Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | MARIA LEONOR BOTELHO | ||
| Descritores: | MEDIDA RESTRITIVA SUSPENSÃO DE OPERAÇÕES BANCÁRIAS APLICAÇÃO IMEDIATA BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS ILÍCITO PRECEDENTE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 05/24/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I - Sempre que uma medida restritiva aprovada pela Organização das Nações Unidas ou pela União Europeia estiver concretamente definida é de aplicação imediata, não necessitando de qualquer aprovação por parte das autoridades nacionais. II – Só haverá que observar o disposto nos art.ºs 7.º e 11.º da Lei n.º 97/2019, de 23 de Agosto, com a intervenção do Ministro dos Negócios Estrangeiros e do membro do Governo responsável pelo sector relativo à medida restritiva a aplicar, se o acto em causa não determinar de forma suficientemente concreta os respectivos destinatários, ou quando surjam factos supervenientes que necessitem dessa concretização. III - Atenta a moldura penal de um a cinco anos de prisão, prevista no art.º 28.°, n.º 1, da Lei n.º 97/2017, de 23 de Agosto, para o crime de violação de medida restritiva, é o mesmo susceptível de ser ilícito precedente para efeito do crime de branqueamento de capitais, nos termos do art.º 368.°-A, n.º 1, do C. Penal. IV - Os factos relativos à origem e circulação dos fundos transferidos para Portugal e às quantias detidas em numerário indiciam a prática do crime de branqueamento de capitais que suporta a medida de suspensão de operações bancárias a débito e de autorização de busca domiciliária. (sumário elaborado pela relatora) | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO 1. 1. – Decisão Recorrida No processo que corre termos no Tribunal Central de Instrução Criminal sob o n.º 472/22.2 TELSB, foi, por despachos judiciais de 29.07.2022 e 05.08.2022, confirmada a suspensão temporária, por um período de três meses, dos movimentos a débito sobre a conta BPI n° xxx-xxx-xxx, bem como a inibição dos meios de movimentação à distância sobre a mesma, e de proibição dos acessos ao cofre bancário associado à mesma conta BPI n° xxx-xxx-xxx, pertencentes a YS. * 1. 2. – Recurso 1.2.1. – Inconformada com essa decisão, dela recorreu a titular de tal conta bancária e cofre, YS, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: «1ª O presente recurso é interposto de dois despachos, os quais [melhor identificados no proémio do presente recurso] respectiva e sucessivamente determinaram (i) a homologação de suspensão de operações bancárias sobre contas bancárias, identificadas a fls. 138, de que a ora recorrente é titular (ii) a busca domiciliária e apreensão de documentos e valores na residência da ora recorrente, diligência já efectuada. 2.ª Os referidos despachos limitam direitos fundamentais, com tutela constitucional, no caso o direito de propriedade privada [artigo 62° da Constituição] e a inviolabilidade do domicílio [artigo 34° da mesma Lei Fundamental]. 3.ª Os despachos recorridos enfermam de erro de Direito, na interpretação e aplicação das normas legais em que se fundamentam, concretamente os artigos 368ª-A do Código Penal e o Regulamento [EU] 833/2014, concretamente o seu artigo 5-b, que é o seu fundamento expresso. 4.ª Efectivamente, para efeito da realização do crime de branqueamento de capitais, tal como se encontra previsto no artigo 368º-A do Código Penal, não pode considerar-se como crime precedente a violação do Regulamento [EU] n.° 833/2014, nomeadamente o estatuído no artigo 5º-b, com a redacção em vigor, ao contrário do que assim interpretaram, e como tal decidiram, os despachos aqui impugnados. 5ª O referido Regulamento prevê medidas de diverso tipo, mas de natureza estritamente política, aplicáveis a determinados cidadãos, como medida retaliatória, definida pelos competentes órgãos da União Europeia, face ao conflito armado existente entre a Rússia e a Ucrânia. 6ª De tal Regulamento não resulta que os visados sejam suspeitos de crime, ou que a violação em que incorram do ali previsto seja punido a título de crime. 7.ª O crime de branqueamento de capitais pressupõe a existência de um facto ilícito típico de natureza criminal, o que no caso não se verifica. 8.ª A ora recorrente [é fundamental consigná-lo], que reside em Portugal com os filhos, tem a nacionalidade portuguesa, não está abrangida por qualquer medida restritiva com tal natureza. 9.ª Para além disso, os preceitos do Código de Processo Penal que legitimam uma busca domiciliária e a subsequente apreensão de documentos e valores, especificamente os artigos 174°, 175°, 176º, 177°, 178°, 179º e 269º, n.° 1 do referido diploma, expressamente citado no despacho recorrido e no consequente mandado, pressupõem por igual a suspeita da prática de um acto ilícito típico de natureza criminal. 10ª Ora também aqui, pela mesma razão, não existe acto ilícito suspeito que possa considerar-se crime, pois não reveste tal natureza a violação do estatuído no artigo 5º-b do Regulamento [EU] n.º 833/2014. 11.ª Assim, os despachos impugnados carecem de fundamento legal. Nestes termos, devem os despachos recorridos ser revogados por carecerem de fundamento legal, e assim dados sem efeito (i) o despacho de homologação judicial da suspensão de operação bancária acima identificada, com a concomitante libertação das contas bancárias identificadas a fls. 138, sobre a qual recaiu a suspensão em causa (ii) o despacho que ordenou a busca domiciliária e subsequente apreensão de documentos e valores na residência da ora recorrente, diligência já materializada, com a consequente restituição ao aprendido tudo como é de JUSTIÇA!». * 1.2.2. – O Ministério Público respondeu, pugnando pela manutenção das decisões recorridas e apresentando as seguintes conclusões: «1° - Nos presentes autos está em causa a suspeita de a Recorrente YS estar a permitir a utilização da sua conta junto do BPI para a circulação de fundos pertença de terceiros, aproveitando a mesma a autorização de residência em Portugal para veicular fundos com origem em terceiros e provenientes de contas bancárias na Federação Russa, em operações posteriores a Fevereiro de 2022, permitindo assim a violação da proibição estabelecida no art. 5.°-B -1 do Regulamento (UE) 833/2014, do Conselho, de 31 de Julho 2014, na redação atualmente vigente. 2° - Está em causa, além do mais, a prática do crime de violação de medidas restritivas, crime p. e p. no art. 28.°-1 e 2 da Lei 97/2017, de 23 de agosto, com a subsequente ocultação e a dissimulação da origem de fundos sujeitos a essas medidas e já introduzidos em Portugal, a qual é suscetível de integrar a prática de crime de branqueamento, p. e p. no art. 368.°-A do Cod. Penal, pelo que a medida de bloqueio de fundos e a autorização de busca domiciliária, que são objeto do presente recurso, se mostram justificadas. 3°- A suspensão de operações a débito não abrange todas as contas abertas pela ora recorrente em Portugal, mas tão só uma conta em que a ora recorrente recebeu transferências com origem última em Bancos sitos na Rússia. 4° - A recorrente YS era, em Fevereiro de 2022, titular de uma autorização de residência para investimento (ARI ou vulgo Visto Gold), obtida em 2015, com suporte na realização de um investimento imobiliário superior a 1 (um) milhão de euros, o que a colocava na excepção, prevista art. 5°-B n° 3 do Regulamento (UE) n° 833/2014, do Conselho, para a proibição de realização de depósitos por parte de cidadãos russos estabelecida no n° 1 do mesmo preceito. 5° - Com efeito, na conta à ordem da ora Recorrente junto do BPI, conta associada ao NUC 4-xxx, foram recebidas as seguintes transferências: - nos dias 24 e 25 de Fevereiro de 2022, recebeu duas transferências, com origem no GAZPROMBANK, da Rússia, nos montantes de € 150.000,00 e de € 20.000,00; - na data de 28-06-2022, recebeu duas transferências, com origem no Banco JULIUS BAER AND C°, da Suíça, nos montantes de € 882.000,00 e de € 765.000,00, resultantes de fundos que anteriormente haviam transitado da Rússia para a Suíça. 6° - Logo depois de terem sido recebidos, tais montantes começaram a ser movimentados, por via de cheques bancários, para sinalizar a aquisição de novos imóveis em Portugal, tendo sido identificados contratos promessa relativos à aquisição de um imóvel em Lisboa, pelo preço de € 850.000,00, e outro em Cascais, pelo preço de € 980.000,00. 7° - Tal estratégia de investimentos imobiliários já havia sido desenvolvida, designadamente em 2019, com a aquisição de um imóvel sito na Rua ..., n° …, em Lisboa, pelo preço de € 1.450.000,00, morada que, no entanto, correspondia ao endereço em Portugal do cidadão russo PV, que reside, de facto, na Rússia e que tinha tentado abrir contas em Portugal, designadamente junto do Novo Banco, o que lhe havia sido recusado. 8° - Constata-se que, quer o referido PV quer a YS, foram quadros de relevo dentro do Grupo GAZPROM, entidade pública da Rússia, sendo o primeiro Diretor da entidade PJSP GAZPROM e a segunda colaboradora e mesmo vice-presidente da área financeira internacional do GAZPROMBANK, pelo menos até 2018. 9° - A ora recorrente, YS, apresentou perante o BPI uma declaração do GAZPROMBANK em como teria depósitos junto daquele Banco, na Rússia, de cerca de 2,5 milhões de euros, mas constata-se que esse património era ainda associado ao tempo do seu casamento com um identificado MS, que foi também administrador do Grupo GAZPROM, sendo certo que a totalidade dos fundos transferidos para Portugal pela Recorrente, desde 2014, ultrapassa já esse montante. 10° - Até Julho 2022, a ora recorrente, YS, apenas permanecia por curtos períodos em Portugal, apresentando-se até então como residente fiscal na Rússia e fazendo-se representar por procuradores nos actos de aquisição de imóveis em que foi adquirente, tendo apenas adquirido a nacionalidade portuguesa em Agosto de 2022, já na pendência do presente processo. 11° - Foi ainda identificado, antes das decisões de bloqueio de conta e de busca, um contrato de aluguer de cofre bancário por parte da ora Recorrente e foi caraterizado o negócio de compra de novo imóvel, pretendido realizar com os fundos transferidos, como sendo uma compra seguida de arrendamento aos vendedores, sem justificativo económico ou financeiro para esse negócio. 12° - A origem e a forma de movimentação dos fundos na referida conta da ora Recorrente, quer a crédito quer a débito, em datas posteriores ao início do mês de Fevereiro passado, bem como a ligação da ora recorrente a outros cidadãos russos ainda sem autorização de residência em Portugal, caso do referido PV, permitiram indiciar a suspeita de que os fundos que remanescem na conta BPI acima identificada terão origem última em terceiras pessoas, residentes na Rússia e sem ligação a Portugal, estando portanto abrangidos pelas medidas restritivas aplicadas pela União Europeia. 13° - Acresce ainda estarmos perante fundos com origem última numa entidade pública da Federação Russa, a GAZPROM, também sujeita a sanções, não havendo evidência do manifesto fiscal, a título de vencimentos ou de prémios, das mesmas quantias naquele país ou em qualquer outro. 14° - Em face da suspeita de estarem a ser ocultados fundos de terceiros, foi determinada e confirmada judicialmente a suspensão das operações a débito sobre a conta à ordem, no BPI, da ora recorrente, com o n° xxx-xxx-xxx, tendo então a mesma ainda um saldo de € 1.239.515,57, para além de ter ainda associado um contrato de aluguer de cofre bancário, cujo acesso foi também bloqueado. 15° - Ao contrário do afirmado na conclusão 6ª da motivação, a introdução das referidas quantias no sistema financeiro nacional, sendo as mesmas na realidade pertença de cidadãos nacionais russos sem autorização de residência em Portugal, representa a prática de um crime, por violação das medidas restritivas impostas pela União Europeia, ilícito que conspurca a sua origem e faz integrar as operações de circulação desses fundos como actos de execução de um crime de branqueamento de capitais. 16° - Com os mesmos fundamentos que conduziram à suspensão de operações na conta da Recorrente, foi promovida, a 20 de Setembro de 2022, a realização da busca domiciliária agora pretendida colocar em causa, sendo certo que a morada visada e de domicílio da ora Recorrente correspondia também à morada conhecida a, pelo menos, um outro cidadão russo, que não tinha ainda obtido título de residência, o já referido PV. 17° - Face aos indícios recolhidos, entendemos ser evidente que a prova dos factos subjacentes às operações financeiras identificadas apenas poderia ser encontrada na esfera da ora recorrente, tendo também a procura de prova sido alargada à esfera da pessoa que anteriormente havia representado a ora recorrente, a referida TS, bem como à sociedade através da qual esta última opera, no caso a PA UNIPESSOAL. 18° - Ao contrário do defendido na motivação, entendemos que os indícios recolhidos, ainda antes da realização das buscas, conduziam com grande evidência à suspeita da prática de crimes de violação de medidas restritivas e de branqueamento, ilícitos que se mostram proporcionais e permitem o recurso a medidas de recolha de prova na esfera dos intervenientes, entre os quais a ora Recorrente. 19° - O crime de violação de medida restritiva encontra-se actualmente previsto e punido no art. 28.° da Lei 97/2017, de 23 de agosto, onde encontram consagradas duas diferentes formas de cometimento do crime. 20° - A primeira forma de ilícito dirige-se à violação do dever de congelamento de fundos e de operações sendo dirigida a quem, desrespeitando as sanções, colocar, direta ou indiretamente, à disposição das entidades designadas, que são as identificadas nas resoluções ou regulamentos, quaisquer fundos ou recursos económicos que as mesmas possam utilizar ou dos quais possam beneficiar, ou que permitam executar transferências de fundos proibidas - art. 28.°-1 da Lei 97/2017, de 23 de agosto. 21° - A segunda forma de ilícito é dirigida à violação de outros deveres, reportando-se a quem, contrariando uma medida restritiva, estabeleça ou mantenha relação jurídica proibida com qualquer dos sujeitos identificados nas resoluções ou regulamentos, incluindo por via da aquisição ou aumento de participação em sociedade ou no controlo de imóvel — art. 28.°-2 da Lei 97/2017, de 23 de agosto. 22° - Ambos os tipos de crime integram na sua previsão a norma de caráter internacional que estabelece a medida restritiva, sendo certo que se se tratar de um regulamento da UE, como é o caso dos autos, uma vez que possui carácter geral, é obrigatório em todos os seus elementos e é diretamente aplicável, o mesmo constitui fonte imediata de deveres para os particulares. 23° - Tal significa que o Regulamento (UE) n° 833/2014, do Conselho, não carece do prévio procedimento de aplicação que se encontra previsto nos art. 6.° e 7° da Lei 97/2017, conforme aliás decorre do art. 11° da mesma Lei. 24° - No caso da medida restritiva imposta pelo art. 5.°-B -1 do Regulamento (UE) n° 833/2014, do Conselho, temos como destinatários de deveres as instituições financeiras, que ficam proibidas de aceitar depósitos (no sentido do art. 1.° k) do mesmo Regulamento), e temos os nacionais russos ou pessoas ali residentes como sendo os titulares dos direitos restringidos, isto é, são estes que não podem transferir ou, de qualquer outra forma, colocar em Portugal quantias superiores, no seu total, a € 100.000,00. 25° - O crime de violação de medidas restritivas não é um crime de execução vinculada na forma ou subjetivamente limitado, pelo que pode ser cometido por qualquer desses destinatários de deveres ou titulares de direitos restringidos, bem como por qualquer pessoa que, de alguma forma, permita que um nacional russo, sem título de residência em Portugal, coloque no sistema financeiro nacional uma quantia superior a € 100.000,00. 26° - Os crimes de violação de medidas restritivas têm a natureza de crimes de dano e que o bem jurídico tutelado é a autoridade pública da UE e a respetiva autonomia intencional, mas também os próprios bens jurídicos pretendidos salvaguardar pela medida restritiva em concreto, seja o restabelecimento da paz e da segurança internacionais e a proteção dos direitos humanos, valores previstos no art. 2° da Lei 97/2017 e subjacentes às sanções impostas pelo Regulamento (UE) n° 833/2014, do Conselho. 27° - Não podem ser aceites as afirmações vertidas nas conclusões 5ª e 6ª da motivação, uma vez que os factos indiciados, na medida em que representam a colocação no sistema financeiro nacional de fundos no montante superior a € 100.000,00, suspeitos de serem titulados por cidadãos russos sem título de residência em Portugal, mas com utilização de uma conta em nome de pessoa com autorização de residência em Portugal, no caso a ora Recorrente, são susceptíveis de integrarem a prática do crime de violação de medida restritiva, previsto e punido no art. 28.°-1 da Lei 97/2017, de 23 de Agosto, conjugado com o disposto no art. 5.°-B, n° 1, do Regulamento (UE) n° 833/2014, do Conselho. 28° - Atenta a moldura penal de um a cinco anos de prisão, prevista para o crime de violação de medida restritiva, na previsão vigente do art. 28.°-1 da Lei 97/2017, de 23 de Agosto, evidencia-se que o mesmo é suscetível de ser ilícito precedente para efeito do crime de branqueamento de capitais, conforme art. 368.°-A - 1 do Cod. Penal. 29° - Uma vez introduzidos no sistema financeiro nacional fundos que representam a violação da medida restritiva prevista no art. 5.° B, n° 1, do Regulamento (UE) n° 833/2014, do Conselho, preenchendo a previsão do disposto no art. 28.°-1 da Lei 97/2017, de 23 de Agosto, estamos perante fundos conspurcados de ilicitude, relativamente aos quais qualquer acção de conversão, transferência, ocultação ou dissimulação é susceptível de integrar o crime de branqueamento de capitais. 30° - A violação de medidas restritivas é um fenómeno sujeito à prevenção do branqueamento de capitais, conforme art. 27.° da Lei 97/2017, de 23 de Agosto, tendo sido considerado pelo Conselho Europeu como uma área sujeita a harmonização das legislações penais, por se entender que é um ilícito que preenche os critérios previstos no art. 83.°-1 do Tratado Fundacional da União Europeia. 31° - Ao pretender adquirir e iniciar pagamento de um imóvel com fundos conspurcados pela ilicitude de violação de medida restritiva, podemos estar perante uma manobra apressada de conversão de ativos financeiros em ativos imobiliários, susceptível de ser explicada por um propósito de criar distanciamento e ocultação da real origem dos fundos. 32° - Acresce que, conforme as buscas realizadas permitiram verificar, a ora recorrente utilizava um cofre bancário, por contrato de aluguer de cofre em seu nome, para guardar quantias em numerário, mais € 570.000,00, acondicionadas de forma que evidenciava o propósito, aliás já admitido nos autos, de distinguir fundos de diferentes origens e pertencentes a terceiros. 33° - A realização de operações com montantes elevados em numerário encontra-se reconhecida pela Comissão Europeia como um dos principais riscos de branqueamento, sendo certo que, no caso dos autos, não foi explicado e será objeto da investigação, como é que uma tal quantia, que se encontrava em cofre bancário e na residência da ora recorrente, havia entrado em Portugal, sem que tenham sido identificadas declarações alfandegárias do transporte de tais quantias. 34° - Os factos relativos à origem e circulação dos fundos transferidos para Portugal e às quantias detidas em numerário, indiciam a prática do crime de branqueamento de capitais, que suporta a medida de bloqueio de conta e a autorização de busca domiciliária. Entendemos assim, que as decisões de suspensão de operações bancárias a débito e de autorização de busca domiciliária se encontram fundadas nos indícios recolhidos nos autos e representam uma aplicação escorreita da Lei, realizando o Direito. Porém, Vossas Exas., com mais elevada prudência decidirão, fazendo JUSTIÇA.» * 1.2.3. – O Tribunal a quo manteve o despacho recorrido. * 1.2.4. - Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o art.º 416.º do C.P.P., acompanhou, nos seus precisos termos, a resposta dada pelo Ministério Público na 1ª Instância, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida. * 1.2.5. – Notificada de tal parecer, respondeu a Recorrente nos seguintes termos: «1. O recurso ora em causa, conforme as conclusões da motivação tem o seguinte objecto: 1.ª O presente recurso é interposto de dois despachos, os quais [melhor identificados no proémio do presente recurso] respectiva e sucessivamente determinaram (i) a homologação de suspensão de operações bancárias sobre contas bancárias, identificadas a fls. 138, de que a ora recorrente é titular (ii) a busca domiciliária e apreensão de documentos e valores na residência da ora recorrente, diligência já efectuada. 2.ª Os referidos despachos limitam direitos fundamentais, com tutela constitucional, no caso o direito de propriedade privada [artigo 62º da Constituição] e a inviolabilidade do domicílio [artigo 34º da mesma Lei Fundamental]. 3.ª Os despachos recorridos enfermam de erro de Direito, na interpretação e aplicação das normas legais em que se fundamentam, concretamente os artigos 368º-A do Código Penal e o Regulamento [EU] 833/2014, concretamente o seu artigo 5-b, que é o seu fundamento expresso. 4.ª Efectivamente, para efeito da realização do crime de branqueamento de capitais, tal como se encontra previsto no artigo 368º-A do Código Penal, não pode considerar-se como crime precedente a violação do Regulamento [EU] n.º 833/2014, nomeadamente o estatuído no artigo 5º-b, com a redacção em vigor, ao contrário do que assim interpretaram, e como tal decidiram, os despachos aqui impugnados. 5.ª O referido Regulamento prevê medidas de diverso tipo, mas de natureza estritamente política, aplicáveis a determinados cidadãos, como medida retaliatória, definida pelos competentes órgãos da União Europeia, face ao conflito armado existente entre a Rússia e a Ucrânia. 6.ª De tal Regulamento não resulta que os visados sejam suspeitos de crime, ou que a violação em que incorram do ali previsto seja punido a título de crime. 7.ª O crime de branqueamento de capitais pressupõe a existência de um facto ilícito típico de natureza criminal, o que no caso não se verifica. 8.ª A ora recorrente [é fundamental consigná-lo], que reside em Portugal com os filhos, tem a nacionalidade portuguesa, não está abrangida por qualquer medida restritiva com tal natureza. 9.ª Para além disso, os preceitos do Código de Processo Penal que legitimam uma busca domiciliária e a subsequente apreensão de documentos e valores, especificamente os artigos 174º, 175º, 176º, 177º, 178º, 179º e 269º, n.º 1 do referido diploma, expressamente citado no despacho recorrido e no consequente mandado, pressupõem por igual a suspeita da prática de um acto ilícito típico de natureza criminal. 10.ª Ora também aqui, pela mesma razão, não existe acto ilícito suspeito que possa considerar-se crime, pois não reveste tal natureza a violação do estatuído no artigo 52¬b do Regulamento [EU] n.º 833/2014. 11.ª Assim, os despachos impugnados carecem de fundamento legal. 2. O que está e causa é terem sido proferidas decisões judiciais agressivas da inviolabilidade do domicílio [que é um valor protegido pelo artigo 34º da Constituição] e da propriedade privada [artigo 62º da mesma Lei Fundamental] com alegado fundamento em um crime - o invocado branqueamento de capitais [previsto e punido pelo artigo 368º-A do Código Penal] - mas sem indicação de qualquer crime precedente que tivesse supostamente gerado os fundos que se invoca estarem a ser branqueados. 3. Como ficou consignado numa daquelas conclusões: «[...] para efeito da realização do crime de branqueamento de capitais, tal como se encontra previsto no artigo 368º-A do Código Penal, não pode considerar-se como crime precedente a violação do Regulamento [EU] n.º 833/2014, nomeadamente o estatuído no artigo 5º-b, com a redacção em vigor, ao contrário do que assim interpretaram, e como tal decidiram, os despachos aqui impugnados». 4. Só na resposta ao recurso - e colocado perante o argumento suscitado pela recorrente - de que não existiria crime precedente que tivesse sido invocado como origem do branqueamento, é que o Ministério Público junto da primeira instância, com a adesão do parecer a que se responde, vem aludir como fundamento do suposto crime precedente a Lei n.º 11/2002, de 16 de Fevereiro e à Lei n.º 97/2017, de 23 de Agosto, onde se prevê o crime de violação de medida restritiva imposta pelas Nações Unidas ou pela União Europeia. 5. Ora nem aquela Lei nem a n.º 97/2017, de 23 de Agosto, vinham invocadas nas decisões judiciais recorridas, pelo que trata, afinal, de colher de surpresa quem foi atingido judicialmente por uma medida grave invocando a legitimação jurídica depois da concretização do acto. 6. Sucede, porém, que a primeira Lei está revogada a partir de 28.08.2017 pela segunda, pelo que aquela não pode ser citada cumulativamente com esta. 7. E para além disso, nem a referida Lei n.º 97/2017 é aplicável ao caso pelo seguinte corpo de razões: a-» primeiro, porquanto, nos termos do artigo 7º, n.º 1 da mesma, «a aplicação de uma medida restritiva é da competência do Ministro dos Negócios Estrangeiros e do membro do Governo responsável pelo setor relativo à medida restritiva a aplicar», com o formalismo de comunicações previsto nos demais números desse artigo e, no caso, nada disso se verificou b-» segundo, porque, conforme o exige o artigo 8º da mesma, há lugar à publicação da aplicação da medida no Diário da República e isso também não se verificou c-» terceiro, porque a execução das medidas restritivas por toda e qualquer autoridade [inter alia, o artigo 10º do mencionado corpo normativo] pressupõe que a mesma tenha sido decretada nos termos e com o fundamento na lei que estamos a citar. 8. E assim, o regime sancionatório previsto no artigo 28º dessa Lei, em caso de incumprimento de qualquer medida restritiva, só pode ter lugar caso a mesma tenha sido decretada nos termos legalmente previstos naquele diploma. 9. Sendo o presente recurso circunscrito ao tema de Direito - ausência de fundamento legal para as decisões judiciais recorridas - não deixará, porém, de se aludir a circunstâncias fácticas que estão já evidentes nos autos: a-» a recorrente não está abrangida por qualquer medida que tenha sido decretada contra a Rússia pela União Europeia, pelos Estados Unidos da América ou qualquer outra entidade b-» a recorrente, que tem actualmente a nacionalidade portuguesa, decidiu fixar-se definitivamente em Portugal após o início do conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia c-» os valores pecuniários que foram encontrados em conta bancária, na sua residência e em cofre bancário pertencem-lhe na sua percentagem maior e têm origem legítima, o que está documentado nos autos c-» uma pequena parte desses valores pecuniários pertencem a um casal das suas relações de amizade e que residem actualmente em Portugal, e têm igualmente origem legítima, como já se demonstrou e os mesmos demonstraram d-» a recorrente solicitou inúmeras vezes a sua audição nos autos que correm no DCIAP, mas até agora sem qualquer resultado. Nestes termos e porque desprovidas de fundamento legal relativamente ao invocado crime precedente gerador de fundos de cujo suposto branqueamento se trate, as decisões judiciais que estão recorridas devem ser revogadas. Em consequência de tal revogação (i) devem os valores e documentos objecto de apreensão ser devolvidos à recorrente, nisso incluindo os que lhe foram confiados pelo casal PK e AY e (ii) deve ser liberta a conta bancária que se encontra sujeita a medida de suspensão de operações a débito, como é de JUSTIÇA!» * 1.2.5. – Procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, foram os autos a conferência, de harmonia com o preceituado no art.º 419.°, n.° 3, do C.P.P.. * II – FUNDAMENTAÇÃO 2. 1. – Objecto do Recurso Dispõe o art.º 412.º, n.º 1, do C.P.P, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. E no n.º 2 do mesmo dispositivo legal determina-se também que versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada. Constitui entendimento pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação — art. 412.°, n.° 1, do CPP —, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (…), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.») Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência com a decisão impugnada, as questões a examinar e decidir prendem-se com saber se os despachos recorridos se mostram desprovidos de fundamento legal devendo ser revogados. * 2. 2. – Das Decisões Recorridas 2.2.1. – Os despachos recorridos têm o seguinte teor: Despacho de 29.07.2022 «Resulta da factualidade indiciada nos autos que há suspeita da prática de um crime de branqueamento de capitais, p, e p. pelo art. 368°-A, n° 1, 2 e 10 do CP. Torna-se indispensável aplicar a medida de suspensão de operação financeira nos termos do disposto no art. 48° da Lei 83/2017 de 18.08, a fim de obstar à dissipação das quantias monetárias que importam acautelar o alcance da Justiça. Foi aplicada essa medida pelo MP, medida essa que exige posterior confirmação judicial. - cf. art. 49º , nº 1 da mencionada Lei. Por se subscrever a fundamentação constante da promoção que antecede, confirmo a suspensão provisória e determino o bloqueio, por três meses, das contas identificadas a fls. 138. Comunique de imediato às entidades bancárias id. no mesmo local. Nos termos do disposto no art. 49º, nº3 da referida Lei e a fim de acautelar a eficácia da medida, determina-se a sustação da comunicação da medida aos visados por 30 dias. Após devolva os autos ao MP.» Despacho de 05.08.2022 «Pelas razões referidas pelo Ministério Público na promoção que antecede e na promoção de fls. 135 a 139 que aqui dou por reproduzidas para todos os efeitos legais e considerando que se indicia a prática do crime de branqueamento p. e p. pelo art° 368°-A n°s 1, 2 e 3 do Cod. Penal, como se promove, ao abrigo do disposto no art° 49° n°1 e 2 da Lei 83/2017 e como já decorria do despacho de fls. 150, reitero a confirmo a suspensão provisória e determino pelo período de três meses o acesso ao cofre com o n° …, da Agência do BPI sita na Av°. Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, cujo cliente associado é YS. Comunique ao BPI advertindo-se do dever de não divulgação cfr. art° 54° n°1 e 5 da Lei n° 83/2017. Após confirmação da medida pela(s) entidade(s) bancaria(s) e após o decurso de trinta dias sobre o presente despacho proceda à notificação.» Despacho de 23.09.2022 «Da autorização para realização de buscas Veio o detentor da acção penal, promover a autorização para realização de diligências de busca, aduzindo a seguinte factualidade que infra se transcreve: «Estão em causa nos presentes autos operações realizadas em contas bancárias em que é interveniente a cidadã YS, uma vez que nas mesmas se mostra terem sido recebidos fundos do exterior, designadamente com origem na Rússia, os quais se indicia pertencerem a terceiros. A diversificação das operações desenvolvidas suscita a suspeita de a referida cidadã estar a permitir a utilização das suas contas, pelo facto de ter título de residência em Portugal, de forma a facilitar a violação das medidas restritivas impostas pelo art. 5°-B do Regulamento (UE) nº 833/2014, do Conselho, redação atual, por via da aplicação do n° 3 do referido preceito - que exceciona a proibição de transferências e depósitos em conta de quem possua uma autorização de residência. Com efeito, foram identificadas contas em Portugal, junto do BPI, associadas ao NUC 4¬xxx, abertas na data de 18-12-2014, nas quais foram recebidos fundos do exterior, que permitiram a YS realizar um investimento imobiliário, superior a 1 (um) milhão de euros, com base no qual veio a obter, em 2015, autorização de residência em Portugal. Verifica-se porém, que, desde 24 de Fevereiro passado, data do início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, a mesma conta voltou a receber transferências de valor elevado, com origem no estrangeiro, tendo sido identificadas as seguintes operações: - nos dias 24 e 25 de Fevereiro de 2022, recebeu duas transferências, com origem no GAZPROMBANK, da Rússia, nos montantes de € 150.000,00 e de € 20.000,00; - na data de 28-06-2022, recebeu duas transferências, com origem no Banco JUL1US BAER AND CO, da Suíça, nos montantes de € 882.000,00 e de € 765.000,00. Indicia-se que tais montantes começaram a ser movimentados, por via de cheques bancários, já no mês de Julho, para sinalizar a aquisição de imóveis em Portugal, tendo sido identificados contratos promessa relativos à aquisição de um imóvel em Lisboa, pelo preço de € 850.000,00, e outro em Cascais, pelo preço de € 980.000,00 - mostra-se realizado um pagamento a título de sinal, no montante de 85.000,00, com origem direta na conta Suíça junto do Banco Julius Baer. Indicia-se ainda que a mesma YS é titular de contas em Espanha, junto do Santander, bem como de um imóvel junto a Alicante, cujo contrato de arrendamento exibiu ao Banco. Tal estratégia de investimentos imobiliários já havia sido desenvolvida, designadamente em 2019, com a aquisição de um imóvel sito na Rua ..., n° …, em Lisboa, pelo preço de € 1.450.000,00 - no qual diz agora viver, conforme folhas 220 e procuração de folhas 175. Verifica-se, no entanto, que a morada correspondente ao referido imóvel veio a ser indicada como morada fiscal em Portugal pelo cidadão russo PV, que reside, de facto, na Rússia e que pretendeu abrir contas em Portugal, designadamente junto do Novo Banco, o que lhe foi recusado - folhas 66. Constata-se que, quer o referido PV quer a YS, foram quadros de relevo dentro do Grupo GAZPROM, entidade pública da Rússia, sendo o primeiro Diretor da entidade PJSP GAZPROM e a segunda colaboradora e mesmo vice-presidente da área financeira internacional do GAZPROMBANK, pelo menos até 2018. A referida YS apresentou perante o BPI uma declaração do GAZPROMBANK em como teria depósitos junto daquele Banco, na Rússia, de cerca de 2,5 milhões de ouros, mas constata-se que terá sido casada com um identificado MS, que foi administrador do próprio Grupo GAZPROM indivíduo este que se encontra sancionado pelas autoridades dos EUA, por constar das listas da OFAC. Pese embora tenha autorização de residência em Portugal, indicia-se que YS, até data recente, apenas permaneceu por curtos períodos no nosso país, apresentando-se como residente fiscal na Rússia e fazendo-se representar por procuradores nos actos de aquisição de imóveis em que foi adquirente - mostra-se que só em Agosto passado, já na pendência deste processo, adquiriu a nacionalidade portuguesa e alterou a morada fiscal, conforme folhas 220. Com efeito, a YS teve como representante fiscal em Portugal a identificada TS, de origem russa, mas com nacionalidade portuguesa e residente em Setúbal, que está ligada a uma sociedade de mediação imobiliária designada de PA, LDA, por sua vez detida por outro cidadão russo, de nome MU - a TS figura como procuradora nas contas BPI associadas ao NUC 4-xxx. Relativamente à conta à ordem com o n° xxx-xxx-xxx mostra-se que a mesma possui ainda um saldo de € 1,239.515,57, tendo o BPI manifestado o propósito de proceder, por sua iniciativa, ao encerramento da conta, sendo certo que a mesma tem ainda associado um contrato de aluguer de cofre bancário - folhas 158. Entendemos indiciar-se que os fundos que remanescem na conta BPI acima identificada, transferidos para Portugal depois de 24 de Fevereiro 2022, terão origem última em terceiras pessoas, residentes na Rússia e sem ligação a Portugal, estando portanto abrangidos pelas medidas restritivas aplicadas pela União Europeia, pelo que utilização da conta em nome da YS destina-se a permitir o beneficio da excepção à proibição de transferências, por a mesma ser titular de autorização de residência em Portugal. Estamos assim, perante a suspeita da prática de crimes de violação de medidas restritivas e de branqueamento, por via da circulação por contas de terceiros e da aplicação na compra de imóveis, ilícitos que se mostram proporcionais e permitem o recurso a medidas de recolha de prova na esfera dos intervenientes acima indicados. Entendemos ser evidente que a prova dos factos subjacentes às operações em causa apenas pode ser encontrada na esfera da titular das contas em causa, na medida em que agora se diz residente em Portugal, bem como na esfera da pessoa que anteriormente a representou, a referida TS, bem como na sociedade através da qual esta opera, no caso a PA UNIPESSOAL. Entendemos, de igual forma, ser relevante realizar o acesso ao cofre bancário associado às referidas contas no BPI e cujo acesso se encontra bloqueado nos autos, conforme decisão de folhas 170, diligência para a qual entendemos dever ser suscitada a colaboração da YS, através do seu mandatário, a fim de comparecer com a sua chave do cofre e evitar a necessidade de arrombamento. Mais entendemos se justificar, atenta a necessidade de reconstituir contatos mantidos pela YS com sua representante, a TS, e com as demais entidades encarregues dos seus investimentos imobiliários e financeiros, que seja autorizado o acesso aos sistemas informáticos e a recolha de dados das comunicações eletrónicas mantidas.» (sic). A factualidade em investigação nos presentes autos é susceptível de integrar a prática de crimes de violação de medidas restritivas e de branqueamento, por via da circulação por contas de terceiros e da aplicação na compra de imóveis. Entendemos que, na actual fase da investigação, o acervo probatório já recolhido nos autos, carece de ser complementado com ulteriores diligências de prova que permitirão credibilizar os indícios já recolhidos. Da investigação em curso verifica-se uma conjugação de interesses que envolve vários indivíduos, pessoas singulares e colectivas, cujas relações e compromissos importa perceber. Face ao supra exposto, considerando essencial ao prosseguimento das investigações a realização de buscas para a recolha de informações e elementos de prova dos factos que são investigados, que de outra forma seriam de muito difícil, ou até impossível, obtenção, e atendendo a que os crimes aqui em investigação permitem o recurso a tais meios, entendemos estar perante meios de recolha de prova que se mostram ser necessários, adequados e proporcionais para a descoberta da verdade. Entendemos que na actual fase da investigação, só através da recolha e análise dos elementos probatórios acima referidos se alcançará a cabal descoberta da verdade, a identificação de todos os autores dos crimes sob investigação e a natureza e extensão da sua responsabilidade criminal. Indiciam os autos, que nos locais a buscar promovidos pelo detentor da acção penal, poderá ser encontrado o produto ou instrumentos dos ilícitos acima descritos, os quais se impõe apreender. Verifica-se que, a única forma de ter acesso a tais elementos probatórios e de garantir a sua genuinidade será através da realização de buscas. Atento o supra exposto, por se mostrar essencial para recolha da prova dos factos e descoberta da verdade, sendo proporcionais aos crimes sob investigação nos presentes autos, deferindo ao doutamente promovido, nos termos dos artigos 174.°, 175.°, 176.°, 177.°, 178.°, 179.° e 269.°, n.° 1, alínea c), todos do Código de Processo Penal, autorizo a realização de buscas domiciliárias às seguintes residências: - Residência sita na Rua …., morada indicada em Portugal pela YS: - Residência sita na Av. …., morada de TS. No âmbito das buscas domiciliárias supra, autoriza-se, nos termos doutamente promovidos: - A apreensão de correspondência física em papel, ainda não aberta, a qual será após presente ao JIC, ao abrigo do disposto no artigo 179.°, n.° 1, alíneas a), b) e c) e n.° 3 do Código de Processo Penal, - A pesquisa informática nos sistemas informáticos que forem localizados ou noutros legitimamente acessíveis a partir desse sistema inicial, nos termos do disposto no artigo 15.°, n.º 1, 2 e 5 da Lei n.° 109/2009 de 15 de Setembro; - A apreensão por cópia dos dados relativos a caixas de correio electrónico, bem como de mensagens de chat e comunicações electrónicas semelhantes, que se encontrem em qualquer sistema informático utilizado ou guardadas em suporte digital e que se mostrem relacionadas com a prática dos crimes em investigação ou que possam servir a prova dos mesmos, as quais serão inseridas em suporte digital autónomo, a fim de serem presentes ao Senhor Juiz de Instrução com vista à tomada de decisão sobre a apreensão de concretas mensagens, ao abrigo dos artigos 17.° da Lei n.° 109/2009 de 15 de Setembro, 179.°, n.° 1, a), b) e c) e n.° 3 do Código de Processo Penal. As buscas a efectuar serão realizadas por elementos da Policia de Segurança Pública Consigna-se que todas as cartas ou outra correspondência que se encontre ainda fechada, mesmo em suporte informático, deverão ser entregues ao JIC sem prévia abertura, para exame e decisão sobre a sua junção, nos termos do art.° 179°, n° 3, ex vi do art° 188°, ambos do CPP. Mais se consigna que nas buscas ficam abrangidos todos os anexos e dependências dos imóveis (parqueamento, garagens e arrecadações), caixas de correio e viaturas utilizadas pelo visado. Autoriza-se ainda a administração de substâncias adequadas à neutralização de animais, a desactivação dos sistemas de vigilância electrónicos existentes nos locais e o recurso ao escalamento ou arrombamento de portas, caso tais procedimentos se mostrem necessários à entrada nas referidas residências. Atento o supra exposto, por se mostrar essencial para recolha da prova dos factos e descoberta da verdade, sendo proporcionais aos crimes sob investigação nos presentes autos, deferindo ao doutamente promovido pelo detentor da acção penal, nos termos dos artigos 174.°, 176.°, 178,°, 181.° e 269.°, n.° 1, todos do Código de Processo Penal, autorizo a realização de buscas em estabelecimento bancário, tendo apenas em vista o acesso ao conteúdo de cofre bancário, a realizar na seguinte agência e cofre: - Agência do BPI, sita na Av. Fontes Pereira de Melo, n° 4, em Lisboa, relativamente ao cofre n° … da referida agência. As buscas a efectuar serão realizadas por elementos da Policia de Segurança Pública, com a presença do M.° P.° e presididas por JIC. Autoriza-se o arrombamento do referido cofre, caso se mostre necessário. Consigna-se que todas as cartas ou outra correspondência que se encontre ainda fechada, mesmo em suporte informático, deverão ser entregues ao JIC sem prévia abertura, para exame e decisão sobre a sua junção, nos termos do art.° 179°, n° 3, ex vi do art° 188°, ambos do CPP, Data: 3 de Outubro de 2022 (09:30 horas). Oportunamente, notifique-se o Ilustre Mandatário de YS (fls. 175) a fim de a mesma estar presente e se fazer acompanhar da sua chave de acesso ao referido cofre, na data e hora agendada para a busca do mencionado cofre, sob pena de não o fazendo proceder-se ao arrombamento do cofre Passe os respectivos mandados de busca. Notifique o M° P°. D. N Cumprido, voltam os autos ao DCIAP.» * 2.2.2. – A promoção do Ministério Público que deu origem aos despachos recorridos proferidos em 29.07.2022 e 05.08.2022 tem o seguinte teor: «Promoção de confirmação da suspensão temporária e bloqueio de conta Por via das regras de prevenção do branqueamento de capitais foram identificadas, junto do BPI, contas bancárias em que é interveniente a cidadã YS, nas quais se mostra terem sido recebidos fundos do exterior, designadamente com origem na Rússia, os quais se indicia pertencerem a terceiros, suscitando a suspeita de a referida cidadã estar a permitir a utilização das suas contas, pelo facto de ter título de residência em Portugal, de forma a facilitar a violação das medidas restritivas impostas pelo art. 5°-B do Regulamento (UE) n° 833/2014, do Conselho, redação atual, por via da aplicação do n° 3 do referido preceito - que exceciona a proibição de transferências e depósitos em conta de quem possua uma autorização de residência. A conta BPI em causa, com o NUC 4-xxx, foi aberta na data de 18-12-2014, tendo recebido então fundos do exterior que permitiram a YS realizar um investimento imobiliário, superior a 1 (um) milhão de euros, com base no qual veio a obter, em 2015, autorização de residência em Portugal. Verifica-se porém, que, desde 24 de Fevereiro passado, data do inicio do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, a mesma conta voltou a receber transferências de valor elevado, com origem no estrangeiro, tendo sido identificadas as seguintes operações: - nos dias 24 e 25 de Fevereiro de 2022, recebeu duas transferências, com origem no GAZPROMBANK, da Rússia, nos montantes de € 150.000,00 e de € 20,000,00; - na data de 28-06-2022, recebeu duas transferências, com origem no Banco JULIUS BAER AND C°, da Suíça, nos montantes de € 882.000,00 e de € 765.000,00. Indicia-se que tais montantes começaram a ser movimentados, por via de cheques bancários, já no presente mês de Julho, para sinalizar a aquisição de imóveis em Portugal, tendo sido identificados contratos promessa relativos à aquisição de um imóvel em Lisboa, pelo preço de € 850.000,00, e outro em Cascais, pelo preço de €. 980.000,00 — foram adquiridos a débito da conta dois cheques bancários nos montantes de € 370.000,00 e de € 395.000,00 e mostra-se realizado um pagamento a título de sinal, no montante de € 85.000,00, com origem direta na conta Suíça junto do Banco Julius Baer. Indicia-se ainda que a mesma YS é titular de contas em Espanha, junto do Santander, bem como de um imóvel junto a Alicante, cujo contrato de arrendamento exibiu ao Banco. Tal estratégia de investimentos imobiliários já havia sido desenvolvida, designadamente em 2019, com a aquisição de um imóvel sito na Rua ..., n° …, em Lisboa, pelo preço de €1.450.000,00. Verifica-se, no entanto, que a morada correspondente ao referido imóvel veio a ser indicada como morada fiscal em Portugal pelo cidadão russo PV, que reside, de facto, na Rússia e que pretendeu abrir contas em Portugal, designadamente junto do Novo Banco, o que lhe foi recusado. Constata-se que, quer o referido PV quer a YS foram quadros de relevo dentro do Grupo GAZPROM, entidade pública da Rússia, sendo o primeiro Diretor da entidade PJSP GAZPROM e a segunda colaboradora e mesmo vice-presidente da área financeira internacional do GAZPROMBANK, pelo menos até 2018. A referida YS apresentou perante o BPI uma declaração do GAZPROMBANK em como teria depósitos junto daquele Banco, na Rússia, de cerca de 2,5 milhões de euros, mas constata-se que terá sido casada com um identificado MS, que foi administrador do próprio Grupo GAZPROM - indivíduo este que se encontra sancionado pelas autoridades dos EUA, por constar das listas da OFAC. Pese embora tenha autorização de residência em Portugal, indicia-se que YS apenas permanece por curtos períodos no nosso país, verificando-se mesmo que se apresenta como residente fiscal na Rússia e que se fez representar por procuradores nos actos de aquisição de imóveis em que foi adquirente. Com efeito, a YS tem como representante fiscal em Portugal a identificada TS, de origem russa, mas com nacionalidade portuguesa e residente em Setúbal, que está ligada a uma sociedade de mediação imobiliária designada de PA, LDA, por sua vez detida por outro cidadão russo, de nome MU - a TS figura como procuradora nas contas BPI associadas ao NUC 4-xxx. Por outro lado, junto do SEF, a mesma YS fez-se representar por uma advogada identificada como IAK, com nacionalidade portuguesa, mas que se afigura ter origem ucraniana. Junto do BPI a YS titula ainda outras contas, associadas ao NUC 2-xxx, que não possuem movimentos recentes, nem saldo à ordem, mas apenas aplicações em fundos e obrigações. Relativamente à conta à ordem com o n° xxx-xxx-xxx mostra-se que a mesma possui ainda um saldo de €1.239.515,57, pretendendo o BPI proceder, por sua iniciativa, ao encerramento da conta, sendo certo que a mesma tem ainda associado um contrato de aluguer de cofre bancário. Em face do exposto, entendemos indiciar-se que os fundos que remanescem na conta BPI acima identificada terão origem última em terceiras pessoas, residentes na Rússia e sem ligação a Portugal, estando portanto abrangidos pelas medidas restritivas aplicadas pela União Europeia, pelo que utilizam a conta em nome da YS, que beneficia da excepção à proibição de transferências, por ser titular de autorização de residência em Portugal. Estamos assim, perante a suspeita da prática de crimes de violação de medidas restritivas e de branqueamento, por via da circulação por contas de terceiros e da aplicação na compra de imóveis, pelo que, importando impedir a dispersão dos fundos que remanescem na conta BPI utilizada pela YS, determinámos a suspensão temporária de operações. Pelo exposto, promovemos, nos termos dos arts. 48.° e 49.° da Lei 83/2017, de 18 de agosto, que se confirme a suspensão temporária e se determine, por um período de três meses, a vigência das seguintes restrições de movimentos: - proibição de todos os movimentos a débito sobre a conta BPI n° xxx-xxx-xxx, bem como a inibição dos meios de movimentação à distância sobre a mesma; - proibição dos acessos ao cofre bancário associado à mesma conta BPI n° xxx-xxx-xxx. * Mais promovemos se comunique a decisão supra ao BPI, sujeito ao dever de não divulgação. * No que se refere à comunicação da decisão de suspensão temporária à pessoa titular da conta abrangida, promovemos que, de forma a permitir a realização de diligências urgentes e surpreender os suspeitos, seja tal comunicação adiada por um período de 30 dias, nos termos do art. 49°-3 da Lei 83/2017, de 18 de agosto. * Competência Jurisdiconal Atentos os crimes em causa nos autos, branqueamento e violação de medida restritiva, face a estarmos perante conta e imóveis situados na região de Lisboa, entendemos, sem prejuízo do que a investigação vier a revelar, ser competente o Tribunal Central de Instrução Criminal . Assim, remetam-se os autos ao Tribunal Central de Instrução Criminal, com urgência, para apreciação e decisão das questões supra, validação do segredo de justiça, confirmação da suspensão temporária e bloqueio de contas e dilação da comunicação aos visados pela medida de bloqueio.» * 2. 3. – Apreciando e decidindo Sustenta essencialmente a Recorrente que os despachos recorridos não têm fundamento legal por inexistir o crime precedente ao invocado crime de branqueamento. E, para tanto, alega que, para efeito da realização do crime de branqueamento de capitais, tal como se encontra previsto no artigo 368º-A do Código Penal, não pode considerar-se como crime precedente a violação do Regulamento [EU] n.° 833/2014, nomeadamente o estatuído no artigo 5º-B, com a redacção em vigor, ao contrário do que interpretaram e decidiram os despachos recorridos, que o referido Regulamento prevê medidas de diverso tipo, mas de natureza estritamente política, aplicáveis a determinados cidadãos, como medida retaliatória, definida pelos competentes órgãos da União Europeia, face ao conflito armado existente entre a Rússia e a Ucrânia, que de tal Regulamento não resulta que os visados sejam suspeitos de crime, ou que a violação em que incorram do ali previsto seja punido a título de crime, que o crime de branqueamento de capitais pressupõe a existência de um facto ilícito típico de natureza criminal, o que no caso não se verifica, que a Recorrente, que reside em Portugal com os filhos e tem a nacionalidade portuguesa, não está abrangida por qualquer medida restritiva com tal natureza e que, consequentemente, inexistindo acto ilícito suspeito que possa considerar-se crime, os despachos impugnados carecem de fundamento legal, devendo ser revogados. Na sua resposta, alegou o Ministério Público que nos presentes autos está em causa a suspeita de a Recorrente YS estar a permitir a utilização da sua conta junto do BPI para a circulação de fundos pertença de terceiros, aproveitando a mesma a autorização de residência em Portugal para veicular fundos com origem em terceiros e provenientes de contas bancárias na Federação Russa, em operações posteriores a Fevereiro de 2022, permitindo assim a violação da proibição estabelecida no art. 5.°-B -1 do Regulamento (UE) 833/2014, do Conselho, de 31 de Julho 2014, na redação atualmente vigente, que está em causa a prática do crime de violação de medidas restritivas, crime p. e p. no art.º 28.° da Lei 97/2017, de 23 de Agosto, com a subsequente ocultação e a dissimulação da origem de fundos sujeitos a essas medidas e já introduzidos em Portugal, a qual é suscetível de integrar a prática de crime de branqueamento, p. e p. no art.º 368.°-A do C. Penal, pelo que a medida de bloqueio de fundos e a autorização de busca domiciliária, que são objeto do presente recurso, se mostram justificadas. E, prosseguindo, alega ainda que a suspensão de operações a débito não abrange todas as contas abertas pela Recorrente em Portugal, mas tão só uma conta em que aquela recebeu transferências com origem última em Bancos sitos na Rússia, que a Recorrente era, em Fevereiro de 2022, titular de uma autorização de residência para investimento (ARI ou vulgo Visto Gold), obtida em 2015, com suporte na realização de um investimento imobiliário superior a 1 (um) milhão de euros, o que a colocava na excepção, prevista art.º 5°-B, n° 3, do Regulamento (UE) n° 833/2014, do Conselho, para a proibição de realização de depósitos por parte de cidadãos russos estabelecida no n° 1 do mesmo preceito, que na conta à ordem da Recorrente junto do BPI, conta associada ao NUC 4-xxx, foram recebidas, nos dias 24 e 25 de Fevereiro de 2022, duas transferências, com origem no GAZPROMBANK, da Rússia, nos montantes de € 150.000,00 e de € 20.000,00, e, no dia 28-06-2022, duas transferências, com origem no Banco JULIUS BAER AND C°, da Suíça, nos montantes de € 882.000,00 e de € 765.000,00, resultantes de fundos que anteriormente haviam transitado da Rússia para a Suíça, montantes que, logo depois de terem sido recebidos, começaram a ser movimentados, por via de cheques bancários, para sinalizar a aquisição de novos imóveis em Portugal, tendo sido identificados contratos promessa relativos à aquisição de um imóvel em Lisboa, pelo preço de € 850.000,00, e outro em Cascais, pelo preço de € 980.000,00, que tal estratégia de investimentos imobiliários já havia sido desenvolvida, designadamente em 2019, com a aquisição de um imóvel sito na Rua ..., n° …, em Lisboa, pelo preço de € 1.450.000,00, morada que, no entanto, correspondia ao endereço em Portugal do cidadão russo PV, que reside, de facto, na Rússia e que tinha tentado abrir contas em Portugal, designadamente junto do Novo Banco, o que lhe havia sido recusado, que quer o referido PV quer a YS, foram quadros de relevo dentro do Grupo GAZPROM, entidade pública da Rússia, sendo o primeiro Diretor da entidade PJSP GAZPROM e a segunda colaboradora e mesmo vice-presidente da área financeira internacional do GAZPROMBANK, pelo menos até 2018, que a Recorrente apresentou perante o BPI uma declaração do GAZPROMBANK em como teria depósitos junto daquele Banco, na Rússia, de cerca de 2,5 milhões de euros, constatando-se que esse património era ainda associado ao tempo do seu casamento com MS, que foi também administrador do Grupo GAZPROM, sendo que a totalidade dos fundos transferidos para Portugal pela Recorrente, desde 2014, ultrapassa já esse montante, que até Julho 2022, a Recorrente apenas permanecia por curtos períodos em Portugal, apresentando-se até então como residente fiscal na Rússia e fazendo-se representar por procuradores nos actos de aquisição de imóveis em que foi adquirente, tendo apenas adquirido a nacionalidade portuguesa em Agosto de 2022, já na pendência do presente processo, que foi ainda identificado, antes das decisões de bloqueio de conta e de busca, um contrato de aluguer de cofre bancário por parte da Recorrente e foi caracterizado o negócio de compra de novo imóvel, pretendido realizar com os fundos transferidos, como sendo uma compra seguida de arrendamento aos vendedores, sem justificativo económico ou financeiro para esse negócio, que a origem e a forma de movimentação dos fundos na referida conta da Recorrente, quer a crédito quer a débito, em datas posteriores ao início do mês de Fevereiro passado, bem como a ligação da Recorrente a outros cidadãos russos ainda sem autorização de residência em Portugal, caso do referido PV, permitiram indiciar a suspeita de que os fundos que remanescem na conta BPI acima identificada terão origem última em terceiras pessoas, residentes na Rússia e sem ligação a Portugal, estando portanto abrangidos pelas medidas restritivas aplicadas pela União Europeia, que se verifica ainda que estão em causa fundos com origem última numa entidade pública da Federação Russa, a GAZPROM, também sujeita a sanções, não havendo evidência do manifesto fiscal, a título de vencimentos ou de prémios, das mesmas quantias naquele país ou em qualquer outro e que, em face da suspeita de estarem a ser ocultados fundos de terceiros, foi determinada e confirmada judicialmente a suspensão das operações a débito sobre a conta à ordem, no BPI, da Recorrente, com o n° xxx-xxx-xxx, tendo então a mesma ainda um saldo de € 1.239.515,57, para além de ter ainda associado um contrato de aluguer de cofre bancário, cujo acesso foi também bloqueado. Prosseguindo, refere ainda o Ministério Público que, contrariamente ao alegado pela Recorrente, a introdução das referidas quantias no sistema financeiro nacional, sendo as mesmas na realidade pertença de cidadãos nacionais russos sem autorização de residência em Portugal, representa a prática de um crime, por violação das medidas restritivas impostas pela União Europeia, ilícito que conspurca a sua origem e faz integrar as operações de circulação desses fundos como actos de execução de um crime de branqueamento de capitais, que os indícios recolhidos, ainda antes da realização das buscas, conduziam com grande evidência à suspeita da prática de crimes de violação de medidas restritivas e de branqueamento, ilícitos que se mostram proporcionais e permitem o recurso a medidas de recolha de prova na esfera dos intervenientes, entre os quais a Recorrente, e que o crime de violação de medida restritiva encontra-se actualmente previsto e punido no art.º 28.° da Lei n.º 97/2017, de 23 de Agosto, onde se encontram consagradas duas diferentes formas de cometimento do crime, sendo que no seu n.º 1 se prevê a violação do dever de congelamento de fundos e de operações sendo dirigida a quem, desrespeitando as sanções, colocar, direta ou indiretamente, à disposição das entidades designadas, que são as identificadas nas resoluções ou regulamentos, quaisquer fundos ou recursos económicos que as mesmas possam utilizar ou dos quais possam beneficiar, ou que permitam executar transferências de fundos proibidas, concluindo que a sua previsão integra a norma de caráter internacional que estabelece a medida restritiva, sendo que, constando tal medida restritiva de um regulamento da UE, que possui carácter geral, é obrigatório em todos os seus elementos e é diretamente aplicável, constituindo fonte imediata de deveres para os particulares, não carecendo do prévio procedimento de aplicação que se encontra previsto nos art.ºs 6.° e 7° da Lei n.º 97/2017, conforme aliás decorre do art.º 11° da mesma Lei. Por fim, diz também o Ministério Público que, uma vez que os factos indiciados, que representam a colocação no sistema financeiro nacional de fundos no montante superior a € 100.000,00, suspeitos de serem titulados por cidadãos russos sem título de residência em Portugal, mas com utilização de uma conta em nome de pessoa com autorização de residência em Portugal, no caso a ora Recorrente, são susceptíveis de integrarem a prática do crime de violação de medida restritiva, p. e p. no art.º 28.°, n.º 1, da Lei n.º 97/2017, de 23 de Agosto, conjugado com o disposto no art.º 5.°-B, n.° 1, do Regulamento (UE) n° 833/2014, do Conselho, punível com pena de um a cinco anos de prisão, é o mesmo é suscetível de ser considerado ilícito precedente para efeito do crime de branqueamento de capitais a que alude o art.º 368.°-A, n.º 1, do C. Penal. Quanto à busca, diz também o Ministério Público que, conforme as buscas realizadas permitiram verificar, a Recorrente utilizava um cofre bancário, por contrato de aluguer de cofre em seu nome, para guardar quantias em numerário, mais € 570.000,00, acondicionadas de forma que evidenciava o propósito, aliás já admitido nos autos, de distinguir fundos de diferentes origens e pertencentes a terceiros, que a realização de operações com montantes elevados em numerário encontra-se reconhecida pela Comissão Europeia como um dos principais riscos de branqueamento, sendo certo que, no caso dos autos, não foi explicado e será objeto da investigação, como é que uma tal quantia, que se encontrava em cofre bancário e na residência da Recorrente, havia entrado em Portugal, sem que tenham sido identificadas declarações alfandegárias do transporte de tais quantias, que os factos relativos à origem e circulação dos fundos transferidos para Portugal e às quantias detidas em numerário, indiciam a prática do crime de branqueamento de capitais, que suporta a medida de bloqueio de conta e a autorização de busca domiciliária, razões pelas quais entende que as decisões de suspensão de operações bancárias a débito, de acesso a cofre e de autorização de buscas se encontram fundadas nos indícios recolhidos nos autos e representam uma aplicação escorreita da Lei. Vejamos. Sustentando a Recorrente que as decisões recorridas carecem de fundamento legal por inexistir crime precedente, vejamos se lhe assiste razão. O dever de fundamentação das decisões judiciais mostra-se imposto pelo art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa, em cujo n.º 1 se determina que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei», aparecendo, no processo criminal, como decorrência das garantias de defesa do arguido expressas no art.º 32.º da mesma Lei Fundamental, em cujo n.º 1 se consagra que «o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.» Nos termos previstos no n.º 5 do art.º 97.º do C.P.P., os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. O dever de fundamentação dos actos decisórios visa dar a conhecer aos destinatários da decisão e ao público em geral a justiça e correcção do decidido, permitindo conhecer o processo lógico e racional que subjaz a tal decisão e, consequentemente, o exercício criterioso do direito ao recurso, pois, só conhecendo devidamente a decisão e os seus fundamentos poderá rebater-se o decidido. O cumprimento de tal dever permitirá ainda o auto controlo por parte do Tribunal que profere a decisão, obrigando-o a reflectir devidamente sobre o decidido e a expressar de forma independente, isenta e imparcial as razões daquele, assim contribuindo para a credibilidade e legitimidade dos juízes e das suas decisões. O dever de fundamentação «constitui um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (juris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões» - Ac. n.º 59/2006 do Tribunal Constitucional. A ausência de fundamentação ou uma fundamentação insuficiente ou gravosamente deficiente, facilitando decisões arbitrárias e desprovidas de suporte legal e/ou factual, não assegurará as garantias de defesa, já que não permitirá exercer conscientemente o direito ao recurso, pois, desconhecendo-se os fundamentos que suportam a decisão, não poderão os mesmos ser analisados, nem aceites ou rebatidos. Vejamos então o que se passa com as decisões recorridas. Nos despachos postos em crise proferidos em 29.07.2022 e 08.05.2022 foi confirmada a suspensão, determinada pelo Ministério Público, pelo período de três meses, de movimentos a débito sobre a conta BPI n° xxx-xxx-xxx, bem como a inibição dos meios de movimentação à distância sobre a mesma, e a proibição dos acessos ao cofre bancário associado à mesma conta BPI n° xxx-xxx-xxx. Tais decisões foram tomadas ao abrigo do disposto nos art.ºs 48.° e 49.° da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, diploma legal que aprovou as medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. Com tal objectivo, estabelece-se no art.º 47.º da referida Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, um dever de abstenção de execução de qualquer operação que se mostre associada a fundos provenientes ou relacionados com actividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo, determinando-se: «1 - As entidades obrigadas abstêm-se de executar qualquer operação ou conjunto de operações, presentes ou futuras, que saibam ou que suspeitem poder estar associadas a fundos ou outros bens provenientes ou relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo. 2 - A entidade obrigada procede de imediato à respetiva comunicação nos termos dos artigos 43.º e 44.º, informando adicionalmente o DCIAP e a Unidade de Informação Financeira que se absteve de executar uma operação ou conjunto de operações ao abrigo do número anterior. 3 - No caso de a entidade obrigada considerar que a abstenção referida no n.º 1 não é possível ou que, após consulta ao DCIAP e à Unidade de Informação Financeira, é suscetível de prejudicar a prevenção ou a futura investigação das atividades criminosas de que provenham fundos ou outros bens, do branqueamento de capitais ou do financiamento do terrorismo, as operações podem ser realizadas, comunicando a entidade obrigada ao DCIAP e à Unidade de Informação Financeira, de imediato, as informações respeitantes às operações. 4 - A Unidade de Informação Financeira, no prazo de três dias úteis a contar do recebimento das comunicações previstas nos n.ºs 2 e 3, pronuncia-se sobre as mesmas, remetendo ao DCIAP a informação apurada. 5 - A entidade obrigada pode executar as operações relativamente às quais tenha exercido o dever de abstenção, nos seguintes casos: a) Quando não seja notificada, no prazo de sete dias úteis a contar da comunicação referida no n.º 2, da decisão de suspensão temporária prevista no artigo seguinte; b) Quando seja notificada, dentro do prazo referido na alínea anterior, da decisão do DCIAP de não determinar a suspensão temporária prevista no artigo seguinte, podendo as mesmas ser executadas de imediato. 6 - Para os efeitos do disposto no n.º 3, as entidades obrigadas fazem constar de documento ou registo: a) As razões para a impossibilidade do exercício do dever de abstenção; b) As referências à realização das consultas ao DCIAP e à Unidade de Informação Financeira, com indicação das datas de contacto e dos meios utilizados. 7 - Os documentos ou registos elaborados ao abrigo do número anterior são conservados nos termos do artigo 51.º e colocados, em permanência, à disposição das autoridades setoriais.» (sublinhados nossos) E no art.º 48.º da mesma Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, sob a epígrafe «suspensão temporária» determina-se que: «1 - Nos quatro dias úteis seguintes à remessa da informação a que se refere o n.º 4 do artigo anterior, o DCIAP pode determinar a suspensão temporária da execução das operações relativamente às quais foi ou deva ser exercido o dever de abstenção, notificando para o efeito a entidade obrigada. 2 - Fora dos casos previstos no número anterior, a suspensão temporária pode ainda ser decretada nas seguintes situações: a) Quando as entidades obrigadas não tenham dado cumprimento ao dever de comunicação de operações suspeitas previsto no artigo 43.º ou às obrigações de abstenção ou de informação previstas no artigo anterior, sendo os mesmos devidos; b) Com base em outras informações que sejam do conhecimento próprio do DCIAP, no âmbito das competências que exerça em matéria de prevenção das atividades criminosas de que provenham fundos ou outros bens, do branqueamento de capitais ou do financiamento do terrorismo; c) Sob proposta da Unidade de Informação Financeira com base na análise de comunicações de operações suspeitas preexistentes. 3 - A decisão de suspensão temporária: a) Pode abranger operações presentes ou futuras, incluindo as relativas à mesma conta ou a outras contas ou relações de negócio identificadas a partir de comunicação de operação suspeita ou de outra informação adicional que seja do conhecimento próprio do DCIAP, independentemente da titularidade daquelas contas ou relações de negócio; b) Deve identificar os elementos que são objeto da medida, especificando as pessoas e entidades abrangidas e, consoante os casos, os seguintes elementos: i) O tipo de operações ou de transações ocasionais; ii) As contas ou as outras relações de negócio; iii) As faculdades específicas e os canais de distribuição.» (sublinhados nossos) Por fim, quanto à confirmação da suspensão, estabele o art.º 49.º daquela mesma lei: «1 - A decisão de suspensão temporária prevista no artigo anterior caduca se não for judicialmente confirmada, em sede de inquérito criminal, no prazo de dois dias úteis após a sua prolação. 2 - Compete ao juiz de instrução confirmar a suspensão temporária decretada por período não superior a três meses, renovável dentro do prazo do inquérito, bem como especificar os elementos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo anterior. 3 - Por solicitação do Ministério Público, a notificação das pessoas e entidades abrangidas, na decisão fundamentada do juiz de instrução que, pela primeira vez, confirme a suspensão temporária, pode ser diferida por um prazo máximo de 30 dias, caso entenda que tal notificação é suscetível de comprometer o resultado de diligências de investigação, a desenvolver no imediato. 4 - O disposto no número anterior não prejudica o direito de as pessoas e as entidades abrangidas pela decisão de, a todo o tempo e após serem notificadas da mesma ou das suas renovações, suscitarem a revisão e a alteração da medida, sendo as referidas notificações efetuadas para a morada da pessoa ou entidade indicada pela entidade obrigada, se outra não houver. 5 - Na vigência da medida de suspensão, as pessoas e entidades por ela abrangidas podem, através de requerimento fundamentado, solicitar autorização para realizarem uma operação pontual compreendida no âmbito da medida aplicada, a qual é decidida pelo juiz de instrução, ouvido o Ministério Público, e ponderados os interesses em causa. 6 - A solicitação do Ministério Público, o juiz de instrução pode determinar o congelamento dos fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada, caso se mostre indiciado que os mesmos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima. 7 - Em tudo o que não se encontre especificamente previsto no presente artigo, é subsidiariamente aplicável o disposto na legislação processual penal.» (sublinhados nossos) Compulsados os autos, verifica-se que os dispostivos legais referidos – art.ºs 47.º, 48.º e 49.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, - foram efectivamente cumpridos, tendo o Tribunal a quo confirmado a suspensão que havia sido decretada pelo Ministério Público no seguimento de comunicação que havia sido feita pelo BPI, especifiando-se os elementos previstos na alínea b) do n.º 3 do citado art.º 48.º, isto é, indicando-se os elementos objecto de tal medida, indicando-se a pessoa abrangida e o tipo de operações e contas objecto de tal suspensão (conta e cofre). E a suspensão em causa foi determinada por terem sido comunicados, pelo BPI, a existência de movimentos bancários que, dado o seu volume e situação das pessoas envolvidas, faziam suspeitar que tais fundos eram provenientes da prática de actividade criminosa, já que em contas bancárias pertencentes à cidadã YS haviam sido recebidos fundos do exterior, designadamente com origem na Rússia, os quais se indicia pertencerem a terceiros, suscitando-se a suspeita de a referida cidadã estar a permitir a utilização das suas contas, pelo facto de ter título de residência em Portugal, de forma a facilitar a violação das medidas restritivas impostas pelo art.º 5°-B do Regulamento (UE) n° 833/2014, do Conselho, por via da aplicação do n° 3 do referido preceito, que excepciona a proibição de transferências e depósitos em conta de quem possua uma autorização de residência. Ora, perante as suspeitas referidas, decorrentes dos diversos movimentos bancários também descritos nos autos, de elevados valores, veio o Tribunal a quo a confirmar a suspensão decretada pelo Ministério Público. E, analisando a decisão, verifica-se que se mostram preenchidos os requisitos legais de que a lei faz depender a referida confirmação, não merecendo censura a decisão de confirmação em causa. Com efeito, para além dos requisitos formais referidos, verificam-se ainda as suspeitas da prática dos crimes de branqueamento e de violação de medida restritiva. Sustenta a Recorrente que, no caso, não se verifica qualquer violação de medida restritiva, já que a mesma teria que ser aprovada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, o que, no caso, não aconteceu. Pensamos que não lhe assiste razão. Com efeito, a Lei n.º 97/2017, de 23 de Agosto, que regulamenta a aplicação e a execução de medidas restritivas aprovadas pela Organização das Nações Unidas ou pela União Europeia e estabelece o regime sancionatório aplicável à violação dessas medidas, determina no seu art.º 6.º que a aplicação de uma medida restritiva consiste na determinação concreta dos destinatários de uma medida restritiva aprovada pela Organização das Nações Unidas ou pela União Europeia (n.º 1) e que só há lugar à aplicação de uma medida restritiva quando não seja possível a sua execução directa porque o acto que a aprova ou altera não determina de forma suficientemente concreta os respetivos destinatários (n .º 2). E, em tal caso, isto é, quando não seja possível a sua execução directa porque o acto que a aprova ou altera não determina de forma suficientemente concreta os respectivos destinatários, então há que observar o procedimento previsto no art.º 7.º da mesma Lei, em cujo n.º 1 se estipula que a aplicação de uma medida restritiva é da competência do Ministro dos Negócios Estrangeiros e do membro do Governo responsável pelo sector relativo à medida restritiva a aplicar. Quer isto dizer que sempre que a medida restritiva aprovada pela ONU ou pela EU estiver concretamente definida é de aplicação imediata, não necessitando de qualquer aprovação por parte das autoridades nacionais. E é isso mesmo que também resulta do art.º 11.º da Lei n.º 97/2019, de 23 de Agosto, no qual, sob a epígrafe «execução imediata», se determina: «1 - O acto da Organização das Nações Unidas ou da União Europeia que aprova ou que altera uma medida restritiva é imediatamente executado. 2 - Quando o acto de aprovação ou de alteração não determinar de forma suficientemente concreta os respetivos destinatários, ou quando surjam factos supervenientes que necessitem dessa concretização, a medida restritiva é imediatamente executada após a respetiva aplicação nos termos do artigo 7.º » Assim, se, por acto da ONU ou da EU, for aprovada ou alterada medida restritiva, tal medida será imediatamente executada, só se observando o disposto no art.º 7.º da mesma Lei, com a intervenção do Ministro dos Negócios Estrangeiros e do membro do Governo responsável pelo sector relativo à medida restritiva a aplicar, se o acto em causa não determinar de forma suficientemente concreta os respectivos destinatários, ou quando surjam factos supervenientes que necessitem dessa concretização. Ora, no caso em apreço, a medida restritiva aprovada pelo Regulamento (UE) n.º 833/2014 em causa nestes autos mostra-se suficientemente definida e concretizada, bem como identificados os seus destinatários, não necessitando de qualquer intervenção dos referidos membros do Governo Português para ser executada. Com efeito, determina-se no art.º 5.º B do Regulamento (UE) n.º 833/2014, do Conselho, que: «1. É proibido aceitar quaisquer depósitos de nacionais russos ou pessoas singulares residentes na Rússia, de pessoas coletivas, entidades ou organismos estabelecidos na Rússia ou de pessoas coletivas, entidades ou organismos estabelecidos fora da União e cujos direitos de propriedade sejam direta ou indiretamente detidos em mais de 50 % por nacionais russos ou pessoas singulares residentes na Rússia, se o valor total dos depósitos dessa pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo por instituição de crédito for superior a 100 000 EUR. 2. É proibido prestar serviços de gestão de carteiras, manutenção de contas ou custódia de criptoativos a nacionais russos ou a pessoas singulares residentes na Rússia, ou a pessoas coletivas, entidades ou organismos estabelecidos na Rússia. 3. Os n.os 1 e 2 não são aplicáveis aos nacionais de um Estado-Membro, de um país membro do Espaço Económico Europeu ou da Suíça, nem às pessoas singulares que possuam uma autorização de residência temporária ou permanente num Estado-Membro, num país membro do Espaço Económico Europeu ou na Suíça.» Tal medida restritiva mostra-se perfeitamente delineada, inexistindo qualquer dúvida sobre os seus destinatários, não necessitando assim de qualquer intervenção das autoridades nacionais para a concretizar. E, assim sendo, é evidente que a mesma é de aplicação imediata, nos termos previstos no art.º 11.º da Lei n.º 97/2019, de 23 de Agosto. Não assiste, pois, qualquer razão à Recorrente quando sustenta que a medida restritiva em causa nos autos apenas poderia ser aplicada pelo Ministro do Negócios Estrangeiros. Mostrando-se perfeitamente concretizada, importa dar-lhe imediata execução impedindo-se os movimentos bancários que a violem. E, em caso de violação de medida restritiva, haverá que aplicar o regime sancionatório previsto na mesma Lei n.º 97/2017, de 23 de Agosto, concretamente nos seus art.ºs 28.º a 30.º. Sob a epígrafe «violação de medidas restritivas», estabelece-se no art.º 28.º da referida Lei n.º 97/2017: «1 - Quem, violando uma medida restritiva, colocar, direta ou indiretamente, à disposição de pessoas ou entidades designadas, quaisquer fundos ou recursos económicos que as mesmas possam utilizar ou dos quais possam beneficiar, ou executar transferência de fundos proibida, é punido com pena de prisão de um até cinco anos. 2 - Incorre igualmente na pena prevista no número anterior quem, violando uma medida restritiva, estabeleça ou mantenha relação jurídica proibida com pessoas ou entidades designadas ou constitua, adquira ou aumente a participação ou posição de controlo relativo a imóvel, empresa ou pessoa coletiva, ainda que irregularmente constituída, situados, registados ou constituídos num território identificado nos atos de aprovação ou aplicação da medida. 3 - Se as condutas previstas nos números anteriores forem praticadas por negligência, o agente é punido com pena de multa até 600 dias.» (negrito e sublinhado nossos) Da conjugação do disposto no n.º 1 do citado art.º 28.º da Lei n.º 97/2017, com o vertido no art.º 5.º B do Regulamento (UE) n.º 833/2014, do Conselho, resulta evidente que a Lei considera que a violação da referida medida restritiva constitui um crime punível com pena de 1 a 5 anos de prisão. Por sua vez, quanto ao crime de branqueamento, determina-se no n.º 1 do art.º 368.º-A do C. Penal, para além do mais, que, para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, de factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos. Conforme resulta dos despachos recorridos proferidos em 29.07.2022 e 08.05.2022, acima transcritos, os mesmos, para além de considerarem indiciada a prática de um crime de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368.º-A do C. Penal, integraram na sua fundamentação o alegado pelo Ministério Público na promoção de 28.07.2022 em que se solicitava a confirmação da suspensão temporária e bloqueio de conta, promoção em que se invocava também a prática de crime de violação de medidas restritivas, na qual, para além do mais, se afirma que «Por via das regras de prevenção do branqueamento de capitais foram identificadas, junto do BPI, contas bancárias em que é interveniente a cidadã YS, nas quais se mostra terem sido recebidos fundos do exterior, designadamente com origem na Rússia, os quais se indicia pertencerem a terceiros, suscitando a suspeita de a referida cidadã estar a permitir a utilização das suas contas, pelo facto de ter título de residência em Portugal, de forma a facilitar a violação das medidas restritivas impostas pelo art. 5°-B do Regulamento (UE) n° 833/2014, do Conselho, redação atual, por via da aplicação do n° 3 do referido preceito - que exceciona a proibição de transferências e depósitos em conta de quem possua uma autorização de residência.» e que «Em face do exposto, entendemos indiciar-se que os fundos que remanescem na conta BPI acima identificada terão origem última em terceiras pessoas, residentes na Rússia e sem ligação a Portugal, estando portanto abrangidos pelas medidas restritivas aplicadas pela União Europeia, pelo que utilizam a conta em nome da YS, que beneficia da excepção à proibição de transferências, por ser titular de autorização de residência em Portugal. Estamos assim, perante a suspeita da prática de crimes de violação de medidas restritivas e de branqueamento, por via da circulação por contas de terceiros e da aplicação na compra de imóveis, pelo que, importando impedir a dispersão dos fundos que remanescem na conta BPI utilizada pela YS, determinámos a suspensão temporária de operações.» (sublinhado nosso) Também no despacho judicial proferido em 23.09.2022, que autorizou a realização das buscas, se considerava expressamente: «(…) A factualidade em investigação nos presentes autos é susceptível de integrar a prática de crimes de violação de medidas restritivas e de branqueamento, por via da circulação por contas de terceiros e da aplicação na compra de imóveis. Entendemos que, na actual fase da investigação, o acervo probatório já recolhido nos autos, carece de ser complementado com ulteriores diligências de prova que permitirão credibilizar os indícios já recolhidos. Da investigação em curso verifica-se uma conjugação de interesses que envolve vários indivíduos, pessoas singulares e colectivas, cujas relações e compromissos importa perceber. Face ao supra exposto, considerando essencial ao prosseguimento das investigações a realização de buscas para a recolha de informações e elementos de prova dos factos que são investigados, que de outra forma seriam de muito difícil, ou até impossível, obtenção, e atendendo a que os crimes aqui em investigação permitem o recurso a tais meios, entendemos estar perante meios de recolha de prova que se mostram ser necessários, adequados e proporcionais para a descoberta da verdade. Entendemos que na actual fase da investigação, só através da recolha e análise dos elementos probatórios acima referidos se alcançará a cabal descoberta da verdade, a identificação de todos os autores dos crimes sob investigação e a natureza e extensão da sua responsabilidade criminal. Indiciam os autos, que nos locais a buscar promovidos pelo detentor da acção penal, poderá ser encontrado o produto ou instrumentos dos ilícitos acima descritos, os quais se impõe apreender. Verifica-se que, a única forma de ter acesso a tais elementos probatórios e de garantir a sua genuinidade será através da realização de buscas. Atento o supra exposto, por se mostrar essencial para recolha da prova dos factos e descoberta da verdade, sendo proporcionais aos crimes sob investigação nos presentes autos, deferindo ao doutamente promovido, nos termos dos artigos 174.°, 175.°, 176.°, 177.°, 178.°, 179.° e 269.°, n.° 1, alínea c), todos do Código de Processo Penal, autorizo a realização de buscas domiciliárias às seguintes residências: (…)» Perante os excertos transcritos, é evidente que os despachos recorridos consideraram indiciada a prática, pela Recorrente, dos crimes de violação de medidas restritivas e de branqueamento, não tendo assim razão de ser a alegada surpresa da Recorrente, afirmando ter sido surpreendida pela indicação do crime precedente apenas na resposta ao recurso do Ministério Público. É certo que nem na promoção do Ministério Público, nem nos despachos recorridos foi invocado o art.º 28.º da Lei n.º 97/2027, de 23 de Agosto, norma legal que qualifica como crime a violação de medidas restritivas, punindo tal violação com pena de 1 a 5 anos de prisão, mas dúvidas não existem de que foi expressamente afirmado que dos autos constavam indícios da prática dos crimes de violação de medidas restritivas e de branqueamento. Imputando-se expressamente à Recorrente a prática quer dos factos indiciados, quer dos crimes que o Tribunal considerava preenchidos por tais factos, bem como a violação da medida restritiva aprovada pelo art.º 5°-B do Regulamento (UE) n° 833/2014, do Conselho, bem conhecia a Recorrente que lhe haviam sido imputados quer o crime de branqueamento, quer o crime de violação de medidas restritivas. E, assim sendo, como é, não tem qualquer razão de ser a invocada surpresa, dúvidas não existindo de que, nos despachos agora postos em crise, foi imputada à Recorrente a prática de factos integradores quer do crime de branqueamento, quer do crime de violação de medida restritiva, isto é, do crime precedente. Acresce que, perante os factos julgados indiciados e qualificação jurídica deles feita pelo Tribunal a quo, se a Recorrente tinha dúvidas sobre o concreto normativo legal que qualificava como crime a violação da medida restritiva em causa, sempre poderia ter solicitado a aclaração dos despachos recorridos por forma a que da sua fundamentação passasse a constar a norma legal que nela não fora vertida. No entanto, constando dos despachos recorridos a indicação dos factos indiciados, da medida restritiva violada, aprovada pelo art.º 5°-B do Regulamento (UE) n° 833/2014, do Conselho, bem como o nomen juris dos crimes por aqueles factos preenchidos, e ainda as normas legais ao abrigo das quais era ordenada a suspensão dos movimentos da conta bancária e de acesso ao cofre, bem como a busca, domiciliária e ao mesmo cofre, entendemos que a fundamentação indicada em cada uma das decisões recorridas é suficiente para se compreender o sentido da decisão e para dela se poder defender a Recorrente - como efectivamente se defendeu -, considerando-se que a falta de indicação da norma jurídica em causa constitui mera irregularidade, que, não tendo sido tempestivamente invocada, se mostra sanada (art.º 123.º do C.P.P.). No que respeita às buscas autorizadas quanto ao cofre bancário e ao domicílio da Recorrente, perante os indícios constantes dos autos, descritos no despacho recorrido, da prática dos mencionados crimes de violação de medida restritiva e de branqueamento, é evidente que as mesmas se mostram justificadas já que visaram a recolha e apreensão de elementos que pudessem servir de prova dos aludidos crimes, nos termos dos art.ºs 174.°, 175.°, 176.°, 177.°, 178.°, 179.° e 269.°, n.° 1, alínea c), do C.P.P. invocados no despacho recorrido, como de facto aconteceu. Nestes termos, perante os factos considerados indiciados integradores dos crimes de violação de medidas restritivas, p. e p. pelo art.º 28.º da Lei n.º 97/2017, de 23 de Agosto, em conjugação com o art.º 5.º-B do Regulamento (UE) n° 833/2014, do Conselho, e de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368.º-A do C. Penal, é manifesto que os despachos recorridos não padecem da invocada falta de fundamento legal. Consequentemente, sem necessidade de maiores considerações, improcede o recurso interposto nestes autos. * III – DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto por YS, mantendo-se os despachos recorridos. Custas pela Recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs (quatro unidades de conta) - (art.ºs 524.º do C.P.P., 8.º, n.º 9, do R.C.P. e Tabela III ao mesmo anexa) * Elaborado em computador e integralmente revisto pela relatora (art.º 94.º, n.º 2, do C.P.P.) * Lisboa, 24.05.2023 Maria Leonor Botelho Rui Miguel Teixeira Cristina Almeida e Sousa |