Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1685/20.7T8OER.L1-7
Relator: ALEXANDRA DE CASTRO ROCHA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
CONTRATO DE DEPÓSITO
PRESSUPOSTOS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
FACTOS CONSTITUTIVOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Não se justifica a alteração da matéria de facto provada se, atentos os princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação, as provas produzidas não impuserem decisão diversa.
II – Apesar de, atenta a redacção do art. 1185.º do Código Civil, o depósito ser um contrato real quod constitutionem, apenas se considerando celebrado (perfeito) mediante a entrega da coisa, enquanto contrato que é, não prescinde da existência de um acordo de vontades, integrado por proposta e aceitação.
III – A obrigação de restituição fundada em enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: - existência de um enriquecimento;
- ausência de causa justificativa para esse enriquecimento;
- que o enriquecimento tenha ocorrido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição;
- que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ressarcimento.
IV – A falta de causa terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no artigo 342.º, por quem pede a restituição. Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do onus probandi, que não se prove a existência de uma causa da atribuição: é preciso convencer o tribunal da falta de causa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO:
H…, L.da intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra Farmácia I…, L.da, pedindo que a R. seja condenada no pagamento da quantia de €6.875,21, acrescida de juros comerciais, desde 12/3/2020, até integral pagamento. Subsidiariamente, pede que a R. seja condenada no pagamento daquela quantia, acrescida de juros de mora, à taxa legal.
Para tanto, alega que recebeu em depósito remunerado, para arquivo, as pastas de contabilidade da R., encontrando-se em falta o pagamento do preço contratualizado para o armazenamento daqueles bens, desde Março de 2012, até à presente data. Mais refere que, caso assim não se entenda, considerando que com os bens da R. a A. ocupou espaço nas suas instalações, tendo tais bens sido zelosamente guardados, os €6.875,21 devem ser pagos com fundamento em enriquecimento sem causa.
No processo n.º 1688/20.1T8OER, que corresponde agora ao apenso A, H…, L.da, intentou acção declarativa, com processo comum, contra Farmácia J…, L.da, pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia de € 6.777,79, acrescida de juros comerciais, desde 12/3/2020, até integral pagamento. Subsidiariamente, pede que a R. seja condenada no pagamento daquela quantia, acrescida de juros de mora, à taxa legal.
Para tanto, alega que recebeu em depósito remunerado, para arquivo, as pastas de contabilidade da R., encontrando-se em falta o pagamento do preço contratualizado para o armazenamento daqueles bens, desde Março de 2012, até à presente data. Mais refere que, caso assim não se entenda, considerando que com os bens da R. a A. ocupou espaço nas suas instalações, tendo tais bens sido zelosamente guardados, os €6.777,79 devem ser pagos com fundamento em enriquecimento sem causa.
No processo n.º 1687/20.3T8OER, que corresponde ao apenso B, H…, L.da, intentou acção declarativa, com processo comum, contra Farmácia K…, L.da, pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia de €6.581,42 acrescida de juros comerciais, desde 12/3/2020, até integral pagamento. Subsidiariamente, pede que a R. seja condenada no pagamento daquela quantia, acrescida de juros de mora, à taxa legal.
Para tanto, alega que recebeu em depósito remunerado, para arquivo, as pastas de contabilidade da R., encontrando-se em falta o pagamento do preço contratualizado para o armazenamento daqueles bens, desde Março de 2012, até à presente data. Mais refere que, caso assim não se entenda, considerando que com os bens da R. a A. ocupou espaço nas suas instalações, tendo tais bens sido zelosamente guardados, os €6.581,42 devem ser pagos com fundamento em enriquecimento sem causa.
As Rés em cada um dos respectivos processos contestaram, invocando a sua ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, atendendo a que os documentos que a A., alegadamente, terá guardado dizem respeito a três sociedades distintas do mesmo grupo, encontrando-se, aliás, a correr relativamente a todas essas sociedades acções idênticas. Por outro lado, alegam que não celebraram qualquer contrato com a A., sendo antes a sociedade L…, L.da, quem, ao abrigo de contrato de prestação de serviços de contabilidade, se obrigou perante as RR. a custodiar toda a sua documentação com relevância contabilística. Finalmente, pretendem inexistir enriquecimento sem causa, porque as RR. pagaram a uma terceira empresa um valor que incluía o arquivamento dos seus documentos, pelo que só essa terceira empresa, e não as RR., poderá ter beneficiado dos serviços alegadamente prestados pela A., sendo ainda certo que os valores por esta peticionados excedem em grande medida os valores usuais no mercado. De todo o modo, entendem encontrarem-se prescritos, nos termos do art. 303.º do Código Civil, os créditos invocados pela A. relativos a todo o período anterior aos dois anos que precedem Fevereiro de 2020. Em reconvenção, pedem a condenação da A. e da L…, L.da, a devolverem toda a documentação das RR. que se encontre na sua posse, bem como no pagamento, após o trânsito em julgado da sentença, de uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 250,00 por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação. Para tanto, requerem a intervenção principal provocada da L…, L.da.
A A. replicou em cada um dos processos, pugnando pela improcedência das reconvenções, já que foram as RR. quem recusou receber as pastas com a documentação. Conclui que as RR. agem em abuso de direito e litigam de má fé, devendo ser condenadas em multa e indemnização relativamente às despesas elencadas no art. 543.º n.º1 a) e b) do Código de Processo Civil. Defende, ainda, a improcedência da excepção de prescrição, atendendo a que as RR. invocaram a seu favor uma prescrição presuntiva e, ao mesmo tempo, confessaram o não pagamento, além de que não decorreu ainda o prazo da prescrição ordinária. Finalmente, entende não poder proceder a excepção de ilegitimidade, por não estarmos perante um caso de litisconsórcio necessário.
As RR. vieram, em cada respectivo processo, invocar a nulidade das réplicas, na parte em que se pronunciam sobre as excepções deduzidas em sede de contestação. Pugnaram também pela improcedência do pedido da sua condenação como litigantes de má fé, entendendo que deverá ser a A. a ser condenada como tal, em multa e indemnização, e formulando o correspondente pedido.
A A. defendeu a validade das réplicas e a não existência de litigância de má fé da sua parte.
Por despacho de 5/4/2022, foi ordenada a apensação, aos presentes autos, dos processos n.ºs 1688/20.1T8OER [agora, apenso A] e 1687/20.3T8OER [agora, apenso B].
Efectuada a apensação, os três processos passaram a correr, de forma unificada, neste processo n.º 1685/20.7T8OER.
Realizou-se tentativa de conciliação, tendo sido, em 19/12/2022, homologada transacção quanto aos pedidos reconvencionais. Foi, ainda, dispensada a realização de audiência prévia, assim como a prolação do despacho de identificação do objecto do litígio e de enunciação dos temas da prova.
Procedeu-se a audiência final, tendo, após, sido proferida sentença que, julgando improcedente a excepção de prescrição, concluiu com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a presente acção intentada por H…, LDA. contra FARMÁCIA I…, LDA., bem como a acção n.º 1687/20.3T8OER, na qual a autora demandou a Farmácia J…, Lda., (Apenso B) e acção n.º 1688/20.1T8OER, na qual a autora demandou a Farmácia K…, Lda, (cfr. Apenso A), improcedentes e, consequentemente, absolvo as rés dos pedidos.
No mais, absolvo ambas as partes dos pedidos recíprocos de condenação como litigantes de má fé.
Custas de cada uma das acções pela autora, sem prejuízo das já acordadas quanto aos pedidos reconvencionais».
Não se conformando com aquela decisão, dela apelou a A., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
«A. A A. é uma sociedade comercial cujo objecto é a gestão e armazenamento de arquivos, pastas e documentos, nomeadamente de contabilidade e afins.
No âmbito dessa actividade a A. precedeu à guarda de um acervo de pastas emergentes da contabilidade das Rés, desde 2012 até ao ano de 2023.
B. A A. invocou que, a solicitação das R.R. procedeu à guarda das pastas mensais pertencentes a estas, provenientes da contabilidade, serviço este que era anteriormente desempenhado pela empresa “M…, lda.”, a quem as R.R. pagavam pelo respectivo serviço, à razão de €:0,60 por pasta, e por mês.
C. A partir de Março de 2012, contudo, este serviço passou a ser desempenhado pela A., com pleno conhecimento e anuência das R.R..
D. Posteriormente a tal momento, e por diversas vezes, o Representante legal da A. deslocou-se à sede das R.R., para proceder à entrega das respectivas pastas e documentos afectos à sua contabilidade que estavam à sua guarda.
E. Na altura, a representante legal da R. informou a A. que, em breve, disporia de um espaço adequado para guardar esses documentos mas que tinha de aguardar pela conclusão de umas obras, pelo que comunicou que a autora teria de continuar com a guarda de toda a documentação.
F. Face a tal situação o representante legal da A., novamente, para as suas instalações todo o respectivo acervo de documentos e pastas pertencentes às R.R., o qual até à data de entrada da acção em juízo continuava à sua guarda nas suas instalações.
G. Que assim se mantiveram até ao ano de 2023.
H. Para o efeito, a A. emitiu as respectivas facturas constantes dos presentes autos:
- Para a Farmácia I…, lda. e com o nº40/2020 de 12 de Março de 2020, a factura no valor de €:6.875,21, valor este correspondente a 155 dossiers e pastas, pertencentes à R., representando um valor mensal de €:93,00, ao que lhe acresce o respectivo IVA, ou seja, um valor mensal de €:114,67, que, por representar um período de tempo de 60 meses.
- Para a Farmácia J…, lda., com o nº42/2020 de 12 de Março de 2020, a factura com o valor de €:6.777,79, valor este correspondente à guarda de 150 dossiers e pastas, pertencentes à R., representando um valor mensal de €:91,84, ao que lhe acresce o respectivo IVA, ou seja, um valor mensal de €:112,96, que, por representar um período de tempo de 60 meses.
- Para a Farmácia K…, lda., com o nº41/2020 de 12 de Março de 2020, a factura com o valor de €:6.581,48, valor este correspondente à guarda de 149 dossiers e pastas, pertencentes à R., representando um valor mensal de €:89,18, ao que lhe acresce o respectivo IVA, ou seja, um valor mensal de €:109,69, que, por representar um período de tempo de 60 meses.
I. Entende a A. que, correspondendo o serviço de guarda de documentação ao seu objecto social e tendo a documentação pertencente às R.R. ficado à sua guarda, ocupando espaço e impedindo-a de proceder a novos contratos, que deverá ser ressarcida dos respectivos valores.
J. No âmbito dos presentes autos, A. e Rés transaccionaram parcialmente no que diz respeito ao pedido reconvencional, tendo aquela se obrigado a entregar às Rés todo o acervo de documentação contabilística que guardava consigo desde 2012, o que veio a acontecer em Fevereiro deste ano de 2023.
K. O presente recurso fundamenta-se no seguinte: - erro de julgamento quanto à matéria de facto, em concreto, incorrecta apreciação dos meios de prova.
L. O Tribunal A quo fixou como não provados, factos que, deveriam ter sido considerados provado face à prova produzida.
M. Em concreto, a conjugação da prova documental e testemunhal, apontam de forma objectiva, para que o Tribunal A Quo, tivesse considerado como provada a seguinte factualidade:
- A. A partir de Março de 2012 o serviço de guarda de documentos passou a ser desempenhado pela autora com o pleno conhecimento e anuência das rés.
- B. A rés, por via de N…, comunicaram à autora que esta teria de proceder a continuar com a guarda de toda a documentação e pastas, até à conclusão de umas obras num local adequado que poderia guardar os documentos das rés.
- C. Por a autora ter ocupado espaço nas suas instalações com a guarda dos documentos das rés, ficou impedida de proceder a novos contratos e de, assim, auferir outros valores.
- D. A autora, desde o mês de Março de 2012 até à data de entrada das acções em juízo, procedeu à guarda de 155 dossiers e pastas pertencentes à Farmácia I…, de 149 dossiers e pastas pertencentes à Farmácia K…, Lda. e de 150 dossiers e pastas pertencentes à Farmácia J…, Lda..
- E. O valor usual de mercado de comissão do serviço de depósito é de € 0,60, por cada pasta do tipo comercial.
N. A prova produzida em Tribunal foi a bastante e a suficiente para que tais pontos devessem ter sido, pelo Tribunal à Quo, declarados como provados.
O. Assim, a testemunha O..., com o Ficheiro áudio n. 16-10-12 de 00:52:38, declarou, com relevância, o seguinte:
» ao minuto 03.35 -“ Havia empresas, no grupo P... fazíamos a parte da contabilidade, havia uma outra empresa externa, que não tinha nada a ver com contabilidade, que era a M..., que a M... que o objeto social da empresa era fazer arquivo da documentação, porque há clientes que não queriam, porque, para eles são obrigados por lei a guardarem toda a documentação durante 10 a 12 anos depende da situação e há clientes que não tinham possibilidades ou não queriam mesmo guardar a documentação. E essa empresa o que fazia, o objeto social dessa empresa era guardar essa documentação, a empresa tinha um seguro que salvaguardava uma série de situações e sempre que um cliente precisasse de um documento ou de uma fotocópia ou de uma pasta, a empresa disponibilizava-se imediatamente a disponibilizar esse documento ou as pastas. E pronto, era uma forma que eles tinham também de garantir que os documentos deles estavam bem salvaguardados”.
» ao minuto 05.38 - É assim, já passou algum tempo, e eu (impercetível) da situação, mas eu penso que não era muito, aquilo era para aí uns, 50, 60 cêntimos por pasta, na altura.”
E, aos 05.55 minutos, a mesma testemunha respondeu: “ Não, por pasta. Por pasta por mês.”
» 10.24 minutos - “É assim, já passaram muitos anos, eu não me lembro exatamente das datas exatas. Eu sei, eu penso que a separação foi em dezembro de 2011, eu penso que a necessidade de guardar a documentação há de ter sido no início de 2012”
» Ao minuto 11.22 disse: Q.... Ele teve o cuidado de, por aquilo que eu sei, teve o cuidado de fazer contratos com todas as empresas. Eu sei que, no caso da I… e da K…, eles já eram clientes M.... Eles sempre pagaram à M.... Na altura, ele, como ele fez com os outros clientes, tentou chegar ao encontro da doutora N..., que é a sócia-gerente das empresas, para fazer o contrato ou o acordo para ficar com as pastas. A doutora N..., na altura, disse que não vale a pena, não vale a pena, que eu estou aqui a arranjar um espaço para guardar as pastas e não sei quê, não sei quantos. Entretanto, os meses foram passando e ela nunca mais decidiu e depois o meu colega pediu-me ajuda, uma hora de almoço, nós vamos lá no carro dele, uma vez que ela não queria fazer os contratos, fomos lá no carro dele tentar entregar as pastas, uma vez que ela não queria pagar e que aquilo estava lá a ocupar espaço que seria útil para outros clientes, nós fomos lá tentar entregar as pastas. Eu lembro-me que fomos, tentamos ir umas 3 vezes. Uma vez fomos lá, na altura a doutora N... tinha uma empregada, que era doutora R... quer era lá responsável pelos pagamentos e essas tretas todas, chegamos lá à farmácia…
» ao minuto 13.11 a mesma testemunha referiu o seguinte:
- “Entregar as pastas a quem de direito. Na altura, uma das vezes a doutora não estava lá e falamos com a doutora R… que era a responsável pelos pagamentos e pelas situações de, e pelas situações do papel da farmácia I.... Ela disse que não, que, pediu mais tempo, pediu para voltar para trás com toda a documentação, lá fomos nós outra vez embora, fomos lá outra vez, para aí uns quantos meses depois, eles têm um escritório ao lado da farmácia I..., que é para aí no sétimo andar, fomos lá pessoalmente, que até é assim um escritório que até nem está assim muito bem acabado, aquilo ainda estava assim meio em obras e a doutora pediu, mais uma vez, estamos em obras, como estão a ver, deixe-me acabar as obras e então depois entregam as pastas e não sei o quê. Isso e depois em 2015, foi das últimas vezes que eu penso, pelo menos que fui com ele e a situação voltou ao mesmo, ela não quis, mais uma vez, não quis receber as pastas e também, pelo que sei, não pagou ao rapaz.”
» E ainda ao minuto 14.32 a mesma testemunha referiu o seguinte:
- “Eu já lhe disse, 2012, logo no início, quando ela não quis fazer a situação do contrato e depois fomos uns meses depois, talvez em 2013.”
» aos 15.00 minutos a mesma testemunha referiu que: “Não, nós levamos as pastas todas, das 3 empresas.”
E, perante a questão colocada pelo Meritíssimo Juiz:
Ah, era todas cabiam dentro do carro?
» A testemunha referiu ao minuto 15.09:- “Sim, era um carro comercial, um carro grande e também era...”
» Perante a seguinte questão colocada pelo mandatário da A. “Portanto, na altura, fizeram saber à doutora N..., que é gerente dessas 3 empresas, que ela sabia e tinha conhecimento e pediu-vos, ao seu colega ou não, para continuar a guardar as pastas?”
A testemunha respondeu ao minuto 15.43 o seguinte: -“ Ela estava, constantemente, a apelar mais tempo, mais tempo, mais tempo.”
» E perante a seguinte questão colocada pelo mandatário da A. Então sabia que as pastas estavam à guarda, as pastas estavam com o senhor Q…?
A testemunha respondeu ao minuto 15.52 o seguinte: - “Exatamente. E ela, e o meu colega, até à minha frente, explicou-lhe, olhe doutora preciso do espaço para outros clientes, eu tenho outros clientes que têm interesse no serviço, eu estou a perder dinheiro e depois tenha paciência, tenha paciência, é só mais uma semana, é só mais uma semana que eu tenho as obras prontas. A verdade é que passavam semanas e meses e ela nem aceitava as pastas e também não queria pagar ao rapaz. E o rapaz estava a perder dinheiro com a situação, uma vez que tinha o espaço ocupado com as pastas dela e podia ter outros clientes.”
» Perante a seguinte questão colocada pelo Meritíssimo Juiz essas pastas, antigamente, estavam guardadas pela M..., é isso? A testemunha respondeu, ao minuto 16.57: - “sim”
» Perante a seguinte questão colocada pelo Meritíssimo juiz, “O contrato que essas farmácias ou que outras partes que tenham ficado com seu antigo chefe, era um contrato de contabilidade que incluía guardar ou era 2 contratos separados?
A testemunha respondeu ao minuto 18.23, o seguinte: - “Não, eram 2 contratos separados. Eram 2 objetos sociais separados, uma coisa é a P... que fazia a contabilidade...”
» Referiu ainda o Meritíssimo Juiz – “E quem acabou por ficar com a guarda destas pastas foi a sociedade feita pelo seu amigo Q..., chamada H…”.
E a testemunha, perante tal afirmação respondeu ao minuto 20.27 o seguinte: - “Exatamente, porque todas as empresas...”
» Perante a seguinte pergunta formulada pelo mandatário da A., -“Portanto, essa guarda de documentos sempre existiu?” - a testemunha respondeu ao minuto 24.35, o seguinte: - “Sim, portanto, (impercetível) Carnaxide sempre existiu.”
» O mandatário da A. colocou as seguintes questões a esta testemunha:
- “Portanto, desde 2012 até 2020 ou essa data em que a L… se só os serviços de contabilidade todos os documentos que eram processados da contabilidade destas 3 empresas...”
Esses anos todos, era sempre guardada pela H…?
A testemunha respondeu, ao minuto 25.57: - “Exactamente”.
» E, perante a seguinte questão feita pelo mandatário da A. - E isso aconteceu, portanto, desde 2012 até essa data?
A testemunha respondeu ao minuto 26.18:- “sim”
» E ao minuto 26.20, perante a pergunta “Sempre?”: - “Sim”.
» Ao minuto 26.21 a testemunha esclareceu ainda que: -“ Mas houve várias tentativas de entrega.”
» Entretanto, o Meritíssimo juiz colocou a seguinte questão:
- “Mas nesses anos continuavam, a H... continuava a receber das farmácias nova documentação?”
E, a testemunha respondeu ao minuto 26.31: - “Claro, então, cada vez que um documento é processada, há um documento contabilístico. Todos os meses haviam pastas com...”
» E mais esclareceu ao minuto 26.44:- “as pastas para serem processadas iam para a P..., a P... processava a contabilidade, depois da contabilidade processada, as pastas eram enviadas para a H..., uma vez que a doutora não recebia as pastas.”
» Ao minuto 27.11 a testemunha esclareceu o seguinte: - “Então, se nós, se o meu colega tantas vezes tentou entregar as pastas, tantas vezes tentou fazer contratos com a doutora, eu próprio fui com ele tentar a entregar as pastas, como é que ela pedia, se ele andava sempre a pedir tempo, que andava sempre a arranjar desculpas para as pastas não serem entregues, como é que ela podia não saber?”
» E, perante a seguinte questão colocada pelo mandatário da A. – “Olhe, aqui uma outra questão, teve conhecimento que as pastas foram entregues?”
A testemunha respondeu ao minuto 27.42 que: “ Eu disse que foram entregues no início deste ano”.
» O mandatário da A. questionou ainda a mesma testemunha sobre o seguinte:
- “Olhe, aqui colocava-se uma questão dos dossiês terem sido entregues e haver umas pastas de arquivo morto em número inferior aos dossiês. Sabe alguma coisa disto?”
A testemunha respondeu ao minuto 28.07 que: - “As pastas quando saem da P... vão em bruto, vão em dossiês normais, ok? As pastas estão lá até prescreverem os, o que é o ciclo de vida normal, é até prescrever os 12 anos, depois dos 12 anos aquilo é para destruir. Se, entretanto, os clientes quiserem desistir do serviço, do serviço de arquivo de pastas, nós cativamos os dossiês, porque os dossiês até são caros e o que nós fazemos é, o que nós fazemos não, o que o meu colega faz, ele mete aquilo em pastas de arquivo morto e nas pastas, enquanto no dossiês ficam os documentos com alguma folga com alguns espaço por preencher, nas pastas de arquivo morto, como é uma coisa mais condensada, mais prensada leva muito mais documentação, ou seja...”
E, ao minuto 29.14: -“ Exatamente, ou seja, enquanto se calhar numa situação normal ocupava 3 dossiês, uma situação condensada, uma situação prensada vai ocupar apenas uma pasta de arquivo morto, acho que é compreensível a situação.
Qualquer pessoa que trabalhe com arquivos e saiba o que é uma pasta de arquivo morto entende que leva lá 2 ou 3 dossiês dentro.”
» Perante a seguinte questão colocada pelo Meritíssimo Juiz - Mas como é que calcula o preço? O preço não é calculado por pasta?”
A testemunha respondeu ao minuto 29.44: -“ É calculado por pasta que sai da contabilidade, não é a proposta de arquivo morto.”
» E ao minuto 30.34, esclareceu ainda o seguinte: -“ Senhor doutor, se me permite, uma pasta de contabilidade, um dossier normal ocupa este espaço, portanto, se agarrar num arquivo morto, o arquivo morto é só isto, está a ver? Se calhar põe isto num envelope. Se calhar isto ocupa, para aí, 6 vezes menos espaço...”
» E, ao minuto 31.34, esclareceu ainda o seguinte: - “mas o que, eu disse, e segundo aquilo que eu sei é que os documentos ficam nas pastas durante os 12 anos, que é o ciclo de vida normal da situação, os documentos vão todos para o lixo, os dossiês são recuperados, só na situação de os clientes quererem desistir do serviço é que nós, em vez de estarmos a entregar pastas que custam dinheiro, entregamos, entregamos em situações de arquivo morto que, pelo menos, as pastas aproveitam-se. Mas fiz-me entender relativamente a este espaço?”
» Perante a seguinte pergunta colocada pelo mandatário da A. - Olhe, tem conhecimento se alguma vez foi pago à H... qualquer valor pela guarda destas pastas durante estes anos pelas farmácias, pelas 3 farmácias?”, a testemunha respondeu ao minuto 32.25, o seguinte: - “por aquilo que o meu colega me disse foram emitidas faturas porque ele estava farto da situação, estava certo de esperar, ele também esperou e foi um bocado paciente porque o meu chefe, o doutor S..., tinha na altura uma boa relação com farmácia I..., com a doutora N... e ele apelou muito Q..., ó Q... tem calma, a doutora vai de pagar, ó Q... eu confio na doutora, ó Q... tem calma, tem paciência que a doutora é de boa fé e a doutora vai pagar e ele foi esperando, foi esperando, foi tendo alguma paciência, mas o (impercetível) se passou, olhe eu vou emitir as faturas, eu fui prejudicado estes anos todos, estive lá as pastas este tempo todo e nunca me pagaram nada, eu vou-lhe...”
» E, perante a seguinte questão colocada pelo mandatário da A. (min 33.10) A doutora N..., que é a gerente destas 3 empresas, da farmácia de I..., J... e farmácia K... teve então sempre pleno conhecimento que as pastas estavam a ser guardadas pela H...?” a testemunha respondeu ao minuto 33.25:- “Se nós formos lá falar com ela, senhores fomos tentar entregar-lhe as pastas, se foram enviados os contratos...”
» E, perante a seguinte questão:-“ E foi ela que pediu para continuarem a guardar?”
A Testemunha respondeu ao minuto 33.32:- “sim, sim, sim”.
» E, ao minuto 44.28, esclareceu ainda o seguinte:- “O meu colega como fez com todos os outros clientes tentou enviar, tentou falar com a doutora, e a doutora até disse, ó Q... envie-me o contrato, que eu assino o contrato para nós acertarmos aqui as coisas e ficarmos aqui com o contrato e o Q... ficar com as pastas. A doutora nunca, nunca assinou contrato.”
» E, ao minuto 46.47 a testemunha ainda esclareceu que:- “Senhor doutor, foi com a concordância da doutora N... foi dada, foi dada a oportunidade à doutora N... de, de ficar com as pastas, o meu colega teve a intenção de ou ela assinar o contrato e a situação da M... ficar a aguardar as pastas ou então, como foi vontade do meu colega, e eu próprio antes disse, ele fez telefonemas.”
»Ao minuto 47.32 o Meritíssimo Juiz colocou a seguinte questão:- “Por isso, desde 2012 a 2023, tiveram lá as pastas?”
E a testemunha respondeu ao minuto 47.37:-“ Sim, porque a doutora, porque a doutora Andou sempre a pedir tempo porque as obras estavam quase prontas..”
E ainda ao minuto 48.57, a mesma testemunha esclareceu ainda que:- “Porque a doutora diz que não tem espaço para os ter, porque a doutora está constantemente em obras, porque a doutora diz que constantemente não tem a possibilidade de as receber.”
» E, no âmbito do ficheiro áudio nº Ficheiro Áudio n. 16-11-29 de 00:08:59, a testemunha ainda esclareceu o seguinte:
- ao minuto 01.15:-“ A farmácia tinha conhecimento desse processo...”
- ao minuto 1.45, esclareceu ainda que:- “A farmácia tinha conhecimento porque, porque a farmácia sabia perfeitamente que o objeto social da L... era a prestação de serviços de contabilidade, a partir do momento da situação do processamento do serviço de contabilidade, as pastas naturalmente são entregues a todos os clientes, e seriam entregues também à doutora N.... A doutora N... é que andou, é que andou sempre a prorrogar a situação e andou sempre a pedir...”
E, ao minuto 02.29, esclareceu o seguinte: - “Não, a minha declaração, a minha declaração é que a doutora N... tinha perfeita consciência que aquilo que tinha contratado com a L... era meramente um serviço de fazer contabilidade, a doutora N... tinha perfeita consciência que, após a contabilidade ser feita, as pastas deviam ser entregues a ela, a doutora...”
E ao minuto 02.55 disse ainda o seguinte: - “Deveriam ser entregues à doutora N...., deixe-me acabar, deixe-me acabar, deixe-me acabar. Eu deixei-o falar, deixe-me falar a mim também. A doutora N... sabia perfeitamente que as pastas deviam ser entregues a ela, a doutora N... sabia perfeitamente que andou anos, anos a pedir ao doutor Marques, a pedir ao Q..., para eles continuarem a salvaguardar os interesses dela, as coisas dela. A doutora N... sabia perfeitamente do processo das pastas, foi a pedido da doutora N..., deixe-me só um segundo, só um segundo doutor Juiz, a doutora N... sabia perfeitamente que as pastas não lhe eram entregues a ela, a pedido dela, a pedido dela. É importante que o tribunal saiba isto.”
» E, ao minuto 06.26, a testemunha referiu:- “Nós, o meu colega e eu fomos lá como, como representantes da H....”
» E ao minuto 07.10, disse ainda: - “Sim, sim. Não assinou, não assinou o contrato com a H..., a doutora nunca mais, anda sempre a dizer que, para pedir tempo para, porque está em obras no sétimo andar, para receber as pastas, doutora eu preciso, e eu preciso de espaço para outros clientes.”
» E , ao minuto 08.47 a testemunha referiu que:-“ Os contratos nunca foram assinados e daí a tentativa de entrega das pastas.”
P. Assim, a testemunha S..., correspondente ao Ficheiro áudio n. 16-21-05 de 00:31:39, declarou, com relevância, o seguinte:
» Questionado sobre se os serviços de contabilidade prestados pela sua empresa L..., Lda., Às Rés incluíam a guarda de documentos, disse ao minuto 06.03:
- “Não”.
» O Meritíssimo Juiz colocou a seguinte questão: …” eu posso assegurar que a doutora N... tinha consciência de que era uma empresa diferente que tinha as  pastas?”
- e a testemunha respondeu ao minuto 16.07: - “Ó senhor doutor, fui eu próprio que lhe disse.”
» Perante esta resposta, o Meritíssimo Juiz formulou a seguinte questão (16.10): Que era uma empresa diferente que ia passar a guardar as pastas?
E, a testemunha respondeu: - “Exatamente, senhor doutor agora, eu disse-lhe o seguinte, senhor doutor, a doutora N... quando lhe telefonei disse-me o seguinte, ó doutor Marques aguente-me isso mais 2 meses.”
E, mais esclareceu ao minuto 16.29:
- “Aguente mais 2 meses porque eu depois vou buscar as pastas todas e vou arrumá-las aqui nas minhas coisas. Ó senhora doutora, estão à guarda já do Q....
Ah! Então (impercetível). A resposta dela.”
» Ao minuto 16.42, o Meritíssimo Juiz colocou a seguinte questão:- “Ela sabe que Q... é outra empresa? A M... antes também já era uma empresa que não era a L...?”
E a testemunha respondeu ao minuto 16.48 o seguinte: - “Exatamente. Exatamente…”
» Ao minuto 16.53 o meritíssimo Juiz colocou a seguinte questão – “Senhor doutor S…, desculpe, como é que se calcula aqui o valor deste, deste negócio?”
E a testemunha respondeu ao minuto 17.02: -“ acontece o seguinte, o valor que aí está é calculado nesta base, com a guarda das pastas, se a pessoa quiser em qualquer altura nós não lhe vamos cobrar, porque acontece o seguinte, no mercado, tenho que lhe explicar isto...”
E, ao minuto 17.32 esclareceu ainda: -“ Calculou no mesmo apreço que remontava a 2011.”
- E, ao minuto 17.41 esclareceu: -“ Não lhes fazia qualquer alteração de preço. Eu disse Q... embora os valores estejam superiores a tal, olhe eu prefiro que esta situação acabe por bem, (impercetível) mantém o preço.”
Ao minuto 18.47 esclareceu ainda: - “Tudo foi mantido, o valor unitário que existia já no tempo da M...”.
» Ao minuto 19.27, o mandatário da A. colocou-lhe a seguinte questão: -“ Doutor, só uma pequena questão, aliás na senda desta última, deste último grupo que estamos de que o meritíssimo juiz acabou de colocar. Relativamente ao cálculo do valor por pasta o doutor S… recorda-se de quando é que era feito, portanto, qual era o valor que levava na M…?”
E a testemunha respondeu ao minuto 19.45: -“ Ó senhor doutor, eu salvo erro, ou eram 60, 60, olhe entre 50 e 60 cêntimos, não posso precisar.”
- E ao minuto 20.02 esclareceu ainda: - “Por cada pasta por mês.”
Q- E, como declarações de parte, o legal representante da A. Q..., no Ficheiro áudio n. 15-31-59 de 00:28:24, esclareceu, com relevância, o seguinte:
» - ao minuto 02.13 esclareceu o seguinte: “Portanto a H... foi criada para guardar o arquivo dos clientes da contabilidade, uma empresa que é da L...”.
» ao minuto 02.39 o mandatário da A. colocou-lhe a seguinte questão:- E antes, e antes de ter sido criada a H... quem é que se dedicava, portanto, a guardar, de quem era a guarda desses documentos?”
E, o Depoente esclareceu ao minuto 02.46 o seguinte:-“ Era uma outra empresa, que se chamava M... e que faturava a estas 3 farmácias o depósito das pastas.”
E, ao minuto 03.05 esclareceu que: -“ Portanto, isto surge, a empresa da H... guarda as pastas destas 3 farmácias, pretende faturar desde o inicio mas…”
» - ao minuto 3.21 o mandatário da A. colocou-lhe a seguinte questão – “Mas é exatamente desde o inicio que eu quero que explique ao tribunal o que aconteceu.
Vocês já alguma vez falaram, acordaram com os legais representantes destas 3 farmácias a guardar os arquivos ou não?”
E o depoente esclareceu ao minuto 03.32: -“ Sim. Sim, falei várias vezes, tentei entregar até as pastas”
Ao minuto 03.39 esclareceu o seguinte:-“ Em 2012. 2012 sim. A partir de 2012 tentamos entregar quando a M... deixou de guardar as pastas das farmácias.”
E, ao minuto 03.56 esclareceu também que: -“ As pastas da contabilidade. Foi feito várias tentativas de entrega das pastas nas farmácias”.
-e ao minuto 04.04:-“ Por telefone, foram presencialmente por várias vezes…”
E ao minuto 04.12 esclareceu ainda que: -“ Fui eu que levei as pastas de arquivo, no carro, para as deixar uma vez que a doutora.… penso que não quereria pagar faturas, não queria, não queria mesmo, que eu falei com ela…”
E ao minuto 04.39 esclareceu ainda que: -“ A partir de 2012, por várias vezes, 2012, 2013, 2014”.
Ao minuto 04.47 o Depoente esclareceu que: -“ Diziam sempre que estavam em obras, que estavam a criar um espaço para guardar as pastas e que não…”
» Ao minuto 4.51 o mandatário da A. formulou a seguinte questão: - “Alguma vez lhe pediram para continuar a guardar essas pastas?”
E, o Depoente respondeu ao minuto 4.54: -“ Sim, sempre me pediram, de todas as vezes por telefone, presencialmente, de todas as vezes enquanto esse espaço não estivesse…”
» - ao minuto 05.01 o mandatário da A. formulou a seguinte questão:- “Pergunta que lhe faço, eles sabiam que a sua empresa se dedicava a este tipo de atividade?
E o depoente respondeu ao minuto 05.08 o seguinte:
-“ Sabiam, falamos várias vezes, uma das vezes a doutora N... acordou em que mandasse o contrato para que ela assinasse…
Ao minuto 05.17 esclareceu ainda o Depoente, que: -“ Um contrato escrito para que a H... ficasse com a guarda das pastas, esse contrato que enviado, mas nunca foi devolvido e assinado.”
» Ao minuto 05.28 o mandatário da A. questionou o seguinte: -“ Entretanto a H... foi sempre ficando com a guarda das pastas?”
E, ao minuto 05.29 o Depoente respondeu: -“Sempre, sempre”.
» Ao minuto 05.30 o mandatário da A. perguntou o seguinte: -“ Foi do conhecimento das farmácias?”
E, o Depoente respondeu ao minuto 05.33: “-Exactamente”.
» E, novamente perante a seguinte questão formulada pelo mandatário da A. “E foi a pedido da doutora N... ou não?” - ao minuto 05.34, o Depoente respondeu:
-“ Foi a pedido da doutora N..., exatamente, sempre a pedido da doutora N....”
Ao minuto 05.47, o Depoente esclareceu ainda que: -“ Exatamente, depois voltava com elas para trás, sim. Fui atendido pela doutora N..., fui atendido pelas secretárias, tanto a administrativa como as, a doutora farmacêutica de uma das farmácias da I..., ligavam à doutora N..., a doutora N... dizia para levar as pastas novamente para trás porque ainda não tinha espaço mas que em breve iria ter espaço. Até que umas das vezes acordou em que a H... ficasse com a guarda das pastas e pediu que lhe enviasse o contrato.”
» Ao minuto 06.18 o mandatário da A. colocou a seguinte questão: - “Olhe e diga-me uma coisa, desde 2012 até… até quando é que a H... ficou com a guarda desses registos da contabilidade?
E, o Depoente respondeu ao minuto 06.27, o seguinte: -“ Desde 2012 até Fevereiro de 2020”
Ao minuto 07.59, o Depoente esclareceu que: -“ Cerca de 150 pastas por farmácia. São 3 farmácias.”
Ao minuto 08.16 o Depoente esclareceu que: -“ Mantive sempre os 10 anos, sim.”
Ao minuto 08.59 o Depoente esclareceu que: -“ São cerca de 12 pastas por ano por cada farmácia, na totalidade dá cerca de 150, sensivelmente por cada farmácia.”
E, ao minuto 09.29 esclareceu o Depoente que: -“ Sim, os dossiers eram da contabilidade, da empresa da contabilidade, portanto eu tive que devolver dossiers à contabilidade, comprar pastas de arquivo morto, onde levava 3 a 4 dossiers dentro, o volume de dossiers, porque os dossiers não iam para lá.”
E, ao minuto 09.56 O Depoente referiu que: -“ É calculado por dossier. O preço de 60 cêntimos mais IVA por pasta, é por dossier.”
Ao minuto 10.11 o Depoente esclareceu que: “Durante 10 anos”
Ao minuto 10.17 O Depoente respondeu que: -“ É mensal”.
E ao minuto 10.19 disse que: -“ Por cada pasta. Este preço já era faturado pela empresa antiga, que tinha as pastas à guarda. Assim continuei com o mesmo valor.”
Ao minuto 11.00 O Depoente esclareceu que: -“ Depois decidi faturar quando me disseram que iam deixar de ser cliente da empresa de contabilidade e então aí decidi faturar que foi em Fevereiro de 2020.”
E ao minuto 11.15 disse que: -“ Ainda não está pago.”
E ao minuto 12.14 respondeu que: -“Todos os que lá estavam à nossa guarda da H... foram todos entregues.”
» Ao minuto 13.44 o Ilustre Mandatário da R. formulou a seguinte questão:- Muito bem. A doutora N... peço desculpa, alguma vez combinou consigo condições contratuais que iriam ser aplicadas relativamente a esse suposto contrato?”
E o Depoente esclareceu ao minuto 14.00 que: -“ Falou-me que concordava que a H... guardasse o arquivo, não perguntou preços, não perguntou quantas pastas eram…”
» Ao minuto 14.08 o Ilustre Mandatário da R. questionou o seguinte: “Mas disse-lhe a si? Mas… disse-lhe a si, que concordava que fosse a H...?”
E o Depoente respondeu ao minuto 14.13: “-Exactamente”.
E ao minuto 14.16 esclareceu ainda que: -“ Tanto concordou que me pediu o contrato escrito para que ela assinasse e devolvesse.”
» Ao minuto 17.26 e perante uma questão formulada pelo Ilustre Mandatário das R.R., o Depoente respondeu: -“Não sozinho, eu ia com um colega meu que me ajudava e levava e algumas das vezes fui ao escritório ao 7º andar e deixava as primeiras pastas com a administrativa, a doutora R… (impercetível) que me atendia, ligava para a doutora N..., a doutora N... respondia não, levem as pastas para trás porque eu ainda não tenho espaço não deixem as pastas, não me deixem aí as pastas.”
E, ao minuto 18.20 respondeu ainda que: -“ Tentei acordar com a doutora a devolução das pastas, sim”
E, ao minuto 18.40 esclareceu que: “E depois de várias tentativas de falar com ela, inclusive tentei que fosse a farmácia a levantar as pastas na contabilidade, não o fizeram e eu ofereci-me para ir levar as pastas à farmácia ou ao escritório.”
Ao minuto 19.33 esclareceu ainda o Depoente que: -“ Sim, sim ela disse-me envie-me o contrato eu assino e vocês ficam com as pastas à guarda.”
E ao minuto 19.40 Esclareceu ainda que: -“ Mas não devolveu, não devolveu o contrato assinado.”
E o Depoente disse ainda ao minuto 19.46: -“ Sim, combinamos que a H... ficaria com a guarda das pastas.”
E, ainda, ao minuto 19.54, o Depoente disse: -“ Ela pediu-me que lhe enviasse o contrato escrito para assinar e devolver.”
E ao minuto 20.17: -“ Fizemos a partir do momento em que a doutora N... disse-me que acordava que a H... ficava com as pastas.”
» Ao minuto 20.27 o Meritíssimo Juiz formulou-lhe a seguinte questão:” Mas combinaram qual era o preço, em que modalidades, quantas pastas, quantas farmácias, quem é quando guardava, quem recebia… o que é que ficou…?”
E, o Depoente, ao minuto 20.36 respondeu que: -“ Ficou acordado por telefone, sim senhora, ela soube do preço, ela soube onde é que ficariam as pastas”.
E ao minuto 21.12 disse ainda: -“ Sabe porque tenho as pastas à guarda que nunca fez uma tentativa para as levantar nem…”
R. De igual forma, deveremos extrair, com relevância probatória as declarações de parte da legal representante da N... no Ficheiro áudio n. 16-01-36 de 29:27, o seguinte:
» - ao minuto 07.222 referiu que:- “Na passagem da M... para a L... em que aparece no eu escritório o senhor Q... com umas pastas, eu não cheguei a identificar as pastas, e eu disse ao senhor Q... que iria falar, não aceitei as pastas e disse ao senhor Q... que ia falar com o patrão dele, o que fiz.”
» - ao minuto 16.48 o Ilustre Mandatário da Ré – questionou: “Na M... quanto é que pagava?
E a Depoente disse que:- Não me recordo senhor doutor, aliás a situação da M... não foi apresentada assim, foi-me apresentada como o senhor doutor T... faria um acompanhamento mais próximo, eram dois sócios, emitiam duas faturas eu concordei com os valores e paguei.
Questionada ao minuto 17.09 pelo Meritíssimo Juiz que formulou a questão: ”Antes de 2012 é isso?
A mesma respondeu - Exatamente.
» Ao minuto 17.11 o Meritíssimo Juiz questionou:” Pagava duas faturas uma por contabilidade e outra por…”
E, a Depoente respondeu: - “Sim, chamamos-lhe uma para a P... e outra para a M...”
S- Perante esta prova, e de acordo com as regras da experiência comum, apenas poderia resultar como efectivamente provado que, as Rés bem sabiam que, anteriormente, a guarda de toda a sua documentação contabilística estava a cargo, não da empresa que contratualmente lhes fazia a contabilidade, mas sim de uma outra empresa chamada M…, Lda..
T- Com a saída dessa empresa do universo de empresas satélites da L..., Lda., tais serviços passaram a ser prestados pela ora A..
U- E, tanto assim foi, porque a A. foi, por diversas vezes à sede das Rés, com a finalidade de proceder à entrega das respectivas pastas, e foi a própria gerente das Rés que solicitou à A., tempo e espaço para o efeito, pois não dispunha de espaço para a guarda de tais documentos.
V- Tempo e espaço esses, que duraram precisamente até ao momento em que as pastas das contabilidades das Rés foram entregues pela A. (e não por qualquer outra empresa, nomeadamente a de contabilidade), neste ano de 2023, por via do acordo parcial em que transaccionaram nos presentes autos.
W- E tanto assim foi que, A. e Rés transaccionaram, no sentido em que aquela detinha as pastas das contabilidades das Rés e que se obrigava a entrega-las, então, não faria e nem faz, qualquer sentido, considerar-se como não provado que a A. deteve e guardou as pastas das Rés, até ao presente momento.
X- Um homem médio colocado em ambas as posições, não poderia desconhecer que a A. ficou a guardar as pastas das Rés, e que a A. fazia, como faz, de tal actividade, o seu objecto social.
Y- As Rés beneficiaram da prestação de serviços efectuada pela A..
Z- A A. guardou zelosamente todos os documentos e pastas da contabilidade das Rés, até ao presente ano de 2023, com o conhecimento das Rés.
AA- A guarda/custódia de documentação contabilística assume uma enorme importância e gravidade, que não poderá deixar de ser devidamente remunerada.
BB- A A. manteve toda a responsabilidade por tal guarda e custódia durante mais de 10 anos!
CC- Ocorreu assim, um manifesto e muito claro erro de julgamento feito pelo Tribunal à Quo, que cumpre corrigir, porquanto as testemunhas apresentadas pela A. depuseram de forma congruente, com conhecimento directo dos factos, sendo depoimentos lógicos, idóneos e sem quaisquer contradicções.
DD- Devendo, para o efeito alterar-se a matéria de facto considerada como provada, por ter sido incorrectamente julgada, e que impõem uma decisão diversa da recorrida, devendo ser alterados os pontos A, B, C, D e E, da matéria dada como não provada, e aditados à matéria declarada provada, os seguintes pontos:
25. A partir de Março de 2012 o serviço de guarda de documentos passou a ser desempenhado pela autora com o pleno conhecimento e anuência das rés.
26. A rés, por via de N..., comunicaram à autora que esta teria de proceder a continuar com a guarda de toda a documentação e pastas, até à conclusão de umas obras num local adequado que poderia guardar os documentos das rés.
27. Por a autora ter ocupado espaço nas suas instalações com a guarda dos documentos das rés, ficou impedida de proceder a novos contratos e de, assim, auferir outros valores.
28. A autora, desde o mês de Março de 2012 até à data de entrada das acções em juízo, procedeu à guarda de 155 dossiers e pastas pertencentes à Farmácia I..., de 149 dossiers e pastas pertencentes à Farmácia K..., Lda. e de 150 dossiers e pastas pertencentes à Farmácia J..., Lda..
29. O valor usual de mercado de comissão do serviço de depósito é de €0,60, por cada pasta do tipo comercial.
EE- Ora, considerando a actividade comercial da A. e considerando que estas solicitaram, por diversas vezes àquela, para que procedesse à guarda da sua documentação, e ainda considerando que A. e R.R. acordaram em transacção nos presentes autos que aquela lhes entregaria, como efectivamente entregou toda a documentação contabilística que estava à sua guarda, existiu entre as partes um contrato de depósito relativamente à documentação contabilística das Rés, v.g. artº. 1185º do Código Civil.
FF- Considerando que a custódia de documentos é a actividade comercial principal da A., nos termos da conjugação dos artigos 1158º e 1186º do Código Civil, tal contrato presume-se oneroso.
GG- Nos termos do disposto nos artigos 405º e 406º do Código Civil, os contractos são para serem pontualmente cumpridos.
HH- Sendo, a declaração negocial receptícia, e, podendo ser expressa ou tácita, sendo expressa quando é feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade e tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam – cfr. art.º 217.º do Código Civil – pelo que o facto da A. ter tentado levar as pastas às Rés e estas terem solicitado que guardasse as mesmas até aquelas terem espaço para o efeito, não restam dúvidas que configuram declarações contratuais no âmbito de formar um contrato de depósito.
II- Bem sabendo as Rés, porque sempre pagaram pela guarda da documentação contabilística a uma outra empresa, e por também saberem a actividade da A., e ainda pelo facto de lhe terem solicitado por diversas vezes que procedessem à guarda da documentação – não restam dúvidas que, na verdade todas as partes desejaram efectuar um contrato de depósito.
JJ- Tal contrato de depósito carece de ser remunerado, pelo que as Rés deverão ser condenadas a pagar a sua remuneração à A..
KK- Se alguém (Rés) se dirige a uma pessoa cuja actividade comercial é a guarda de documentação (A.), e lhe pede para que guarde e exerça a custódia da sua documentação contabilística, então todos os elementos do negócio do contrato de depósito se presumem existir!
LL- Ainda que apenas por mera hipótese académica tal não se lograsse provar, e apenas a título subsidiário, o certo é que a A., cuja actividade comercial é precisamente a custódia de documentação contabilística, guardou desde 2012, até este ano, 2023, momento em que a A. procedeu à entrega às Rés de todas as pastas de contabilidade que detinha em seu poder desde 2012.
MM- Ora, as Rés beneficiaram claramente da acção da A. que lhes proporcionou uma guarda responsável de todos os documentos das respectivas contabilidades, desde o Ano de 2012 até ao presente Ano de 2023, tendo-os entregue incólumes e completos às Rés.
NN- As Rés beneficiaram pela guarda responsável de todo esse acervo documental feito pela A., como também beneficiaram pelo facto da A. ter disponibilizado e utilizado, o seu próprio espaço para tal.
OO- A actividade da guarda de documentação, como do espaço respectivo onde toda essa documentação esteve guardada, representou um custo efectivo para a A., pelo menos, equivalente ao custo por pasta em vigor, no ano de 2012.
PP- Ocorreu, portanto, uma vantagem patrimonial para as Rés, em prejuízo da A., e por causa exclusiva da actividade comercial desta, sem
QQ- Não restam, portanto, dúvidas de que as Rés enriqueceram com a acção da A.., pela custódia de todo o seu acervo de documentação contabilística desde o ano de 2012 até 2023.
RR- Dessa forma, em caso de improcedência dos pedidos principais, e a título subsidiário, nos termos do disposto nos art.ºs 473º e seguintes do Código Civil, sempre as Rés devem ser condenadas a pagar à A., o valor peticionado, na medida do seu respectivo enriquecimento, a que correspondeu a actividade exercida pela A. e o seu espaço, correspondente, pelo menos, ao valor pago antigamente por tal serviço, e ao qual correspondem os pedidos respectivos.
SS- Como tal, também aqui mal andou o Tribunal à Quo, devendo, por tal ser revogada a decisão recorrida, por ser manifestamente ilegal, pela violação dos supra referidos preceitos legais.
TT- Nestes termos, a decisão recorrida é ilegal por ter violado as supra referidas normas legais, devendo ser revogada e substituída por outra que condene as Rés nos respectivos pedidos, nos termos supra expostos.
TERMOS EM QUE DEVE A SENTENÇA OBJECTO DE RECURSO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA, CONDENANDO-SE AS RÉS NOS PEDIDOS, DANDO-SE, ASSIM, PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA».
A R. Farmácia I..., L.da, contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação.

QUESTÕES A DECIDIR
Conforme resulta dos arts. 635.º n.º4 e 639.º n.º1 do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, as quais desempenham um papel análogo ao da causa de pedir e do pedido na petição inicial. Ou seja, este Tribunal apenas poderá conhecer da pretensão e das questões [de facto e de direito] formuladas pela recorrente nas conclusões, sem prejuízo da livre qualificação jurídica dos factos ou da apreciação das questões de conhecimento oficioso (garantido que seja o contraditório e desde que o processo contenha os elementos a tanto necessários – arts. 3.º n.º3 e 5.º n.º3 do Código de Processo Civil). Note-se que «as questões que integram o objecto do recurso e que devem ser objecto de apreciação por parte do tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor. Ao tribunal ad quem cumpre apreciar as questões suscitadas, sob pena de omissão de pronúncia, mas não tem o dever de responder, ponto por ponto a cada argumento que seja apresentado para sua sustentação. Argumentos não são questões e é a estes que essencialmente se deve dirigir a actividade judicativa». Por outro lado, não pode o tribunal de recurso conhecer de questões novas que sejam suscitadas apenas nas alegações / conclusões do recurso – estas apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, salvo os já referidos casos de questões de conhecimento oficioso [cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022 – 7ª ed., págs. 134 a 142].
Nessa conformidade, são as seguintes as questões que cumpre apreciar:
- impugnação da decisão acerca da matéria de facto;
- verificação dos pressupostos da condenação das RR. no pagamento das quantias peticionadas pela A., em cumprimento de contratos celebrados entre aquelas e esta;
- verificação dos pressupostos da condenação das RR. no pagamento das quantias peticionadas pela A., com base em enriquecimento sem causa;
- abuso de direito da A..

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
«1. A autora H..., Lda., é uma sociedade comercial matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o n.º …, tendo por objecto social a gestão de arquivos.
2. A constituição da autora foi registada na conservatória do registo comercial sob a Ap.2 de …, tendo como sócios-gerentes Q... . e U…, casados entre si.
3. A sócia U… renunciou à gerência em 31-12-2013, mantendo-se o restante sócio como gerente da autora.
4. As rés Farmácia I..., Lda., Farmácia K..., Lda. e Farmácia J..., Lda. são sociedades comerciais que se dedicam ao comércio a retalho de produtos farmacêuticos.
5. As rés fazem parte do mesmo “grupo” de farmácias, no sentido em que partilham estruturas organizativas comuns, actuando N... em sua representação, seja por ter a qualidade de gerente ou por agir em seu nome.
6. Com data de 01-07-2012, mas com efeitos reportados a 01-01-2012, as rés Farmácia I..., Lda. e a Farmácia J..., Lda. celebraram, cada uma, com a sociedade L..., Lda. um contrato denominado de “Contrato de Prestação de Serviços de Contabilidade e Assessoria Fiscal”, nos termos do doc. n.º 1 junto com as respectivas contestações.
7. Consta dos referidos contratos, na qual a L..., Lda. figura como Primeira Outorgante e as mencionadas rés figuram como Segunda Outorgante, o seguinte:
“Cláusula Primeira:
A Primeira Outorgante é uma empresa cujo objecto é a prestação de serviços de contabilidade, fiscalidade, gestão organizacional, informática e recursos humanos possuindo nos seus quadros Técnicos Oficiais de Contas devidamente habilitados e credenciados para que se possa comprometer a executar a contabilidade da Segunda Outorgante, assumindo a correspondente responsabilidade técnica pelas áreas contabilística e fiscal.
Cláusula Segunda:
A Segunda Outorgante entregará até ao dia quinze do mês seguinte a que respeitarem, ou no dia imediato à sua recepção, no caso de documentos cuja contestação ou prova sejam sujeitos a prazos, na sede da Primeira Outorgante ou onde este indicar, todos os documentos de suporte contabilístico ou de natureza fiscal, conexos com a assunção da responsabilidade assumida pela Primeira Outorgante.”
8. Entre a ré Farmácia K..., Lda. e a L..., Lda. vigorou, após 2012, um contrato de prestação de serviços de contabilidade e assessoria fiscal em termos similares.
9. Ao longo do período de duração dos contratos celebrados entre as rés e a L..., Lda., o valor da avença mensal foi objecto de actualização mediante a celebração de Adenda aos referidos contratos.
10. Anteriormente à celebração dos contratos referidos em 6 a 8, os serviços de contabilidade das rés eram prestados por uma empresa que havia pertencido ao sócio da L..., Lda., denominada P....
11. Pelo menos até Fevereiro de 2012, por acordo com as rés, a P..., enquanto empresa que prestava serviços de contabilidade às rés, procedia à entrega dos arquivos e pastas da contabilidade das rés a uma sociedade denominada M…, Lda., a fim de esta proceder à sua guarda e depósito por conta das rés.
12. À parte e para além da liquidação dos serviços de contabilidade, as rés, pela prestação dos serviços de guarda e depósito da documentação contabilística e arquivo, pagavam à mencionada M..., Lda., uma contrapartida, sendo, no caso da ré Farmácia I..., liquidado o valor de €100,37, com referência ao último ano de duração do contrato.
13. A partir de Março de 2012, no seguimento de um conflito entre os sócios comuns das mencionadas empresas de contabilidade e de guarda de documentos, esse serviços deixaram de ser prestados pela M..., Lda..
14. Após a cessação dos serviços da M..., Lda., Q... deslocou-se até às instalações da ré Farmácia I..., Lda. a fim de proceder à entrega às rés das pastas de contabilidade e documentos afectos à contabilidade das rés.
15. As rés, através de N..., não receberam as pastas em causa por não disporem, na altura de espaço para o efeito, tendo o mencionado Q... regressado com as pastas.
16. O mencionado Q... era, à data, e continuou a ser funcionário da L..., Lda., mantendo contactos e trocando comunicações com as rés nessa qualidade.
17. Desde Março de 2012 que as pastas de contabilidade e outros documentos das rés, estão à guarda da autora que os foi recebendo da L..., Lda. à medida que esta tratava da contabilidade das rés e eliminando as pastas respeitantes a arquivo morto.
18. Em Fevereiro de 2020 surgiram divergências entre as rés e a L..., Lda., que determinaram a cessação dos contratos de prestação de serviços de contabilidade referidos em 6 a 8, tendo tal dado origem a um conflito com a instauração de acções judiciais.
19. Por carta datada de 12-02-2020 proveniente da L..., Lda. e subscrita pelo seu sócio-gerente S..., dirigida a N..., este reclamou um conjunto de prestações relativas às rés realizadas pela L..., Lda. ou por empresas da “Esfera L...” que alegadamente nunca tinha sido pagas, aí incluindo o serviço de arquivamento de documentação contabilístico ora reclamado pela autora.
20. Por carta datada de 26-02-2020, dirigida pela autora a N..., a primeira solicitou que a segunda informasse a que empresas deveriam ser facturada a nota de dívida enviada em anexo a título de custódia de documentos compreendendo os anos de 2008 a 2019, e que se encontrariam por facturar desde 2012.
21. No seguimento dessa carta, a autora enviou a N... uma carta datada de 12-03-2020 mediante a qual remeteu as seguintes facturas:
- factura n.º 40/2020, em nome da ré Farmácia I..., Lda., datada de 12-03-2020, a pronto pagamento, com a descrição “Depósito de Pastas – Março 2012 a Fevereiro 2020”, no valor de €6.875,21, com IVA incluído;
- factura n.º 41/2020, em nome da ré Farmácia K…, Lda., datada de 12-03-2020, a pronto pagamento, com a descrição “Depósito de Pastas – Março 2012 a Fevereiro 2020”, no valor de €6.581,48, com IVA incluído;
- factura n.º 42/2020, em nome da ré Farmácia J..., Lda., datada de 12-03-2020, a pronto pagamento, com a descrição “Depósito de Pastas – Março 2012 a Fevereiro 2020”, no valor de €6.777,79, com IVA incluído.
22. As rés responderam à carta da L..., Lda. referida em 19., por carta datada de 25-03-2020, na qual, entre outros pontos, no que se refere ao tema das pastas de arquivo, negaram a existência de qualquer dívida, alegando, designadamente, sempre terem assumido que no valor da avença pela prestação de serviços de contabilidade estava incluído o valor da custódia de documentos e por nunca terem mantido, directa ou indirectamente, qualquer relação comercial com a ora autora.
23. Desde a constituição da autora, e ao longo de 8 anos, não foram emitidas quaisquer facturas ou solicitado qualquer pagamento pela autora às rés pela guarda das pastas de contabilidade e arquivo.
24. No decurso dos autos, e no seguimento da homologação da transacção parcial do acordo a que as partes chegaram no que se refere ao pedido reconvencional, foram entregues pela autora às rés, pelo menos, 173 pastas, desconhecendo-se a quais das rés respeitam.».
A decisão recorrida considerou não provados os seguintes factos:
«A. A partir de Março de 2012 o serviço de guarda de documentos passou a ser desempenhado pela autora com o pleno conhecimento e anuência das rés.
B. A rés, por via de N..., comunicaram à autora que esta teria de proceder a continuar com a guarda de toda a documentação e pastas, até à conclusão de umas obras num local adequado que poderia guardar os documentos das rés.
C. Por a autora ter ocupado espaço nas suas instalações com a guarda dos documentos das rés, ficou impedida de proceder a novos contratos e de, assim, auferir outros valores.
D. A autora, desde o mês de Março de 2012 até à data de entrada das acções em juízo, procedeu à guarda de 155 dossiers e pastas pertencentes à Farmácia I..., de 149 dossiers e pastas pertencentes à Farmácia K..., Lda. e de 150 dossiers e pastas pertencentes à Farmácia J..., Lda..
E. O valor usual de mercado de comissão do serviço de depósito é de €0,60, por cada pasta do tipo comercial.
F. Através dos contratos celebrados entre as rés e a L..., Lda., datados de 01-07-2012, esta assumiu igualmente a obrigação de custódia de toda a documentação com relevância contabilística das rés.
G. A L..., Lda., no âmbito das suas relações internas, e para cumprir o acordado com as rés no âmbito do contrato de prestação de serviços de contabilidade, recorreu aos serviços da autora, procedendo à sua sub-contratação».
MÉRITO DO RECURSO
Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Nos termos do art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., págs. 333 e ss.), «sem embargo da correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência». A modificação deverá, ainda, ocorrer sempre que «o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova» ou «quando for apresentado pelo recorrente documento superveniente que imponha decisão diversa».
Note-se, no entanto, que «quando a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão de facto da 1.ª instância seja, de todo, irrelevante para a solução jurídica do pleito, ainda que a tal impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil, não se justifica que a Relação tome conhecimento dela, à luz do disposto no art. 608.º n.º 2 do Código de Processo Civil» (cfr. Ac. STJ de 23/1/2020, proc. 4172/16, disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt)[1]. Caso contrário, estaríamos a praticar um acto inútil, proibido à luz do art. 130.º, do mesmo diploma.
Acresce que, como se refere no Ac. RP de 21/6/2021 (proc. 2479/18, disponível em http://www.dgsi.pt), «mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância».
Particularmente no caso da prova testemunhal e por declarações de parte (e desde que não estejamos perante factos de prova vinculada), é de salientar que, havendo vários depoimentos / declarações contraditórios entre si, as regras da sua apreciação não são matemáticas, ou seja, um facto não é considerado provado ou não provado consoante exista um maior ou menor número de pessoas a afirmá-lo ou a contrariá-lo. Ainda que apenas uma pessoa afirme um facto, enquanto todas as outras o negam, e ainda que várias pessoas afirmem um facto, enquanto apenas uma o nega, esse facto pode ser considerado provado / não provado, conforme a apreciação que seja feita dos depoimentos / declarações, com base na sua credibilidade, coerência, isenção, razão de ciência, distanciamento, conjugação com outros meios de prova (v.g., documental) e conjugação com as regras da experiência. Aliás, ainda que todas as pessoas ouvidas afirmem determinado facto, o mesmo pode ser considerado não provado - basta que os depoimentos / declarações não sejam credíveis (porque, por exemplo, as pessoas têm interesse na decisão da causa e não se mostraram objectivas na sua narração, o seu conhecimento não é directo, os depoimentos / declarações foram contraditórios ou foram de tal forma coincidentes que se afiguram «ensaiados», não é possível que aquelas pessoas, nas circunstâncias concretas, tivessem conhecimento daqueles factos…). E não se pode olvidar que o tribunal de primeira instância se encontra em posição privilegiada para levar a cabo tal tarefa de apreciação, ponderação e discernimento, uma vez que contacta directa e presencialmente (ou, mesmo que à distância, com imagem) com as pessoas ouvidas e, portanto, pode aperceber-se dos aspectos relevantes da linguagem não verbal – expressões faciais, postura, gestos, hesitações. Significa isto que, salvo casos de flagrante erro de avaliação por parte do tribunal de primeira instância (v.g., uma testemunha em que o tribunal se baseou claramente está a efabular, o seu depoimento é contrariado por prova documental ou pericial fiável, os factos que narrou não podiam – de acordo com as regras da experiência ou outras – ter acontecido daquela forma, aquilo que disse não foi o que o tribunal entendeu…), não há que alterar a matéria de facto fixada na sentença. Dito de outra forma, em caso que não seja de prova legal, deve confiar-se na avaliação efectuada em primeira instância, a não ser que a prova produzida implique, necessariamente, decisão diversa.
Finalmente, para que o tribunal de recurso aprecie a impugnação da matéria de facto, é ainda necessário que o recorrente, na sua alegação e na formulação das conclusões, respeite determinados requisitos.
Com efeito, nos termos do art. 640.º do Código de Processo Civil:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».
Assim, naquilo que para aqui releva, são os seguintes os ónus do recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto[2]:
a) Indicar na motivação e, em síntese, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Especificar, na motivação, os meios de prova que, no seu entender, determinam uma decisão diversa;
c) Indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) Deixar expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos[3].
Em consonância, o recurso deverá ser rejeitado se houver[4]:
1. Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [arts. 635.º n.º4 e 641.º n.º2 b) do Código de Processo Civil];
2. Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados [art. 640.º n.º 1 a)];
3. Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados;
4. Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
5. Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
Balizadas que estão as regras que nos orientarão, passemos à apreciação da pretensão da recorrente, que é a de que passem a constar como provados os seguintes factos que na sentença recorrida foram considerados não provados:
A – «A partir de Março de 2012 o serviço de guarda de documentos passou a ser desempenhado pela autora com o pleno conhecimento e anuência das rés»;
B – «A rés, por via de N..., comunicaram à autora que esta teria de proceder a continuar com a guarda de toda a documentação e pastas, até à conclusão de umas obras num local adequado que poderia guardar os documentos das rés»;
C – «Por a autora ter ocupado espaço nas suas instalações com a guarda dos documentos das rés, ficou impedida de proceder a novos contratos e de, assim, auferir outros valores»;
D – «A autora, desde o mês de Março de 2012 até à data de entrada das acções em juízo, procedeu à guarda de 155 dossiers e pastas pertencentes à Farmácia I..., de 149 dossiers e pastas pertencentes à Farmácia K..., Lda. e de 150 dossiers e pastas pertencentes à Farmácia J..., Lda.»;
E – «O valor usual de mercado de comissão do serviço de depósito é de € 0,60, por cada pasta do tipo comercial».
Vejamos.
A recorrente entende que a matéria que integra as alíneas A) a E) dos factos não provados deve considerar-se provada, com base na seguinte argumentação:
- «A livre apreciação da prova pelo Tribunal A Quo não significa discricionariedade, ou completo subjectivismo, no sentido e fundamentação das suas decisões, quando no processo existe efectivamente, prova documental e testemunhal que sustenta manifestamente o oposto»;
- «Prova documental que apoiada nos testemunhos coerentes, claros, conclusivos, e credíveis, confere uma maior força probatória, no sentido de esclarecer, que efectivamente, existiu um incumprimento do acordado com a Recorrente, por parte das Recorridas. Tendo por base, não apenas as declarações das testemunhas que depuseram nestes autos e os documentos juntos aos autos, nomeadamente, aquele que refere uma conta-corrente entre as R.R. e a M... para a realização da mesma tarefa de armazenamento de pastas de arquivo»;
- Dessa prova documental e dos depoimentos das testemunhas e declarações de parte (que transcreve em grande parte) «resulta claramente que:
- Não restam quaisquer dúvidas sequer, que, as Rés bem sabiam que, anteriormente, a guarda de toda a sua documentação contabilística estava a cargo, não da empresa que contratualmente lhes fazia a contabilidade, mas sim de uma outra empresa chamada M..., Lda..
E que, com a saída dessa empresa do universo de empresas satélites da L..., Lda., tais serviços passaram a ser prestados pela ora A..
E, tanto assim foi, porque a A. foi, por diversas vezes à sede das Rés, com a finalidade de proceder à entrega das respectivas pastas, e foi a própria gerente das Rés que solicitou à A., tempo e espaço para o efeito, pois não dispunha de espaço para a guarda de tais documentos.
Tempo e espaço esses, que duraram precisamente até ao momento em que as pastas das contabilidades das Rés foram entregues pela A. (e não por qualquer outra empresa, nomeadamente a de contabilidade), neste ano de 2023, por via do acordo parcial em que transaccionaram nos presentes autos.
Ora, se A. e Rés transaccionaram, no sentido em que aquela detinha as pastas das contabilidades das Rés e que se obrigava a entrega-las, então, não faria e nem faz, qualquer sentido, considerar-se como não provado que a A. deteve e guardou as pastas das Rés, até ao presente momento.
Da mesma forma resultou bem evidente que jamais esteve no caso em apreço, e nem nunca está, obviamente na generalidade, integrado nos próprios serviços das empresas que prestam serviços de contabilidade, a guarda dos respectivos documentos das mesmas.
Por conseguinte, ou as próprias sociedades guardam a sua própria documentação, ou recorrem aos serviços de guarda de documentação prestados por empresas como a A..
Faria sentido nenhum, e seria de todo impossível, de um modo geral, que as empresas de contabilidade, depois de tratarem dos documentos das suas clientes, ainda procedessem à guarda de todos os documentos afectos à contabilidade.
E, nem tão pouco tal serviço fez alguma vez parte da prestação de serviços de contabilidade pela L..., Lda., às Rés.
Ora, o gerente da A., acompanhado da testemunha O… deslocou-se por diversas vezes à sede das Rés, com a finalidade exclusiva de entregar as respectivas pastas da contabilidade.
E foi a própria gerente das Rés quem solicitou ao gerente da A. que guardasse as mesmas até que ela tivesse espaço disponível para o efeito.
O que apenas veio a acontecer em 2023!
Ora, um homem médio colocado em ambas as posições, não poderia desconhecer que a A. ficou a guardar as pastas das Rés, e que a A. fazia, como faz, de tal actividade, o seu objecto social.
E, tanto assim, aconteceu que foi enviado pela A. às Rés uma minuta de um contrato para o efeito, que estas, todavia nunca chegaram a assinar.
Contudo, as Rés beneficiaram da prestação e serviços efectuada pela A..
A A. guardou zelosamente todos os documentos e pastas da contabilidade das Rés, até ao presente ano de 2023.
Serviço este que era, como sempre foi, do conhecimento das Rés.
A guarda de documentação contabilística assume uma enorme importância e gravidade, que não poderá deixar de ser devidamente remunerada.
A A. manteve toda a responsabilidade por tal guarda durante mais de 10 anos!
E, sendo tal guarda a principal actividade comercial da A., então, afigura-se lícita a cobrança do respectivo valor da guarda respectiva.
Verifica-se assim, ter havido, na decisão recorrida, um manifesto erro na valoração dos meios de prova.
Ocorreu assim, um manifesto e muito claro erro de julgamento feito pelo Tribunal à Quo, que cumpre corrigir.
Nestes termos, a conjunção dos referidos meios probatórios, têm manifestamente, a potencialidade de esclarecer e convencer o douto Tribunal Ad Quem, de forma a considerar os supra referidos pontos da matéria de facto, como PROVADOS, o que não aconteceu no âmbito da decisão recorrida, padecendo esta assim, de um erro manifesto na apreciação dos meios de prova. Devendo, para o efeito alterar-se a matéria de facto considerada como provada».
Por seu turno, o tribunal recorrido justificou a fixação da matéria de facto da seguinte forma[5]:
«A convicção do tribunal quanto à factualidade provada e não provada assentou, essencialmente, na prova documental junta aos autos, no depoimento das testemunhas arroladas e nas declarações de parte dos representantes legais da autora e das rés prestadas no final da audiência (tendo, quanto a uma das rés da qual não era gerente, sido junta procuração com poderes para o efeito).
Os referidos meios de prova, não tendo sido confessada a factualidade alegada na petição, foram valorados de acordo com as normas de direito probatório material aplicáveis, no caso de acordo com a livre convicção do tribunal por não respeitarem a meios de prova com valor probatório tarifado, tendo em consideração as regras de distribuição do ónus da prova (cfr. art. 342.º do CC), e, em caso de dúvida sobre a realidade de um facto, sido essa dúvida resolvida contra a parte a quem o facto aproveitaria (cfr. art. 414.º do CPC).
Assim, em termos sucintos e essencialmente enunciativos, teve o tribunal, em consideração no que se refere aos documentos juntos à acção principal e às acções apensadas (parte dos quais repetidos), e independentemente da parte que os apresentou e respectiva ordem:
(i) a certidão do registo comercial da autora, da qual foram extraídos e reproduzidos os elementos relativos à data da sua constituição e respectiva gerência;
(ii) as facturas emitidas pela autora, na mesma data, referentes aos alegados serviços prestados a cada uma das rés, com indicação dos elementos essenciais, incluindo a menção à sua descrição;
(iii) as cartas de 26-02-2020, de 12-03-2020 e de 27-03-2020 dirigidas pela autora às rés ou a N... (que, conforme resultou da prova produzida, era quem representava de facto cada uma das rés);
(iv) os contratos de prestação de serviços de contabilidade celebrados por duas das rés com a sociedade L..., e que, apesar de não ter sido junto o contrato celebrado com a demais ré, resultou provado ser a relação contratual similar, bem como as cartas de actualização da avença e a adenda a esses contratos;
(v) a carta de dirigida pela L... a N..., na parte relativa ao tema das pastas de arquivo;
(vi) a carta de resposta das rés de 25-03-2020 à carta L..., através de uma das rés;
(vii) o extracto de conta corrente de 2011 e 2012 da contabilidade da M... relativo a cada uma das rés;
(viii) a carta de 27-07-2020 da L... junta pelas rés destinada a demonstrar que o gerente da autora, Q... trocava correspondência com as rés na qualidade de funcionário da L... (cfr. documento junto com o requerimento de 10-09-2020);
(ix) os documentos e a troca de requerimentos entre as partes após a homologação da transacção relativa ao pedido reconvencional com menção do número de pastas entregues em cumprimento desse acordo e as justificações dadas (cfr. requerimentos de 14-03-2023 e de 16-03-2023).
No que se refere à prova testemunhal, foram ouvidos no decurso da audiência O…, amigo pessoal do representante legal da autora e funcionário da empresa que prestava serviços de contabilidade às rés, e S…, representante legal da L... e superior hierárquico do representante legal da autora nessa sociedade.
Em termos globais, valorou o tribunal os referidos depoimentos com grandes reservas atendendo à relação próxima que as mencionadas testemunhas revelaram com o representante legal da autora e com a notória defesa dos interesses da autora que manifestaram ao longo dos respectivos depoimentos.
Assim, no que se refere ao depoimento de O…, referiu-se, essencialmente, a factos que teria conhecimento através do representante legal da autora e em termos muito próximos aos que foram alegados, não se mostrando credível que tivesse efectivo conhecimento da factualidade a que se referiu, com excepção do episódio em que acompanhou Q... no transporte de pastas de arquivo para serem entregues às rés e que as teriam trazido de volta, sendo certo que tal teria sucedido em 2012, ou seja, há mais de 10 anos, pelo que se entendeu esse relato como não totalmente desinteressado ou credível.
No mais, no que se refere à isenção e distanciamento da testemunha S…, teve o tribunal dificuldade em separar as esferas de interesse de cada uma das sociedades, uma vez que o próprio, na carta que subscreveu em representação da L... de 12-02-2020, refere-se o tema das pastas de arquivo como se tratando de um tema da “esfera” do seu grupo empresarial, pelo que o mencionado depoimento se assemelhou mais a uma prestação de declarações de parte.
Com efeito, ficou provado, e o tribunal teve tal em consideração para efeitos do art. 5.º, n.º 1, al. b), do CPC, por resultar da instrução da causa, que a mencionada testemunha era quem efectivamente se relacionava com as rés, por via da prestação de serviços de contabilidade às rés (uma vez que se especializou na contabilidade de farmácias), sendo a autora, inclusive, uma empresa criada por seu incentivo ao seu funcionário Q..., por forma a substituir uma antiga sociedade denominada M..., no seguimento do litígio que se gerou entre esta testemunha e um antigo sócio. Revelador dessa proximidade e confusão de planos, é a circunstância referida pela mencionada testemunha, e reforçada pelo representante legal da autora, de, alegadamente, não ter sido facturado qualquer serviço ao longo de 8 anos por parte da autora, por o mencionado S… ter dado indicações para que tal não sucedesse para “não criar atrito” com as rés, o que revela o papel e ascendente que esta testemunha assume em todo o ocorrido, e que justificará a alegação pelas partes de estes processos corresponderem a uma parte de um litígio mais vasto mantido com a testemunha em causa.
Tal ficou, de resto, patente do conjunto da prova produzida, comprovando-se existir uma forte inimizade entre a mencionada testemunha S… e a intitulada representante das rés N..., que tem origem num desentendimento que levou à cessação de relações contratuais de prestação de serviços de contabilidade que duravam há décadas, e que se traduzem, inclusive, em processos judiciais pendentes a este respeito, tendo sido, nesse contexto, que surgiram estas acções, pelo que, também por estas razões, toda a valoração da prova ficou condicionada, não tendo o tribunal podido considerar os depoimentos prestados como isentos ou suficientemente credíveis.
Adicionalmente, tal insuficiência de prova não foi colmatada com a prestação de declarações de qualquer das partes, porquanto, por um lado, o representante legal da autora era, naturalmente, interessado no relato que fez do sucedido, tendo chegado a mostrar-se contraditório ou inverosímil no que se refere à menção a ter apresentado ou enviado a N... uma minuta do contrato de prestação de serviços de arquivo das pastas das rés, sem que tenha, de resto, apresentado qualquer documento comprovativo de tal ter sucedido.
Por outro lado, as declarações de parte de N..., ainda que também não se tenham afigurado ao tribunal como merecedoras de credibilidade, foram mais coerentes e seguras, mantendo o afirmado na correspondência em 25-03-2020, e negando a existência de qualquer relação contratual com a autora, defendendo, inclusive, não ter conhecimento da existência desta. Mais se referiu a ter sempre considerado que, no âmbito dos novos contratos celebrados com a L..., estava incluído o serviço de arquivo das pastas, sendo tal, aliás, uma vantagem comercial que lhe foi apresentada para a convencer a ficar com a L..., nunca lhe tendo sido exigido, ao longo de 8 anos, qualquer pagamento a esse título.
Mais referiu, não ter entendido o contacto que teve com Q... como respeitando a qualquer actuação da autora, por este interagir com as rés enquanto funcionário da L..., pelo que, quando este, em 2012, pretendeu levar as pastas de arquivo à farmácia, entendeu que estava a actuar por conta da L..., não encontrando justificação para terem sido enviada facturas por um suposto serviço de guarda de pastas de arquivo apenas em 2020, e abrangendo um período de 8 anos.
Finalmente, reconheceu ter o mencionado Q... comparecido nas instalações de uma das rés a fim de aí deixar umas pastas e que acabou por as levar de volta, afirmando, contudo, que lhe disse que iria falar com o seu patrão, tendo combinado com este que as pastas ficariam na contabilidade, sem que tivesse sido alguma vez referido que seria a autora a guardá-las ou que teria que pagar qualquer montante por esse motivo. Negou, assim, ter tido qualquer contacto ou negociação com a autora, que afirmou apenas ter sabido da existência aquando da emissão das facturas, e reconheceu ter feito obras na farmácia, mas não admitiu ter sido essa a razão para não ter ficado com as pastas.
Ora, atentos os referidos elementos de prova, e os critérios acima mencionados relativos à distribuição do ónus da prova (cfr. art. 342.º do CC), e à solução a dar em caso de dúvida sobre a realidade de um facto (cfr. art. 414.º do CPC), considerou o tribunal não ter a autora logrado demonstrar os factos constitutivos da sua pretensão, nomeadamente, no que se refere à existência de um qualquer acordo no sentido das pastas de arquivo das rés ficarem à sua guarda de forma remunerada.
Com efeito, ainda que se tenha demonstrado que, até Fevereiro de 2012, havia uma sociedade denominada M... que prestava esse serviço às rés e que este era remunerado ao valor mensal dado como provado com base nos extractos de conta da contabilidade apresentados, a verdade é que não foi produzida prova da autora ter substituído esta empresa na respectiva relação contratual.
De facto, atenta a forma como a documentação era arquivada e chegava à posse da autora, que se crê ter, efectivamente, sido quem foi ao longo dos anos que teve o referido arquivo, não é possível concluir ter sido celebrado qualquer acordo, desde logo, por os documentos de contabilidade serem entregues directamente pelas rés à empresa de contabilidade L..., sendo esta quem entregava as pastas à autora a fim de proceder ao seu arquivo durante o período legal exigido e que correspondia a 10 anos, com substituição do arquivo morto pelos novos documentos que iam sendo recebidos.
Em qualquer caso, atentas as especificidades do caso e a demonstração da existência de litigio com contornos mais vastos que precedeu a propositura das presentes acções, não pode deixar de se sublinhar as dúvidas que revela o facto de, existindo um acordo entre a autora e as rés quanto à prestação de serviços de arquivo, não existir qualquer documento que o comprove ou que indicie a existência dessa relação contratual, e ter a autora demorado 8 anos para emitir as facturas por serviços que, alegadamente prestaria em favor das demandadas, sendo certo que no passado esses serviços seriam facturados periodicamente pela M..., o que reforça a plausibilidade da ré se ter convencido que nada era devido a título de arquivo.
Daí que, em termos de regras de experiência comum e considerando o comportamento normal das sociedades comerciais, deve essa dúvida ser resolvida contra a autora que, assim, se entende não ter comprovado ter acordado com as rés a celebração de qualquer acordo, podendo a circunstância de ter as pastas a seu cargo derivar apenas da relação próxima que mantinha com a empresa encarregue da contabilidade, sendo plausível que tenha ficado tacitamente acertado com as rés que a P… nada exigiria pela guarda e arquivo das pastas, ainda que tal não conste expressamente dos contratos celebrados com esta.
Ficaram, assim, dúvidas sobre se a guarda das referidas pastas pela autora teria, antes, origem num pedido ou forma de sub-contratação desses serviços por parte da L..., conforme defenderas as rés (mas que não ficou demonstrado que assim fosse,) sendo contudo certo não ter a autora demonstrado a celebração de qualquer contrato, seja ele formal ou apenas verbal, porquanto a prova traduzida a esse respeito foi insuficiente ou inverosímil.
No mais, ficou ainda por demonstrar o número total de pastas que teriam sido objecto de arquivo por parte da autora, porquanto, apesar das cartas e relações anexas às missivas dirigidas pela autora mencionarem cerca de 150 pastas por cada uma das farmácias, a verdade é que não foi apresentada prova cabal de ser essa a quantidade nem ficado claro quais os critérios e sistema de arquivo utilizado para chegar à mencionada quantidade, nomeadamente, as razões para nuns casos serem colocados os documentos em pastas com espaço livre e noutros não. Como tal, e tendo o tribunal apenas como seguro o número de pastas que foi admitido pelas rés como tendo sido recebido no seguimento da execução da transação a que se chegou quanto ao pedido reconvencional, considerou o tribunal que essa seria, pelo menos, a quantidade de pastas conservada, ainda que não se possa imputar quantas pastas eram de cada uma das rés.
Da mesma forma, ficou por demonstrar que, em consequência da autora ter conservado ao longo dos anos as pastas de arquivo das rés, tenha tal determinado a perda de receitas ou a possibilidade de celebrar outros contratos no âmbito da sua actividade, desde logo, por as testemunhas nada terem referido a esse respeito, nem a parte o logrou demonstrar, sendo certo que para tal seria necessário que fosse apresentada prova, nomeadamente, de potenciais clientes terem sido recusados ou as condições concretas de ocupação de espaço que a autora teria sacrificado.
Finalmente, não se provou, por não ter sido produzida qualquer prova convincente ou isenta a esse respeito, para além do valor mensal que, até 2012, era cobrado às rés pela M..., do valor de mercado praticado pelo arquivo de cada pasta corresponder a €0,60, por ano, pelo que foi dado como não provado tal facto.
Por tudo o exposto, deu o tribunal como provada e não provada a matéria de facto acima consignada».
Revistos os documentos juntos aos autos e compaginados os mesmos com os depoimentos e declarações de parte produzidos nas sessões da audiência final de 12/5/2023 e 16/6/2023, que escutámos integral e atentamente, não podemos chegar a conclusão diversa da do tribunal recorrido. A análise efectuada em primeira instância é extremamente detalhada, ponderada e certeira – não vemos como contrariá-la. De resto, a argumentação expendida pela recorrente não constitui uma verdadeira análise crítica da prova, já que se limita a transcrever os depoimentos das testemunhas e as declarações de parte do seu representante legal, dizendo que os mesmos são credíveis e tomando-os como exactos, mas sem explicar por que razão lhes atribui credibilidade e sem abalar minimamente o raciocínio expendido pelo tribunal recorrido. Assim, não tendo sido apresentada qualquer argumentação susceptível de afastar o juízo efectuado pelo tribunal a quo, o mesmo deve manter-se. Diremos, apenas, em seu complemento, o seguinte:
- A testemunha O..., além de ter entrado em contradição [primeiro disse que nunca teve intervenção na empresa A. - «zero intervenção» -, para depois dizer que acompanhou três vezes o gerente da A. aos escritórios das RR., para o ajudar na actividade da A., o que ocorreu entre 2012 e 2015], mostrou claro interesse na decisão da causa, querendo insistentemente - para lá daquilo que lhe era perguntado - apresentar uma versão favorável à A. [o que foi patente quando estava a ser inquirido pelo i. mandatário das RR.], e utilizando por variadas vezes o pronome «nós» quando se referia à A.;
- A testemunha S…, gerente da sociedade L..., da qual por sua vez é funcionário o gerente da A. e para a qual também presta serviço a testemunha O..., igualmente mostrou interesse na decisão da causa, tanto que referiu, por mais do que uma vez, sentir-se responsável perante a A. pelos valores alegadamente em dívida por parte das RR. (isso mesmo é também referido na carta escrita pela testemunha S... que constitui o documento n.º 2 da contestação: «ou liquida directamente à H..., ou se preferir pagará à L..., para eu solver a dívida da minha empresa perante a H...…»); aliás, esta testemunha referiu mesmo que dava instruções ao gerente da A. sobre como proceder, quer em relação à omissão de facturação («não vale a pena estarmos aqui a criar atritos, porque é uma cliente com muitos anos, que dá um rendimento interessante à L...»; a situação deve prolongar-se, «por uma questão de cortesia»), quer relativamente ao valor dessa facturação, que entendia não dever ser superior ao praticado pela empresa que anteriormente prestava esse serviço («Ó Q..., eu prefiro que, embora os valores sejam superiores, esta situação acabe por bem»);
- Nenhuma das testemunhas inquiridas afirmou ter existido um acordo de vontades entre a A. e as RR. para que aquela, mediante retribuição, guardasse as pastas destas: pelo contrário, a testemunha O... disse expressamente que a representante das RR. não queria fazer qualquer contrato e que apenas existiu uma «tentativa de celebrar contratos», enquanto a testemunha S... referiu que a representante das RR. não pretendia celebrar contrato com a A., tendo até a mesma testemunha dito ao representante legal da A. que era escusado fazer o contrato; por seu turno, a representante das RR., nas suas declarações de parte, também disse nunca ter contratado com a A.; apenas o gerente da A., de forma totalmente contraditória, disse ter existido um acordo de vontades, por telefone, em Outubro de 2012 - o que não explica por que razão referiu que, em 2013 e 2014, tentou devolver as pastas às RR….;
- Do facto de as RR., antes de 2012, terem um contrato com a sociedade M... para que esta guardasse as suas pastas relativas à contabilidade, em troca de pagamentos mensais, não se pode concluir (na ausência de outros elementos, mesmo de carácter documental) que tenha sido celebrado contrato idêntico com a A.;
- Tendo as testemunhas e o gerente da A. dito que o preço da guarda de documentos era de €0,60 por pasta e por mês, não nos parece crível, caso tivesse sido celebrado o acordo de vontades referido pela A., que esta não tivesse emitido e enviado às RR. facturas mensais; não tem, aliás, qualquer lógica a versão segundo a qual as facturas não foram emitidas anteriormente (aguardando a A. oito anos), porque o gerente da L... dizia ao gerente da A. para não criar atritos com essa emissão, já que confiava que as RR. pagariam – a não ser que se tratasse de uma actividade ilegal, como é que alguém pode pretender que sociedades comerciais com contabilidade organizada efectuem pagamentos a outra sociedade sem que sejam emitidas as correspondentes facturas?; e qual é a sociedade comercial (portanto, com fins lucrativos) que tarda oito anos em facturar serviços (alegadamente onerosos) que prestou?
- Nenhuma das pessoas ouvidas mencionou qualquer situação concreta em que a A. tenha deixado de contratar com terceiros, por falta de espaço (ou seja, por ter espaço ocupado com documentos das RR.), nem tal conclusão resulta de qualquer dos documentos juntos aos autos;
- Nenhuma das pessoas ouvidas referiu qual é o valor usual de mercado da guarda de pastas de arquivo – apenas foi mencionado o valor que era praticado, pela M..., em 2012 (que podia, ou não, corresponder, nessa data, ao valor usual de mercado), sendo certo que esse valor usual também não resulta de qualquer dos documentos juntos aos autos;
- A única prova fiável a partir da qual se pode concluir pelo número de pastas que a A. tinha na sua posse corresponde ao documento n.º3 do requerimento junto ao sistema informático CITIUS em 14/3/2023 (consistente em mensagem de correio electrónico da empresa que recebeu essas pastas em Março de 2023, referindo que as mesmas totalizavam 173); a testemunha O… não referiu o número concreto de pastas (disse, apenas que eram «cento e tal pastas», o que, de qualquer forma, se coaduna com aquele documento);  a testemunha S… nada disse acerca do número de pastas; apenas o legal representante da A. disse que tinha 150 pastas por farmácia, mas não apresentou qualquer suporte documental ou testemunhal para tal afirmação.
Por tudo o exposto, não existindo qualquer motivo para divergir da apreciação efectuada em primeira instância, improcede, in totum, a impugnação da decisão acerca da matéria de facto deduzida pela recorrente, mantendo-se integralmente os factos provados e não provados constantes da sentença.
Do mérito da decisão recorrida:
Os autos reportam-se, antes de mais, às consequências que a A. pretendia fazer extrair do alegado incumprimento, por parte das RR., de contratos de depósito que as mesmas teriam celebrado com a A., pretendendo esta a condenação das RR. no pagamento da respectiva remuneração.
Tendo em consideração o disposto no art. 342.º n.º 1 do Código Civil, à A. incumbia a prova dos factos constitutivos do seu direito, ou seja, a celebração dos contratos e o vencimento das obrigações.
Nos termos do art. 1185.º, também do Código Civil, «depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega a outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida».
O depositário é obrigado a guardar a coisa depositada e a restituí-la com os seus frutos (cfr. art. 1187.º do Código Civil), presumindo-se o depósito gratuito, a não ser que o depositário exerça tal actividade por profissão, caso em que se presume oneroso, sendo a medida da retribuição determinada pelo que for ajustado entre as partes ou, na falta de ajuste, pelas tarifas profissionais, sendo que, caso estas não existam, se aplicarão os usos e, na falta destes, a retribuição será fixada por juízos de equidade (cfr. art. 1158.º, aplicável por força do art. 1186.º, do Código Civil). Sendo o depósito oneroso, é obrigação do depositante pagar ao depositário a retribuição devida (cfr. art. 1199.º do Código Civil). Quando outra coisa não se tenha convencionado, a remuneração deve ser paga no termo do depósito, mas se for fixada por períodos de tempo, deverá ser paga no fim de cada um deles (cfr. art. 1200.º n.º1 do Código Civil).
Apesar de, atenta a redacção do citado art. 1185.º, o depósito ser um contrato real quod constitutionem, apenas se considerando celebrado (perfeito) mediante a entrega da coisa, é evidente que, enquanto contrato que é, não prescinde da existência de um acordo de vontades, integrado por proposta e aceitação (cfr. arts. 224.º, 232.º, 397.º, 405.º e 406.º do Código Civil).
Ocorre que, compulsada a matéria provada, não se surpreende na mesma a existência de qualquer acordo de vontades entre a A. e as RR. (no sentido de a A. guardar bens entregues pelas RR.), o que significa que aquela não logrou provar, desde logo, a celebração dos contratos.
Assim, face à falta de prova, pela A., dos factos constitutivos do seu direito (ónus que, como se disse, lhe incumbia), tem de improceder o pedido principal formulado.
Quanto ao pedido subsidiário, pretendia a A. que as RR. fossem condenadas a ressarci-la, com fundamento em enriquecimento sem causa, pelo facto de ter guardado bens pertença das RR., enriquecendo estas à custa daquele serviço prestado.
A este respeito rege o art. 473.º do Código Civil, nos termos do qual «aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou», tendo a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, de modo especial, por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[6], «a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
a) É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento. O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista. Umas vezes a vantagem traduzir-se-á num aumento do activo patrimonial (preço da alienação de coisa alheia … recebimento de prestação não devida, porque a obrigação nunca existiu ou já havia sido cumprida ou fora cedida entretanto, … etc.); outras, numa diminuição do passivo (cumprimento efectuado por terceiro, na errónea convicção de estar obrigado a efectuá-lo), outras, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio, quando estes actos sejam susceptíveis de avaliação pecuniária (…); outras, ainda, na poupança de despesas (…).
b) A obrigação de restituir pressupõe, em segundo lugar, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido.
(…)
A causa do enriquecimento varia consoante a natureza jurídica do acto que lhe serve de fonte.
Assim, sempre que o enriquecimento provenha de uma prestação, a sua causa é a relação jurídica que a prestação visa satisfazer. Se, por exemplo, A entrega a B certa quantia para cumprimento de uma obrigação e esta não existe  – ou porque nunca foi constituída, ou porque já se extinguiu ou porque é inválido o negócio jurídico em que assenta – deve entender-se que a prestação carece de causa.
(…)
Para saber se o enriquecimento criado por determinados factos assenta ou não numa causa justificativa […] trata-se de um puro problema de interpretação e integração da lei, tendente a fixar a correcta ordenação jurídica dos bens. Quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa.
(…)
Com vista a abranger todas as situações de enriquecimento injusto, poderá dizer-se que a falta de causa justificativa se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento (…).
A falta de causa terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no artigo 342.º, por quem pede a restituição. Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do onus probandi, que não se prove a existência de uma causa da atribuição: é preciso convencer o tribunal da falta de causa (...).
c) A obrigação de restituir pressupõe, finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro. Ao enriquecimento injusto de uma pessoa corresponde o empobrecimento de outra.
(…)
O valor que, em qualquer dos casos, entra no património do enriquecido é o mesmo que sai do património do empobrecido.
(…)
No n.º 2 do artigo 473.º indicam-se exemplificativamente (…) casos especiais de enriquecimento sem causa. Cita-se, em primeiro lugar, o pagamento indevido, a que se referem os artigos 476.º a 478.º».
A restituição com base em enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, apenas podendo ocorrer se a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, se não lhe negar o direito à restituição e se não atribuir outros efeitos ao enriquecimento – cfr. art. 474.º do Código Civil.
Para o caso de cumprimento de uma obrigação inexistente (que constitui um caso particular da figura geral do enriquecimento sem causa), prevê o art. 476.º n.º1, também do Código Civil, que «o que for prestado com a intenção de cumprir uma obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação».
Finalmente, de acordo com o art. 479.º, do mesmo diploma, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido.
Em suma, a obrigação de restituir fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a existência de um enriquecimento; que ele careça de causa justificativa; que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído[7].
Vejamos se os pressupostos desta figura se encontram, ou não, preenchidos no caso dos autos.
Relativamente ao primeiro dos requisitos enunciados, como se refere no Ac. RG de 9/6/2016[8], «é uniformemente entendido que só há enriquecimento sem causa, quando o património de certa pessoa ficou em melhor situação, se valorizou ou deixou de desvalorizar, à custa de outra pessoa, sem que para tal exista causa. (…) O enriquecimento traduz-se na obtenção de um valor, de uma vantagem de carácter patrimonial susceptível de avaliação pecuniária, resultando da comparação entre a situação em que se encontra actualmente o património do enriquecido, e aquela que se verificaria se não se tivesse dado o enriquecimento.
Atentos os factos provados, não restam dúvidas de que, desde Março de 2012,  as pastas de contabilidade e outros documentos das RR. estiveram à guarda da A., que os foi recebendo da L..., L.da. Por outro lado, tendo-se provado que, anteriormente, as RR. tinham tais documentos à guarda da empresa M..., a quem pagavam por tal serviço, e que em Março de 2012 não tinham espaço para os guardar, é de concluir que as RR. obtiveram uma vantagem patrimonial consistente na prestação de um serviço por parte da A. sem que, para tanto, tivessem de efectuar as despesas que anteriormente efectuavam. Portanto, obtiveram um incremento patrimonial ao pouparem uma despesa.
No entanto, dos mesmos factos já não resulta que tal prestação tenha carecido de causa justificativa. É que, se é certo que não se provou que a prestação da A. tenha decorrido da celebração de um contrato de depósito (como vinha alegado na petição inicial), essa falta de prova não equivale à prova de que não existiu qualquer causa para a guarda dos documentos [que poderia ter decorrido, v.g., de atribuição gratuita da A. para com as RR. ou para com a L..., que era quem entregava os documentos à A.]. Aliás, não se provou sequer (já que nem mesmo vinha alegado) que a A. tenha prestado aquele serviço na convicção errónea de que a isso estava obrigada em razão de estar convencida de que tinha celebrado um contrato de depósito (que, afinal, não se celebrou) – portanto, não se provou, como exige o referido art. 476.º n.º1 do Código Civil, que existiu, da parte da A., a intenção de, mediante a guarda dos documentos, cumprir uma obrigação a que pensava estar adstrita, mas que na realidade não existia, por não ter chegado a constituir-se.
Deve, pois, atenta a falta de prova da inexistência de causa justificativa para a atribuição patrimonial (ónus que, como se disse, incumbia à A.), improceder também o pedido subsidiário, tornando-se desnecessária, por prejudicada, a apreciação do invocado abuso de direito da A. (cfr. art. 608.º n.º2, aplicável por força do art. 663.º n.º2, do Código de Processo Civil).
Deste modo, nada há a censurar na decisão recorrida, a qual deve manter-se, assim improcedendo a apelação.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante – arts. 527.º do Código de Processo Civil e 6.º n.º 2, com referência à Tabela I-B, do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 11-07-2024
Alexandra de Castro Rocha
Ana Rodrigues da Silva
Ana Mónica Mendonça Pavão
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[1] A este respeito pode ver-se, ainda, o Ac. RC de 27/5/2014 (proc. 1024/12, disponível em http://www.dgsi.pt): «Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o (s) facto (s) concreto (s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente».
[2] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 197 -198; a este propósito pode ver-se ainda, com interesse, o Ac. STJ de 19/2/2015, proc. 299/05, disponível em http://www.dgsi.pt.
[3] Cfr. A.U.J. do Supremo Tribunal de Justiça nº12/2023.
[4] Ob. cit., págs. 200-201.
[5] Sublinhados nossos.
[6] Código Civil Anotado, Volume I, 4ª ed., em anotação ao art. 473º.
[7] Cfr. Ac. RC de 2/11/2010, proc. 1867/08, disponível em http://www.dgsi.pt.
[8] Proc. 2847/14, disponível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/2847-2016-94905375