Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2237/18.7T9LSB.L2-3
Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA
Descritores: VIOLAÇÃO DO SEGREDO DE JUSTIÇA
DIREITO À INFORMAÇÃO
COMPATIBILIZAÇÃO DE DIREITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I. Uma investigação compreende a realização de uma série de actos, destinados a alcançar a prova da verdade material, relativamente a um determinado incidente de vida. A divulgação pública de partes dessa investigação, cria fenómenos de percepção e de actuação cuja dimensão, em bom rigor e em grande medida, sempre se desconhecerão.
II. Não é humanamente possível poder afirmar-se, com qualquer mínima segurança jurídica, que um determinado acto ou informação não criou qualquer prejuízo para uma determinada investigação.
III. É possível fazer-se esse juízo pela positiva, isto é, determinar-se que, por virtude da informação pública de algo, alguém actuou sonegando, alterando, destruindo ou fugindo, pois o nexo causal poderá ser determinado, entre uma informação e uma acção. Já no que toca à omissão – nada foi prejudicado pela informação pública – tal afirmação mostra-se inalcançável, dada a enorme variedade de possibilidades que o conhecimento de uma determinada informação pode vir a suscitar, sem que a investigação das mesmas venha sequer a daquelas ter conhecimento.
IV. Os elementos constitutivos do tipo de crime de violação do segredo de justiça, são os seguintes:
- Que seja dado conhecimento,
- de modo ilegítimo,
- no todo ou em parte,
- de teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça;
- qualquer que seja a qualidade do agente ou o facto de ter tido ou não contacto com o processo.
- A actuação terá de revestir a forma de dolo.
V. Da enunciação supra resulta que estamos perante um crime de mera actividade, uma vez que a tipificação legal não exige a produção de um resultado típico danoso, pois em parte alguma do normativo se mostra imposta a referência à necessidade de que da conduta desenvolvida pelo agente, resulte a verificação de um prejuízo, de um dano para a investigação ou para qualquer interveniente processual.
VI. O argumentário expresso pelo tribunal “a quo”, no que concerne à primazia do direito à informação, afastando e sobrepondo-se ao segredo de justiça, não tem base que o suporte, precisamente porque tal direito estava acautelado, já que a informação relevante poderia ter sido dada, o público ficaria informado e não se poria em perigo o bom funcionamento da máquina da justiça.
VII. O segredo de justiça que vigorava nos autos, não era impeditivo do direito do público a ser informado, pois a utilidade social da notícia mantinha-se, tivessem-se os arguidos abstido de aditar conteúdos protegidos pelo dito segredo de justiça.
VIII. A inclusão de tais conteúdos, não se mostra necessária para que o público pudesse ter a percepção da gravidade dos factos em apreciação. Na verdade, não constassem tais conteúdos das ditas notícias, os fins de liberdade de expressão e de direito à informação mostrar-se-iam cumpridos, já que, por um lado, os arguidos poderiam expor a seriedade e gravidade dos casos em investigação e o público ficaria ciente dos contornos dos mesmos e, por outro, salvaguardava-se o bom funcionamento da justiça, numa fase processual ainda embrionária e frágil.
IX. Assim, neste caso, cremos que se mostram harmonizados os preceitos constitucionais em eventual rota de colisão, designadamente os relativos à liberdade de imprensa, liberdade de expressão, direito à informação e o segredo de justiça, como modo protector (também ele com assento constitucional), do bem jurídico de bom funcionamento da máquina judiciária nas fases embrionárias do processo penal.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – relatório
1. Por acórdão de 28 de Fevereiro de 2023, foi proferida a seguinte decisão:
a) Absolver o arguido CL da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de três crimes de violação de segredo de justiça, previstos e punidos pelo artigo 371º nº 1 do Código Penal, por referência ao artigo 86º nº 8 alínea b) do Código de Processo Penal e aos artigos 30º e 31º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro.
b) Absolver o arguido HM da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de segredo de justiça, previsto e punido pelo artigo 371º nº 1 do Código Penal, por referência ao artigo 86º nº 8 alínea b) do Código de Processo Penal e aos artigos 30º e 31º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro.
2. O Mº Pº veio apresentar recurso de tal condenação, impugnando a apreciação probatória realizada pelo tribunal “a quo”, entendendo que deveriam ter sido dados como provados os factos dados como não assentes, razão pela qual pede a alteração da matéria de facto determinada pelo tribunal “a quo”.
Termina pedindo a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, sendo o arguido CL condenado pela prática de três crimes de violação de segredo de justiça, e o arguido HM condenado pela prática de um crime de violação de segredo de justiça, todos p. e p. pelo artigo 371º, n.º 1, do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 30º, n.º 2, da Lei 2/99 de 13 de Janeiro.
3. O recurso foi admitido.
4. O arguido CL respondeu à motivação apresentada, defendendo a improcedência do recurso.
5. Neste tribunal, o Sr. PGA pronunciou-se pela procedência do recurso.
II – questões a decidir.
Reapreciação probatória e alteração da matéria factual dada como assente. Preenchimento dos elementos constitutivos do crime de segredo de justiça. Tipologia e dosimetria das penas.
iii – fundamentação.
1. O acórdão ora posto em crise deu como provados os seguintes factos:
1) O arguido CL era, na data dos factos, subdirector da Revista Sábado, sendo antes disso jornalista do Diário de Notícias.
2) O arguido HM era, na data dos factos, jornalista do jornal Correio da Manhã.
3) A revista Sábado é uma publicação semanal generalista e o jornal Correio da Manhã é um jornal nacional diário, sendo ambos propriedade da Cofina Media, S.A., com sede de redacção na Rua Luciana Stegagno Picchio, nº 3, em Lisboa.
4) No inquérito nº 19/16.0YGLSB, conhecido pela “...”, por despacho do Ministério Público, de 5 de Setembro de 2016, validado judicialmente por despacho de 7 de Setembro de 2016, foi decretado o segredo de justiça, o qual foi prorrogado por 3 meses, em 7 de Junho de 2017, e por mais doze meses, em 13 de Setembro de 2017, vigorando até ao termo desse prazo.
5) Nos primeiros dias de Outubro de 2016, na sequência de notícias que difundiram o comprometimento de RR, na altura Juiz Desembargador, com os factos e suspeitos investigados no processo “...”, a Procuradoria-Geral da República confirmou à comunicação social a existência de um inquérito que teve origem numa certidão desse processo, dizendo ainda que se encontrava em investigação e em segredo de justiça.
6) Pelo menos desde o dia 25 de Janeiro de 2018, o arguido CL e um fotógrafo começaram a seguir RR, vigiando-o e fotografando-o.
7) A 30 de Janeiro de 2018, terça-feira, realizou-se uma operação de buscas e detenções no âmbito deste processo.
8) Foram realizadas, entre outras, buscas domiciliárias às casas de RR, na altura Juiz Desembargador, de FG, na altura Juíza Desembargadora, de LV, na altura Presidente do Sport Lisboa e Benfica, e ao estádio do Sport Lisboa e Benfica.
9) Na busca efectuada em casa de FG, com início às 9.30 horas e fim às 17.30 horas, foi apreendida a quantia em numerário num total de € 10.760, que se encontrava acondicionada em diversos envelopes.
10) O arguido CL encontrava-se às 8.34 horas do dia 30 de Janeiro de 2018, junto à residência de RR, sita na ..., tendo filmado a chegada a esse local da equipa de magistrados, peritos e policias que ia executar a busca domiciliária.
11) O arguido CL publicou esse vídeo no sitio online da Revista SÁBADO (https://www.sabado.pt/video/detalhes/buscas-a-chegada-a-casa-de-RR).
12) No mesmo sitio online, o arguido CL fez publicar, às 9.24 horas, peça que assinou, juntamente com o jornalista NTP, com o título: “Judiciária faz buscas em casa de RR” e com o seguinte texto: “Neste momento estão a ocorrer buscas da Policia Judiciária na casa do juiz desembargador RR, que estão a ser acompanhadas por um juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça e pelo antigo procurador-geral da justiça SM, actualmente procurador no Supremo Tribunal de Justiça. A Policia Judiciária está neste momento a fazer buscas na residência do juiz desembargador RR. A operação está a ser acompanhada por um juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça e pelo antigo Procurador-Geral da República, SM, que é actualmente procurador-geral adjunto no Supremo Tribunal de Justiça. As buscas estarão relacionadas com a denominada operação ..., que tem JV como principal suspeito, e que investiga a alegada prática de crimes económicos. Na sequência dessa investigação, e das suspeitas que terão surgido de que RR terá recebido dinheiro indevidamente do empresário, o Ministério Público extraiu uma certidão que foi enviada para o Supremo Tribunal de Justiça, entidade que por lei é responsável pela investigação a um juiz desembargador. No âmbito da operação ..., desencadeada a 3 de Fevereiro de 2016, foram constituídos vários arguidos (...)”.
13) Na edição escrita da Revista Sábado do dia 1 de Fevereiro de 2018, o arguido CL assinou, juntamente com os jornalistas AJV, ED e NTP, a peça jornalística com o titulo “Toda a rede de influências”, com o seguinte texto (excerto): “Sob sigilo absoluto, uma equipa especial da Polícia Judiciária (PJ) e o procurador-geral adjunto PS, o coordenador dos magistrados do Ministério público (MP) no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), vigiaram durante vários meses a vida do juiz desembargador RR. O magistrado foi escutado em dezenas de conversas telefónicas, seguido por equipas encobertas de inspectores e as suas contas bancárias foram analisadas ao pormenor. O mesmo se passou com os dados financeiros das ex-mulheres do juiz, a também juíza-desembargadora FG e a advogada RF. (...) Assim, os dois juízes foram constituídos arguidos e informados que serão interrogados no STJ a 8 a 9 deste mês. Na megaoperação de buscas e detenções realizada na terça-feira passada, dia 30 de Janeiro, e autorizada pelo juiz conselheiro PL, do Supremo Tribunal de Justiça (sendo desembargadores, RR e FG também só podem por lei ser investigados por magistrados judiciais do STJ), foram detidas cinco pessoas: precisamente a ex-companheira de RR, RF... (..) A Sábado apurou que as autoridades terão até escutas telefónicas de conversas entre LV e RR sobre este processo e a forma de o resolver a troco de alegadas contrapartidas (a nomeação para cargos relacionados com entidades dependentes do clube da Luz) para o juiz desembargador (...) Quando se separou da mulher (FG), o imóvel ficou na posse desta e foi também ali que a PJ foi esta semana bater à porta. Quando chegaram ao local, os inspectores ainda demoraram algum tempo a aceder ao apartamento: a campainha estava avariada e a juíza estaria a dormir profundamente. Só depois de uma chamada para o telefone fixo, é que a magistrada abriu a porta da residência. Lá dentro, os investigadores encontraram vários envelopes com dinheiro que foi apreendido, tal como sucedeu também na residência do ex-marido no Dafundo, onde foram apreendidos mais de 10 mil euros em notas. (...) Apesar deste currículo, segundo a Sábado apurou, a PJ está a investigar a possibilidade de FG ter eventualmente “redigido alguns acórdãos assinados pelo juiz RR", conforme frisou uma das fontes ligadas à investigação. (...) Na passada terça-feira, a Sábado acompanhou, em exclusivo, o início da operação de busca domiciliária a RR. (...) De resto, nos últimos dias, a Judiciária vigiou de forma intensiva RR, através da localização à distância do respectivo telemóvel e com carros descaracterizados. A Sábado acompanhou também os últimos cinco dias do juiz antes das buscas (ver caixa) e comprovou que RR levou uma vida aparentemente normal (...)".
14) Na “Caixa” encontram-se fotografias de RR e da sua viatura com as seguintes legendas:
“Quinta-feira, 25 – Ao fim da tarde, RR esteve presente no lançamento da marca Eusébio no Palácio Foz
Sexta-feira, 26 – O juiz desembargador fotografado a sair do apartamento no Dafundo
Sábado, 27 – RR manteve a actividade desportiva: uma partida de futebol
Domingo, 28 – O magistrado fotografado a conduzir o seu SUV da marca Range Rover
Segunda-feira, 29 – A viatura de RR esteve várias horas estacionada na garagem da Praça do Município, em Lisboa
15) O arguido CL sabia que estas notícias respeitavam a conteúdos de processo secreto.
16) No inquérito nº 5340/17.7T9LSB, conhecido pelo “Caso dos E-mails”, por despacho do Ministério Público, de 12 de Junho de 2017, validado judicialmente na mesma data, foi decretado o segredo de justiça, o qual foi prorrogado por 3 meses, em 8 de Agosto de 2018.
17) No dia 25 de Janeiro de 2018, na qualidade de coordenador da Polícia Judiciária, PF assinou informação policial, sugerindo a realização de busca à Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD.
18) Em 30 de Janeiro de 2018, realizou-se tal busca no estádio do Sport Lisboa e Benfica, ordenada no processo por despacho de 26 de Janeiro de 2018, do qual constava: “Em 19.10.2017, foram realizadas diligências de busca às instalações do Sport Lisboa e Benfica que visaram, entre o mais, a localização de documentação contabilística (...) A apreensão de documentação contabilística foi concretizada, tendo sido trazidos os documentos melhor descritos no auto de busca e apreensão respectivo. Tal documentação destinava-se a ser analisada, sendo, logo no momento em que foi apreendida, evidente que seria necessário obter mais elementos de natureza contabilística para melhor esclarecimento dos factos investigados ou os mesmos documentos em outro suporte, designadamente digital. Neste passo, a contabilidade sob análise é a do Sport Lisboa e Benfica, SAD, bem como das sociedades suas participadas, sendo necessário obter extractos de conta de clientes, fornecedores e outros, os respectivos documentos de suporte e demais elementos de natureza contabilística que se afigurem relevantes para a compreensão dos factos sob investigação. Conformo atestam os autos, foi solicitada a entrega de documentação contabilística em duas ocasiões, a qual não foi prontamente entregue. Nesta medida, e atenta a relevância probatória da mesma, haverá que lançar mão dos mecanismos legais adequados para a fazer ingressar nos autos, o que passa pela realização de busca ao local onde a mesma se encontra guardada. (...)”.
19) No decurso da busca, foi invocado pelo Mandatário da buscada, a violação de formalidades decorrentes do segredo profissional de advogado, sobre a qual recaiu despacho do Ministério Público, o que ficou consignado no auto de busca e apreensão.
20) Na edição escrita da Revista Sábado do dia 8 de Fevereiro de 2018, o arguido CL assinou, juntamente com AJV e NTP, a peça com o título “Os casos que abalam o poder de LV”, com o subtítulo “A busca secreta” e com o seguinte texto: “O factor temporal não foi o único em que a ... se cruzou com a investigação ao chamado caso dos emails. Outra situação ocorreu discretamente no passado dia 30 de Janeiro, quando a atenção mediática estava voltada para as dezenas de buscas realizadas no âmbito da ...: ao mesmo tempo que uma equipa de inspectores da Polícia Judiciária fazia buscas no Estádio da Luz para procurar elementos que, de alguma forma, pudessem estar relacionados com o caso que tem RR como figura central - e que atinge, além de LV, o vice presidente FT e o advogado JB -, um segundo grupo de investigadores do crime económico entrou discretamente nas instalações do Benfica para cumprir um novo mandado de busca e apreensão, mas neste caso relativo ao chamado caso dos emails. Esta foi a segunda vez que os inspectores da Judiciária estiveram na SAD do Benfica para cumprir mandado judicial no âmbito deste inquérito. Na primeira, dia 19 de Outubro do ano passado, o Ministério Público deixou no clube o mandado que justificava a acção judicial autorizada pela juíza de instrução criminal MG: “Os factos sob investigação respeitam à suspeita da actuação de responsáveis da SLB-SAD que, em conluio com personalidades do mundo do futebol e da arbitragem, procurarão exercer influência junto dos responsáveis da arbitragem e outras estruturas de decisão do futebol nacional, tendo em vista influir na nomeação e classificação de árbitros”, lia-se no documento. Ao que a Sábado apurou, nos meses seguintes, a investigação liderada pela procuradora adjunta da 9ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, AM, solicitou por escrito à Benfica SAD várias informações financeiras e contabilísticas relacionadas com as empresas que a sociedade anónima dirige e também com serviços contratados a escritórios de advogados, como a Vieira de Almeida e Associados, sociedade que está a colaborar com o Benfica nas acções intentadas contra o Porto Canal e o assessor do FC Porto, FM. Esta é, aliás, uma pista que tem sido muito explorada pelas autoridades: perceber até que ponto o dinheiro que saiu das contas do Benfica para advogados corresponde, efectivamente, a serviços jurídicos prestados ao clube ou aos seus dirigentes e não a terceiros, como árbitros e pessoas ligadas ao futebol. Uma das suspeitas em causa é a de que um parecer jurídico que teve como destinatário final o antigo vice-presidente do Conselho de Arbitragem, FN, quando este quis candidatar-se a presidente da Associação de Futebol de Coimbra, possa ter sido pago pelo Benfica (...) O certo é que, insatisfeitos com pelo menos duas das respostas que obtiveram da SAD benfiquista e dos seus representantes, os investigadores consideraram que apenas uma nova busca poderia permitir a obtenção dos documentos contabilísticos considerados necessários à investigação do processo-crime - como os relacionados com a contratação e pagamento a advogados. Decidiram então fazê-lo de forma muito discreta: a coberto das buscas que decorreram no âmbito da .... (...) No entanto, ao que a Sábado conseguiu apurar, o MP entendeu que, como não realizou qualquer apreensão de correspondência trocada entre o Benfica e os diferentes juristas contratados, não necessitava de autorização do Juiz de Instrução Criminal, nem da presença de representante da Ordem dos Advogados. (...)”.
21) No inquérito nº 6421/17.2JFLSB, conhecido pelo “Caso ...”, por despacho do Ministério Público, de 6 de Outubro de 2017, validado judicialmente na mesma data, foi decretado o segredo de justiça, o qual se mantinha em vigor, pelo menos, à data da realização da operação de buscas.
22) O inquérito iniciou-se com a informação de serviço lavrada por PF, em 29 de Setembro de 2017.
23) No dia 3 de Fevereiro de 2018, no blogue https:// mercadodebenficapolvo.wordpress.com, foi divulgado o ficheiro, contendo uma informação de serviço elaborado por PF.
24) Em tal informação de serviço, dirigida à Directora da UNCC e que deu origem ao processo que viria a ficar conhecido como “...”, dizia PF ter, no dia 27, recebido um contacto telefónico anónimo que dava conta de “um rol de factos graves e fortemente indiciadores da prática, por funcionário, entre o mais, de actos susceptíveis de consubstanciar, em abstrato, os crimes de violação de segredo de justiça, violação de segredo por funcionário e de corrupção passiva para ato ilícito”. Mais se diz nesse documento que: “Estando em curso a formalização dos factos denunciados e no dia imediatamente seguinte à transmissão da presente denúncia - a saber: 28.09.2017, quinta-feira – o signatário teve conhecimento de que, na Revista Sábado, fora publicado um artigo intitulado: O conturbado processo dos emails. Juiz impediu PJ de fazer buscas a BB. Os factos ora relatados são graves e são em si mesmos susceptíveis de consubstanciar a prática de crimes graves, designadamente e a confirmar-se, cometidos no exercício de funções públicas - acrescidamente, no interior de órgão de soberania - os quais, em si mesmos, potenciaram fortemente a destruição da viabilidade investigatória do inquérito em referência. Dir-se-á que, a confirmar-se a denúncia, tais práticas surgem igualmente associadas a Agentes Desportivos e/ou Advogados, sendo que a específica natureza dos factos relatados, conexa com corrupção, impõe com carácter de urgência o desenvolvimento da investigação, sujeita a regime de sigilo. Sugere-se pois a V. Exª que a presente informação de serviço seja registada como inquérito (N4), a distribuir à 2ª SCICCEF/UNCC/PJ, para prossecução da investigação, sem prejuízo da célere comunicação ao DlAP de Lisboa/9ª Secção, entre o mais, para cumprimento do disposto no artigo 248º e sugestão de aplicação aos autos do regime de segredo de justiça”.
25) O arguido CL fez constar da peça que foi publicada na Revista Sábado e assinada por este, juntamente com outros, no dia 8 de Fevereiro de 2018, o seguinte texto, com o subtítulo “Sigilo violado”, e com o seguinte texto: “No mesmo dia em que a Sábado publicou a noticia das buscas fracassadas, o coordenador da investigação ao caso dos emails, PF, assinou uma informação de serviço destinada à directora da UNCC, DD, a sugerir a abertura de uma investigação à quebra de sigilo da operação e à eventual prática de crimes de violação de segredo de justiça e segredo por funcionário e de corrupção passiva para acto ilícito – o que acabou por acontecer, estando este novo processo a ser investigado pelo procurador adjunto VA. também da 9ª Secção do DlAP de Lisboa. (...) O problema é que no passado fim-de-semana as cinco páginas que compõem este relatório foram publicadas num blogue (mercadodebenficapolvo.wordpress.com) que está a divulgar documentação relacionada com o Benfica e isso levou a uma reunião de emergência na PJ. Ou seja, os investigadores não sabem se, além das fugas de informação relacionadas com o sistema informático do MP ou do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, não terão também de lidar com uma ou várias toupeiras que poderão estar a aceder a documentos internos e a colocar as investigações em risco. Sobretudo aquelas que visam suspeitas de crimes de corrupção e que, segundo a lei portuguesa, permitem um vasto conjunto de diligências que vão de escutas telefónicas à quebra de sigilo bancário. O investigador cita a noticia da Sábado e diz já ter tido contactos informais sobre o assunto com a responsável pelo DlAP de Lisboa, a procuradora FP e a titular do caso dos emails, AM, ou seja, dá a entender que o caso é muito grave porque envolve crimes “cometidos no exercício de funções públicas” e sobretudo no “interior de órgão de soberania”. E que o caso merece uma investigação-relâmpago para não perder o efeito-surpresa - algo que poderá estar comprometido com a divulgação do relatório interno da PJ.”.
26) Com data de 28 de Fevereiro de 2018, a PJ juntou ao processo relatório intercalar, com despacho de PF, no qual propunha a realização de buscas domiciliárias e não domiciliárias e a detenção de cinco indivíduos - JS, JR, JL, PG e OC.
27) Na mesma data foi proferido despacho a ordenar a emissão de mandados de busca não domiciliária, entre as quais Tribunais de Fafe e Guimarães, estádio do Sport Lisboa e Benfica e promoção de buscas domiciliárias e a local de trabalho de advogado ao juiz de instrução, as quais foram deferidas.
28) Foi ainda ordenada, pelo Ministério Público, a detenção de PG, assessor jurídico do Sport Lisboa e Benfica, e de JS, funcionário do lGFEJ.
29) No dia 6 de Março de 2018, realizou-se a operação de buscas e detenções que ficou conhecida como Operação ....
30) As seguintes buscas tiveram inicio:
- residência de JS - às 7.00 horas;
- residência de JL - às 7.00 horas;
- residência de PG - às 7.10 horas;
- Tribunal de Guimarães - às 9.00 horas;
- Tribunal de Fafe - às 9.15 horas;
- Estádio do Sport Lisboa e Benfica - às 9.45 horas.
31) Os mandados de detenção foram cumpridos:
- JS - às 7.00 horas;
- PG – 8.40 horas.
32) No dia 6 de Março de 2018, o arguido CL fez disponibilizar, no sítio online da revista Sábado, a seguinte noticia: “Benfica: PG detido por suspeitas de corrupção na Justiça. Assessor jurídico dos encarnados é suspeito de distribuir prendas a funcionários judiciais para obter informações de processos. Tribunais de Fafe e Guimarães estão a ser alvos de busca, assim como a SAD do SLB. PG, assessor jurídico da SAD do Benfica, foi esta terça-feira detido por suspeitas de corrupção activa. Segundo informações recolhidas pela Sábado, também um técnico de informática do Instituto de Gestão Financeira e Equipamento da Justiça foi detido pela unidade nacional contra a corrupção da Polícia Judiciária por suspeitas de corrupção passiva. Em causa estará uma rede montada pelo Benfica junto do sistema judicial para recolher informações de processos que corriam, sobretudo, no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa. O técnico do IGFEJ e outros funcionários judiciais suspeitos na investigação recolheriam informação directamente do sistema dados dos processos judiciais, o Citius, a qual chegaria posteriormente a PG. Um empresário de futebol é outro dos suspeitos na operação lançada esta terça-feira pela Judiciária que, além das detenções, está a realizar buscas em casas particulares, no Benfica e nos tribunais de Guimarães e Fafe, onde trabalha outro dos suspeitos: JL, funcionário judicial, já identificado no chamado “caso dos emails”, depois de ter sido público que enviou para o assessor jurídico do Benfica uma notificação do Tribunal de Guimarães para uma audição do treinador EE. Esta investigação estará relacionada com dados recolhidos em Setembro pela Sábado, os quais apontavam já para a existência de fugas de informação de investigações judiciais para o Sport Lisboa e Benfica. A Judiciária colocou no terreno cerca de 50 inspectores na operação às primeiras horas da manhã.
33) No dia 6 de Março de 2018, o arguido HM, jornalista do Correio da Manhã, fez publicar no sitio online desse jornal a seguinte notícia que assinou: “Braço direito de BB preso por corrupção ao serviço do Benfica. Caso dos emails trama PG. Há novas buscas a decorrer no Estádio da Luz. PG, diretor do departamento jurídico do Benfica e braço direito de LV, foi esta manhã detido pela Policia Judiciária sob suspeita de, em nome da SAD do clube, ter subornado três funcionários judiciais para lhe fornecerem peças processuais do chamado caso dos mails - em que o Benfica e os seus dirigentes são investigados, no DIAP de Lisboa, por corrupção desportiva, num alegado esquema com árbitros e observadores dos mesmos. Foi esta a forma encontrada pelos encarnados, desde junho do ano passado, para tentarem acompanhar a par e passo tudo o que estava a ser feito pela Justiça - e ao mesmo tempo anteciparem eventuais operações da PJ. Por isso a sociedade de advogados Vieira de Almeida chegou a dar informações a funcionários do Benfica sobre a forma de se comportarem em caso de buscas à SAD - e, quando as mesmas aconteceram, em outubro, a PJ chegou a encontrar documentos processuais, que estão em segredo de justiça, nas instalações do clube. Além disso, os oficiais de justiça também terão passado a PG documentos de processos em que são visados dirigentes do Sporting e do FC Porto. Os funcionários dos tribunais de Guimarães e de Fafe, um dos quais está também detido pela unidade de combate à corrupção da PJ, entraram no sistema Citius - base de dados da justiça - com passwords e códigos de acesso deles e abusivamente em nome magistrados do Ministério Público, tendo acedido centenas de vezes a processos judiciais como os casos dos mails e dos vouchers, entre outros. Na operação de hoje, que está a passar por novas buscas à SAD do Benfica, na porta 18 do estádio da Luz, e a outros locais, como os tribunais de Guimarães e de Fafe, onde foram cometidos os crimes, estão envolvidos mais de 40 inspectores da PJ – para além de procuradores do MP, juízes e um representante da Ordem dos Advogados.”.
34) A Policia Judiciária elaborou comunicado, com base em elementos transmitidos por PF, sobre a operação que foi divulgado no seu sitio online às 11.23 horas, do qual constava: “A Policia judiciária, através da Unidade Nacional de combate à Corrupção (UNCC) e no âmbito de um inquérito que corre termos no DIAP de Lisboa deteve dois homens pela presumível prática de crimes de corrupção ativa e passiva, acesso ilegítimo, violação de segredo de justiça, falsidade informática e favorecimento pessoal. No decurso da operação, que envolveu cerca de 50 elementos da Polícia Judiciária, foram realizadas trinta buscas nas áreas de Porto, Fafe, Guimarães, Santarém e Lisboa que levaram à apreensão de relevantes elementos probatórios.”.
35) Na edição escrita da revista Sábado de 8 de Março de 2018, o arguido CL assinou, juntamente com a jornalista FF, a peça jornalística com o título “O Homem na Sombra” e com o seguinte texto “Quando, a 25 de Fevereiro, numa cerimónia de entrega de emblemas e anéis de dedicação, LV conquistou aplauso, declarando que o Benfica não precisava de “andar a espreitar para a fechadura dos outros”, dificilmente imaginaria que umas semanas mais tarde o seu braço-direito, PG, fosse detido, precisamente, por suspeitas de, através de terceiros, andar a espreitar pela fechadura do Ministério Público. Estaria, de acordo com o mandado de busca a que a Sábado teve acesso, à procura de informação nas investigações “que se encontram em segredo de justiça, em que é visada a Sport Lisboa e Benfica SAD ou os seus dirigentes, ou clubes ou dirigentes adversários do Sporting Clube de Portugal e Futebol Clube do Porto. O mesmo documento do procurador do Departamento de lnvestigação e Acção Penal de Lisboa (DIAP), que ordenou as 30 buscas efectuadas na passada terça-feira pelos inspectores da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária indica expressamente 10 processos judiciais, cuja investigação decorria em segredo de justiça, mas que através do sistema informático da justiça, o Citius, foram consultados em “centenas de ocasiões” por JS, funcionário judicial requisitado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (lGFEJ). Já em Setembro de 2017, a Sábado tinha divulgado que o Benfica teria tido acesso a dados do processo dos emails e que estes teriam sido partilhados com escritórios de advogados, os quais deram instrução aos encarnados sobre como proceder em caso de buscas judiciais. Com privilégios de acesso ao sistema, JS obteve o username e password da procuradora AV, actual assessora de MJM na Procuradoria Distrital de Lisboa, o que lhe deu acesso “aos processos distribuídos na 9ª Secção do DIAP de Lisboa”. “Após se registar no computador com credenciais próprias ou de terceiros, o arguido JS, sem o conhecimento ou consentimento do titular das credenciais, inseriu no Citius as credenciais da magistrada para aceder a processos, acrescentou o procurador responsável pelo processo .... Entre os tais 10 inquéritos pesquisados por JS estava o chamado caso dos emails, a investigação aos vouchers oferecidos pelo Benfica (...) Esta informação chegou a PG, 48 anos (...) No que diz respeito à investigação do caso dos emails, tal como é publicamente denominado, mas que diz respeito a suspeitas de corrupção desportiva e tráfico de influências, a investigação da UNCC detectou que, uma semana após o processo ter sido formalmente aberto (o que aconteceu a 8 de Junho de 2017), JS fez a primeira pesquisa: “No dia 15 de Junho de 2017, pelas 10h37, JS acedeu e extraiu do Citius o histórico do processo 5340/17.7T9LSB”. Entre aquele último dia e o dia 19 de Junho “JS entregou a PG a impressão do histórico, mesmo sabendo que este e o clube para o qual trabalha eram visados nas investigações”. Ainda de acordo com o procurador, “na posse das informações que lhe foram sendo transmitidas, PG conseguiu antecipar diligências probatórias em curso naquele inquérito”. Traduzindo: para o Ministério Público, o assessor jurídico do Benfica estar a par dos passos dados pela investigação do processo relacionado com suspeitas de corrupção desportiva. Além de JS, outro funcionário judicial, JR, foi constituído arguido, assim como o empresário de futebol OC, da empresa True Soccer. Este último seria o “intermediário” de PG com os funcionários judiciais, a quem eram oferecidos “convites e bilhetes para assistirem gratuitamente”, aos jogos do Benfica no Estádio da Luz, “designadamente no piso 1”, o chamado anel VIP, assim como produtos de merchandising", como camisolas oficiais. Depois de a Sábado ter avançado na edição on line que uma das contrapartidas em causa passou pela oferta de um emprego a FSR, sobrinho de JS, no Museu Cosme Damião, o Benfica negou a informação em comunicado sob a forma de “desmentido formal”. (...) Porém, no mandado de busca, o Ministério Público refere que JS, além de equipamentos oficiais e bilhetes, recebeu para o sobrinho FSR, “um cargo no Museu Cosme Damião, pertencente ao Benfica”. Mais à frente, no mesmo documento, refere-se que PG “diligenciou junto dos recursos humanos do Benfica pela contratação do sobrinho de JS para o museu do clube” (...) As funções que nos últimos anos [PG] tem desempenhado colocaram-no na actual situação de suspeito de corrupção activa. Segundo informações recolhidas pela Sábado, um dos motivos alegados pelo Ministério Público para a detenção fora de flagrante delito foi o “perigo de continuação da actividade criminosa”. Argumento idêntico terá sido utilizado para JS. Dai que, na passada terça-feira, fonte judicial tenha admitido como provável um pedido de suspensão de funções para o técnico do IGFEJ”.
36) Em todas as ocasiões descritas, o arguido CL sabia que os processos sobre os quais efectuou peças jornalísticas corriam a coberto de segredo de justiça.
37) O arguido HM sabia que o processo nº 6421/17.2JFLSB sobre o qual efectuou peça jornalística corria a coberto de segredo de justiça.
Quanto às contestações dos arguidos provou-se que:
38) As notícias dos autos respeitam a factos com grande interesse público.
39) As notícias dos autos em nada prejudicaram as investigações dos três processos judiciais a que respeitavam.
Quanto às condições sócio-económicas do arguido CL provou-se que:
40) O arguido CL concluiu a licenciatura em comunicação na Universidade do Minho, em 1998.
41) O arguido CL iniciou o seu percurso profissional em jornais regionais.
42) Em 2000, o arguido CL ingressou no jornal “Diário de Notícias”, onde permaneceu até 2017.
43) Em 2017, o arguido CL iniciou funções como subdirector da revista “Sábado”, onde se manteve até 2022.
44) Em 2022, o arguido CL transitou para a revista “Visão” como grande repórter.
45) Dentro do jornalismo, o arguido CL especializou-se na área da Justiça, na qual começou a trabalhar na época do processo “Casa Pia”.
46) O arguido CL aufere actualmente um salário líquido de € 3000.
47) O arguido CL vive com a esposa, que é administrativa numa empresa farmacêutica, auferindo um salário líquido de € 1000.
48) O arguido CL vive ainda com a sua filha de 4 anos e com uma filha de 19 anos, do seu anterior casamento, que está consigo em semanas alternadas.
49) Ambas as filhas do arguido CL encontram-se a estudar.
50) O arguido CL tem ainda um filho de 24 anos, que já é independente.
51) O arguido CL tem despesas fixas do agregado no valor mensal de € 2500, sendo a quantia de € 640 referente a amortização de empréstimo bancário para aquisição da sua habitação permanente, e a quantia de € 500 referente ao colégio da filha mais nova.
52) O arguido CL, nos seus tempos livres, dedica-se à família e ao convívio com colegas de trabalho e com o seu grupo de amigos de infância, residentes em Ponte de Lima, onde o arguido se desloca com regularidade para visitar a sua mãe.
53) O arguido CL usufruiu de um enquadramento afectivo-familiar estável e coeso, num contexto em que se empenha e que considera gratificante.
Quanto às condições sócio-económicas do arguido HM provou-se que:
54) O arguido HM tem o 12º ano de escolaridade e frequência em licenciatura em comunicação social (3º ano), que não chegou a concluir.
55) O arguido HM começou a trabalhar como jornalista, em jornais desportivos, como o “Jogo” e o “Record”.
56) O arguido HM começou a trabalhar no jornal “Correio da Manhã”, em 2005, onde se manteve até 2019.
57) Em 2017, o arguido HM começou a trabalhar na TVI e na CNN, onde se mantém.
58) Dentro do jornalismo, o arguido HM especializou-se na área da Justiça.
59) O arguido HM aufere actualmente o salário líquido mensal de € 3.873.
60) O arguido HM vive com a esposa, que é jornalista, auferindo um salário líquido de € 2100.
61) O arguido HM vive ainda com a sua filha de 5 anos, como seu filho de 8 anos e com uma filha de 12 anos, do seu anterior casamento, que está consigo em semanas alternadas.
62) Todos os filhos do arguido HM encontram-se a estudar.
63) O arguido HM tem despesas fixas do agregado no valor mensal de € 5000, sendo a quantia de € 1000 referente a amortização de empréstimo bancário para aquisição da sua habitação permanente, e a quantia de € 500 referente a colégios.
64) O arguido HM, nos seus tempos livres, dedica-se à família e ao convívio com amigos, beneficiando de uma estrutura familiar harmoniosa e equilibrada.
65) O arguido HM tem como interesses o ténis, o padel, as viagens e a leitura.
Quanto aos antecedentes criminais do arguido CL provou-se que:
66) O arguido CL não tem antecedentes criminais.
Quanto aos antecedentes criminais do arguido HM provou-se que:
67) O arguido HM já foi julgado e condenado no processo 3737/09.5TDLSB, por decisão transitada em julgado a 4-12-2017, pela prática em 16-7-2009, de um crime de difamação agravada, na pena de 270 dias de multa, à taxa diária de € 8, num total de € 2.160, pena essa que se encontra cumprida.
2. E consignou como factos não provados os seguintes:
1) Quando abriu a porta de sua casa à equipa que aí se apresentou para executar a busca, a visada FG já sabia pelas notícias que RR estava a ser alvo de busca.
2) O arguido CL publicou todo o teor da notícia descrita no ponto 32) da factualidade provada às 8.54 horas.
3) O arguido HM publicou todo o teor da notícia descrita no ponto 33) da factualidade provada às 8.51 horas.
4) Os arguidos CL e HM agiram, em todos os momentos, de modo livre, deliberado e voluntário.
5) Nas situações descritas, o arguido CL quis divulgar, como divulgou, notícias que descreveram o conteúdo dos actos e peças processuais, querendo com isso violar o segredo de justiça que vigorava nos respectivos processos, o que fez mesmo antes de todas as diligências ordenadas e noticiadas se terem iniciado, indiferente aos efeitos que essa publicação causaria aos interesses da investigação, designadamente à dissipação de prova por parte dos visados ou à perturbação da recolha da prova que se pretendia com tais diligências, e para a imagem dos visados pelas mesmas.
6) O arguido HM quis violar o segredo de justiça a que estava sujeito o processo nº 6421/17.2FLSB, divulgando, como divulgou, notícia que descrevia o conteúdo dos actos processuais ordenados no referido processo, alguns ainda não iniciados, indiferente aos efeitos que essa publicação causaria aos interesses da investigação, designadamente, dissipação de prova por parte dos visados ou perturbação da recolha da prova que se pretendia com tais diligências.
7) Os arguidos CL e HM sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
3. Relativamente à fundamentação da convicção do tribunal, deixou exaradas as seguintes considerações:
2.4. Motivação da Decisão de Facto
Dispõe o artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Deste modo, estabelece o artigo 97º nº 5 do Código de Processo Penal que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, resultando do artigo 374º nº 2 do mesmo Código que na sentença deve o julgador explicitar, ainda que concisamente, os motivos que fundamentam a decisão, indicando e apreciando criticamente, para tanto, as provas que serviram para formar a respetiva convicção.
Por outro lado, segundo o artigo 127º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador.
Estabelece tal preceito que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”
Tal princípio implica que o juiz, na ponderação que faz da prova produzida em audiência de julgamento, com vista a tomar a decisão de dar como provado ou como não provado um determinado facto com relevância para a boa decisão da causa, deve sempre pautar-se por regras lógicas e de racionalidade.
A livre apreciação da prova não é uma operação puramente subjectiva, emocional, arbitrária e, por isso, imotivável, mas sim uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que em conjunto permitem ao julgador objectivar a apreciação dos factos, o que constitui requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.
Torna-se, pois, um imperativo que a decisão esteja motivada de forma suficiente e clara, sendo perceptível o processo lógico e cognitivo percorrido pelo julgador para chegar à decisão de facto, de forma a permitir o seu controlo, designadamente, através da interposição de recurso.
As regras da experiência resultam, por um lado, da própria experiência da vida, e por outro lado, de um especial conhecimento no campo científico, artístico, técnico ou económico
No primeiro caso, as regras da experiência são adquiridas pela observação do mundo exterior e da conduta humana, no segundo caso são adquiridas mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria.
Com efeito, na generalidade dos casos, a prova produzida não é directa, sendo essencial que o julgador, de um conjunto de factos conhecidos, apreciados nos termos acima referidos, consiga chegar ao facto desconhecido, com um mínimo de certeza que é exigido no processo penal.
O princípio da livre apreciação da prova consagrado no regime processual penal português aplica-se à generalidade da prova legalmente admissível, obtida de forma válida e regular, sendo que a prova, no seu essencial, não tem um valor ou uma hierarquia pré-estabelecidos.
De todos os meios de prova disponíveis e produzidos em audiência, o Tribunal terá de os analisar e conjugar, respeitando as regras processuais e credibilizando ou valorando uns em detrimento de outros, tudo de acordo com as máximas da experiência e a sua livre convicção.
Essencial é que tal percurso lógico seja perceptível e claro, para que a decisão adquira a sua própria validade intrínseca.
Por último, importa referir que a prova em processo penal tem de ser segura e inequívoca, de forma a se poder dar determinado facto como assente, o que está naturalmente interligado com outros dois princípios basilares do nosso sistema jurídico-penal, que são o princípio da presunção da inocência e o princípio in dubio pro reu.
Na verdade, até ao trânsito em julgado de decisão condenatória, o arguido presume-se sempre inocente, sendo que só uma prova suficientemente consistente é que pode abalar tal presunção (artigo 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa).
Instalando-se no julgador uma dúvida insanável quanto aos factos, e feitas todas as diligências ao alcance do Tribunal, sem que se consiga ultrapassar e resolver tal dúvida, nesse caso, a dúvida tem de ser resolvida a favor do arguido, em respeito pelo aludido princípio in dubio pro reu.
Por referência aos princípios acima explicitados, importa agora ter em atenção o objecto dos presentes autos, que se encontra delimitado nos termos já explanados no ponto 2.1., quer ao nível da própria factualidade, quer ao nível dos meios de prova atendíveis e relevantes.
Desde logo, o Tribunal Colectivo teve em atenção as declarações prestadas pelos arguidos CL e HM, tendo os mesmos, em suma, admitido serem os autores das notícias dos autos, as quais tinham os conteúdos descritos no despacho de pronúncia e acima dados como assentes, sendo que ambos os arguidos acabaram por admitir ter noção que os processos judiciais em causa, sobre os quais versavam as aludidas notícias, estavam sujeitos a segredo de Justiça.
Porém, ambos os arguidos explicaram que publicaram as referidas notícias única e exclusivamente com a intenção de cumprir o dever de informar o leitor, ao abrigo da liberdade de imprensa e com respeito por todas as regras que regem a arte do jornalismo. Mais disseram que em nenhum momento quiseram violar o segredo de justiça, sendo que agiram de forma conscienciosa e com sentido de responsabilidade, com o cuidado de não prejudicar a investigação, apenas relatando os factos históricos depois de os mesmos já terem acontecido. Ambos os arguidos disseram também que a informação publicada tinha um enorme relevo e interesse social, por estarem envolvidas figuras públicas, quer do mundo da Justiça, quer do mundo do futebol, sendo que os leitores têm o direito de ser informados e esclarecidos sobre o que está a acontecer nos respectivos processos crime, que têm enorme repercussão social. Nestes termos e em suma, os arguidos referiram que, ao publicar as notícias dos autos agiram de forma legítima, ao abrigo da liberdade de imprensa, negando por isso que tivessem praticado os ilícitos criminais de que se encontram pronunciados.
Tendo como ponto de partida as declarações dos arguidos, importa também ter em atenção a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e a prova documental relevante junta ao processo, individualizando cada uma das situações dos autos, que se prendem com os seguintes processos:
- O processo nº 19/16.0YGLSB, conhecido por “...” (pontos 4) a 15) e 36) da factualidade dada como provada e pontos 1), 4), 5) e 7) da factualidade dada como não provada), referente apenas ao arguido CL;
- O processo nº 5340/17.7T9LSB, conhecido por “Caso dos E-mails” (pontos 16) a 20) e 36) da factualidade dada como provada e pontos 4), 5) e 7) da factualidade dada como não provada), referente apenas ao arguido CL, e;
- O processo nº 6421/17.2JFLSB, conhecido por “Caso ...” (pontos 21) a 37) e 36) da factualidade dada como provada e pontos 2) a 7) da factualidade dada como não provada), comum aos dois arguidos.
Começando então pelo processo nº 19/16.0YGLSB, conhecido por “...”, o Tribunal Colectivo formou a sua convicção com base nas declarações do arguido CL, no depoimento das testemunhas (…) ouvidas em audiência de julgamento e no teor da prova documental junta aos autos relacionada com esta situação, tendo por referência a delimitação já acima explanada.
Relativamente a este processo, o arguido CL referiu que na data dos factos o arguido era subdirector da Sábado, tendo admitido ter escrito as notícias em causa, em co-autoria com outros colegas jornalistas (pontos 12) a 14) da factualidade dada como provada), e confirmou que elaborou o vídeo à porta da casa de RR, no dia da busca efectuada à casa deste, vídeo esse a que se referem os pontos 10) e 11) da factualidade dada como provada.
Mais explicou que ele e vários jornalistas de outros meios de comunicação social chegaram ao local mais ou menos à mesma hora. No caso dele, explicou o arguido que já andava a fazer um trabalho prévio sobre o RR, desde Novembro/Dezembro de 2017. Tal começou porque um dia cruzou-se com RR e o mesmo estava a conduzir um Range Rover, sendo que achou que aquele veículo, pelo respectivo preço, não era compatível com o ordenado de um juiz. Chegou à redacção e comentou o caso com os colegas. Aí ainda não tinha conhecimento que corria o inquérito, sabia que havia uns rumores que alguma investigação estava a ser feita, não sabia até se por parte do Conselho Superior de Magistratura. O RR tinha estado envolvido na campanha à presidência do Benfica e isso tem custos, que também não eram compatíveis com a vida de juiz. Nessa altura, começaram a tentar perceber o dia a dia de RR, fazendo uma investigação sobre a sua vida para tentar perceber o que se passava. Colocaram um fotógrafo a vigiar o RR e a tirar-lhe fotografias. No dia das buscas, o arguido explicou que ia ter com o fotógrafo para continuar esse trabalho. O trabalho dele de investigação jornalística cruzou-se com o processo …, nesse dia das buscas. Tentou saber se havia processo, mas não conseguiu. Não foi à Procuradoria saber se havia processo, porque esta nunca dá informações. Não se recorda do comunicado da Procuradoria. Não sabia que ia haver buscas. Tinha combinado encontra-se com o fotógrafo naquele dia, para ir vigiar o RR. Quando lá chegou estavam outros jornalistas e aí é que se apercebeu das buscas.
O arguido explicou que publicou a notícia on-line, que foi escrita em conjunto com o seu colega NTP, que estava na redacção. Já estavam a fazer um trabalho prévio sobre o assunto, que tem enorme relevância social. O trabalho dele não prejudicou a investigação. Fizeram o seu trabalho, que era informar o público. Eram suspeitas muitos grave sobre dois Juízes, e por isso é um caso único. Acresce que RR era uma figura muito conhecida, pois fazia programas de televisão e candidatou-se à presidência do Benfica. Não foi consultar o processo, pois ele estaria no Supremo. Convenceu-se logo que não o iam deixar consultar o processo, mesmo que não estivesse em segredo de justiça, pois há sempre o segredo interno e o segredo externo e não o deixariam ver o processo, por isso nem perdeu tempo. Estavam a tentar fazer um trabalho próprio, com o fotógrafo a seguir os passos do visado e a tirar-lhe fotografias. Não prejudicou a investigação, porque o processo correu os seus termos normais, estando ainda actualmente a correr.
O arguido acabou por admitir que tinha noção que o processo estava em segredo de justiça, o que percepcionou logo na altura, até porque a notícia publicada no dia 1 de Fevereiro de 2018, começa por “sob sigilo absoluto”, o que mostra que o arguido tinha consciência do segredo a que estava sujeito o processo. Aliás, sendo o arguido CL um jornalista experiente na área da Justiça, como explicou em julgamento, e tendo ele noção da sensibilidade do caso, atentas as figuras públicas envolvidas, o tipo de criminalidade em causa e a relevância social do mesmo, evidente se torna pelas próprias regras da experiência e do senso comum, que o arguido sabia que o Ministério Público não iria descurar a necessidade de tal processo estar sujeito a segredo de Justiça, razão pela qual certamente nem sequer tentou consultar o processo, o que seria a primeira diligência que qualquer jornalista faria, quando se decide a fazer uma reportagem sobre um determinado caso. Aliás, resultou do teor da globalidade das declarações de ambos os arguidos, que os jornalistas sentem que há um excessivo recurso ao segredo de justiça por parte do Ministério Público, pois nunca os deixam consultar os processos, pelo que por maioria de razão um caso como este não seria excepção. Assim, tornou-se evidente que o arguido, apesar de não ter sido formalmente notificado dos despachos que sujeitaram este processo a segredo de justiça, por não ser interveniente processual, o arguido sabia que este processo 19/16.0YGLSB estava em segredo de justiça.
Deste modo, e pelo exposto resultou desde logo demonstrado pelas próprias declarações do arguido CLo teor dos pontos 1), 3), 6), 7), 8), 10), 11), 12), 13), 14) e 15) da factualidade dada como provada.
Também a prova documental teve enorme relevo na demostração dos factos respeitantes à operação ...
Os factos dados como provados nos pontos 1) e 3) resultaram demonstrados das fichas técnicas de fls. 25 a 34 dos autos principais.
Os factos dados como provados no ponto 4) - factos sobre o segredo de justiça a que estava sujeito o processo 19/16.0YGLSB – ... - resultaram demonstrados do teor das promoções e despachos de fls. 3 a 17 do apenso 7.
Os factos dados como provados no ponto 5) - factos sobre o comunicado da Procuradoria Geral da República - resultaram demonstrados do teor de fls. 13 a 19 do apenso 6. Desse documento, resulta que a Procuradoria Geral da República, em Outubro de 2016, confirmou à comunicação social que tinha sido extraída certidão do processo “...”, a qual gerou um novo inquérito para investigação autónoma de suspeitas de envolvimento de RR em caso de corrupção, sendo que tal inquérito estava em investigação e em segredo de justiça.
Os factos dados como provados no ponto 6) resultaram demonstrados, para além das próprias declarações do arguido, do teor da notícia de fls. 137V do Apenso 1.A. Da análise desta parte da notícia, nota-se que o arguido CLpublicou diversas fotografias de RR em várias situações diferentes ocorridas nos dias 25, 26, 27, 28 e 29 de Janeiro de 2018.
Os factos dados como provados nos pontos 7) a 9) - realização de buscas - resultaram demonstrados do teor dos autos de buscas e apreensão, designadamente de fls. 232 a 237 e 406 a 408 do apenso 7.
Os factos dados como provados nos pontos 10) e 11) - vídeo publicado pelo arguido CL- resultaram demonstrados da cópia da publicação da filmagem de fls. 141 e do CD contendo a filmagem a fls. 142 do Apenso 1.A. Da cópia da publicação resulta que a mesma ocorreu no dia 30-1-2018, às 10.01 horas, porém, a revista Sábado de 1 de Fevereiro de 2018, a fls. 134, afirma que o vídeo foi colocado no respectivo site poucos minutos depois da chegada dos investigadores ao local, às 8.34 horas. Resulta também do vídeo que o mesmo tem muito pouca qualidade e nitidez, não se logrando perceber quem são as pessoas que nele aparecem na rua, à porta da casa de RR.
Os factos constantes do ponto 12) - notícia publicada pelo arguido CL, no sítio on line da revista Sábado no dia 30 de Janeiro de 2018 - resultaram demonstrados da notícia de fls. 3 do Apenso 6.
Os factos constantes do ponto 13) - notícia publicada pelo arguido CL, na revista Sábado do dia 1 de Fevereiro de 2018 - resultaram demonstrados da notícia de fls. 134 a 140 do Apenso 1.A.
Os factos constantes do ponto 14) - fotografias publicadas pelo arguido CL, na revista Sábado do dia 1 de Fevereiro de 2018 - resultaram demonstrados da notícia de fls. 137V do Apenso 1.A
Os factos constantes do ponto 15) - que o arguido sabia que o processo 19/16.0YGLSB estava sujeito a segredo de justiça - resultaram demonstrados, para além das próprias declarações do arguido analisadas à luz das regras da experiência, também da circunstância de o segredo de justiça deste processo ser facto público, nos termos do documento de fls. 13 a 19 do apenso 6 e da própria notícia de 1 de Fevereiro de 2018 elaborada pelo arguido referir-se ao sigilo absoluto do processo, nos termos constantes de fls. 136 do apenso 1.A
Por último, a prova testemunhal veio de forma esmagadora demonstrar que as notícias e o vídeo publicados sobre este processo em nada prejudicaram a investigação, sendo que as buscas decorreram dentro da normalidade, tendo-se alcançado os objectivos estabelecidos e recolhido toda a prova pretendida. Os próprios visados das notícias FG e RR não mostraram ter-se sentido ofendidos ou prejudicados com as notícias, sendo que não consta dos autos que tenham apresentado qualquer queixa contra os jornalistas pelas mesmas.
Na verdade, a testemunha RR referiu que estava a dormir quando lhe bateram à porta para fazer a busca. Quando abriu a porta é que se apercebeu que ia ser alvo de buscas, pois entregaram-lhe o mandado e o despacho. Não tinha a televisão ligada. Só depois da busca começar é que se apercebeu das notícias e da presença dos jornalistas.
Por seu turno, a testemunha FG explicou que estava a dormir e quando bateram à porta, levou algum tempo a abrir, pois não estava em condições de o fazer de imediato (estava estremunhada e estava em roupa de dormir, pelo que teve de se vestir). Antes de abrir a porta, não sabia que iam fazer a busca a sua casa. Não ligou a televisão. Depois dos inspectores terem começado a busca na sua casa é que se apercebeu que também estavam a fazer uma busca à casa de RR.
Também resultou da conjugação dos depoimentos de todos os intervenientes nas buscas desta operação, que estas decorreram com toda a normalidade (sendo comum a presença de jornalistas e a mediatização neste tipo de processos). Acresce que nenhuma testemunha referiu qualquer elemento que pudesse levar a concluir que RR e FG já sabiam que iam ser alvo de buscas quando abriram as portas aos inspectores ou que alguma prova tivesse sido omitida ou escondida.
Nesse sentido, vejam-se os depoimentos de JV, procurador geral adjunto jubilado, que participou na busca na casa de FG, de AS, procurador geral adjunto, que participou na busca no Tribunal da Relação de Lisboa, de AG, juiz conselheiro jubilado, que participou na busca no Tribunal da Relação de Lisboa, de ISM, juíza conselheira, de CF, magistrada do Ministério Público, que participou na busca do Tribunal da Relação de Lisboa, de SS, magistrada do Ministério Público, que participou na busca do Tribunal da Relação de Lisboa, de ASa, coordenador da Polícia Judiciária, de AA, procuradora geral adjunta, que participou na busca na casa de FG, de RS, juiz que participou na busca na casa de FG, e AGr, CN, CR, CO e PR, todos inspectores da Polícia Judiciária, que participaram na busca a casa de FG.
Destes depoimentos destaca-se o depoimento de CF, magistrada do Ministério Público responsável pela investigação neste processo, que explicou que estas notícias não prejudicaram a investigação, os visados pelas buscas não tinham conhecimento das mesmas, pareceram desprevenidos e surpreendidos. RR estava em roupa interior e FG levou tempo a abrir a porta, pois estava a dormir. Esta testemunha explicou também que para além do pormenor do valor pecuniário apreendido, as notícias não revelavam teor de actos processuais, não tendo impactado na investigação.
Por seu turno, a testemunha SS, magistrada do Ministério Público também responsável pela investigação neste processo, relatou que não se apercebeu de nada que levasse a concluir que as notícias prejudicaram a investigação, sendo que as buscas não foram prejudicadas pelas mesmas.
A testemunha AS, coordenador da Polícia Judiciária responsável pela investigação também não demonstrou que as notícias dos autos tivessem causado prejuízo para a investigação, embora tenha revelado que terá havido fuga de informação antes da realização das mesmas, fuga que porém não soube explicar em que moldes terá ocorrido, apesar de ser coordenador.
Notou-se também que todas as testemunhas que participaram na busca a casa de FG referiram ter acreditado que ela apenas demorou a abrir a porta por estar a dormir.
No que concerne aos funcionários judiciais ouvidos (…), que tiveram contacto como processo, os mesmos explicaram os procedimentos e cuidados de segurança adoptados com o processo nº 19/16.0YGLSB, mas nada de relevante trouxeram aos autos.
Assim, conjugando toda a prova acima referida, nos moldes e pelas razões acima explicitados, o Tribunal Colectivo deu como provados os factos constantes dos pontos 1) a 15) e 36).
Relativamente ao processo nº 5340/17.7T9LSB, conhecido por “Caso dos E-mails”, o Tribunal Colectivo teve em atenção, para além das declarações do arguido CL, o teor do depoimento das testemunhas (…) ouvidas em audiência de julgamento e o teor da prova documental junta aos autos relacionada com esta situação, tendo por referência a delimitação já acima explanada.
Quanto a esta situação, o arguido CL explicou que também já tinha começado a investigar esta situação e já estava a trabalhar sobre o assunto. O arguido admitiu que, na notícia constante do ponto 20) da factualidade dada como provada e por si elaborada, estava a reproduzir o teor do mandado, pois citou-o expressamente. Referiu que chega a uma certa altura que os jornalistas não podem ser hipócritas: têm acesso aos documentos e não podem escrever sobre eles, tendo de falar neles de forma indirecta. O leitor tem o direito a saber do teor das coisas, para poder credibilizar a informação. Teve acesso ao mandado e pela relevância pública, citou o mandado, é uma questão de transparência. Tendo sido o arguido CL questionado como compatibiliza essa citação do mandado com o segredo justiça, o mesmo explicou que quis mostrar ao leitor como a informação era fidedigna e que tinha a certeza que não estava a prejudicar a investigação, pois a diligência já tinha terminado, não a estava a antecipar. A busca já tinha ocorrido e os elementos de prova já tinham sido recolhidos, sendo que os visados já sabiam do sucedido. Se tivesse divulgado a busca antes de ela ter acontecido, aí sim estaria a prejudicar a investigação. Estava apenas a explicar ao leitor a razão de ser das coisas, porque é que as coisas aconteceram. Mesmo quando mencionou as escutas e a recolha de elementos bancários, isso não prejudicou a investigação, porque tais elementos já estavam recolhidos. O seu critério de conduta na sua actividade jornalística assenta sempre na não antecipação de diligências. O arguido CL explicou ainda que quando escreveu a notícia, muita da informação aí referida não é informação do processo, mas sim informação que ele já tinha recolhido durante a sua investigação jornalística. Explicou também que a referência ao incidente da busca na própria notícia também não prejudicou a investigação. Os factos já tinham acontecido e se os mesmos tiverem relevância pública devem ser explicados ao leitor, pelo que o arguido CL considerou que estava apenas a fazer o seu trabalho. Os comunicados da Procuradoria Geral da República não esclarecem nada e o leitor tem o direito a saber o que se passa com os processos. O arguido CL disse também que não foi consultar este processo, pois percebeu que não o iam deixar ver, se não estivesse em segredo interno, estava em segredo externo. O arguido CL admitiu também que este processo estaria em segredo de justiça, pois sabe que é um processo com enorme interesse. O arguido CL explicou ainda que se guiou apenas pelo interesse público, tendo sido muito cuidadoso. Nunca publicou coisas que estavam nos e-mails e que se referiam ao teor da vida privada dos intervenientes. Falou apenas naquilo que era de relevo público.
Nesta situação é igualmente muto relevante a prova documental, que demonstra os pontos 16) a 20) da factualidade dada como provada.
Os factos constantes do ponto 16) – sujeição do processo nº 5340/17.7T9LSB a segredo de justiça - resultaram demonstrados dos despachos de fls. 4, 5 e 17 a 19 do Apenso 9.
Os factos constantes do ponto 17) – informação policial de PF - resultaram demonstrados da informação de fls. 30 e 30V do Apenso 9.
Os factos constantes do ponto 18) – despacho que ordenou a busca - resultaram demonstrados do despacho de fls. 7 e 8, do mandado de busca de fls. 9 a 11 e do auto de busca e apreensão de fls. 12 a 16, todos do Apenso 9.
Os factos constantes do ponto 19) – incidente ocorrido durante a busca - resultaram demonstrados do auto de busca e apreensão de fls. 12 a 16 do Apenso 9.
Os factos constantes do ponto 20) - notícia publicada pelo arguido CL, na revista Sábado no dia 8 de Fevereiro de 2018 - resultaram demonstrados da notícia de fls. 113 a 123 do Apenso 1.A.
Por último, a prova testemunhal veio mais uma vez demonstrar que a notícia publicada sobre este processo em nada prejudicou a investigação, sendo que as buscas decorreram dentro da normalidade, tendo-se alcançado os objectivos estabelecidos e recolhido toda a prova pretendida.
A testemunha FC, inspector da Polícia Judiciária, responsável pela investigação deste inquérito, explicou que recolheram elementos de prova na primeira busca e iniciaram perícia à contabilidade apreendida. O perito pediu documentação suplementar, que pediram ao Benfica, mas este não a enviou. Ai decidiram fazer a busca. Fizeram-na no dia em que havia outras buscas relativas à operação …, de forma a que estas buscas não fossem notadas. Conseguiram fazer a busca. O advogado JC fez um requerimento para o auto, depois foi-se embora e nem sequer assinou o auto. Esta busca não foi perturbada pelos jornalistas. Conseguiram os documentos que queriam. A notícia dos autos não foi prejudicial para a investigação. Não revelou a estratégia da investigação, nem revelou elementos de prova relevantes.
As testemunhas (…), todos inspectores da Polícia Judiciária que participaram na busca noticiada pelo arguido CL, explicaram que a busca correu normalmente.
Por último, as testemunhas (…), representantes do Benfica que estiveram nas buscas dos autos, relataram que as buscas correram dentro da normalidade, não tendo os mesmos mostrado qualquer incómodo com a notícia dos autos.
Assim, conjugando toda a prova acima explanada, o Tribunal deu como provados os factos constantes dos pontos 16) a 20) e 36) da factualidade assente.
Quanto ao processo nº 6421/17.2JFLSB, conhecido por “Caso ...”, o Tribunal Colectivo teve em atenção, para além das declarações do arguido CL e do arguido HM, o teor do depoimento das testemunhas (…) ouvidas em audiência de julgamento e o teor da prova documental junta aos autos relacionada com esta situação, tendo por referência a delimitação já acima explanada.
O arguido CL quanto ao caso ... começou por explicar que já estava a fazer todo um trabalho prévio de investigação jornalística sobre as fugas de informação, que vieram a dar origem ao processo .... Tal trabalho teve por base toda a informação que foi sendo disponibilizada no blogue “https://mercadodebenficapolvo.wordprss.com”, ou seja, muitos documentos que foram tornados públicos sobre este assunto. Entre esses documentos estava a informação de PF, que por ter sido disponibilizada no aludido blogue, já era do conhecimento de todos, fazendo parte do domínio público. Com base nesse trabalho prévio, já tinha escrito na Sábado, numa notícia anterior, que tinha havido uma reunião no Benfica com advogados e nessa reunião o PG distribuiu peças e informações retiradas do citius. Também contaram nessa edição que a própria Vieira de Almeida, sociedade de advogados, tinha preparada um manual de comportamentos em caso de buscas. Já nos emails revelados pelo referido blogue aparecia lá um do senhor do Tribunal de Guimarães, que depois acabou por ser arguido, a dar ao PG a notificação do EE, antes de ele ser notificado. Já tinham, por isso, a percepção que o Benfica tinha pessoas dos tribunais que lhes davam informações. Havia esse e-mail disponível no blogue e não escreveram sobre ele, pois estavam a ver se descobriam mais alguma coisa. Ele era dos poucos que tinha paciência para ler os emails todos que eram divulgados nesse blogue. Depois tiveram conhecimento que foi aberto o inquérito. Não foi consultar processo, pois não o deixariam, devido ao segredo interno ou externo. Esta resposta mais uma vez, pelas razões já acima deduzidas, mostrou que o arguido CL tinha noção de que este processo estava sujeito a segredo de justiça. Porém, a existência do processo judicial não invalidou o trabalho prévio que já estavam a fazer sobre este assunto, sendo que havia imensos mails no referido blogue sobre tudo. Dai que tivessem a informação sobre o processo.
Quanto à notícia de 8 de Fevereiro de 2018, da sua autoria, o arguido CL explicou que relatou informação que constava da informação de PF, a qual já estava disponível no supra referido blogue, pelo que era do conhecimento público. Neste artigo usou a expressão “toupeiras”, porque é um termo que se usa, é do uso comum entre jornalistas, é alguém que passa informação cá para fora. Primeiramente, o processo ia chamar-se GG, mas director é que mudou o nome para ....
Relativamente à notícia disponibilizada no sitio on line da revista Sábado, no dia 6 de Março de 2018, o arguido explicou que a mesma foi escrita por si, sendo que quando a publicou no primeiro momento, às 8.54 horas, a notícia da detenção de PG já estava a ser divulgada pela CMTV, tendo recebido a notificação da referida notícia no seu telemóvel. Às 8.54 horas, apenas falou da detenção de PG. Depois, ao longo do dia, à medida que as coisas foram acontecendo, foi actualizando a notícia, sendo esse o espírito do on line. Porém, quando actualiza com novas informações, fica sempre a hora da primeira publicação, sendo que a hora não é actualizada. Quando escreveu sobre as buscas no Tribunal de Fafe, no Tribunal de Guimarães e no Benfica, já não eram 8.54 horas. Era mais tarde, pois não escreve sobre coisas que ainda não aconteceram. Quando foi disponibilizado, viu o comunicado da Polícia Judiciária.
No que concerne à notícia de 8 de Março de 2018, o arguido CL explicou que a fez com a C, mas foi ele quem escreveu quase tudo. Um dos visados do processo PG, era assessor do Benfica, pelo que o caso tem relevante interesse público. As buscas já tinham acontecido e os mandados já tinham sido entregues aos visados. Ao publicar a notícia, o arguido CLafirmou que em nada prejudicou o processo, que continuou o seu curso até julgamento.
O arguido CL explicou ainda que faz uma leitura atenta e tenta perceber se está a antecipar diligências. Se estiver a antecipar diligências, não publica. É sempre esse o seu critério. Mais explicou que tenta fazer o seu trabalho guiado pelo interesse público, ou seja, por referência ao que é relevante para o público saber. Quando os processos não estão em segredo de justiça, tenta consultá-los e lê-os todos, para depois continuar a escrever sobre os assuntos. A sua linha delimitadora é para si um principio: nunca antecipa diligências. É o respeito pelas profissões e cabe ao jornalista explicar o porquê das coisas aos leitores. Não teve conhecimento das buscas antes de elas terem acontecido, se tivesse conhecimento não as divulgaria antes de elas acontecerem. Tem de pensar é no leitor, que tem o direito de ser informado, o jornalista não se pode autocensurar, pois de outro modo, não estaria a ser jornalista, não estava ali a fazer nada.
Por seu turno, o arguido HM disse que confirmou a elaboração da notícia constante do ponto 33) da factualidade dada como provada. A notícia começa às 8.51 horas e aí só dá notícia da detenção de PG, assessor jurídico do Benfica, suspeito de corrupção, pelo que tem relevante interesse público. Noticiou um facto da vida, não violou o segredo de justiça. Qualquer jornalista que tivesse conhecimento da detenção e não o noticiasse não estaria a fazer nada nesta profissão. O arguido HM admitiu ter noticiado esse facto àquela hora e não se arrepende minimamente disso. O facto já era do conhecimento dos visados, pelo que não houve qualquer prejuízo para a investigação. Às 8.51 horas, no sitio on line do jornal Correio da Manhã não constava tudo o que depois veio a constar. Alertou isso à Procuradora na instrução e ela não quis saber. Podem-se fazer inúmeras alterações no teor da notícia colocada on line, que vai sempre manter-se a hora inicial, ou seja, a hora a que primeira vez foi a notícia publicada. Ainda hoje consta essa hora no sítio on line do Correio da Manhã. Às 8.51 horas, havia muita coisa que ainda não se sabia. Há coisas que foram escritas e que já eram do domínio público por causa dos mails do blogue. Com a notícia, não trouxe qualquer prejuízo para a investigação. Noticiou factos da vida, com muito relevância jurídica. Não tem nenhum print da notícia às 8.51 horas. Tem a certeza que as actualizações não mudam a hora. É um princípio básico para ele que não publica nada que não tenha acontecido, tem sentido de responsabilidade, se tiver conhecimento previamente da busca, não publica nada antes de ela acontecer. Nunca prejudicou nenhuma investigação, orgulha-se disso. Começou a trabalhar neste assunto com as fugas de informação pelo blogue. O blogue era monitorizado por muita gente. Não consultou o processo antes de publicar a notícia, porque a experiência lhe diz que isso é uma diligência inútil, pois o processo ou está em segredo interno ou externo. Admitiu como possível que o processo estava em segredo de justiça. Às 8.51 horas, não sabia que estava perante três funcionários, nem que havia buscas no estádio da Luz ou nos tribunais, pelo que tal informação não constava da notícia àquela hora. Àquela hora, noticiou apenas que PG tinha sido detido e que ele era suspeito de corrupção. O resto já era público e estava em fonte aberta e certamente não publicou tantos detalhes. Também não conheciam a questão de acesso através de credenciais. Só noticiou as demais buscas depois de elas acontecerem.
A prova documental tem também nesta situação bastante relevo.
Os factos dados como provados no ponto 21) - factos sobre o segredo de justiça a que estava sujeito o processo 6421/17.2JFLSB – Operação ... - resultaram demonstrados do teor das promoções e despachos de fls. 20 a 23 do Processo 3093/18.0T9LSB apenso aos autos.
Os factos dados como provados nos pontos 22) a 24) - factos sobre informação de serviço de PF e sua divulgação no blogue - resultaram demonstrados do teor da informação de serviço de fls. 70, 72 a 76 do Apenso 1.A e do relatório intercalar de fls. 24 do Processo 3093/18.0T9LSB apenso aos autos.
Os factos dados como provados no ponto 25) - factos sobre a notícia publicada por CLna revista Sábado de 8 de Fevereiro de 2018 - resultaram demonstrados do teor da notícia de fls. 119 e 120 do Apenso 1.A.
Os factos dados como provados no ponto 26) - factos sobre o relatório intercalar e despacho - resultaram demonstrados do teor do relatório intercalar e despacho de fls. 24 e 45 do Processo 3093/18.0T9LSB apenso aos autos.
Os factos dados como provados nos pontos 27) e 28) - factos sobre os despachos que ordenaram as buscas de detenções - resultaram demonstrados do teor dos despachos de fls. 46 a 55 do Processo 3093/18.0T9LSB apenso aos autos.
Os factos dados como provados nos pontos 29) a 31) – factos sobre a realização das buscas e detenções e respectivas horas – resultam demonstrados dos documentos de fls. 64 a 84 dos autos principais.
Os factos dados como provados no ponto 32) - factos sobre a notícia de CLno sítio on line da revista Sábado de 6 de Março de 2028 - resultaram demonstrados da notícia de fls. 110 e 111 do Apenso 1.A.
Os factos dados como provados no ponto 33) - factos sobre a notícia de HM no sítio on line do jornal Correio da Manhã de 6 de Março de 2028 - resultaram demonstrados da notícia de fls. 108V e 109 do Apenso 1.A (informação da assessora de imprensa da PGR SDdas 9.46 horas), de fls. 18 a 24 dos autos principais e de fls. 2474 e 2475 dos autos principais.
Os factos dados como provados no ponto 34) - factos sobre o comunicado da Polícia Judiciária - resultaram demonstrados do comunicado de fls. 112 do Apenso 1.A e informação de fls. 90 e 91 dos autos principais.
Os factos dados como provados no ponto 35) - factos sobre a notícia de CL na revista Sábado de 8 de Março de 2028 - resultaram demonstrados da notícia de fls. 2 a 6 dos autos principais.
Assim, da conjugação das declarações dos arguidos CL e HM, com os documentos agora referidos, resultou desde logo corroborada a matéria de facto constante dos pontos 21) a 37) da factualidade provada, pois os arguidos admitiram-na e na sua grande maioria encontra-se suportada pela prova documental.
A prova testemunhal veio mais uma vez corroborar as declarações dos arguidos, confirmando a factualidade acima referida e mostrando que as notícias publicadas não tiveram qualquer prejuízo para a investigação.
Começando pelo próprio visado da busca, PG, mesmo foi absolutamente peremptório, ao referir que foi completamente apanhado de surpresa, desconhecendo em absoluto que ia ser alvo de busca e, posteriormente, que ia ser detido. Na verdade, esta testemunha relatou que estava a dormir, quando recebeu uma chamada do inspector a dizer que ia ser alvo de busca. Abriu a porta aos inspectores e eles viram tudo o que quiseram ver. Não escondeu nada. Só depois é que lhe foi dada voz de detenção, ficou novamente surpreendido. Após ter sido detido, chegou a casa a sua esposa, que tinha ido levar o filho ao colégio, a dizer que uma amiga lhe tinha ligado a perguntar o que se passava, pois já se estava a falar da situação na televisão. Ligaram a televisão e já estava a dar a notícia da detenção, que tinha acabado de ocorrer. Depois de pensar no percurso efectuado pela sua esposa, PG precisou que ela teria chegado a casa por volta das nove horas e quinze minutos. Foi nessa altura que ligaram a televisão, no canal que seria a CMTV.
Deste modo, resultou evidente do depoimento desta testemunha que as notícias que foram divulgadas pelos arguidos em nada prejudicaram a busca, pois ele foi completamente surpreendido pela acção da Polícia Judiciária, que teve oportunidade de recolher todos os elementos que considerou pertinentes. Mais se nota que a testemunha referiu que a notícia que o surpreendeu estava a dar na televisão, pelo que evidente se torna que não foram só os arguidos que noticiaram a situação, mas sim outros meios de comunicação, como a televisão. Por último, notou-se que apesar de a testemunha se ter sentido abalada com a divulgação da situação nos meios de comunicação social, a verdade é que a mesma não demonstrou ter algo contra os arguidos, sendo que não consta do processo que a testemunha tenha apresentado qualquer queixa contra os mesmos.
Por seu turno, VA, procurador responsável pelo inquérito ..., explicou que ligou ao inspector BG para saber como estavam a correr as coisas e ele comunicou-lhe que a detenção já tinha ocorrido. Confrontado com o teor de fls. 17 dos autos, confirmou tratar-se da chamada que fez, às 8.51 horas. Quando desligou e foi ver as notícias on line no telemóvel, já estavam as notícias dos autos publicadas. Contudo, instada a esclarecer, esta testemunha apenas conseguiu garantir que as duas notícias dos autos, de 6 de Março, naquele momento, após ter desligado do inspector BG, apenas falavam da detenção de PG, que efectivamente já tinha acontecido. Não sabe se àquela hora da manhã, já se falava das buscas aos Tribunais de Fafe e Guimarães e ao Benfica. Tais notícias foram saindo ao longo da manhã, não sabe precisar a que horas. Por seu turno, esta testemunha, que era a responsável pelo inquérito ..., referiu que as notícias publicadas pelos arguidos sobre este processo não prejudicaram a investigação, pois a finalidade das buscas foi atingida.
A testemunha BG, inspector que coordenou a busca a casa de PG, explicou que tudo correu com normalidade. Como PG, no fim da busca, não os queria acompanhar no carro da Polícia Judiciária ao estádio da Benfica, cumpriram de imediato o mandato de detenção. Pouco depois de terem cumprido o mandado, ligou-se a televisão e a estação da CMTV já estava a noticiar a detenção. O arguido ficou exaltado com isso, o que causou alguma perturbação na diligência, mas depois acalmou-se. A investigação não foi prejudicada, porquanto a busca e a detenção já tinham ocorrido.
As testemunhas AG e JM, inspectores que também participaram na busca a casa de PG, confirmaram igualmente que detiveram PG e que depois, quando se ligou a televisão, estavam já a noticiar a detenção. Isso causou alguma confusão, tendo sido necessário acalmar os ânimos, mas não houve qualquer prejuízo para a investigação, pois os elementos já estavam recolhidos.
As testemunhas JR, RM e JS, inspectores da Polícia Judiciária envolvidos nas buscas aos restantes visados, referiram que as respectivas buscas ocorreram com toda a normalidade, sendo que só depois de as terem terminado é que se aperceberam da existência das notícias na comunicação social.
A testemunha CP, juíza de instrução que esteve presente na busca ao gabinete de PG no estádio do Benfica, referiu que esta diligência demorou pois foi necessário aguardar pela chegada do representante da Ordem dos Advogados. Contudo, o local já estava preservado desde manhã, com a presença dos inspectores da Polícia Judiciária, pelo que as notícias em nada prejudicaram a busca, não tendo havido qualquer dissipação da prova.
As testemunhas (…) , oficiais de justiça, disseram que cumpriam os despachos dos processos, tendo explicado os respectivos procedimentos de segurança.
As testemunhas (…) da Polícia Judiciária explicaram a realização do comunicado daquela Polícia a divulgar a operação e a mudança do nome da mesma.
Assim, conjugando toda esta prova, o Tribunal Colectivo não teve qualquer dúvida em dar como provados que os arguidos elaboraram as notícias respeitantes a esta operação, com os conteúdos acima referidos, sabendo que os processos estavam sujeitos a segredo de justiça, como eles próprios acabaram por admitir, sendo que os demais factos resultam evidentes dos documentos acima referidos, das próprias declarações dos arguidos e da restante prova testemunhal. Deu-se, desse modo, como provados os factos constantes dos pontos 21) a 37) da factualidade assente.
Importa agora demonstrar, face a tudo quanto acima se disse, a razão pela qual não se deram como provados os factos constantes dos pontos 1) a 7) da factualidade não provada e a razão pela qual, por consequência, se deram como provados os factos dos pontos 38) e 39) da factualidade assente (resultantes das contestações dos arguidos).
No que concerne ao facto dado como não provado no ponto 1), ou seja, que FG, quando abriu a porta de sua casa aos inspectores da Polícia Judiciária para a realização da busca, já sabia pelas notícias que RR estava a ser alvo de buscas, tal ficou logo completamente posto em causa com o próprio depoimento da testemunha FG.
Na verdade, como acima se descreveu, a testemunha FG explicou que foi totalmente surpreendida pelas buscas, desconhecendo em absoluto que RR estava a ser alvo de buscas, o que só veio a saber mais tarde, depois de a busca à sua casa ter começado.
Também todos os intervenientes na busca ouvidos em julgamento, e cujos depoimentos acima se referiram, foram claros em afirmar que FG foi surpreendida pela busca, desconhecendo o que se estava a passar.
Deste modo, evidente se torna que tal facto não ocorreu, pelo que foi o mesmo dado como não provado.
Também no que concerne à hora de publicação on line das notícias com os teores integrais descritos nos pontos 32) e 33) da factualidade provada, dúvidas não restaram que todo aquele teor não foi publicado, respectivamente, às 8.54 horas e às 8.51 horas.
Na verdade, os arguidos CL e HM explicaram, no entender do Tribunal Colectivo de forma muito verdadeira, que para eles é um princípio fundamental não publicarem factos ou diligências que ainda não aconteceram, desde logo para não prejudicarem a investigação. Deste modo, ficou claro que estes jornalistas não iriam publicar notícias sobre buscas que ainda não tinham acontecido, como seja, as buscas aos Tribunais de Fafe e Guimarães e ao estádio do Benfica naquele dia. Aquilo que ambos disseram foi que, respectivamente, às 8.54 horas e às 8.51 horas, publicaram a notícia da detenção de PG, que já tinha acontecido, e o respectivo contexto. Os restantes factos foram sendo colocados na notícia, à medida que foram acontecendo, fazendo aquilo a que chamam a actualização da notícia. Porém, ambos explicaram que, por razões informáticas, a hora não é actualizada, à medida que vão fazendo as actualizações, sendo que independentemente das actualizações que façam, fica sempre a primeira hora a que foi publicada inicialmente a notícia.
E tal não foi desmentido por nenhuma testemunha de acusação, pois todas as testemunhas, quando questionadas, não garantiram que às 8.54 horas ou às 8.51 horas, as notícias publicadas pelos arguidos já falavam das buscas aos tribunais e ao estádio, que a essas horas ainda não tinham começado (conforme resulta da descrição dos depoimentos acima elencada).
Acresce que resultou do depoimento da testemunha SD, assessora de imprensa da Procuradoria Geral da República, que às 9.46 horas, o teor da notícia seria o que consta de fls. 108 e 108V do apenso 1.A. Mas se atentarmos no teor da mesma notícia, com a mesma hora de 8.51horas constante de fls. 18 e seguintes dos autos principais, nota-se que a mesma já foi alvo de atualizações, tendo um conteúdo diferente e mais completo. Por último, e continuando o mesmo exercício, a mesma notícia, continuando a ter a mesma hora de 8.51horas, já tem um conteúdo diferente a fls. 2474 e 2475 dos autos principais.
Tal corrobora a versão dos arguidos que, naquela altura, as notícias iam sendo alvo de actualizações, mas que mantinham sempre a hora inicial. Deste modo, e pese embora não existam dúvidas que os arguidos publicaram, naquele dia, aquelas notícias dadas como assentes, pois eles próprios o admitiram, não se pode dar como provado que o tenham feito àquelas horas, antecipando assim factos que ainda não tinham acontecido.
Pelo exposto, o Tribunal Colectivo deu como não provadas as horas de publicação das notícias, conforme resulta dos pontos 2) e 3) da factualidade dada como não provada.
Por último, e quanto aos factos dados como não provados nos pontos 4) a 7) e que se referem ao dolo, importa mais uma vez ter em atenção tudo quanto acima se disse.
Os arguidos explicaram, de modo muito verdadeiro e sentido, que publicaram as referidas notícias única e exclusivamente com a intenção de cumprir o dever de informar o leitor, ao abrigo da liberdade de imprensa e com respeito por todas as regras que regem a arte do jornalismo.
Mais disseram que em nenhum momento quiseram violar o segredo de justiça, sendo que agiram de forma conscienciosa e com sentido de responsabilidade, com o cuidado de não prejudicar a investigação, apenas relatando os factos históricos depois de os mesmos já terem acontecido.
Ambos os arguidos disseram também que a informação publicada tinha um enorme relevo e interesse social, por estarem envolvidas figuras públicas, quer do mundo da Justiça, quer do mundo do futebol, sendo que os leitores têm o direito de ser informados e esclarecidos sobre o que está a acontecer nos respectivos processos crime, que têm enorme repercussão social.
Em suma, os arguidos referiram que, ao publicar as notícias dos autos agiram de forma legítima, ao abrigo da liberdade de imprensa, negando por isso que tivessem praticado os ilícitos criminais de que se encontram pronunciados.
Tal foi corroborado por toda a prova produzida em audiência de julgamento, nos moldes já acima explanados e também pelas testemunhas de defesa AV, NT e ED.
Na verdade, importa realçar mais uma vez que os três processos judiciais em causa nos autos têm enorme relevância social. Neles estão envolvidas figuras públicas do mundo da Justiça e do futebol. Estão em causa crimes cuja factualidade investigada é extremamente grave.
Deste modo, o leitor tem o direito a ser informado sobre estes processos judiciais, cumprindo-se assim a função de enorme relevo que é o jornalismo e dando-se espaço à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa, que são essenciais numa sociedade moderna, democrática, livre e plural.
Acresce que resultou de toda a prova, de forma esmagadora, que os arguidos não prejudicaram a investigação. Os arguidos não anteciparam diligências, sendo que todas as buscas, detenções, vigilâncias, escutas e recolha de elementos de prova foram feitos, cumprindo-se os objectivos da investigação e sem qualquer dissipação de prova.
Nesse sentido, a prova foi absolutamente esmagadora e inequívoca, desde juízes, procuradores, inspectores da Polícia Judiciária, até aos próprios visados.
Os arguidos narraram factos históricos, muitos deles já públicos, e outros adquiridos com base não no teor do processo, mas sim da informação adquirida durante a investigação jornalística que desenvolveram.
Mesmo por exemplo quando o arguido CL citou o teor do mandado na notícia de 8 de Fevereiro de 2018, reproduzindo assim teor de acto processual, a informação divulgada era inócua e não prejudicou a investigação, pois a busca em causa já tinha sido feita, o mesmo se dizendo quando falou do incidente deduzido pelo advogado na busca.
Resultou evidente das declarações dos dois arguidos que os mesmos agiram enquanto jornalistas, com o único propósito de cumprir o dever de informar o leitor, no âmbito da liberdade de imprensa e no exercício rigoroso da sua profissão
Não quiseram, nem violaram no seu entender o segredo de justiça, porque aquilo que divulgaram, para além de serem na sua grande maioria factos históricos e não teor de actos processuais, em nada prejudicou a investigação, não colocou em causa a realização da justiça, não prejudicou o direito dos arguidos a um processo equitativo, nem pôs em causa a sua honra e consideração ou excedeu a reserva da vida privada.
Aliás, nenhum dos visados ouvidos em julgamento, em particular PG, RR e FG carrearam qualquer elemento para os autos nesse sentido, nem nenhum deles apresentou queixa contra os arguidos.
Tudo isto vem corroborar a versão sincera e sentida trazida pelos arguidos, quando afirmaram que agiram única e exclusivamente com o intuito de cumprir o dever de informar o leitor, não sendo sua intenção violar o segredo de justiça.
Na verdade, resultou de toda a prova que, tal como os arguidos afirmaram, os mesmos agiram de forma legítima, tendo-se limitado a fazer o seu trabalho de jornalistas, no âmbito da liberdade de imprensa e exclusivamente para informarem os leitores sobre o andamento de processos judiciais, cujo interesse público é inegável, e sem prejudicarem as respectivas investigações, que aliás conduziram a acusações e ao julgamento dos visados.
Pelo exposto, o Tribunal Colectivo deu como não provados os factos atinentes ao dolo constantes dos pontos 4) a 7) da factualidade não provada, dando por provados os factos invocados pelos arguidos nas suas contestações e constantes dos pontos 38) e 39) da factualidade provada.
Quanto às condições pessoais, sociais e económicas dos arguidos, o tribunal teve em consideração o teor dos relatórios sociais elaborados pelos serviços da DGRSP e junto aos autos, conjugado com as declarações prestadas pelos próprios arguidos em sede de audiência de julgamento, que se mostraram coerentes com o teor do aludido relatório.
Por fim, os antecedentes criminais dos arguidos resultam demonstrados dos certificados de registo criminal juntos aos autos.
4. O tribunal “a quo” procedeu ao enquadramento jurídico dos factos, nos seguintes termos:
3.1. Das questões jurídicas suscitadas pelo arguido CL na sua contestação
Em sede de contestação, o arguido CL veio invocar as seguintes questões: recurso indevido à utilização de metadados e prova ilicitamente obtida, nulidade da decisão instrutória, insuficiência e incoerência das diligências de inquérito, violação do princípio “ne bis in idem” e utilização de meios de prova proibida.
E relativamente a tais questões, importa relembrar que o Ministério Público deduziu acusação contra três arguidos, a saber PF, CL e HM, imputando a PF a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de três crimes de violação de segredo de justiça, previstos e punidos pelo artigo 371º nº 1 do Código Penal, por referência ao artigo 86º nº 8 alínea b) do Código de Processo Penal, de um crime de abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 382º do Código Penal, por referência ao artigo 386º nº 1 alínea a) do Código Penal, e de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360º nºs 1 e 3 do Código Penal.
Após ter sido requerida abertura de instrução, os três arguidos não foram pronunciados.
O Ministério Público interpôs recurso de tal decisão, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido a 20 de Abril de 2022, mantido o despacho de não pronúncia relativamente ao arguido PF e ordenado que fosse proferido despacho de pronúncia relativamente aos arguidos CL e HM, nos exactos termos em que haviam sido acusados pelo Ministério Público, devendo dessa pronúncia excluir-se os factos atinentes a PF, como sendo a fonte das notícias em causa.
Em cumprimento do aludido acórdão, foi proferido despacho de pronúncia apenas quanto aos arguidos CL e HM, pelos factos que a acusação imputava a estes arguidos.
Tendo em conta o acima exposto, o Tribunal Colectivo não teve em atenção o teor das vigilâncias efectuadas ao arguido CL, o teor dos elementos bancários e fiscais recolhidos relativamente a PF e ao arguido CLe o teor de perícias informáticas e dados relativos às conversações telefónicas e troca de mensagens, uma vez que tais elementos só teriam relevância para o crime de abuso de poder imputado a PF ou para demonstrar que o mesmo era a fonte do arguido CL, sendo que tal relevância ficou totalmente anulada com o teor do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, nos moldes já acima explicados.
Por tal razão, não tendo aquela prova sido analisada nem atendida pelo Tribunal Colectivo em julgamento, as questões suscitadas pelo arguido CL quanto ao recurso à utilização de metadados e a prova ilicitamente obtida e quanto à utilização de meios de prova proibida, tornaram-se inúteis, pois, por razões diversas, Tribunal Colectivo afastou aqueles meios de prova a que respeitavam tais questões, não os tendo utilizado na formação da sua convicção como acima se referiu.
Acresce que tendo o Tribunal da Relação de Lisboa ordenado que fosse proferido despacho de pronúncia quanto aos arguidos CL e HM, nos termos e pelos factos constantes da acusação que havia sido proferida pelo Ministério Público, e tendo sido proferido despacho de pronúncia nesses moldes, não se vislumbra como é que o despacho de pronúncia pode padecer de nulidade.
Por seu turno, também não se pode agora vir falar de violação do princípio do “ne bis in idem” ou de insuficiência e incoerência das diligências de inquérito, pois mais uma vez o julgamento dos autos realizou-se por determinação do Tribunal da Relação de Lisboa.
Se tal violação ou tal vício se verificassem nos termos referidos pelo arguido em sede de contestação, então o Tribunal da Relação de Lisboa não mandaria pronunciar os arguidos nos moldes em que haviam sido acusados.
Aliás, estas questões já haviam sido suscitadas pelo arguido CL, quer em sede de requerimento de abertura de instrução, quer em sede de resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público do despacho de pronúncia, e tal não impediu o Tribunal da Relação de Lisboa de mandar pronunciar os arguidos.
Deste modo, tendo em conta os motivos acima aduzidos, as questões jurídicas suscitadas pelo arguido CLna sua contestação encontram-se ultrapassadas, pelo próprio acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, devidamente transitada em julgado, pelo que este Tribunal Colectivo decidiu não atender às mesmas.
(…)
3.2. Do crime de violação de segredo de justiça
O arguido CL encontra-se pronunciado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de três crimes de violação de segredo de justiça, previstos e punidos pelo artigo 371º nº 1 do Código Penal, por referência ao artigo 86º nº 8 alínea b) do Código de Processo Penal e aos artigos 30º e 31º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro.
O arguido HM encontra-se pronunciado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de segredo de justiça, previsto e punido pelo artigo 371º nº 1 do Código Penal, por referência ao artigo 86º nº 8 alínea b) do Código de Processo Penal e aos artigos 30º e 31º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro.
Dispõe o artigo 371º nº 1 do Código Penal que “quem, independentemente de ter tomado contacto com o processo, ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei penal.”.
Por seu turno, o artigo 86º nº 8 alínea b) do Código de Processo Penal estabelece que “O segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participante processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto como processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes, e implica as proibições de: (...) divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação.”.
Por último, o artigo 30º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, estatui que:
“1 - A publicação de textos ou imagens através da imprensa que ofenda bens jurídicos penalmente protegidos é punida nos termos gerais, sem prejuízo do disposto na presente lei, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais.
2 - Sempre que a lei não cominar agravação diversa, em razão do meio de comissão, os crimes cometidos através da imprensa são punidos com as penas previstas na respectiva norma incriminatória, elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.”.
O artigo 31º da aludida Lei dispõe que “1 - Sem prejuízo do disposto na lei penal, a autoria dos crimes cometidos através da imprensa cabe a quem tiver criado o texto ou a imagem cuja publicação constitua ofensa dos bens jurídicos protegidos pelas disposições incriminadoras. 2 - Nos casos de publicação não consentida, é autor do crime quem a tiver promovido. 3 - O director, o director-adjunto, o subdirector ou quem concretamente os substitua, assim como o editor, no caso de publicações não periódicas, que não se oponha, através da acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido com as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de um terço nos seus limites. 4 - Tratando-se de declarações correctamente reproduzidas, prestadas por pessoas devidamente identificadas, só estas podem ser responsabilizadas, a menos que o seu teor constitua instigação à prática de um crime. 5 - O regime previsto no número anterior aplica-se igualmente em relação aos artigos de opinião, desde que o seu autor esteja devidamente identificado. 6 - São isentos de responsabilidade criminal todos aqueles que, no exercício da sua profissão, tiveram intervenção meramente técnica, subordinada ou rotineira no processo de elaboração ou difusão da publicação contendo o escrito ou imagem controvertidos.”.
O crime de violação de segredo de justiça encontra-se inserido no Código Penal, em termos sistemáticos, no Livro II - Parte Especial, no Título V - Dos crimes contra o Estado, e no Capítulo III - Dos crimes contra a realização da Justiça.
A publicidade do processo e o segredo de justiça encontram-se regulados no artigo 86º do Código de Processo Penal, a assistência do público a actos processuais mostra-se prevista no artigo 87º do Código de Processo Penal e a relação dos meios de comunicação social com o processo está regulada no artigo 88º do Código de Processo Penal, sendo que a consulta de auto e obtenção de certidão por terceiras pessoas que não sejam sujeitos processuais está regulada no artigo 90º do Código de Processo Penal.
Tais normas processuais estão intimamente relacionadas com o crime de violação de segredo de justiça, na medida em que é essencial saber se determinado processo está ou não sujeito a segredo de justiça para se poder falar deste ilícito penal.
A redacção do artigo 371º do Código Penal acima transcrita foi introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, aquando da grande alteração ao regime do segredo de justiça operado nessa altura.
Na verdade, o anterior regime processual do segredo de justiça era muito mais abrangente, sendo que a regra era a sujeição do processo a segredo de justiça pelo menos até à prolação da acusação. Com a aludida alteração, pretendeu-se implementar a regra da publicidade do processo, sendo que a mesma só deve ser restringida, sujeitando o processo a segredo de justiça, quando se considerar que tal é essencial para não prejudicar os direitos dos sujeitos ou participantes processuais ou para garantir os interesses da realização eficaz da investigação.
Antes da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, o artigo 371º do Código Penal tinha a seguinte redacção: “quem ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei penal.”.
Nesta medida, a alteração do preceito pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, prendeu-se com a introdução do elemento “independentemente de ter tomado contacto com o processo,”, ou seja, definiu que não é necessário que o agente tenha tomado contacto com o processo para incorrer na prática do crime de violação de segredo de justiça, resolvendo assim anteriores querelas jurídicas.
Importa, deste modo, concluir que ao nível do regime processual, o âmbito do segredo de justiça foi restringido, como se vê pela actual redacção dos artigos 86º a 90º do Código de Processo Penal, mas ao nível do direito penal substantivo, o legislador em 2007, optou por alargar o âmbito daqueles que podiam praticar o crime de violação de segredo de justiça, passando a estabelecer que era indiferente que o agente tivesse tido ou não contacto com o processo.
A nível constitucional, nota-se que o segredo de justiça se encontra consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, que regula e protege o “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”.
Resulta da aludida norma constitucional o seguinte:
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.
A consagração constitucional do segredo de justiça enquadra-se, assim, ao nível do acesso e da realização da Justiça, constituindo um elemento essencial à prossecução daquela, que é um pilar do Estado de Direito Democrático.
Tendo ainda em mente a Constituição da República Portuguesa, importa considerar que nos termos do artigo 2º desta “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.”.
No âmbito dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a Constituição da República Portuguesa consagrou a liberdade de expressão e informação no seu artigo 37º e a liberdade de imprensa e meios de comunicação social no seu artigo 38º.
Estabelece o artigo 37º da Constituição da República Portuguesa o seguinte:
“1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.
4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.”.
Por seu turno, o artigo 38º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa dispõe que:
“1. É garantida a liberdade de imprensa.
2. A liberdade de imprensa implica:
a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional;
b) O direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redacção;
c) O direito de fundação de jornais e de quaisquer outras publicações, independentemente de autorização administrativa, caução ou habilitação prévias.”.
Temos então que quer o segredo de justiça, quer a liberdade de expressão têm consagração constitucional, sendo que em dadas circunstâncias podem entrar em conflito, pois a vida em sociedade não é estanque, nem compartimentada.
Na realidade, a sociedade democrática moderna quer-se plural e livre, e a crescente mediatização da vida em sociedade traz novas questões relevantes e complexas.
Sucede que quando o segredo de justiça e a liberdade de expressão estão em confronto, não é correcto sequer invocar que o segredo de justiça se traduz numa forma de censura, que aliás o artigo 37º nº 2 da Constituição da República Portuguesa proíbe.
O segredo de justiça trata-se antes de uma restrição prevista na lei processual penal e consagrada na Constituição da República Portuguesa, com o fito de garantir a boa administração da Justiça e o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, cuja violação constitui crime nos termos do artigo 371º do Código Penal.
E nessa medida, importa não esquecer que o próprio artigo 37º nº 3 da Constituição da República Portuguesa estabelece que as infracções cometidas no exercício da liberdade de expressão ficam sujeitas aos princípios gerais do direito criminal.
Na verdade, tudo se conjuga, num delicado equilíbrio entre direitos, liberdade e garantias, que devem ceder um face ao outro apenas na medida do estritamente necessário à sua concretização, tendo em conta princípios basilares de proporcionalidade, adequação e necessidade.
Na verdade, não há direitos absolutos, sendo que existindo confronto, há que apreciar no caso concreto e tendo em conta as normas constitucionais e legais vigentes, como se deve resolver tal conflito, de forma a que os direitos não se anulem, antes se efectivem da forma mais plena possível.
Curiosamente, esta dialéctica entre a realização da administração da Justiça e a liberdade de expressão estão vertidas na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, do seguinte modo.
No seu artigo 6º com a epígrafe “Direito a um processo equitativo”, pode ler-se:
“1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.”.
Por seu turno, o artigo 10º da aludida Convenção, com a epígrafe “Liberdade de expressão”, estabelece o seguinte:
“1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.
2. O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.”.
Ora, estes preceitos da Declaração Europeia dos Direitos do Homem, que foi ratificada pelo Estado Português, são de extrema importância e têm aplicação directa no nosso ordenamento jurídico, nos termos do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa.
Está assim feita a enunciação de todos os preceitos legais que têm relevo para a decisão do caso em apreço.
Feito este cotejo, importa então densificar o crime de violação do segredo de justiça.
Conforme bem explica A. Medina de Seiça, no seu comentário ao artigo 371º no “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, página 646, quanto ao bem jurídico protegido por este crime, “Em nosso entender, a existência do segredo de justiça decorre primariamente de exigências de funcionalidade da administração da justiça, particularmente perante o risco de perturbação das diligências probatórias e de investigação. É essencialmente o perigo de inquinamento do material probatório, susceptível de sofrer prejuízos caso os participantes processuais, sobretudo o arguido, conhecessem na sua plenitude a actividade de investigação”.
Nesse sentido, veja-se também Paulo Pinto de Albuquerque, no “Comentário ao Código Pena à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 2ª Edição, página 966, que afirma que o bem jurídico protegido pelo crime de violação do segredo de justiça é a “funcionalidade da justiça”. Por tal razão, este autor defende que “O crime de violação de segredo de justiça é um crime de perigo abstracto (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de mera actividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção)”, isto sem prejuízo da Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que adiante se explicará.
Recordando o teor do artigo 371º nº 1 do Código Penal parece ser inequívoco que os elementos que compõem o tipo objectivo deste crime são os seguintes:
Quem independentemente de ter tomado contacto com o processo;
Der conhecimento no todo ou em parte de teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça;
Que tal divulgação seja ilegítima.
Por outro lado, e no que ao tipo subjectivo concerne, o artigo 371º nº 1 do Código Penal exige o dolo genérico, em qualquer uma das suas formas previstas no artigo 14º do Código Penal.
Dito isto, evidente se torna que qualquer pessoa pode ser agente do crime de violação de segredo de justiça, que é por isso um crime comum. Assim, o jornalista não está excluído deste âmbito, podendo ao publicar determinada notícia cometer o crime de violação do segredo de justiça, desde que com essa conduta preencha os pressupostos legais do tipo de crime em apreço.
Tal resultou clarificado, como acima se disse, com a alteração operada em 2007, com a introdução do elemento “independentemente de ter tomado contacto com o processo.”.
Por outro lado, tem de haver divulgação de teor de acto processual, não bastando a mera referência genérica à ocorrência do acto processual ou à narração de factos históricos.
Como bem explica Paulo Pinto de Albuquerque, na obra acima referida, “O objecto da tutela penal é o teor do acto de processo penal coberto pelo segredo de justiça (...) Isto é, está protegido pela norma apenas o conteúdo da diligência realizada no processo que se encontre em segredo de justiça (ou seja, as concretas perguntas colocadas, as concretas respostas dadas e as concretas actividades desenroladas durante o acto processual). (...) estão fora do âmbito típico da norma penal (...) a divulgação da realização do acto de processo penal coberto pelo segredo, sem qualquer menção do respectivo conteúdo”.
Por último, a divulgação tem de ter sido feita de modo ilegítimo, fazendo-se aqui apelo ao funcionamento de causas de justificação.
Relativamente à expressão “ilegitimamente”, o Prof. Figueiredo Dias explicou durante a discussão do projecto de revisão do Código Penal que “A sua inserção seria uma chamada de atenção ao funcionamento de causas de justificação.” Nesse sentido, veja-se a Acta nº 37, em “Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, por Manuel Simas Santos e Pedro Freita, MJ 1993, Rei dos Livros, página 471.
Ora, e será quanto a este último ponto que não poderá deixar de se ter em atenção o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, quanto à liberdade de expressão e à relação desta com a actividade dos jornalistas e com o segredo de justiça, bem como de toda a jurisprudência que vem sendo a ser firmada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem quanto a esta matéria.
Com efeito, o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direito do Homem, de aplicação directa no nosso ordenamento jurídico pode consubstanciar uma causa de justificação, permitindo que o jornalista publique legitimamente factos, ainda que estejam sujeitos a segredo de justiça.
Analisando o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nota-se que o mesmo, no seu número um, define o que é a liberdade de expressão, o que faz de forma muito ampla. Trata-se da liberdade de expressar livremente o nosso pensamento e/ou a nossa opinião e da liberdade de trocar, receber, transmitir ou difundir informações e/ou ideias, sem que possa haver ingerência de autoridades ou terceiros.
Contudo, atenta a enorme amplitude conferida a esta liberdade, o numero dois do artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, refere a necessidade de tal liberdade ser exercida com responsabilidade (o chamado jornalismo responsável), e impõe determinadas limitações ao exercício da mesma.
Quanto a essas restrições exige o preceito o seguinte:
- As limitações à liberdade de expressão têm de estar previstas na lei (previsão legal), como seja, por exemplo, o segredo de justiça;
- As limitações à liberdade de expressão têm de se destinar a cumprir um dos objectivos elencados na norma (fim legítimo), a saber, garantir a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, impedir a divulgação de informações confidenciais, ou garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial, e;
- As limitações à liberdade de expressão têm de constituir providências necessárias numa sociedade democrática para atingir os referidos objectivos (necessidade social imperiosa).
E é com esta linha de raciocínio que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem densificado a liberdade de expressão, nos processos interpostos por requerentes que foram condenados pelos tribunais nacionais por crimes de injúria, difamação ou violação do segredo de justiça e que recorreram àquele Tribunal, invocando que tais condenações violam o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Com efeito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem considerado que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, devendo ser compatibilizado com todos os demais direitos e liberdades consagrados na Convenção, pelo que pode ser alvo de limitações. Contudo, como se disse, as limitações têm de estar previstas na Lei e ser absolutamente necessárias e imperiosas numa sociedade democrática para garantir os fins acima elencados.
E decorre da análise da Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que este tem vindo a entender que incriminações penais, como o crime de difamação ou o crime de violação do segredo de justiça, são restrições previstas na lei, que se destinam a atingir fins previstos no artigo 10º nº 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, como seja, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da honra ou dos direitos de outrem e a protecção da autoridade e da imparcialidade do poder judicial.
Porém, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem sido muito exigente no requisito da necessidade social imperiosa própria de uma sociedade democrática, ou seja, tem considerado que a liberdade de expressão só deve ser restringida se tal for absolutamente necessário e essencial para atingir um dos fins previstos no número dois do artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Implementa assim princípios fundamentais como seja o da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, exigindo que a liberdade de expressão só deve ceder em circunstâncias que sejam absolutamente essenciais para garantir os demais direitos.
Na verdade, tem vindo a ser defendido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que a liberdade de expressão, não sendo um direito absoluto, é um direito muito importante para garantir a existência de uma sociedade verdadeiramente democrática e plural, onde qualquer cidadão possa exprimir livremente as suas ideias e os seus pensamentos, sendo o debate livre e informado essencial para o desenvolvimento de qualquer sociedade moderna. Deste modo, as restrições a tal liberdade devem ser cautelosas e muito ponderadas.
E tal tem vindo a ser implementado nas decisões proferidas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que tem vindo a densificar critérios para aferir da existência ou não da necessidade imperiosa de restringir a liberdade de expressão numa sociedade democrática.
Caso exista essa necessidade social imperiosa de restringir a liberdade de expressão para atingir um dos fins previstos pela norma, a restrição deve prevalecer e o jornalista não deve publicar os factos, sendo que se o fizer, está a agir ilegitimamente.
Veja-se nesse sentido e a título exemplificativo os seguintes casos:
Caso Bedat v. Suiça – de 29 de Março de 2016.
Caso Y v. Suiça – de 6 de Setembro de 2017.
Caso não exista essa necessidade social imperiosa de restringir a liberdade de expressão, a restrição não deve prevalecer e o jornalista pode legitimamente publicar os factos.
Veja-se nesse sentido e a título exemplificativo os seguintes casos:
Caso Sunday Times v. Reino Unido – de 26 de Abril 1979.
Weber v. Suiça – de 22 de Maio de 1990.
Caso Worm v. Áustria – de 29 de Agosto de 1997.
Caso Tourancheau et July v. França – de 12 de Abril de 2006.
Caso Dupuis v. França – de 7 de Junho de 2007.
Caso Mor v. França – de 15 de Dezembro de 2011.
Caso Morice v. França de 23 de Abril de 2015.
Também o Estado Português já foi condenado várias vezes pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por violação do artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, referindo-se a título exemplificativo os seguintes acórdãos:
Caso HH v. Portugal – de 24 de Abril de 2008.
Caso II v. Portugal – de 19 de Janeiro de 2010
Resultam da globalidade destes referidos acórdãos que, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a liberdade de expressão e de imprensa deverá prevalecer, podendo o jornalista publicar os factos de forma legítima, se os mesmos tiverem grande relevância social e interesse público. Tal sucede quando estão envolvidas situações relacionadas com temas socialmente importantes para a comunidade ou de natureza sensível, ou estejam em causa figuras ou instituições públicas. Nessas circunstâncias, os leitores têm o direito a ser informados e a ver esclarecidos os factos, para de forma rigorosa poderem formar a sua opinião, o que é essencial numa sociedade livre, plural e democrática.
Outro critério sempre muito explorado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é a questão de a divulgação dos factos publicamente relevantes não ter posto em causa ou prejudicado a investigação. Aborda também muto a questão de não se colocar em causa o direito a um processo equitativo, e de não se por em crise a presunção da inocência e a garantia da independência do poder judicial. Tais critérios são preponderantes, pois se a divulgação dos factos for essencial para cumprir o dever de informar e não prejudicar a investigação, tem sido considerada legítima a publicação de tais factos, ainda que sujeitos a segredo de justiça.
Por outro lado, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem vindo a considerar legítima a publicação de factos históricos, e sobretudo que já fossem do domínio público.
Estes critérios, muito desenvolvidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, têm servido para decidir, de acordo com as circunstâncias do caso concreto e tendo em mente o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, se o segredo de justiça deve ou não prevalecer sobre a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, sendo muito relevante e frequente a decisão de que o segredo de justiça não deve prevalecer.
Todas estas questão são acompanhadas de perto e de forma muito completa pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Outubro de 2014 (processo nº 941/09.0TVLSB, publicado na Colectânea de Jurisprudência do STJ nº 259, Ano XXII - Tomo III/2014 - Páginas 81-90), podendo ler-se no seu sumário o seguinte:
“I - A prevalência do direito à honra e ao bom-nome, no confronto com o direito à liberdade de expressão e de informação, relativamente a afirmações lesivas do mesmo, não se compadece com as situações em que aquelas afirmações, embora potencialmente ofensivas, sirvam o fim legítimo do direito à informação e não ultrapassem o que se mostra necessário ao cumprimento da função pública da imprensa.
II - O direito do público a ser informado tem como referência a utilidade social da notícia – interesse público –, devendo restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, apresentados com respeito pela verdade.
III - A verdade noticiosa não significa verdade absoluta: o critério de verdade deve ser mitigado com a obrigação que impende sobre qualquer jornalista de um esforço de objectividade e seguindo um critério de crença fundada na verdade.
IV - Embora seja difícil estabelecer o equilíbrio ténue entre o princípio da presunção de inocência, de que todos os cidadãos devem gozar, mormente na fase de inquérito, e o direito à informação, é inderrogável o interesse em dar a conhecer aos cidadãos uma matéria que, encontrando-se porventura sujeita ao segredo de justiça, releva do cometimento de irregularidades graves passíveis de configurar a prática de crimes. Há interesse público.
V - O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem acentuado que a liberdade de impressa constitui um dos vértices da liberdade de informação, não podendo as autoridades nacionais, por princípio, impedir o jornalista de investigar e recolher as informações, com interesse público, e de as transmitir, o que é inerente ao funcionamento da sociedade democrática.
VI - No que toca ao confronto do segredo de justiça com a liberdade de expressão e de informação, o TEDH tem-se pronunciado contra as restrições à liberdade de expressão que não considera serem necessárias, designadamente quando as informações em causa já sejam públicas.”.
Vertendo agora tudo quanto acima se disse sobre o crime de violação do segredo de justiça ao caso em apreço, e tendo por base a decisão do Tribunal Colectivo quanto à matéria de facto, torna-se evidente que os arguidos CLe HM, na sua qualidade de jornalistas, publicaram as notícias dos autos, sabendo que os processos judiciais a que as mesmas se referiam estavam em segredo de justiça.
Porém, também ficou demonstrado que os arguidos, na maioria dos conteúdos das notícias, se estava a referir à existência ou à ocorrências de actos processuais, sem reproduzir o teor dos mesmos. Muitos dos factos noticiados eram factos já conhecidos, do domínio público, essencialmente decorrentes das divulgações feitas pelo blogue “mercadodebenfica”, ou da existência de notícias ou divulgações anteriores feitas por outros órgão de comunicação social. Nota-se também que muitos dos factos que compunham as notícias dos autos decorriam de informações obtidas pelas investigações jornalísticas levadas a cabo pelos próprios arguidos.
Acresce que todos os factos noticiados respeitavam a casos de enorme relevância social, não só pelas figuras públicas envolvidas (do mundo da Justiça e do desporto – futebol), como pela gravidade dos factos e natureza dos ilícitos em apreço (corrupção). Tratavam-se de processos judiciais de enorme importância, que impunham o dever de informar o leitor, que por seu turno, tem direito a ser esclarecido do que se está a passar e da própria razão das coisas.
Por último, no caso dos autos, de toda a prova produzida em audiência de julgamento, resultou evidente que a publicação das notícias dos autos não causou qualquer prejuízo para as investigações, nem para os próprios visados.
As investigações correram os seus termos dentro da normalidade, sendo que toda a prova procurada foi recolhida e não houve qualquer influência no decurso dos processos, nos quais foram proferidas acusações, que seguiram para julgamento.
Por seu turno, os visados não viram prejudicada a sua defesa, nem o seu direito a um processo equitativo, sendo que nenhum deles exerceu qualquer queixa ou acção contra os arguidos por eventuais danos que as noticias tivessem causado.
Face ao acima exposto, torna-se inequívoco que os arguidos, no exercício da sua profissão de jornalistas, publicaram as notícias dos autos de forma legítima, tudo com o único e exclusivo fim de esclarecer o leitor, cumprindo o seu dever de informar, ao abrigo da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa.
Para além de terem agido de forma legítima, por tudo quanto acima se disse, tornou-se também evidente que os arguidos não agiram de forma dolosa, pois a sua única intenção foi cumprir o dever de informar, ao abrigo da liberdade de imprensa, e no cumprimento da sua função de jornalistas.
Na verdade, pegando na Jurisprudência do Tribunal dos Direitos do Homem e em toda a interpretação e aplicação que este faz do artigo 10º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem, não se vislumbra que os arguidos tenham agido de forma ilegítima, pois nos três casos dos autos, tendo em conta a relevância e interesse dos factos noticiados e a total ausência de prejuízo para a investigação e para os próprios visados, o segredo de justiça deve ceder face à liberdade de imprensa.
Deste modo, e sumariando tudo quanto acima se disse, tendo os arguidos agido de forma legítima, ao abrigo da liberdade de imprensa, e apenas com o fim de cumprir o dever de informar o leitor, afigura-se que não agiram ilegitimamente, nem com dolo.
Assim, não estando preenchido todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de violação do segredo de justiça, a que alude o artigo 371º do Código Penal, devem os arguidos ser absolvidos dos crimes de que estão pronunciados, o que este Tribunal Colectivo decide.
5. Alega o recorrente Mº Pº o seguinte, em sede conclusiva:
I. O Tribunal, ao absolver os arguidos CLe HM da prática dos crimes de violação de segredo de justiça pelos quais foram pronunciados, em obediência a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, procedeu a uma incorreta interpretação do crime previsto no artigo 371º do Código Penal, contrariando expressamente a letra e a teleologia da lei, frustrando a tutela que o legislador pretendeu conferir ao segredo de justiça em cumprimento da obrigação constitucional constante do artigo 20º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e reconhecida como legítima e necessária pela Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, criando com tal interpretação um risco sério para a investigação criminal, a presunção de inocência e a proteção dos direitos de privacidade de outros intervenientes processuais.
II. A decisão proferida:
a) Fez uma incorreta apreciação da prova produzida, dando como não provados factos que deverão ser dados como provados, sob pena de contradição insanável entre os factos provados e entre estes e a fundamentação da matéria de facto;
b) Interpreta incorretamente o artigo 371º do Código Penal, com base numa leitura incorreta e contrária à Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
III. No que se refere à matéria de facto, o acórdão avaliou incorretamente a prova produzida em três vertentes de facto:
d) Hora de publicação das notícias
a. O ponto 11 da matéria de facto dada como provada deverá ser alterado no sentido de constar que o vídeo foi publicado no sítio online da Revista Sábado minutos depois das 8H34m;
b. O ponto 32 da matéria dada como provada deverá ser alterado no sentido de constar que a disponibilização da notícia, com um teor concreto integralmente não apurado, foi efetuada às 8H54m (facto não provado 2))
c. O ponto 33 da matéria de facto dada com provada deverá ser alterado no sentido de constar que a notícia foi publicada às 8H51 (facto não provado 3))
e) Atuação livre, dolosa e culposa
a. Deve ser dado como provado que os arguidos agiram, em todos os momentos, de modo livre, deliberado e voluntário (facto 4 dado como não provado);
b. Deve ser dado como provado que os arguidos quiseram violar o segredo de justiça e que sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei (factos 5) e 6) dados como não provados;
f) Prejuízo para a investigação
a. O ponto 39 dos factos dados como provados – que as notícias em nada prejudicaram as investigações dos três processos judiciais a que respeitavam – não deve ser dado como provado por não ter sido produzida prova que sustente tal conclusão.
IV. Em termos de direito, o Tribunal faz uma interpretação incorreta do artigo 371º do Código Penal, exigindo como elemento típico, neste caso concreto, a ocorrência de prejuízos, seja para a investigação seja para os restantes intervenientes processuais, invocando jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que sustenta precisamente o contrário.
V. O tribunal, nos pontos 11, 32 e 33, apesar de dar como provadas as publicações das notícias nos sítios online da Sábado e do Correio da Manhã, é totalmente omisso quanto à hora dessas divulgações.
VI. No entanto, na fundamentação do facto 11, o Tribunal refere, de forma pertinente mas contraditoriamente com o que deu como provado nesse mesmo ponto de facto, que “Da cópia da publicação resulta que a mesma ocorreu no dia 30-01-2018, às 10H01 horas, porém, a revista Sábado de 1 de fevereiro de 2018, a fls. 134, afirma que o vídeo foi colocado no respetivo site poucos minutos depois da chegada dos investigadores ao local, às 8,34 horas”.
VII. Nos pontos 32 (divulgação do teor de atos processuais pelo arguido CL) e 33 (divulgação do teor de atos processuais pelo arguido HM), o Tribunal não deu como provadas as horas a que foram divulgadas as notícias, quando na fundamentação de facto refere que “Aquilo que ambos disseram foi que, respetivamente, às 8H54 e às 8H51 horas, publicaram a notícia da detenção de PG, que já tinha acontecido, e o respetivo contexto”. Acrescenta o Tribunal que “Os restantes factos foram sendo colocados na notícia, à medida que foram acontecendo, fazendo aquilo a que chamam a atualização da notícia”.
VIII. Que a notícia da detenção foi dada praticamente ao mesmo tempo que a detenção de PG– antes das nove horas - resulta do depoimento de BG, Inspetor da PJ que determinou a detenção, o qual, na sessão de 31/01/2023, disse ao minuto 3m38ss e 11m22ss que, como PG não o quis acompanhar, fez a detenção, acrescentando que logo após o cumprimento do mandado, cerca de 1 minuto no máximo, a esposa ligou a televisão passando no canal CMTV a informação de que ele fora detido.
IX. Que a divulgação de informação processual foi feita praticamente às nove horas, já com informações concretas sobre a investigação e não apenas a ocorrência de uma detenção, resulta ainda provada pelo documento constante de fls. 108 do apenso 1-A, referente à divulgação do texto que se encontrava divulgado no sitio do Correio da Manhã (edição online), antes das 9h46m do dia 6 de março.
X. Trata-se de uma mensagem de correio eletrónico de divulgação de notícias pelo Gabinete de Imprensa da PGR (enviado pela Dra. SD do referido Gabinete), em que a mesma, às 9h45m, copia o texto que se encontra na página do Correio da Manhã, e o divulga por uma lista de endereços do Ministério Público.
XI. É o seguinte o seu teor (reproduzindo apenas as partes mais graves em termos de divulgação do teor de atos processuais, com sublinhados nossos):
“Braço direito de BB preso por corrupção ao serviço do Benfica. Caso dos emails trama PG. Há novas buscas a decorrer no Estádio da Luz. Por HM|08.51.
PG, diretor do departamento jurídico do Benfica e braço direito de LV, foi esta manhã detido pela Polícia Judiciária sob suspeita de, em nome da SAD do clube, ter subornado três funcionários judiciais para lhe fornecerem peças processuais do chamado “caso dos mails” – em que o Benfica e os seus dirigentes são investigados, no DIAP de Lisboa, por corrupção desportiva, num alegado esquema com árbitros e observadores dos mesmos.
(...)Os funcionários dos tribunais de Guimarães e de Fafe, um dos quais está também detido pela Unidade de Combate à Corrupção da PJ, entraram no sistema CITIUS – base de dados da Justiça – com passwords de acesso deles e abusivamente em nome de magistrados do Ministério Público. (...)
Na operação de hoje, que está a passar por novas buscas à SAD do Benfica, na porta 18 do estádio da Luz, e a outros locais, como os tribunais de Guimarães e de Fafe, onde foram cometidos os crimes (...)
XII. Pelo exposto, os factos 11, 32 e 33 dos factos dados como provados deverão ter a seguinte redação:
a) Facto 11: “ arguido CL publicou esse vídeo no sitio online da Revista SABADO (https://www.sabado.pt/video/detalhes/buscas-a-chegada-a-casa-de-RR) poucos minutos depois das 8H54m;
b) Facto 32: No dia 6 de Março de 2018, cerca das 8H54m o arguido CL fez disponibilizar, no sítio online da revista Sábado a notícia da detenção de PG, tendo durante a manha do mesmo dia disponibilizado a seguinte notícia: “...);
c) Facto 33: No dia 6 de Março de 2018, o arguido HM, jornalista do Correio da Manhã, fez publicar cerca das 8H51m no sítio online desse jornal a notícia da detenção de PG e durante a manhã, antes das 9H46m, a seguinte notícia que assinou: (...).
XIII. Deverão ainda ser eliminados os factos 2) e 3) dados como não provados, sob pena de contradição.
XIV. O Tribunal, confundindo na matéria de facto atuação livre, intenção e consciência da ilicitude, deu, contraditoriamente, como provado que:
f) “Em todas as ocasiões descritas, o arguido CL sabia que os processos sobre os quais efetuou peças jornalísticas corriam a coberto de segredo de justiça”;
g) “o arguido HM sabia que o processo n.º 6421/17.2JFLSB sobre o qual efectuou peça jornalística corria a coberto de segredo de justiça”,
E simultaneamente como não provado que:
h) Os arguidos CL e HM agiram, em todos os momentos, de modo livre, deliberado e voluntário;
i) Nas situações descritas, o arguido CL quis divulgar, como divulgou, notícias que descreveram o conteúdo dos atos e peças processuais, querendo com isso violar o segredo de justiça que vigorava nos respetivos processos”
j) O arguido HM quis violar o segredo de justiça a que estava sujeito o processo n.º 6421/17.2FLSB, divulgando, como divulgou, notícia que descrevia o conteúdo dos atos processuais ordenados no referido processo”.
XV. Dar como provado – e bem – que os arguidos sabiam que os processos estavam sujeitos a segredo de justiça, é afirmar que os arguidos tinham conhecimento de um instituto jurídico e dos seus efeitos, uma vez que o segredo de justiça não é uma realidade natural ou sensorial, é um instituto jurídico, previsto na lei, com determinados efeitos jurídicos.
XVI. Sendo os arguidos jornalistas experientes em justiça, conhecem o principal e primeiro efeito legal do regime de segredo de justiça – não se poder divulgar o teor de atos processuais - e se sabem que os processos estavam sujeitos a segredo de justiça, ao divulgarem o teor de atos desses processos necessariamente aceitam - querem - não respeitar - violar - o segredo de justiça.
XVII. Também é incorreto dar como não provado que os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente.
XVIII. Não resulta da prova produzida que os arguidos estivessem sob coação, em erro, inconscientes ou sob efeito de substâncias que os tivesse posto inconscientes, pelo que manifestamente terá de ser dado como provado que os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente.
XIX. Assim, deverá:
a) Ser dado como provado o facto 4 dado como não provado: que os arguidos CLe HM agiram, em todos os momentos, de modo livre, deliberado e voluntário;
b) Ser dado como provado o facto 5 dado como não provado: Nas situações descritas, o arguido CL quis divulgar, como divulgou, notícias que descreveram o conteúdo dos atos e peças processuais, querendo com isso (ou se se quiser “sabendo que necessariamente”) violar o segredo de justiça (...)
c) Ser dado com provado o facto 6 dado como não provado: O arguido HM quis violar (ou se se quiser “sabendo que necessariamente”) o segredo de justiça a que estava sujeito o processo n.º 6421/17.2FLSB, divulgando, como divulgou, notícia que descrevia o conteúdo dos atos processuais ordenados no referido processo (...).
XX. O tribunal deu como provado (ponto 39) que “as notícias em nada prejudicaram as investigações dos três processos judiciais a que respeitavam”, afirmação que não é sustentada na prova produzida, muito menos de forma “esmagadora”, como se refere no acórdão.
XXI. O acórdão confunde prejuízo para a investigação com prejuízo para as diligências concretas em curso: as buscas e detenções.
XXII. A investigação – ou inquérito – consubstancia-se, conforme resulta do artigo 262º do Código de Processo Penal - nas diligências que visam “investigar” a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.
XXIII. Só se poderia dar como provada a não ocorrência de qualquer prejuízo para a investigação se houvesse a certeza – judiciária, naturalmente, para além de qualquer dúvida razoável – da inexistência de qualquer ocultação, destruição, manipulação ou alteração da prova decorrente da divulgação das notícias. Ora, ninguém está em condições de o poder afirmar, motivo pelo qual nenhuma testemunha, quando confrontada com a questão como ela deve ser colocada, o pôde afirmar, apenas referindo que na diligência em que estava a participar não se ter apercebido que tal tenha acontecido.
XXIV. Salvo casos muitos especiais de crimes praticados por um agente isolado, num momento único em que toda a prova esteja concentrada no local do crime, nenhuma testemunha poderá afirmar que não ocorreu qualquer prejuízo para a investigação, sendo que os casos dos autos – por facilidade de exposição, …, ... e caso dos emails – envolvem diversas pessoas, singulares e/ou coletivas, diversos contactos, negócios prolongados no tempo e em locais dispersos, de pessoas com situações de poder sobre outras.
XXV. A maioria das testemunhas indicadas pelo acórdão como “prova esmagadora da ausência de prejuízo para a investigação” nem sequer se pronunciou sobre este facto ou não pode ser considerada como tendo razão de ciência para o efeito, como sejam os depoimentos dos visados pelas diligências, RR, FG e PG ou os diversos funcionários judiciais.
XXVI. Pelo contrário, os magistrados com experiência de investigação, confrontados com a pergunta sobre prejuízo para a investigação, nunca disseram que não tenha ocorrido, apenas que não o identificaram no dia das diligências e desconhecem se existiu ou não.
XXVII. Resulta assim claro que não se pode dar como provado que não ocorreu prejuízo para a investigação, precisamente porque não se sabe. Apenas se poderá dar como provado, sem grande relevância para a solução de direito, que não foi detetado prejuízo para as diligências em curso quando as notícias foram divulgadas. Mas apenas isso.
XXVIII. No caso, não tendo sido provado, nem que não existiu prejuízo para a investigação, nem que existiu prejuízo para a investigação, a matéria de facto terá de evidenciar essa realidade, dando como não provado o facto provado n.º 39 (As notícias dos autos em nada prejudicaram as investigações dos três processos judiciais a que respeitavam).
MATÉRIA DE DIREITO
Do crime de violação de segredo de justiça
XXIX. Sem prejuízo da alteração de factos acima referida, a questão essencial a decidir neste recurso é saber se a divulgação dolosa do teor de atos processuais de processos sujeitos a segredo de justiça por parte de jornalistas, em casos de interesse público, apenas integra a prática do crime previsto no artigo 371º, 1, do Código Penal se se tiver alegado e provado que ocorreram prejuízos, seja para a investigação, seja para os intervenientes no processo.
XXX. A resposta positiva a essa questão adotada pelo Tribunal não só não é sustentada na letra da lei, como contraria, ao contrário do que a leitura simplificada constante do acórdão pode fazer crer, a jurisprudência expressa do TEDH sobre a legitimidade da criminalização do segredo de justiça pelos Estados, frustrando completamente a tutela penal do bem jurídico “segredo de justiça”, constitucionalmente consagrado.
XXXI. A criminalização da violação do segredo de justiça concretiza o disposto no artigo 20º, n.º 3, da Constituição da República, segundo o qual “A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça”.
XXXII. O segredo de justiça foi assim erigido a um bem jurídico com tutela constitucional, impondo a Constituição ao legislador que preveja na lei a sua “adequada proteção”, por ser, conforme assinala o acórdão recorrido, “um pilar do Estado de Direito Democrático”.
XXXIII. A doutrina e jurisprudência, tanto nacional como internacional, tem, de forma pacífica, referido que o segredo de justiça visa garantir uma pluralidade de valores, nomeadamente, e conforme refere o TEDH (caso Y v. Suíça): autoridade e imparcialidade do poder judiciário, eficácia do inquérito criminal, o direto à presunção de inocência e o direito de sujeitos processuais ou outras pessoas à proteção da vida privada.
XXXIV. Em cumprimento desta verdadeira “obrigação” de proteção, o legislador decidiu, após prever o regime processual do segredo de justiça, criminalizar a sua violação no artigo 371º do Código Penal nos seguintes termos “Quem, independentemente de ter tomado contacto com o processo, ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei de processo”.
XXXV. Não restam dúvidas que o legislador não exigiu como elemento típico do crime qualquer resultado, configurando o crime como de perigo abstrato – conforme o próprio acórdão reconhece, ao citar a posição de Paulo Pinto de Albuquerque na página 50 sobre a circunstância do crime ser um crime de perigo abstrato e de mera atividade - precisamente porque o objetivo de política criminal subjacente à incriminação que a interpretação do acórdão frustra totalmente é evitar “o perigo de inquinamento do material probatório, suscetível de sofrer prejuízos caso os participantes processuais, sobretudo o arguido, conhecessem na sua plenitude a atividade de investigação (Medina de Seiça, ob. Cit, pág. 646)
XXXVI. Esta proteção do segredo de justiça não é absoluta, reconhecendo o legislador nacional que existem outros bens jurídicos que merecem consideração, como sejam, por um lado, a necessidade de, numa sociedade democrática, o funcionamento de todas as entidades públicas serem sujeitas a escrutínio, incluindo as entidades da justiça, o que exige informação sobre a sua atividade, ligando-se assim a outros direitos fundamentais, como sejam a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, motivo pelo qual o regime jurídico restringiu o âmbito do segredo de justiça, impondo limites:
a) Ao âmbito dos processos abrangidos: apenas são sujeitos a segredo de justiça aqueles processos face aos quais foi determinada a sujeição a segredo de justiça, uma vez que em regra os processos são públicos (cfr. artigo 86º, 1 e 2, do CPP);
b) Ao período temporal: a sujeição a segredo de justiça apenas pode ser determinada na fase de inquérito (artigo 86º, 2 e 3, do CPP);
c) Garantia de controlo judiciário da sujeição do processo a segredo de justiça: intervenção obrigatória de um Juiz (artigo 86º, 2 e 3, do CPP);
d) Aos fundamentos para sujeição do processo a segredo de justiça:
a. prejuízo dos direitos de determinados sujeitos ou participantes processuais (artigo 86º, 2 e 3 do CPP).
b. interesses da investigação (artigo 86º, 3, do CPP).
e) Âmbito de proteção: divulgação do teor de atos processuais, não se impedindo divulgação de factos históricos investigados autonomamente (embora, como bem salienta Medina de Seiça (ob. Cit. Pág. 650), se mostraria mais consentâneo com a proteção do bem jurídico incluir, pelo menos em certos casos, a divulgação da ocorrência de ato coberto pelo segredo de justiça, sob pena de não ser proibido divulgar que uma pessoa está a ser alvo de escutas, com um impacto gravíssimo no bem jurídico protegido mesmo sem se saber o conteúdo das conversações );
f) Garantia judiciária de acesso a um Juiz quando o Ministério Público rejeitar pedido de intervenientes processuais de levantar o segredo de justiça (artigo 86º, 5, do CPP);
g) Mecanismo de divulgação de esclarecimentos públicos quando forem necessários ao restabelecimento da verdade e não prejudicarem a investigação (artigo 86º, 13, do CPP), permitindo assim responder, de forma controlada, ao direito de informação dos cidadãos, mesmo quando o processo está em curso.
h) Incriminação com pena abstrata situada nos limites inferiores do quadro legal de penas, integrando o crime na pequena e média criminalidade, sendo a pena abstrata igual, por exemplo, ao crime de condução sem habilitação legal.
XXXVII. Assim regulado, o segredo de justiça é constitucionalmente fundado, de acordo com as exigências de uma sociedade democrática, para usar a expressão da CEDH (art. 10º, 2).
XXXVIII. Não exigindo a letra da lei qualquer resultado para a verificação do crime de violação do segredo de justiça e uma vez que ficou provado, como o próprio Tribunal reconhece, que:
5. Foram publicados pelos arguidos o teor de atos processuais:
a. Factos n.º 4 e 5, aqui dados como reproduzido, referentes ao Inquérito n.º 19/16.0YGLSB, da autoria do arguido CL, com menção a vigilâncias, escutas telefónicas, análise de contas bancárias, nomes de pessoas, informação prestada a arguidos, teores de escutas telefónicas, pormenores das buscas, o que foi encontrado nas buscas, inclusivamente valores monetários, e pormenores do objeto da investigação;
b. Facto n.º 20, aqui dado como reproduzido, referente ao Inquérito n.º 5340/17.7T9LSB, da autoria do arguido CL, com menção a pessoas envolvidas no processo, reprodução – por citação – de um mandado judicial referindo o objeto da investigação, identificação de sujeitos visados pelas diligências, mesmo não visados pela investigação, pormenores concretos do objeto da suspeita e dos factos que se pretende esclarecer e quais os documentos que se pretendia obter para esclarecer o objeto da investigação;
c. Factos n.º 25, 32 e 35, aqui dado como reproduzidos, referentes ao Inquérito n.º 6421/17.2JFLSB, da autoria do arguido CL, com menção a suspeitas de que no processo se suspeitava de outros indivíduos a aceder a informação ilicitamente, do motivo pelo qual um suspeito foi detido, com descrição concreta dos comportamentos criminosos e locais suspeitos, reprodução do teor de um mandado de busca com especificação dos comportamentos concretos em investigação, pessoas visadas ou envolvidas, identificação temporal e local concreta dos factos, funções dos suspeitos na atividade criminosa;
d. Facto n.º 33, aqui dado como reproduzido, referente ao Inquérito n.º 6421/17.2JFLSB, da autoria do arguido HM, com menção aos concretos comportamentos que fundaram a detenção de um suspeito, sociedades de advogados envolvidas, prova recolhida no processo, comportamentos concretos de outros suspeitos e locais da prática dos factos.
6. Que a informação publicada estava abrangida pelo segredo de justiça;
7. Que os arguidos sabiam que a informação estava sujeita a segredo de justiça e que o efeito é a proibição da sua divulgação;
8. Que quiseram ambos publicar as notícias estão verificados todos os elementos objetivos e subjetivos previstos no artigo 371º do Código Penal, incorrendo ambos os arguidos na prática dos crimes pelos quais foram pronunciados.
XXXIX. Naturalmente que o direito interno deverá ser interpretado tendo em conta o Direito Internacional vigente em Portugal, como é o caso da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o modo como é uniformemente interpretado pelo TEDH, motivo pelo qual considera que este é um caso cuja incriminação é legítima.
XL. Com efeito, o TEDH, depois de afirmar que os Estados beneficiam de uma certa margem de liberdade para ajuizar da existência de uma necessidade social imperiosa, numa sociedade democrática, para limitar a liberdade de expressão, ao abrigo do n.º 2 do artigo 10º da CEDH, segundo o qual a liberdade de expressão, “porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para (...) a defesa da ordem e a prevenção do crime, (...) ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial - adianta 7 critérios que os tribunais nacionais devem ter em conta para aferir se essa limitação é compatível com a CEDH: (1) o modo como a informação foi obtida; (2) o tom da notícia, (3) a contribuição do mesmo para um debate de interesse geral, (4) a influência do artigo sobre a investigação, (5)o efeito sobre a vida privada dos visados, (6) o efeito sobre a vida privada de outros intervenientes, (7) a proporcionalidade da sanção aplicada (cfr. acórdão Y. v Suíça, que acrescenta um critério aos 6 adotados na decisão anterior, Bedat v. Suíça).
XLI. O tribunal sustenta a absolvição, essencialmente, como decorre do segundo parágrafo da página 58, em dois fatores: o interesse público das notícias e a ausência de prejuízo para a investigação e para os visados.
XLII. Ora, não só, como supra defendemos, não foi produzida prova que permita concluir não ter sido causado prejuízo para a investigação, como o TEDH, com bem expressa no caso Bedat, após referir que “é legitimo pretender atribuir uma proteção especial ao segredo de investigação tendo em conta o que está em jogo num processo penal, tanto para a administração da justiça como para o direito à presunção de inocência das pessoas envolvidas (Bédat, précité, § 68)”, acrescenta que “não esperamos dum governo que posteriormente produza a prova que este tipo de publicação tenha tido uma influência real sobre o curso da investigação. O risco de influência sobre o processo justifica, em si mesmo, medidas dissuasoras, como seja a adoção pelas autoridades nacionais da interdição de divulgação de informações secretas “.
XLIII. É precisamente a ausência de efeito dissuasor, caso o legislador optasse por um crime de resultado e exigisse a prova do prejuízo para a investigação, que levou o legislador nacional a prescindir deste elemento típico para a verificação do crime de violação de segredo de justiça.
XLIV. O TEDH apenas aponta para a necessidade dos tribunais nacionais avaliarem se a conduta, no caso concreto, é passível de criar um risco de prejuízo para a investigação – e não um prejuízo efetivo - apontando para que o crime de violação de segredo de justiça possa ser interpretado, não como um crime de perigo abstrato - configuração claramente adotada pelo legislador português - mas, no limite, um crime de perigo abstrato-concreto, ou seja, aquele em que o tribunal tem de aferir se a conduta concreta, tendo em conta, nomeadamente, os factos em investigação, o tempo em que a divulgação foi efetuada e a informação disponibilizada, era suscetível, com os elementos disponíveis à data, de criar um risco de perturbação da investigação.
XLV. Se esse risco existir, como é manifestamente o caso, a incriminação é legítima e proporcional ao abrigo das exceções ao direito de liberdade de expressão previstas no n.º 2 do artigo 10º da CEDH.
XLVI. No caso concreto, estava em causa a investigação de crimes complexos, nomeadamente de corrupção e acessos ilegítimos por meios informáticos, que se sabia envolverem vários indivíduos e pessoas coletivas de grande poder e recursos, não sendo certo na altura quem poderia estar envolvido.
XLVII. Neste tipo de crimes é comum a participação de muitos intervenientes, em muitos locais, muitas sem conhecimento da prática dos crimes mas que, depois de saberem das suspeitas, podem criar receio de serem responsabilizados por qualquer ato mais duvidoso, e por isso ter condutas de ocultação ou dissimulação de provas.
XLVIII. A obtenção de meios de prova documentais e/ou digitais é essencial nestes casos, sendo o efeito surpresa fundamental para o sucesso das operações dada a facilidade da sua eliminação, muitas vezes por meios remotos.
XLIX. Neste quadro, é óbvio que uma notícia que é divulgada, com a extensão e detalhe com que estas foram, citando inclusivamente despachos de magistrados, mesmo que não seja antes da busca se iniciar, mas durante as mesmas, é objetivamente suscetível de prejudicar a investigação, e na maioria das vezes só não é possível afirmar que não prejudicou, porque nunca se veio a saber de qualquer destruição de prova, sendo o processo arquivado ou, em caso de acusação, os arguidos absolvidos por falta de prova suficiente.
L. Por tudo isto, entendemos que a jurisprudência do TEDH de violação do segredo de justiça em processo penal na fase de investigação, sobretudo as mais atualizadas, completas e únicas que justificam traçar um paralelo com o presente caso, aliás citada no acórdão – casos Bedat v. Suíça e Y v. Suíça – reforça que não estamos perante uma punição ilegítima, sendo antes justificada pela necessidade social imperiosa numa sociedade democrática de não colocar em risco as investigações criminais, enquanto estas decorrem.
LI. Mas também terá o tribunal de ter em conta, ao analisar a proporcionalidade da condenação, outro dos critérios apontados pelo TEDH: o modo como a informação foi obtida.
LII. Já sabemos que o próprio legislador Nacional apenas incrimina a divulgação do teor de atos processuais, pelo que a divulgação de factos históricos obtidos, nomeadamente, pela atividade de investigação jornalística, não é criminalmente censurada.
LIII. As notícias não se limitam a divulgar as buscas ou detenções, concretizam as suspeitas constantes do processo e o comportamento criminoso investigado, reproduzem despachos judiciais e decisões do Ministério Público, informação essa que apenas existe “no processo de inquérito”, não resultando das averiguações jornalísticas.
LIV. O acórdão, de forma que consideramos pouco rigorosa para uma avaliação sobre se uma conduta integra ou não um crime, refere-se a que “parte” das notícias eram já do domínio público ou não se referiam ao conteúdo dos autos. Ora, mesmo que fosse a maioria – o que seria sempre conclusivo –, bastaria a restante para a relevância criminal da conduta, sendo o âmbito da informação divulgada relevante para a medida da pena e nunca para a não verificação do crime.
LV. Assim, verificando-se todos os elementos típicos objetivos e subjetivos previstos no artigo 371º do CP, e decorrendo do teor concreto das notícias e dos casos em causa o risco de prejuízo para a investigação, devem ambos os arguidos ser condenados pela prática dos crimes pelos quais foram acusados.
LVI. Entendemos ainda não se demonstrar qualquer falta de consciência da ilicitude, mas antes uma discordância dos arguidos quanto à incriminação, substituindo-se ao juízo assumido legitimamente pelo legislador, evidente pela qualidade de jornalistas particularmente qualificados e experientes em questões de justiça.
LVII. De qualquer modo, mesmo a dar como provada a falta de consciência da ilicitude, a mesma seria sempre censurável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 17º e, como tal, nunca afastando a condenação.
LVIII. Pelo exposto, por se verificarem todos os elementos objetivos e subjetivos da prática pelos arguidos dos crimes que lhes foram imputados, deverá o presente recurso ser considerando procedente e o arguido CLser condenado pela prática de três crimes de violação de segredo de justiça, e o arguido HM ser condenado pela prática de um crime de violação de segredo de justiça, todos p. e p. pelo artigo 371º, n.º 1, do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 30º, n.º 2, da Lei 2/99 de 13 de janeiro.
Medida da pena
LIX. Como referimos supra, um dos indicadores usados pelo TEDH para avaliar a legitimidade da incriminação é a proporcionalidade da sanção criminal aplicada.
LX. Esta proporcionalidade está desde logo assegurada pelo legislador quando associou ao crime uma moldura penal abstrata reduzida, que se enquadra claramente, em termos de política criminal, na pequena e média criminalidade, e mesmo no âmbito desta – penas inferiores a 5 anos – na metade inferior.
LXI. Mas tendo em conta, também na pena em concreto, a jurisprudência do TEDH e considerando a ausência de antecedentes criminais do arguido CLe que HM foi condenado anteriormente na prática de um crime de difamação agravada, deverão ser aplicadas a ambos uma pena de multa a meio da moldura penal por cada crime praticado, aplicando ao arguido CLuma pena única, de acordo com as regras do concurso de crimes.
6. Apreciando.
O Mº Pº invoca a verificação de erro de julgamento, no que se reporta a parte da matéria factual dada como provada e não provada, pretendendo a sua alteração.
A reapreciação pedida tem condicionalismos e requisitos que se mostram cumpridos. Mas o poder reapreciativo concedido a este tribunal de recurso não é absoluto nem se reconduz ao concedido ao tribunal de 1ª instância.
De facto, o recurso é um remédio jurídico, o que significa que só poderá haver lugar à sua aplicação, nos casos em que, dentro dos poderes que a lei concede ao tribunal de revista, um mal inelutavelmente se verifique. Assim, a reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão.
7. Vejamos então.
As questões de facto propostas neste recurso, relativamente às quais é pedida a reapreciação em sede de impugnação ampla, são as seguintes:
A. Ausência de determinação do momento temporal, em sede de horas, em que ocorreram a publicação das notícias, peticionando-se o seu aditamento, nos seguintes termos:
a. Ao ponto 11 da matéria de facto dada como provada deverá ser aditado que o vídeo foi publicado no sítio online da Revista Sábado minutos depois das 8H34m;
b. Ao ponto 32 da matéria dada como provada deverá ser aditado que a disponibilização da notícia, com um teor concreto integralmente não apurado, foi efectuada às 8H54m (facto não provado 2))
c. Ao ponto 33 da matéria de facto dada com provada deverá ser aditado que a notícia foi publicada às 8H51 (facto não provado 3))
B. No que respeita à intenção de actuação por parte dos arguidos:
a. Deve ser dado como provado que os arguidos agiram, em todos os momentos, de modo livre, deliberado e voluntário (facto 4 dado como não provado);
b. Deve ser dado como provado que os arguidos quiseram violar o segredo de justiça e que sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei (factos 5) e 6) dados como não provados;
C. No que respeita ao prejuízo para a investigação
a. O ponto 39 dos factos dados como provados – que as notícias em nada prejudicaram as investigações dos três processos judiciais a que respeitavam – não deve ser dado como provado por não ter sido produzida prova que sustente tal conclusão.
8. Revista a prova, vejamos então.
A. Ausência de determinação do momento temporal, em sede de horas, em que ocorreram a publicação das notícias, peticionando-se o seu aditamento.
9. A este respeito, consta na fundamentação da convicção realizada pelo tribunal “a quo” o seguinte:
Também no que concerne à hora de publicação on line das notícias com os teores integrais descritos nos pontos 32) e 33) da factualidade provada, dúvidas não restaram que todo aquele teor não foi publicado, respectivamente, às 8.54 horas e às 8.51 horas.
Na verdade, os arguidos CL e HM explicaram, no entender do Tribunal Colectivo de forma muito verdadeira, que para eles é um princípio fundamental não publicarem factos ou diligências que ainda não aconteceram, desde logo para não prejudicarem a investigação. Deste modo, ficou claro que estes jornalistas não iriam publicar notícias sobre buscas que ainda não tinham acontecido, como seja, as buscas aos Tribunais de Fafe e Guimarães e ao estádio do Benfica naquele dia. Aquilo que ambos disseram foi que, respectivamente, às 8.54 horas e às 8.51 horas, publicaram a notícia da detenção de PG, que já tinha acontecido, e o respectivo contexto. Os restantes factos foram sendo colocados na notícia, à medida que foram acontecendo, fazendo aquilo a que chamam a actualização da notícia. Porém, ambos explicaram que, por razões informáticas, a hora não é actualizada, à medida que vão fazendo as actualizações, sendo que independentemente das actualizações que façam, fica sempre a primeira hora a que foi publicada inicialmente a notícia.
E tal não foi desmentido por nenhuma testemunha de acusação, pois todas as testemunhas, quando questionadas, não garantiram que às 8.54 horas ou às 8.51 horas, as notícias publicadas pelos arguidos já falavam das buscas aos tribunais e ao estádio, que a essas horas ainda não tinham começado (conforme resulta da descrição dos depoimentos acima elencada).
Acresce que resultou do depoimento da testemunha SD, assessora de imprensa da Procuradoria Geral da República, que às 9.46 horas, o teor da notícia seria o que consta de fls. 108 e 108V do apenso 1.A. Mas se atentarmos no teor da mesma notícia, com a mesma hora de 8.51horas constante de fls. 18 e seguintes dos autos principais, nota-se que a mesma já foi alvo de atualizações, tendo um conteúdo diferente e mais completo. Por último, e continuando o mesmo exercício, a mesma notícia, continuando a ter a mesma hora de 8.51horas, já tem um conteúdo diferente a fls. 2474 e 2475 dos autos principais.
Tal corrobora a versão dos arguidos que, naquela altura, as notícias iam sendo alvo de actualizações, mas que mantinham sempre a hora inicial. Deste modo, e pese embora não existam dúvidas que os arguidos publicaram, naquele dia, aquelas notícias dadas como assentes, pois eles próprios o admitiram, não se pode dar como provado que o tenham feito àquelas horas, antecipando assim factos que ainda não tinham acontecido.
Pelo exposto, o Tribunal Colectivo deu como não provadas as horas de publicação das notícias, conforme resulta dos pontos 2) e 3) da factualidade dada como não provada.
10. Invoca o recorrente, em abono da sua tese de alteração, quer a admissão dos arguidos, quanto às horas de postagem, quer a referência feita por um dos elementos da PJ, que referiu que um minuto após a detenção, a sua mulher já saberia do sucedido, por tal informação ter sido publicada.
Como se constata pela leitura do texto da autoria do tribunal “a quo”, entendeu este não lhe ser possível determinar com precisão, as horas em que as notícias, cujo texto transcreveu, foram efectivamente publicadas, pois as mesmas foram sofrendo alterações e actualizações, ao longo do dia, processos esses não susceptíveis de serem devidamente isolados, em termos horários; isto é, a notícia inicial reporta-se à detenção e é seguida de actualizações, em que são dadas outras informações, até se alcançar o texto transcrito.
11. Tendo em atenção o que consta de tal fundamentação, teremos de constatar que estamos perante uma divergência de apreciação probatória, demonstrando o recorrente que outra seria a sua convicção. Sucede, todavia, que as razões que o recorrente invoca não são de molde a determinar que se imponha tal convicção, em contraponto à alcançada pelo tribunal “a quo”; isto é, ambas as soluções se mostram possíveis e admissíveis, razão pela qual se não mostra preenchido o requisito que permite a alteração factual, já que a mesma apenas se mostra admissível de ser realizada por este tribunal de recurso quando, revista a fundamentação da convicção do tribunal “a quo”, esta se mostre insustentada na prova produzida e nas regras de experiência comum.
Tal não é aqui o caso, pelo que a convicção alcançada pela 1ª instância não pode ser alvo de alteração, mantendo-se, pois, a factualidade dada como assente, nos pontos 11, 32 e 33, e como não assente, nos pontos 2 e 3 dos factos não provados.
12. B. No que respeita à intenção de actuação por parte dos arguidos:
a. Deve ser dado como provado que os arguidos agiram, em todos os momentos, de modo livre, deliberado e voluntário (facto 4 dado como não provado);
b. Deve ser dado como provado que os arguidos quiseram violar o segredo de justiça e que sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei (factos 5) e 6) dados como não provados;
13. A fundamentação realizada pelo tribunal “a quo”, a respeito desta matéria (em correlação com a matéria de facto dada como provada nos pontos 38 e 39 - 38) As notícias dos autos respeitam a factos com grande interesse público. 39) As notícias dos autos em nada prejudicaram as investigações dos três processos judiciais a que respeitavam), foi a seguinte:
Por último, e quanto aos factos dados como não provados nos pontos 4) a 7) e que se referem ao dolo, importa mais uma vez ter em atenção tudo quanto acima se disse.
Os arguidos explicaram, de modo muito verdadeiro e sentido, que publicaram as referidas notícias única e exclusivamente com a intenção de cumprir o dever de informar o leitor, ao abrigo da liberdade de imprensa e com respeito por todas as regras que regem a arte do jornalismo.
Mais disseram que em nenhum momento quiseram violar o segredo de justiça, sendo que agiram de forma conscienciosa e com sentido de responsabilidade, com o cuidado de não prejudicar a investigação, apenas relatando os factos históricos depois de os mesmos já terem acontecido.
Ambos os arguidos disseram também que a informação publicada tinha um enorme relevo e interesse social, por estarem envolvidas figuras públicas, quer do mundo da Justiça, quer do mundo do futebol, sendo que os leitores têm o direito de ser informados e esclarecidos sobre o que está a acontecer nos respectivos processos crime, que têm enorme repercussão social.
Em suma, os arguidos referiram que, ao publicar as notícias dos autos agiram de forma legítima, ao abrigo da liberdade de imprensa, negando por isso que tivessem praticado os ilícitos criminais de que se encontram pronunciados.
Tal foi corroborado por toda a prova produzida em audiência de julgamento, nos moldes já acima explanados e também pelas testemunhas de defesa AV, NT e ED.
Na verdade, importa realçar mais uma vez que os três processos judiciais em causa nos autos têm enorme relevância social. Neles estão envolvidas figuras públicas do mundo da Justiça e do futebol. Estão em causa crimes cuja factualidade investigada é extremamente grave.
Deste modo, o leitor tem o direito a ser informado sobre estes processos judiciais, cumprindo-se assim a função de enorme relevo que é o jornalismo e dando-se espaço à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa, que são essenciais numa sociedade moderna, democrática, livre e plural.
Acresce que resultou de toda a prova, de forma esmagadora, que os arguidos não prejudicaram a investigação. Os arguidos não anteciparam diligências, sendo que todas as buscas, detenções, vigilâncias, escutas e recolha de elementos de prova foram feitos, cumprindo-se os objectivos da investigação e sem qualquer dissipação de prova.
Nesse sentido, a prova foi absolutamente esmagadora e inequívoca, desde juízes, procuradores, inspectores da Polícia Judiciária, até aos próprios visados.
Os arguidos narraram factos históricos, muitos deles já públicos, e outros adquiridos com base não no teor do processo, mas sim da informação adquirida durante a investigação jornalística que desenvolveram.
Mesmo por exemplo quando o arguido CLcitou o teor do mandado na notícia de 8 de Fevereiro de 2018, reproduzindo assim teor de acto processual, a informação divulgada era inócua e não prejudicou a investigação, pois a busca em causa já tinha sido feita, o mesmo se dizendo quando falou do incidente deduzido pelo advogado na busca.
Resultou evidente das declarações dos dois arguidos que os mesmos agiram enquanto jornalistas, com o único propósito de cumprir o dever de informar o leitor, no âmbito da liberdade de imprensa e no exercício rigoroso da sua profissão
Não quiseram, nem violaram no seu entender o segredo de justiça, porque aquilo que divulgaram, para além de serem na sua grande maioria factos históricos e não teor de actos processuais, em nada prejudicou a investigação, não colocou em causa a realização da justiça, não prejudicou o direito dos arguidos a um processo equitativo, nem pôs em causa a sua honra e consideração ou excedeu a reserva da vida privada.
Aliás, nenhum dos visados ouvidos em julgamento, em particular PG, RR e FG carrearam qualquer elemento para os autos nesse sentido, nem nenhum deles apresentou queixa contra os arguidos.
Tudo isto vem corroborar a versão sincera e sentida trazida pelos arguidos, quando afirmaram que agiram única e exclusivamente com o intuito de cumprir o dever de informar o leitor, não sendo sua intenção violar o segredo de justiça.
Na verdade, resultou de toda a prova que, tal como os arguidos afirmaram, os mesmos agiram de forma legítima, tendo-se limitado a fazer o seu trabalho de jornalistas, no âmbito da liberdade de imprensa e exclusivamente para informarem os leitores sobre o andamento de processos judiciais, cujo interesse público é inegável, e sem prejudicarem as respectivas investigações, que aliás conduziram a acusações e ao julgamento dos visados.
Pelo exposto, o Tribunal Colectivo deu como não provados os factos atinentes ao dolo constantes dos pontos 4) a 7) da factualidade não provada, dando por provados os factos invocados pelos arguidos nas suas contestações e constantes dos pontos 38) e 39) da factualidade provada.
14. Esta argumentação suscita uma série de questões.
A primeira cogitação que aqui se põe é a de saber se os autos estavam ou não em segredo de justiça. A resposta é afirmativa – ninguém o questiona e verifica-se pela mera consulta do processo.
Segunda cogitação – tinham os arguidos conhecimento de tal, isto é, de que o processo estava sujeito a segredo de justiça?
Também aí a resposta é afirmativa. Os próprios arguidos o admitem, assim como o tribunal “a quo” o não escamoteia e até dá tal matéria como assente.
Terceira cogitação – nas notícias dadas pelos arguidos, constavam informações que se mostravam abrangidas pelo segredo de justiça? Como o próprio tribunal “a quo” admite (Mesmo por exemplo quando o arguido CL citou o teor do mandado na notícia de 8 de Fevereiro de 2018, reproduzindo assim teor de acto processual, a informação divulgada era inócua e não prejudicou a investigação, pois a busca em causa já tinha sido feita, o mesmo se dizendo quando falou do incidente deduzido pelo advogado na busca.), a resposta é novamente pela afirmativa. E, basta ler as ditas notícias, para se apurar que, sem qualquer sombra de dúvida, para além de informações não abrangidas por tal reserva, muitas outras (designadamente as relativas a actos processuais e à fundamentação dos mesmos) se encontravam inseridas naquele.
Quarta cogitação – Sabiam os arguidos em que consistia a violação do segredo de justiça? Mais uma vez, a resposta é afirmativa.
Em bom rigor, aliás, é o que se mostra até dado como provado, nos pontos 36 e 37 (36) Em todas as ocasiões descritas, o arguido CL sabia que os processos sobre os quais efectuou peças jornalísticas corriam a coberto de segredo de justiça. 37) O arguido HM sabia que o processo nº 6421/17.2JFLSB sobre o qual efectuou peça jornalística corria a coberto de segredo de justiça.).
Quinta cogitação – Sabiam os arguidos que a violação do segredo de justiça constitui crime?
A resposta, mais uma vez, terá forçosamente de ser afirmativa, pois tendo os arguidos conhecimento da existência deste instituto, bem como das suas características, não podem desconhecer as consequências da violação do mesmo, para mais sendo ambos os arguidos jornalistas, com largos anos de experiência na cobertura de questões processuais criminais. Acresce que os próprios o admitem.
Sexta cogitação – As notícias que os arguidos pretendiam divulgar – existência de processos criminais, relativos a determinados suspeitos - poderiam ter sido emitidas sem determinados conteúdos (designadamente, sem menção a vigilâncias, escutas telefónicas, análise de contas bancárias, nomes de pessoas, informação prestada a arguidos, teores de escutas telefónicas, pormenores das buscas, o que foi encontrado nas buscas, inclusivamente valores monetários, e pormenores do objecto da investigação; sem menção a pessoas envolvidas no processo, sem reprodução de um mandado judicial referindo o objecto da investigação, sem identificação de sujeitos visados pelas diligências, mesmo não visados pela investigação, sem pormenores concretos do objecto da suspeita e dos factos que se pretende esclarecer e quais os documentos que se pretendia obter para esclarecer o objecto da investigação; sem a informação de que no processo se suspeitava que outros indivíduos estavam a aceder a informação ilicitamente, sem indicação do motivo pelo qual um suspeito foi detido, com descrição concreta dos comportamentos criminosos e locais suspeitos, sem reprodução do teor de um mandado de busca com especificação dos comportamentos concretos em investigação, pessoas visadas ou envolvidas, identificação temporal e local concreta dos factos, funções dos suspeitos na actividade criminosa; sem menção aos concretos comportamentos que fundaram a detenção de um suspeito, sem menção das sociedades de advogados envolvidas, sem menção de prova recolhida no processo, sem menção de comportamentos concretos de outros suspeitos e locais da prática dos factos) e, ainda assim, o público ficaria na mesma informado da gravidade dos factos e da natureza dos ilícitos em apreço (corrupção), bem como das figuras públicas envolvidas (do mundo da Justiça e do desporto – futebol)? A resposta é, mais uma vez, afirmativa. Basta proceder à leitura das ditas notícias, expurgando-as do conteúdo acima mencionado.
15. Vejamos então o que a resposta a estas cogitações determina, em sede de averiguação do dolo e da consciência da ilicitude do acto.
O dolo, embora sendo matéria factual, parametriza-se como um facto psicológico, de cariz interna. Isto significa que a sua apreensão não acontece, por regra (e a excepção é, precisamente, o caso de confissão integral, em que o sujeito verbaliza essa sua interna vontade e intencionalidade), de forma directa, sensorial, não é algo que seja directamente apreensível mediante observação. Ao invés, a sua averiguação decorre da avaliação crítica do comportamento humano em presença, de acordo com as regras da experiência, podendo ainda ser alcançado por recurso a presunções ligadas ao princípio da normalidade.
Na verdade, em muitas situações, a prova dos factos, tem de resultar de outros factos que não se comprovam em si próprios, mas de ilações, retiradas face ao facto e às circunstâncias concretas do seu cometimento – cfr., a este respeito, M. Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Vol. I, Lisboa/S. Paulo, Ed. Verbo, 1992, págs. 297 e 298. Tais normas da experiência são, por conseguinte, definições ou juízos hipotéticos, de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum e, por isso, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade (Cavaleiro Ferreira, Curso Proc. Penal, II, 30).
16. Por seu turno, e no que concerne à consciência da ilicitude, não só o artº 6º do C. Civil expressamente refere que a ignorância da lei não aproveita a ninguém como, em sede criminal, tal questão se mostra há muito pacífica. Como refere o já idoso acórdão do STJ de 14 de Outubro de 1992, no processo nº 42.918, “a consciência da ilicitude fica implícita no próprio facto, desde que seja do conhecimento geral que ele é proibido e punível.” Por seu turno, em sede doutrinária, Teresa Beleza escreve in “Direito Penal”, 2.° Vol.: Na problemática do erro sobre a ilicitude, “o que está em causa é saber-se se, numa situação concreta, a pessoa tinha a obrigação de suspeitar que aquele acto realmente fosse ilícito ou lícito e, em consequência disso, intentar verificar se assim era ou não” (...), concretamente, informar-se (...). E isto porque (...) “haverá que evitar o «amolecimento ósseo» do Direito Criminal”. Por isso, “o agente não tem de conhecer a norma violada, bastando-lhe uma consciência da ilicitude material que, normalmente, se presume. E quando o facto, para além de ser uma infracção do Direito, constitui também uma violação da ordem moral e ética, o erro é normalmente evitável, já que a valoração normativa pode surgir do próprio sentimento jurídico com um maior ou menor esforço da consciência” (mesma Autora, in “Problemática do erro sobre a ilicitude”, pág. 71, retirado do Acórdão do T.R. de Guimarães, processo nº1121/04-1, de 22-11-2004). E de igual modo se poderia citar, entre outros, Figueiredo Dias – vide Maia Gonçalves, C. Penal Português, 18ª edição, pág. 120.
17. Atentando nos ensinamentos acima concisamente expostos e relativos quer ao modo de apuramento do dolo, quer da consciência da ilicitude temos que, nos presentes autos - uma vez que não há notícia de sofrerem os recorridos de qualquer enfermidade que lhes afecte o entendimento - os arguidos quiseram escrever e publicar os textos acima mencionados, sabendo que os autos se encontravam em segredo de justiça e sabendo igualmente que a violação do segredo de justiça é proibida por lei.
Se atentarmos na conjugação do que ora se deixa dito, com a matéria de facto constante no ponto 38 dos factos provados (38) As notícias dos autos respeitam a factos com grande interesse público) e, mais uma vez, apelando a ilações decorrentes das regras de experiência comum, uma vez que ambos os arguidos são jornalistas e foi nesse âmbito que mantiverem as actuações supra narradas, teremos de concluir que, ao quererem e divulgarem aquelas notícias, em que inseriram a descrição do conteúdo de actos e peças processuais, descrição de conteúdo este não estritamente necessário, para informar o público da investigação que se estava a processar, sabiam que, como consequência possível da sua conduta, poderiam violar o segredo de justiça, que vigorava nos autos, conformando-se com tal resultado.
18. Consequentemente, impõe-se a alteração à matéria factual dada como assente e não assente, em conformidade com a reapreciação realizada, que será vertida a final da apreciação do segmento factual (vide infra), não se podendo manter, nestes segmentos, a alcançada pelo tribunal “a quo”, por se não mostrar sustentada.
19. C. No que respeita ao prejuízo para a investigação.
a. O ponto 39 dos factos dados como provados, não deve ser dado como provado por não ter sido produzida prova que sustente tal conclusão.
20. Este ponto tem a seguinte redacção:
39) As notícias dos autos em nada prejudicaram as investigações dos três processos judiciais a que respeitavam.
Lida a frase antecedente, é manifesto que não estamos perante a consignação de um facto, mas antes de um juízo valorativo conclusivo. Se assim é, como é, parece mais ou menos óbvio que tal declaração não pode ser inserida dentro do rol da matéria de facto, quer provada quer não provada, precisamente porque não estabelece um facto, mas antes um juízo.
21. Diga-se, aliás, que ainda que se entendesse que tal juízo valorativo e opinativo poderia ter cabimento em sede de matéria de facto (que não pode), a verdade é que não alcançamos em que medida seria humanamente possível alcançá-lo.
Na verdade, uma investigação compreende a realização de uma série de actos, destinados a alcançar a prova da verdade material, relativamente a um determinado incidente de vida.
Ora, a divulgação pública de partes dessa investigação, cria fenómenos de percepção e de actuação cuja dimensão, em bom rigor e em grande medida, sempre se desconhecerão. Não é humanamente possível poder afirmar-se, com qualquer mínima segurança jurídica, que um determinado acto ou informação não criou qualquer prejuízo para uma determinada investigação.
É possível fazer-se esse juízo pela positiva, isto é, determinar-se que, por virtude da informação pública de algo, alguém actuou sonegando, alterando, destruindo ou fugindo, pois o nexo causal poderá ser determinado, entre uma informação e uma acção. Já no que toca à omissão – nada foi prejudicado pela informação pública – tal afirmação mostra-se inalcançável, dada a enorme variedade de possibilidades que o conhecimento de uma determinada informação pode vir a suscitar, sem que a investigação das mesmas venha sequer a daquelas ter conhecimento.
Constata-se assim que o conteúdo do ponto 39 não pode manter-se.
22. Terminada que se mostra a reapreciação probatória e face ao que se deixa dito, nos termos acima expostos, mostra-se forçoso concluir que a prova existente nos autos permite obter, com segurança jurídica, a certeza de que alguns dos pontos factuais contra os quias o recorrente se insurge, se mostram, efectivamente, insustentados pela prova produzida e pela aplicação das regras de experiência comum ou não constitui sequer matéria de facto.
E se assim é, forçoso se mostra proceder à alteração da matéria fáctica dada como provada e não provada, no que aos mesmos respeita, pois estamos perante uma situação em que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa da alcançada pelo tribunal de 1ª instância, resultando demonstrado que se verifica, em concreto, no que a estas matérias se refere, um erro de julgamento, devendo o mesmo ser reparado por este tribunal de recurso, ao abrigo do disposto nos artºs 412 e 431, ambos do C.P.Penal.
23. Assim, procede-se à alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, nos seguintes termos:
- Elimina-se da matéria de facto provada o ponto 39.
- Eliminam-se da matéria de facto não provada os pontos 4 e 7.
- Os pontos 5 e 6 da matéria de facto não provada, passam a ter a seguinte redacção:
5) o que fez mesmo antes de todas as diligências ordenadas e noticiadas se terem iniciado, indiferente aos efeitos que essa publicação causaria aos interesses da investigação, designadamente à dissipação de prova por parte dos visados ou à perturbação da recolha da prova que se pretendia com tais diligências, e para a imagem dos visados pelas mesmas.
6) alguns ainda não iniciados, indiferente aos efeitos que essa publicação causaria aos interesses da investigação, designadamente, dissipação de prova por parte dos visados ou perturbação da recolha da prova que se pretendia com tais diligências.
- Adita-se à matéria de facto provada, os seguintes pontos:
37-A.) Os arguidos CLe HM agiram, em todos os momentos, de modo livre, deliberado e voluntário.
37-B) Nas situações descritas, o arguido CL quis divulgar, como divulgou, notícias que descreveram o conteúdo dos actos e peças processuais, sabendo que, como consequência possível da sua conduta, poderia violar o segredo de justiça, que vigorava nos autos, conformando-se com tal resultado.
37-C) O arguido HM, no âmbito do processo nº 6421/17.2FLSB, quis divulgar, como divulgou, notícia que descrevia o conteúdo dos actos processuais ordenados no referido processo, sabendo que, como consequência possível da sua conduta, poderia violar o segredo de justiça, que vigorava nos autos, conformando-se com tal resultado.
37-D) Os arguidos CLe HM tinham conhecimento que a violação do segredo de justiça era punida por lei.
24. Face à alteração fáctica acabada de realizar, cumpre-nos agora proceder ao seu enquadramento jurídico e determinação da tipologia e dosimetria da pena a impor, caso se venha a concluir mostrarem-se preenchidos os elementos constitutivos do tipo. (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº4/2016: Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal).
Preenchimento dos elementos constitutivos do crime de segredo de justiça.
25. Apreciando.
Em primeiro lugar cabe notar que este tribunal procedeu a alterações da matéria de facto dada como assente, razão pela qual se terá de proceder ao enquadramento jurídico da factualidade que, presentemente, se mostra provada.
Em grande medida, acompanha-se a exposição jurídica realizada pelo tribunal “a quo”, que aqui novamente se reproduz, no que concerne aos elementos integradores do tipo de crime, bem como quanto aos interesses em conflito.
Para que não haja dúvidas, reproduz-se aqui, fazendo parte integrante da decisão, os segmentos a que damos o nosso pleno acordo e que são os seguintes:
O arguido CL encontra-se pronunciado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de três crimes de violação de segredo de justiça, previstos e punidos pelo artigo 371º nº 1 do Código Penal, por referência ao artigo 86º nº 8 alínea b) do Código de Processo Penal e aos artigos 30º e 31º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro.
O arguido HM encontra-se pronunciado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de segredo de justiça, previsto e punido pelo artigo 371º nº 1 do Código Penal, por referência ao artigo 86º nº 8 alínea b) do Código de Processo Penal e aos artigos 30º e 31º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro.
Dispõe o artigo 371º nº 1 do Código Penal que “quem, independentemente de ter tomado contacto com o processo, ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei penal.”.
Por seu turno, o artigo 86º nº 8 alínea b) do Código de Processo Penal estabelece que “O segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participante processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto como processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes, e implica as proibições de: (...) divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação.”.
Por último, o artigo 30º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, estatui que:
“1 - A publicação de textos ou imagens através da imprensa que ofenda bens jurídicos penalmente protegidos é punida nos termos gerais, sem prejuízo do disposto na presente lei, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais.
2 - Sempre que a lei não cominar agravação diversa, em razão do meio de comissão, os crimes cometidos através da imprensa são punidos com as penas previstas na respectiva norma incriminatória, elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.”.
O artigo 31º da aludida Lei dispõe que “1 - Sem prejuízo do disposto na lei penal, a autoria dos crimes cometidos através da imprensa cabe a quem tiver criado o texto ou a imagem cuja publicação constitua ofensa dos bens jurídicos protegidos pelas disposições incriminadoras. 2 - Nos casos de publicação não consentida, é autor do crime quem a tiver promovido. 3 - O director, o director-adjunto, o subdirector ou quem concretamente os substitua, assim como o editor, no caso de publicações não periódicas, que não se oponha, através da acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido com as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de um terço nos seus limites. 4 - Tratando-se de declarações correctamente reproduzidas, prestadas por pessoas devidamente identificadas, só estas podem ser responsabilizadas, a menos que o seu teor constitua instigação à prática de um crime. 5 - O regime previsto no número anterior aplica-se igualmente em relação aos artigos de opinião, desde que o seu autor esteja devidamente identificado. 6 - São isentos de responsabilidade criminal todos aqueles que, no exercício da sua profissão, tiveram intervenção meramente técnica, subordinada ou rotineira no processo de elaboração ou difusão da publicação contendo o escrito ou imagem controvertidos.”.
O crime de violação de segredo de justiça encontra-se inserido no Código Penal, em termos sistemáticos, no Livro II - Parte Especial, no Título V - Dos crimes contra o Estado, e no Capítulo III - Dos crimes contra a realização da Justiça.
A publicidade do processo e o segredo de justiça encontram-se regulados no artigo 86º do Código de Processo Penal, a assistência do público a actos processuais mostra-se prevista no artigo 87º do Código de Processo Penal e a relação dos meios de comunicação social com o processo está regulada no artigo 88º do Código de Processo Penal, sendo que a consulta de auto e obtenção de certidão por terceiras pessoas que não sejam sujeitos processuais está regulada no artigo 90º do Código de Processo Penal.
Tais normas processuais estão intimamente relacionadas com o crime de violação de segredo de justiça, na medida em que é essencial saber se determinado processo está ou não sujeito a segredo de justiça para se poder falar deste ilícito penal.
A redacção do artigo 371º do Código Penal acima transcrita foi introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, aquando da grande alteração ao regime do segredo de justiça operado nessa altura.
Na verdade, o anterior regime processual do segredo de justiça era muito mais abrangente, sendo que a regra era a sujeição do processo a segredo de justiça pelo menos até à prolação da acusação. Com a aludida alteração, pretendeu-se implementar a regra da publicidade do processo, sendo que a mesma só deve ser restringida, sujeitando o processo a segredo de justiça, quando se considerar que tal é essencial para não prejudicar os direitos dos sujeitos ou participantes processuais ou para garantir os interesses da realização eficaz da investigação.
Antes da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, o artigo 371º do Código Penal tinha a seguinte redacção: “quem ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei penal.”.
Nesta medida, a alteração do preceito pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, prendeu-se com a introdução do elemento “independentemente de ter tomado contacto com o processo,”, ou seja, definiu que não é necessário que o agente tenha tomado contacto com o processo para incorrer na prática do crime de violação de segredo de justiça, resolvendo assim anteriores querelas jurídicas.
Importa, deste modo, concluir que ao nível do regime processual, o âmbito do segredo de justiça foi restringido, como se vê pela actual redacção dos artigos 86º a 90º do Código de Processo Penal, mas ao nível do direito penal substantivo, o legislador em 2007, optou por alargar o âmbito daqueles que podiam praticar o crime de violação de segredo de justiça, passando a estabelecer que era indiferente que o agente tivesse tido ou não contacto com o processo.
A nível constitucional, nota-se que o segredo de justiça se encontra consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, que regula e protege o “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”.
Resulta da aludida norma constitucional o seguinte:
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.
A consagração constitucional do segredo de justiça enquadra-se, assim, ao nível do acesso e da realização da Justiça, constituindo um elemento essencial à prossecução daquela, que é um pilar do Estado de Direito Democrático.
Tendo ainda em mente a Constituição da República Portuguesa, importa considerar que nos termos do artigo 2º desta “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.”.
No âmbito dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a Constituição da República Portuguesa consagrou a liberdade de expressão e informação no seu artigo 37º e a liberdade de imprensa e meios de comunicação social no seu artigo 38º.
Estabelece o artigo 37º da Constituição da República Portuguesa o seguinte:
“1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.
4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.”.
Por seu turno, o artigo 38º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa dispõe que:
“1. É garantida a liberdade de imprensa.
2. A liberdade de imprensa implica:
a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional;
b) O direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redacção;
c) O direito de fundação de jornais e de quaisquer outras publicações, independentemente de autorização administrativa, caução ou habilitação prévias.”.
Temos então que quer o segredo de justiça, quer a liberdade de expressão têm consagração constitucional, sendo que em dadas circunstâncias podem entrar em conflito, pois a vida em sociedade não é estanque, nem compartimentada.
Na realidade, a sociedade democrática moderna quer-se plural e livre, e a crescente mediatização da vida em sociedade traz novas questões relevantes e complexas.
Sucede que quando o segredo de justiça e a liberdade de expressão estão em confronto, não é correcto sequer invocar que o segredo de justiça se traduz numa forma de censura, que aliás o artigo 37º nº 2 da Constituição da República Portuguesa proíbe.
O segredo de justiça trata-se antes de uma restrição prevista na lei processual penal e consagrada na Constituição da República Portuguesa, com o fito de garantir a boa administração da Justiça e o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, cuja violação constitui crime nos termos do artigo 371º do Código Penal.
E nessa medida, importa não esquecer que o próprio artigo 37º nº 3 da Constituição da República Portuguesa estabelece que as infracções cometidas no exercício da liberdade de expressão ficam sujeitas aos princípios gerais do direito criminal.
Na verdade, tudo se conjuga, num delicado equilíbrio entre direitos, liberdade e garantias, que devem ceder um face ao outro apenas na medida do estritamente necessário à sua concretização, tendo em conta princípios basilares de proporcionalidade, adequação e necessidade.
Na verdade, não há direitos absolutos, sendo que existindo confronto, há que apreciar no caso concreto e tendo em conta as normas constitucionais e legais vigentes, como se deve resolver tal conflito, de forma a que os direitos não se anulem, antes se efectivem da forma mais plena possível.
Curiosamente, esta dialéctica entre a realização da administração da Justiça e a liberdade de expressão estão vertidas na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, do seguinte modo.
No seu artigo 6º com a epígrafe “Direito a um processo equitativo”, pode ler-se:
“1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.”.
Por seu turno, o artigo 10º da aludida Convenção, com a epígrafe “Liberdade de expressão”, estabelece o seguinte:
“1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.
2. O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.”.
Ora, estes preceitos da Declaração Europeia dos Direitos do Homem, que foi ratificada pelo Estado Português, são de extrema importância e têm aplicação directa no nosso ordenamento jurídico, nos termos do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa.
Está assim feita a enunciação de todos os preceitos legais que têm relevo para a decisão do caso em apreço.
Feito este cotejo, importa então densificar o crime de violação do segredo de justiça.
Conforme bem explica A. Medina de Seiça, no seu comentário ao artigo 371º no “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, página 646, quanto ao bem jurídico protegido por este crime, “Em nosso entender, a existência do segredo de justiça decorre primariamente de exigências de funcionalidade da administração da justiça, particularmente perante o risco de perturbação das diligências probatórias e de investigação. É essencialmente o perigo de inquinamento do material probatório, susceptível de sofrer prejuízos caso os participantes processuais, sobretudo o arguido, conhecessem na sua plenitude a actividade de investigação”.
Nesse sentido, veja-se também Paulo Pinto de Albuquerque, no “Comentário ao Código Pena à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 2ª Edição, página 966, que afirma que o bem jurídico protegido pelo crime de violação do segredo de justiça é a “funcionalidade da justiça”. Por tal razão, este autor defende que “O crime de violação de segredo de justiça é um crime de perigo abstracto (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de mera actividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção)”, isto sem prejuízo da Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que adiante se explicará.
Recordando o teor do artigo 371º nº 1 do Código Penal parece ser inequívoco que os elementos que compõem o tipo objectivo deste crime são os seguintes:
Quem independentemente de ter tomado contacto com o processo;
Der conhecimento no todo ou em parte de teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça;
Que tal divulgação seja ilegítima.
Por outro lado, e no que ao tipo subjectivo concerne, o artigo 371º nº 1 do Código Penal exige o dolo genérico, em qualquer uma das suas formas previstas no artigo 14º do Código Penal.
Dito isto, evidente se torna que qualquer pessoa pode ser agente do crime de violação de segredo de justiça, que é por isso um crime comum. Assim, o jornalista não está excluído deste âmbito, podendo ao publicar determinada notícia cometer o crime de violação do segredo de justiça, desde que com essa conduta preencha os pressupostos legais do tipo de crime em apreço.
Tal resultou clarificado, como acima se disse, com a alteração operada em 2007, com a introdução do elemento “independentemente de ter tomado contacto com o processo.”.
Por outro lado, tem de haver divulgação de teor de acto processual, não bastando a mera referência genérica à ocorrência do acto processual ou à narração de factos históricos.
Como bem explica Paulo Pinto de Albuquerque, na obra acima referida, “O objecto da tutela penal é o teor do acto de processo penal coberto pelo segredo de justiça (...) Isto é, está protegido pela norma apenas o conteúdo da diligência realizada no processo que se encontre em segredo de justiça (ou seja, as concretas perguntas colocadas, as concretas respostas dadas e as concretas actividades desenroladas durante o acto processual). (...) estão fora do âmbito típico da norma penal (...) a divulgação da realização do acto de processo penal coberto pelo segredo, sem qualquer menção do respectivo conteúdo”.
Por último, a divulgação tem de ter sido feita de modo ilegítimo, fazendo-se aqui apelo ao funcionamento de causas de justificação.
Relativamente à expressão “ilegitimamente”, o Prof. Figueiredo Dias explicou durante a discussão do projecto de revisão do Código Penal que “A sua inserção seria uma chamada de atenção ao funcionamento de causas de justificação.” Nesse sentido, veja-se a Acta nº 37, em “Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, por Manuel Simas Santos e Pedro Freita, MJ 1993, Rei dos Livros, página 471.
26. Aqui chegados, cumprirá agora proceder à apreciação da questão do preenchimento dos elementos do tipo.
Como se refere no acórdão proferido pela 1ª instância, são estes os seguintes:
- Que seja dado conhecimento,
- de modo ilegítimo,
- no todo ou em parte,
- de teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça;
- qualquer que seja a qualidade do agente ou o facto de ter tido ou não contacto com o processo.
- A actuação terá de revestir a forma de dolo.
27. Da enunciação supra resulta, desde logo, algo simples – estamos perante um crime de mera actividade, uma vez que a tipificação legal não exige a produção de um resultado típico danoso.
Na verdade, em parte alguma do normativo se mostra imposta a referência à necessidade de que da conduta desenvolvida pelo agente, resulte a verificação de um prejuízo, de um dano para a investigação ou para qualquer interveniente processual.
Assim, a conduta, desde que integre os demais elementos acima expostos, é desde logo punida, independentemente da verificação ou não de um resultado danoso, pelo que é indiferente, para a apreciação do preenchimento dos elementos do tipo, que se dê como assente ou não a produção de um resultado específico, ou a sua ausência. Quando muito, a verificar-se eventual e efectivo dano – provando-se o mesmo, factualmente, por virtude de nexo causal directo e necessário, decorrente da conduta do agente – essa circunstância poderia ter apenas relevo em sede de circunstância agravante de carácter comum, mas nada mais.
28. Ultrapassada esta primeira questão, resta-nos então afirmar que, sem dúvida, a conduta de cada um dos arguidos integrou os elementos constitutivos do tipo de crime que lhes vinha imputado, já que procederam à divulgação pública de actos que estavam cobertos pelo segredo de justiça, actuando com dolo eventual.
Surge agora a questão de saber se, face à potencial colisão de direitos, entre o direito à informação e o direito à protecção da realização da justiça, se deve entender – como parece ter sido o raciocínio expresso pelo tribunal “a quo” – que, neste caso, por as notícias dos autos respeitarem a factos com grande interesse público, o segundo se deve vergar sobre o primeiro.
29. Não estamos de acordo com esta argumentação, por uma razão simples – em bom rigor, não estavam os arguidos impedidos de dar notícia dos factos que, como o tribunal “a quo” descreve respeitavam a casos de enorme relevância social, não só pelas figuras públicas envolvidas (do mundo da Justiça e do desporto – futebol), como pela gravidade dos factos e natureza dos ilícitos em apreço (corrupção). Tratavam-se de processos judiciais de enorme importância, que impunham o dever de informar o leitor, que por seu turno, tem direito a ser esclarecido do que se está a passar e da própria razão das coisas.
A notícia podia ser dada e foi-o, aliás, por muitos e diversos meios de informação pública. O que sucede é que ambos os arguidos optaram, ao dar a notícia, por na mesma incluir os conteúdos das diligências, bem como de uma série de actos processuais, conteúdos estes abrangidos pelo segredo de justiça; ou seja, tivessem os arguidos optado por dar apenas a informação legalmente permitida, e não se estaria a discutir qualquer violação do dito segredo de justiça.
30. Efectivamente, em nosso entender, o que aqui está em questão não é a incriminação, por terem sido dadas notícias que respeitavam a casos de enorme relevância social, pois não se duvida que essa actividade é legal e legítima. E não é essa actuação que aqui se discute.
O que aqui se discute, concretizando, é que no âmbito da notícia de enorme relevo social, os arguidos tenham inserido, desnecessariamente, a seguinte informação:
a. No que se refere ao Inquérito n.º 19/16.0YGLSB, da autoria do arguido CL, a menção a vigilâncias, escutas telefónicas, análise de contas bancárias, nomes de pessoas, informação prestada a arguidos, teores de escutas telefónicas, pormenores das buscas, o que foi encontrado nas buscas, inclusivamente valores monetários, e pormenores do objecto da investigação (como resulta dos factos n.º 4 e 5),
b. No que se refere ao Inquérito n.º 5340/17.7T9LSB, da autoria do arguido CL, a menção a pessoas envolvidas no processo, reprodução – por citação – de um mandado judicial referindo o objecto da investigação, identificação de sujeitos visados pelas diligências, mesmo não visados pela investigação, pormenores concretos do objecto da suspeita e dos factos que se pretendiam esclarecer e quais os documentos que se pretendiam obter para esclarecer o objecto da investigação (como resulta do facto n.º 20).
c. No que se refere ao Inquérito n.º 6421/17.2JFLSB, da autoria do arguido CL, a menção de que no processo se suspeitava de outros indivíduos a aceder a informação ilicitamente, do motivo pelo qual um suspeito foi detido, com descrição concreta dos comportamentos criminosos e locais suspeitos, reprodução do teor de um mandado de busca, com especificação dos comportamentos concretos em investigação, pessoas visadas ou envolvidas, identificação temporal e local concreta dos factos, funções dos suspeitos na actividade criminosa (como resulta dos factos provados n.º 25, 32 e 35);
d. No que se refere ao Inquérito n.º 6421/17.2JFLSB, da autoria do arguido HM, a menção aos concretos comportamentos que fundaram a detenção de um suspeito, sociedades de advogados envolvidas, prova recolhida no processo, comportamentos concretos de outros suspeitos e locais da prática dos factos (como resulta do facto provado n.º 33).
31. Assim, temos que as notícias redigidas e divulgadas pelos arguidos, cuja relevância se não discute, cumpririam, expurgadas dos elementos acima mencionados, o direito do público a ser informado e o direito à livre expressão e à liberdade de informação.
Sucede que os arguidos resolveram ir mais além, nas notícias de que são autores, incluindo conteúdos que se mostravam abrangidos pelo segredo de justiça. Ora, a inclusão de tais conteúdos, não se mostra necessária para que o público pudesse ter a percepção da gravidade dos factos em apreciação.
Na verdade, não constassem tais conteúdos das ditas notícias, os fins de liberdade de expressão e de direito à informação mostrar-se-iam cumpridos, já que, por um lado, os arguidos poderiam expor a seriedade e gravidade dos casos em investigação e o público ficaria ciente dos contornos dos mesmos e, por outro, salvaguardava-se o bom funcionamento da justiça, numa fase processual ainda embrionária e frágil.
Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 517/09.1TBLGS.L2.S1, 7ª SECÇÃO, de 05-06-2018:
I - O correcto exercício da liberdade de expressão (art. 10.º da CEDH e n.º 1 do art. 37.º da CRP) pressupõe o cumprimento de deveres e responsabilidades, sendo passível de ser restringido, conquanto a restrição imposta seja necessária numa sociedade democrática, corresponda a uma necessidade social imperiosa, se revele proporcional e os fundamentos invocados pelas autoridades sejam suficientes e relevantes (n.º 2 do art. 10.º do TEDH).
O direito do público a ser informado tem como referência a utilidade social da notícia – interesse público –, devendo restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, apresentados com respeito pela verdade. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem acentuado que a liberdade de impressa constitui um dos vértices da liberdade de informação, não podendo as autoridades nacionais, por princípio, impedir o jornalista de investigar e recolher as informações, com interesse público, e de as transmitir, o que é inerente ao funcionamento da sociedade democrática. No que toca ao confronto do segredo de justiça com a liberdade de expressão e de informação, o TEDH tem-se pronunciado contra as restrições à liberdade de expressão que não considera serem necessárias, designadamente quando as informações em causa já sejam públicas
32. Ora, no caso, o segredo de justiça não era impeditivo do direito do público a ser informado, pois a utilidade social da notícia mantinha-se, tivessem-se os arguidos abstido de aditar conteúdos protegidos pelo dito segredo de justiça.
Assim, neste caso, cremos que se mostram harmonizados os preceitos constitucionais em eventual rota de colisão, designadamente os relativos à liberdade de imprensa, liberdade de expressão, direito à informação e o segredo de justiça, como modo protector (também ele com assento constitucional), do bem jurídico de bom funcionamento da máquina judiciária nas fases embrionárias do processo penal.
33. Temos pois que o argumentário expresso pelo tribunal “a quo”, no que concerne à primazia do direito à informação, afastando e sobrepondo-se ao segredo de justiça, não tem base que o suporte, precisamente porque tal direito estava acautelado, já que a informação relevante poderia ter sido dada, o público ficaria informado e não se poria em perigo o bom funcionamento da máquina da justiça.
De igual modo, e como acima já se mencionou, uma vez que é irrelevante, para o preenchimento do tipo, que tenha ou não havido prejuízo efectivo para a investigação, o que o tribunal “a quo” refere a tal respeito não tem qualquer relevo para a decisão em termos de enquadramento jurídico.
Finalmente, refere ainda o tribunal “a quo” que muitos dos factos noticiados eram factos já conhecidos, do domínio público, essencialmente decorrentes das divulgações feitas pelo blogue “mercadodebenfica”, ou da existência de notícias ou divulgações anteriores feitas por outros órgão de comunicação social. Nota-se também que muitos dos factos que compunham as notícias dos autos decorriam de informações obtidas pelas investigações jornalísticas levadas a cabo pelos próprios arguidos.
Sucede, todavia, que tais afirmações não encontram arrimo, suporte, na matéria de facto dada como assente, nem sequer se mostram descriminadas quais as concretas divulgações a que se faz referência; isto é, que conteúdos concretos já teriam sido dados a conhecer ao público, quando e como.
Ora, o tribunal pode apenas decidir com base na matéria de facto que se mostra dada como assente ou, eventualmente, com fundamento em factos notórios mas, caso entendesse o tribunal “a quo” que essas eram as circunstâncias, cabia-lhe tê-lo afirmado e, mais relevantemente, ter deixado expresso quais dos conteúdos ilegítimos a que acima fizemos referência, incluídos pelos arguidos nas suas notícias, que haviam sido já integrados em anteriores divulgações, bem como os que resultariam da investigação jornalística própria.
34. Uma vez que o tribunal “a quo” não procedeu a tais clarificações, quer em sede de matéria de facto dada como provada, quer em sede de argumentário jurídico, termos de concluir, como no conhecido axioma jurídico, que quod non est in actis non est in mundo.
35. Em sede final cumpre-nos então apenas concluir que cada um dos arguidos preencheu, com as suas condutas:
O arguido HM - um crime de violação de segredo de justiça, p. e p. pelo artigo 371º, n.º 1, do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 30º, n.º 2, da Lei 2/99 de 13 de Janeiro.
O arguido CL- três crimes de violação de segredo de justiça, p. e p. pelo artigo 371º, n.º 1, do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 30º, n.º 2, da Lei 2/99 de 13 de Janeiro.
Tipologia e dosimetria das penas a impor aos arguidos.
36. O crime de violação de segredo de justiça é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias. Uma vez que os crimes foram praticados através da imprensa, a pena é agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, ou seja, a moldura penal é de pena de prisão até 32 meses ou pena de multa até 320 dias.
37. Tendo em atenção a profissão há longos anos desenvolvida pelos arguidos e o facto de ser a primeira vez que estão a ser julgados por um crime desta natureza, entende-se ser de optar pela imposição de uma pena não privativa da liberdade, pois esta mostra-se suficiente como meio de prevenção especial e geral e de reprovação do crime cometido, bem como para promover a sua recuperação social.
38. Para proceder à determinação da medida da pena atender-se-á à culpa do agente, às necessidades de prevenir a prática de futuros crimes e ainda às seguintes circunstâncias:
- à forma do dolo – eventual, em todos os casos;
- à ilicitude, que se não mostra acentuada, dentro dos parâmetros relativos ao cometimento deste tipo de ilícitos;
- à sua situação sócio-económica (O arguido CL aufere actualmente um salário líquido de € 3000. Vive com a esposa, que é administrativa numa empresa farmacêutica, auferindo um salário líquido de € 1000. Vive ainda com a sua filha de 4 anos e com uma filha de 19 anos, do seu anterior casamento, que está consigo em semanas alternadas. Ambas as filhas do arguido CLencontram-se a estudar. O arguido CLtem despesas fixas do agregado no valor mensal de € 2500, sendo a quantia de € 640 referente a amortização de empréstimo bancário para aquisição da sua habitação permanente, e a quantia de € 500 referente ao colégio da filha mais nova. O arguido HM trabalha na TVI e na CNN, onde se mantém. Aufere actualmente o salário líquido mensal de € 3.873. Vive com a esposa, que é jornalista, auferindo um salário líquido de € 2100. Vive ainda com a sua filha de 5 anos, como seu filho de 8 anos e com uma filha de 12 anos, do seu anterior casamento, que está consigo em semanas alternadas. Todos os filhos do arguido HM encontram-se a estudar. O arguido HM tem despesas fixas do agregado no valor mensal de € 5000, sendo a quantia de € 1000 referente a amortização de empréstimo bancário para aquisição da sua habitação permanente, e a quantia de € 500 referente a colégios), o que implica a fixação do montante diário da multa algo acima do seu limite legal mínimo, atentos os proventos auferidos e as despesas;
- à sua inserção social, já que ambos trabalham, têm família onde se inserem e asseguram, pelo menos em parte, o seu próprio sustento e o dos seus agregados;
- à ausência de antecedentes criminais por parte do arguido CL;
- à condenação do arguido HM no processo 3737/09.5TDLSB, por decisão transitada em julgado a 4-12-2017, pela prática em 16-7-2009, de um crime de difamação agravada, na pena de 270 dias de multa, à taxa diária de € 8, num total de € 2.160, pena essa que se encontra cumprida.
Ter-se-á ainda em atenção que as necessidades de prevenção geral são elevadas, pois os ilícitos que cometeram são crimes em que o interesse directa e imediatamente protegido é um interesse público, designadamente o interesse do Estado na realização ou administração da justiça.
39. Por seu turno e em sede de prevenção especial, dir-se-á que os arguidos admitiram terem sido os autores das notícias, mas a circunstância de exercerem ambos a profissão de jornalistas, com especial incidência no ramo criminal, determina que, para efeitos da integração do desvalor dos seus actos, se tenha de entender que as exigências, nesta sede, se revelam medianas.
40. Na determinação da pena única em relação ao arguido CL, haverá que atender-se ao conjunto dos factos dados como provados, pois estes fornecem o quadro que permite avaliar a gravidade do ilícito global cometido, mostrando-se especialmente valiosa para a sua apreciação a verificação de qual o tipo de conexão que ocorre entre os factos concorrentes.
No que se refere à avaliação da personalidade do agente esta deve debruçar-se se, face ao conjunto dos factos praticados, estaremos perante uma tendência criminosa ou tão-só, perante uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. Esta distinção tem revelo porque, no primeiro caso, terá de se considerar que o cometimento de uma pluralidade de crimes constitui uma agravante em sede da moldura penal conjunta.
No caso, e no que concerne às circunstâncias relativas aos factos e às exigências de prevenção, remetemos para o que supra se deixou já mencionado. No que respeita à avaliação da personalidade do arguido, teremos de concluir que a mesma se mostra conforme ao direito, revelando os ilícitos praticados uma mera pluriocasionalidade, que não radica na personalidade.
41. Assim, tudo ponderado, entende-se que devem ser aplicadas aos arguidos as seguintes penas:
Arguido CL– Por cada um dos ilícitos praticados, pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez) euros.
Em cúmulo jurídico, condena-se o arguido na pena única de 150 dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez) euros, o que perfaz o montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
Arguido HM – Pena de 105 dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez) euros, o que perfaz o montante de €1.050,00 (mil e cinquenta euros).

iv – decisão.
Face ao exposto, acorda-se em considerar procedente o recurso interposto pelo MºPº e, em consequência:
1. Altera-se o acórdão recorrido, no que concerne à matéria de facto provada e não provada, nos seguintes termos:
a. Elimina-se da matéria de facto provada o ponto 39.
b. Elimina-se da matéria de facto não provada os pontos 4 e 7.
c. Os pontos 5 e 6 da matéria de facto não provada, passam a ter a seguinte redacção:
5) o que fez mesmo antes de todas as diligências ordenadas e noticiadas se terem iniciado, indiferente aos efeitos que essa publicação causaria aos interesses da investigação, designadamente à dissipação de prova por parte dos visados ou à perturbação da recolha da prova que se pretendia com tais diligências, e para a imagem dos visados pelas mesmas.
6) alguns ainda não iniciados, indiferente aos efeitos que essa publicação causaria aos interesses da investigação, designadamente, dissipação de prova por parte dos visados ou perturbação da recolha da prova que se pretendia com tais diligências.
d. Adita-se à matéria de facto provada, os seguintes pontos:
37-A.) Os arguidos CLe HM agiram, em todos os momentos, de modo livre, deliberado e voluntário.
37-B) Nas situações descritas, o arguido CL quis divulgar, como divulgou, notícias que descreveram o conteúdo dos actos e peças processuais, sabendo que, como consequência possível da sua conduta, poderia violar o segredo de justiça, que vigorava nos autos, conformando-se com tal resultado.
37-C) O arguido HM, no âmbito do processo nº 6421/17.2FLSB, quis divulgar, como divulgou, notícia que descrevia o conteúdo dos actos processuais ordenados no referido processo, sabendo que, como consequência possível da sua conduta, poderia violar o segredo de justiça, que vigorava nos autos, conformando-se com tal resultado.
37-D) Os arguidos CLe HM tinham conhecimento que a violação do segredo de justiça era punida por lei.
2. Revoga-se a sentença recorrida em tudo o que concerne à absolvição dos arguidos e, em consequência:
Condena-se o arguido HM, pela prática de um crime de violação de segredo de justiça, p. e p. pelo artigo 371º, n.º 1, do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 30º, n.º 2, da Lei 2/99 de 13 de Janeiro, na pena de 105 (cento e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez) euros, o que perfaz o montante de €1.050,00 (mil e cinquenta euros). Mais se consigna que a pena de prisão subsidiária é de 70 (setenta) dias.
Condena-se o arguido CL, pela prática de três crimes de violação de segredo de justiça, p. e p. pelo artigo 371º, n.º 1, do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 30º, n.º 2, da Lei 2/99 de 13 de Janeiro, na pena, por cada um deles, de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez) euros.
Em cúmulo jurídico, condena-se o arguido na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez) euros, o que perfaz o montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros). Mais se consigna que a pena de prisão subsidiária é de 100 (cem) dias.
3. Vão os arguidos ainda condenados nas custas do processo, que compreendem 3 UC de taxa de justiça e demais encargos.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2023
Maria Margarida Ramos de Almeida
Rosa Vasconcelos
Ana Paramés