Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
640/22.7T8MTJ.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: PROCURAÇÃO
ABUSO DE REPRESENTAÇÃO
CONHECIMENTO
ÓNUS DA PROVA
INEFICÁCIA DO NEGÓCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1 - No abuso de representação, cabe ao representado o ónus da prova do abuso e de que o representante tinha consciência de que o negócio não lhe interessava.
2 - Não é indiferente ser proprietário singular ou ser comproprietário, pelo que, para saber se a compropriedade interessava ou não ao representado, importa ter em conta a relação subjacente à procuração.
3 - Só é aplicável ao abuso de representação o regime da ineficácia do negócio previsto no art.º 268º do C.C. se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.
4 - A ineficácia do negócio em relação ao representado implicaria que este nada adquiria e não que passaria a ser proprietário singular.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

Na presente ação de divisão de coisa comum que A move contra B, este interpôs recurso da sentença pela qual foi decidido o seguinte:
«a) julgar o pedido reconvencional formulado na al. a) improcedente e, em consequência declarar que a fração autónoma infra descrita foi adquirida pela autora e pelo réu;
b) Declarar a indivisibilidade em substância da fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro andar direito, do prédio sito Rua…, n.º …, Cruzamento de Pegões, descrita na Conservatória do Registo Predial do Montijo, sob o n.º …-D, da freguesia de Pegões, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º …-D;
c) fixar as respetivas quotas dos interessados, na proporção de metade para cada;
d) julgar a exceção de compensação de créditos parcialmente procedente e condenar a autora a reconhecer o crédito do réu relativamente ao valor das rendas provenientes do arrendamento de imóvel que lhe pertence exclusivamente, a ser compensado na fase executiva da presente ação, no montante que se vier apurar em incidente de liquidação;
e) absolver a autora do pedido reconvencional de devolução do valor de €5.850,00;
f) condenar o réu como litigante de má no pagamento da multa de 7 UC e em indemnização a fixar ulteriormente;
g) relegar a fixação das custas para final;
h) determinar que, nos termos e para os efeitos do estatuído no art.º 543º, nº 3, do CPC, a autora, em 10 dias, apresente nota de honorários e de despesas, referentes aos serviços prestados após a dedução do pedido reconvencional até ao encerramento da audiência final, sob pena de não o fazendo se considerar que perdeu interesse na fixação da indemnização;
i) ordenar que, no caso de a autora juntar a nota de honorários e despesas, nos termos e para os efeitos do preceituado no art.º 543º, nº 3, do CPC, com cópia da mesma, se notifique o réu para, em 10 dias, se pronunciar.»
Na alegação de recurso, o recorrente pediu que seja revogada a sentença recorrida e seja esta substituída por outra que declare a ineficácia do contrato de compra e venda outorgado pela recorrida e absolva o recorrente da condenação por litigância de má fé, tendo formulado as seguintes conclusões:
«a. O apelante invoca a nulidade da sentença com base nas alíneas b) e d) do nº 1 do art.º 615º do CPC, porquanto o Juiz do tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido principal deduzido na reconvenção.
b. Em suma, pedia-se ao tribunal que apreciasse a ineficácia do contrato de compra e venda celebrado pela ora recorrida para aquisição de um imóvel, em representação do ora recorrente.
c. A nulidade é uma forma de ineficácia, isto é, da não produção dos efeitos de um negócio, como esclarece a jurisprudência citada nas alegações.
d. Foi peticionado ao tribunal, em reconvenção, a ineficácia do negócio celebrado pela recorrida A com fundamento no abuso de representação face aos termos da procuração que lhe foi outorgada pelo apelante B.
e. Foram suscitadas as questões de direito que se afiguram aplicáveis ao caso em apreço – art.º 261º do CC (negócio consigo mesmo), ou art.º 269º conjugado com o art.º 268º, ambos do CC (abuso de representação), que o tribunal a quo deveria apreciar de acordo com o seu douto entendimento.
f. Quanto ao primeiro enquadramento o tribunal referiu que “além das razões de facto, o réu invocou razões de direito, no sentido de que a Autora excedeu os poderes que o réu lhe quis conferir e defendeu a anulabilidade do negócio consigo mesmo, nos termos do estatuído no art.º 261º do Código Civil”.
g. Quanto ao abuso de representação, que, aliás, constituía o pedido principal formulado pelo então reconvinte, a sentença nada refere.
h. Não se vislumbra no teor da sentença qualquer referência à ineficácia que foi invocada, cuja apreciação teria forçosamente que sair da análise do texto da procuração, o que não aconteceu.
i. Na motivação da decisão sobre a matéria de facto (pág. 16), conclui a douta sentença: “Acresce que o argumento do réu no sentido de que tendo a procuração sido outorgada para a aquisição do prédio e não de um ½ do prédio, não colhe, porquanto, como é sabido o argumento por maioria de razão leva-nos a considerar que quem “pode o mais” também “pode o menos” e que, por consequência, se o réu outorgou poderes à autora para aquisição do imóvel, nesses poderes está contida a aquisição de uma parte do mesmo.”
j. Na fundamentação de direito acrescenta (pág. 18): “No que concerne à alegada propriedade exclusiva sobre o referido imóvel, pelas razões expostas na motivação sobre a matéria de facto, não se pode deixar de entender que a autora, no âmbito do contrato de compra e venda com mútuo e hipoteca, agiu de acordo com os poderes que lhe foram conferidos através da procuração que o réu outorgou a seu favor para aquisição do imóvel e que, por isso, o ato de compra e venda é válido …” (…)
k. Tal fundamentação, quer de facto, quer de direito, não encontra sustentação na letra da procuração, que não foi apreciada pelo tribunal a quo, que, sem mais, partiu do princípio que a ora recorrida agiu em conformidade com os poderes que lhe foram conferidos.
l. Sem uma análise do texto da procuração, não é possível ao tribunal alcançar tais conclusões só com base na presunção do art.º 7º do CRP, que se pretendia ilidir a partir da invocada ineficácia do contrato de compra e venda do imóvel.
m. Nos termos da alínea d) do nº 1 do art.º 615º do CPC, é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”.
n. Pelo que o tribunal a quo não tomou uma posição expressa sobre a questão que foi submetida à sua apreciação: ineficácia do contrato celebrado, nos termos e com os fundamentos constantes da causa de pedir.
o. Ao invés, ocupou-se o tribunal a quo de apreciar os diversos fundamentos ou razões apresentadas pelas partes, concluindo sobre a “infoexclusão” do réu B, sobre compra de pneus online ou cartões de crédito, que se afiguram irrelevantes para decidir sobre o pedido principal formulado então pelo réu reconvinte.
p. A jurisprudência apontada nas alegações, entre outra, esclarece que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”
q. Por outro lado, quanto à condenação por litigância de má-fé, não se encontram especificadas as concretas situações objectivas que estão tipificadas no nº 2 do art.º 542º do CPC, impedindo, na mesma medida, um cabal recurso sobre cada uma das situações, que assim fica prejudicado.
r. A falta de especificação dos fundamentos de direito determina a nulidade da sentença nos termos da alínea b) do nº 1 do art.º 615º do CPC.
s. Pelo que deve ser declarada a nulidade da sentença com as legais consequências.
t. Impugna-se o facto provado 8 que o tribunal a quo sustenta com base nos documentos juntos com a petição inicial e a contestação, que conjuga com o depoimento de parte da autora e as declarações de parte do réu.
u. A inexistência no processo dos documentos constantes na fundamentação de facto, as declarações de parte do réu, em 26-06-2023, e o depoimento de parte da autora, em 05-06-2023, do princípio ao fim, que nada referem quanto a este facto provado, impõem uma decisão diversa, pelo que devia ser dado por não provado.
v. Compulsados todos os documentos juntos no processo, não se encontra qualquer documento comprovativo, ou outra referência comprovativa de que o banco credor exigiu ao réu (e à autora) “a entrega de comprovativos dos seus rendimentos …”, conforme alega a recorrida no artigo 43 da sua réplica.
w. Impugna-se o facto provado 9 que o tribunal a quo sustenta com base nos documentos juntos com a petição inicial e a contestação, que conjuga com o depoimento de parte da autora e as declarações de parte do réu.
x. A inexistência no processo dos documentos constantes na fundamentação de facto e as declarações de parte do réu, em 26-06-2023 - (40:10 – 43:13); (52:50 – 54:30); (1:07:20 – 1:07:50) impõe uma decisão diversa, pelo que este facto devia ser dado por não provado.
y. Não se vislumbra nos autos um único documento subscrito pelo réu, ora recorrente, “… com vista à obtenção do referido crédito habitação”, conforme afirma a autora aqui recorrida no ponto 44 da réplica.
z. Das declarações de parte do ora recorrente, resulta que se deslocou à agência do Novo Banco em Lausanne, Suíça, duas ou três vezes, mas que não leu, ou não se lembra do conteúdo dos documentos, uma vez que confiava plenamente na ora recorrida A, e os documentos tinham sido enviados por um colega de trabalho dela, do mesmo banco, a partir de Portugal.
aa. Pela importância probatória que teriam tais documentos, que poderiam evidenciar que o autor tinha conhecimento que a aquisição seria em comum, estranha-se que a então autora reconvinda, que até trabalha no Novo Banco, conforme declarou, não os tenha juntado aos autos, limitando-se a afirmar a sua existência no art.º 44º da sua réplica.
bb. Impugna-se o facto provado 11, que o tribunal a quo sustenta com base nos documentos juntos com a petição inicial e a contestação, que conjuga com o depoimento de parte da autora e as declarações de parte do réu.
cc. O doc. 5 junto à reconvenção (procuração), o doc. 6 junto à reconvenção (certidão contrato de compra e venda), o doc. 3 junto à réplica (carta registada), as declarações da testemunha C em 26-06-2023 (13:55 – 16:05); (6:00 – 6:29); (6:30 – 7:24); (16:58 – 17:30), e a inexistência no processo dos documentos constantes na fundamentação de facto, impõem uma decisão diversa, pelo que devia ser dado por não provado.
dd. O objecto do processo gira à volta da procuração outorgada pelo ora recorrente B, que não confere poderes à aqui recorrida para adquirir, por si, metade do imóvel.
ee. Pese embora conste no contrato a expressão “por si”, tal não se pode extrair do texto da procuração outorgada pelo recorrente, pelo que a recorrida A agiu em manifesto abuso de representação, que constitui a causa de pedir e torna ineficaz o contrato, que a sentença dá como facto provado.
ff. A carta de interpelação enviada pelo recorrente à recorrida, em 02-02-2022, foi a forma encontrada, na altura, face aos elementos disponíveis, para ilidir a presunção do art.º 7º do CRP, após aquele se ter apercebido, depois da separação do casal, que não era o único proprietário do imóvel.
gg. Nestas circunstâncias, esta carta não significa que “o réu sabia que a aquisição do imóvel foi feita conjuntamente com a autora”.
hh. O tribunal a quo assegura ainda a legitimidade da recorrida para adquirir metade do prédio, através da procuração que lhe foi outorgada, porque “quem pode o mais também pode o menos”, expressão cujo sentido não se alcança, no âmbito dos poderes que lhe foram conferidos.
ii. Quanto a este facto provado a sentença volta a referir “os documentos assinados de cruz”, pelo recorrente, que não existem e ninguém sabe o que são.
jj. Na mesma senda adianta também a douta decisão que a ora recorrida A assumiu uma “responsabilidade emergente do contrato de mútuo, sem qualquer contrapartida”, sem esclarecer a que responsabilidade se refere ou qual a contrapartida esperada.
kk. Para justificar este facto provado 11, o tribunal apreciou questões e formulou juízos que não fundamentam a decisão de improcedência do pedido reconvencional.
ll. Impugna-se o facto provado 17 que o tribunal a quo sustenta com base no depoimento de parte prestado pela autora, que confessou que o valor de 1.000,00 euros que o réu recebia de outro imóvel que lhe pertence, serviu para amortizar o referido empréstimo, e nas “declarações de parte prestadas pelo réu que confessou que o valor com o qual as amortizações foram feitas proveio das rendas e afirmou ter feito outras transferências, mas cujos valores não foi capaz de concretizar.”
mm. Os documentos 2 e 7 junto da reconvenção, e os requerimentos do autor de 11-10-2023 e 07-02-2023 com respectivos anexos (refª citius 33823320 e 34994646), impõem uma decisão diversa, pelo que devia ser dado por não provado.
nn. O recorrente reembolsou sozinho, na totalidade, em duas ocasiões, o crédito pessoal que contraiu e que foi utilizado para a entrada na aquisição do imóvel objecto destes autos.
oo. Para tal pagamento o recorrente utilizou o dinheiro proveniente das rendas de um prédio que lhe pertencia e das rendas do prédio que adquiriu através da procuração que outorgou à recorrida A, bem como outras quantias que não foi capaz de concretizar, mas que lhe pertenciam inteiramente.
pp. Conforme esclarecido a pedido do tribunal a quo (despacho de 25-01-2023), através dos supra citados requerimentos, a recorrida não efectuou qualquer pagamento ao aqui recorrente, como quis fazer crer o tribunal e conforme alegou nos artigos 13, 48 e 49 da réplica.
qq. O tribunal a quo, à semelhança dos factos anteriores impugnados, fez tábua rasa dos documentos existentes no processo, e inventou outros que lá não existem para fundamentar a sua decisão.
rr. Pelo que devia ser dado como provado que o crédito pessoal contraído pelo recorrente foi exclusivamente reembolsado com dinheiro que lhe pertencia.
ss. Impugna-se o facto não provado – art.º 17º da reconvenção, que o tribunal a quo fundamenta (pág. 14 e 15) porque o ora recorrente tinha acesso à conta conjunta “através das caixas multibanco e de homebanking”, acrescentando “a circunstância de ser um facto sujeito a registo e que, por consequência, fica acessível aos contraentes e a terceiros nas Conservatórias do Registo Predial.” e concluindo “que nada impedia o réu de aceder à conta bancária e utilizar cartão de crédito ou de débito associado a essa conta, bem como de saber que negócio foi concretizado com a procuração que outorgou à autora e que se não o fez foi de livre vontade.”
tt. As declarações da testemunha C em 26-06-2023 - (13:55 – 16:05), as declarações de parte do autor em 26-06-2023 - (21:10 – 21:45); (23:10 – 23:41); (40:10 – 43:13), e o doc. 6 junto à reconvenção (certidão contrato de compra e venda), impõem decisão diversa pelo que este facto devia ser dado como provado.
uu. É certo que o recorrente podia aceder às contas de que era titular bem como ao registo predial, mas não o fez com base na confiança que tinha na recorrida A, conforme declarou, e de acordo com as declarações da testemunha C, que esclareceu o tribunal sobre as circunstâncias em que o recorrente B ficou a saber que o prédio, afinal, não era só seu.
vv. Mais uma vez, não se compreende a importância da “autoexclusão” do recorrente, de comprar pneus online e de ser pai e emigrante, para a apreciação da ineficácia do contrato, conforme peticionado.
ww. Impugna-se o facto não provado – art.º 19º da reconvenção, considerando o tribunal a quo que a “sua não demonstração extrai-se do que ficou provado sob o número 17 dos factos provados, relativamente ao qual o réu confessou que, além do mais, as rendas serviram para a respetiva amortização”, diz-nos a douta sentença – pág. 15.
xx. Os documentos 2 e 7 juntos à reconvenção, bem como os documentos 3 e 4, também juntos à reconvenção (extractos bancários), impõem decisão diversa pelo que este facto devia ser dado como provado.
yy. Como resulta do exposto quanto à impugnação do facto provado 17, o recorrente pagou na totalidade o crédito bancário que contraiu, com dinheiro que lhe pertencia, resultante das rendas e de outras quantias que também lhe pertenciam.
zz. O tribunal fez uma interpretação deturpada das declarações do ora recorrente, e analisou, mais uma vez, com ligeireza, os documentos juntos ao processo (documentos 2 e 7 juntos à reconvenção, onde consta o mesmo nº de empréstimo), não logrando a recorrida demonstrar que comparticipou no pagamento.
aaa. Impugnam-se os factos não provados da reconvenção – artigos 23º, 25º e 28º, que o tribunal considerou como não provados porque “incumbia ao réu”, ilidir a presunção do art.º 7º do CRP, com o fundamento de que “quem pode o mais também pode o menos”, que “não é normal que o réu ao longo de todo o processo bancário tramitado previamente à celebração do contrato de compra e venda, tenha assinado todos os documentos de cruz e não se tenha apercebido que a autora também era contraente”, que também “é mais anormal a assunção pela autora da responsabilidade emergente do contrato de mútuo, sem qualquer contrapartida”, e com o teor da carta enviada pelo réu à autora em 02-02-2022, que “é bem reveladora de que o réu sabia que a aquisição do imóvel foi feita conjuntamente com a autora” (pág. 15 e 16 da sentença).
bbb. O doc. 5 junto à reconvenção (procuração), o doc. 6 junto à reconvenção (certidão contrato de compra e venda), o doc. 3 junto à réplica, as declarações da testemunha C - (13:55 – 16:05); (6:00 – 6:29); (6:30 – 7:24); (16:58 – 17:30), e a inexistência no processo dos documentos constantes na fundamentação de facto, impõe que estes factos da reconvenção sejam considerados provados.
ccc. Todos estes factos foram já analisados a propósito da impugnação do facto provado 11, pelo que não se repetem, para lá se remetendo a análise.
ddd. Contudo, reitera-se que o texto da procuração outorgada pelo aqui recorrente, não confere poderes à recorrida para adquirir, para si, metade do imóvel, resultando assim um contrato de compra e venda viciado, capaz de ilidir a presunção registral.
eee. De toda a matéria de facto impugnada, resulta que o tribunal a quo deveria ter proferido decisão no sentido de procedência total do pedido principal formulado na reconvenção pelo ora apelante, declarando a ineficácia do contrato subscrito pela recorrida em 10-03-2020, por manifesto abuso dos poderes de representação.
fff. Impugna-se toda a matéria de direito, para além da já invocada nulidade da sentença.
ggg. Face à letra da procuração, constitui um paradoxo a fundamentação de direito do tribunal a quo ao concluir “que a autora … agiu de acordo com os poderes que lhe foram conferidos através de procuração …”
hhh. Foram violadas as regras dos artigos 268º e 269º do Código Civil, agindo a recorrida em manifesto abuso de representação, pois o recorrente B não lhe conferiu poderes para adquirir, para si, metade do imóvel.
iii. O tribunal a quo não podia deitar mão do “estatuído no art.º 1403º, nº 1, do CC, pois não estamos perante a existência de uma compropriedade.
jjj. Deviam ter sido aplicadas as regras conjugadas dos artigos 268º e 269º do Código Civil, declarando o tribunal a quo a ineficácia do contrato de compra e venda celebrado pela recorrida A, e consequente atribuição da propriedade total do imóvel ao recorrente, nos termos da procuração.
kkk. De acordo com a jurisprudência invocada, a representante, aqui recorrida, desviou-se da finalidade com que lhe foram conferidos poderes para realizar o negócio, perseguindo um interesse próprio e conflituante com o do representado, ao adquirir, por si, metade do imóvel.
lll. Apela-se ainda da condenação por litigância de má-fé, desde logo porque a sentença em crise não especifica as concretas situações objectivas que estão tipificadas no nº 2 do art.º 542º do CPC, prejudicando o presente recurso.
mmm. Para fundamentar esta condenação o tribunal a quo concluiu “que o réu agiu dolosamente, no que respeita à sua pretensão de ser reconhecido como único proprietário do imóvel, fazendo letra morta do teor da carta que enviou à autora, através do seu Ilustre Mandatário, na qual afirma serem “co-proprietários, e do facto de ter amortizado o crédito pessoal com capitais comuns, para além dos próprios e bem como da circunstância de ter assinado documentos reveladores de que a autora também era titular dos respetivos contratos.”
nnn. Se o aqui recorrente não conferiu poderes à recorrida para adquirir o imóvel em compropriedade, é legítima a sua pretensão de ser reconhecido como único proprietário.
ooo. Como também já foi supra referido, a expressão “co-proprietários” usada na carta de interpelação dirigida à recorrida em 02-02-2022, resulta da presunção registral que se pretendia ilidir através da acção especial de divisão de coisa comum.
ppp. Mal ou bem, foi o entendimento na altura, face aos dados que dispunha (ainda não tinha acedido à cópia do contrato de compra e venda), e, por esse facto, não lhe podem ser assacadas responsabilidades.
qqq. Pior ainda, na fundamentação para a condenação por litigância de má-fé, o tribunal a quo voltou a invocar o pagamento do empréstimo pessoal que o recorrido contraiu, e que pagou em exclusivo conforme demonstrado nos autos, bem como a “circunstância de ter assinado documentos reveladores de que a autora também era titular dos respetivos contratos”.
rrr. O tribunal insiste, por razões que não se compreendem, em carregar para o processo documentos reveladores inexistentes.
sss. Quer do ponto de vista do direito, quer de facto, a conduta do recorrente é absolutamente legítima pois pretende assegurar um direito que lhe pertence, no caso, a propriedade do imóvel que adquiriu.
ttt. Pelo que deverá o recorrente ser absolvido da condenação por litigância de má-fé.»
A A. respondeu à alegação do recorrente, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1. Não merece qualquer censura ou correção a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo.
2. Os factos dados como provados e bem assim os dados como não provados apenas poderiam conduzir à absolvição da Recorrida do pedido principal do Recorrente, como bem fez o Tribunal a quo.
3. Aliás, a bem da verdade, o Recorrente não logra disfarçar que a única censura que imputa à sentença recorrida se centra na circunstância de o Tribunal a quo ter perfeitamente apurado que a verdadeira intenção do Recorrente sempre foi a da aquisição do imóvel com a Recorrida, em compropriedade, tendo outorgado uma procuração para o efeito.
4. O Tribunal a quo considerou, e bem, provado que o Recorrente e a Recorrida iniciaram relacionamento amoroso no final de 2019, tendo o Recorrente passado a coabitar com a Recorrida na sua casa, de dezembro de 2020 até à separação, em janeiro de 2022.
5. Deu ainda como facto provado que as partes em dezembro de 2019, decidiram adquirir um imóvel, em conjunto, para ser afeto ao mercado de arrendamento que se encontrava em franca expansão em Pegões.
6. Para tanto, abriram, em conjunto e solidariamente responsáveis, uma conta bancária no Novo Banco, iniciaram a procura de um imóvel, o Recorrente pediu um empréstimo pessoal para pagamento da entrada do imóvel e, consequentemente, requereram um crédito habitação para aquisição do imóvel escolhido por ambos, conforme resulta da alegação do Recorrente nas suas declarações de parte (00:18:30 – 00:19:19)
7. Quanto aos fins da conta conjunta aberta pelo Recorrente e Recorrida, é de referir que, questionado pela MM. Juiz de Direito, o Recorrente afirmou, perentoriamente, que aquela seria a conta associada ao crédito habitação e questionado se aquela conta aberta em conjunto, seria a conta a utilizar para a compra da casa, respondeu que sim, nas suas declarações de parte (00:21:02 – 00:21:11).
8. Conforme resulta, e bem, dos factos provados, o Recorrente sabia que pediu o empréstimo pessoal na sua conta do Banco Millennium BCP, apenas em seu nome, pois a Recorrida acumulava dois créditos bancários, automóvel e habitação, não sendo, por isso, elegível para a contração de dois novos créditos, mas para apenas um, em função da elevada taxa de esforço.
9. Nessa sequência, e após a aprovação do seu crédito pessoal, o Recorrente transferiu para a conta conjunta do casal a importância de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) com vista à aquisição do imóvel sito em Pegões, cfr. Documento n.º 3 da Recovenção e devidamente apreciado pelo Tribunal a quo e dado como provado no ponto 5.º dos factos provados, que o Recorrente não impugna.
10. Donde, concluiu o Tribunal a quo, e bem, que a transferência dos €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) para a conta conjunta do casal, se destinava à compra do imóvel em compropriedade com a Recorrida.
11. Porque se não, que outra justificação haveria para que o Recorrente transferisse o montante de €25,000,00 (vinte cinco mil euros) para uma conta partilhada entre ambos, montante esse que resulta da aprovação do crédito pessoal na conta do Recorrente no Banco Millennium BCP, tudo conforme factos 4, 5 e 6 da matéria dos Factos Provados, cujo recorrente não impugnou?
12. Por outro lado, e tal como ficou demonstrado no ponto 2.º dos Factos Provados, o Recorrente era emigrante na Suíça e, tal como resulta das declarações de parte por si prestadas, não tinha disponibilidade imediata de se deslocar a Portugal e acompanhar a Recorrida nas diligências que se afiguravam necessárias à conclusão do processo bancário e aquisição do imóvel.
13. Por força disso, com a anuência e sempre com total conhecimento do Recorrente, a Recorrida logrou concluir o processo bancário com vista à aquisição do imóvel, cfr. ponto 8.º dos Factos Provados, em representação de ambos.
14. Confrontada a conclusão do ponto 8.º dos factos provados na Sentença, alega o Recorrente que “compulsados todos os documentos juntos, não é possível encontrar qualquer documento comprovativo de que o banco credor exigiu ao réu (e à autora) “a entrega de comprovativos dos seus rendimentos…”, tal alegação carece de cabal sentido, devendo improceder o pedido quanto à alteração do ponto 8.º, mantendo-se o entendimento do Tribunal a quo.
15. Ora, em primeiro, é de realçar que a ausência dos documentos “comprovativos dos rendimentos” do Recorrente e da Recorrida, que serviram para instrução do processo bancário, nunca foi suscitada pelo Recorrente ao longo dos autos.
16. Em nenhuma altura dos presentes autos, o Recorrente contestou ou impugnou quer o contrato, quer a existência do crédito habitação no Novo Banco, onde constam Recorrente e Recorrida como proponentes, assumindo, plenamente, que a concessão do crédito habitação dependeu da demonstração dos rendimentos de ambos.
17. Ainda assim, a ausência daqueles documentos, que nunca antes fora suscitada pelo Recorrente, não infere o sentido da decisão vertida na Sentença a quo, como o Recorrente alega, pois na realidade, não resultando da prova documental, resulta, naturalmente, do senso comum e do “modus operandi” da prática bancária.
18. Donde, apraz ainda dizer que, sendo o Recorrente também titular da conta bancária em causa, conjuntamente com a Recorrida, teria também acesso à documentação que agora arroga estar em falta. Quer isto dizer, que até ao início da Audiência de Discussão e Julgamento, o Recorrente poderia ter promovida pela junção daqueles documentos, mas não o fez.
19. Não obstante, se tal se tivesse verificado, não cremos que a decisão tivesse seguido orientação diversa, pois que, e reitera-se desde os primórdios da existência de um crédito habitação que a sua aprovação depende da verificação dos rendimentos dos proponentes e da sua taxa de esforço e, assim, da sua capacidade para pagamento do crédito.
20. Assim, em suma, e, sem prejuízo de entendimento em sentido diverso, deve a alegação do Recorrente improceder, mantendo-se inalterado o n.º 8 dos Factos Provados.
21. Nas suas alegações, o Recorrente refere que não se recorda do que assinou ou que simplesmente não leu a documentação necessária à obtenção do crédito, apesar de se ter deslocado, pelo menos, duas ou três vezes ao Balcão do Novo Banco em Lausanne, na Suíça, conforme transcrição a que agora se faz referência para os devidos efeitos.
22. Em bom rigor, no final das suas declarações, o Recorrente reconheceu não só que assinou documentos no Banco Millennium BCP, como também no Balcão do Novo Banco em Lausanne, pese embora, a condução das declarações de parte tivesse tentado fazer parecer que o Recorrente apenas assinou os documentos no Banco Millenium BCP.
23. Quer isto dizer que, de acordo com as declarações prestadas pelo Recorrente, este bem sabia e recordava-se perfeitamente de se ter deslocado à Agência do Novo Banco em Lausanne, na Suíça onde assinou os documentos enviados pelo Banco, e que apelidou como “contratos para comprar a casa”, vide (00:39:58 – 00:41:19), supra citada e transcrita para os devidos efeitos.
24. Em face das declarações prestadas, não subsistem dúvidas que o Recorrente quis e pretendeu contrair o crédito habitação conjuntamente com a Recorrida, tendo, para o efeito, praticado todos os atos conducentes à concessão do crédito habitação junto do Novo Banco, nomeadamente, a assinatura dos documentos necessários àquele fim, o que se presume, pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao dar como Provado a factualidade reflectida no ponto 9.º, devendo a mesma manter-se inalterada.
25. Ora, na Sentença proferida pelo Tribunal a quo, deu-se como provado que “tendo em vista a celebração do contrato de compra e venda com mútuo e hipoteca, com data de 21 de janeiro de 2020, o autor, na Secção Consular da Embaixada de Portugal em Berna, depois de lha terem lido, assinou a seguinte procuração:” anexa ao respectivo dispositivo.
26. O Recorrente, num claro esforço interpretativo para fazer valer a sua tese, indica que nenhum documento ou razões aduzidas pelas partes servirá para afastar aquela que seria a verdadeira vontade do Recorrente, não obstante a risibilidade que a situação em si suscita, não assiste qualquer razão ao Recorrente.
27. No que toca à forma de aquisição do imóvel em causa nos presentes autos através da procuração que voluntariamente assinou, importa termos em devida consideração o depoimento da testemunha D, enquanto mediadora imobiliária da agência Remax, que intermediou todo o processo negocial da compra da casa.
28. Depoimento esse que na indicação dos “concretos meios probatórios que impõe decisão diversa”, o Recorrente, curiosamente, não menciona.
29. No que concerne à outorga da procuração, foi peremptória e idónea a testemunha D ao referir que a minuta da procuração foi elaborada por Advogados com base nas exigências de forma do Novo Banco e que, o Recorrente, após lhe ter sido lido e explicado o teor do documento, assinou-o na Seção Consular da Embaixada de Portugal em Berna, confirmando que a mesma reflectia a sua vontade.
30. Mais afirmou a testemunha D, de forma clara, idónea e sem margem para dúvidas, que aquando do primeiro contacto, o Recorrente e Recorrida demonstraram, sem reservas, que o imóvel se destinava a ambos, tendo, depois, sublinhado essa intenção nas conversas que foram mantendo, por telefone e whatsapp [00:08:56 – 00:09:40].
31. O depoimento da testemunha primou pela clareza, coerência e imparcialidade, tendo demonstrado ter conhecimento direto dos factos e precisão sobre a matéria dos temas de prova, indicando a razão da ciência e as circunstâncias que justificam o conhecimento dos factos por si referidos.
32. Mais uma vez, andou bem o Tribunal a quo, ao considerar que inexiste qualquer abuso de representação por parte da Recorrida relativamente ao teor da procuração outorgada pelo Recorrente, pois que, e conforme declarações do próprio, a procuração foi outorgada e assinada, por si, nos precisos termos que dela consta, sendo o seu teor e os poderes conferidos do seu conhecimento e vontade.
33. Sem prejuízo de opinião em sentido contrário, deu-se por amplamente provado qual era a verdadeira intenção do Recorrente, ao praticar todos os atos atinentes à aquisição de imóvel com a Recorrida, nomeadamente, (1) procura conjunta de um imóvel com recurso a uma agência imobiliária, no qual a testemunha D desempenhou um papel fulcral, a (2) formalização dos créditos bancários necessários, (3) a circunstância de modo e lugar da outorga da procuração conferindo poderes à Recorrida para sua representação na aquisição do imóvel, por o Recorrente se encontrar ausente do território nacional e, numa fase posterior, já separados, (4) a Recorrida ter passado a dividir entre ambos a renda proveniente do imóvel, sem que o Recorrente nunca se tivesse oposto a esse recebimento e, ainda, (5) o teor da comunicação remetida pelo Ilustre Mandatário para “divisão de coisa comum” a 02.02.2020.
34. Ora, tudo somado, formulou o Tribunal a quo correctamente a sua convicção sobre a validade do Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, celebrado a 10 de março de 2020, e ao decidir pela compropriedade do imóvel e, em consequência, pela plena eficácia do contrato de compra e venda em relação à Recorrida.
35. Estritamente interligado com o sentido da decisão do Tribunal a quo, tal convicção surge justificada pelo ponto 21.º dos Factos Provados, referente à carta enviada pelo Recorrente à Recorrida, (Doc. 3 da Réplica) através do seu Ilustre Mandatário, a 02/02/2020, poucos dias após a separação do casal.
36. A referida carta, deixa, sem qualquer sombra para dúvidas, exposto o conhecimento do Recorrente sobre a compropriedade do imóvel, sendo certo e visível que, na missiva remetida foi deixado o alerta que, na impossibilidade de obter consenso para uma divisão extrajudicial, seria intentada a competente ação judicial, leia-se, ação de divisão de coisa comum.
37. Donde, não colhe a alegação no artigo 51.º do Recurso do Recorrente de que “ora, atenta a presunção do art.º 7.º do CRP, bem como o constante na caderneta predial, não ocorreu, na altura, outra forma de ilidir tal presunção a não ser na dita acção de divisão de coisa comum.”
38. Desde logo, é de referir que o impulso processual para a presente ação de divisão de coisa comum não partiu do Recorrente, mas sim da Recorrida, a 01/06/2022.
39. De qualquer forma, e ao contrário do que alega, a ação de divisão de coisa comum nunca seria o meio processual adequado a fazer valer os seus direitos quanto ao que ora vem alegando, pois certamente saberá o Recorrente que a instância seria outra, que não esta.
40. Quanto a esta matéria, a Recorrida sustenta a sua alegação na fundamentação da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, por suficientemente reveladora e esclarecedora.
41. Assim, e sublinhando, o teor da carta remetido pelo Recorrente é demonstrativo que aquele sempre soube que a aquisição do imóvel havia sido feita por ambos e que, em face da separação do casal, seria necessário proceder à divisão do património comum.
42. Ainda quanto a isto, não assiste razão ao Recorrente ao alegar que não constam no processo, porque não existem, contratos assinados pelo Recorrente, donde, nos remetemos par as considerações feitas supra quanto à deslocação do Recorrente à Agência do Novo Banco em Lausanne para assinatura de “contratos para comprar a casa”, vide [00:39:58 – 00:41:19].
43. Se assim não fosse, a questão que se impõe e que o Recorrente não cumpre esclarecer, é a razão pela qual, até à data de hoje, ter a Recorrida a responsabilidade de garantir o pagamento das prestações do mútuo bancário e seguros e, sequencialmente, a divisão igualitária do remanescente entre ambos. [00:48:00 – 00:48:50].
44. É forçoso concluir que a alegação explanada pelo Recorrente é fruto de uma elaboração fabricada, com vista a ludibriar a verdade dos factos e a intenção de obter para si direitos sobre o imóvel, que bem sabe pertencer a ambos.
45. Os restantes pontos da matéria de facto provada, designadamente, dos pontos 2.º a 16.º, não obtiveram por parte do Recorrente qualquer censura, pois também aqui andou bem o Tribunal a quo ao dar como provado que após a aquisição a favor das partes, o imóvel foi destinado de imediato ao mercado de arrendamento, tendo o produto das rendas sido utilizado para amortizar antecipadamente o empréstimo pessoal contraído pelo Recorrente para pagamento da entrada do imóvel, conforme alegação da Recorrida [00:26:19 – 00:27:30] e do Recorrente [00:45:44 – 00:47:51].
46. Vem o Recorrente alegar que amortizou sozinho o referido empréstimo, com base no Documento n.º 7 da Reconvenção, que se tratam de simples recibos emitidos pelo banco pela amortização realizada.
47. Sendo a referida conta, do Millennium BCP, titulada apenas pelo Recorrente, é por demais evidente que o recibo apenas poderia ser emitido em nome do Recorrente, contudo, tais documentos não demonstram a proveniência dos fundos.
48. Vem ainda o Recorrente alegar que as rendas por si recebidas mensalmente eram de €225,00 (duzentos e vinte e cinco euros), valor que não totalizava o montante das amortizações, concluindo que, portanto, fez tais amortizações, na totalidade, com o seu dinheiro.
49. O próprio Recorrente, nas suas declarações [01:10:00 – 01:10:59], referiu que na conta conjunta eram depositados o ordenado da Recorrida e as rendas dos imóveis, pagando o casal as despesas do dia-a-dia, com numerário que teriam em casa, resultante de trabalhos que realizava por conta própria, servindo, assim, as rendas e o ordenado da Recorrida, para aprovisionamento da conta conjunta.
50. Resulta, por demais, evidente e sem necessidade de mais delongas que não assiste razão ao Recorrente.
51. Vem o Recorrente impugnar os pontos 17.º, 19.º, 23.º, 25.º e 28.º dos Factos Não Provados, mas, mais uma vez, andou bem o Tribunal a quo, pois foram considerados como factos não provados, todos os demais alegados que contrariam ou excedem os factos provados.
52. O Recorrente limita-se, nas suas alegações, a questionar a livre apreciação que o Tribunal a quo fez dos diversos testemunhos e prova carreada para os autos.
53. Sobre este aspecto importa salientar que perante a prova testemunhal a convicção do juiz é livre de se formar, como explana o artigo 396.º do Código Civil, sendo certo que o depoimento de C não logrou convencer o Tribunal a quo, tendo o depoimento prestado testemunha sido “tendencioso e insuscetível de colocar em causa todos os factos que constam da prova documental junta aos autos.”
54. Tendo formado a sua convicção livremente, exerceu a Meritíssima Juíza um direito que não pode ser contestado em sede de alegações de recurso.
55. Ora, da prova carreada aos autos confirma-se que o Recorrente sempre quis que o imóvel fosse adquirido em conjunto com a Recorrida, nesse sentido, sabia, desde o início, que eram adquirentes em compropriedade.
56. Esta conclusão não pode ser afastada pela torpe impugnação que o Recorrente faz sobre a decisão que recaiu quanto à matéria de facto, uma vez que o próprio confessou ter conhecimento da documentação da aquisição do imóvel desde sempre, ao contrário do que o Recorrente pretende agora fazer crer.
57. Todavia e como acima se referiu, não cabe, portanto, qualquer razão ao Recorrente porquanto o Tribunal a quo procedeu correctamente na apreciação que fez da matéria de facto, devendo a decisão se manter inalterada quanto aos específicos pontos por aquele impugnados.
58. Vem ainda, o Recorrente propugnar pela nulidade da sentença, porquanto no seu entendimento, tendo pedido que se apreciasse a ineficácia do contrato de compra e venda celebrado pela Recorrida para compra do imóvel, em representação do Recorrente, nos termos da procuração
59. Ora a sentença dos presentes autos é bastante clara. Após, no relatório, se ter decidido sobre a titularidade do imóvel e, no caso de o imóvel ter sido adquirido em compropriedade ou não, se o mesmo é in/divisível e se o autor tem direito à compensação de créditos peticionada.
60. Nenhuma ambiguidade ou obscuridade contém a mesma.
61. E, como é sabido, não se verifica nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal não conhece de uma questão por se considerar prejudicada pela solução dada a outra, conforme disposto no artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o que in casu se verifica.
62. A produção de prova testemunhal permitiu aferir a relação jurídica que estava subjacente à emissão da procuração, ou seja, o conteúdo, âmbito e modo de exercício desses poderes de representação, sendo também dela que se infere qual o interesse do dominus, ou seja, quais os fins ou objetivos que pretendia atingir com a constituição da Recorrida enquanto procuradora e neste ponto não restam dúvidas.
63. Ademais, devido à especial eficácia dos direitos reais perante terceiros, torna-se necessário dar publicidade aos mesmos, existindo para tal, o registo predial. Tal publicidade, a cargo do registo predial, é uma publicidade jurídica, no sentido de que garante a legalidade da situação jurídica que dá a conhecer.
64. O artigo 7.º do Código do Registo Predial, reconhece uma presunção juris tantum de que o direito registado existe e emerge do facto registado, pertence ao titular inscrito e tem a substância que o registo define.
65. Beneficiando a Recorrida da presunção de propriedade derivada do artigo 7.º do Código do Registo Predial, era sobre o Recorrente que recaia o ónus de ilidir essa mesma presunção, mediante prova em contrário, nos termos do artigo 350.º, n.º 2 do Código Civil.
66. E foi, precisamente, essa prova que o Recorrente não logrou fazer.
67. O que, na verdade, o Recorrente demonstra é a sua discordância quanto ao decidido, o que, como é sabido, não constitui fundamento de nulidade.
68. Na verdade, resulta da sentença, com total clareza, que a decisão proferida teve em consideração o acervo factual dado como assente, com base no qual se aplicou o direito e se decidiram as questões submetidas ao escrutínio do Tribunal a quo.
69. Não se vislumbra, portanto, o mínimo de fundamento para imputar à sentença qualquer desrespeito por princípios ou preceitos constitucionais.
70. O que, a nosso ver, o presente recurso evidencia é uma discordância do Recorrente quanto ao sentido decisório da sentença proferida pelo Tribunal a quo que, negando provimento ao seu pedido principal, reconheceu o pedido da Recorrida, pretendendo reverter a seu favor a solução nela plasmada, sem ter presente que tal desiderato não pode ser atingido no âmbito do regime das nulidades, destinado apenas a afastar vícios de natureza formal de que, eventualmente, possa padecer a decisão.
71. O Tribunal a quo, apreciou o pedido de condenação do Recorrente como litigante de má, tendo feito a devida análise da conduta do Recorrente, a qual considerou, e bem, ser integradora do conceito jurídico da litigância de má-fé, tipificando as situações em que a parte incorre em litigância de má-fé, nos termos do n.º 2 do artigo 524.º do Código de Processo Civil.
72. Com estranheza, alega o Recorrente que não se encontram especificadas as concretas situações objectivas tipificadas no artigo 542.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, impedindo um cabal recurso sobre cada uma das situações.
73. A figura nítida do litigante de má fé ocorre nos casos em que o litigante sabe que não tem razão e, apesar disso, litiga, atuação que merece censura e condenação.
74. Volvendo aos autos, temos claro que atentos os factos provados, é manifesto que o Recorrente alega factos que não correspondem à realidade, deduzindo contra a Recorrida pretensão que sabia não ter fundamento e/ou cuja falta de fundamento, por tão manifesta, não podia ignorar.
75. Por outro lado, o Recorrente altera deliberadamente a verdade dos factos de modo a tentar sustentar a sua insustentável posição e fundamentar as suas alegações.
76. Por todo o exposto, perante a prova produzida, não devem restar dúvidas sobre a titularidade do imóvel, uma vez que no caso concreto, ficou demonstrado que o Recorrente quis e sempre soube que a aquisição do imóvel foi feita conjuntamente com a Recorrida não sendo pois possível defender que a procuração outorgada à Recorrida, para representação do Recorrente, apenas lhe conferia poderes para a compra do imóvel para o Recorrente, o que contraía amplamente toda a prova produzida nos presentes autos.»
No despacho em que se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso, o tribunal recorrido apreciou a arguição da nulidade, concluindo pela inexistência de nulidade.
São as seguintes as questões a decidir:
- da nulidade da sentença;
- da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- da ineficácia do contrato de compra e venda; e
- da litigância de má fé.
*
Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
«1. Em novembro/dezembro de 2019, as partes iniciaram um relacionamento amoroso.
2. O réu era emigrante na Suíça, donde regressou e, a partir de dezembro de 2020, passou a coabitar com a autora, até à separação ocorrida em janeiro de 2022.
3. Em 06 de dezembro de 2019, as partes, mediante prévia sugestão da autora, abriram uma conta bancária conjunta no Novo Banco, no qual a mesma trabalhava, com vista à realização de investimentos financeiros, à qual foi atribuído o IBAN PT…
4. Por sugestão da autora e por, no âmbito do processo de crédito bancário, ser exigido 20% de capitais próprios para a sua obtenção, o réu, em 20.01.2020, contraiu um crédito pessoal, junto do Banco Millenium BCP, com as seguintes condições:
Condições particulares do empréstimo
Finalidade: Multifinalidades
Montante Total do Empréstimo: 27.093,78 EUR
Dia de Vencimento das Prestações:   5
Data de Vencimento da prestação intercalar: 05/02/2020
Data de vencimento da primeira Prestação de Capital e Juros: 05/03/2020
Prestações de Capital e Juros no valor unitário de: 394,68 EUR/ cada
N° Prestações de Capital e Juros: 96
Regime de Prestações: Constantes e sucessivas
Montante (indicativo) dos juros diários: 6,40 EUR
Prazo do Empréstimo: 96 meses
Periodicidade das Prestações de Capital e Juros: mensal
Montante da prestação intercalar: 99,80 EUR
Taxa Juro Nominal inicial: 8,500%
Período de fixação da Taxa de Juro Nominal: 96 meses
Descritivo Taxa Juro: Taxa Base Mass Market
Regime de Taxa Juro: Taxa Fixa
TAEG: 10,8%
5. O referido montante foi creditado na conta pessoal do réu e, posteriormente, desse montante, foram transferidos para a referida conta conjunta €25.000,00, ficando depositados em conta poupança, associada a essa conta conjunta à ordem, €23.100,00.
6. A autora, por já ter contraído dois créditos bancários, considerando a sua taxa de esforço, não poderia contrair o mencionado crédito pessoal com vista ao pagamento da entrada do imóvel.
7. Na sequência de anúncio publicado pela Remax de imóvel sito em Pegões, a autora providenciou pela sua aquisição.
8. Nesse seguimento, a autora deu andamento ao processo bancário de pedido de crédito associado à referida conta conjunta, no âmbito do qual o Banco, além do mais, exigiu a entrega de comprovativos dos seus rendimentos e dos do réu.
9. No âmbito desse processo bancário, o réu deslocou-se à Agência do Novo Banco em Lausanne, na Suíça, a fim de assinar a documentação necessária à obtenção do crédito, na qual apôs a sua assinatura.
10. Tendo em vista a celebração do contrato de compra e venda com mútuo e hipoteca, com data de 21 de janeiro de 2020, o autor, na Secção Consular da Embaixada de Portugal em Berna, depois de lha terem lido, assinou a seguinte procuração:
No dia vinte e um de janeiro de dois mil e vinte, nesta Chancelaria da Secção Consular da Embaixada de Portugal em Berna, Suíça, perante mim, E, Técnica Superior, compareceu como outorgante:
B, divorciado, NIF …, natural da freguesia de…, concelho de…, titular do Cartão de Cidadão n.º..., emitido por República Portuguesa e válido até 02-01-2028, residente em Rue …, Suíça.        
Verifiquei a identidade do outorgante pela exibição do referido documento de identificação.     
E por ele foi dito:      
Que, pelo presente instrumento, constitui sua bastante procuradora: A, divorciada, NIF …, natural da freguesia de…, concelho de …, titular do Cartão de Cidadão n.º …, emitido por República Portuguesa e válido até 22-02-2021, residente em Av. …, a quem confere os poderes necessários para:         
A) Prometer comprar e comprar, pelo preço máximo de 95.000 mil euros o prédio urbano sito na Rua… nº …, 1º Drt.º Cruzamento de Pegões, freguesia de Pegões, concelho do Montijo, registado nas finanças do Montijo com o artigo nº …, com registo na conservatória do Montijo nº … correspondente à fração D; outorgar e assinar as respetivas escrituras, bem como suas retificações, documentos particulares e contratos de promessa de venda, nos termos e com as cláusulas que entender, assim como, representá-lo perante qualquer Repartição Pública ou Particular, nomeadamente; Serviço de Finanças, Câmaras Municipais, liquidar impostos ou contribuições, para nas competentes Conservatórias do Registo Predial, apresentar e pedir documentos, requerer quaisquer atos de registo predial, provisórios ou definitivos, seus averbamentos e cancelamentos, incluindo prestar declarações complementares verbais e escritas; requerer alterações a descrições do imóvel atrás identificado, praticar, requerer e assinar tudo o mais que for necessário e acessório aos indicados fins.  
B) Mais lhe confere os poderes para junto do Novo Banco S.A., efetuar as seguintes acções:     
Crédito e Garantias:   
1. Solicitar Negociar e Contratar quaisquer operações de Crédito, incluindo mútuos, aberturas de crédito ou financiamentos de qualquer espécie, descobertos, descontos bancários, operações de locação financeira ou de cessão financeira e prestação de garantias bancarias;          
2. Assinar confissão de dividas;       
3. Subscrever livrança(s) em branco e o(s) respetivo(s) termo(s) de autorização de preenchimento;        
4. Prestar aval em operações de crédito, avalizando as respectivas livranças e assinando os respetivos termos de autorização de preenchimento nessa qualidade;      
5. Constituir-se como fiador e principal pagador de operações de crédito, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia;     6. Dar em garantia, em seu nome e representação, uma ou mais vezes, em caução do bom pagamento de responsabilidades contraídas, vencidas ou vincendas, penhor sobre valores mobiliários, contas de deposito bancário e outros direitos a favor do Novo Banco S.A., quando este o exija, incluindo os poderes de substabelecer, uma ou mais vezes, no interesse do próprio Banco, os necessários e suficientes poderes para a execução e venda extraprocessual (de acordo com o artigo 675.º/1 do Código Civil) da coisa empenhada, realização de registos, averbamentos, cancelamentos, assinatura de todos os requerimentos, formulários e/ou documentos por lei exigidos para o bom e integral cumprimento dos indicados fins.       
7. A presente procuração extingue-se com o conhecimento pelo Banco da morte, incapacidade civil ou insolvência do Outorgante. A presente procuração é feita sem prazo podendo ser revogada a todo o tempo pelos Outorgantes, mediante carta registada com aviso de receção enviada ao Novo Banco S.A., para a morada da Agência onde à data da revogação se encontrar domiciliada a conta D/O do(s) Outorgante(s), ou entregue presencialmente nessa mesma Agência do Banco, com efeito no termo do terceiro dia útil após a data da sua receção. 
C) Requerer quaisquer atos de registo predial, provisórios e definitivos, averbamentos e cancelamentos e fazer declarações complementares;
D) Representá-lo nos competentes Serviços de Finanças, em todos os assuntos relacionados com o referido imóvel, requerer certidões, averbamentos, apresentar IMI e reclamar do valor patrimonial atribuído ao prédio, e requerer retificação de matriz;       
E) Representá-lo junto dos Serviços de água e eletricidade, nelas fazer contratos e alterações aos mesmos, receber quantias de reembolso a que tenha direito, assinando os competentes contratos e recibos;          
Tenho perfeito conhecimento dos poderes atribuídos ao Procurador, e assumo a responsabilidade pelo uso dos seus poderes, que pode implicar um risco de desvalorização ou perda dos valores investidos.     
Fiz ao outorgante, em voz alta e na sua presença, a leitura e a explicação do conteúdo deste instrumento.»
11. Por documento escrito autenticado denominado Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, em 10 de março de 2020, autora, por si e na qualidade de procuradora do réu, adquiriu fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro andar direito, destinado a arrendamento/ investimento, do prédio sito Rua …, n.º …, Cruzamento de Pegões, descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo, sob o n.º …, da freguesia de Pegões, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º …, pelo valor de €95.000,00, e contraiu o empréstimo no valor de €76.000,00, relativamente ao qual as partes se consideraram devedoras, sendo que, para garantia do seu pagamento, foi constituída hipoteca sobre o referido imóvel.
12. A referida aquisição a favor das partes, sem indicação de proporção, e hipoteca foram inscritas na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Montijo, em 10 de março de 2020.
13. O pagamento do imóvel foi feito com recurso ao mencionado empréstimo e ao valor de €19.000,00 proveniente do crédito pessoal contraído pelo réu.
14. A referida fração autónoma, integrada na tipologia T3, destinada a habitação e com a área bruta privativa de 121,3800 m², tem o valor patrimonial de €78.750,00.
15. Em abril de 2020, a referida fração autónoma foi arrendada, mediante o pagamento da renda de €700,00.
16. O crédito pessoal contraído pelo réu foi amortizado antecipadamente, tendo a primeira amortização, no valor de €9.046,80, sido realizada em 07 de julho de 2020 e a segunda, no valor de €15.583,60, ocorrido em 15 de junho de 2021.
17. Os valores com os quais o crédito pessoal foi amortizado provieram do remanescente do crédito pessoal contraído pelo réu, no valor de €2.000,00, do valor de €1.000,00 recebido mensalmente, a título de renda de imóvel pertencente ao réu, em valor global não apurado, e das rendas, no valor de €700,00, cada, pagas pelo imóvel objeto dos presentes autos, deduzidas das prestações pagas ao banco para a amortização do referido crédito de €76.000,00, e das demais despesas relacionadas com o imóvel, em montante não apurado.
18. Em 15 de maio de 2021, a referida conta conjunta foi encerrada, tendo o crédito bancário sido associado a conta titulada pela autora, que também passou a ser titulada pelo réu e para a qual eram transferidas as rendas provenientes do arrendamento.
19. Esta operação bancária teve em vista a obtenção de benefícios atribuídos à autora na qualidade de funcionária do Novo Banco.
20. Após a separação ocorrida no final de janeiro de 2021, a autora passou a dividir pelos dois a renda proveniente do imóvel objeto dos presentes autos descontada da prestação do mútuo e dos seguros, entregando-lhe mensalmente a quantia de €225,00.
21. O réu, através do seu Ilustre Mandatário, enviou à autora a seguinte carta registada em 2022/02/02:
Assunto: Divisão de coisa comum
Fui constituído mandatário do Sr. B, no sentido de obter um consenso para a divisão do imóvel sito na Rua …, nº …, 1º Andar, em Pegões, de que ambos são co-proprietários.
Considerando que a entrada para a aquisição do referido imóvel foi integralmente suportada pelo meu constituinte, que não pretende permanecer na indivisão, solicito a V. Exa que informe este escritório sobre a possibilidade de efectuar a divisão extra-judicialmente.
Caso V. Exa assim não o entenda e não manifeste interesse nesse sentido, no prazo de dez dias, será intentada a competente acção judicial em assunto, com os inevitáveis inconvenientes e encargos para ambas as partes.
Qualquer esclarecimento ou contacto deverá ser efectuado através dos contactos disponíveis.
Atentamente,
Vendas Novas, 24 de Maio de 2017».
*
Na sentença recorrida, foram dados como não provados os seguintes factos:
«a) Da reconvenção: Art.ºs 10º, 11º, 17º, 19º, 23º, 25º e 28º;
b) Da réplica: 70º (na parte respeitante ao destino do remanescente das rendas provenientes do imóvel objeto dos presentes autos em momento anterior à separação; 77º (na parte respeitante à amortização total do crédito pessoal contraído pelo réu com fundos provenientes da conta do casal)».
*
O recorrente arguiu a nulidade da sentença recorrida com fundamento no disposto no art.º 615º nº 1 als. b) e d) do C.P.C., nos termos do qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”; “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Nas conclusões recursivas, o recorrente afirmou que, “quanto à condenação por litigância de má-fé, não se encontram especificadas as concretas situações objectivas que estão tipificadas no nº 2 do art.º 542º do CPC”.
“Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pág. 140).
Na sentença recorrida, não há falta absoluta de fundamentação.
A causa de nulidade da sentença prevista no art.º 615º nº 1 al. d) do C.P.C. está diretamente relacionada com o art.º 608º nº 2 do C.P.C., segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Acresce dizer que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, anotação ao art.º 668º).
Nas conclusões recursivas, o recorrente afirmou que “o tribunal a quo não tomou uma posição expressa sobre a questão que foi submetida à sua apreciação: ineficácia do contrato celebrado”.
O tribunal recorrido decidiu “julgar o pedido reconvencional formulado na al. a) improcedente e, em consequência declarar que a fração autónoma infra descrita foi adquirida pela autora e pelo réu”.
O pedido reconvencional formulado na alínea a) é o seguinte: “ser declarado ineficaz, quanto à ora reconvinda, o contrato de compra e venda realizado em 10-03-2020, e, em consequência, ser o reconvinte declarado o único proprietário do imóvel objecto destes autos”.
Julgar improcedente o pedido reconvencional formulado na alínea a) é, pois, decidir o pedido de declaração de ineficácia do contrato de compra e venda.
Improcede, pois, a arguição da nulidade da sentença recorrida.
*
Nas conclusões recursivas, o recorrente especificou os pontos 8, 9, 11 e 17 da matéria de facto provada e os artigos 17, 19, 23, 25 e 28 da reconvenção (cf. alínea a) da matéria de facto não provada) como incorretamente julgados.
O ponto 8 da matéria de facto provada é do seguinte teor:
“Nesse seguimento, a autora deu andamento ao processo bancário de pedido de crédito associado à referida conta conjunta, no âmbito do qual o Banco, além do mais, exigiu a entrega de comprovativos dos seus rendimentos e dos do réu.”
Da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida pode ler-se:
“Relativamente aos factos provados sob os números 4 a 14 e 16 (referentes a operações bancárias, à aquisição do imóvel com recurso a crédito bancário destinado a habitação e pessoal, à procuração outorgada pelo réu a favor da autora e atos de registo), teve-se em consideração a análise do teor dos documentos juntos com a petição inicial, correspondentes às certidões registo predial e matricial, e com a contestação, correspondentes ao documento autenticado que titula o contrato de compra e venda com mútuo e hipoteca da fração autónoma, bem como dos extratos da conta bancária do réu, da qual resulta o crédito pessoal por si contraído e da conta bancária conjunta das partes, bem como da cópia da procuração outorgada pelo réu e da carta enviada pelo réu à autora, através do seu Ilustre Mandatário, que não foram objeto de impugnação pelas partes.
O resultado da análise do teor dos referidos documentos foi ainda conjugado com o depoimento de parte prestado pela autora e com as declarações de parte prestadas pelo réu que, quanto aos procedimentos desenvolvidos para a aquisição do imóvel, tendencialmente se mostraram unânimes.”
Há várias partes da gravação do depoimento da A. e das declarações do R. que são inaudíveis. Apesar disso, é certo que nada foi perguntado à A. e ao R. sobre a exigência pelo banco da entrega de comprovativos de rendimentos.
Nenhum documento foi junto aos autos que comprove essa exigência.
Sendo a A. funcionária do Novo Banco, a exigência por esta instituição bancária de documento comprovativo do rendimento daquela não faz sentido.
Da certidão do documento particular intitulado “compra e venda e mútuo com hipoteca” resulta que o Novo Banco declarou conceder à A. e ao R. empréstimo no montante de €76.000,00, quantia a creditar na conta nº 000482126667.
Das declarações do R. resulta evidente que é a A. o elemento proactivo.
É, pois, de manter a 1ª parte do ponto 8 da matéria de facto provada e eliminar a 2ª parte.
O ponto 9 da matéria de facto provada é do seguinte teor:
“No âmbito desse processo bancário, o réu deslocou-se à Agência do Novo Banco em Lausanne, na Suíça, a fim de assinar a documentação necessária à obtenção do crédito, na qual apôs a sua assinatura.”
O R., em declarações de parte, reconheceu ter assinado documentos na Agência do Novo Banco em Lausanne, na Suíça, mas não soube dizer que documentos assinou.
Não tendo sido juntos aos autos tais documentos, não se pode concluir que tinham a ver com a obtenção do empréstimo para a aquisição da fração.
Do ponto 11 da matéria de facto provada consta o seguinte:
“Por documento escrito autenticado denominado Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, em 10 de março de 2020, autora, por si e na qualidade de procuradora do réu, adquiriu fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro andar direito, destinado a arrendamento/ investimento, do prédio sito Rua…, n.º …, Cruzamento de Pegões, descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo, sob o n.º …, da freguesia de Pegões, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º …, pelo valor de €95.000,00, e contraiu o empréstimo no valor de €76.000,00, relativamente ao qual as partes se consideraram devedoras, sendo que, para garantia do seu pagamento, foi constituída hipoteca sobre o referido imóvel.”
O documento referido neste ponto da matéria de facto provada foi junto com a contestação.
O termo “adquiriu” tem um significado jurídico.  
“A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso o facto conclusivo deve ser havido como não escrito, nos termos do art.º 646.º, n.º 4 do CPC. No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 9 de setembro de 2014, no processo 5146/10.4TBCSC.L1.S1).
«… os factos meramente conclusivos, quando constituam "uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis" podem ainda integrar o acervo factual, "apenas devendo considerar-se não escritos se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum"» (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 19 de janeiro de 2023, no processo 15229/18.7T8PRT.P1.S1).
A redação do ponto 11 da matéria de facto provada tem, pois, de ser alterada.
O ponto 17 da matéria de facto provada é do seguinte teor:
“Os valores com os quais o crédito pessoal foi amortizado provieram do remanescente do crédito pessoal contraído pelo réu, no valor de €2.000,00, do valor de €1.000,00 recebido mensalmente, a título de renda de imóvel pertencente ao réu, em valor global não apurado, e das rendas, no valor de €700,00, cada, pagas pelo imóvel objeto dos presentes autos, deduzidas das prestações pagas ao banco para a amortização do referido crédito de €76.000,00, e das demais despesas relacionadas com o imóvel, em montante não apurado.”
Da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida pode ler-se:
“Quanto ao facto provado sob o número 17 (referente à proveniência dos capitais destinados à amortização do crédito pessoal), tomou-se em consideração o depoimento de parte prestado pela autora que, além dos demais esclarecimentos prestados, confessou que o valor de €1.000,00 proveniente de outro imóvel pertencente ao réu serviu para amortizar o referido empréstimo, e das declarações de parte prestadas pelo réu que confessou que o valor com o qual as amortizações foram feitas proveio das rendas e afirmou ter feito outras transferências, mas cujos valores não foi capaz de concretizar.”
Estas outras transferências que o R., em declarações de parte, afirmou ter feito, como bem referido pelo tribunal recorrido, não foram levadas ao ponto 17 da matéria de facto provada e o tribunal recorrido não deu para isso qualquer justificação.
O ponto 16 da matéria de facto provada contém lapso manifesto que importa retificar: conforme resulta do documento 7 junto com a contestação, a primeira amortização foi realizada, não em julho, mas em setembro.
Atentas as datas das amortizações referidas no ponto 16 da matéria de facto provada, com a retificação supra determinada, é provável que a soma do remanescente do crédito pessoal, da renda mensal no valor de €1.000,00 e do remanescente da renda mensal de €700,00 fique aquém dos valores das amortizações referidos nesse ponto.
Acresce dizer que dos extratos juntos aos autos a 11 de outubro de 2022 resulta que da conta onde eram depositadas as rendas foram transferidas para a conta do R. no Millenium BCP, a 1 de setembro de 2020, as quantias de €1.500,00 e de €2.500,00, mas a amortização realizada a 7 de setembro de 2020 é no valor de €9.046,80.
É de salientar que o tribunal recorrido deu como não provado o artigo 77º da réplica - “na parte respeitante à amortização total do crédito pessoal contraído pelo réu com fundos provenientes da conta do casal”.
Importa, pois, incluir no ponto 17 da matéria de facto provada as outras transferências que o R. afirmou ter feito.
O artigo 17 da reconvenção é do seguinte teor:
“O contrato de compra e venda foi celebrado em 10-03-2020, conforme certidão que foi possível obter junto da CRP do Montijo (doc. 6), pois tal documento, bem como os demais relacionados com a aquisição, nunca foram exibidos ao aqui R, pois sempre lhe foram ocultados pela ora A.”
A 1ª parte deste artigo está conforme com o ponto 11 da matéria de facto provada.
Da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida pode ler-se:
“No que tange aos factos não provados correspondentes aos art.ºs 10º, 11º e 17º da reconvenção, é de salientar que a partir do momento em que alguém se torna titular de uma conta bancária, todos os movimentos ou operações bancários se encontram disponíveis para consulta junto do respetivo banco e, hoje, acessíveis, designadamente, através caixas multibanco e de home banking. Também é de realçar que, tratando-se de um contrato de compra e venda de imóvel, por razões de segurança e certeza jurídicas, o mesmo não pode ser titulado por documento particular e fica sempre disponível junto de entidades devidamente
credenciadas, a que a acresce o a circunstância de ser um facto sujeito a registo e que, por consequência, fica acessível aos contraentes e a terceiros nas Conservatórias do Registo Predial.
Ora, em face disso, não é crível esta versão de infoexclusão e de paixão cega por parte de alguém que já foi casado, é pai e emigrou.
Com efeito, necessariamente, teve que alargar os seus horizontes. E, além disso, não podemos deixar de atribuir relevância à sua afirmação no sentido de que fazia/faz aquisições de produtos online, nomeadamente de pneus.
E, assim sendo, é de concluir que nada impedia o réu de aceder à conta bancária e utilizar cartão de crédito ou de débito associado a essa conta, bem como de saber que negócio foi concretizado com a procuração que outorgou à autora e que se não o fez foi de livre vontade.”
A fundamentação do tribunal recorrido incide sobre se o R. podia ou não saber. A argumentação do recorrente recai sobre quando o R. ficou o saber. Contudo, o que está em causa na 2ª parte do artigo 17º da reconvenção é se a A. ocultou ou não e sobre isto nada se apurou.
O artigo 19 da reconvenção é do seguinte teor:
“Entretanto, exclusivamente à custa do aqui R, o crédito pessoal foi totalmente pago através de dois reembolsos antecipados.”
Da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida pode ler-se:
“No que concerne ao alegado no art.º 19º da reconvenção, importa referir que a sua não demonstração extrai-se do que ficou provado sob o número 17 dos factos provados, relativamente ao qual o réu confessou que, além do mais, as rendas serviram para a respetiva amortização.”
Provando-se que parte da renda mensal de €700,00 serviu para amortizar o crédito pessoal contraído pelo R., reconhecer que a amortização foi exclusivamente à custa do R. pressupõe o reconhecimento do R. como proprietário exclusivo da fração em questão nos presentes autos, o que constitui matéria de direito.
Importa, pois, eliminar da matéria de facto não provada o artigo 19º da reconvenção.
Os artigos 23, 25 e 28 da reconvenção são, respetivamente, do seguinte teor:
- “Até à separação do casal, em Janeiro de 2022, o R sempre esteve convicto que o imóvel lhe pertencia inteiramente, conforme a procuração que tinha outorgado à A.”
- “De facto, foi o R que adiantou a entrada com o tal empréstimo que contraiu no seu banco, e nunca foi acordado que a aquisição seria em compropriedade, apesar de a conta ser comum, até porque a prestação do mútuo era, e ainda é paga com a renda proveniente do arrendamento.”
- “Terminada a relação e já na posse da documentação que sempre lhe foi ocultada e que nunca exigiu para não comprometer a relação que tinha com a A, foi com surpresa que constatou que o imóvel tinha sido adquirido em partes iguais por ambos.”
A data da separação referida no artigo 23º da reconvenção não coincide com a data mencionada no ponto 20 da matéria de facto provada, sendo esta a data que importa retificar, pois, conforme resulta do ponto 2 da matéria de facto provada, a separação ocorreu, não em 2021, mas em 2022.
Da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida pode ler-se:
“Relativamente aos factos alegados nos art.ºs 23º, 25º e 28º da reconvenção, importa referir que beneficiando a autora da presunção registral prevista no art.º 7º do Código do Registo Predial, incumbia ao réu ilidi-la (cfr. art.º 350º, nº 2, do Código Civil), o que não conseguiu.
Com efeito, a testemunha C, irmã do réu, que se considera sua mãe, prestou um depoimento tendencioso insuscetível de colocar em causa todos os factos que constam da prova documental junta aos autos. E a testemunha F, sua ex-mulher, apenas, prestou depoimento relativamente ao facto de o réu não ser capaz de tratar de assuntos burocráticos, o que, em face do que se deixou dito, quanto à sua infoexclusão, não é suficiente para afastar a referida presunção.
Acresce que o argumento do réu no sentido de que tendo a procuração sido outorgada para a aquisição do prédio e não de um ½ do prédio, não colhe, porquanto, como é sabido o argumento por maioria de razão leva-nos a considerar que quem “pode o mais” também “pode o menos” e que, por consequência, se o réu outorgou poderes à autora para aquisição do imóvel, nesses poderes está contida a aquisição de uma parte do mesmo.
É ainda de realçar que, tendo o imóvel sido adquirido, com recurso a mútuo com hipoteca, não é normal que o réu ao longo de todo o processo bancário tramitado previamente à celebração do contrato de compra e venda, tenha assinado todos os documentos de cruz e não se tenha apercebido que a autora também era contraente.
E ainda é mais anormal a assunção pela autora da responsabilidade emergente do contrato de mútuo, sem qualquer contrapartida, apenas, em prol do relacionamento amoroso que tinha com o réu.
Por fim, o teor da carta constante do ponto 21 dos factos provados diz tudo!
Com efeito, é bem reveladora de que o réu sabia que a aquisição do imóvel foi feita conjuntamente com a autora, pois não se crê que o Ilustre Mandatário seguisse instruções contrárias ao seu constituinte e enviasse uma carta à autora para obtenção de consenso, quanto à divisão de coisa comum da fração autónoma de que ambos são comproprietários.
Desta sorte, não se pode deixar de entender que o réu não ilidiu a presunção registral prevista no art.º 7º do Código do Registo Predial, de harmonia com a qual o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”
O tribunal recorrido confunde matéria de facto com matéria de direito. Não é em sede de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que cumpre saber se a presunção derivada do registo foi ou não afastada e se, nos poderes conferidos para a aquisição da fração, está contida a aquisição de uma parte da mesma.
Não constando dos autos os documentos que o R. reconheceu ter assinado na agência do Novo Banco, em Lausanne, não se pode afirmar que, nesses documentos, a A. constava também como contraente.
Da carta referida no ponto 21 da matéria de facto provada resulta que, na data do seu envio, ou seja, a 2 de fevereiro de 2022, “o réu sabia que a aquisição do imóvel foi feita conjuntamente com a autora”. Desde quando o R. sabia a carta nada revela.
Não se vislumbra que o argumento de que é “anormal a assunção pela autora da responsabilidade emergente do contrato de mútuo sem qualquer contrapartida” seja relevante em sede de apreciação da matéria alegada nos artigos 23, 25 e 28 da reconvenção, uma vez que a versão do R. não passa pela admissão de que o empréstimo era para ser contraído conjuntamente com a A. 
A testemunha C, irmã do R., declarou que, por o R. estar na Suíça, foi ver a fração e estavam lá os pais da A. também para ver a fração; que o R. lhe disse que ia comprar o apartamento; que, quando, depois da separação da A. e do R., este teve de emitir recibos de renda, pediu ajuda ao filho da testemunha; que o filho da testemunha, nas consultas que fez no site das finanças, constatou que a fração não estava só no nome do R.; e que foi então que o R. se apercebeu que a fração não era só dele.
A testemunha D, consultora imobiliária, declarou que a proposta de compra foi feita pela A., mas para os dois; que A. e R. lhe disseram que a casa era para os dois; que comunicou com o R. por telefone e por whatsapp; que o processo bancário estava no nome dos dois; e que a procuração foi feita por advogados com base naquilo que o banco exigiu.
Face ao depoimento da testemunha D, bem andou o tribunal recorrido em dar como não provada a matéria vertida nos artigos 23, 25 e 28 da reconvenção.
Assim, procede parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, passando a matéria de facto provada a ter a seguinte redação:

8. Nesse seguimento, a autora deu andamento ao processo bancário de pedido de crédito associado à referida conta conjunta.
9. (eliminado)

11. Do documento escrito denominado “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, autenticado a 10 de março de 2020, assinado por G e H, como primeiros outorgantes, pela A., por si e na qualidade de procuradora do R., na qualidade de segundos outorgantes, e por I, em representação do Novo Banco, S.A., como terceiro outorgante, pode ler-se:
- “Pelo presente, os Primeiros Outorgantes vendem aos Segundos Outorgantes que aceitam, livre de quaisquer ónus ou encargos, a fração autónoma designada pela letra "D”, correspondente ao primeiro andar direito - habitação, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito em Pegões, Rua…, n.º …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Montijo, sob número …, da freguesia de Pegões”.
- “O prédio é vendido pelo preço de €95,000,00 (noventa e cinco mil euros) que os Primeiros Outorgantes declaram terem recebido e conferem quitação”.
- “O Banco representado pelo Terceiro Outorgante concede aos Segundos Outorgantes um empréstimo no montante de €76,000,00 (setenta e seis mil euros) de que os Segundos Outorgantes se confessam devedores”.
- “Para caução e garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do presente contrato, nomeadamente juros que forem devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais que para efeitos de registo se fixam em €3.040,00 (três mil e quarenta euros), os Segundos Outorgantes constituem hipoteca sobre o prédio ora adquirido e supra identificado.”

16. O crédito pessoal contraído pelo R. foi amortizado antecipadamente, tendo a primeira amortização, no valor de €9.046,80, sido realizada em 7 de setembro de 2020 e a segunda, no valor de €15.583,60, ocorrido em 15 de junho de 2021.
17. Os valores com os quais o crédito pessoal foi amortizado provieram do remanescente do crédito pessoal contraído pelo réu, no valor de €2.000,00; do valor de €1.000,00 recebido mensalmente, a título de renda de imóvel pertencente ao réu, em valor global não apurado; das rendas, no valor de €700,00, cada, pagas pelo imóvel objeto dos presentes autos, deduzidas das prestações pagas ao banco para a amortização do referido crédito de €76.000,00, e das demais despesas relacionadas com o imóvel, em montante não apurado; e de outras transferências feitas pelo R., em valor não apurado.

20. Após a separação ocorrida no final de janeiro de 2022, a A. passou a dividir pelos dois a renda proveniente do imóvel objeto dos presentes autos descontada da prestação do mútuo e dos seguros, entregando-lhe mensalmente a quantia de €225,00.

A matéria de facto não provada passa a ter a seguinte redação:
a) Da reconvenção: artigos 10, 11, 17 - 2ª parte, 23, 25 e 28;

c) No âmbito do processo bancário referido no ponto 8, o Banco exigiu a entrega de comprovativos dos rendimentos da A. e do R.
d) No âmbito desse processo bancário, o R. deslocou-se à Agência do Novo Banco em Lausanne, na Suíça, a fim de assinar a documentação necessária à obtenção do crédito, na qual apôs a sua assinatura.
*
Nos termos do art.º 258º do C.C., “o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.”
Conforme resulta do art.º 262º nº 1 do C.C., procuração é “o ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos”.
O art.º 268º do C.C. dispõe o seguinte:
“1. O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.
2. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroativa, sem prejuízo dos direitos de terceiro.
3. Considera-se negada a ratificação, se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito.
4. Enquanto o negócio não for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar ou rejeitar, salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do representante.”
“A consequência da representação sem poderes, …, como resulta do disposto no art.º 268º, nº. 1, do Cód. Civil, é a de ineficácia em relação à pessoa em nome de quem o negócio é celebrado, a menos que por ela seja ratificado, e não a da nulidade, se bem que esta não deixe de ser uma forma de ineficácia do negócio jurídico, mas procedente de um vício de formação desse negócio, consistente na falta ou irregularidade de qualquer dos seus elementos internos ou essenciais: ali se estatui, com efeito, que o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem, é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado, sendo ainda de notar que não se trata de uma ineficácia meramente relativa por não só o pseudo representado mas também a própria parte que contrata com o representante sem poderes ter o direito de arguir a ineficácia, podendo esta parte (n.º 4 daquele art.º 268º) revogar ou rejeitar o negócio com base nessa ineficácia enquanto a ratificação não tiver lugar, o que mostra claramente a evolução da intenção do legislador no sentido de permitir que a ineficácia resultante da representação sem poderes seja invocada por qualquer interessado, até para evitar possíveis conluios.
Quer isto dizer que um contrato celebrado com intervenção de um representante sem poderes integra uma situação equivalente à de um contrato celebrado sob condição suspensiva, sendo a condição, neste caso, a ratificação sem a qual o negócio não produzirá os efeitos a que tende” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 9 de março de 2004, no processo 04A106).
Por força do art.º 269º do C.C., “o disposto no artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso”.
“Há abuso dos poderes de representação, quando o representante, actuando embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utiliza conscientemente esses poderes em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado…
Neste caso, só é aplicável o regime da ineficácia previsto no artigo anterior, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso. Em qualquer outro caso, o negócio considera-se validamente celebrado em nome do representado, sem prejuízo, claro, da responsabilidade que pode incidir sobre o procurador.
Tal como no caso do abuso do direito (art.º 334.º) é requisito essencial que o direito exista e só o seu exercício seja abusivo, também no abuso de representação é indispensável que haja representação e que o representado tenha conscientemente excedido os seus poderes.
O facto de o representado ficar neste caso do abuso de representação sujeito a um regime para ele mais exigente e apertado do que no caso da representação sem poderes explica-se pela circunstância de, na primeira hipótese, as expectativas da outra parte, fundadas na existência dos poderes de representação, nasceram de uma base mais sólida, mais consistente visto o representante actuar, formalmente, dentro dos limites que lhe foram outorgados” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, anotação ao art.º 269º).
“No abuso há relação de representação. Na verdade, o representante tem poderes para agir alieno nomine e exerce-os. Ao nível formal, o efeito legitimador da representação produz-se. Mas, uma vez que o representante age em desconformidade ao interesse do representado, perde essa legitimidade, não podendo o representante ter a pretensão de que os actos assim praticados sejam eficazes. A relação de representação fica suspensa no seu efeito legitimador, em consequência daquele impedimento, embora continue a existir.
O abuso de representação poderá ocorrer em virtude de um desvio puro e simples aos deveres contratuais específicos da relação gestória ou devido a um desvirtuamento real dos interesses do representado, do fim visado com o negócio representativo, causado igualmente pela actuação do representante e pelo negócio representativo que este realizou em nome do representado” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 4 de julho de 2019, no processo 2939/15.0T8STR.E1.S2).
“… o representado é que tem de provar o abuso e provar que o representante sabia e tinha plena consciência de que o negócio não lhe interessava” (www.dsgi.pt Acórdão do STJ proferido a 7 de fevereiro de 2006, no processo 05A4285).
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, pode ler-se:
«o argumento por maioria de razão leva-nos a considerar que quem “pode o mais” também “pode o menos” e que, por consequência, se o réu outorgou poderes à autora para aquisição do imóvel, nesses poderes está contida a aquisição de uma parte do mesmo».
Contudo, não é indiferente ser proprietário singular ou ser comproprietário, pelo que importa saber se a compropriedade interessava ou não ao R. e, para isso, importa ter em conta a relação subjacente à procuração.
Resulta da matéria de facto provada que, “em novembro/dezembro de 2019, as partes iniciaram um relacionamento amoroso”; e que, “em 06 de dezembro de 2019, as partes, mediante prévia sugestão da autora, abriram uma conta bancária conjunta no Novo Banco, no qual a mesma trabalhava, com vista à realização de investimentos financeiros”.
Conforme resulta da matéria de facto provada, “por sugestão da autora e por, no âmbito do processo de crédito bancário, ser exigido 20% de capitais próprios para a sua obtenção, o réu, em 20.01.2020, contraiu um crédito pessoal”.
A justificação para ter sido o R. a contrair o crédito pessoal consta do ponto 6 da matéria de facto provada: “a autora, por já ter contraído dois créditos bancários, considerando a sua taxa de esforço, não poderia contrair o mencionado crédito pessoal com vista ao pagamento da entrada do imóvel”.
Da matéria de facto provada consta que, “na sequência de anúncio publicado pela Remax de imóvel sito em Pegões, a autora providenciou pela sua aquisição”; e que, “nesse seguimento, a autora deu andamento ao processo bancário de pedido de crédito associado à referida conta conjunta”. Não faria sentido o empréstimo ficar associado à conta conjunta se não fosse para ser contraído por A. e R.
O conjunto destes factos aponta para a aquisição da fração ser um investimento financeiro comum.
O R. não logrou provar que “nunca foi acordado que a aquisição seria em compropriedade”.
O R. não cumpriu, pois, o ónus da prova do abuso.
Não cumpriu também o ónus de alegar o conhecimento do abuso por parte dos vendedores.
Acresce dizer que a ineficácia do negócio em relação ao R. implicaria que este nada adquiria e não que passaria a ser proprietário singular.
O recorrente nada disse em contrário à parte da fundamentação da sentença recorrida relativa à questão da compensação de créditos.
No entanto, como foi determinada a alteração do ponto 17 da matéria de facto provada, importa alterar o dispositivo da sentença recorrida em conformidade.
Nos termos do art.º 542º nº 2 do C.P.C., “diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
“A doutrina tem classificado a má fé de que trata o preceito em duas variantes: a má fé material e a má fé instrumental, abrangendo a primeira os casos das alíneas a) e b) do nº 2, e a segunda, os das alíneas c) e d) do mesmo número.
A litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma, tem a consciência de não ter razão.
A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 11 de setembro de 2012, processo 2326/11.09TBLLE.E1.S1).
Na fundamentação da sentença recorrida, pode ler-se:
“entendemos que se poderá concluir que o réu agiu dolosamente, no que respeita à sua pretensão de ser reconhecido como único proprietário do imóvel, fazendo letra morta do teor da carta que enviou à autora, através do seu Ilustre Mandatário, na qual afirma serem “co-proprietários”, e do facto de ter amortizado o crédito pessoal com capitais comuns, para além dos próprios e bem como da circunstância de ter assinado documentos reveladores de que a autora também era titular dos respetivos contratos.”
O ponto 9 da matéria de facto provada foi eliminado, tendo passado a constar da matéria de facto não provada que, “no âmbito desse processo bancário, o réu deslocou-se à Agência do Novo Banco em Lausanne, na Suíça, a fim de assinar a documentação necessária à obtenção do crédito, na qual apôs a sua assinatura”.
Quanto à amortização do crédito pessoal com capitais comuns, importa não esquecer que a qualificação da renda mensal de €700,00 como capital comum pressupõe a improcedência do pedido reconvencional de reconhecimento do R. como proprietário singular.
No que toca à carta mencionada no ponto 21 da matéria de facto provada, o seu teor é contraditório com a dedução do pedido reconvencional acima referido, mas essa contradição não teve relevância para a decisão.    
*
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a condenação do R. como litigante de má fé, mantendo as alíneas a), b), c) e e) do dispositivo da sentença recorrida e alterando a alínea d), que passa a ter a seguinte redação:
julgar a exceção de compensação de créditos parcialmente procedente e condenar a autora a reconhecer o crédito do R. relativamente ao valor das rendas provenientes do arrendamento de imóvel que lhe pertence exclusivamente e ao valor das transferências por ele feitas como referido no ponto 17 da matéria de facto provada, a ser compensado na fase executiva da presente ação, no montante que se vier apurar em incidente de liquidação.
Custas do recurso pelo apelante e pela apelada na proporção de 4/5 e 1/5, respetivamente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Lisboa, 16 de maio de 2024
Maria do Céu Silva
Maria Carlos Calheiros
Marília Leal Fontes