Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1011/22.0T8LSB.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: ENERGIA ELÉCTRICA
OPERADOR DE REDE
COMERCIALIZAÇÃO
TRANSPORTE
INTERRUPÇÕES DE FORNECIMENTO
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Enquanto comercializadora não está na disponibilidade da R. o fornecimento da energia elétrica ou a respetiva interrupção, cuja competência e responsabilidade impende, única e exclusivamente, sobre o operador de rede de distribuição.
A eventual responsabilidade objetiva, prevista no art.º 509º do CC, é de afastar em relação à R., uma vez que os danos causados pelo transporte ou distribuição da energia correm por conta das empresas que tenham a direção efetiva dessas fontes de energia e as utilize no interesse próprio, ou seja, as operadoras de rede.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

H, S.A. instaurou ação declarativa com processo comum contra G, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 13.107,80€ acrescida de juros vincendos a partir da data da citação e até efetivo e integral pagamento.
Alegou, em suma, ter celebrado com a R. um contrato para o fornecimento contínuo de energia elétrica, mediante o qual a R. se obrigou a fornecer energia elétrica nas instalações da A. de forma permanente e continuada. Nos dias 26/10/2020, 20/01/2021 e 25/01/2021 verificaram-se interrupções de energia elétrica, as quais não foram precedidas de aviso prévio. A ré não cumpriu o contrato de fornecimento contínuo de energia elétrica a que se obrigou perante a autora, tendo atuado de forma ilícita e culposa, na medida em que não tomou qualquer diligência para prevenir a interrupção no fornecimento. Com este comportamento, a ré causou prejuízos à autora, no valor de €13.107,80, pois a interrupção da energia elétrica não permitiu a laboração da fábrica. Invocou o disposto nos art.ºs 406º, 483º, 487º e 564º do CC.
A ré apresentou contestação, mediante a qual, no essencial, alegou ser titular de uma licença de comercialização de energia elétrica; celebrar contratos de fornecimento com os consumidores finais (in casu, de fornecimento de energia elétrica), emitindo a faturação correspondente aos consumos efetuados pelos seus clientes, de acordo com os dados de consumo que lhe são disponibilizados pela entidade operadora de rede de distribuição. A interrupção do fornecimento de energia elétrica tem por base as razões previstas na legislação aplicável ao setor, a qual é sempre efetuada pelo operador de rede de distribuição de energia elétrica, sendo esta a entidade com competência exclusiva para o efeito, não tendo a R. qualquer interferência nesse processo. A entidade operadora de rede de distribuição é a titular da direção efetiva da rede de distribuição de energia elétrica (“E-REDES – Distribuição de Eletricidade, S.A.”, atual designação social da “EDP Distribuição – Energia, S.A.”), e enquanto concessionária de tal serviço, foi-lhe atribuída a propriedade dos meios afetos à concessão, e sobre a qual impende o dever de manutenção dos mesmos em bom estado de conservação. Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 7.º do RRC “[s]ão da responsabilidade do operador de rede, designadamente, as matérias de ligações às redes, avarias, emergências, leituras, verificação ou substituição dos equipamentos de medição e reposição de fornecimento quando a interrupção não tiver sido solicitada pelo comercializador que assegura o fornecimento à instalação”. A operação e a manutenção dos equipamentos de medição de energia elétrica (onde se incluem os processos de interrupção de fornecimento de energia elétrica) incide sob a esfera de competência da entidade operadora de rede de distribuição, ou seja, da E-REDES. No âmbito do contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado com a A. a Ré cumpriu as suas obrigações contratuais e regulamentares, tendo, inclusivamente, demonstrado a sua colaboração, ao encaminhar a situação em apreço para a entidade operadora de rede de distribuição, in casu, a E-REDES. Mais afirmou desconhecer totalmente a origem da interrupção de fornecimento em causa, que foi efetuada pela E-REDES. Não se mostram verificados os requisitos da responsabilidade prevista no art.º 483º do CC. A situação em causa não respeita a qualquer obrigação contratual que recaia sobre a R., pelo que não se verifica a aplicação do art.º 799º do CC e jamais poderá ser assacada qualquer responsabilidade à Ré, seja a que título for.
Deduziu incidente de intervenção principal provocada da E-REDES, que não foi admitido.
Com dispensa de realização de audiência prévia foi proferido despacho saneador, delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo integralmente improcedente a presente ação e, em consequência, absolvo a ré dos pedidos contra si formulados nos autos.
Custas pela Autora.”

A A. interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“a. Em suma, considera a douta sentença que está em falta prova documental, não obstante ter merecido total credibilidade o depoimento da testemunha RA quanto “...aos valores apresentados como adquiridos nos autos”, o que quer dizer que a apreciação que o tribunal a quo fez da prova testemunhal produzida é que a mesma serve de fundamento para formar a sua convicção do valor dos danos provocados à autora.
b. Ora, o recorrente não se conforma com a posição assumida pelo tribunal a quo, desde logo porque a prova testemunhal, para prova dos danos causados à autora, não é afastada (Cfr. artigo 393.º do Código Civil) e, como tal, tem que ser admitida (Cfr. artigo 392.º do Código Civil).
c. O princípio da livre apreciação, consagrado no artigo 396.º do Código Civil, visa conceder ao Juiz a liberdade necessária para decidir sobre factos sem estar preso a restrições rigorosas durante a análise das provas.
d. Ficou provado nos autos que a autora necessita do fornecimento de energia elétrica de forma ininterrupta para laborar; designadamente para ter iluminação, aquecimento, funcionamento de fornos e várias máquinas, computadores, telefones, entre outros equipamentos e ainda que, após interrupção no fornecimento de energia elétrica, são necessárias várias horas para o reinício da laboração por necessidade de aquecimento dos fornos que dependem de energia elétrica, bem como, que a autora desenvolve a sua atividade em regime de laboração contínua (Cfr. pontos 7 a 10 dos factos provados da sentença).
e. Mais ficou provado ainda na douta sentença em crise que, no dia 26.10.2020, verificou-se uma interrupção no fornecimento de energia elétrica à autora; que a interrupção no fornecimento de energia elétrica iniciou-se às 15h30, tendo o fornecimento contínuo sido reposto às 19h45; que no dia 20.01.2021, a partir das 0h15, ocorreram várias interrupções de fornecimento de energia elétrica à autora; que no dia 25.01.2021, a partir das 15h15 e até ao final do dia, verificou-se uma interrupção no fornecimento de energia elétrica à autora; e que Nenhuma das interrupções no fornecimento de energia elétrica acima mencionadas foi precedida de aviso à autora (Cfr. pontos 14, 15, 18, 19 e 20 dos factos provados da douta sentença).
f. Ora, nos termos do disposto no artigo 607.º n.º 4 do Código de Processo Civil a fundamentação da sentença deverá ser efetuada tendo em conta toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência, o tribunal a quo, deveria ter extraído que a realidade que é normal ocorrer nas situações em que empresas deixem de laborar é a existência de prejuízos para essas empresas.
g. Pelo que, segundo as regras da experiência consagrada no n.º 4 do artigo 607.º do CPC, ter-se-á que aditar um ponto à matéria de facto dada como provado, no sentido de que, i. “as interrupções no fornecimento de energia elétrica à autora, sem aviso, causaram danos à autora”.
h. Tendo em conta que a prova testemunhal terá a mesma força probatória que a prova documental, e que, aquela (a prova testemunhal), que foi produzida nos autos e referente aos cálculos dos prejuízos causados à autora pelas interrupções sem aviso no fornecimento de energia elétrica mereceu a credibilidade do tribunal, deverá o alegado pela autora nesse sentido ser considerado como provado, nos seguintes termos:
ii. “Para o cálculo dos prejuízos causados na Extrusão e Refusão, verificou-se uma perda efetiva de produção em kg/ton que, aplicando a margem bruta média acumulada à data por kg, cuja forma de cálculo é o Valor de Faturação, e subtraindo os custos das mercadorias vendidas e matérias consumidas e também o custo de transporte sobre os kg de vendas, obtêm-se valores médios.
iii. A margem bruta é designada por NAV (Net Added Value) unitário, que é diferente em cada área.
iv. Neste sentido, os prejuízos causados pela interrupção no fornecimento de energia no dia 26 de outubro de 2020, são os seguintes:
v. Extrusão: 8,5 tons x 490,30€/ton = 4.167,64€.
vi. Refusão: 24 tons x 149,94€/ton = 3.598,56€.
vii. Valor Acrescentado: 453,60€.
viii. Matrizes: 1.746,00€.
ix. Tudo no valor total de 9.965,80€.
x. Os prejuízos causados pela interrupção no fornecimento de energia no dia 25 de janeiro de 2021, são os seguintes:
xi. Extrusão: 1,3 tons x 490,31€/ton = 637,40€.
xii. Refusão: 6,3 tons x 149,94€/ton = 944,60€.
xiii. Valor Acrescentado: 360,00€. xiv. Matrizes: 1.200,00€.
xv. Tudo num total de 3.142,00€.
xvi. Assim, a soma das duas interrupções no fornecimento de energia elétrica, determinaram um prejuízo direto para a autora no valor de 13.107,80€.”
j) Isto porque, existem nos autos meios probatórios, designadamente o que consta na gravação do depoimento da testemunha RA prestado no dia 03/11/2023, entre os minutos 11:40 e 15:28, que impõem uma decisão diversa sobre a matéria de facto que foi dada como provada pelo tribunal a quo, designadamente impõem que se aditem os pontos de facto supra referidos.
Recurso da matéria de direito:
k) A douta sentença deu como provado que a autora e a ré celebraram um contrato que denominaram de fornecimento contínuo de energia elétrica, tendo reproduzido os termos constantes do contrato, designadamente que “o presente contrato tem por objeto o fornecimento de energia elétrica pela G ao Cliente ...” (Cfr. ponto 4 dos factos provados da douta sentença), bem como, dá como provadas várias interrupções no fornecimento de energia elétrica. (Cfr. pontos 14, 15, 18 e 19 dos factos provados da douta sentença), e ainda que, nenhuma das interrupções foi precedida de aviso à autora (Cfr. ponto 20 dos factos provados).
l) Conforme se refere também na douta sentença, tendo o presente contrato sido celebrado em outubro de 2018, ao mesmo serão aplicadas as disposições do Regulamento das Relações Comerciais dos Setores Elétricos e do Gás, aprovado pelo Regulamento n.º 561/2014, de 22 de dezembro (Cfr. nota de rodapé n.º 3 da página 9 da douta sentença em crise).
m) Portanto, no contrato, conforme ponto 4 dos factos provados na douta sentença e os termos contratuais, o objeto do contrato é o fornecimento de energia elétrica, ao que acresce referir que, ainda nos termos do contrato, é claro que é a ré quem se obriga a fornecer energia elétrica à autora, o que fará “...através da respetiva entrega ao ORPE, nos termos do contrato de uso de redes aplicável...”, ou seja, o ORPE é um auxiliar da ré no cumprimento do contrato que esta celebrou com a autora.
n) Por via das normas legais e regulamentares aplicáveis (artigo 9.º n.º 1 do Regulamento da Qualidade do Serviço do Setor Elétrico - Regulamento n.º 826/2023, de 28 de julho e artigo 102.º n.º 3 do Regulamento de Relações Comerciais do Setor Elétrico - Regulamento n.º 561/2014, de 22 de dezembro), a ré e o ORPE são, solidariamente, responsáveis pelo cumprimento da obrigação de fornecimento de eletricidade à autora.
o) Não obstante a separação entre a atividade de distribuição e comercialização, o fornecimento de energia elétrica é um ato dependente da conjugação de esforços no desenvolvimento das respetivas atividades entre a ré e o ORPE porquanto, sem distribuição ou comercialização, não é possível que a autora tenha acesso à rede, direito que a lei lhe reconhece expressamente.
p) No cumprimento da obrigação de fornecimento de energia elétrica, como a que resulta dos presentes autos, a ré e o ORPE são solidariamente responsáveis pelo fornecimento atempado de energia elétrica à autora, atenta a natureza pública do serviço contratado e os interesses dos utentes que a Lei visa proteger.
q) Na verdade, a Lei n.º 23/96 de 26 de fevereiro não faz quaisquer referências às atividades de distribuição e comercialização de energia elétrica, consagrando apenas que “o serviço de fornecimento de energia elétrica” é serviço público essencial (Cfr. artigo 1.º n.º 2 alínea b) da Lei citada), e esse fornecimento não é cindível por parte do legislador em distribuição e comercialização.
r) Tendo por base essa bitola, a Lei n.º 23/96, de 26 de fevereiro estabelece, no seu artigo 5.º n.º 1 que, “A prestação do serviço não pode ser suspensa sem pré-aviso adequado, salvo caso fortuito ou de força maior” e, mesmo em caso de mora no pagamento por parte do utente, a suspensão do serviço apenas poderá ocorrer após o utente ter sido advertido, por escrito, com a antecedência mínima de 20 dias relativamente à data em que ela venha a ter lugar (Cfr. n.º 2 do artigo atrás citado). 18
s) Ora, resulta dos factos provados na douta sentença (Cfr. ponto 20 dos factos provados), que nenhuma das interrupções no fornecimento de energia elétrica foi precedida de aviso à autora, sendo que este aviso apenas poderia ser enviado à autora por quem a ele se encontra obrigado, que, nos termos da Lei n.º 23/96 é o prestador do serviço de fornecimento de energia elétrica, sem que se distinga se o prestador do serviço é o comercializador, ou o distribuidor, pelo que, se trata de uma obrigação solidária de um e de outro.
t) Assim, a ré não cumpriu a sua obrigação de fornecimento de energia elétrica à autora, nem cumpriu a sua obrigação de aviso de suspensão no fornecimento de energia elétrica à autora, incumprimentos que não são afastados pelo simples facto de se tratar de uma obrigação solidária entre a ré e o ORPE.
u) Pelo que, o tribunal a quo, deveria ter aplicado as normas contidas nos artigos 79.º n.º 1 alínea a), n.º 2 alínea a) e n.º 3, 89.º n.º 1, 102.º n.º 3 e 106.º n.º 3 alínea b) do Regulamento n.º 561/2014, de 22 de dezembro, o artigo 9.º n.º 1 do Regulamento 826/2023 de 28 de julho e os artigos 1.º n.º 2 alínea b), 7.º e 5.º n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 23/96, de 26 de fevereiro e proceder à interpretação das mesmas no sentido que as obrigações de fornecimento de energia elétrica e de aviso de suspensão do fornecimento de energia elétrica são responsabilidades solidárias entre o comercializador e o distribuidor e, assim, condenar a ré a indemnizar os danos causados à autora.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, por via disso, condenar a ré a pagar à 13.107,80€, verificarem todos os pressupostos da responsabilidade civil.”

A R. apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A. Em primeiro lugar importa, desde logo, referir que a Recorrente, movida pelo ímpeto de fazer valer uma pretensão a que bem saber não ter direito, pretende socorrer-se de diversos subterfúgios com vista a alterar o sentido da decisão proferida pelo Tribunal a quo.
B. A Recorrente começa as suas Alegações de Recurso por mencionar genericamente que “(…) [e]m suma, considera a douta sentença que está em falta prova documental, não obstante ter merecido total credibilidade o depoimento da testemunha RA quanto “…ao valores apresentados como adquiridos nos autos”, o que quer dizer que a apreciação que o tribunal a quo fez da prova testemunhal produzida, é que a mesma serve de fundamento para formar a sua convicção quanto ao valor dos danos provocados à autora”.
C. Acrescentando a Recorrente que “[s]ó não dá como provados tais danos porquanto, considera o tribunal a quo, que os mesmos necessitam de prova documental. Ora, o recorrente não se conforma com a posição assumida pelo tribunal a quota, desde logo porque a prova testemunhal, para prova dos danos causados à autora, não é afastada (Cfr. artigo 393.º do Código Civil) e, como tal, tem que ser admitida (Cfr. artigo 392.º do Código Civil)”.
D. Face ao que antecede cumpre, desde logo, referir que o alegado pela Recorrente não só não corresponde à verdade, porquanto o Tribunal a quo extraiu dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência, como mais não representa do que uma tentativa incessante de fazer valer a todo o custo uma pretensão a que bem sabe não ter direito.
E. Ora, a este respeito salienta a Recorrida que não se consegue, minimamente, compreender qual o fundamento de que a Recorrente se pretende socorrer para impugnar a matéria de facto, porquanto, além de a mesma não indicar a norma jurídica que serve de base à sua pretensão, também não logrou a mesma (i) enunciar e fundamentar, com precisão, quais os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, bem como, em que medida a sua apreciação noutros moldes prejudica a decisão proferida pelo Tribunal, (ii) nem extrair qualquer consequência jurídica que daí advenha.
F. Preliminarmente, cumpre referir que o artigo 640.º do CPC, nos seus n.ºs 1 e 2, descreve e concretiza o ónus de impugnação da matéria de facto, sendo que, da leitura atenta das Alegações de Recurso apresentadas torna-se evidente que a Recorrente não cumpriu qualquer das obrigações descritas no corpo do artigo 640.º do CPC, ou seja, não só não indicou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, como não logrou especificar os concretos meios probatórios que impunham uma decisão diversa da decisão recorrida, nem tampouco especificou a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, de acordo com o previsto nas citadas alíneas a), b) e c), do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, respetivamente.
G. Como se tal não bastasse, a Recorrente não indicou sequer com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso nem tão pouco procedeu à transcrição dos excertos que considera relevantes para fundamentar o (alegado) erro na apreciação das provas que foram gravadas, de acordo com o previsto nas citadas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC, o que deverá implicar a imediata rejeição do recurso.
H. A Recorrente limita-se a fazer uma vaga e genérica ao facto de os artigos – desconhece-se quais sejam esses artigos, porquanto os mesmos não foram sequer indiciados pela Recorrente – alegados na Petição Inicial quanto aos prejuízos causados devem ser dados como provados, tão e somente com por entender que existem meios probatórios que “impõem uma decisão diversa sobre a matéria de facto que foi dada como provada pelo tribunal a quo, designadamente impõem que se aditem os pontos de facto supra referidos”.
I. Com efeito, a Recorrente absteve-se de indicar forma precisa, clara e determinada, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e perante os quais diverge da apreciação efetuada pelo Tribunal a quo. Dito de outro modo, ao não indicar os concretos pontos que, da factualidade dada como provada ou não provada pelo Tribunal, considera incorretamente julgados, a Recorrente obsta à identificação objetiva da matéria de facto impugnada (i.e., à delimitação do objeto do recurso) e impede o exercício do direito ao contraditório por parte da Recorrida que, por não se encontrarem concretizados os concretos pontos da matéria de facto sobre os quais incide tal discordância nem identificadas as consequências que daí derivam. A isto acresce que não se encontram sequer identificados os concretos artigos da Petição Inicial que a Recorrente considera que devem ser dados como provados, vê inviabilizado o exercício pleno do seu direito de resposta.
J. Por outro lado, além de não proceder à identificação da matéria de facto impugnada, não logrou a Recorrente efetuar qualquer correspondência direta entre os factos que considera incorretamente julgados e os meios de prova que, no seu entender, teriam conduzido a uma decisão em sentido diverso, sendo que a Recorrente nem sequer se dá ao trabalho de proceder à transcrição dos excertos do depoimento prestado pela Testemunha RA, limitando-se a indicar de modo vago o depoimento da referida testemunha impõe uma decisão diversa sobre a matéria de facto dada como provada e olvidando apreciar criticamente em que medida o respetivo depoimento conduziria a uma decisão diversa da decisão recorrida, não logrando indicar, em momento algum, quais os concretos factos que considera incorretamente julgados.
K. Nestes termos, a exigência de especificação dos concretos meios probatórios indicados (in casu, através de prova gravada) pressupõe a concretização, relativamente a cada um daqueles meios probatórios, dos concretos factos cuja decisão se pretende impugnar – o que manifestamente não sucedeu no presente caso.
L. Veja-se, a este propósito, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 28 de Junho de 2018:
M. “[i] - Deverá ser rejeitado o recurso genérico da decisão da matéria de facto apresentado pelo Recorrente quando, para além de não se delimitar com precisão os concretos pontos que se pretendem questionar, não se deixa expressa a decisão que, no entender do mesmo, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
II - Tendo o recurso por objecto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivá-lo através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal “a quo”.
III - Nestas situações, não podendo o Tribunal da Relação retirar as consequências que a impugnação da matéria de facto, deve entender-se que essa omissão impõe a rejeição da impugnação do pertinente recurso, por não cumprimento dos ónus estabelecidos no art.º 640.º do CPC e consequente inviabilização do cumprimento do princípio do contraditório por parte do recorrido, quando a esses pontos da matéria de facto não concretizados.”
N. De igual modo, a Recorrente não deu cumprimento ao ónus previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, ou seja, não logrou especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa da recorrida, e muito menos, fazer qualquer apreciação crítica dos meios probatórios sobre os quais deverá incidir a reapreciação da matéria de facto, ficando assim por demonstrar a inviabilidade da decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto impugnados, não tendo a Recorrente procedido sequer à transcrição dos excertos do depoimento prestado pela Testemunha RA, assim olvidando tecer qualquer apreciação crítica sobre o meio de prova (testemunhal) a que recorre, não existindo tão pouco qualquer indicação de como é que este meio probatório iria implicar uma decisão diversa sobre a matéria de facto que foi dada como provada pelo Tribunal a quo.
O. A este propósito, atente-se também nas palavras do Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão proferido em 22 de setembro de 2015: “O Recorrente ao invocar os depoimentos que, na sua perspectiva, têm virtualidade para modificar a decisão da matéria de facto, (…) não dá satisfação à exigência contida naquela alínea b), se se limitar ao supra referido. (…) Deste modo, não basta ao recorrente atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas, para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especificação impostos pelos n.ºs 1 e 2, do art.º 640º do Novo C. P. Civil, devendo ainda proceder a uma análise critica da prova, de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterados, não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.”
P. Veja-se que o cumprimento da obrigação em que se desdobra o ónus previsto no artigo 640.º, n.º 1 do CPC, exige, não apenas que se identifiquem, de forma exata e precisa, (i) os concretos pontos da matéria de facto sobre os quais deveria ter sido proferida uma decisão diversa, (ii) os excertos dos depoimentos que, no entender da Recorrente, teriam conduzido a uma decisão em sentido diverso mas, além disso, (iii) que se apreciem criticamente os meios probatórios sobre os quais deverá incidir a reapreciação da matéria de facto.
Q. Atente-se ainda no que dispõe o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 5 de setembro de 2018:
“I - A alínea b), do nº 1, do art.º 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.”.
R. Deste modo, nas sexta e sétimas páginas das suas Alegações de Recurso, a Recorrente limita-se a transcrever um excerto da sua Petição Inicial, sem sequer elencar os artigos da Petição Inicial a que se reporta, não logrando, aquando da indicação dos meios probatórios – nem em qualquer outro momento da peça processual – identificar os concretos factos a que tais meios de prova respeitam nem, em que medida, tal implicaria uma alteração à matéria de facto que foi dada como provada pelo Tribunal a quo.
S. Ora, tal exercício de concretização configura um aspeto essencial para esclarecer os seguintes aspetos:
(iv) a que factos se reportam os meios probatórios que determinariam, no entender da Recorrente, uma decisão diversa;
(v) qual o raciocínio lógico que permitiria, em concreto, justificar a sua pretensão quanto à reapreciação da matéria de facto, e por que motivos discorda a Recorrente da decisão recorrida; e
(vi) que conclusões jurídicas permitiriam, em concreto, sustentar uma decisão diversa da que foi proferida.
T. Atente-se nas Alegações de Recurso da Recorrente quando refere que “(…) [e]xistem nos autos meios probatórios, designadamente o que consta na gravação do depoimento da testemunha RA prestado no dia 03/11/2023, entre os minutos 11:40 e 15:28, que impõe, uma decisão diversa sobre a matéria de facto que foi dada como provada pelo tribunal a quo, designadamente impõe que se aditem os pontos de facto supra referidos”, uma vez mais remetendo, de forma vaga e genérica, para tais meios probatórios, sem indicar com exatidão as passagens da gravação relevantes nem à transcrição de tais excertos, tal como não justificou fundadamente em que medida os meios probatórios que indicou sustentariam uma decisão diversa da decisão recorrida.
U. Por fim, conclui a Recorrente, num exercício de substituição ao próprio julgador que, aos factos provados deveriam ser aditados os pontos de facto que transcreveu da Petição Inicial, sem sequer identificar quais os factos ou artigos a que se reporta na Petição Inicial, tal como não logrou indicar concretamente que meios probatórios determinam essa conclusão, nem justificar fundadamente quais as razões subjacentes a tal entendimento.
V. A título meramente exemplificativo, vejam-se os ensinamentos do Senhor Juiz Conselheiro ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)”, sendo os ensinamentos desse mesmo Autor são elucidativos relativamente à motivação dessa opção legislativa: “(…) [f]oram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.”.
W. Nestes termos, deve o presente recurso ser rejeitado, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, b) do CPC, por não ter sido cumprido pela Recorrente o ónus que do mesmo resulta, porquanto mais não fez a Recorrente, ao longo das suas Alegações de Recurso, do que mencionar de forma, no mínimo, genérica e inconclusiva, o depoimento prestado pela Testemunha RA, omitindo a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como dos meios probatórios correspondentes que, em concreto e no seu entendimento, sustentariam uma decisão em sentido diverso.
X. Acresce ainda que se absteve a Recorrente de fazer qualquer apreciação crítica desses meios probatórios, sendo manifesta a ausência dos concretos fundamentos lógicos que permitem sustentar uma decisão que, em concreto, justificaria a sua pretensão quanto à reapreciação da matéria de facto, nomeadamente, a Recorrente não explica sequer a razão pela qual considera que os meios probatórios foram incorretamente avaliados pelo Tribunal a quo, não bastando, para o efeito, concluir o contrário do que a própria Sentença dispõe.
Y. Ora, se estivéssemos perante um verdadeiro recurso cujo objeto fosse a reapreciação da matéria de facto, a esta argumentação a Recorrente daria sequência com uma análise crítica dos motivos pelos quais cada um dos meios probatórios impunha uma decisão diferente sobre os referidos factos e indicaria a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre cada uma das questões de facto impugnadas, mas não o fez sequer.
Z. Recorrendo às doutas palavras do Tribunal da Relação de Évora, veja-se o nível de detalhe e ónus de fundamentação que o mesmo defende ser aplicável, de acordo com o Acórdão proferido em 8 de novembro de 2018: “I – A impugnação da decisão relativa à matéria de facto apenas deve proceder quando o recorrente demonstrar, com evidência, através de um juízo crítico sobre todos os meios de prova produzidos sobre um determinado ponto da matéria de facto – os que fundaram a convicção do Juiz a quo para decidir sobre esse concreto ponto e os que o recorrente entende que também devem ser considerados para decidir, de forma diversa, esse mesmo ponto -, que os mesmos impunham decisão diversa sobre aquele determinado ponto de facto, patenteando assim o erro de julgamento do Tribunal a quo sobre essa concreta matéria.”
AA. A doutrina e a jurisprudência no ordenamento jurídico português têm vindo a concretizar a relevância do ónus decorrente do artigo 640.º do CPC (anteriormente constante do artigo 685.º-B) para a correta apresentação de recursos. De tal forma que, com a revisão do CPC operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, foi acrescentado o ónus que decorre da alínea c) do n.º 1, do artigo 640.º, do CPC, ou seja, se a Recorrente pretendia que o Tribunal da Relação aferisse da existência de um erro na apreciação da prova que levou a que o Tribunal a quo a proferir tal decisão, teria, para efeitos de cumprir o ónus que lhes é imposto pelo artigo 640.º do CPC: i. Indicar as razões pelas quais discordava da decisão; ii. Apontar com precisão os elementos de prova que implicariam decisão diversa da produzida, efetuando a sua correspondência com os concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados e operando uma apreciação crítica desses meios de prova; e iii. Deixar expressa a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada (i.e., da apreciação crítica dos meios de prova que, no seu entendimento, imporiam uma decisão em sentido diferente).
BB. Ora, a Recorrente, como salta à vista pela leitura das Alegações de Recurso, não só não indicou os pontos de facto que considera incorretamente apreciados pelo Tribunal a quo, como se limitou a tão e somente a remeter, de forma genérica, para o depoimento da testemunha RA, sem indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o Recurso nem sequer procedendo à transcrição dos excertos do depoimento, tal como não foi desenvolvida qualquer apreciação crítica dos mesmos, não tendo ficado expressa qual a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre a matéria de facto impugnada.
CC. Dito isto, a Recorrente limitou-se a extrair constatações de facto que visariam apenas contrariar a decisão do Tribunal a quo, não sendo, contudo, dotadas da virtualidade de modificar a decisão cujos factos visaria impugnar, e mais não fez a Recorrente, pelo que não se pode considerar que a Recorrente tenha cumprido o ónus de impugnação decorrente do artigo 640.º do CPC.
DD. Com efeito, não basta a mera indicação de que um determinado recurso tem por objeto a reapreciação de matéria de facto para que a Recorrente se arrogue automaticamente no direito de beneficiar do prazo adicional de 10 (dez) dias que a lei lhe concede para esse efeito (cf. artigo 638.º, n.º 7, do CPC), é naturalmente preciso que, nas suas Alegações de Recurso, a Recorrente explicite em que medida é que a decisão sobre a matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo deverá ser reapreciada.
EE. Por esse motivo, o Recurso deverá ser desde logo indeferido, nos termos dos artigos 638.º, n.º 1 e 641.º, n.º 2, alínea a), ambos do CPC, na medida em que o mesmo não contém qualquer impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
FF. Mais se diga que, a Recorrente não efetuou, sequer, o pagamento da taxa de justiça devida, o que não se compreende, uma vez que a interposição do Recurso está dependente do pagamento da taxa de justiça devida, que deverá obedecer ao Tipo de Ação “Ações Declarativas e recursos (B – Recursos e Situações Especiais) – Tabela I”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 2 do Regulamento de Custas Processuais, na sua versão atual, pelo que o presente Recurso não deverá, sequer, ser admitido pelo douto Tribunal.
GG. Importa, em benefício da clareza de raciocínio, definir sucintamente as principais linhas orientadoras sobre as quais assenta a argumentação exposta pela Recorrida no âmbito dos presentes autos, as quais permitem concluir que a Recorrida não é, nem nunca poderia ser, responsável pela existência de quaisquer danos alegadamente suportados pela Recorrente – os quais não foram, sequer, demonstrados:
HH. No exercício da sua atividade de comercialização de energia, a Recorrida celebrou com a Recorrente, em outubro de 2018, um contrato de fornecimento de energia elétrica, referente à morada de fornecimento sita na …(“Contrato”);
II. No âmbito da execução do Contrato, a Recorrida procedeu ao cumprimento das suas obrigações mediante a emissão da respetiva faturação tendo por base as leituras que lhe foram fornecidas pela entidade operadora de rede de distribuição (entidade essa que é distinta da aqui Recorrida, em que, no caso da energia elétrica, a entidade operadora de rede de distribuição é a “E-REDES – Distribuição de Eletricidade, S.A.”);
JJ. Perante a alegação por parte da Recorrente de que que as interrupções do fornecimento de energia elétrica foram causadas pela Recorrida, importa explicitar, conforme esta última oportunamente esclareceu e demonstrou, quer em sede de Contestação, quer no decurso da audiência de discussão e julgamento, que tal alegação se deve a um manifesto equívoco da Recorrente na interpretação e análise sobre o funcionamento do Sistema Elétrico Nacional e das competências de cada um dos seus intervenientes;
KK. Veja-se, a título exemplificativo, que no que respeita ao fornecimento de energia elétrica, apesar de a própria Recorrente citar a norma que dispõe que “as matérias relativas a ligações às redes, avarias e leitura dos equipamentos de medição podem ser tratadas diretamente com o operador da rede a cujas redes a instalação do cliente se encontra ligada”, conclui, erroneamente, que as entidades comercializadoras e as entidades operadoras da rede de distribuição seriam solidariamente responsáveis, o que não corresponde à verdade.
LL. Outro exemplo do clamoroso erro de interpretação por parte da Recorrente, ao insistir que “[t]anto a ré como a ORPE não cumpriram, pontualmente, a sua obrigação de fornecimento de eletricidade à autora nas condições exigíveis, atendendo aos elevados padrões de qualidade a que deve obedecer esse fornecimento, no âmbito do contrato celebrado”, incide sobre a descuidada análise que efetua não só da regulamentação aplicável ao setor, mas também das obrigações assumidas contratualmente pelas partes (cf. artigo 79.º, n.º 1, alíneas j) e k) do Regulamento das Relações Comerciais e Cláusulas 7.2 e 7.3 do Contrato).
MM. Por outro lado, importa acrescentar que a Recorrente omite propositadamente que o comercializador de energia (in casu, a Recorrida) apenas poderá realizar um pedido de interrupção do fornecimento de energia elétrica junto da entidade operadora da rede de distribuição nos casos expressamente previstos no Regulamento das Relações Comerciais e no Contrato, não dispondo a Recorrida de competências para proceder à interrupção do fornecimento, cuja competência e responsabilidade impende, única e exclusivamente, sobre o operador de rede de distribuição (tal é assim, no que respeita ao setor da energia elétrica, nos termos do disposto nos artigos 7.º, n.º 3 e 73.º, n.º 1 do Regulamento das Relações Comerciais);
NN. Neste sentido, não assiste qualquer razão à Recorrente quando alega que a Recorrida “[n]ão cumpriu a sua obrigação de fornecimento de energia elétrica à autora, nem cumpriu a sua obrigação de aviso de suspensão no fornecimento de energia elétrica à autora, incumprimentos que não são afastados pelo simples facto de se tratar de uma obrigação solidária entre a ré e o ORPE”, o que não corresponde à verdade, porquanto a Recorrida cumpriu, como sempre cumpre, integralmente as suas obrigações contratuais e regulamentares, não tendo, em momento algum, solicitado à entidade operadora da rede de distribuição que procedesse à interrupção do fornecimento de energia elétrica, razão pela qual não poderia, naturalmente, emitir um aviso prévio de interrupção, uma vez que não existia qualquer dívida associada à relação contratual existente entre as partes, desconhecendo totalmente a origem da interrupção do fornecimento em causa, o que apenas poderia ter sido esclarecido pela E-REDES, conforme foi transmitido à Recorrente.
OO. Importa referir, desde logo, que no cerne da presente ação reside uma manifesta e descuidada compreensão e interpretação por parte da Recorrente relativamente aos princípios inerentes ao Setor Elétrico Nacional e à repartição de competências e interação entre os seus intervenientes. Tal é, aliás, corroborado pelo Tribunal a quo, quando refere na Sentença que “[d]a repartição de competências no Sistema Elétrico Nacional e do respetivo quadro legal, regulamentar e contratual aplicável decorre, então, que a interrupção do serviço não pode, pela sua natureza, ser determinada, ordenada ou controlada pela ré, comercializadora: a interrupção do fornecimento não está na sua disponibilidade fáctica, podendo apenas, verificados os respetivos pressupostos (relacionados com o incumprimento pelo cliente), solicitar a interrupção ao operador da rede. No caso vertente, não só a autora não alegou que a interrupção tenha sido solicitada pela ré, como ficou demonstrado que esta não o solicitara à ORD (n.º 22 acima).”
PP. Por outro lado, não poderá a Recorrida concordar com o que a Recorrente expõe nas suas Alegações de Recurso quando refere que “[a]ssim, tanto a ré como o ORPE não cumpriram, pontualmente, a sua obrigação de fornecimento de eletricidade à autora nas condições exigíveis, atendendo aos elevados padrões de qualidade a que deve obedecer esse fornecimento, no âmbito do contrato celebrado (Cfr. artigo 7.º da Lei n.º 23/96, de 26 de fevereiro). Tanto a ré como a ORPE incumpriram a sua obrigação (legal e contratual) de proceder com a mais elevada diligência e qualidade na prestação dos seus serviços.”.
QQ. Em primeiro lugar, ao tecer tais considerações, a Recorrente vem, de forma, no mínimo curiosa e contraditória, ignorar completamente o teor da sua Petição Inicial, vindo agora reconhecer que, afinal, existem outras entidades no Sistema Elétrico Nacional, quando, na altura da apresentação da Contestação pela Recorrida, a Recorrente não pretendeu que a entidade operadora da rede de distribuição – i.e., a única entidade com competência para proceder à interrupção do fornecimento de energia elétrica – fosse parte nos presentes autos.
RR. Nestes termos, é completamente inadmissível que venha agora a Recorrente terminar as Alegações de Recurso com um pedido diverso daquele que consta na sua Petição Inicial e que extravasa completamente o objeto dos presentes autos, ao indicar nas Alegações de Recurso que o Tribunal a quo deverá “(…) [p]roceder  à interpretação das mesmas no sentido que as obrigações de fornecimento de energia elétrica e de aviso de suspensão do fornecimento de energia elétrica são responsabilidades solidárias entre o comercializador e o distribuidor e, assim, condenar a ré a indemnizar os danos causados à autora”, quando não existe sequer um fundamento legal que permita sustentar tal responsabilidade solidária, sendo a Recorrida totalmente alheia às interrupções de fornecimento de energia elétrica que ocorreram.
SS. Ora, conforme resulta demonstrado no âmbito dos presentes autos, o fornecimento de energia elétrica só pode ser interrompido pelas operadoras das redes, com base nas razões previstas na regulamentação e legislação aplicável ao setor, sendo esta a entidade com competência exclusiva para o efeito (a qual é uma entidade distinta e independente da Recorrida) e contra quem deveria ter sido instaurada a presente ação, tal como foi, por diversas vezes, explicado à Autora.
TT. Nestes termos, e conforme consta dos presentes autos, a Recorrida, em momento algum, solicitou a interrupção do fornecimento de energia elétrica à entidade operadora da rede de distribuição, tal como não teve – nem poderia ter – qualquer interferência nesse processo, uma vez que tal atribuição não se insere na sua esfera de competências enquanto entidade comercializadora.
UU. Veja-se que, nos termos da alínea t) do artigo 2.º do Regulamento das Relações Comerciais dos setores elétrico e do gás (doravante, “RRC”), a entidade comercializadora é definida como “[a] entidade cuja atividade consiste na compra a grosso e na venda a grosso e/ou a retalho de energia elétrica e/ou de gás, em nome próprio ou em representação de terceiros, incluindo comercializadores em regime de mercado e comercializadores de último recurso”, pelo que, no âmbito e exercício da atividade comercial que exerce, à Recorrida compete, de entre outras funções, celebrar contratos de fornecimento com os consumidores finais (in casu, de fornecimento de energia elétrica), emitindo a faturação correspondente aos consumos efetuados pelos seus clientes.
VV. Por sua vez, a entidade operadora de rede de distribuição é definida, nos termos da alínea bbb) do artigo 2.º do RRC, como a “[e]ntidade concessionária da Rede Nacional de Distribuição de Eletricidade em Alta e Média Tensão ou de redes em Baixa Tensão, autorizada a exercer a atividade de distribuição de eletricidade”, o que significa que a entidade operadora de rede de distribuição é a titular da direção efetiva da rede de distribuição de energia elétrica (“E-REDES – Distribuição de Eletricidade, S.A.”, atual designação social da “EDP Distribuição – Energia, S.A.”), e enquanto concessionária de tal serviço, foi-lhe atribuída a propriedade dos meios afetos à concessão, e sobre a qual impende o dever de manutenção dos mesmos em bom estado de conservação.
WW. De acordo com o disposto nos artigos 11.º e 93.º a 101.º, todos do RRC, compete à entidade operadora de rede de distribuição (in casu, a E-REDES) desenvolver as atividades de distribuição de energia elétrica, o que inclui o desenvolvimento e manutenção das redes de distribuição que operam de forma a veicular a energia elétrica dos pontos de receção até aos pontos de entrega, bem como a ligação às redes e de compra e venda de acesso às redes de transporte.
XX. Acresce que, no que respeita às relações entre os vários intervenientes, que o n.º 3 do artigo 7.º do RRC prevê que “[s]ão da responsabilidade do operador de rede, designadamente, as matérias de ligações às redes, avarias, emergências, leituras, verificação ou substituição dos equipamentos de medição e reposição de fornecimento quando a interrupção não tiver sido solicitada pelo comercializador que assegura o fornecimento à instalação”, o que significa que, a instalação, a operação e a manutenção dos equipamentos de medição de energia elétrica incide na esfera de competência da entidade operadora de rede de distribuição, ou seja, da E-REDES.
YY. Deste modo, importa atender ao disposto no n.º 1 do artigo 73.º do RRC, o qual prevê que “[o] fornecimento de energia elétrica ou de gás pode ser interrompido pelos operadores das redes”, nas razões previstas no mesmo preceito, ou seja, a interrupção do fornecimento de energia elétrica tem por base as razões previstas na legislação aplicável ao setor, a qual é sempre efetuada pelo operador de rede de distribuição, sendo esta a entidade com competência exclusiva para o efeito, sem que a Recorrida tenha qualquer interferência nos processos de interrupção de fornecimento de energia elétrica que ocorrem.
ZZ. Neste sentido, é importante referir que a Recorrida, enquanto entidade comercializadora, apenas poderia solicitar que a E-REDES procedesse à interrupção do fornecimento de energia elétrica, em dois casos: nas situações de falta de pagamento dos montantes devidos no prazo estipulado ou nas situações de falta de prestação ou de atualização da caução, quando exigível, conforme previsto no artigo 79.º, n.º 1, alíneas j) e k) do Regulamento das Relações Comerciais e nas Cláusulas 7.1., a 7.6. (inclusive) do Contrato.
AAA. A este respeito, basta atender ao disposto na Cláusula 7.1. do Contrato, a qual prevê que: “[o] fornecimento de energia elétrica será efetuado de modo permanente e contínuo, só podendo ser interrompido nos termos legais e regulamentares aplicáveis, designadamente por caso fortuito ou de força maior, por razões de interesse público, de serviço, de segurança, por acordo com o Cliente ou por facto que lhe seja imputável, conforme previsto no Regulamento das Relações Comerciais do Setor Elétrico”, para compreender que estão previstas no Contrato e na regulamentação aplicável ao setor diversas situações em que o fornecimento de energia elétrica poderá ser interrompida pela entidade operadora da rede de distribuição.
BBB. Com efeito, não se tendo verificado nenhuma das situações acima indicadas, conforme ficou demonstrado nos presentes autos, designadamente dos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, a Recorrida não poderia, de forma alguma, solicitar a interrupção do fornecimento de energia elétrica, nem, muito menos, emitir um aviso prévio de interrupção, porquanto, em momento algum, solicitou a interrupção do fornecimento de energia elétrica, tal como explicou inúmeras vezes à Autora, desconhecendo totalmente a origem da interrupção do fornecimento, a qual apenas poderá ter sido efetuada pela E-REDES.
CCC. Tal é, aliás, corroborado pelo Tribunal a quo, quando refere na Sentença que “[n]o caso vertente, não só a autora não alegou que a interrupção tenha sido solicitada pela ré, como ficou demonstrado que esta não o solicitara à ORD (n.º 22 acima). A interrupção do fornecimento de energia elétrica à autora em 26.10.2020, 20.01.2021 e 25.01.2021, demonstrada nos autos (n.ºs 14, 18 e 19), não tendo sido solicitada pela ré, não lhe é imputável e não configura, como tal, incumprimento contratual que origine a obrigação de indemnizar.”
DDD. Pelo que não assiste qualquer razão à Recorrente ao referir que a Recorrida não cumpriu pontualmente as suas obrigações contratuais e legais nem, muito menos, que não atuou com as “mais elevada diligência e qualidade na prestação dos seus serviços”. Antes pelo contrário, a Recorrida cumpriu, como aliás sempre cumpre, escrupulosamente as suas obrigações contratuais e regulamentares, tendo, inclusivamente, demonstrado a sua colaboração para com a Recorrente, ao encaminhar a situação para a entidade responsável, i.e., para a entidade operadora da rede de distribuição, a E-REDES.
EEE. Dito isto, não se poderá de deixar de concluir que a Recorrente instaurou a presente ação numa tentativa incessante de fazer valer uma pretensão a que bem sabe não ter direito, não logrando sequer demonstrar a existência de qualquer responsabilidade da Recorrida na decorrência do sucedido, tal como não ficou demonstrado quais os prejuízos em que, alegadamente, a Recorrente incorreu, não tendo sido juntos aos presentes autos quaisquer documentos comprovativos que permitissem quantificar e/ou justificar a indicação dos montantes em causa.
FFF. Foi neste preciso sentido em que o Tribunal a quo decidiu, ao referir que “(…) [o]s valores e cálculos alegados pela autora na petição inicial estão desacompanhados de qualquer elemento documental que suporte minimamente a projeção apresentada”.
GGG. Por outro lado, diga-se, com o devido respeito, que ao contrário do alegado pela Recorrente, o depoimento prestado pela Testemunha RA em nada acrescentou à demonstração dos factos relatados na sua Petição Inicial, uma vez que a mesma não tem qualquer suporte documental que permitisse aferir a veracidade de tais valores peticionados pela Recorrente, além de que o depoimento prestado pela Testemunha RA cinge-se, única e exclusivamente, aos factos referentes à interrupção do funcionamento das máquinas e os valores envolvidos, nada referindo quanto à atuação da Recorrida no âmbito da execução do contrato.
HHH. Com efeito, tendo a Recorrida assegurado o cumprimento integral as suas obrigações contratuais e regulamentares, é inegável que inexiste qualquer nexo de causalidade que permita estabelecer qualquer relação entre a conduta da Recorrida e a ocorrência das referidas interrupções do fornecimento de energia elétrica, não tendo a Recorrida adotado qualquer conduta adequada à verificação da interrupção do fornecimento que originou, alegadamente, os danos mencionados pela Recorrente, o que é, aliás, mencionado na douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, no âmbito da qual se refere, quanto aos factos provados, que: “[n]enhuma das interrupções no fornecimento de energia elétrica acima foi solicitada pela ré à entidade operadora de rede de distribuição (artigo 21.º da contestação).” (cf. ponto 21 dos factos provados da Sentença).
III. Importa, por fim, atentar nas declarações prestadas pelas Testemunhas LF e CS, cujos depoimentos se revelaram, não só consistentes e merecedores de total credibilidade, como permitem sustentar que a pretensão da Recorrente é manifestamente infundada e desajustada.
JJJ. Se dúvidas houvessem de que a presente ação foi desencadeada por um manifesto inequívoco e incompreensão quanto ao funcionamento do Sistema Elétrico Nacional e à repartição de competências dos seus intervenientes, sempre se diria que os depoimentos sólidos, credíveis e coerentes prestados pelas referidas Testemunhas da Ré, aqui Recorrida, não deixam margem para concluir se não que a Recorrente pretende responsabilizar a Recorrida por uma situação que bem sabe que não teve origem na atuação desta última, a qual é totalmente alheia a qualquer interrupção do fornecimento de energia elétrica, tendo sido tais depoimentos não só reveladores de um profundo conhecimento das vicissitudes da relação contratual estabelecida entre a Recorrente e a Recorrida, como ainda da repartição de competências dos intervenientes do Setor Elétrico Nacional e do procedimento referente à interrupção do fornecimento, motivo pelo qual os mesmos se caraterizam como depoimentos sólidos, credíveis e esclarecedores dos termos em que assenta a presente ação.
KKK. Ficou assim claro, através dos depoimentos acima transcritos, que não existiu qualquer pedido de interrupção do fornecimento de energia elétrica por parte da Recorrida, nem esta última teve qualquer interferência nesse processo, uma vez que tal atribuição não se insere na sua esfera de competências enquanto entidade comercializadora, cabendo antes, única e exclusivamente, à entidade operadora da rede de distribuição, além de que não se verificaram quaisquer situações de incumprimento previstas no Contrato e na regulamentação aplicável ao setor que permitissem à Recorrida solicitar a interrupção do fornecimento à E-REDES.
LLL. Face ao que antecede, verifica-se que as Alegações de Recurso apresentadas pela Recorrente não passam de mais uma tentativa (vã) de alterar o sentido da decisão proferida e, uma vez mais, sem justificar e/ou demonstrar os fundamentos que sustentam o seu entendimento, que permitissem justificar que aos factos provados deverá ser aditado que “[a]s interrupções no fornecimento de energia elétrica à autora, sem aviso, causaram danos à autora”.
MMM. Ora, com o devido respeito, a alínea que a Recorrente se propõe aditar padece de qualquer fundamento justificativo que a sustente, sendo reveladoras do flagrante equívoco em que a mesma insiste propositadamente em incorrer. A Recorrente não só não logrou demonstrar a verificação de tais factos no âmbito dos presentes autos, como lhe competia, nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil (“CC”), como permanece no ensejo de responsabilizar a Recorrida a todo o custo por algo a que bem sabe não ter direito.
NNN. Em primeiro lugar, e ainda que, em tese, se pudesse considerar que aquela alínea corresponde à realidade, o que não se concede mas por mero dever de justo e empenhado patrocínio se equaciona, sempre se dirá que a mesma não se afigura relevante para decidir a questão que levou a Recorrente a instaurar a presente ação, isto é, saber se existiu um incumprimento do contrato de fornecimento de energia elétrica por parte da Recorrente, sendo a resposta a essa questão, evidentemente, negativa, sendo aliás, o que resulta de toda a prova produzida no âmbito dos presentes autos e da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual no entender da Recorrida não merece qualquer reparo.
OOO. Por tudo quanto ficou dito, fica inelutavelmente demonstrado que a Recorrida observou cumpriu integralmente as suas obrigações contratuais e regulamentares, não tendo, de modo algum, tido qualquer intervenção na interrupção do fornecimento de energia elétrica, pelo que não assiste qualquer razão à Recorrente no âmbito dos presentes autos.
PPP. No que tange às considerações tecidas pela Recorrente em sede de fundamentação da matéria de Direito, cumpre referir que a mesma limita-se a fazer alusões de caráter vago e genérico, num crasso desvio à argumentação exposta em sede de Petição Inicial, certamente por se ter a Recorrente apercebido de que tal argumentação nunca poderia proceder, pelo que, para maior facilidade de compreensão, e em coerência com a tese defendida na Contestação oportunamente apresentada, a Recorrida debruçar-se-á sobre as questões jurídicas identificadas na douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, cuja apreciação não merece qualquer reparo, não deixando, outrossim, de exercer o seu direito ao contraditório quanto à argumentação expendida pela Recorrente nas suas Alegações de Recurso.
QQQ. Com efeito, e não obstante a douta Sentença não merecer qualquer reparo por parte da Recorrida, importa reiterar que, a Recorrente, ao ter invocado a responsabilidade solidária da Recorrente com uma entidade que não faz sequer parte dos presentes autos, ignora por completo o regime previsto para o funcionamento do Setor Elétrico Nacional, conforme anteriormente explicitado.
RRR. Assim, importa referir, de forma sintética, que a aplicação do regime da responsabilidade civil encontra-se dependente da verificação cumulativa de cinco pressupostos essenciais: o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo de causalidade e o dano.
SSS. No entanto, a Recorrente olvida a necessidade de provar qualquer dos supra referidos pressupostos da responsabilidade civil, bastando-se, em toda a sua peça processual, com uma alusão vaga e genérica a factos e estados de alma, sem qualquer concretização.
TTT. Nas suas Alegações de Recurso, a Recorrente parece não compreender uma regra fundamental para a compreensão da distribuição do ónus da prova existente no ordenamento jurídico português, prevista no artigo 342.º, n.º 1 do CC, a qual dispõe que: “[a]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
UUU. In casu, sendo os pressupostos do regime da responsabilidade civil os factos constitutivos do direito invocado pela Recorrente, sempre se concluirá que apenas a esta caberia comprovar a verificação de cada um daqueles pressupostos, por ser sobre ela que recai o ónus da prova no âmbito dos presentes autos – o que evidentemente não logrou fazer.
VVV. Ora, importa referir que não foi pela Recorrida praticado qualquer facto ilícito, tendo ficado claramente demonstrado que, desde logo, não foi praticado qualquer facto pela Recorrida, na medida em que a mesma é totalmente alheia a qualquer interrupção do fornecimento de energia elétrica que tenha ocorrido, não tendo, seja por que forma e em nenhuma circunstância, solicitado à entidade operadora da rede de distribuição, in casu, à E-REDES que procedesse à interrupção do fornecimento de energia, ao que acresce que a Recorrida não tem competência para intervir nesse processo.
WWW. Foi neste mesmo sentido que se concluiu na douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, na qual se refere que “[d]a repartição de competências no Sistema Elétrico Nacional e do respetivo quadro legal, regulamentar e contratual aplicável decorre, então, que a interrupção do serviço não pode, pela sua natureza, ser determinada, ordenada ou controlada pela ré, comercializadora: a interrupção do fornecimento não está na sua disponibilidade fáctica, podendo apenas, verificados os respetivos pressupostos (relacionados com o incumprimento pelo cliente), solicitar a interrupção ao operador da rede”.
XXX. Mais prossegue a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, mencionando que, “[n]o caso vertente, não só a autora não alegou que a interrupção tenha sido solicitada pela ré, como ficou demonstrado que esta não o solicitara à ORD (n.º 22 acima). A interrupção do fornecimento de energia elétrica à autora em 26.10.2020, 20.01.2021 e 25.01.2021, demonstrada nos autos (n.ºs 14, 18 e 19), não tendo sido solicitada pela ré, não lhe é imputável e não configura, como tal, incumprimento contratual que origine a obrigação de indemnizar”.
YYY. Veja-se ainda que a jurisprudência proferida pelos tribunais portugueses tem sido no mesmo sentido, como é o exemplo do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21 de janeiro de 2020 (Processo n.º 350/18.0T8SCD.C1, Relator Fonte Ramos), no qual se refere que:
“1. A rede nacional de distribuição de eletricidade é explorada mediante uma única concessão do Estado, em regime de serviço público, pela E (…) S. A. (Ré).
2. O operador da rede de distribuição é responsável pela entrega da energia elétrica aos clientes ligados às suas redes e, consequentemente, pelas questões de âmbito técnico relacionadas com o fornecimento de energia elétrica, inclusive, derivadas de eventuais interrupções.
3. Na previsão do n.º 1 do art.º 509º do CC é puramente objetiva a responsabilidade quando se trate de danos resultantes da condução ou transporte e da entrega ou distribuição de energia elétrica ou de gás, seja qual for o meio utilizado, exceto quando os danos são devidos a causa de força maior (n.º 2) – os danos causados, v. g., pela condução (transporte) ou entrega (distribuição) dessas fontes de energia correm por conta das empresas que as exploram (cabe a quem tenha a direção efetiva dessas fontes de energia e as utilize no interesse próprio), nomeadamente, como proprietárias ou concessionárias, pois se auferem o principal proveito dessa atividade, é justo que suportem os riscos correspondentes.
4. Tendo a Ré a direção da distribuição, é de afirmar a sua responsabilidade pelo risco nos termos do art.º 509º do CC, se o evento danoso (decorrente da supressão na condução e entrega da energia elétrica), não atribuível a causa de força maior, surge como efeito adequado dos riscos próprios do transporte e entrega, no momento da colocação da energia à disposição do consumidor”. (…)
“Na qualidade de ORD, a 2ª Ré/recorrente é responsável pelo fornecimento de energia, no quadro do Regulamento da Qualidade de Serviço (RQS) do SE, aprovado pelo Regulamento n.º 455/2013 (DR, 2ª série, de 29.11) e pela instalação, conservação e manutenção dos equipamentos de medição, conforme o disposto no art.º 239º do citado RRC do SE, pelo que sendo a mesma responsável pela entrega da energia eléctrica aos clientes ligados às suas redes e pelas questões de âmbito técnico relacionadas com o fornecimento de energia eléctrica - com legitimidade e competência para gerir a rede eléctrica –, questionando-se se as interrupções de energia eléctrica ditas em II. 1. 7. e 8., supra, foram a causa dos danos ocorridos num aparelho eléctrico pertencente à segurada da A., o apuramento da responsabilidade por tais danos centrar-se-á na Ré E. D. P - Distribuição, S. A., enquanto operadora da rede de distribuição (responsável pelo abastecimento das instalações onde exerce actividade a segurada da A.), pois a Ré I (...) limita a sua actividade à comercialização de energia, não lhe podendo ser assacada qualquer responsabilização por danos ocorridos nas redes de distribuição de energia.(…)
A 2ª Ré desenvolve a actividade de entrega/distribuição da energia eléctrica aos clientes ligados às suas redes, pelo que as questões de âmbito técnico relacionadas com o fornecimento de energia eléctrica, nomeadamente as relacionadas com falhas de fornecimento, são da sua responsabilidade directa.(…) Tendo a 2ª Ré a direcção da distribuição, é de afirmar a sua responsabilidade pelo risco nos termos do art.º 509º do CC, pois o evento danoso (decorrente da supressão na condução e entrega da energia eléctrica), não atribuível a causa de força maior, surgiu como efeito adequado dos riscos próprios do transporte e entrega, no momento da colocação da energia à disposição do consumidor”. (com realces nossos)
ZZZ. Veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12 de outubro de 2023 (Processo n.º 884/20.6T8BJA.E1, Relator Manuel Bargado), no qual se indica que:
“I - O operador da rede de distribuição é responsável pela entrega da energia elétrica aos clientes ligados às suas redes e, consequentemente, pelas questões de âmbito técnico relacionadas com o fornecimento de energia elétrica, inclusive, derivadas de eventuais interrupções.
II - Na previsão do nº 1 do artigo 509º do CC é puramente objetiva a responsabilidade quando se trate de danos resultantes da condução ou transporte e da entrega ou distribuição de energia elétrica ou de gás, seja qual for o meio utilizado, exceto quando os danos são devidos a causa de força maior (nº 2) - os danos causados, v. g., pela condução (transporte) ou entrega (distribuição) dessas fontes de energia correm por conta das empresas que as exploram (cabe a quem tenha a direção efetiva dessas fontes de energia e as utilize no interesse próprio), nomeadamente, como proprietárias ou concessionárias, pois se auferem o principal proveito dessa atividade, é justo que suportem os riscos correspondentes.
III - Tendo a ré a direção da distribuição, é de afirmar a sua responsabilidade pelo risco nos termos do artigo 509º do CC, se o evento danoso (decorrente da interrupção/falha no fornecimento/entrega da energia elétrica), não atribuível a causa de força maior, surge como efeito adequado dos riscos próprios do transporte e entrega, no momento da colocação da energia à disposição do consumidor, e não releva que, até então, a linha de média tensão estivesse em bom estado de conservação e com condições de segurança adequadas”.
AAAA. Deste modo, ficou claramente demonstrado que a Recorrente foi incapaz de demonstrar a existência de qualquer conduta ilícita por parte da Recorrida que se traduza no incumprimento do Contrato ou da legislação em vigor, encontrando-se afastada essa possibilidade, porquanto a Recorrida cumpriu, como sempre cumpre, escrupulosamente todas as suas obrigações contratuais, legais e regulamentares que sobre si impendiam, o que, por si só, se revela suficiente para inviabilizar qualquer imputação de responsabilidade à Recorrida.
BBBB. Por outro lado, a Recorrida não adotou qualquer conduta culposa, tendo sempre atuado de modo diligente, no exercício das funções que lhe competem, em cumprimento do Contrato e da regulamentação aplicável ao setor, em conformidade com os mais rigorosos padrões de exigência e qualidade.
CCCC. E não se diga que pela circunstância de existir um contrato celebrado entre as partes se encontra verificada a presunção de culpa prevista no artigo 799.º do Código Civil, porquanto a Recorrida nada tem a ver com o sucedido, nem a situação em causa respeita a qualquer obrigação contratual, legal ou regulamentar que recaia sobre esta última, porquanto não foi solicitado, em momento algum, a interrupção do fornecimento à E-REDES, nem a aqui Recorrida teria competência para fazê-lo, pelo que não se verifica a aplicação deste preceito legal nem, por conseguinte, a aplicação da presunção de culpa, jamais podendo ser assacada qualquer responsabilidade à Recorrida seja a que título for.
DDDD. Ainda que, em teoria, se considerasse que tal dispositivo legal seria aplicável –, o que não se concede mas por mero dever de patrocínio se equaciona –, sempre se dirá que a sua (hipotética) verificação não é suscetível de originar, por si só, qualquer responsabilidade civil da Recorrida, uma vez que a mesma depende da demonstração dos cinco pressupostos de verificação cumulativa acima descritos – o que não sucede no presente caso.
EEEE. No que diz respeito ao nexo de causalidade que deverá existir entre o facto e o dano, importa referir, conforme já foi anteriormente demonstrado e em conformidade com a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que a conduta da Recorrida não é, nem poderia ser, objetivamente suscetível de causar os danos que a mesma alega ter suportado.
FFFF. Na verdade, existe uma flagrante omissão das etapas definidoras da existência de um nexo de causalidade estabelecido entre o evento ocorrido e a atuação da Recorrida. Com efeito, inexiste qualquer nexo de causalidade que permita estabelecer qualquer relação entre a conduta da Recorrida e a ocorrência do referido evento, não tendo a Recorrida adotado qualquer conduta adequada à verificação da interrupção do fornecimento que originou, alegadamente, os danos mencionados pela Recorrente.
GGGG. Face ao exposto, não poderá a Recorrida, apenas pelo facto de ter celebrado um contrato de fornecimento com a Recorrente ser responsabilizada pelos danos que lhe são imputados na presente ação, perante a flagrante ausência de nexo de causalidade entre a atuação da Recorrida e os danos alegados pela Recorrente, porquanto a Recorrida não teve, nem poderia ter, qualquer intervenção no evento em apreço.
HHHH. Por último, quanto aos danos alegados pela Recorrente, importa salientar que os mesmos carecem de qualquer fundamento legal, porquanto a Recorrente não só não logrou demonstrá-los, como nem sequer procedeu à junção de quaisquer documentos comprovativos que permitissem justificar por que razão peticiona o valor de 13.107,80 EUR (treze mil cento e sete euros e oitenta cêntimos) de indemnização, a título de danos patrimoniais, razão pela qual esse valor será inatendível.
IIII. Aliás, tal encontra-se totalmente em conformidade com a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, na qual se refere que “(…) [a] prova produzida não permitiu a demonstração do ali descrito. Com efeito, os valores e cálculos alegados pela autora na petição inicial estão desacompanhados de qualquer elemento documental que suporte minimamente a projeção apresentada. Tendo em conta a especificidade da matéria alegada, exigia-se um substrato probatório sólido onde o depoimento da testemunha RA, trabalhador qualificado da autora, pudesse arrimar-se e então, apreciados conjuntamente, permitissem considerar os valores apresentados como adquiridos nos autos. Havendo nos autos, apenas, o mencionado depoimento, e pese embora a credibilidade que a testemunha mereceu, a total ausência de outros elementos que permitissem situar minimamente os valores indicados (como o volume de produção, o volume de faturação, o custo das matérias primas) impossibilitou a consideração do alegado pela autora”.
JJJJ. No entanto, e ainda que a Recorrente não tenha demonstrado que foi a Recorrida a entidade responsável pela interrupção do fornecimento de energia elétrica, vem, ainda assim, peticionar este valor tendo por base os danos patrimoniais provocados por uma situação relativamente à qual a Recorrida é totalmente alheia.
KKKK. Ora, conforme ficou demonstrado e resulta da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, é de afastar não só qualquer responsabilidade, seja a que título for, quanto à Recorrida, tal como será de afastar, naturalmente, qualquer solidariedade que pudesse existir entre a aqui Recorrida e a entidade operadora da rede de distribuição que não é sequer parte dos presentes autos, por decisão, única e exclusiva, da Recorrente.
LLLL. A Recorrente insiste e persiste numa tentativa insaciável de imputar à Recorrida uma responsabilidade que bem sabe não existir.
MMMM. Por tudo o que foi dito, inexistindo qualquer prova relativa à verificação (cumulativa) dos cinco pressupostos da responsabilidade civil, ficou cabalmente demonstrado que a pretensão da Recorrente é manifestamente infundada e desajustada, ficando por demonstrar todos os pressupostos de que depende a verificação da responsabilidade civil, o que declina, sem mais, a existência de qualquer obrigação de a Recorrida indemnizar a recorrente, pelo que deverá a Sentença recorrida manter-se nos precisos termos em que foi proferida.
NNNN. Por tudo o que foi dito, ficou cabalmente demonstrado através das presentes Contra-alegações que a pretensão da Recorrente é manifestamente infundada e desajustada, porquanto pretende responsabilizar a Recorrida pelos alegados danos advenientes de uma situação que bem sabe não ser da responsabilidade da Recorrida, termos em que, deve a douta Decisão proveniente do Tribunal de 1.ª Instância manter-se inalterada e, consequentemente, deverá o recurso interposto pela Recorrente ser considerado integralmente improcedente.
Nestes termos e nos mais de Direito, deverá o recurso apresentado pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, por não provado e não fundamentado, mantendo-se na íntegra a Sentença ora em apreço.”

A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
1. A G, SA, foi objeto de fusão por incorporação na P, SA, com efeitos a 01.11.2021 (artigo 2.º da contestação).
2. A autora tem por objeto a atividade de investimento nos sectores industrial e comercial dos alumínios para construção, produção, comercialização, montagem e exportação de produtos de alumínio e consultadoria na gestão e fabrico de produtos de alumínio (artigo 1.º da petição inicial).
3. A ré tem por objeto, entre outros, a compra e venda e fornecimento de energia, nas suas diferentes formas, e prestação de serviços e exercício de atividades direta ou indiretamente relacionados com energia (artigo 15.º da petição inicial).
4. No âmbito das respetivas atividades, em 25.10.2018 autora e ré celebraram um contrato que denominaram de fornecimento contínuo de energia elétrica, composto de condições gerais e particulares compreendendo, nomeadamente, as seguintes:


(condições particulares)
“2. Definições
No presente Contrato, as palavras e expressões abaixo indicadas têm os significados que aqui se lhes atribuem, salvo se do contexto em que são empregues claramente resultar sentido diverso:
(…)
g) «Operador da Rede do Ponto de Entrega {ORPE)», corresponde à entidade titular da concessão de serviço público, ao abrigo da qual é autorizada a exercer a atividade de distribuição ou transporte de energia elétrica e que opera a rede que interliga o Ponto de Entrega, correspondendo ao Operador da Rede de Distribuição, sempre que o Estabelecimento do Cliente esteja ligado à Rede Nacional de Distribuição, em média ou alta tensão, ou às redes, de baixa tensão, ou ao Operador da Rede de Transporte, sempre que o Estabelecimento do Cliente esteja ligado à Rede Nacional de Transporte, em alta tensão ou muito alta tensão.
3. Obrigação de fornecimento
3.1. A G obriga-se a fornecer energia elétrica ao Cliente através da respetiva entrega ao ORPE, nos termos do contrato de uso de redes aplicável, para consumo no(s) ponto(s) de entrega, definido(s) nas Condições Particulares, tendo por base o consumo anual estimado constantes das mesmas. (…)
7.1. O fornecimento de energia elétrica será efetuado de modo permanente e contínuo, só podendo ser interrompido nos termos legais e regulamentares aplicáveis, designadamente por caso fortuito ou de força maior, por razões de interesse público, de serviço, de segurança, por acordo com o Cliente ou por facto que lhe seja imputável, conforme previsto no Regulamento das Relações Comerciais do Setor Elétrico. (…)
13.2. A G não é responsável pelo não cumprimento das obrigações do ORPE, não respondendo pelos danos relacionados ou emergentes de falhas no funcionamento da rede de distribuição e/ou transporte de energia elétrica.”
(condições gerais)
(artigos 3.º a 7.º da petição inicial).
5. O início do fornecimento de energia elétrica teve início no dia 1 de janeiro de 2019 (artigos 8.º e 9.º da petição inicial).
6. O contrato acima identificado manteve-se em vigor pelo menos ate 31.01.2021 (artigo 10.º da petição inicial).
7. A autora necessita do fornecimento de energia elétrica de forma ininterrupta para laborar (artigo 11.º da petição inicial).
8. Designadamente para ter iluminação, aquecimento, funcionamento de fornos e várias máquinas, computadores, telefones, entre outros equipamentos (artigo 12.º da petição inicial).
9. Após interrupção no fornecimento de energia elétrica, são necessárias várias horas para o reinício da laboração por necessidade de aquecimento dos fornos que dependem de energia elétrica (artigo 20.º da petição inicial).
10. A autora desenvolve a sua atividade em regime de laboração contínua (artigo 13.º da petição inicial).
11. A autora tem as suas equipas de trabalhadores organizadas por turnos (artigo 14.º da petição inicial).
12. A fábrica da autora encontra-se dividida em áreas de produção, designadamente a Extrusão onde são produzidos os perfis de alumínio, a Refusão onde a sucata é fundida e convertida num produto que pode ser a matéria prima da Extrusão ou Produto Acabado no caso de ser vendido a terceiros, e o Valor Acrescentado, onde os perfis são mecanizados em máquinas de CNC ou Balancés, para corte e perfuração das peças (artigos 36.º e 37.º da petição inicial).
13. No processo produtivo da autora, existe ainda a fabricação de matrizes, que são os moldes em aço temperado onde o alumínio ganha a forma de perfil na prensa extrusora (artigo 38.º da petição inicial).
14. No dia 26.10.2020, verificou-se uma interrupção no fornecimento de energia elétrica à autora (artigo 15.º da petição inicial).
15. A interrupção no fornecimento de energia elétrica iniciou-se às 15h30, tendo o fornecimento contínuo sido reposto às 19h45 (artigo 17.º da petição inicial).
16. No mencionado dia 26.10.2020 a autora tinha um turno organizado para uma equipa de trabalho das 16h00 à 0h00 (artigo 19.º da petição inicial).
17. Por não haver fornecimento de energia elétrica, a equipa mencionada em 16. não iniciou nem realizar integralmente o turno programado (artigo 21.º da petição inicial).
18. No dia 20.01.2021, a partir das 0h15, ocorreram várias interrupções de fornecimento de energia elétrica à autora (artigo 23.º da petição inicial).
19. No dia 25.01.2021, a partir das 15h15 e até ao final do dia, verificou-se uma interrupção no fornecimento de energia elétrica à autora (artigo 23.º da petição inicial).
20. Nenhuma das interrupções no fornecimento de energia elétrica acima mencionadas foi precedida de aviso à autora (artigos 16.º e 26.º da petição inicial).
21. Nenhuma das interrupções no fornecimento de energia elétrica acima foi solicitada pela ré à entidade operadora de rede de distribuição (artigo 21.º da contestação).
22. A ré comunicou à entidade operadora de rede de distribuição, no dia 24.01.2021, que a autora lhe reportara a verificação de interrupção não programada do fornecimento de energia elétrica nos dias 26.10.2020 e 20.01.2021 (artigo 42.º da contestação).
23. A ré remeteu à autora, em 21.01.2021, e-mail com o seguinte teor:
“Bom dia Sra SV,
As interrupções de fornecimento de Energia Elétrica que nos reporta, já foram registadas no respetivo Portal que assegura a comunicação entre o Comercializador (G) e o Operador de Rede de Distribuição, a EDP Distribuição, empresa proprietária das infraestruturas de distribuição da Energia Elétrica. Significa que é expectável da EDP Distribuição que nos informe do sucedido, mas não é certo que assim proceda. O que proponho e como garantia de uma resposta por parte da EDP Distribuição é a H, S.A. comunicar a ocorrência.
Com os melhores cumprimentos”
(artigo 43.º da contestação).
*
A sentença recorrida considerou como não provados os seguintes factos:
“A. Pela interrupção o fornecimento de energia elétrica no 26.10.2020 a autora tenha deixado de produzir 8,5 toneladas de produto na extrusão e 24 toneladas de produto na refusão (artigos 41.º a 43.º da petição inicial).
B. Pela interrupção o fornecimento de energia elétrica no 26.10.2020 a autora tenha deixado de auferir, relativamente à área de produção do Valor Acrescentado, o montante de €453,60 e, relativamente à fabricação de matrizes, o valor de €1.746,00 (artigos 44.º e 45.º da petição inicial).
C. Pela interrupção o fornecimento de energia elétrica no 25.01.2021 a autora tenha deixado de produzir 1,3 toneladas de produto na extrusão e 6,3 toneladas de produto na refusão (artigos 47.º a 49.º da petição inicial).
D. Pela interrupção o fornecimento de energia elétrica no 25.01.2021 a autora tenha deixado de auferir, relativamente à área de produção do Valor Acrescentado, o montante de €360,00 e, relativamente à fabricação de matrizes, o valor de €1.200,00 (artigos 44.º e 45.º da petição inicial).
E. A margem bruta média acumulada, por Kg, em 26.10.2020 e em 25.01.2021 fosse de €490,30/ton na extrusão, €149,94/ton na refusão (artigos 42.º, 43.º 48.º e 49.º da petição inicial).”
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da impugnação da decisão de facto
2. Da responsabilidade da R. pelas interrupções de fornecimento de energia elétrica à A. e suas consequências
*
1. Da impugnação da decisão de facto
Defende a apelada que o recurso da decisão de facto deve ser rejeitado porquanto não foram observados os ónus do art.º 640º do CPC.
Estabelece este preceito legal:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ªa edição, pág. 165-169, escreve:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)
A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artºs. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640º, nº 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios de prova constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.)
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. (…)”
Esta tem sido a orientação do S.T.J., de que é exemplo, o Ac. de 16/05/2018, in www.dgsi.pt:
“Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração.
Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art.º 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso.
Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada, mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art.º 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.” 
A A., nas conclusões do recurso, defende que devem ser aditados aos provados 16 factos que transcreveu, afirmando que foram alegados na petição inicial.
Verifica-se que parte desses factos correspondem aos pontos A a E da factualidade considerada não provada, pelo que naturalmente se deduz pretender que estes sejam eliminados do elenco dos não provados.
Na motivação do recurso (e também nas conclusões) sustenta a prova do facto i) nas regras da experiência e a prova dos demais no depoimento da testemunha RA. Embora se refira também genericamente a prova testemunhal, apenas especificou o referido depoimento. E em relação a este indicou a passagem da gravação em que se funda (sessão do dia 03/11/2023, entre os minutos 11:40 e 15:28).
Foram, pois, suficientemente cumpridos os ónus impostos pelo art.º 640 do CPC, nos moldes mencionados.
A factualidade que o apelante pretende seja aditada à matéria provada é a seguinte:
“i. as interrupções no fornecimento de energia elétrica à autora, sem aviso, causaram danos à autora.
ii. Para o cálculo dos prejuízos causados na Extrusão e Refusão, verificou-se uma perda efetiva de produção em kg/ton que, aplicando a margem bruta média acumulada à data por kg, cuja forma de cálculo é o Valor de Faturação, e subtraindo os custos das mercadorias vendidas e matérias consumidas e também o custo de transporte sobre os kg de vendas, obtêm-se valores médios.
iii. A margem bruta é designada por NAV (Net Added Value) unitário, que é diferente em cada área.
iv. Neste sentido, os prejuízos causados pela interrupção no fornecimento de energia no dia 26 de outubro de 2020, são os seguintes:
v. Extrusão: 8,5 tons x 490,30€/ton = 4.167,64€.
vi. Refusão: 24 tons x 149,94 €/ton = 3.598,56€.
vii. Valor Acrescentado: 453,60€.
viii. Matrizes: 1.746,00€.
ix. Tudo no valor total de 9.965,80€.
x. Os prejuízos causados pela interrupção no fornecimento de energia no dia 25 de janeiro de 2021, são os seguintes:
xi. Extrusão: 1,3 tons x 490,31€/ton = 637,40€.
xii. Refusão: 6,3 tons x 149,94€/ton = 944,60€.
xiii. Valor Acrescentado: 360,00€.
xiv. Matrizes: 1.200,00€.
xv. Tudo num total de 3.142,00€.
xvi. Assim, a soma das duas interrupções no fornecimento de energia elétrica, determinaram um prejuízo direto para a autora no valor de 13.107,80€.”
Funda a alteração do facto i. nas regras da experiência.
Constata-se que tal ponto tem natureza manifestamente conclusiva, a extrair ou não de factos concretos considerados provados, pelo que se deve manter arredada da matéria de facto.
A sentença recorrida fundamentou a matéria de facto não provada nos seguintes termos:
“No que respeita à matéria não provada, a prova produzida não permitiu a demonstração do ali descrito. Com efeito, os valores e cálculos alegados pela autora na petição inicial estão desacompanhados de qualquer elemento documental que suporte minimamente a projeção apresentada. Tendo em conta a especificidade da matéria alegada, exigia-se um substrato probatório sólido onde o depoimento da testemunha RA, trabalhador qualificado da autora, pudesse arrimar-se e então, apreciados conjuntamente, permitissem considerar os valores apresentados como adquiridos nos autos. Havendo nos autos, apenas, o mencionado depoimento, e pese embora a credibilidade que a testemunha mereceu, a total ausência de outros elementos que permitissem situar minimamente os valores indicados (como o volume de produção, o volume de faturação, o custo das matérias primas) impossibilitou a consideração do alegado pela autora.”
Da passagem da gravação especificada do depoimento da testemunha RA verifica-se que a testemunha explicou os cálculos efetuados para avaliação dos prejuízos, do que teve conhecimento por participar nas reuniões de direção onde foram debatidos, tendo por base o valor de venda da extrusão e por refusão, por tonelada, subtraindo os custos de transportes, matéria prima, etc. Já quanto aos prejuízos relativos às matrizes e valor acrescentado explicou que foram calculados pelas peças que estavam a ser trabalhadas na altura em que ocorreram os cortes de energia elétrica.
Embora a testemunha tenha mencionado os valores da extrusão e refusão por tonelada (já deduzidos os mencionados custos, matérias primas), que especificou serem de €190,00 e €490,00,  bem como a respetiva quantidade não produzida (de 8,5 toneladas e 24 toneladas, na 1ª situação de 2021; 1,3 toneladas e 6,3 toneladas, na 2ª situação de 2021), verifica-se que nenhum documento foi junto que permitisse aferir/confirmar os valores de venda/faturação dos referidos produtos, nem qualquer documento relativo aos valores a deduzir.
E no que concerne os prejuízos com matrizes e valor acrescentado, apenas mencionou o valor final: na primeira situação, €1.700,00 e entre €350 a €400, respetivamente; na segunda situação, o valor de €1.200 e entre €350 a €400, respetivamente – sem indicação de qualquer base de cálculo (quantas peças, que tipo de peças, respetivo valor).
Assim, ainda que o depoimento da testemunha, na sua globalidade, mereça credibilidade, mormente no que respeita às quantidades de extrusão e refusão não produzidas em virtude das interrupções de fornecimento da energia elétrica, afigura-se manifestamente insuficiente, quando estão em causa elementos que constituem a base de cálculo dos alegados prejuízos (valores brutos dos materiais a produzir, respetivos custos) e que têm expressão, nomeadamente, em documentos da contabilidade de uma empresa, estando naturalmente na disponibilidade da A., nenhuma impossibilidade na sua junção tendo sido alegada.
A apreciação crítica dos meios de prova relativamente aos factos não provados efetuada na sentença afigura-se correta, devendo manter-se como não provados os factos A a E. Pelos fundamentos aduzidos, o depoimento da referida testemunha não é suficiente para sustentar a prova dos factos que a apelante pretende aditar aos provados.
Pelo exposto, improcede a impugnação da decisão de facto.

2. Da responsabilidade da R. pelas interrupções de fornecimento de energia elétrica à A. e suas consequências
A A./apelante peticionou indemnização por danos patrimoniais decorrentes de interrupções do fornecimento de energia elétrica, em violação do contrato que celebrou com a R., pugnando pela procedência do pedido.
Na petição inicial invocou como fundamento a responsabilidade civil por incumprimento do contrato e invocou o disposto nos artºs 406º, 483º, 487º e 564º do CC.
No recurso, pugna pela responsabilidade solidária da R. e do ORPE no cumprimento da obrigação de fornecimento de eletricidade à autora, defendendo serem aplicáveis os artigos 9.º n.º 1 do Regulamento da Qualidade do Serviço do Setor Elétrico - Regulamento n.º 826/2023, de 28 de julho e artigo 102.º n.º 3 do Regulamento de Relações Comerciais do Setor Elétrico - Regulamento n.º 561/2014, de 22 de dezembro).
Entre a A. e a R. foi celebrado um contrato de fornecimento de energia elétrica, no qual foi estipulado, designadamente:
“3.1. A G obriga-se a fornecer energia elétrica ao Cliente através da respetiva entrega ao ORPE, nos termos do contrato de uso de redes aplicável, para consumo no(s) ponto(s) de entrega, definido(s) nas Condições Particulares, tendo por base o consumo anual estimado constantes das mesmas. (…)
7.1. O fornecimento de energia elétrica será efetuado de modo permanente e contínuo, só podendo ser interrompido nos termos legais e regulamentares aplicáveis, designadamente por caso fortuito ou de força maior, por razões de interesse público, de serviço, de segurança, por acordo com o Cliente ou por facto que lhe seja imputável, conforme previsto no Regulamento das Relações Comerciais do Setor Elétrico. (…)
13.2. A G não é responsável pelo não cumprimento das obrigações do ORPE, não respondendo pelos danos relacionados ou emergentes de falhas no funcionamento da rede de distribuição e/ou transporte de energia elétrica.”
Nos termos da cláusula 2ª, al. g) do contrato «Operador da Rede do Ponto de Entrega (ORPE)», corresponde à entidade titular da concessão de serviço público, ao abrigo da qual é autorizada a exercer a atividade de distribuição ou transporte de energia elétrica e que opera a rede que interliga o Ponto de Entrega, correspondendo ao Operador da Rede de Distribuição, sempre que o Estabelecimento do Cliente esteja ligado à Rede Nacional de Distribuição, em média ou alta tensão, ou às redes, de baixa tensão, ou ao Operador da Rede de Transporte, sempre que o Estabelecimento do Cliente esteja ligado à Rede Nacional de Transporte, em alta tensão ou muito alta tensão.
Nos dias 26/10/2020, 20/01/2021 e 25/01/2021 ocorreram interrupções de fornecimento de energia elétrica nas instalações da A.
O pedido formulado na ação insere-se na responsabilidade civil contratual (ainda que se mostrem invocados preceitos legais atinentes à responsabilidade extracontratual), de que são pressupostos cumulativos: o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade ente o facto ilícito e o dano.
O facto ilícito imputado traduz-se nas interrupções do fornecimento de energia elétrica.
A organização e funcionamento do sistema elétrico nacional (SEN) mostra-se regulado atualmente no DL nº 15/2022, de 14 de janeiro, que procedeu à revogação dos DL nº 29/2006, de 15/02 e DL nº 172/2006, de 23/08.
À data das interrupções de fornecimento de energia elétrica estava em vigor o DL nº 29/2006, de 15/02, diploma que estabelecia os princípios gerais relativos à organização e funcionamento do sistema elétrico nacional, bem como ao exercício das atividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade e à organização dos mercados de eletricidade, transpondo para a ordem jurídica interna os princípios da Diretiva n.º 2003/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade, e revoga a Diretiva n.º 96/92/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Dezembro.
Vigorava também o DL 172/2006, de 23/08, que desenvolveu os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do sistema elétrico nacional (SEN), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro, regulamentando o regime jurídico aplicável ao exercício das atividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade e à organização dos mercados de eletricidade.
Com estes diplomas procedeu-se à distinção das referidas atividades, dado que a Lei nº 26/96, de 26/07 (Lei dos Serviços Públicos), não faz qualquer distinção.
No preâmbulo do DL nº 29/2006 pode ler-se:
“A atividade de transporte de eletricidade é exercida mediante a exploração da rede nacional de transporte, a que corresponde uma única concessão exercida em exclusivo e em regime de serviço público. Esta atividade é separada jurídica e patrimonialmente das demais atividades desenvolvidas no âmbito do sistema elétrico nacional, assegurando-se a independência e a transparência do exercício da atividade e do seu relacionamento com as demais. Considerando que a rede nacional de transporte assume um papel crucial no sistema elétrico nacional, a sua exploração integra a função de gestão técnica global do sistema, assegurando a coordenação sistémica das instalações de produção e de distribuição, tendo em vista a continuidade e a segurança do abastecimento e o funcionamento integrado e eficiente do sistema.
A distribuição de eletricidade processa-se através da exploração da rede nacional de distribuição, que corresponde à rede em média e alta tensões, e da exploração das redes de distribuição em baixa tensão. A rede nacional de distribuição é explorada mediante uma única concessão do Estado, exercida em exclusivo e em regime de serviço público, convertendo-se a atual licença vinculada de distribuição de eletricidade em média e alta tensões em contrato de concessão, no respeito das garantias do equilíbrio de exploração da atual entidade licenciada. As redes de distribuição em baixa tensão continuam a ser exploradas mediante concessões municipais, sem prejuízo de os municípios continuarem a poder explorar diretamente as respetivas redes. Esta atividade é juridicamente separada das atividades do transporte e das demais atividades não relacionadas com a distribuição, não sendo obrigatória esta separação quando os distribuidores de baixa tensão abasteçam menos de 100000 clientes. As atuais concessionárias de distribuição de baixa tensão continuam a explorar as respetivas concessões pelo prazo de duração das mesmas.
A atividade de comercialização de eletricidade é livre, ficando, contudo, sujeita a atribuição de licença pela entidade administrativa competente, definindo-se, claramente, o elenco dos direitos e dos deveres na perspetiva de um exercício transparente da atividade.”
O art.º 2º do DL nº 172/2006, de 23/08, com as alterações introduzidas pelo DL nº 215-B/2012, de 28/10 e DL 76/2019, de 03/06, define:
“m) «Cliente não-doméstico» a pessoa singular ou coletiva que compra eletricidade não destinada a utilização no seu agregado familiar, incluindo produtores e clientes grossistas;
n) «Comercialização» a compra e venda de eletricidade a clientes, incluindo a revenda;
o) «Comercializador» a entidade registada para a comercialização de eletricidade cuja atividade consiste na compra a grosso e na venda a grosso e a retalho de eletricidade;
q) «Consumidor» o cliente final de eletricidade;
u) «Distribuição» a transmissão de eletricidade em redes de distribuição de alta, média e baixa tensão para entrega ao cliente, mas sem incluir a comercialização;
v) «Distribuidor» a entidade titular de uma concessão de distribuição de eletricidade;
ss) «Operador da rede» a entidade titular de concessão ao abrigo da qual é autorizada a exercer a atividade de transporte ou de distribuição de eletricidade, correspondendo a uma das seguintes entidades, cujas funções estão previstas no Regulamento de Relações Comerciais: a entidade concessionária da RNT, a entidade titular da concessão da RND e as entidades titulares da concessão de distribuição de eletricidade em BT;
tt) «Operador da rede de distribuição» a pessoa singular ou coletiva que exerce a atividade de distribuição e é responsável, numa área específica, pelo desenvolvimento, pela exploração e pela manutenção da rede de distribuição e, quando aplicável, pelas suas ligações com outras redes, bem como por assegurar a garantia de capacidade da rede a longo prazo;
uu) «Operador da rede de transporte» a pessoa singular ou coletiva que exerce a atividade de transporte e é responsável pelo desenvolvimento, pela exploração e pela manutenção da rede de transporte e, quando aplicável, pelas suas ligações com outras redes, bem como por assegurar a garantia de capacidade da rede a longo prazo, para atender pedidos razoáveis de transporte de eletricidade;”
E o art.º 3º do DL 29/2006 define:
j) «Comercializador» a entidade registada para a comercialização de eletricidade cuja atividade consiste na compra a grosso e na venda a grosso e a retalho de eletricidade;
l) «Consumidor» o cliente final de eletricidade;
o) «Distribuição» a veiculação de eletricidade em redes de distribuição de alta, média e baixa tensões para entrega ao cliente, excluindo a comercialização;
p) «Distribuidor» a entidade titular de uma concessão de distribuição de eletricidade;
aa) «Operador da rede de distribuição» a pessoa singular ou coletiva que exerce a atividade de distribuição e é responsável, numa área específica, pelo desenvolvimento, exploração e manutenção da rede de distribuição e, quando aplicável, das suas interligações com outras redes, bem como por assegurar a garantia de capacidade da rede a longo prazo; (…).
Nos termos do disposto no art.º 4º nºs 4 e 5 do DL. 29/2006 o exercício das atividades de produção e de comercialização de eletricidade processa-se em regime de livre concorrência; o exercício das atividades de transporte e de distribuição de eletricidade processa-se em regime de concessão de serviço público, em exclusivo, nos termos definidos em diploma específico.
Dispõe o art.º 36º, nº 1 que “o operador de rede de distribuição é independente, no plano jurídico, da organização e da tomada de decisões de outras atividades não relacionadas com a distribuição.”
O art.º 42º preceitua:
“1 - O exercício da atividade de comercialização de eletricidade é livre, ficando sujeito a registo prévio, nos termos estabelecidos na lei.
2 - O exercício da atividade de comercialização de último recurso e do facilitador de mercado está sujeito a licença.
3 - O exercício da atividade de comercialização de eletricidade consiste na compra e venda de eletricidade, para comercialização a clientes finais ou outros agentes, através da celebração de contratos bilaterais ou da participação em mercados organizados.
4 - A comercialização de eletricidade deve obedecer às condições estabelecidas no presente decreto-lei, em legislação complementar, no Regulamento de Relações Comerciais e no Regulamento da Qualidade de Serviço.
5 - O fornecimento de eletricidade, salvo casos fortuitos ou de força maior, só pode ser interrompido por razões de interesse público, de serviço ou de segurança, ou por facto imputável ao cliente ou a terceiros, nos termos previstos no Regulamento das Relações Comerciais.”
“A atividade de comercialização de eletricidade é separada juridicamente das restantes atividades, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 36.º” (art.º 43º)
E o art.º 44º estabelece:
“1 - Os comercializadores de eletricidade podem contratar a eletricidade necessária ao abastecimento dos seus clientes através da celebração de contratos bilaterais ou através da participação em mercados organizados.
2 - Os comercializadores de eletricidade relacionam-se comercialmente com os operadores das redes às quais estão ligadas as instalações dos seus clientes, assumindo a responsabilidade pelo pagamento das tarifas de uso das redes e outros serviços, bem como pela prestação das garantias contratuais legalmente estabelecidas.
3 - O relacionamento comercial com os clientes decorre da celebração de um contrato de compra e venda de eletricidade, que deve observar as disposições estabelecidas no Regulamento de Relações Comerciais.
4 - Os comercializadores de eletricidade podem exigir aos seus clientes, nos termos da lei, a prestação de caução a seu favor, para garantir o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de compra e venda de eletricidade.
5 - Compete aos comercializadores de eletricidade exercer as funções associadas ao relacionamento comercial, nomeadamente a faturação da energia fornecida e a respetiva cobrança, bem como o cumprimento dos deveres de informação relativos às condições de prestação de serviço, na observância do Regulamento de Relações Comerciais e do Regulamento de Qualidade de Serviço.
6 - Constitui obrigação dos comercializadores de eletricidade a manutenção de um registo atualizado dos seus clientes e das reclamações por eles apresentadas.”
O Regulamento das Relações Comerciais dos setores elétrico e do gás nº 561/2014, de 22 de dezembro (doravante RRC), define no art.º 3º, nº 2 (definições que correspondem às elencadas no art.º 2º do Regulamento das Relações Comerciais dos setores elétrico e do gás nº 1129/2020, de 30 de dezembro, em vigor à data das interrupções de fornecimento ocorridas em 2021):
“d) Cliente - pessoa singular ou coletiva que compra energia elétrica para consumo próprio.
h) Comercializador - entidade cuja atividade consiste na compra a grosso e na venda a grosso e a retalho de energia elétrica, em nome próprio ou em representação de terceiros.
n) Distribuição - veiculação de energia elétrica através de redes em alta, média ou baixa tensão, para entrega ao cliente, excluindo a comercialização.
q) Fornecedor - entidade com capacidade para efetuar fornecimentos de energia elétrica, correspondendo a uma das seguintes entidades: produtor em regime ordinário, produtor em regime especial, comercializador ou comercializador de último recurso.
w) Operador da rede de distribuição - entidade concessionária da RND ou de redes em BT, autorizada a exercer a atividade de distribuição de eletricidade.
x) Operador da rede de transporte - entidade concessionária da RNT, nos termos das Bases de Concessão e do respetivo contrato.
De acordo com o art.º 6º, nº 1, “no exercício das suas atividades, os sujeitos intervenientes no SEN devem observar as obrigações de serviço público estabelecidas na lei.”
Nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, são obrigações de serviço público, nomeadamente a segurança, a regularidade e a qualidade do abastecimento (art.º 5º, nº 3), o que foi reafirmado no art.º 6º, nº 2 do RRC nº 561/2014 (a que corresponde o art.º 5º, nº 2 do RRC nº 1129/2020).
Dispõe o art.º 69º do RRC nº 561/2014 (e art.º 73º do RRC nº 1129/2020):
“1 - O fornecimento de energia elétrica pode ser interrompido pelos operadores das redes pelas seguintes razões:
a) Casos fortuitos ou de força maior.
b) Razões de interesse público.
c) Razões de serviço.
d) Razões de segurança.
e) Facto imputável aos operadores de outras redes.
f) Facto imputável ao cliente.
g) Acordo com o cliente. (…)”
O art.º 75º, nº 1 contém elenco das situações em que o fornecimento de energia elétrica pode ser interrompido, por facto imputável ao cliente, dispondo o nº 2 que “a interrupção do fornecimento nas condições previstas no número anterior, só pode ter lugar após pré-aviso, por escrito, com uma antecedência mínima relativamente à data em que irá ocorrer, salvo no caso previsto na alínea f), caso em que deve ser imediata.”
Dispõe o art.º 137º:
“1 - Além do disposto no Artigo 75.º deste regulamento, os comercializadores e os comercializadores de último recurso podem solicitar ao operador da rede a interrupção do fornecimento de energia elétrica por facto imputável ao cliente nas situações de falta de pagamento no prazo estipulado dos montantes devidos, nos termos do Artigo 131.º e do Artigo 136.º.
2 - Os comercializadores e os comercializadores de último recurso podem ainda solicitar ao operador da rede a interrupção do fornecimento de energia elétrica por facto imputável ao cliente nas situações de falta de prestação ou de atualização da caução, quando exigível nos termos do Artigo 113.º e do Artigo 117.º.
3 - A interrupção do fornecimento por facto imputável ao cliente só pode ter lugar após pré-aviso, por escrito, a efetuar pelo comercializador ou comercializador de último recurso, com uma antecedência mínima de 20 dias relativamente à data em que irá ocorrer (…).”
Nos termos do disposto no art.º 90º do RRC nº 561 “o relacionamento comercial entre os comercializadores e os seus clientes processa-se de acordo com as regras constantes do Capítulo VII do presente regulamento”, que correspondem aos artºs 100º e ss. do RRC.
Dispõe o art.º 102º do RRC nº 561:
“(…)
2 - O relacionamento comercial com os clientes é assegurado pelo comercializador ou comercializador de último recurso com quem celebrou um contrato de fornecimento de energia elétrica, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
3 - As matérias relativas a ligações às redes, avarias e leitura dos equipamentos de medição podem ser tratadas diretamente com o operador da rede a cujas redes a instalação do cliente se encontra ligada.
4 - Considerando o disposto no número anterior, os comercializadores e comercializadores de último recurso devem informar os seus clientes das matérias a tratar diretamente pelo operador da rede da área geográfica onde se localizam as respetivas instalações, indicando os meios de contacto adequados para o efeito. (…)”
Por sua vez, dispõe o art.º 7º do RRC nº 1129, sob a epígrafe “Relações entre os vários intervenientes”:
“1 - A relação comercial estabelece-se entre o comercializador de energia elétrica ou de gás e o cliente com quem foi celebrado o contrato de fornecimento.
2 - O comercializador é responsável pelo tratamento de quaisquer questões relacionadas com o fornecimento de energia elétrica ou de gás.
3 - Excetua-se do disposto no número anterior o tratamento de questões que são da responsabilidade do operador da rede.
4 - São da responsabilidade do operador de rede, designadamente, as matérias de ligações às redes, avarias, emergências, leituras, verificação ou substituição dos equipamentos de medição e reposição de fornecimento quando a interrupção não tiver sido solicitada pelo comercializador que assegura o fornecimento à instalação.
5 - O comercializador deve informar os seus clientes das matérias a tratar diretamente junto do operador da rede competente, indicando os meios de contacto adequados para o efeito.”
Nos termos do disposto no art.º 343º do RRC nº 1129 as atividades de distribuição de energia elétrica devem assegurar a operação das redes de distribuição de energia elétrica ou de gás em condições técnicas e económicas adequadas (nº 1), competindo aos operadores das redes de distribuição: (…) b) proceder à manutenção das redes de distribuição; c) coordenar o funcionamento das redes de distribuição de forma a assegurar a veiculação de energia elétrica dos pontos de receção até aos pontos de entrega e dos pontos de entrada até aos pontos de entrega, observando os níveis de qualidade de serviço regulamentarmente estabelecidos; (…) k) planear e promover o desenvolvimento das redes de distribuição que operam de forma a veicular a energia elétrica dos pontos de receção até aos pontos de entrega, assegurando o cumprimento dos padrões de qualidade de serviço que lhe sejam aplicáveis; (…) l) coordenar o funcionamento das instalações das redes de distribuição com vista a assegurar a sua compatibilização com as instalações de outros operadores das redes de distribuição, dos produtores, dos clientes que a ela estejam ligados ou se pretendam ligar (…)”.
Resulta do quadro legal enunciado que, no âmbito da distinção das diversas atividades, a distribuição da energia elétrica compete à operadora de rede de distribuição, in casu a E-REDES. A ora R. é comercializadora da energia elétrica e a A. sua cliente, tendo entre ambas sido celebrado um contrato.
Nos termos da cláusula 13.2 a R. não é responsável pelo não cumprimento das obrigações do ORPE, não respondendo pelos danos relacionados ou emergentes de falhas no funcionamento da rede de distribuição e/ou transporte de energia elétrica.
A A. limitou-se a invocar interrupções do fornecimento de energia elétrica e respetivas consequências danosas, sem atribuição de qualquer causa. Não tendo as interrupções tido origem em pedido efetuado pela R. à operadora de rede de distribuição (o que afasta desde logo a imputada obrigação de efetuar pré aviso) – facto que logrou demonstrar -, cabendo a tal entidade a competência exclusiva para proceder a interrupções de fornecimento e não tendo resultado provado qualquer outro facto que permita atribuir à R. qualquer conduta, por ação ou omissão, de que tenham resultado as interrupções do fornecimento, fica afastada a sua responsabilidade em sede contratual.    
Com efeito, a R., enquanto comercializadora de energia, apenas pode efetuar pedido de interrupção do fornecimento de energia elétrica junto da entidade operadora da rede de distribuição nos casos expressamente previstos no Regulamento das Relações Comerciais e no contrato, não estando na disponibilidade da R. o fornecimento da energia elétrica ou a respetiva interrupção, cuja competência e responsabilidade impende, única e exclusivamente, sobre o operador de rede de distribuição.
Como se escreveu na sentença recorrida: “Da repartição de competências no Sistema Elétrico Nacional e do respetivo quadro legal, regulamentar e contratual aplicável decorre, então, que a interrupção do serviço não pode, pela sua natureza, ser determinada, ordenada ou controlada pela ré, comercializadora: a interrupção do fornecimento não está na sua disponibilidade fáctica, podendo apenas, verificados os respetivos pressupostos (relacionados com o incumprimento pelo cliente), solicitar a interrupção ao operador da rede.
No caso vertente, não só a autora não alegou que a interrupção tenha sido solicitada pela ré, como ficou demonstrado que esta não o solicitara à ORD (n.º 22 acima).
A interrupção do fornecimento de energia elétrica à autora em 26.10.2020, 20.01.2021 e 25.01.2021, demonstrada nos autos (n.ºs 14, 18 e 19), não tendo sido solicitada pela ré, não lhe é imputável e não configura, como tal, incumprimento contratual que origine a obrigação de indemnizar.”
A eventual responsabilidade objetiva, prevista no art.º 509º do CC, é também de afastar em relação à R., uma vez que os danos causados pelo transporte ou distribuição da energia correm por conta das empresas que tenham a direção efetiva dessas fontes de energia e as utilize no interesse próprio, ou seja, as operadoras de rede.
Neste sentido, v. a título de exemplo, os seguintes acórdãos, todos disponíveis em www.dgsi.pt:
“I - O operador da rede de distribuição é responsável pela entrega da energia elétrica aos clientes ligados às suas redes e, consequentemente, pelas questões de âmbito técnico relacionadas com o fornecimento de energia elétrica, inclusive, derivadas de eventuais interrupções.
II - Na previsão do nº 1 do artigo 509º do CC é puramente objetiva a responsabilidade quando se trate de danos resultantes da condução ou transporte e da entrega ou distribuição de energia elétrica ou de gás, seja qual for o meio utilizado, exceto quando os danos são devidos a causa de força maior (nº 2) - os danos causados, v. g., pela condução (transporte) ou entrega (distribuição) dessas fontes de energia correm por conta das empresas que as exploram (cabe a quem tenha a direção efetiva dessas fontes de energia e as utilize no interesse próprio), nomeadamente, como proprietárias ou concessionárias, pois se auferem o principal proveito dessa atividade, é justo que suportem os riscos correspondentes.
III - Tendo a ré a direção da distribuição, é de afirmar a sua responsabilidade pelo risco nos termos do artigo 509º do CC, se o evento danoso (decorrente da interrupção/falha no fornecimento/entrega da energia elétrica), não atribuível a causa de força maior, surge como efeito adequado dos riscos próprios do transporte e entrega, no momento da colocação da energia à disposição do consumidor, e não releva que, até então, a linha de média tensão estivesse em bom estado de conservação e com condições de segurança adequadas.” (Ac. RE de 12/10/2023, proc. nº 884/20.6T8BJA.E1)
“1. A rede nacional de distribuição de electricidade é explorada mediante uma única concessão do Estado, em regime de serviço público, pela E (…) S. A. (Ré).
2. O operador da rede de distribuição é responsável pela entrega da energia eléctrica aos clientes ligados às suas redes e, consequentemente, pelas questões de âmbito técnico relacionadas com o fornecimento de energia eléctrica, inclusive, derivadas de eventuais interrupções.
3. Na previsão do n.º 1 do art.º 509º do CC é puramente objectiva a responsabilidade quando se trate de danos resultantes da condução ou transporte e da entrega ou distribuição de energia eléctrica ou de gás, seja qual for o meio utilizado, excepto quando os danos são devidos a causa de força maior (n.º 2) - os danos causados, v. g., pela condução (transporte) ou entrega (distribuição) dessas fontes de energia correm por conta das empresas que as exploram (cabe a quem tenha a direcção efectiva dessas fontes de energia e as utilize no interesse próprio), nomeadamente, como proprietárias ou concessionárias, pois se auferem o principal proveito dessa actividade, é justo que suportem os riscos correspondentes.
4. Tendo a Ré a direcção da distribuição, é de afirmar a sua responsabilidade pelo risco nos termos do art.º 509º do CC, se o evento danoso (decorrente da supressão na condução e entrega da energia eléctrica), não atribuível a causa de força maior, surge como efeito adequado dos riscos próprios do transporte e entrega, no momento da colocação da energia à disposição do consumidor (segurada da A.), e não releva que, até então, a linha de média tensão estivesse em bom estado de conservação e com condições de segurança adequadas. (…)
Na qualidade de ORD, a 2ª Ré/recorrente é responsável pelo fornecimento de energia, no quadro do Regulamento da Qualidade de Serviço (RQS) do SE, aprovado pelo Regulamento n.º 455/2013 (DR, 2ª série, de 29.11) e pela instalação, conservação e manutenção dos equipamentos de medição, conforme o disposto no art.º 239º do citado RRC do SE, pelo que sendo a mesma responsável pela entrega da energia eléctrica aos clientes ligados às suas redes e pelas questões de âmbito técnico relacionadas com o fornecimento de energia eléctrica - com legitimidade e competência para gerir a rede eléctrica –, questionando-se se as interrupções de energia eléctrica ditas em II. 1. 7. e 8., supra, foram a causa dos danos ocorridos num aparelho eléctrico pertencente à segurada da A., o apuramento da responsabilidade por tais danos centrar-se-á na Ré E. D. P - Distribuição, S. A., enquanto operadora da rede de distribuição (responsável pelo abastecimento das instalações onde exerce actividade a segurada da A.), pois a Ré I (...) limita a sua actividade à comercialização de energia, não lhe podendo ser assacada qualquer responsabilização por danos ocorridos nas redes de distribuição de energia. (…) A 2ª Ré desenvolve a actividade de entrega/distribuição da energia eléctrica aos clientes ligados às suas redes, pelo que as questões de âmbito técnico relacionadas com o fornecimento de energia eléctrica, nomeadamente as relacionadas com falhas de fornecimento, são da sua responsabilidade directa. (…)
Tendo a 2ª Ré a direcção da distribuição, é de afirmar a sua responsabilidade pelo risco nos termos do art.º 509º do CC, pois o evento danoso (decorrente da supressão na condução e entrega da energia eléctrica), não atribuível a causa de força maior, surgiu como efeito adequado dos riscos próprios do transporte e entrega, no momento da colocação da energia à disposição do consumidor (…)”. (Ac. RC de 21/01/2020, proc. nº 350/18.0T8SCD.C1)
Em sede de recurso a A. veio imputar à R. a responsabilidade solidária com o ORPE, que entende decorrer do preceituado no artigo 9.º n.º 1 do Regulamento da Qualidade do Serviço do Setor Elétrico n.º 826/2023, de 28 de julho e artigo 102.º n.º 3 do Regulamento de Relações Comerciais do Setor Elétrico n.º 561/2014, de 22 de dezembro.
Mais invocou o disposto nos artigos 79.º n.º 1 alínea a), n.º 2 alínea a) e n.º 3, 89.º n.º 1, 102.º n.º 3 e 106.º n.º 3 alínea b) do Regulamento n.º 561/2014, de 22 de dezembro, e os artigos 1.º n.º 2 alínea b), 7.º e 5.º n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 23/96, de 26 de fevereiro.
Estas normas contemplam a atividade de compra e venda de energia elétrica dos comercializadores de último recurso e a sua função de compra e venda de energia elétrica para fornecimento dos clientes (art.º 79º do RRC); a responsabilidade do comercializador pela aquisição de energia elétrica para abastecer os consumos dos clientes agregados na sua carteira, bem como para a satisfação de contratos bilaterais em que atue como agente vendedor (art.º 89º do RRC); estabelecem que as matérias relativas a ligações às redes, avarias e leitura dos equipamentos de medição podem ser tratadas diretamente com o operador da rede a cujas redes a instalação do cliente se encontra ligada (artº102º, nº 3 do RRC); regulam o conteúdo dos contratos de fornecimento de energia elétrica entre os comercializadores e os seus clientes (art.º 106º do RRC). Por último, a Lei 23/96 classifica como serviço público o fornecimento de energia elétrica (art.º 1º), consagra que a prestação de qualquer serviço deverá obedecer a elevados padrões de qualidade, neles devendo incluir-se o grau de satisfação dos utentes, especialmente quando a fixação do preço varie em função desses padrões (art.º 7º); que a prestação do serviço não pode ser suspensa sem pré-aviso adequado, salvo caso fortuito ou de força maior e que em caso de mora do utente que justifique a suspensão do serviço, esta só pode ocorrer após o utente ter sido advertido, por escrito, com a antecedência mínima de 20 dias relativamente à data em que ela venha a ter lugar (art.º 5º).
Entende a A. que a R. não cumpriu a obrigação de fornecimento de energia elétrica nem cumpriu a obrigação de aviso de suspensão de fornecimento, defendendo que são responsabilidades solidárias entre o comercializador e o distribuidor.
O Regulamento da Qualidade do Serviço do Setor Elétrico n.º 826/2023 entrou em vigor em data posterior à celebração do contrato e às interrupções do fornecimento de energia elétrica, pelo que ao presente caso é aplicável o Regulamento da Qualidade de Serviço do Setor Elétrico e Setor do Gás Natural (doravante RQS) nº 629/2017, de 20/12.
O art.º 10º (sob a epígrafe “partilha de responsabilidades e direito de regresso”), cuja redação é idêntica à do art.º 9º, nº 1 do RQS 826/2023, preceitua:
“1. Os comercializadores respondem pelos diversos aspetos da qualidade de serviço junto dos clientes com quem celebrem um contrato de fornecimento, sem prejuízo da responsabilidade dos operadores de redes ou das infraestruturas com quem estabeleceram contratos de uso das redes e do direito de regresso sobre estes.
2. Os comercializadores devem informar os seus clientes dos direitos e das obrigações que lhes são conferidos pelo presente regulamento, bem como dos níveis de qualidade de serviço contratados, nos termos previstos no RRCEE e no RRCGN.”
Nos termos do art.º 11º “o disposto neste regulamento e o pagamento das compensações nele previstas não prejudica o regime da responsabilidade civil legalmente aplicável.”
A previsão do art.º 10º, nº 1 apenas abrange a responsabilidade (direta) do comercializador perante o cliente pelos diversos aspetos da qualidade de serviço.
Como vimos, são obrigações de serviço público, nomeadamente a segurança, a regularidade e a qualidade do abastecimento.
O RQS distingue continuidade/regularidade (cfr. capítulo II, artºs 12º a 24º) e qualidade do serviço (cfr. capítulo III, artºs 25º a 38º).
De acordo com o art.º 12º, nº 1 “define-se interrupção como a ausência de fornecimento de energia elétrica a uma infraestrutura de rede, a uma instalação de produção ou a uma instalação de consumo.”
As interrupções de fornecimento de energia elétrica prendem-se com a obrigação de regularidade/continuidade do serviço – e não com a obrigação de qualidade.
E nos termos do art.º 5º do RQS nº 629 “os operadores de redes do setor elétrico e do setor do gás natural devem proceder, sempre que possível, de forma a manter o fornecimento contínuo de energia elétrica e de gás natural”, podendo o fornecimento ser interrompido pelas razões previstas no RRCEE e no RRCGN.
A continuidade/regularidade do fornecimento é obrigação que recai sobre os operadores de redes – e não sobre os comercializadores, incumbindo a estes adquirir energia elétrica necessária para satisfazer os fornecimentos aos seus clientes.
Pela ocorrência das interrupções no fornecimento de energia elétrica nas instalações da A. não recai sobre a R., comercializadora, a responsabilidade prevista no art.º 10º, nº 1 do RQS.
Perante a factualidade provada nenhum incumprimento pode ser assacado à R., designadamente da obrigação de fornecimento e de aviso de suspensão, como já assinalado, não se verificando qualquer situação que, por via das normas legais e regulamentares (para além das clausulas contratuais, já analisadas), mormente as invocadas, a R. seja solidariamente responsável, com o operador de rede de distribuição pelos danos decorrentes das referidas interrupções de fornecimento.
Não provados quaisquer dos fundamentos da responsabilidade da R., impunha-se a improcedência da ação.
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 12 de setembro de 2024
Teresa Sandiães
Amélia Puna Loupo
Maria do Céu Silva