- 35.185.51 € 2013- 12T- 87.717.95 € 2014-03T- 87.860.82 € 2014-06T- 152.123.35 € 2014- 09T- 155.502.01 € 2014- 12T- 283.771.03 € 14.–A sociedade arguida tinha entregue (dentro do prazo legal para o efeito) as declarações periódicas dos períodos em causa das quais tem crédito de imposto nos seguintes montantes: Período - IVA APURADO- Declaração. 2013-03T - 25.731,06 € (crédito imposto) FLS. 126 2013-06T - 37.746,97 € (crédito imposto) FLS. 127 2013-09T - 35.797,78 € (crédito imposto) FLS. 128 2013- 12T -35.268,70 € (crédito imposto) FLS. 129 2014- 03T - 35.734,65 € (crédito imposto) FLS. 131 2014- 06T - 17.184,01 € (crédito imposto) FLS. 132 2014- 09T - 17.308,14 € (crédito imposto) FLS. 134 2014- 12T - 6.121,86 € (crédito imposto) FLS. 136 15.–Assim, a prestação tributária em falta resulta do IVA liquidado apurados pelos Serviços Inspectivos, descontado do valor do crédito de imposto apurado nas declarações periódicas de IVA, que a sociedade arguida já tinha entregue conforme se discrimina: Período- IVA liquidado - Crédito de imposto - Prestação tributária em falta 2013-03T - €32.500,97 € 25.731,06 € 6.769,91 € 2013-06T - €20.941,22 € 37.746,97 € -16.805,75 € 2013- 09T- €35.185,51 € 35.797,78 € € -612,27 € 2013- 12T €87.717,95 € 35.268,70 € 52.449,25 € 2014- 03T €87.860,82 € 35.734,65 € 52.126,17 € 2014- 06T - €152.123,35 € 17.184,01 € 134.939,34 € 2014- 09T - €155.502,01 € 17.308,14 € 138.193,87 € 2014- 12T - €283.771,03 € 36.121,86 € 247.649,17 € 16.–Sendo a sociedade arguida representada pelos arguidos devedora de IVA nos períodos de 2013-12T, 2014-03T, 2014-09T, 2014-12T. 17.–Tais quantias retidas por conta do Estado Administração Fiscal deviam ter sido declaradas e entregue aos cofres do Estado até ao dia 15 do 2.° mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitam as operações. 18.–Porém a primeira arguida, cuja vontade foi exercida pelo segundo e terceiro arguidos, apresentaram declarações de imposto com valores inferiores ao imposto que deviam ter cobrado. 19.–Assim, os arguidos apropriaram-se das importâncias de 52.449,25€, 52.126,17€, 134.939,34€, 138.193,87€, €, 247.649,17, € relativas ao IVA não entregue aos cofres do Estado, que integraram nos seus patrimónios. 20.–Os arguidos SLR_____ e BNF_____ actuaram, por si e em representação da sociedade arguida Automóveisamucar - Mediação Automóvel, Lda., com o objectivo de fazerem suas as quantias acima referidas, embora soubessem que tinham o domínio provisório das mesmas. 21.–Embora soubessem que tinham obrigação de entregar as importâncias acima referidas em 19) e que as mesmas não eram sua pertença, quiseram os arguidos SLR_____ e BNF_____, por si e em representação da sociedade Automóveisamucar - Mediação Automóvel, Lda., fazê-las suas, e integrá-las no seu património e da sociedade delapidando o Estado nas importâncias correspondentes, objectivo que lograram alcançar, sendo que a conduta homogénea se prolongou no tempo. 22.–Os arguidos agiram livre, e conscientemente embora sabendo que tais condutas eram reprovadas e punidas por lei. 23.–Nenhuma dos arguidos pessoas singulares ou sociedade tem antecedentes criminais, 24.–O arguido SLR_____ é gerente da empresa em causa aqui arguida, e de uma outra empresa que também tem por objecto além do mais comércio de veículos automóveis e comércio de imóveis; 25.–Ganha da referida empresa aqui arguida, como gerente cerca de 1.500,00 euros mensais; 26.–Aufere outro salário na outra sociedade onde exerce actividade na quantia de 2.500,00 euros, 27.–Vive com a esposa que trabalha e com uma filha de 13 anos; 28.–Paga de empréstimo para aquisição da habitação a quantia de 400,00 euros/ mensais; 29.–Paga 500,00 euros/ mensais ao colégio da filha, 30.–Em despesas gerais, de casa, e alimentação despende a quantia média mensal de 600, 00 euros. 31.–O arguido BNF_____ é administrativo, 32.–Trabalha actualmente numa empresa de crédito do ramo automóvel, 33.–Ganha a quantia de 650,00 euros/ mensais, 34.–Vive com a esposa que trabalha e ganha 950,00 euros/ mensais; 35.–Tem três filhos menores, e um enteado também menor, sendo que a filha mais nova e o enteado vivem consigo e os outros dois filhos menores vivem com a mãe; 36.–Paga de renda de casa a quantia de 450,00 euros/ mensais, 37.–De pensão de alimentos para os dois filhos menores paga o montante de 300,00 euros mensais; 38.–Em despesas gerais de casa, nomeadamente, consumíveis despende o montante médio mensal de 200,00 euros. 39.–Depois da inspecção tributária o arguido SLR_____ tratou de pedir dinheiro emprestado, de se capitalizar e assim procedeu-se ao pagamento integral da divida em causa nestes autos à Autoridade tributária, 40.–Existia entre o contabilista da sociedade nos anos de 2013/ 2014 uma relação de confiança. *** Factos não provados: Não se provou que: a)-Em 2013, 2014 e 2015 o arguido SLR_____ não facturava vendas da sociedade arguida, nem tratava de quaisquer documentos relacionados com a fiscalidade da mesma sociedade, b)-A facturação e organização da documentação fiscal e contabilística da sociedade arguida estava a cargo do contabilista, c)-Era o contabilista que tratava de toda a facturação e documentos relativos à contabilidade e à fiscalidade, d)-O arguido SLR_____ limitava-se a vender as viaturas e a informar o contabilista do valor de venda das mesmas, e)-O contabilista ora visitava as instalações da sociedade, e levava às facturas referentes aos gastos da sociedade (sendo esta emitidas por terceiros prestadores de serviços e fornecedores) ou era o arguido que se se deslocava ao gabinete do contabilista e levava as caixas com esses documentos emitidos do mesmo modo, f)-A facturação da sociedade arguida era feita em exclusivo pelo contabilista sendo este que decidia o regime de IVA colocado em cada uma das facturas emitidas, e bem assim quando as facturas deveriam ser emitidas, g)-O arguido SLR_____ não tinha qualquer intervenção nessa questão sendo o contabilista quem fazia questão de tratar do tema, pois dizia que era para melhor classificar os documentos, e gerir os impostos a pagar, h)-O arguido SLR_____ limitava-se a pagar os impostos que o contabilista lhe solicitava que pagasse, sendo este quem lhe levava as guias para que este efectuasse o pagamento, chegando até a haver situações em que foi o contabilista a pagar os impostos e depois era reembolsado, i)-A sociedade arguida e o arguido SLR_____ apenas tiveram conhecimento de que a contabilidade não era correctamente tratada, ou melhor processada porque ocorreu a inspecção tributária, e foram apurados valores que antes o contabilista não havia solicitado que fossem pagos, j)-Só depois da inspecção tribuária ficou o arguido SLR_____ a saber que não havia sido emitida diversa facturação, k)- Só depois da inspecção tributária o arguido SLR_____ ficou a saber que o regime de IVA aplicado nas facturas de venda das viaturas usadas importadas da EU não era o legal, nem tinha coincidência com o regime de IVA das compras das viaturas em causa, l)-O arguido SLR_____ não tinha conhecimento da forma como era tratada a facturação da sociedade, porque a sua função sempre foi comercial e de vendas na sociedade pois era isso que tinha que fazer, e sabia fazer, m)-O arguido BNF_____ nunca geriu a sociedade arguida, n)-O arguido BNF_____ era um mero comercial que só se dedicava às compras e vendas nessa sociedade. «Consigna-se que não foram reconduzidas aos factos provados (nem aos não provados) as alegações estranhas ao objeto processual configurado, e delimitado nos autos pelo despacho de acusação, nem as que consubstanciam factualidade supérflua e irrelevante face a esse objeto, e as alegações destas conclusivas por se revelarem improfícuas para a decisão, pois não respeitam ao preenchimento dos elementos constitutivos objetivos e subjetivo do crime que se mostra imputado aos arguidos nem as que se mostram irrelevantes para a defesa dos arguidos». *** *** IIII–Fundamentação da aquisição probatória: O Tribunal a quo justificou a aquisição probatória nos seguintes termos: «(…) A convicção do Tribunal assentou na análise crítica e concatenada dos elementos probatórios produzidos nos presentes autos, que, foram apreciados segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador (cf. artigo 127.°, do Código de Processo Penal). Feitas estas considerações, cumpre referir que o tribunal formou a sua convicção através da análise dos seguintes meios de prova neste caso muito relevante prova, documental, ou seja, relatório de inspecção e anexos de fls. 131 a 155 do Vol. 1, Anexos 1 a 9 do relatório de inspecção de fls. 156 a 252 do Vol. 1, Anexo 10 a 17 do relatório de inspecção de fls. 255 a 505 do Vol. 2, com extratos de conta, facturas de vendas de viaturas; Anexos 18 a 29 do relatório de inspecção com cópias de conciliações bancárias e pagamentos dos bancos financiadores de fls. 508 a 756 do Vol. 3; Anexo 30 a 37 do relatório de inspecção com conciliação de documentação bancária, de financiamento com os documentos de venda das viaturas de fls. 759 a 1042 do Vol. 4; Anexo 38 a 44 do relatório de inspecção com conciliação de documentação bancária, de financiamento com os documentos de venda das viaturas de fls. 1046 a 1263 do Vol. 4, declarações de IVA apresentadas de fls. 174 verso a 175, 206 a 218 verso do vol. 1; declarações modelo 22 IRC dos anos de 2012 a 2014 de fls. 194 a 202 do vol. 1 Balancete de contas exercícios de 2013 a 2014 de fls. 180 a 192, 225, 235 verso a 243 do vol. 1, cópia de facturas de intermediação financeira de fls. 289 a 369, 440 verso a 505 do vol. 2 -Inventário de 2012, 2013, 2014 de fls. 370 verso a 371 verso, Balancete de fls. 219 verso a 220 de vol.1 Extrato de conta de 1.1.2012 a 31.12.2012 de fls. 221 a 225 do vol. 1; Extrato de conta de 1.1.2013 a 31.12.2013 de fls. 226 a 235 do vol. 1, Extrato de conta de 1.1.2014 a 31.12.2014 de fls. 237 a 252 do vol. 1 - Vendas e prestações de serviços e intermediação dos anos de 2012, 2013 e 2014, de fls. 276 e verso 283 do vol. 1, registo dos clientes particulares 2014 de fls. 283 verso a 287 do vol. 2 -informação das quantias pagas pelo Santander de fls. 553 verso a 564 do vol. 3; -cópias de pesquisas de veículos vendidos e facturas de intermediação de fls. 804 a 1042 do vol.4 -Listagem com os contratos de financiamento com as instituições de crédito intermediados de fls. 1046 verso a 1074 do vol. 5; Listagens de pagamentos efetuados pelas instituições de crédito de fls. 1125 verso a 1258 do vol. 5, -Autos de notícia de fls. 1267 a 1268 do vol. 5 - Acta da reunião do pedido de revisão nos termos do art.° 91.° da Lei geral tributária de fls. 1269 a 1274 do Vol. 5(que foi feito pelos arguidos), Mapa de fls. 1008 verso a 1010 verso sendo que neste são relacionadas as viaturas que, tendo sido financiadas, se encontram nas seguintes situações- (Viaturas com comissão de intermediação faturadas; viaturas com comissão de intermediação e com garantia faturadas, viaturas com garantia faturada, viaturas sem faturação emitida, identificadas estas na coluna “R&F - faturou” com a expressão “Nada” - nesta parte muito relevante tendo em conta a demais prova tanto documental, como por declarações podendo verificar-se que a receita pela venda das viaturas aludidas entrou na esfera da atividade praticada pela sociedade, sendo portanto um crédito desta sociedade), parecer (art.° 42, n.° 3, do RGIT) de fls. 1382 a 1402 do vol. 6, quadro discriminativo das faturas com pagamentos efetuados de fls. 1400 do vol. 6, certidão permanente da sociedade( desde logo quanto aos factos constantes dos pontos 1), 2), 5) e 6) - parcialmente confirmadas pelos arguidos, quanto à responsabilidade da prática de actos na aludida sociedade, CRC dos arguidos bem ainda como os documentos juntos na fase de instrução, e juntos com a referida instrução a fls. 1455, 1457 e 1460 (nomeadamente de onde decorre que todo o pagamento da quantia em causa nestes autos foi já mesmo antes dessa fase liquidada), tendo ainda em conta a prova por declarações dos arguidos e prova testemunhal produzida no âmbito destes autos analisado de acordo com regras de experiência comum, lógica e normalidade da vida. Vejamos, Ambos os arguidos ambos prestaram declarações. Quanto ao arguido SLR_____ este referiu ser gerente da sociedade aqui arguida, qualidade que mantem na atualidade - mas refere que a acusação que lhe está a ser feita não é verdadeira, desde logo “porque não teve intenção de se apropriar de nada e pensa que os valores não estão corretos. Em termos de valores, não teve intenção nenhuma “de fugir a nada”. Nada do que foi feito foi para lesar seja quem for. Como sócio gerente da sociedade a responsabilidade pelos pagamentos era sua, (todos os pagamentos eram responsabilidade sua bem como do outro arguido, também pois este podia fazê-lo à data em que era gerente). Quando havia algo para pagar fazia-o (mais este do que o outro arguido). Referiu depois que apenas mandava aos processos à contabilidade, mas não negando que antes eram feitos os processamentos das faturas, pois as pastas eram entregues com os elementos já colocados. Por referência aos anos em causa quando tinham o senhor Américo como contabilista (sendo que este faleceu em 2015) levavam todos os processos referentes às vendas para o escritório de contabilidade, e depois quando estes lhe diziam o que era para pagar pagavam, e não questionavam. Em termos de faturação a partir do momento em que há uma empresa que faz a faturação, refere teria deixando “de ter controle”. Também quanto ao arguido BNF_____ este arguido refere que ambos os arguidos- pessoas singulares- na qualidade de gerentes à data podiam tomar decisões relativamente a todos os aspectos da vida da empresa, pois ambos tinham acesso a todos os elementos da mesma empresa (contas bancárias, documentos, e cartões de crédito, faziam os pagamentos aos trabalhadores. Mais refere que antes de 2012 já tinha trabalhado no ramo dos carros usados e explica bem saber os tipos de regimes de IVA - os quais explicou perfeitamente sem qualquer dúvida ou hesitação (tanto o IVA com regime geral ou especial, IVA sobre a margem). Sabia perfeitamente (como disse) qual o regime que era aplicado, e em que situações um dos regimes era aplicado e os outros regimes eram aplicados. Os documentos da empresa relativos às vendas ficavam numa pasta, e eram entregues à contabilidade. No momento que eram entregues ao contabilista os documentos teriam os dados para o regime que seria aplicável. Depois adiante admite que existiram veículos que não foram facturados - assim confessando parcialmente os factos, mas com reservas -) (mas pensa a este propósito - sem outra explicação que poderia ter sido “lapso”) e, e que também existiram (o que admite) “confusões” entre as contas bancárias particulares dos gerentes e a conta bancária da empresa. Havia transferência das contas particulares dos gerentes para a conta da empresa e o inverso, referindo embora que o lucro sempre foi faturado pela empresa. Admite que existiram irregularidades, mas referindo aqui, nesta parte sem qualquer explicação, que teria sido a contabilidade que induziu no procedimento de tais irregularidades (mas não explicando sequer minimamente como tal ocorreu). As irregularidades referidas existiram (o que também admite) até que actividade tributária fez a auditoria que deu causa a este processo. Refere ainda que na altura da auditoria tentaram analisar o máximo de processos possíveis e acharam que autoridade tributária não tinha levado em conta a documentação que lhe foi facultada no que se reporta a valores (sendo que as testemunhas que aqui prestaram depoimento inspetoras da autoridade tributária referiram, porém, que apesar de muitas vezes e mesmo em sede de direito de audição terem sido solicitados documentos de suporte estes nunca foram facultados). Na verdade, as declarações deste arguido - tal como as outro arguido embora o outro arguido de forma menos expressiva - não se mostram credíveis, de acordo com regras de experiência comum pois, por um lado assume que todos os pagamentos passavam também por si (mais ainda do que pelo outro gerente à data embora este também o fizesse) e que geria (tal como o outro arguido) a sociedade nas alturas em causa e admite as irregularidades referindo que estas efetivamente existiram mas que teria sido uma indução do contabilista que apenas lhes dizia o que era para pagar. Confirma que foram que pagos todos os valores em causa nestes autos à A.T após a actividade inspectiva o que se mostra documentalmente provado nos autos. Mais disse ainda que trabalhava como comercial (embora fosse gerente), que todos os documentos eram entregues no contabilista, no entanto já iam processados no sentido de preenchidos com os dados das vendas- o que mesmo destas declarações leva a crer que não era o contabilista que emitia faturas. Já o outro o arguido BNF_____ tratava mais dos financiamentos juntos das entidades de crédito com quem trabalhavam, mas tinha acesso a tudo, nomeadamente cartões, e contas bancárias, procedendo também aos pagamentos decorrendo também daqui que seria gerente de facto e de direito (o que bom rigor o outro arguido também não nega). Referiu como vimos que houve alguns casos de valores que não foram lançados por situações de erro (admitindo a existência de omissões), admitindo também que houve valores das financeiras que foram para a conta da empresa, e seguidamente para as contas particulares dos gerentes, e depois com estes valores eram pagas outras despesas nomeadamente no que se reporta a legalizações - pelo que na verdade também aqui admite “essa confusão” e circulação de valores entre as contas privadas dos sócios e as conta da empresa. Refere que era assim que procediam porque sempre o fizeram, desde o inicio da empresa (sem explicação concreta), admitindo que houve erros - que depois foram corrigidos, mas após a auditoria. O arguido BNF_____ refere apenas que não será verdade a divida quanto ao montante em questão (mas não sabendo explicar do motivo). Refere que também era comercial, e toda a documentação relativa a vendas do que sabe seria entregue ao escritório de contabilidade e que desconhece como se processava. Antes de trabalhar nesta sociedade já tinha trabalhado numa outra empresa que tratava de financiamento de automóveis. Tanto este, como o outro arguido, (admite) tomavam todas as decisões da sociedade na altura que está em causa na acusação (pelo que se forma além do mais a convicção do tribunal quanto ao ponto 7). Foram pagos os valores que lhes foi dito estarem em divida pela AT. Sabendo embora que tinha responsabilidade sobre a empresa por ser gerente refere que estava descansado quanto aos impostos porque a contabilidade era entregue a pessoas que sabiam. Refere que provavelmente existiriam faturas que a autoridade tributária não havia considerado no âmbito do processo para efeitos de contabilização - mas, no entanto, não refere quais sejam ou sequer porque não foram apresentadas quando solicitadas, portanto, foram pedidas no âmbito da actividade inspetiva. Vemos logo aqui como acima exposto que o arguido SLR_____ reconhece a existência de “erros” no tratamento de alguns pagamentos, falta / omissão de faturação de algumas viaturas, e efetivamente circularização de dinheiro da conta empresa para as contas particulares dos gerentes - apenas se sustentado aqui na tese que os valores são demasiado elevados (os que estão em causa nestes autos) e ainda por outro lado que era o falecido contabilista que lhes dizia o tinham que pagar. Como vimos as declarações deste nessa parte revelam-se pouco credíveis considerando que refere, por um lado que era responsável por todos os pagamentos (e também o outro arguido) mas nesta parte (única) nega a responsabilidade quanto à questão dos impostos mencionando aqui que “ pagava o que o contabilística lhe dizia”, isto apesar de aceitar a omissão de faturação, bem como circulação de dinheiro das contas da empresa para a contas particulares e o inverso (facto que como disse era do seu conhecimento - sem qualquer explicação para tal) sendo que também admite que a documentação prévia que iriam servir de base ao processamento dos impostos, era entregue ao contabilística previamente de onde que este não faria o lançamento de faturas. Ouvida a prova testemunhal, pela testemunha Inês Ribeiro investigadora tributária que exerce funções de investigação criminal na área de autoridade tributária e que elaborou o parecer final que na íntegra confirmou prestou depoimento com isenção e imparcialidade - tal como a testemunha seguinte, o fez. Refere que tal parecer foi feito de acordo com os documentos juntos aos autos o qual analisou. O regime de IVA da sociedade arguida era regime normal trimestral tendo passado depois a mensal. Foi apurado que embora tendo sido liquidado IVA este não foi entregue nos Cofres do Estado nos períodos referidos de 2013 a 2014 e nos moldes que constam da acusação (os valores apurados por métodos indiretos por se tratar de um caso de omissão de faturação). O indício inicial que gerou dúvidas sobre as irregularidades, baseou-se na constatação existência de uma margem bruta sobre as vendas negativa, as compras tinham assim um valor superior às vendas, o que desde aponta no sentido de que a contabilidade da empresa não refletia a situação real financeira da mesma empresa - por omissão de vendas. Após e para tal teve-se em conta a análise dos extratos das contas bancárias tanto dos gerentes à data, (ambos os arguidos pessoas singulares) como da sociedade. A autoridade tributária pediu o levantamento do sigilo bancário quer à sociedade, quer aos sócios gerentes, sendo que após verifica-se que pelas contas bancárias dos gerentes passava um grande número de movimentos ligados à actividade da empresa (o que o arguido SLR_____ como vimos confirma) sendo que por outro lado, existiam muitos movimentos nessa contas para contas (reflexo de movimentos mercantis) que se destinariam a aquisição de viaturas e pagamento de serviços de legalização e outros relacionados com a actividade da empresa. Assim os gerentes como decorre da análise da documentação dos autos que deu origem ao parecer utilizavam as suas contas bancárias particulares na gestão financeira da empresa e realizaram pagamentos a partir dos valores transferidos a crédito das suas contas e com origem nas financeiras tendo sido obtido junto das sociedades financeiras a identificação das viaturas intermediadas, valores de créditos concedidos e preços de venda das viaturas. Analisou-se o circuito financeiro dos valores creditados nas contas bancárias, tendo-se verificado que a maioria desses montantes foi transferida para as contas bancárias dos sócios gerentes e era utilizado para fazer compras das empresas, as contas dos gerentes refletiam questões relacionadas com a empresa, era usadas para comprar viaturas ou para pagar a fornecedores e legalizações tendo e permitido ver viaturas intermediadas e apurar as viaturas adquiridas pelos clientes através das financeiras - consta o mapa de fls 1008 verso a 1010 verso, onde se mostram elencados viaturas cuja faturação não foi emitida ou só foi emitida em parte. Não existem faturas de venda e foi com base nessa omissão de vendas que se fez o cálculo do que era devido, sendo que o Estado era sempre devedor do sujeito passivo. A fls 1390 resume-se os valores das omissões totais de venda explicitando como foi feita a contabilização. A omissão de venda pura é igual ao IVA liquidado, mas sempre de menor valor. Calculou os valores nos termos que constam do parecer e do mapa, procedendo-se à determinação do preço da viatura com base no valor das entradas das contas bancárias da sociedade arguida com origem nos movimentos das financeiras que por estas foi aprovado e transferidas as quantias para a conta bancaria R& F, - valor que é o mais se mais se aproxima do que foi o valor que foi efetivamente recebido pelas vendas das viaturas relacionadas no mapa. Após determinado o preço de venda de cada viatura - entrada na conta bancária R&F - os serviços inspetivos procederam à determinação por dentro da respectiva base tributável - base tributável dividindo por 1,23 - montante que consta da coluna de entrada da conta bancária R& F. A determinação do IVA por métodos indiciários foi efetuada pela aplicação da taxa de 23% à base tributária em termos de exigibilidade do imposto. São consideradas as datas das transferências a partir das financeiras, como data de entrada dos valores, tendo em conta os extratos das contas bancárias do sociedade (cruzamento desses dados) tendo sido apuradas na totalidade receitas nos moldes referidos nos factos provados de 943, 065, 96 por referência ao ano de 2013 e 3.632, 549, 29 por referência ao ano de 2014 - cujos recebimentos se mostram creditados a favor da sociedade arguida - por recurso a índices. Para apuramento do volume de negócios e correspondente Iva liquidados calculou-se o IVA à taxa normal sendo a exigibilidade no momento de recebimentos das contas bancárias. Não tem conhecimento que os arguidos tenham impugnado os valores, foram feitas varias diligências para que as faturas cuja omissão aqui se mostra em causa fossem apresentadas na altura, mas tal nunca ocorreu. Não tem qualquer ideia de quem geria a empresa pensando que seria o arguido SLR_____, mas talvez seja porque ouviu mais o nome deste. A testemunha A______ inspetor Tributário referiu ter feito diligencias do âmbito do procedimento inspetivo tendo sido mais explicativa nos cálculos dos valores pois a testemunha anterior baseou-se na documentação dos autos para elaborar o parecer. Analisou inicialmente a contabilidade, foi apurado através das intermediárias que havia vendas que não surgiam refletidas na contabilidade. A autoridade tributária pediu o levantamento do sigilo bancário quer quanto à sociedade quer quanto aos sócios gerentes. Verificou-se que as contas dos gerentes era utilizado pela empresa, através desta faziam compras das empresas, refletia questões relacionadas com a empresa, eram usadas para comprar viaturas ou para pagar a fornecedores e legalizações. Foram analisados os documentos que constam dos autos (na íntegra os quais confirmou) e o principal fluxo de entrada nas contas das empresas partia das financeiras. Não existiam documentos de suporte, o que existia na contabilidade da empresa eram os extratos bancários, e os movimentos mostrava-se titulados apenas por documentos internos. O dinheiro entrava através das financeiras e saía para as contas de um dos sócios, depois saía para outras contas bancarias de terceiros. Também sucedia o mesmo fluxo relativamente às contas da empresa. Havia “uma confusão entre as contas bancárias” (facto também admitido pelo arguido SLR_____). Foram pedidos vários esclarecimentos para perceber o que estava na origem do dinheiro, se existiam processos para venda de viatura, ou faturas, mas apesar de regularmente notificados em sede própria nomeadamente em sede de audição prévia nunca foram facultados documentos de suporte pelos gerentes. O inicio do processo teve a ver - também - com a existência de conta/ caixa com valores muito elevados, porque sendo tais valores tao elevados deveriam estar no banco (e não em conta/ caixa). O dinheiro, através dos movimentos permitiu ver viaturas intermediadas e apurar viaturas adquiridas pelos clientes através de financiamento. A análise baseou-se nos movimentos financeiros nas contas da empresa, quanto a uma série de viaturas, (constantes da lista dos autos) os valores de financiamentos entraram na conta bancárias e depois foram utilizadas em diversas movimentações da sociedade (movimentos mercantis). As financeiras informaram os valores de venda, e com base nessas informações, e valores, foram vistas contas bancárias e respectivas transferências. Todos os valores de financiamento que foram apurados foram transferidos para a conta bancária da empresa, e depois para as contas dos sócios inexistindo, porém os respectivos documentos de suporte. Verificaram muitas transferências para a conta da empresa - os quais se referiam a viaturas que não foram facturadas - e confrontando a conta bancária da sociedade tais valores entraram. Algumas viaturas não foram consideradas, - apenas foram contabilizados os valores que efetivamente deram entrada através das financeiras na conta da empresa, mas sem qualquer documento de suporte. No âmbito da ação inspetiva foram apuradas outras irregularidades, mas quanto às duas outras situações verificou -se que não teriam relevância penal. A forma como se chegou aos valores e cálculos segundo explicitou teve por base a documentação fundamental que foi obtida através das financiadoras, referentes as entradas e saídas de dinheiro da conta bancária, e também foi apresentada uma relação dos veículos. Feito um cruzamento de dados dos veículos e nome de aquisição que constam dos extratos bancárias inexistia qualquer documento que sustentasse as referidas vendas. Verificou que as quantias referentes aos veículos com base nas listas das financeiras entravam nesse circuito na conta da empresa. No caso os arguidos foram notificados para o direito de audição, o que se verifica ter ocorrido em 09.04.2018 podendo nessa altura ter junto documentos de suporte (caso existissem) tal com o consta dos autos, o que não fizeram- não o fazendo sequer até ao presente data. Depois na contabilidade em si tendo por base o valor do financiamento determinou-se que neste o valor de financiamento estava o IVA. Sabendo-se o IVA, sabe-se o valor da matéria tributável, mostrando-se plasmado no mapa que consta dos autos de fls 1008 verso a 1010 verso (consta do anexo II do relatório). O valor que vai servir de base é o valor do financiamento que entra na conta RF confirmando os valores que constam da acusação – que foram obtidos por recurso a método indireto - por ser totalmente impossível, neste caso fazer um apuramento por recurso a método directo - dada a omissão de faturação. O apuramento da omissão foi com base em entradas de pagamento de financiamentos em viaturas não faturadas. Com as diligências que foram feitas na fase prévia inclusive notificação dos arguidos visou obter todos os documentos de suporte, porém os documentos nunca foram facultados - o que sucede até ao presente. A testemunha contabilista (técnico de contas) referiu conhecer os arguidos e a sociedade porque o pai foi contabilista da empresa arguida. O pai foi contabilista da empresa que à data se chamava R&F. Conhece os outros arguidos por serem gerentes da sociedade. O pai tratava dos assuntos da empresa. Refere a testemunha que não ajudava a fazer os lançamentos contabilísticos, mas chegou a mexer nos papéis da empresa. O pai tinha por base os documentos para fazer a contabilidade nomeadamente as faturas de venda das viaturas e os extratos das contas bancárias - não seria o pai que emitia as faturas (embora dizendo mais adiante em contradição que poderia ser), já as trazia consigo, tinha a ideia de que as faturas não eram feitas no escritório. Se as faturas lá apareciam “era porque já estavam feitas” (respondeu espontaneamente) - o que significa também que estas apenas podiam ser facultadas pelos arguidos gerentes da empresa. Pensa que as faturas eram informáticas. Podia haver a probabilidade de o pai ter feito as faturas (mas não explicando porque razão tem essa ideia tanto mais que é contraditório com o que referiu de inicio). Lembra-se de ter ido uma vez ao stand que era um escritório, não se recorda de ter ido a alguma reunião - sendo certo que refere nesta parte que “os gerentes eram os arguidos”. Não tem ideia de ter visto no escritório de contabilidade do pai onde também trabalhava documentos internos da sociedade arguida (que como foi dito pela testemunha anterior existiam e estariam assim na empresa). Quanto às testemunhas dos arguidos estas revelaram escasso conhecimento directo da matéria em apreciação, (ao invés do que sucedeu com as testemunhas inspetores tributários: A testemunhas trabalhou na sociedade arguida até 2014, fazia serviços externos e preparava a documentação que lhe entregavam, pensa que a incumbência dos gerentes seria na data mais da área comercial. A empresa tinha contabilidade externa, e tanto ia a contabilista buscar a documentação como iam levar a documentação. A ideia que tem é que a contabilista é que fazia a faturação (mas não sabe explicar o motivo pelo qual tem essa ideia - sendo que mesmo das declarações de SLR_____ tal não resulta) A testemunha, vendedor conhece os arguidos porque trabalhou e ainda trabalha para a empresa arguida, e trabalha para o arguido SLR_____ tendo trabalhado também para o arguido BNF_____. Os arguidos na data que está em causa nos autos em concreto de 2012 e 2014 eram os responsáveis do stand, os gerentes da empresa, eram os seus patrões (não restando aqui dúvidas de que ambos eram gerentes de facto além de direito). Na parte de contabilidade os processos eram juntos e remetidos ao contabilista que ia várias vezes à empresa. A testemunha, comercial, trabalha também para a empresa arguida desde 2014, conhecendo os arguidos pessoas singulares porque “trabalhou para os dois”. Trabalha actualmente para o arguido SLR_____. O SLR_____ “é o gerente”, “é o patrão”, “é a pessoa que trata de tudo”. A papelada quem fazia “era a contabilidade”. Pensa que quem fazia as faturas era a contabilidade - respondendo de forma pouco credível nesta parte - pois a pergunta estava a ser feita actualmente, mas a testemunha refere logo que era o senhor AP..... (que já faleceu em 2015) que tratava de tudo - sem consistência ou razão de ciência para tal). Em resumo nesta parte verifica-se que quanto aos valores que vieram a ser determinados e apurados pela A.T por via de acesso a contas bancárias dos sujeitos passivos, circularização de informação junto das entidades financiadoras das vendas efetuadas pela sociedade arguida e documentos de conciliação bancária, apurou-se diversas situações anómalas e, de entre estas, concluiu-se, com base, - diga-se, em critérios de beneficio da dúvida e de insuficiência de prova- , que apenas estavam em causa situações de IVA liquidado, e não entregue relacionado com a omissão de vendas, ou seja, situações em que as declarações de IVA referentes aos períodos tributários mencionados nos autos e nos factos provados, foram expedidas pelo sujeito passivo de imposto (no caso os arguidos e a sociedade arguida) nos prazos e nos termos legais, mas cuja expressão pecuniária ali aposta não correspondia ao IVA efetivamente percebido pela sociedade arguida. Verifica-se de toda a prova (documental e testemunhal) que tendo os serviços inspetivos apurado omissões de vendas com base em valores entrados em contas bancárias da sociedade arguida com origem no financiamento aprovado pelas respetivas financeiras e que, como se refere no relatório inspectivo, deram entrada em “conta bancária R&F”, conclui-se, por via das datas apuradas, que o IVA foi percebido no acto da transacção, ou seja, antes da data limite de pagamento. Trata-se de verbas que, estando omissas nas declarações de IVA - as quais foram oportunamente entregues, terá levado ao recálculo oficioso das verbas então ali expressas, e a consequente retificação do valor a pagar nos períodos respectivos pela sociedade arguida sendo aliás por esse motivo que também não foi dado cumprimento ao disposto no art° 105°, n. °4 al b) do RGIT, uma vez que se tratava de verbas omissas nas declarações de IVA - estas atempadamente apresentadas- , que tiveram de ser alvo de recálculo pela A.T dando afinal origem a valores superiores aos preteritamente comunicados pela sociedade arguida. Salienta-se que mesmos das declarações dos arguidos tendo em conta sobretudo as do arguido SLR_____.Costa ambos à data estes eram sócios gerentes da pessoa colectiva (sociedade), representavam-na e obrigavam-na perante terceiros, quinhoavam nos lucros e nas perdas, se o seu grau de autonomia era maior ou menor em determinadas áreas, delegando funções em terceiras pessoas, tal realidade não teria suprimido responsabilidade nem poderes de representatividade, não se vê que os arguidos tenham não outorgado procuração com poderes especiais ao falecido contabilista, nem existe registo que este tivesse poder de mobilização das contas bancárias pessoais e da empresa, sendo certo que em momento algum foi referido que era o contabilista quem tratava de receber as quantias decorrentes das vendas e dos financiamentos efectuados aos compradores particulares dos veículos comercializados pela pessoa coletiva, gerida pelos arguidos pessoas singulares. Mostra-se ainda junta documentação da autoridade tributária comprovativa de que todas quantias constantes da acusação se mostram integralmente pagas com os correspondentes juros (fls. 1457) e bem ainda o documento de fls. 1460 explicativo do motivo pelo qual não foi cumprido o disposto no art.° 105°, n. °4 al b) do RGIT. No que se reporta aos métodos indiretos que efetivamente aqui foram aplicados para cálculo das quantias que constam dos factos provados (pontos 12,13,15, 19) não se pode deixar de referir que se nos afigura ser legítimo o recurso à aplicação de métodos indiretos de avaliação da matéria tributária, sendo, em muitos casos (como, diga-se é, o presente), forçoso, dada a fundamentada exiguidade e inexatidão do sistema de informação dos sujeitos passivos, nos termos do art. 87° da Lei Geral Tributária (LGT) no relatório final. O art. 81°, n°1 da LGT estabelece que a matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstas na lei. Daqui resulta que a avaliação directa constitui o regime regra para determinação da matéria colectável, apenas sendo permitido o recurso a métodos indirectos nos casos em que não seja viável determinar a matéria colectável através da avaliação directa. A avaliação directa, conforme resulta do n°1 do art. 83° da LGT, tem por fim determinar o valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação, constituindo, assim, um instrumento útil na busca da verdade material. O n.° 2, do art. 83°, da LGT preceitua que a “... avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”, sendo certo que, nos termos do art. 72° da mesma Lei Geral “O órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito”. Este tipo de avaliação, conforme estabelecido no citado art. 83° n° 2 da LGT, é sempre de carácter subsidiário em relação à avaliação directa, que pretende a determinação real dos rendimentos e bens sujeitos a tributação. Os métodos indirectos consistem nos meios de avaliação indirecta de lucros tributáveis ou rendimentos líquidos através do recurso a índices que permitam extrair presunções quantitativas. Não constituem, portanto, um modo de avaliação de um montante efectivamente existente, antes possibilitam a sua quantificação presuntiva pela análise de indicadores que, supostamente, o podem identificar. Por sua vez decorre do artigo 87.° da LGT que; 1–A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de: a)-Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei; b)-Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto; c)-A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base técnico - científica referidos na presente lei. d)-os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.°-A; e)-os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de actividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco. f)-Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados. 2–No caso de verificação simultânea dos pressupostos de aplicação da alínea d) e da alínea f) do número anterior, a avaliação indirecta deve ser efectuada nos termos dos n.ºs 3 e 5 do artigo 89.°-A. Com relevância, nesta matéria citamos o seguinte trecho do Ac. R.C, 28-10-2009, proferido no Rec. N.°. 31/01.3IDCBR.C1, in www.dgsi.pt, referindo: “(...) claro que nos casos de ocultação ou alteração de factos ou valores e na impossibilidade de determinar com precisão os valores ocultados ou omitidos, é lícito o recurso a métodos indiciários para os determinar. De resto, a utilização de métodos indiciários a título sancionatório, na determinação dos lucros comerciais, industriais e agrícolas, tem expressa previsão nos casos em que a declaração seja tida por inverídica ou incontrolável, em casos de falsa declaração, de inexistência de contabilidade, recusa de exibição de escrita ou sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação (...). Trata-se de uma reacção legal a situações anómalas imputáveis ao próprio contribuinte, pelo que a respectiva aplicação não viola os princípios da generalidade da tributação, e da capacidade contributiva, pois que nessas situações o Estado só não tributa o rendimento real por factos imputáveis ao próprio contribuinte (...)”. E conforme se escreveu no acórdão da Relação de Évora de 26/02/2013, disponível em www.dgsi.pt “(...) a avaliação indirecta tem carácter excepcional e subsidiário em relação à avaliação directa (conforme artigos 81°, n° 1 e 85° da LGT), apenas ocorrendo quando o contribuinte não cumpra os deveres a que está obrigado. Nos termos do disposto no n° 3 do art. 74° da mesma LGT, estabelece-se que: “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”. Assim, incumbe à administração tributária provar a existência dos pressupostos legais da aplicação do método de avaliação indirecta e o contribuinte terá à sua conta o encargo de provar que a quantificação do valor tributável encontrado é excessiva. Verificando-se os respectivos pressupostos, deve ser tida por boa a determinação quantitativa que resulte da avaliação indirecta. Como é sabido são admissíveis em processo penal as provas que não sejam proibidas por lei (art. 125° do CPP), aí incluídas as presunções judiciais, que são as ilações que o julgador retira de factos conhecidos para firmar outros factos, desconhecidos (art. 349° do Código Civil), sem que daí resulte prejuízo para o princípio da livre apreciação da prova. Não sendo meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados Concorda-se que o processo penal não exclui o recurso a presunções naturais ou hominis - art. 349° do Código Civil, através de factos conhecidos consente ilacionar desconhecidos, existindo uma relação segura entre o facto-base ou pressuposto ou próxima entre o indício e o facto atingido (cfr. Vaz Serra, Direito Probatório Material, BMJ n°112, pág.190). E sabe-se que, em processo penal, o recurso a presunções só pode ser admitido como forma de formar a convicção do julgador em relação a certo facto real, mas não como forma de ficcionar determinado resultado, em que o julgador logo admite que pode não ter correspondência com a realidade, hipótese em que estamos perante uma verdadeira presunção de culpa que, o art. 32°, da Constituição da República Portuguesa, proíbe. Como refere Nuno Sá Gomes, in Evasão Fiscal e Processo Fiscal, 2a ed. Págs. 44 e 45, para efeitos de tributação, admite-se o recurso a métodos indiciários, em hipóteses em que o estado só não tributa o rendimento real por factos imputáveis ao próprio contribuinte. Nada impede que a liquidação, seja efectuada pela autoridade fiscal, por avaliação indirecta, pois que essa actividade ... está sujeita a tributação - art° 10° LGT “ O caracter ilícito da obtenção de rendimentos ou da aquisição de bens, titularidade ou transmissão dos bens não obsta à sua tributação quando esses actos preencham os pressupostos das normas de incidência aplicáveis”, sob pena de se incentivar a pratica de actos ilícitos e v.g. o autor não tem contabilidade organizada, etc., se incentivar os prevaricadores no não cumprimento das normas legais e ainda serem exonerados dos impostos que seriam devidos. E portanto é legítimo e legal o recurso a avaliação indirecta, estando esta prevista e regulada nos art.° 83°, 87° e 88° da LGT como vimos, quando ocorram anomalias na contabilidade ou esta inexista, visando uma verdade material aproximada (cf. Paulo Marques, Infracções tributárias, Vol. I, pág. 154), ou exista “b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto” por não poder ser obtida de outro modo (v.g ausência de facturas ... em causa), sendo que tal sistema de avaliação por métodos indirectos não é afastada pela CRP- art.° 104°2” Cf. Rui Marques, A liquidação do imposto e o processo penal tributário, in RMP n° 145, ano 37, Jan/Mar 2016, págs. 153 a 173; Verifica-se também que decorre do art° 75° da LGT que se presumem “verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal “ Mas a presunção de verdade desaparece quando essas “... declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.” e o “... contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária. . . “ O método indireto, a nosso ver, neste caso, mostra -se válido pois estamos em caso de omissão de declaração de valores sendo que os arguidos não entregaram os valores corretos, ora se o próprio sujeito passivo omite tais valores - sem documentos de suporte pode ser admitido esse método tendo por base o facto real que origina a presunção. Desde logo não apresentaram os elementos em falta. A base real traduz-se nos extratos bancários, a lista de viaturas com os montantes devidos de comissões sendo que o arguido SLR_____ admite que houve veículos que não foram faturados pelo que base de utilização do método indireto que origina a presunção mostra-se, a nosso ver fiável- permitindo o recurso a tal método. Ora tendo em conta tudo o acima do explanado, aliado às regras da experiência comum não ficaram dúvidas para o tribunal que o arguidos não cumpriram com as suas obrigações declarativas e contributivas de forma consciente e livre, como forma de obter para si, e para a sociedade um maior rendimento pelo que desta forma indirecta foram valorados, nomeadamente os factos que se reportam aos valores que haviam de ter sido entregues ao Estado, nomeadamente nos termos finais que constam do ponto 19) sendo que se apropriaram-se das importâncias de 52.449,25€, 52.126,17€, 134.939,34€, 138.193,87€, €, 247.649,17, € - relativas ao IVA não entregue aos cofres do Estado, e que integraram nos seus patrimónios. Por sua vez, também de acordo com regras de experiência comum tendo em conta os factos objectivos provados nos autos ( a qualidade de gerentes dos arguidos pessoas singulares dúvidas não restam que estes arguidos SLR_____ e BNF_____ actuaram, por si e em representação da sociedade arguida Automóveisamucar - Mediação Automóvel, Lda., com o objectivo de fazerem suas as quantias referidas, embora soubessem que tinham o domínio provisório das mesmas (pois tinham a qualidade de depositários) e embora soubessem que tinham obrigação de entregar as importâncias acima referidas em tal como constam do ponto 19) e que as mesmas não eram sua pertença, quiseram estes arguidos SLR_____ e BNF_____, por si, e em representação da sociedade Automóveisamucar - Mediação Automóvel, Lda., fazê- las suas e integrá-las no seu património, e da sociedade delapidando o Estado nas importâncias correspondentes, objectivo que lograram alcançar, sendo que a conduta homogénea se prolongou no tempo. Mais se prova que os arguidos agiram livre, e conscientemente embora sabendo que tais condutas eram reprovadas e punidas por lei- tal como o saberia qualquer pessoa medianamente socializada (factos 20 a 22). No que se reporta à ausência de antecedentes criminais de todos os arguidos tal como consta do ponto 23) tomou-se em conta o certificado de registo criminal do mesmo junto aos autos. No que se reporta à situação económica social dos arguidos bem assim como nesta parte quanto ao pagamento à presente data, do valor total da quantia em causa nestes autos, tomaram -se em conta as declarações dos mesmos, plausíveis nesta parte e ainda o documento de fls. 1457- pontos 24 a 38 e 1 da contestação. Quanto aos factos não provados da contestação nenhuma prova coerente se produziu sobre os mesmos - as testemunhas directamente nada sabiam - sendo que existe um grande grau de improbabilidade que numa empresa onde existia tal “ confusão entre contas bancárias particulares e contas da empresa” e omissões de venda - como admitiu nesta parte o arguido SLR_____ e que nessa empresa os gerentes que tudo o mais faziam afinal desconhecessem totalmente o modo como eram processados os impostos, e fosse o contabilista (sem qualquer interesse na questão pois não recebia lucros ao invés do que sucede com os gerentes) - a determinar de alguma forma que estes agissem desse modo pois apenas a estes tais actos beneficiam. Há que ponderar também que ouvido o arguido SLR_____ referindo este que as suas funções eram na data idênticas à do outro arguido) o mesmo sempre trabalhou neste ramo (nomeadamente compra e venda de viaturas usadas no âmbito da EU) explicitando perfeitamente quais os regimes de IVA aplicáveis a cada uma das situações que lhe foram colocados, as quais revelou totalmente conhecer. Tendo em conta, pois, a ausência de prova consistente não ficaram provados os restantes factos aludidos na contestação - sendo certo que nada aponta no sentido que o arguido BNF_____ não fosse também gerente de direito e de facto da supra aludida sociedade.» *** IV–Recurso: Os arguidos recorreram, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem: «a)-Os recorrentes entendem estar erradamente julgada a decisão de factos constante dos factos 11, 12, 13, 15, 16, 7, 18, 19, 20, 21 e 22, os quais deveriam ter sido dados como não provados. b)-Foi demonstrado em audiência de julgamento através da testemunha A_____ que diversas quantias em dinheiro recebidas nas contas da sociedade recorrente, não resultaram de vendas efetuadas por esta, mas sim de prestação de serviços de mediação de crédito para terceiros outros stands ou mesmo particulares, em que os arguidos cobravam comissões de mediação de crédito não tendo de faturar a venda de qualquer veículo ou viatura. Acresce que a sentença recorrida é nula porque omissa quanto à descrição da operação tributária em causa, alegadamente omitida, nomeadamente se se tratou de venda de viaturas, se de comissões de mediação de crédito a favor de terceiros, se de vendas de garantias para viaturas, que era igualmente objeto social da sociedade recorrente. c)-Não se consegue perceber da redação do facto provado 11 de que "vendas" omitidas se trata ou a que se refere a decisão, nem que facturas não foram emitidas a cobrar o IVA, assim como não estão concretizadas que quantias foram pagas pelos bancos financiadores e a que título, se decorrentes de vendas de viaturas propriedade dos próprios arguidos, se de vendas de viaturas de terceiros e omitidas que foram as faturas das comissões de mediação de crédito ou, ainda, a título essas quantias foram pagas por bancos financiadores e clientes. d)-Nada se concretiza na decisão recorrida, o que gera a nulidade prevista no art.° 374.°, n.° 2 do CPP e bem assim no art.° 32.° da CRP e art.° 205.°, também, da CRP. e)-Pela testemunha foi declarado que a AT não averiguou, em sede de inquérito criminal, a que correspondeu cada uma das entradas provindas dos bancos financiadores ou de clientes, desconhecendo se algumas ou muitas dessas entradas correspondiam a financiamentos de vendas de viaturas propriedade de terceiros que não os arguidos, a quem por isso não tinham que faturar a venda de qualquer viatura. Igualmente esta testemunha afirmou em julgamento que, para a elaboração do mapa de fls. 1008 verso a 1010 verso não averiguou a quem pertenciam / de quem era a propriedade das viaturas, antes se limitando a apreciar o resultado final das entradas na conta bancária dos arguidos e o que estes declararam à AT, procedendo ao encontro de contas e aplicando a taxa de 23% às entradas nas contas bancárias. f)-A inspeção não apurou a origem da alegada omissão de faturação, antes presumiu e só! Este método não sustenta a aplicação aos processos-crime, nomeadamente, ao presente processo-crime, do método de apuramento indireto de dívida e em consequência de ato criminoso, porque o argumento e a sustentação de direito constante da decisão recorrida em nada tem a ver com o método aqui aplicado nestes autos, que é um método ad hoc para apuramento de divida, não contemplado na lei adjetiva. g)-Caso o método usado pela investigação criminal e transposto para a decisão recorrida fosse o método de apuramento de divida fiscal por omissão pura e demonstrada, não poderiam os recorrentes insurgirem-se como o fazem nestas motivações, mas a verdade, demonstrada a favor dos recorrentes, é que a investigação criminal utiliza um método que em nada tem a ver com o método indireto de apuramento de dívida, que é transposto para a decisão recorrida condenatória (este método ad hoc utilizado para a condenação dos recorrentes foi explicado pela testemunha cujas passagens foram já em cima transcritas para essa demonstração e cujo depoimento vai infra transcrito para se perceber a impercetibilidade do mesmo, na quase, sua totalidade, com a legal consequência infra arguida). h)-Uma das provas a renovar é o depoimento da testemunha, porque incongruente com a possibilidade legal de aplicação dos métodos indirectos e porque impercetível quase na sua totalidade, gerador ainda de nulidade, que infra vai arguida. i)-Argui-se a nulidade do depoimento da testemunha por impercetibilidade do seu depoimento, por má receção de microfone ou sobreposição de vozes, que impede uma perceção total da prova gravada em julgamento, nomeadamente da testemunha que a sentença recorrida entende como sendo a base da verificação dos factos alegados na acusação. j)-Sustenta a decisão recorrida que o facto provado mencionado, tem como base o mapa de fls. 1008 verso a 1010 verso sendo que neste são relacionadas as viaturas que, tendo sido financiadas, se encontram nas seguintes situações- (Viaturas com comissão de intermediação faturadas; viaturas com comissão de intermediação e com garantia faturadas, viaturas com garantia faturada, viaturas sem faturação emitida, identificadas estas na coluna "R&F - faturou" com a expressão "Nada". Ficou claro do depoimento da testemunha A______, na parte percetível que este mapa, elaborado pela própria testemunha não teve na sua base qualquer investigação ou apuramento de dados ali inseridos. k)-Mais uma vez voltam os recorrentes a insurgir-se com a forma como foram carreados / carregados os dados que foram inseridos nesse mapa; é que os dados que foram carreados para esse mapa não tiveram na sua base qualquer investigação porque o autor desse mapa, a aludida testemunha, só se limitou a verificar quais os valores entrados na conta bancária da sociedade arguida e bem assim quais as auto- declarações fiscais apresentadas por essa sociedade arguida, sem mais. O autor do mapa firmou em julgamento que não verificou a origem / propriedade das viaturas nas seguintes situações: "Viaturas com comissão de intermediação faturadas; Viaturas com comissão de intermediação e com garantia faturadas; Viaturas com garantia faturada; Viaturas sem faturação emitida, identificadas estas na coluna "R&F - faturou" com a expressão "Nada". Era possível ter apurado a origem das viaturas constantes destas categorias e ter verificado a quem pertenciam, quem eram os seus proprietários e se a pessoa coletiva arguida era ou não obrigada a faturar qualquer venda ou prestação de serviço decorrente da sua atividade ou se não se tratava de inserções de valores na conta bancária da sociedade decorrentes de uma qualquer outra operação tributária que não resultasse de vendas ou de prestações de serviços, mesmo provindas de pagamentos de financeiras. l)-Era à acusação que competia esta imputação que não aconteceu, e não aos recorrentes que compete a contraprova, como defende a decisão recorrida! A decisão recorrida transfere o ónus da prova penal para os recorrentes, defendendo que a investigação criminal nada mais poderia fazer do que imputar por método indireto todas os recebimentos na conta bancária da sociedade arguida, como receitas e vendas sem faturação, o que e um erro e uma violação dos requisitos legais para a aplicação desse mesmo método, ao mesmo tempo que coloca em crise o principio da presunção de inocência dos recorrentes até prova em contrário, que in caso não existiu, verificando-se o vício da insuficiência da prova produzida para a decisão de facto e em consequência de direito. m)-O autor do mapa de fls. 1008 a 1010 verso dos autos, que serve de base à condenação dos recorrentes, refere em julgamento que o referido mapa foi construído sem essa averiguação de base dos considerandos do mesmo, sendo que bastava que o autor do mapa, testemunha A_____, tivesse verificado pelas matrículas das viaturas que identificou, qual o primeiro proprietário das mesmas, prova que era facilmente obtida ela consulta ao registo automóvel; acaso essas viaturas tivessem sido, nalgum momento propriedade dos recorrentes e acaso tivesse sido recebido algum valor na conta bancária resultante da venda desses mesmas viaturas, que não haviam sido faturadas, então sim merecida credibilidade a informação constante do mapa e da acusação e por inerência constate da decisão de facto dada como provada, mas a verdade é que esse investigação ao ocorreu e portanto não está verificado a atuação criminosa que consta do facto provado 12. n)-Não está em momento algum demonstrado que os recorrentes omitiram os mencionados montantes de base tributável de IVA nos períodos mencionados nesse facto provado. o)-Acresce que a decisão recorrida erra quando dá como provado que os recorrentes liquidaram o IVA mencionado nesses períodos, ocorrendo ainda contradição na decisão de facto entre os factos provados 11 e os factos provados 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22 porque dá-se como provado no ponto 11 que os recorrentes não faturaram determinadas vendas, o que significa que não liquidaram IVA, uma vez que a liquidação de IVA resulta da emissão de fatura, apurando-se nesse momento (da emissão da fatura) o IVA cobrado do consumidor, cliente para posterior entrega ao estado e depois dá-se como provado nos restantes pontos da decisão de facto, que os recorrentes na entregara o IVA liquidado ao estado. Ora, se se dá como provado que não foram emitidas faturas, por inerência não há liquidação de IVA e como tal, alegadamente, os recorrentes não teriam guardado e feitas suas, como se dá como provado na decisão recorrida, quantias que não lhe pertenciam! Abuso de confiança, tal qual como se encontra decidido na decisão de facto da decisão recorrida não parece haver, nem ter existido, motivo pelo qual os recorrentes devem ser absolvidos. p)-Mas, mesmo que se considere que este raciocínio não possa proceder, ainda assim os recorrentes têm razão em defender que não praticaram qualquer facto criminoso e muito menos o consignado nos arts.° 11.° a 22.° da decisão de facto, porque foi a própria testemunha quem em julgamento referiu, conforme passagem em cima transcrita que a contabilidade da sociedade arguida, carecia de rigor, assim como a testemunha TP..... confirmou (conforme facto alegado constante da contestação do recorrente SLR_____), que era o seu pai falecido AP..... quem fazia a contabilidade da sociedade arguida, admitindo esta testemunha, como muito provável, que fosse o seu pai quem estava encarregue de faturar as vendas das viaturas comercializadas pela sociedade arguida, portanto tarefa que estaria e que esteve, na realidade, fora do alcance e da responsabilidade dos recorrentes! q)-Está ainda errada a decisão de facto quando dá como não provado os factos constantes dos art.°s 2 a 15 da contestação do recorrente SLR_____ sendo eu esta matéria de facto está demonstrada pela testemunha TP..... e pelas testemunhas , cujos depoimentos estão gravados, respetivamente com início pelas 09:58 horas e termo pelas 10:03 horas, com início pelas 10:04 horas e termo pelas 10:09 horas e com início pelas 10:10 horas e termo pelas 10:14 horas, na ata de julgamento do dia 04.12.2021. r)-A relevância dos depoimentos de , conjugada com a relevância do depoimento da testemunha, faz decorrer a verificação do vício de erro na apreciação da prova da decisão recorrida, com influência direta e imediata na importância da alteração de decisão de facto quanto aos factos não provados, nomeadamente os acima mencionados constantes da contestação do recorrente SLR_____ é que os recorrentes SLR_____ e BNF_____ não tem controlo, nem elaboram a contabilidade, desconhecendo a falta de rigor adjetivada pela testemunha, falta de rigor essa da responsabilidade de AP....., pai da testemunha, a quem incumbia a elaboração da faturação e a sua classificação, juntamente com a restante documentação da sociedade arguida, que ia levantar à sede da sociedade ou que os recorrentes SLR_____ e BNF____ ou uma das testemunhas iam levar à contabilidade, não sendo correta a conclusão constante da decisão recorrida que a faturação era feita pelos recorrentes SLR_____ e B____, nem a conclusão de que estes quiseram omitir vendas efectuadas pela sociedade arguida e que soubessem que o faziam, tendo aderido ao resultado. s)-Importa a renovação da prova testemunhal no que se refere ao depoimento das testemunhas e claro está . t)-Só se pode "falar" (referir) que existe IVA não entregue ao Estado /AT, caso haja liquidação desse IVA (faturação e cobrança de IVA); caso contrário não é possível condenar-se ninguém por essa atuação ou com base nessa atuação impugnando-se assim, também, a decisão de facto constante dos art.°s 15.° e 16.° da decisão recorrida, sendo que não fizeram os recorrente SLR_____ e B____, suas as quantias cobradas a título de IVA como se da como provado nos art.°s 17.°, 18.° da decisão de facto, porque não se encontra como provado, nem decorre de qualquer presunção legal ou judicial, que conheciam as auto-declarações apresentadas pela sociedade arguida, já que estes recorrentes não faziam a contabilidade, não cuidavam de classificar documentos, nem dominavam qualquer aspeto relacionado com esta área, não obstante serem gerentes e fazerem pagamentos; estes recorrente pagavam o que o contabilista lhes enviava para pagarem, não sendo despiciendo que lhe entregavam, ao contabilista, os processos das vendas das viaturas (não havendo prova de que as faturas estariam nesses processos de vendas, mas tão só meras informações ou apontamentos do valor de venda de cada viatura), mas isso não significa que tivessem o domínio do cálculo final dos impostos a pagarem (ato que era levado a cabo pelos recorrentes); acresce que os recorrentes nem sequer conheciam os custos da sociedade, nem tinham forma de antecipar se a informação que lhes era dada a conhecer pelo contabilista seria ou não real e recorde-se que a testemunha A____, afirmou que a contabilidade não tinha rigor! Este facto não tem na sua base qualquer atuação dos recorrentes, motivo pelo qual era impossível ter sido dado como provado o facto 18 da decisão recorrida, ao mesmo temo que se impugna como provado que os recorrentes tivessem feito suas, as quantias mencionadas no facto provado 19 da decisão recorrida, com consciência e com adesão ao resultado (impugnado igualmente o facto provado 22), porque não havendo faturação, como é alegado na acusação e foi dado como provado no ponto da decisão de facto, não há liquidação de IVA e como tal os recorrentes não podem fazer suas quantias classificadas como esse imposto em particular (IVA), assim como não decorreu de sua iniciativa e tão pouco do seu controlo e vontade essa circunstância, a qual só vieram a tomar conhecimento depois da inspeção ter atuado e de ter apurado que não existia rigor na contabilidade, desconhecendo como é óbvio que "tinham o domínio provisório das mesmas" (impugnada a decisão de facto quanto ao mencionado no facto provado 20 da decisão recorrida)! u)-Não ocorreu qualquer prova (quer documental, quer testemunhal) de que os recorrentes "embora soubessem que tinham obrigação de entregar as importâncias acima referidas em 19) e que as mesmas não eram sua pertença" as fizeram suas. Recorde-se que as quantias mencionadas em 19 se referem a IVA propriedade do Estado /AT, de que, alegadamente, os recorrentes eram meros detentores provisórios, com a obrigação de as entregar à administração fiscal. Numa primeira apreciação, reforça-se que não há IVA, sem faturação, nem liquidação; numa segunda apreciação reforça-se que os recorrentes não tinham esse domínio, nem de saber, se atenta a aplicação do método do crédito de imposto de IVA, teriam em sua posse / detenção quantias liquidadas e recebidas com a qualificação de imposto de IVA, que aderindo ao resultado, as tivessem retido e utilizado, integrando-as no seu património! Não há qualquer prova destes factos e sem esta prova não há a prática do crime de abuso de confiança fiscal, e muito menos qualificada / agravada. v)-Não há verificação do preenchimento do elemento subjetivo do tipo, que não é automático, nem decorre das regras da experiência comum, inexistindo presunção legal que o demonstre de forma automática, pelo que não existe nestes autos prova documental ou testemunhal que permita a decisão de facto constante do facto provado 22 da decisão recorrida. Note-se que a sociedade arguida recorrente, através do recorrente SLR_____, logo que se apercebeu das "irregularidades" detetadas na inspeção, tratou de chegar a acordo com o Estado / AT, tratou de se financiar e procedeu à liquidação dos montantes apurados (por métodos indiretos), sendo consabido e público que é uma sociedade de pessoas sérias, com preocupações sociais, a ponto de ser público e não carecer de prova, que ofereceu no anexo de 2020, a quantia de vinte mil euros ao Hospital Garcia da Horta, área da Comarca de Almada, atual sede da sociedade recorrente; a sociedade recorrente perdura no tempo, mesmo depois da inspeção e do apuramento dos valores exacerbados de impostos (diga-se sem fundamento quanto aos montantes apurados), por força da perseverança do recorrente SLR_____, que tudo fez para cumprir para com o Estado /AT, mesmo não concordando com os valores apurados, como expressou em sede de declarações formuladas em julgamento; a sociedade recorrente pagou de impostos, apurados com método ad hoc e não sustentado em lei adjetiva, o que não recebeu de receita / rendimento! w)-Há erro de direito na apreciação / subsunção da decisão de facto (também ela errada). x)-Decide-se na matéria de facto provada da decisão recorrida, que se verificou uma ocultação / omissão de faturação, não obstante ter sido liquidado IVA (não se percebe como, nem de que forma) e recebido o mesmo (não se percebe como, nem de que forma) e retido pelos recorrentes (não se percebe como, nem de que forma, assim como sem qualquer noção da sua atuação, conhecimento e resultado, referem os recorrentes). y)-Com efeito, o conceito de ocultação (de declaração de receitas ou rendimentos), enquanto ação omissiva, tem implícita uma conduta dolosa destinada a encobrir ou a dificultar o conhecimento de factos fiscalmente relevantes por parte da Autoridade Tributária. O que significa, num plano analítico, que a concretização de uma ocultação penalmente relevante em sede criminal implicará dois momentos distintos: o da ocorrência de determinado facto com relevância tributária (passível de declaração ou de omissão declarativa) e, um segundo, necessariamente posterior e omissivo, dirigido à ocultação da omissão (verificar) do primeiro. z)-Assim, verificar-se-á o preenchimento do ilícito enunciado no artigo 119.° do RGIT sempre que o agente omitir - não praticar - um comportamento que lhe é juridicamente exigido, perfilando-se como campo principal de aplicação desta contraordenação o incumprimento de obrigações fiscais acessórias, como sejam as obrigações declarativas ou de escrituração. Claro está que, neste segundo caso, haverá um concurso de normas, concorrendo para a repressão daquela conduta, tanto a contraordenação prevista no artigo 119.° do RGIT (espoletada pela simples omissão), como os crimes previstos nos artigos 103.°/104.°/105.° do mesmo diploma (que incriminam, de diferentes formas, a subsequente ocultação). aa)-Procurando sintetizar em termos finais, e tão objetivos quanto possível, as conclusões que foram sendo fixadas nos pontos antecedentes, convém começar por identificar os três grupos de condutas que, à luz dos analisados artigos que poderão convocar consequências penais e contraordenacionais distintas: A ocultação ou a alteração de factos ou de valores fiscalmente relevantes com o propósito de obter uma vantagem patrimonial ilegítima igual ou superior a € 15 000 e o preenchimento dos crimes p e p. pelos artigos 103.° / 104.° e 105.° do RGIT (com consumpção da simples omissão declarativa, p. e p. pelo artigo 119.° do RGIT), assim como a ocultação ou a alteração de factos ou de valores fiscalmente relevantes cuja vantagem patrimonial ilegítima pretendida seja inferior a € 15 000; preenchimento dos crimes fiscais não puníveis nos termos do n.° 2 do artigo 103.° e do art.° 105.° do RGIT, com aplicação subsidiária do ilícito contraordenacional, p. e p. pelo artigo 118.° do RGIT e a simples omissão ou inexatidão declarativa ou contábil: preenchimento do ilícito contraordenacional, p e p. pelo artigo 119.° do RGIT. bb)-Foi possível concluir no ponto antecedente que o cometimento dos crimes previstos nos arts.° 103.°, 10.° e 105.° do RGIT pressupõe, por um lado, a subsistência de uma relação jurídica-tributária (a qual será, por seu turno, objeto das condutas ablativas ou dissimulatórias que caraterizam a respetiva factualidade típica) e, por outro, a prossecução, no contexto de tal relação tributária, de uma vantagem patrimonial ilegítima igual ou superior a € 15.000 (sob pena de as condutas em questão não serem puníveis a título de crime fiscal). cc)-Observou-se ainda, que a qualificação deste crime exige, de forma acrescida, a prossecução de uma vantagem patrimonial ilegítima de valor superior a € 50.000 (para ser qualificado / agravado). dd)-Transpondo as premissas interpretativas entretanto fixadas para o plano da (in)validação da decisão de condenar, impor-se-á averiguar de seguida se, no caso concreto subsiste, e em que termos, uma relação jurídica-tributária e, em caso afirmativo, se a vantagem patrimonial ilegítima prosseguida pelos recorrentes, foi, ou não, superior a € 50.000, atendendo à natureza qualificada do crime pelo qual foram condenados. ee)-Convém, ainda assim, recordar, a este respeito, que o cometimento deste crime implica a prévia adstrição do putativo inadimplente ao cumprimento de obrigações de natureza tributária, uma vez que o mesmo visa evitar «a diminuição das receitas fiscais ou a obtenção de um benefício fiscal injustificado - o que permite a conclusão de que se trata de um crime de perigo concreto». ff)-Preencherão o tipo objetivo do crime em análise todas as condutas que, incidindo sobre uma relação jurídica-tributária já constituída e de conteúdo já definido, visem mascará-la (ocultá-la ou dissimulá-la) ou conferir-lhe uma aparência diferente da real (alterá-la).Tais condutas não consubstanciam o mero incumprimento (omissão) de um comando fiscal, consistindo, ao invés, em condutas ilegítimas e comissivas dirigidas à obtenção de resultados de ilusão, disfarce, ocultação ou dissimulação com o propósito - que integra igualmente o tipo subjetivo deste crime - de o imposto devido não ser liquidado, entregue ou pago ou de serem obtidos benefícios fiscais indevidos ou o reembolso indevido de imposto ou qualquer outra vantagem patrimonial ilegítima. gg)-A decisão recorrida encontra-se prejudicada, de forma liminar, por não subsistirem, no caso concreto, condutas suscetíveis de preencher o tipo objetivo do crime em analise, estando omitidos factos que constituem indícios base ou suficientes de que os recorrentes não emitiram as faturas de vendas das viaturas, e de quais deveriam ter emitido, das de sua propriedade e que foram vendidas? De todas as que a sociedade recorrente recebeu, na sua conta bancária, valores, mesmo não sendo de sua propriedade? Das que só se limitou a vender a garantia (também era objeto social da sociedade recorrente a venda de garantias, de veículos de terceiros)? Que factos estão dados como provados na decisão recorrida que demonstrem a conclusão a que a decisão de facto chegou com a consequente subsunção jurídica a esses factos e condenação a que chegou? Nenhuns! hh)-Em suma, a decisão recorrida alicerçou o cometimento do crime em questão por parte dos recorrentes, no inadimplemento de operações tributárias meramente presumidas e sem coincidência com a realidade, sem estar, tão pouco, devidamente alegado na acusação, o que configura a nulidade da decisão recorrida por violação do art.° 374, n.° 2 do CPP. Não basta concluir (a decisão de facto é um conjunto de conclusões, salvo o devido respeito, tal qual já o era a acusação). Há que aduzir factos concretos que possam constituir a base da decisão e facto, que não passa por concluir com as expressões "omissão", "retiveram", "fizeram suas", que são expressões conclusivas e não alegatórias ou que constituam factos. Teriam que estar alegados factos na acusação e que teriam sido dados como provados na decisão recorrida para que ocorresse a necessária imputação aos recorrentes, de que estes, sabendo das suas consequências, quiseram omitir a emissão de faturas de vendas de viaturas de sua propriedade e não de terceiros, a quem venderam somente garantias, ou prestaram somente os serviços de intermediação de crédito financeiro, recebendo na conta bancária da sociedade recorrente valores que depois transferiram para o proprietário das viaturas vendidas e financiadas por instituições financeiras parceiras da sociedade recorrente. ii)-A acusação não prova (nem sequer alega), que as vendas não faturadas eram de viaturas / bens da sociedade recorrente ou dos recorrentes, enquanto pessoas singulares, não podendo ocorrer, como ocorreu na decisão recorrida, o argumento de que essa prova era dos recorrentes, assim se verificando uma inversão do ónus da prova em processo penal, pelo que bastará realizar uma breve resenha doutrinária e jurisprudencial para a obtenção da devida resposta, atendendo a que a proibição da inversão do ónus da prova em direito penal constitui um dos redutos unânimes do princípio da presunção da inocência (também denominado in dubio pro reo) consagrado no n.° 2 do artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa, violada na decisão recorrida como se poderá vir, de seguida, a observar e analisar. jj)-Receber como bom, para efeitos criminais, o resultado de uma presunção tributária, é, ao cabo e ao resto, conceder que possa haver quem seja condenado com base nela, o que não podemos, de forma alguma, aceitar e que nem a CRP o aceita. Não se pretende pôr em causa a bondade dos métodos indiretos, sendo o plano jurídico destes, diferente do plano jurídico penal que deve nortear uma acuação e em última ratio uma condenação. Do que se cuida é tão-só de afirmar perentoriamente que essa presunção não desempenha qualquer outro papel para além do que se lhe possa reconhecer no âmbito das relações jurídicas tributárias. kk)-Esta leitura, de resto, é perfeitamente compatível com a distinção que entendemos dever fazer-se entre o Direito Fiscal e o Direito Penal, por não ter aquela natureza sancionatória, a validade das presunções não choca. Já no Direito Penal, o discurso terá, necessariamente, de ser outro, não podendo o processo penal servir de arma da AT / Estado para pressionar a cobrança de impostos, não sendo esse o escopo do processo penal / criminal fiscal. ll)-Assim, os valores apurados através dos métodos indiretos, por serem presumidos ou meramente indiciários (como os que constam dos factos dados como provados e que são meros apuramentos com recurso a métodos indiretos), não podem servir de base a uma condenação penal, uma vez que no processo criminal vigora presunção de sentido contrário, como resulta do n.° 2 do artigo 32.° da CRP. Não há transposição legalmente admissível de apuramento de valores, alegadamente em dívida, resultantes de métodos indiretos que sirvam o propósito de passarem a ser factos provados suficientemente integradores do conceito legal, assim como não constituem esses apuramentos, factos suficientes e cumpridores das regras da CRP (porque violadores do art.° 32.° da CRP). Era possível à acusação, investigar a origem dos bens / viaturas vendidas e perceber e alegar que tais bens eram propriedade da sociedade recorrente, sustentando por isso a acusação de que os recorrentes haviam feito suas quantias que eram propriedade do Estado e da AT. mm)-Neste sentido o Douto Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa in www.dgsi.pt que sumaria: «Embora para efeitos de tributação fiscal seja admitido o recurso a métodos indiciários, em hipóteses em que o Estado só não tributa o rendimento real por factos imputáveis ao próprio contribuinte, o agente desses mesmos factos não pode vir a ser condenado criminalmente, apenas, com base na presunção em que, sem traduzir a utilização daqueles métodos indiciários, pois em processo penal, o silêncio e a falta de colaboração do arguido, não afasta o ónus da acusação de provar todos os elementos constitutivos do crime». nn)-Tanto basta para concluir que a inversão do ónus da prova praticada na decisão recorrida, mediante a transposição da presunção de rendimentos decorrentes de apuramento fiscal por método ad hoc, é ilegal por violar frontalmente o princípio da presunção da inocência consagrado no artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa, o que aqui, neste recurso se arguiu para os efeitos do art.° 70.° da Lei do Tribunal Constitucional. Sublinha-se que inexistindo outros elementos probatórios - além do referido juízo presuntivo - demonstrativos da qualificação jurídica -tributário, deverá considerar-se liminarmente prejudicada a decisão recorrida quando condena os recorrentes pela prática do crime fiscal em apreço, no contexto dos, indevidamente, presumidos lucros e inexistência de custos, com relevância quanto ao contra-crédito de imposto de IVA suportado (não se vende o que não se compra, logo se se vende, há que, por uma questão de rigor, deduzir em método de crédito de IVA, o correspondente valor decorrente do IVA das compras e estando situadas as vendas alegadamente, omitidas, no comércio de viaturas, fácil seria para a acusação e por inerência para a decisão recorrida, de calcular esse crédito de IVA ou caso não fosse possível apurar, de dar como não provado o constante dos factos provados 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22 da decisão recorrida) . oo)-A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei. Nos casos de impossibilidade de comprovação e quantificação direta dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributal, a AT tem a faculdade de realizar, excecionalmente, a avaliação indireta da respetiva base tributável. Não obstante, uma tal avaliação indireta da matéria coletável encontra-se sujeita ao procedimento de avaliação especialmente previsto nos artigos 81.° e seguintes da Lei Geral Tributária, sendo competente para a sua instauração e tramitação a Autoridade Tributária e devendo esta avaliação ser norteada pelos critérios avançados pelo n.° 1 do artigo 90.° da Lei Geral Tributária. pp)-Neste contexto, verifica-se que, perante a alegada inexistência de elementos suficientes para proceder a uma quantificação direta - i. e., com base em elementos contabilísticos ou declarativos (pelo menos é isso que resulta da decisão de facto - cfr. facto provado 11, ainda que somente com expressões conclusivas e sem quaisquer factos instrumentais que permitissem chegar a essa conclusão - que gera a nulidade do art.° 374, n.° 2 do CPP e a violação do art.° 32.° da CRP), não fez a acusação, porque não quis, um levantamento dos valores referentes a vendas de viaturas, sem cuidar de perceber a dinâmica dessas vendas, sem cuidar de investigar a quem pertenciam essas viaturas, se eram propriedade da sociedade recorrente ou de terceiros, se essas vendas se reportavam a vendas de garantias ou a intermediação de financiamento, presumindo que tais valores haviam sido obtidos, todos eles, independentemente da origem e do serviço prestados ou bem vendido, pelos arguidos recorrentes (o que não é correto, nem real, nem sequer resulta de indícios dos autos), o que era possível ter sido feito, acas a testemunha A______ (testemunha da acusação que elaborou o mapa de fls. 1008 a 1010 verso dos autos) tivesse procurado a origem da propriedade das viaturas vendidas e cujos valores foram recebidos na conta bancária da sociedade recorrente. qq)-A decisão recorrida, repetindo a acusação, contabilizou o valor total das vendas como sendo de viaturas propriedade da sociedade recorrente, quando na realidade foram vendas realizadas por diversas entidades terceiras, imputando, sem mais, esse rendimento à sociedade recorrente e em consequência aos recorrentes, pessoas singulares, não expurgando sequer, ainda que se considerassem ser bens propriedade da sociedade recorrente (aqueles que foram vendidos), o que foi pago ao Estado considerando todos os montantes apurados ad hoc como rendimentos não declarados e omitidos e sem custos associados. rr)-Ora, tendo em consideração que o procedimento de avaliação indireta da matéria tributável e, sobretudo, o procedimento de revisão da matéria coletável, assumem uma natureza especialmente garantística dentro do universo do procedimento e processo tributários, deve considerar-se, por nítida maioria de razão, que a avaliação indireta da matéria tributável constitui, para os efeitos prescritos pelos artigos 7.°, n.° 2, do Código de Processo Penal e 47.°, n.° 1, do RGIT, uma matéria que não pode ser convenientemente resolvida no processo penal e muito menos por métodos contra legem, ad hoc e sem expressão legal. ss)-Verifica-se que a avaliação indireta, decidida pela decisão recorrida e transposta da acusação, não observou nenhuma das metodologias impostas pelo artigo 90.° da Lei Geral Tributária, tendo a acusação construído, de forma casuística, um novo critério para este efeito e sem ter sequer em conta rendimentos que não foram obtidos pelos recorrentes, mas sim por entidades terceiras estranhas a estes e que as não gerem, aderindo, de forma ilegal e não prevista na lei, a decisão recorrida quando admite para condenação dos recorrentes este método ad hoc. tt)-De acordo com a explicação da testemunha A_____, o método usado para elaborar o mapa de fls. 1008 verso a 1010 verso, que é a base da decisão recorrida, está fora dos parâmetros legais da supra citadas normas, pelo que não deveria ter constituído documento de suporte da condenação dos recorrentes, porque ilegal e violador dos art.°s 90.° da LGT, 103.°, n.° 2 da CRP e n.° 1 do art.° 8.° da LGT e bem assim art.° 32.° da CRP e art.° 205.° também da CRP. uu)-Significa o que fica dito, consequentemente, que a utilização de um novo critério especialmente desenhado pelo Ministério Público (constante da acusação a que aderiu a decisão recorrida) ao arrepio daquele artigo 90.° da Lei Geral Tributária, não só viola frontalmente o procedimento consagrado neste diploma, como, de forma substancialmente mais gravosa, colide com o princípio da reserva de lei imposto pelo artigo 103, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa e com o princípio da legalidade tributária consagrado no artigo 8.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária, gerando mais uma inconstitucionalidade que aqui e agora se arguiu para os efeitos do art.° 70.° da Lei do Tribunal Constitucional, na medida em que se verifica uma clara inconstitucionalidade material e orgânica, o que torna a decisão recorrida nula. vv)-Todavia, é consabido que o processo penal se encontra sujeito a garantias de defesa acrescidas relativamente a todos os outros processos ou procedimentos levados a cabo por entidades públicas, merecendo tais garantias consagração constitucional autónoma no já referido artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa. Daqui resulta que o exercício de quantificação da matéria tributável constante da acusação (a que aderiu a decisão recorrida) deveria, de minimis, ter garantido a aplicação dos meios de defesa conferidos aos contribuintes, ora recorrentes, não tendo tal sido possível porque utilizando-se um método ad hoc, fora do circuito legal, vedada estava qualquer possibilidade de os recorrentes em tempo e de forma autorizada, contraporem essa imputação, direito dos recorrentes que ficou aquém da exigida elevação das garantias de defesa dos arguidos no domínio processual penal. ww)-Em face do que antecede permite-se concluir, de forma sintética e concisa, que: a)- O Ministério Público é materialmente incompetente para promover a avaliação indireta da matéria coletável imputável aos recorrentes com base em presunção de avaliação por método indireto ad hoc, tal qual adoptado pela acusação, sustentado na forma de elaboração do mapa de fls. 1008 a 1010 verso dos autos; b)- A inobservância dos critérios estabelecidos no artigo 90.° da Lei Geral Tributária com a consequente criação, por parte da acusação de um novo critério especialmente desenhado para a quantificação indireta da matéria coletável imputável aos recorrentes (rectius, com a criação de uma nova norma de incidência tributária), viola tanto o princípio da reserva de lei imposto pelo artigo 103.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, como o princípio da legalidade tributária consagrado no artigo 8.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária, o que torna a decisão recorrida nula; c)- Ao não garantir aos recorrentes o recurso aos meios de defesa consagrados no plano tributário para a sindicância da referida avaliação indireta - porque ad hoc e não assente na lei adjetiva (presunção obtida pela diferença entre os valores que ingressaram na conta da sociedade recorrente e os valores auto declarados pela própria sociedade recorrente) a decisão recorrida violou os direitos de defesa, dos recorrentes, assegurados pelo artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa, tornando a decisão recorrida, nula. xx)-Por outras palavras, a condenação pela prática do crime fiscal em apreço, encontra-se liminarmente prejudicada em virtude de não se verificar, quanto aos recorrentes, os pressupostos do cometimento do crime em questão, i.e., o da subsistência de quaisquer factos ou valores fiscalmente relevantes que devessem e tivessem, por eles, recorrentes, de ser declarados, entregue ou pagos. Esta prova competia à acusação e não foi feita, sendo geradora do vício de erro de julgamento, consubstanciado conjugadamente na verificação / evidência dos vícios de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência ara a decisão de facto. yy)-Quanto ao método adotado pela acusação e pela decisão recorrida para a quantificação da vantagem patrimonial ilegítima prosseguida pelos recorrentes, observou-se que: (í)- o Ministério Público é materialmente incompetente para promover a avaliação indireta da matéria coletável imputável aos recorrentes; (íí)- a inobservância dos critérios estabelecidos no artigo 90.° da Lei Geral Tributária com a consequente criação, por parte do Ministério Público e da decisão recorrida, de um novo critério (ad hoc e atípico) especialmente desenhado para a quantificação indireta da matéria coletável imputável aos recorrentes (rectius, com a criação de uma nova norma de incidência tributária), viola tanto o princípio da reserva de lei imposto pelo artigo 103.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, como o princípio da legalidade tributária consagrado no artigo 8.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária e, por fim, que (ííí)- ao não garantir aos recorrentes o recurso aos meios de defesa consagrados no plano tributário para a sindicância da referida avaliação indireta por não assentar em lei adjetiva, a decisão recorrida viola os direitos de defesa dos recorrentes, assegurados pelo artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa. zz)-A condenação pela prática do crime em questão encontra-se prejudicada em virtude da ilegalidade da metodologia utilizada na decisão recorrida, para a quantificação da vantagem patrimonial ilegítima, alegadamente, prosseguida pelos recorrentes. aaa)-Os recorrentes não participaram em qualquer esquema ou plano com vista ao não cumprimento de obrigações declarativas fiscais e subsequentemente fuga ao pagamento de impostos, nomeadamente de IVA. bbb)-As normas violadas estão já expressas em sede de conclusões nos locais mencionados e específicos e o sentido, com devem ser interpretadas, também está nos locais específicos, devidamente inserido. ccc)-A indicação das provas que devem ser renovadas, quanto à prova testemunhal está, igualmente, inserida nos locais específicos, sendo que quanto à prova documental deve ser renovada a seguinte: e fls. 131 a 155 do Vol. 1, Anexos 1 a 9 do relatório de inspecção de fls. 156 a 252 do Vol. 1, Anexo I0 a 17, do relatório de inspecção de fls. 255 a 505 do Vol. 2, com extratos de conta, facturas de vendas de viaturas; Anexos 18 a 29 do relatório de inspecção com cópias de conciliações bancárias e pagamentos dos bancos financiadores de fls. 508 a 756 do Vol. 3; Anexo 30 a 37 do relatório de inspecção com conciliação de documentação bancária, de financiamento com os documentos de venda das viaturas de fls. 759 a 1042 do Vol. 4; Anexo 38 a 44 do relatório de inspecção com conciliação de documentação bancária, de financiamento com os documentos de venda das viaturas de fls. 1046 a 1263 do Vol. 4, declarações de IVA apresentadas de fls. 174 verso a 175, 206 a 218 verso do vol. 1; declarações modelo 22 IRC dos anos de 2012 a 2014 de fls. 194 a 202 do vol. 1 - Balancete de contas exercícios de 2013 a 2014 de fls. 180 a 192, 225, 235 verso a 243 do vol. 1, cópia de facturas de intermediação financeira de fls. 289 a 369, 440 verso a 505 do vol. 2 - Inventário de 2012, 2013, 2014 de fls. 370 verso a 371 verso -Balancete de fls. 219 verso a 220 de vol.1 -Extrato de conta de 1.1.2012 a 31.12.2012 de fls. 221 a 225 do vol. 1; -Extrato de conta de 1.1.2013 a 31.12.2013 de fls. 226 a 235 do vol. 1, -Extrato de conta de 1.1.2014 a 31.12.2014 de fls. 237 a 252 do vol. 1 - Vendas e prestações de serviços e intermediação dos anos de 2012, 2013 e 2014, de fls. 276 e verso 283 do vol. 1, registo dos clientes particulares 2014 de fls. 283 verso a 287 do vol. 2 - informação das quantias pagas pelo Santander de fls. 553 verso a 564 do vol. 3; - cópias de pesquisas de veículos vendidos e facturas de intermediação de fls. 804 a 1042 do vol.4 - Listagem com os contratos de financiamento com as instituições de crédito intermediados de fls. 1046 verso a 1074 do vol. 5; Listagens de pagamentos efetuados pelas instituições de crédito de fls. 1125 verso a 1258 do vol. 5, - Autos de notícia de fls. 1267 a 1268 do vol. 5 - Mapa de fls. 1008 verso a 1010 verso sendo que neste são relacionadas as viaturas que, tendo sido financiadas, se encontram nas seguintes situações - (Viaturas com comissão de intermediação faturadas; viaturas com comissão de intermediação e com garantia faturadas, viaturas com garantia faturada, viaturas sem faturação emitida, identificadas estas na coluna "R&F - faturou" com a expressão "Nada"; parecer de fls.1382 a 1402 do vol. 6, quadro discriminativo das faturas com pagamentos efetuados de fls.1400 do vol. 6 e os documentos de fls. 1455, 1457 e 1460, sendo facilmente percetível da extensão da documentação fornecida pelos recorrentes, que impediria o recurso a qualquer método de apuramento indireto de rendimento (por desnecessário e ilegal), que demonstra a ilegalidade que foi o recurso ao método indireto ad hoc criado pela acusação e utilizado pela decisão recorrida para condenar os recorrentes pela prática do crime em apreço! Pelo exposto deve proceder o presente recurso e os recorrentes serem absolvidos (…).» *** Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos: «1.–Inexistiu qualquer insuficiência para a decisão de facto provada, nem qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; 2.–A prova foi correctamente valorada e, por isso, também não se verificou erro notório na apreciação da prova; 3.–A douta sentença proferida nos autos não padece dos vícios apontados pela recorrente, não existindo qualquer tipo de vício. Deve assim negar-se procedência ao recurso e, consequentemente, manter a decisão recorrida, uma vez que só assim se fará a costumada justiça.». *** Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto aderiu à contra-motivação. *** V–Questões a decidir: Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]). As questões colocadas pelo recorrente, arguido, são: - Nulidade da gravação do depoimento da testemunha A____; - Nulidades de sentença, nos termos dos artigo 374º/2 do CPP e 32° e 205.°da CRP; -Vício da insuficiência da prova produzida para a decisão de facto; - Vício de contradição entre o provado; - Vício de erro notório na apreciação da prova; - Impugnação dos factos provados sob 11, 12, 13, 15, 16, 7, 18, 19, 20, 21 e 22 e 2 a 8 do não provado; - Renovação da prova; - Violação do princípio da presunção da inocência consagrado no artigo 32º/CRP. *** *** VI–Fundamentos de direito: 1–Da nulidade da gravação do depoimento da testemunha A____: Os recorrentes entendem que, por não ser perceptível grande parte do depoimento da referida testemunha, se verifica uma nulidade - cuja integração jurídica se dispensaram de fazer. Ora, sucede, que ouvido o depoimento da testemunha ele é perfeitamente audível e perceptível, com excepção dos momentos em que falam duas ou mais pessoas ao mesmo tempo, o que não constitui falha de gravação nem fundamento para renovação do depoimento - quando se quer perceber um depoimento é imperioso que se ouça e deixe ouvir a pessoa. Independentemente disso, as deficiências de gravação das declarações prestadas em julgamento constituem, de facto, nulidade, nos termos dos artigos 101º e 363º do CPP. Mas o regime das referidas nulidades encontra-se estabilizado pelo AUJ 13/2014 (publicado no DR 1ª série, de 23/9/2014), nos termos do qual «a nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada». Não consta que os recorrentes tenham arguido a referida nulidade na instância recorrida, pelo que a mesma, as tivesse ocorrido, se encontraria sanada. Improcede, pois, a invocada nulidade. *** 2–Das nulidades de sentença, nos termos dos artigo 374º/2 do CPP e 32° e 205.°da CRP e demais inconstitucionalidades alegadas: Entendem os recorrentes que porque «não se consegue perceber da redação do facto provado 11 de que "vendas" omitidas se trata ou a que se refere a decisão, nem que facturas não foram emitidas a cobrar o IVA, assim como não estão concretizadas que quantias foram pagas pelos bancos financiadores e a que título, se decorrentes de vendas de viaturas propriedade dos próprios arguidos, se de vendas de viaturas de terceiros e omitidas que foram as faturas das comissões de mediação de crédito ou, ainda, a título essas quantias foram pagas por bancos financiadores e clientes» a sentença é nula, nos termos supra-referidos. A nulidade de sentença reportada ao incumprimento do artigo 374º/2 está prevista, não nesse normativo, mas no artigo 379º/a) do CPP que remete para tal normativo. Ora, dentro desse nº 2 do artigo 374º estão previstas uma série de fundamentos possíveis de nulidade, que vão desde a falta de enumeração dos factos provados e não provados, à falta de fundamentação da respectiva aquisição probatória, quer na vertente das provas que na vertente da sua análise crítica. Manifestamente, o fundamento alegado para a pressuposta nulidade só não existiria se ao provado contido no ponto 11 fosse acrescentada a fundamentação da aquisição probatória respectiva. Ora, as duas realidades não se confundem: uma coisa é a enunciação das provas e a respectiva análise em face da demais prova produzida, outra é o resultado factual a que se chega feita a apreciação feita. Não sendo a referida factualidade matéria para levar ao provado no âmbito da descrição da intenção unificadora de toda a acção – porque é disso e só disso que trata este ponto 11 do provado - não se vislumbra qualquer deficiência da sentença. Aquilo que os recorrentes pretendem que se dê por provado seria, quanto muito, matéria a apreciar em sede de fundamentação do provado, sendo que aquilo que a respeito se provou está muito bem explicado em sede de fundamentação da aquisição probatória, e reflectido, na medida do que foi apurado, ao longo de outros pontos do provado. A par do reporte para o artigo 374º/2, do CPP invoca a violação dos artigos 30º e 205.°da CRP como fundamento de nulidade. Desde logo, a violação dos referidos normativos, a acontecer, não corresponde a qualquer nulidade. As nulidades estão taxativamente fixadas no CPP e em causa estão preceitos constitucionais, condicionadores da legislação ordinária. Depois, os recursos em processo penal fundam-se no princípio do dispositivo, por força do qual é ónus exclusivo do recorrente a indicação daquilo que considera que foi mal julgado, dos fundamentos pelos quais o considera e da forma que entende ser a solução legal adequada para a questão colocada. Os referidos preceitos constitucionais dividem-se em inúmeros comandos de âmbito constitucional, sendo que não é da competência deste Tribunal uma busca insana sobre a qual deles poderiam os recorrentes querer referir-se e em que termos a violação poderia ter ocorrido. O que aqui se refere é aplicável, nos mesmos termos, às invocações de inconstitucionalidades decorrentes da pretensa violação do artigo 32º/2 e 103º/2, da CRP, cujos concretos termos deixaram no tinteiro. Improcedem, consequentemente, as nulidades e inconstitucionalidades invocadas. Mais invocam os recorrentes nova nulidade de sentença, com reporte para a mesma norma, porque, segundo eles «a decisão recorrida alicerçou o cometimento do crime em questão por parte dos recorrentes, no inadimplemento de operações tributárias meramente presumidas e sem coincidência com a realidade, sem estar, tão pouco, devidamente alegado na acusação, o que configura a nulidade da decisão recorrida por violação do art.° 374, n.° 2 do CPP. Não basta concluir (a decisão de facto é um conjunto de conclusões, salvo o devido respeito, tal qual já o era a acusação). Há que aduzir factos concretos que possam constituir a base da decisão e facto, que não passa por concluir com as expressões "omissão", "retiveram", "fizeram suas", que são expressões conclusivas e não alegatórias ou que constituam factos». A questão da presunção das alegadamente inexistentes obrigações tributárias é manifestamente improcedente, porque em face do teor do recurso só pode advir do entendimento de que a avaliação indirecta é uma fonte ilegal de prova, o que não é verdade, como infra referiremos. Por outro lado, as expressões que os recorrentes invocam como conclusivas, não o são. Elas referem-se, tal como a matéria contida no ponto 11 do provado, à descrição de ocorrências do mundo material (omitir e reter são verbos que indicam acção) e abrangem também ocorrências do foro moral ou espiritual (fazer seu) que não deixam de ser consideradas factos. Nitidamente, nenhuma delas tem mais de conclusivo do que a aquisição de qualquer outro facto do mundo real. As expressões foram usadas num sentido inequivocamente factual e não enquanto emissão de um juízo conclusivo ou sequer de um juízo normativo, o que remete os fundamentos da nulidade, que também não se definiu em concreto qual fosse, para o campo da improcedência. Por fim entendem os recorrentes que o método de cálculo de imposto por avaliação indirecta foi indevidamente utilizado. A questão prende-se com a confusão que os recorrentes fazem entre avaliação probatória da competência da entidade tributária e do Tribunal penal, a que abaixo aludiremos e não se descortina em que termos possa influir na sentença, em moldes a determinar a sua nulidade, nem os recorrentes explicam tal raciocínio. *** 3–Do vício da insuficiência da prova produzida para a decisão de facto: Os recorrentes entendem ainda que ocorre o mencionado vício com fundamento em que «era possível ter apurado a origem das viaturas constantes destas categorias e ter verificado a quem pertenciam, quem eram os seus proprietários e se a pessoa coletiva arguida era ou não obrigada a faturar qualquer venda ou prestação de serviço decorrente da sua atividade ou se não se tratava de inserções de valores na conta bancária da sociedade decorrentes de uma qualquer outra operação tributária que não resultasse de vendas ou de prestações de serviços, mesmo provindas de pagamentos de financeiras.» As categorias a que se referem são «Viaturas com comissão de intermediação faturadas; Viaturas com comissão de intermediação e com garantia faturadas; Viaturas com garantia faturada; Viaturas sem faturação emitida, identificadas estas na coluna "R&F». Quanto ao vício invocado, ele, tal como os demais a que se reporta o nº 2 do artº 410º/CPP, tem que resultar do texto da decisão recorrida, de per se, ou em conjugação com as regras de experiência comum. Ocorre, apenas e exclusivamente, quando (i)- a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito encontrada porque (ii)- não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa (matéria essa que se confina à factualidade colocada à apreciação do julgador, por estar contida na acusação, no pedido civil ou nas contestações aduzidas ou resulte da discussão da causa) ou ainda porque (iii)- não se investigaram factos que deviam ter sido apurados na audiência, tendo em vista a sua importância para a decisão (por exemplo, para a escolha ou determinação da pena). O vício ocorre quando o Tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa materialidade não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à sua apreciação, por faltarem elementos necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição ([3]). Por outras palavras, aí, os factos provados são insuficientes para fundamentar a solução de direito encontrada, sendo que, no cumprimento do dever da descoberta da verdade material, o Tribunal poderia e deveria ter procedido a mais profunda averiguação, de modo a alcançar, justificadamente, a solução legal e justa ([4]),([5]). No caso, manifestamente, não se vislumbra do texto da decisão recorrida que o Tribunal recorrido tenha deixado de averiguar (em profundidade) as questões efectivamente colocadas no âmbito do processo, ou que o provado seja insuficiente para a imputação do crime pelo qual os arguidos foram condenados. Em face do exposto, não se verifica o vício invocado. *** 4–Do vício de contradição entre o provado: Entendem os recorrentes que os factos provados em 11 e os factos provados em 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22 estão em contradição porque «dá-se como provado no ponto 11 que os recorrentes não faturaram determinadas vendas, o que significa que não liquidaram IVA, uma vez que a liquidação de IVA resulta da emissão de fatura, apurando-se nesse momento (da emissão da fatura) o IVA cobrado do consumidor, cliente para posterior entrega ao estado e depois dá-se como provado nos restantes pontos da decisão de facto, que os recorrentes na entregara o IVA liquidado ao estado. Ora, se se dá como provado que não foram emitidas faturas, por inerência não há liquidação de IVA e como tal, alegadamente, os recorrentes não teriam guardado e feitas suas, como se dá como provado na decisão recorrida, quantias que não lhe pertenciam». Presume-se que os destinatários de uma mensagem e, por maioria de razão, de uma sentença judicial, são pessoas dotadas de normal raciocínio e lógica. Não estando ilidida tal presunção, resulta evidenciado que os recorrentes sabem perfeitamente que o que se dá como provado, em todos esses pontos, é apenas e tão só que os arguidos omitiram as declarações fiscais relativas a valores auferidos no exercício da respectiva actividade económica (vendas que efectuaram mas não facturaram), pelas quais era devido IVA. Ora, a não facturação das vendas, como os arguidos bem sabem, visou precisamente permitir que fizessem seus os valores do imposto que retiveram, mas que nunca declararam e tinham obrigação de o fazer. A tese (peregrina) de que não se facturando uma venda nunca se deve IVA é fenomenal, mas infelizmente é ilegal – e é precisamente o fundamento de violação das normas tributárias, susceptível de constituir crime que está subjacente, entre outros, ao presente processo judicial. Não há contradição: o que houve foi uma fiscalização que detectou um esquema de ilícito fiscal que, a crer nas declarações dos próprios, vinha sendo cometido desde anos anteriores. *** 5–Do vício de erro notório na apreciação da prova: Os recorrentes invocam ainda o vício de erro notório na apreciação da prova, a que alude o artº 410º/2-c), do CPP, com fundamento em que a «relevância dos depoimentos de , conjugada com a relevância do depoimento da testemunha Telmo Pereira, faz decorrer a verificação do vício de erro na apreciação da prova da decisão recorrida, com influência direta e imediata na importância da alteração de decisão de facto quanto aos factos não provados, nomeadamente os acima mencionados constantes da contestação do recorrente SLR_____ », contestação essa onde se refere que a contabilidade estava entregue a um contabilista, mas também que o «contestante limitava-se a vender viaturas e a informar o contabilista do valor venda das viaturas em questão». O vício invocado que tem a ver com a aptidão da fundamentação da aquisição probatória à consideração sobre se determinados factos se encontram, ou não, provados. Existe erro notório na apreciação da prova quando, considerado o texto da decisão recorrida, por si, ou conjugado com as regras de experiência comum, se evidencia um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum ou do jurista com preparação normal, ou porque se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica normal, traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta ([6]), ou porque se violam as regras sobre prova vinculada ou de «leges artis» ([7]), ou porque resulta do próprio texto da motivação da aquisição probatória que foram violadas as regras do «in dubio» ([8]). Ora, manifestamente, a fundamentação exarada para a invocação do vício extravasa o domínio da literalidade da sentença, o que determina, sem mais, a manifesta improcedência da questão, *** 6–Da impugnação dos factos provados sob 11, 12, 13, 15, 16, 7, 18, 19, 20, 21 e 22 e 2 a 8 do não provado: Os arguidos impugnam o provado com fundamento em que os valores apurados como relativos a imposto devido e não declarado não tiveram em conta os negócios subjacentes, que poderiam ser relativos a «Viaturas com comissão de intermediação faturadas; viaturas com comissão de intermediação e com garantia faturadas, viaturas com garantia faturada, viaturas sem faturação emitida» e devoluções ou pagamentos de valores de financiamento, porque também se dedicavam a esta última actividade. Quanto a este último ponto referem mesmo que se as detectadas saídas de dinheiro da sociedade para a conta de terceiros correspondessem à devolução ou ao pagamento dos valores financia, intermediados pela sociedade, resultante de vendas de veículos que não eram propriedades da mesma, não podiam ser tomadas em conta, sendo que «a inspeção não apurou a origem da alegada omissão de facturação, antes a presumiu». Insurgem-se, ainda, quanto à questão de os valores contabilizados para efeitos da matéria de facto provada terem resultado da aplicação de métodos de avaliação indirecta da matéria tributável, que consideram inaceitável em sede de fundamentação da aquisição probatória em processo penal. Ora, como se sabe, o regime dos recursos em processo penal tem por fundamento essencial que as questões colocadas à apreciação tenham sido apreciadas pelo Tribunal recorrido ou a ele tenham sido colocadas. As questões que carecem de ser apreciadas em sentença, sob pena de nulidade, são aquelas que foram suscitadas pela acusação, pedido civil, contestação crime ou cível, ou de conhecimento oficioso que se prendam com a matéria controvertida. Apenas a omissão de apreciação destas questões conduz à nulidade de sentença. Verificadas as contestações apresentadas pelos arguidos, nenhuma delas contem qualquer referência à desadequação do cálculo do imposto devido por meio de avaliação indirecta e muito menos à consideração de valores que não estariam sujeitos a tributação, na avaliação apresentada. Significa isto que toda esta novíssima argumentação se traduz na apresentação de questões novas, que não foram invocadas nem expressamente apreciadas pelo Tribunal recorrido - nem tinham que ser, porque por um lado não resultaram de qualquer das peças referidas e por outro não foram levadas à discussão da causa contida na sentença em apreço senão, muito vagamente, como hipótese, com a clara e única finalidade de inquinar o depoimento da testemunha inspector. Refira-se ainda que as questões, tal como os recorrentes as colocam, são meramente hipotéticas. Em lugar nenhum se afirma que houve «Viaturas com comissão de intermediação faturadas; viaturas com comissão de intermediação e com garantia faturadas, viaturas com garantia faturada, viaturas sem faturação emitida» e devoluções ou pagamentos de valores de financiamento, nem isso resulta da fundamentação da aquisição probatória e, menos ainda, da pressuposta transcrição do depoimento do inspector tributário A____. O único excerto que é referido como respeitante à matéria (e em que se percebe o teor da resposta dada) é conclusivo na resposta dada à pergunta sobre se se no âmbito da sua inspecção tinha sido apurado se «essas saídas de dinheiro da sociedade para a conta de terceiros, correspondiam à devolução ou ao pagamento dos valores financia, intermediados pela sociedade Samucar, resultante de vendas de veículos que não eram propriedades da mesma», ao que ele respondeu que não foi possível apurar. Mas também disse que aquilo que tinha sido colocado no relatório era (apenas o) resultado daquilo que tinha sido apurado, tendo por suporte os documentos apresentados, pelo que não é legítimo que se considere que aquilo que foi considerado assente tenha tido por base aquilo que não foi possível apurar. Um processo não tem por objecto hipóteses de acontecimentos mas acontecimentos concretos e, quanto a esses, nada foi referido. Por fim, os arguidos estruturaram o recurso, manifestamente, numa confusão daquilo que foi a prova obtida no âmbito do processo penal com a prova obtida no âmbito da acção inspectiva tributária levada a efeito, designadamente quanto aos valores liquidados, cujo relatório fiscal faz fé em juízo (artigo 76º /LGT). Estes são dois campos de actuação perfeitamente distintos, sendo que em sede de procedimento penal a competência do Tribunal não é a de repetir as operações próprias da acção inspectiva, nem tão pouco de as fiscalizar numa perspectiva de cálculo tributário, sem que tenha havido a contestação (escrita) fundada, enunciadora de factos susceptíveis ilidir a presunção inerente à fé em juízo, porque essas operações pertencem a uma área de competência exclusiva dos serviços fiscais, sendo que é no respectivo procedimento tributário que há mecanismos próprios para a impugnação das avaliações feitas - previstos na Lei Geral Tributária (LGT) DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro, designadamente nos seus artigos 80º e ss. Só depois de verificada a prática de acções de âmbito ilícito, pelos serviços de fiscalização tributária, o que pressupõe a efectiva verificação de omissão na declaração e entrega de imposto, mediante a apreciação feita pela inspecção, quer numa fase inicial quer em face da oposição deduzida, é que se passa à fase judicial. Por força dos artigo 31º e 59º/4, da LGT, constitui obrigação principal do sujeito passivo efectuar o pagamento da dívida tributária e são obrigações acessórias as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações, sendo que a colaboração dos contribuintes com a administração tributária compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiros. Nos termos do artigo 60º da mesma lei, a «participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a)-Direito de audição antes da liquidação; b)-Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições; c)-Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal; d)-Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção; e)-Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária». Verificada uma inexactidão das avaliações feitas pela entidade tributária, a lei coloca ao dispor do contribuinte uma série de expedientes para que as possa impugnar, caso com elas não concorde, que vão desde a reclamação e o recurso hierárquico até à impugnação judicial da liquidação, nos casos de avaliação indirecta (artigo 86º). Só depois de percorridos tais trâmites, e uma vez fixada a liquidação, as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, sempre que fundamentadas e baseadas em critérios objectivos, nos termos do artigo 76º Neste âmbito de distinção, não há confusão possível entre os deveres de informação adstritos ao contribuinte, designadamente através da manutenção de uma contabilidade organizada, transparente e passível de confirmação e qualquer inversão do ónus da prova: «A contabilidade deve ser organizada, de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto» (art.° 44º/ 1, do C.I.V.A.). O facto gerador da responsabilidade tributária é autónomo da responsabilidade criminal: a obrigação tributária existe independentemente do crime, mas é seu pressuposto necessário. Ora, aquilo que os recorrentes pretendem discutir em recurso é matéria unicamente susceptível de discussão em sede tributária, sendo que o Tribunal penal apenas tem que verificar se as informações foram fundamentadas e baseadas em critérios objectivos, ou não. O Tribunal penal não vai refazer todo o trabalho levado a efeito pela inspecção tributária, a não ser pontualmente e na restrita medida em que determinada operação seja concretamente impugnada, depois de cumpridos tramites tributários de oposição. Cabia aos recorrentes exercer todos os meios ao seu dispor, nessa fase, para que fosse reposta invocada irregularidade que, acrescente-se, não se vislumbra em face da fundamentação da aquisição probatória, nem sequer da pressuposta transcrição do depoimento do inspector tributário, que de transcrição tem pouco, não sendo sequer perceptível o sentido das suas declarações, quando elas são perfeitamente audíveis na gravação efectuada. Em processo penal não se vai refazer o trabalho da inspecção tributária: esse trabalho é o ponto de partida para a avaliação sobre a existência de um crime, nada se exigindo ao cidadão. O tempo e o local onde a sua interferência constitui uma obrigação, é o da inspecção tributária. Confirmados os critérios de legalidade e adequação em julgamento, o resultado da inspecção faz fé em juízo e ao arguido compete decidir dos seus meios de defesa estritamente relativos ao campo penal. No caso os recorrentes deixaram correr a acção inspectiva como se não fosse nada com eles, recusaram até cooperação, conforme é referido pelo resumo dos depoimentos dos inspectores, nada contestaram e agora, fizeram umas perguntas genéricas e baseadas em meras hipóteses em julgamento, cujas respostas enquadradas na globalidade da prova apontam claramente para a não consideração das hipóteses que colocam e, a despropósito, em sede de recurso, invocam genéricas possibilidades de erro, sem que tenham resultado da prova feita em julgamento e sem reporte para factos concretos. Em conclusão, apreciação sobre a questão de saber se o apuramento indirecto incluiu, ou não, o valor total das vendas como sendo de viaturas realizadas por diversas entidades terceiras, imputando, sem mais, esse rendimento à sociedade recorrente e em consequência aos recorrentes, pessoas singulares, não expurgando o que foi pago ao Estado considerando todos os montantes apurados como rendimentos não declarados e omitidos e sem custos associados não é matéria admissível como fonte de recurso. Significa isto que a impugnação em apreço é manifestamente improcedente. Em face do exposto, é evidente que o grande fundamento em que os recorrentes fundamentam a sua impugnação do provado é absolutamente inapto a qualquer alteração do mesmo. Invocam ainda os arguidos que devia ter sido entendido que as suas responsabilidades fiscais tinham sido transferidas para o contabilista. Esse argumento é posto em causa pelos próprios, a partir das próprias contestações. O arguido SLR_____ referiu expressamente na contestação que o «contestante limitava-se a vender viaturas e a informar o contabilista do valor venda das viaturas em questão.». Se fazia as vendas fazia a facturação ao cliente, no momento da venda, pelo menos. O que entregava ao contabilista – não residente na empresa- era a documentação que bem entendia entregar, sendo que com ela e só com ela o contabilista podia trabalhar. É da experiência comum que os documentos de suporte do trabalho do contabilista advêm da consulta dos documentos relativos às facturações, da inteira responsabilidade dos sócios, por si, ou pela pessoa dos vendedores. Não se conhecem contabilistas dotados de poderes divinatórios: eles trabalham necessariamente com os dados fornecidos pelos clientes, que são quem sabe do giro do negócio e quem tem a obrigação inalienável de documentar esse giro, fazendo chegar os documentos à pessoa encarregue do seu tratamento fiscal. Esta é uma argumentação tão desprovida de respaldo na experiência comum, que se torna acintosa. Por fim, reclamam a passagem para o provado dos factos emergentes das suas teses acima referidas, o que, como é evidente, tem a mesma falta de respaldo na lógica do que a argumentação que lhe serve de base. Não obstante o manifesto desajuste da argumentação utilizada para produzir alteração no provado, temos que considerar ainda que os recorrentes não cumpriram, minimamente que fosse, os pressupostos de que dependem um pedido de reapreciação de prova. Em causa está nitidamente um pedido de reapreciação da prova, ao abrigo do disposto no artº 412º/3 e 4 do CPP, sendo certo que o pedido de renovação de prova foi indeferido, por despacho do relator, por falta de cumprimento dos requisitos de que essa renovação depende. Vejamos então se o pedido de reapreciação respeita os ónus formais e substanciais de que a lei o faz depender. A reapreciação depende do cumprimento de requisitos de forma e conhece condicionantes e limites. No que se refere a requisitos formais, o recorrente que queira ver reapreciados determinados pontos da matéria de facto tem que dar cumprimento a um duplo ónus, a saber: - Indicar, dos pontos de facto, os que considera incorrectamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência; - Indicar, das provas, as que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação – o que determina que se identifique qual o meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe. Caso o meio de prova tenha sido gravado, a norma exige a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação (as concretas passagens a que se refere o nº 4 do artº 412º/CPP); Nos termos do recente AUJ nº 3/2012, publicado no DR-Iª, de 18/04/2012, estabeleceu-se que «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações». O que se pretende é a delimitação objectiva do recurso, com a fundamentação da pretensão e o esclarecimento dos objectivos a que o recorrente se propõe. Impõe-se-lhe o dever de tomar posição clara, nas conclusões, sobre o objecto do recurso, especificando o que, no âmbito factual, pretende ver reponderado, assim como na hipótese de renovação, especificando as provas que devem ser renovadas (alínea c) do nº 3 do artigo 412º/CPP). Ora, no caso dos autos, os recorrentes resolveram transcrever os depoimentos prestados pelas testemunhas , como se fosse ónus do Tribunal ir desvendar, dentro de tudo aquilo que referem (e começam na identificação das testemunhas), que concretas passagens/excertos das declarações poderiam impor decisão diversa. Não cumprindo o referido ónus, está duplamente precludida a possibilidade de obter uma reapreciação que, mesmo que assim não fosse, refira-se, estaria votada ao insucesso porque não se vislumbra que os testemunhos transcritos tenham a virtualidade de afectar a validade e adequação da apreciação feita e muito menos de impor decisão contrária - que é aquilo que a norma exige, como requisito substantivo, nos termos acima analisados. A reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão. Os condicionamentos ou imposições a observar no caso de recurso de facto, referidos nos nºs 3 e 4 do artigo 412° constituem mera regulamentação, disciplina e adaptação aos objectivos do recurso, já que a Relação, não fará um segundo julgamento de facto, mas tão só o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, que tenham sido referidos no recurso e às provas que imponham (e não apenas sugiram ou permitam outra) decisão diversa indicadas pelo recorrente. Improcede, portanto, a impugnação do provado e do não provado por falta de cumprimento dos ónus respectivos. Acrescente-se, por fim, que ainda que nenhuma das antecedentes causas de improcedência da reapreciação existisse, verifica-se que as questões em que fundamentam a impugnação, genericamente tratadas acima, não são aptas a produzir qualquer modificação, por falta de correspondência com a prova produzida. Nesta capítulo, por facilidade de exposição, reproduzimos as alegações do MP, cujo teor esclarece o assunto. «Decorre dos documentos juntos aos autos, designadamente, os documentos que se encontram elencados como prova documental no despacho acusatório; no despacho de pronuncia e posteriormente na sentença a quo, o seguinte: -A caracterização da sociedade arguida, seu objeto e gerência encontra-se refletida na certidão comercial permanente, e na documentação contabilística apresentada pela arguida em sede de inspeção; -Na analise de tais documentos constatou-se que nos anos de 2013 e 2014, sociedade, na prossecução da sua atividade de compra e venda de automóveis em segunda mão e na prestação de serviços de intermediação financeira na aquisição de automóveis. -No âmbito da referida atividade a sociedade promove junto dos adquirentes o financiamento das mesmas junto de três instituições bancárias: Banco Primus; Banco Credibom e Banco Santander Consumer, sendo que cobra comissões às referidas instituições, bem como ainda cobra comissões de intermediação aos adquirentes das viaturas, pelas quais liquida IVA à taxa normal. Contudo, a AT - cruzando dados que constavam das declarações de rendimentos (mod. 22) apresentadas pela própria sociedade (vide as referidas declarações no anexo 7 - pag. 1 a 19), onde se encontram os valores dos IES, com os valores dos balancetes extraídos dos ficheiros SAFT da contabilidade - igualmente apresentados pelos arguidos (vide anexo 6 - pág. 1 a 27), verificou que a conta referente aos custos das mercadorias vendidas e matérias consumidas são superiores aos valores das vendas. Ora, tal constatação apenas tem como causa lógica e necessária que ou a sociedade arguida comercializou as viaturas usadas abaixo do custo de aquisição - o que não faz qualquer sentido - ou não registou, nem declarou todas as vendas de viaturas adquiridas. Assim, a referida sociedade arguida foi sujeita a uma ação de inspeção externa pelo serviço de inspeção tributária da Direção geral de Finanças de Setúbal, que por sua vez deu azo aos autos de noticia de fls. 1153 e 1154. - Foram ainda verificadas as viaturas automóveis que se encontram registadas em nome da sociedade e que constam do quadro II-3.7.2 do relatório de fls. 140 e seg. - Em termos contabilísticos, foram analisadas, neste período temporal, as seguintes contas: - Conta 7112 - vendas de viaturas - regime normal - Anexo 10 - pag. 1 a 39; -Conta 7214 - comissões de intermediação faturas às financiadoras - Anexo 10 - pag.1 a 39); - Conta 7212 - comissões de intermediação faturadas aos vendedores ou compradores das viaturas - Anexo 10 - pag. 1 a 39. - No mapa que consta do anexo 11 - pag. 1 a 14, encontra-se a faturação emitida pela arguida e os extratos de conta de rendimentos onde estas foram contabilizadas, identificando-se os seguintes elementos: matriculas das viaturas cuja transmissão foi faturada, matriculas das viaturas objeto de comissões de intermediação aos vendedores/compradores; montante das comissões de intermediação faturadas às financeiras. - No extrato da conta clientes, e nas faturas existentes, verificou-se que das 147 faturas, apenas 17 são relativas à venda de viatura, todas as demais são relativas a comissões de intermediação, bem como quase todas foram financiadas por intermediação da sociedade arguida, existindo coincidência entre o titular da fatura e o contratante do financiamento - (vide Anexo 11, pág15 a 187); - As financeiras supra mencionadas remeteram relação dos contratos de financiamento celebrados com a sociedade arguida no referido período, e ali consta o nome do titular, matricula e montante do financiamento apurado; (vide anexo 38 - pag. 1 a 14. E anexo 40 - pag. 1 a 14)- tais valores encontram-se resumidos no quadro III- 5.1 do relatório de fls. 150. e - As contas bancárias tituladas pelo sujeito passivo, estão nas contas SNC 121; 125 e 127, sendo que a maioria dos lançamentos na contabilidade estão suportados com cópia dos extratos ou documentos internos, bem como se verifica a existência de avultadas saídas de dinheiro com destino a contas bancárias tituladas pelos sócios (vide anexo 20 e anexo 21). - A quase totalidade dos movimentos a crédito nas contas da empresa têm origem nas financiadoras - os valores e os extratos bancários estão referidos no anexo 22 - pág. 1 a 23); - Estas importâncias, depois de darem entrada nas contas da empresa foram transferidas no todo ou em parte para a conta dos sócios gerentes. Vide valores e documentação de suporte em Anexo 23- pag. 1 a 39), sendo que parte significativa destes valores, ao permanecer na conta da sociedade é adstrito ao pagamento de viaturas adquiridas na Alemanha através de PF..... (vide Anexo 25, pag. 1 a 35) ou a legalização de viaturas adquiridas na EU através de MV..... ou AS..... (anexo 26 - pag. 1 a 16); - Na contabilidade, os fluxos financeiros de e para os sócios entram na conta 2685 (anexo 27, pa. 1 a 3) Em suma, e após análise da referida documentação, conclui-se, indubitavelmente, que as entradas nas contas bancárias do sujeito passivo com origem nas financeiras foram utilizadas no pagamento da aquisição de viaturas por si posteriormente vendidas, quer através das saídas registadas nas contas bancárias tituladas pela sociedade, quer através das saídas registadas nas contas bancárias tituladas pelos seus sócios gerentes. Bem como se conclui que as viaturas financiadas referidas na relação apresentada pelas financiadoras, expurgados de todas as viaturas financiadas onde se concluiu que não pertenciam à ora sociedade, foram adquiridas pela sociedade arguida e posteriormente vendidas ao contraente do empréstimo, correspondendo o valor do financiamento transferido para as suas contas bancárias a totalidade ou parte do produto da venda. Estas viaturas encontram-se, em termos contabilísticos na coluna "Observações 2 do mapa do Anexo 39 com a expressão "R&F comprou". Ora, como podemos observar estamos perante transmissões sujeitas a tributação em sede de IVA (art. 2° e 3 do CIVA), uma vez que as mesmas foram adquiridas pela sociedade arguida e posteriormente vendidas ao contraente do empréstimo, correspondendo o montante do financiamento entrado na conta bancária da sociedade arguida a contraprestação pela transmissão efetuada. Outrossim, nestas viaturas apenas foi faturada a comissão de intermediação, pelo que estamos em presença de omissão de vendas, pese embora tenham sido faturadas e liquidados IVA sobre as mesmas não pela venda mas pela intermediação. Ou seja, não há uma omissão total de declaração à AT. - parte do Iva foi declarado, liquidado e recebido, mas não foi na sua totalidade. Ora, perante os valores apurados referentes às vendas das referidas viaturas, em que a sociedade arguida apenas apresentou fatura e liquidou o IVA respeitante à intermediação das financiadoras cobrado aos adquirentes das viaturas e das comissões das financeiras, a AT procedeu ao apuramento e quantificação das referidas omissões de vendas que constam do mapa do anexo 39. Tal lista de viaturas relacionadas financiadas apresentadas pelas financiadoras com recurso à intermediação financeira foram cruzadas com a informação da faturação emitida pela sociedade arguida e pelas viaturas legalizadas por AS....., tendo-se expurgado, como referi, as viaturas cuja transmissão foi faturada e as viaturas com comissão facturadas que não tenha sido adquiridas noutro pais intracomunitário, bem como as viaturas que foram adquiridas pelo arguido SLR_____ a titulo pessoal. Pelo que apenas restam as viaturas relacionadas no anexo 41 - pag. 1 a 5, neste mapa existem várias colunas sendo as mais relevantes: "Observações" - em que se identifica se a viatura foi adquirida pela sociedade arguida antes do financiamento "R&F comprou", e " PVP preço de venda para efeitos de financiamento, "Preço de compra"; "BT base tributável"; Iva que resulta da aplicação da taxa de 23%, "BT base tributável correspondente à omissão de venda, com base na diferença entre a base tributável relativa à transmissão da viatura não faturada e a base tributável da comissão de intermediação faturada, e "IVA" - IVA em falta correspondente resultante da diferença entre o IVA relativo à transmissão da viatura não faturada e o IVA da comissão de intermediação faturada: * No que tange ao cálculo dos valores que se encontram nos factos dados como provados na sentença a quo n°s 12, 13, 14, e 15, os mesmos tiveram por base toda a documentação supra elencada e encontra-se devidamente, explanada no relatório final de fls. 152 a 155, que não iremos transcrever porquanto é cariz técnico e de exposição fastidiosa, mas que subscrevemos para os devidos efeitos legais. * Pelo exposto, ainda que consideremos que o depoimento da testemunha - inspetor tributário - não tenha sido exaustivo na explicitação das páginas concretas onde se encontravam os documentos sustentáculo da factualidade supra referida (o que se concede como mera hipótese académica), a verdade é que neste tipo de ilícitos criminais, em que a prova é quase exclusivamente documental - sendo que, de acordo com jurisprudência sedimentada - constituem prova pré-constituida, as mesmas não têm que ser lidas ou reproduzidas enquanto tal, na audiência de julgamento, porquanto já foram submetidas à discussão e exercício do contraditório. Documentos utilizados como prova em processo penal, quando haviam sido entregues no cumprimento de deveres de cooperação com a AT, podem ser utilizadas em processo penal, não constituindo qualquer violação do direito de defesa do arguido. Com efeito, a circunstância dos documentos contabilísticos, relatórios dos inspetores tributários, não tendo sido exibidos durante a audiência de julgamento não invalida que tenha constituído o centro da discussão da prova, sendo certo que tais documentos foram juntos antes da dedução de acusação. Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/07/2021, in www.dgsi.pt. Pelo exposto, a invocação por parte dos recorrentes que a sentença a quo deu como provados os factos colocados em crise com base em matéria probatória insuficiente, não colhe. Como podemos observar, toda a documentação supra concretizada foi apresentada como prova documental, incluído os relatórios e pareceres da AT onde se explicitam com pormenor, fazendo menção direta aos documentos onde se encontram os valores apresentados no despacho de pronuncia e posteriormente na sentença, bem como os critérios utilizados para aferir dos mencionados valores, foram valorados na sua plenitude pela Mm? Juiz, pese embora, não tenham sido escalpelizadas na sentença a quo, aliás, como consta da fundamentação da matéria de facto. Para além do mais, pela análise da referida documentação podemos verificar que o método indireto utilizado não foi para apurar os montantes das bases tributáveis e o IVA em falta no referido período, determinados com base nas omissões de venda e comissões de intermediação indevidamente faturadas, tal como consta da explicitação referida no relatório de fls. 151 a 153 e respetivo quadro III.8.1. Como se pode verificar neste cálculo não foi utilizado qualquer método indireto, mas sim valores reais apurados após cruzamento de dados com documentação contabilista e fornecidas pelas financiadoras. Neste caso, não se chega à conclusão de que, no que diz respeito às viaturas relacionadas pelas financiadoras, a sociedade adquiriu as mesmas e depois vendeu a terceiros tendo apenas declarado, e liquidado o IVA das comissões e intermediações das financeiras, através da presunção de que todas as viaturas relacionadas, indiscriminadamente, eram da propriedade da sociedade apenas por terem sido identificadas pelas financiadoras, mas sobretudo, pelo facto de terem sido transferidas diretamente para a conta bancária das referida sociedade e depois transferidas, em parte, para a conta pessoal dos arguidos, tendo sido a outra parte da quantia permanecido na conta da empresa e utilizada para financiar a referida atividade comercial. Não tem qualquer lógica defender, como defendem os recorrentes, que a AT não cuidou apurar se todas as referidas viaturas pertenciam previamente à sociedade arguida, antes da mesma solicitar o financiamento, e as venderam aos adquirentes. Com efeito, não faz sentido a única hipótese existente de que as referidas viaturas não pertenciam, efetivamente, à sociedade arguida, porquanto se pertencessem a terceiro vendedor, e a sociedade arguida fosse apenas intermediária, a transferência do montante financiado não ocorreria para a conta bancária da sociedade mas para a conta bancária dos adquirentes daquela, que, por sua vez, entregariam tal valor ao terceiro vendedor. Um outro fator importante que revela tal circunstância é o fato de ter sido possível recolher prova (vide ponto III.7 do relatório) que a sociedade arguida adquiriu a viatura antes do financiamento, o que reforça que o produto do financiamento deu entrada nas suas contas bancárias, constituindo a retribuição pela venda realizada. Também não podemos olvidar, que o arguido SLR_____, nas suas declarações referiu que "existiram veículos que não foram faturados - assim confessando parcialmente os factos, mas com reservas". Em suma, e ao contrário do que foi alegado pelos recorrentes, não foi utilizado qualquer método indireto para dar como provados os referido factos, de forma exclusiva, para a aferição da base tributável e o IVA em falta no mencionado período, pelo que o Tribunal não se apoiou em presunções para afirmar a sua convição para dar como provados tais fatos. Concordamos que o processo penal não exclui o método indirecto, quando permita através de fatos conhecidos ilacionar desconhecidos, desde que haja uma relação segura entre o fato - base ou pressuposto ou próxima entre o indicio e o fato atingido (vide Vaz Serra, Direito probatório material, BMJ, n°112, pag. 190. Para além disso, em processo penal, o recurso a presunções só pode ser admitido como forma de ficcionar determinado resultado, em que o julgador logo admite que não pode ter correspondência com a realidade - hipótese essa em que estaríamos perante uma presunção. Ora, nesta situação em concreto, como já mencionei, a prova valorada pela Mmª Juiz para concluir que a arguida não havia declarado, nem faturado todo o Iva tributável relativamente às viaturas relacionadas que foram por si adquiridas, para posteriormente vender a terceiros, não se baseou em presunções tendo por base apenas a lista das viaturas financiadas, mas sim por toda uma análise à documentação contabilística junta aos autos, extratos bancários, declarações do arguido SLR_____ que confessou parcialmente os fatos, e as regras da lógica e da experiência comum. No nosso entendimento, a prova desse facto - de que as viaturas relacionadas - foram compradas pela sociedade arguida a terceiros, e posteriormente vendidas a compradores que necessitaram de solicitar a concessão de crédito a financiadoras (cuja intermediação foi efetuada pela mesma sociedade arguida), não tendo a mesmo declarado à AT tal aquisição e venda, mas tão só o IVA das comissões e intermediações, é o facto base -fato principal esse que não suscita qualquer dúvida ao julgador que não corresponda à realidade. Pelo exposto, reiteramos que não foram valoradas quaisquer fatos presuntivos, mas reais.» *** 6–Da renovação da prova: A propósito da transcrição dos depoimentos das testemunhas os recorrentes pedem a renovação daquela precisa prova e por fim, pedem igualmente a renovação da prova reportada para uma série de documentos. A renovação da prova está sujeita ao cumprimento dos ónus a que respeita o artigo 412º/CPP, que não se mostram cumpridos, o que constitui o primeiro motivo de improcedência do pedido. Mas, para além disso, estando em causa matéria que não pode ser discutida em sede de recurso, aliada a alegações inverosímeis, em face da experiência comum, essa renovação, ainda que devidamente formulada, seria inócua para a decisão da causa, o que determinaria igualmente a improcedência do pedido, por configurar uma violação ao disposto no artigo 130º/CPC, de proibição da prática de actos inúteis. *** 7–Da subsunção dos factos ao crime pelo qual os arguidos foram condenados: Não ocorrendo ilegalidade, nulidade, vício de sentença, inconstitucionalidade nem qualquer deficiência na fixação da matéria de facto, que se mantem nos seus precisos termos, improcede, consequentemente a pretendida absolvição dos crimes pelos quais foram condenados porque se verifica, nos precisos termos referidos na sentença recorrida, a integração dos elementos típicos do ilícito, quer a nível objectivo como subjectivo. São elementos constitutivos do tipo do crime de abuso de confiança fiscal (artº 105º/RGIT): A–Que o agente, legalmente obrigado a entregar à administração fiscal determinada prestação tributária que tenha recebido, omita, total ou parcialmente, tal entrega, sendo que a prestação pode revestir as seguintes modalidades: i)- prestação tributária deduzida nos termos da lei, ii)- prestação deduzida por conta daquela prestação tributária, ou iii)- prestação que tendo recebido, tenha a obrigação legal de liquidar, de valor superior a euros 7.550 B–O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto com consciência da sua censurabilidade. A factualidade objectiva típica deste crime verifica-se, portanto, sempre que haja omissão da entrega à administração tributária de: - Prestação tributária deduzida nos termos da lei; - Prestação tributária que tenha sido recebida e haja obrigação legal de liquidar; - Prestação tributária que possa ser entregue autonomamente, independentemente de a falta de entrega ser total ou parcial. Prevê-se um tipo agravado pelo resultado em função do valor do tributo não entregue ser superior a 50 mil euros, no n.° 5 do mesmo artigo. Este é um crime de omissão - a conduta típica é uma omissão da entrega da prestação tributária - e um crime próprio, específico, porque tem por exclusivo destinatário o obrigado pela lei fiscal ao cumprimento do dever omitido. O artigo 6° do RGIT estende a punição aos representantes de facto de sociedades e o artigo 7º às próprias sociedades, com a menção de que a sua responsabilidade não excluí a responsabilidade individual dos respectivos agentes. Como refere a sentença recorrida o «I.V.A. se considera uma prestação tributária que, tendo sido suportada por quem adquire bens ou beneficia de determinados serviços, conduz à obrigação legal de a liquidar nos termos e prazos explicitados, a cargo de quem faculta esses bens ou serviços e recebe a prestação. A não entrega total ou parcial da prestação tributária ou equiparada traduz-se num acto de fazer sua coisa alheia. O agente obtém validamente a coisa, passando a possuí-la ou detê-la licitamente, a título precário ou temporário e, posteriormente, passa a alterar o título de posse ou de detenção, passando a dispor da coisa como se fosse sua, deixando de a possuir em nome alheio e fazendo entrar a mesma no seu património ou dispondo dela com o propósito de a não restituir, ou seja, não lhe dando o destino a que estava ligada ou sabendo que não mais o poderia fazer. Nos termos ainda dos artigos 29.° e 41.°, n°1, al. b) do C.I.V.A, os arguidos, pessoas singulares na qualidade de sócios gerentes e legais representantes da sociedade arguida, tinham o dever de entregar nos Serviços do I.V.A. a declaração periódica no regime de periodicidade trimestral a que aquela sociedade estava sujeita, desde logo porque o I.V.A. consiste num imposto de auto-liquidação cabendo ao contribuinte declarar e liquidar, em favor do Estado, o imposto retido. Realidade que não foi feita na sua totalidade, efectivamente o que se apurou e ficou provado é que os arguidos na qualidade de sócios gerentes da sociedade arguida não declararam a totalidade do IVA percebido, omitindo parte dos proveitos nas aludidas declarações com o correspondente decréscimo do valor a perceber pelo Erário Público. (…) Na presente situação o que se apura, e resulta dos factos provados é que os arguidos cumpriram com as obrigações declarativas, procedendo à liquidação e cobrança de facturas com verdade, mas depois, contornando a situação tributária do IVA, escrituraram para efeitos de declarações periódicas de IVA valores diferentes dos que efetivamente foram percebidos, conduta que tal como provado visou pela parte destes a não entrega total do imposto. (…) O que decorre dos factos provados nos autos, é que os arguidos enquanto legais representantes da sociedade arguida procederam às operações de lançamento, liquidação e cobrança, mas não entregaram, como deviam, o valor correcto de imposto ao Estado. Mostra-se assim verificado o dano no património fiscal do Estado que não constitui elemento típico do crime de fraude fiscal, ilícito este que se prefigura como um crime de facto concreto. (…) O crime de fraude fiscal não fica perfeito apenas com a declaração falsa, exigindo-se ainda uma intenção específica ou uma situação factual de perigo concreto. (…) As declarações periódicas tal como consta dos factos provados foram enviadas com valores incorretos, visando-se a apropriação, mais precisamente o encobrimento desta, sendo também, em si mesmo, revelação objectiva do dolo de apropriação. Assim os arguidos e a sociedade arguida com a sua conduta tendo em conta os factos provados preencheram os elementos objectivos e subjectivo do crime de abuso de confiança fiscal, na sua forma agravada (atento o valor) previsto e punível pelo art.° 105.°, n.° 1, n°5 e 7, do Regime Geral das Infrações tributárias - R.G.I.T., pelo que devem ser todos os arguidos em causa condenados pelo seu cometimento nos termos constantes da acusação/ pronúncia», na forma continuada. «ln casu, estamos perante a realização plúrima do mesmo tipo de crime - crime de abuso de confiança fiscal -, existindo também uma homogeneidade na respectiva forma de execução. Por outro lado, surpreende-se nos autos uma mesma situação exógena: a falta atempada de fiscalização que propiciou um clima favorável à repetição e funcionou como contra-motivação ética. Verifica-se, pois, uma repetição de factos criminosos, executados por forma substancialmente homogénea, em obediência a uma unidade de desígnio criminoso, dentro de uma linha psicológica continuada, lesiva do mesmo bem jurídico, cometida a coberto de uma situação exterior típica que leva à diminuição da culpa. Donde a sobredita subsunção da situação dos autos à figura da continuação criminosa. Assim sendo, pode concluir-se que verificando-se também estes pressupostos devem os arguidos em causa ser condenados pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal agravado na forma continuada, previsto e punido nos artigos 105.°, n°1, 5 e 7 do RGIT tendo em conta o disposto nos seus artigos 6° e 7° - e nos termos também do disposto nos artigo 30°, n°2 e 26° do Código Penal». Estando m causa no petitório de recurso exclusivamente a absolvição dos arguidos, resta declarar a total improcedência do recurso. *** VII– Decisão: Acorda-se, pois, negando provimento ao recurso, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos. Custas por cada um dos recorrentes, com taxas de justiça de 5 ucs. Texto processado e integralmente revisto pela relatora. Lisboa, 20/04/2022 Graça Santos Silva A. Augusto Lourenço
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