Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EDUARDO PETERSEN SILVA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL ADVOGADO DANOS PATRIMONIAIS IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Sumário: | I. A reapreciação da matéria de facto, em sede de impugnação da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, não é cabível se inútil para a solução da causa. II. A fixação da indemnização por danos não patrimoniais não pode deixar de atender ao valor simbólico quer na vertente compensatória do lesado, quer na vertente sancionatória do lesante. III. Apurando-se escolha de meio jurídico de defesa errado – reclamação graciosa em lugar de oposição à execução fiscal – por parte de advogado, apurando-se depressão e angústia do cliente em virtude do resultado da escolha do meio errado – persistência de imputação de responsabilidade fiscal alheia, no valor provado entre três e quatro mil euros e não no valor alegado de quase cem mil euros – afigura-se excessivo fixar o valor da indemnização em quatro mil euros, e outrossim ajustado fixá-lo em três mil euros. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório[1] N… intentou a presente ação declarativa de condenação, sob forma de processo comum, contra M…, e as seguradoras X e Y, formulando o seguinte pedido: I. Devem os RR. ser solidariamente condenados no pagamento da quantia de €121.228,24, a título de compensação por perda de chance; E, II. Condenados no pagamento de juros de mora sobre os montantes da compensação, calculados à taxa legal, até efetivo e integral pagamento; III. Condenados no pagamento de €25.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. Invoca, para tanto, a responsabilidade civil profissional da R. M…, advogada, a quem o A. outorgou procuração, sendo as demais RR. demandadas por força dos contratos de seguro celebrados com a Ordem dos Advogados. Contestaram os Réus: - A 1ª R. invocou as exceções da culpa do lesado e do abuso de direito, bem como apresentou defesa por impugnação, pugnando pela improcedência da ação. Mais requereu a condenação do A. por litigância de má fé, em multa e indemnização, nunca inferior a €10.000,00. - A R. X invocou as exceções dilatórias da ineptidão da petição inicial e da ilegitimidade, alegando, designadamente, que o contrato de seguro por si celebrado com a Ordem dos Advogados apenas vigorou até 2017 e não lhe foi reclamado o presente sinistro, do qual apenas teve conhecimento com a citação para a presente ação, e deduziu defesa por impugnação. - A R. Y contestou por exceção, alegando que constitui causa de exclusão da cobertura qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado à data de início e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação, pelo que devia a 1ª R. ter comunicado atempadamente o sinistro, pois era previsível desde 14.01.2016 a existência desta reclamação, e deduziu defesa por impugnação. Foi proferido despacho fixando à ação o valor de €146.228,24. Foi julgada improcedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial e relegado para final o conhecimento das demais questões suscitadas pelas partes, incluindo as exceções de ilegitimidade invocadas pelas RR. X e Y, e fixaram-se o objeto do litígio e os temas da prova. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Em face do exposto e tudo ponderado, o Tribunal decide julgar a ação parcialmente procedente, e em conformidade: 1. Condena solidariamente a R. M… e a R. Y, a pagarem ao A. N… a quantia de €4.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente decisão até efetivo e integral pagamento; 2. Absolve, no mais, as RR. M… e Y do pedido; 3. Absolve a R. X, do pedido; 4. Absolve o A. do pedido de condenação por litigância de má fé. Custas pelo A. e pelas 1ª e 3ª RR., na proporção do respetivo vencimento”. * Inconformada, a 1ª Ré, M…, interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: 1.ª Face aos elementos documentais probatórios juntos aos autos – reclamação graciosa (Doc. 2 junto com a p.i. de 2020.04.27 – Ref. Citius 26109718), Ofício de Arquivamento das Finanças (Doc. 3 junto com a p.i. com a p.i. de 2020.04.27 – Ref. Citius 26109718), Impugnação Judicial (Doc. 4 com a p.i. de 2020.04.27 – Ref. Citius 26109718), Sentença do TAF (Doc. 1 junto com o Requerimento de 2020.04.27 – Ref. Citius 26113932) e Certidão de Dívidas Tributárias (Doc. 1 junto como Requerimento de 2022.11.10 – Ref. Citius 34141698) - que não foram impugnados pelas partes e à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, deve ser alterada a matéria dos pontos 19º e 21º dos Factos Provados e aditado o Ponto 26-A à matéria dos Factos Provados, nos termos infra expostos (arts. 342º, 343º, 349º a 351º, 356º, 357º, 358º, 362º, 368º a 372º e 376º do C. Civil e art.º 412º e 423º e segs.º do CPC; cfr. arts. 5º, 265º e 607º do CPC), pois: - Por um lado, da única prova documental apresentada extrai-se de forma clara que os únicos processos tributários e dívidas tributárias para os quais a Recorrente foi mandatada e patrocinou foram única e exclusivamente os constantes da sentença do TAF apresentada nos autos, ou seja, os processos (a) (IVA - €363,75), (b), (c) (Iva e IUC – €2.152,56), (d) (IVA - €363,75), (e) (IUC - €18,36), (f) (IUC - €17,84), (g) (IRC - €1.082,33), num total de €3.998,59 (Sentença do TAF - Doc. 1 junto com o Requerimento de 2020.04.27 – Ref. Citius 26113932 – Pontos 1 a 27 dos Factos). - Por outro lado, dos factos principais invocados pelo A. na p.i. de 2020.04.27 (Ref. Citius 26109718 - arts. 7º, 13º, 14º, 27º, 29º, 31º e 46º) que integram o núcleo essencial causa de pedir para a sua pretensão a título de perda de chance, bem como da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, maxime, das declarações de parte do A., extrai-se de forma clara que os únicos processos tributários e dívidas tributárias para os quais a Recorrente foi mandatada e patrocinou foram única e exclusivamente os constantes da sentença do TAF foi apresentada nos autos no referido valor de € 3.998,59. - Finalmente, tal matéria foi ainda totalmente confirmada pelo próprio A. nos arts. 7º, 13º, 14º, 27º, 29º, 31º e 46º da referida p.i. (maxime, no art.º 27º) e novamente confirmada pelo próprio A. em sede de audiência de discussão e julgamento, confissão judicial espontânea e irretratável (arts. 356º/1, 358º/1 e 360º do C. Civil), que constituiu assim nos autos prova probatória plena contra o A. confidente, que não podia ser colocada em causa pelo tribunal a quo, maxime: • Face às DECLARAÇÕES DE PARTE do A. N, registado no sistema áudio h@bilus, ficheiro de registo áudio Diligencia_2464-20.7T8ALM_2023-05-29_11-09-29.mp3, em 2023.05.29, das 11:09:30 e até às 12:13:57 (Ata de audiência de discussão e julgamento de 2023.05.29 – em concreto, passagens da gravação desde 00:48:53 até 00:50:46) - infra ponto 2. - cfr. texto nºs 1 e 2. 2.ª No caso sub judice, deve ser anulada a matéria constante dos Pontos 47 a 49 dos Factos Provados, a qual deve ser julgada como não provada (arts. 342º, 343º, 349º a 351º, 356º, 357º, 358º, 362º, 368º a 372º e 376º do C. Civil e art.º 412º e 423º e segs.º do CPC; cfr. arts. 5º, 265º e 607º do CPC), pois: - Por um lado, os pontos 47 a 49 dos Factos Provados integram matéria não alegada pelo A., bem como conceitos conclusivos ou valorativos, conceitos jurídicos ou juízos que constituem matéria de direito e não quaisquer factos materiais simples, insuscetíveis como tal de serem provados (v. art.º 662º do CPC e 342º do C. Civil; cfr. art.º 596º do CPC e Ac. STJ de 2005.02.03, Proc. 04B4773, www.dgsi.pt; Ac. STJ de 2009.05.28, Proc. 32/06.5TBMTS.S1, in www.dgsi.pt; cfr. Ac. STJ de 1986.12.04, BMJ 362/526 e Ac. STJ de 2006.11.02, Proc. 06B3267, www.dgsi.pt); - Por outro lado, face às declarações de parte do A. N… e prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, que constituem a única fonte probatória de tal matéria, deve ser anulada a matéria constante dos Pontos 47 a 49 dos Factos Provados, a qual deve ser julgada como não provada, maxime: • Declarações de Parte do A. N…, registado no sistema áudio h@bilus, ficheiro de registo áudio Diligencia_2464-20.7T8ALM_2023-05-29_11-09-29.mp3, em 2023.05.29, das 11:09:30 e até às 12:13:57 (Ata de audiência de discussão e julgamento de 2023.05.29 – em concreto, passagens da gravação desde 00:48:53 até 00:50:46); e • Depoimento da Testemunha C, mãe do A., registado no sistema áudio h@bilus, ficheiro de registo áudio Diligencia_2464-20.7T8ALM_2023-05-29_14-08-20.mp3, em 2023.05.29, das 14:08:22 e até às 14:52:42 (Ata de audiência de discussão e julgamento de 2023.05.29 – em concreto, passagens da gravação desde 00:16:14 e até 00:20:58) - cfr. texto nºs 1 e 2. 3.ª O douto Tribunal “a quo” enferma de manifesta ilegalidade e erro de julgamento quanto à decisão matéria de facto, tendo violado, além do mais, os arts. 342º, 343º, 349º a 351º, 356º, 357º, 358º, 362º, 368º a 372º e 376º do C. Civil e arts. 5º, 265º, 412º, 423º e segs. e 607º do CPC, tanto mais que não pode substituir-se às partes “no cumprimento dos ónus de afirmações da matéria de facto” (v. Ac. STJ de 2005.06.22, Proc. 05B1993, www.dgsi.pt; cfr. arts. 5º e 265º do CPC), pelo que a referida matéria não alegada e dada como provada e que constituem ainda conceitos conclusivos, valorativos ou jurídicos, nunca poderia ser integrada na matéria de facto considerada provada (v. art.º 662º do CPC; cfr. art.º 596º do CPC) - cfr. texto nºs 1 a 3. 4.ª Conforme resulta dos autos, por um lado, dos articulados apresentados pelas partes e, por outro, da matéria de facto provada e não provada que resulta desde já dos elementos probatórios carreados, maxime da absoluta inexistência de todos os processos instrutores relativos aos processos tributários e dívidas exequendas sub judice, é absolutamente cristalino que o A. Recorrido não alegou, demonstrou e/ou sequer provou nos autos, como lhe competia – art.º 342º do c. Civil –, que caso a oposição à execução fosse tempestivamente apresentada, existia um elevado grau de probabilidade ou verossimilhança de que a mesma seria procedente. - cfr. texto nºs 4 a 6. 5.ª In casu, face à inexistência total dos processos instrutores relativos aos processos tributários e dívidas sub judice e à inexistência de prova quanto às circunstâncias da constituição, vencimento e exigibilidade das dívidas revertidas e respetivo valor, bem como do sujeito passível[2] tributário responsável pelas mesmas, considerando o contexto da imediação da prova, com iniludível assento na única e escassa e insuficiente prova documental e testemunhal produzida – julgamento dentro do julgamento –, através de um juízo de prognose póstuma, resulta manifesta a inexistência de procedência da oposição em causa que deveria ser apresentada. - cfr. texto nºs 4 a 6. 6.ª Ora, no caso sub judice, conforme resulta dos autos, por um lado, dos articulados apresentados pelas partes e, por outro, da matéria de facto provada e não provada que resulta desde já dos elementos probatórios carreados, maxime da absoluta inexistência de todos os processos instrutores relativos aos processos tributários e dívidas exequendas sub judice, é absolutamente cristalino que o A. Recorrido não alegou e/ou sequer provou minimamente qualquer probabilidade séria de êxito da oposição que deveria ter sido tempestivamente apresentada, inexistindo qualquer dano de “perda de chance”, resultando precisamente o oposto.- cfr. texto nºs 4 a 6. 7.ª In casu, “imp(unha-se) que a prova permit(isse) que com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança se conclusa que o lesado obteria certo beneficio não fora a chance perdida” (v. Ac. RP de 2018.03.22, Proc. 2157/13.1TBVNG.P1, www.dgsi.pt) maxime mediante a invocação das circunstâncias dos processos instrutores em causa e apresentação tempestiva da oposição em causa, o que manifestamente não sucedeu nos presentes autos, sendo certo que o que resulta dos autos é precisamente o contrário, ou seja, que a oposição em causa não teria procedência. - cfr. texto nºs 4 a 6. 8.ª De acordo com o supra exposto infra nºs 5 a 7, dos autos não resulta, por qualquer meio, quaisquer danos sofridos pelo A. Recorrido, que inexistem, e face aos processos tributários e dividas exequendas que foram mandatas à Recorrente e patrocinadas pela mesma - é absolutamente cristalino que: - os alegados danos morais existentes no património do A. Recorrido não foram dados como provados (v. supra nºs 1 e 3) e nem sequer se verificam, sendo manifestamente inexistentes; - o A. Recorrido, desde os autos NUIPC …. – portanto, desde 2009, ou seja, 6 anos antes do patrocínio da Recorrente – que sabia da situação da alegada falsidade da ata e da sua designação como gerente de facto e de direito da Z, sendo que desde então, mesmo sabendo das consequências dessa situação, remeteu-se ao silencio e à inatividade, não renunciando sequer à gerência da sociedade em causa (Ponto 43 dos Factos Provados), admitindo todas as consequências daí advenientes por culpa exclusivamente sua (art.º 570º do C. Civil) – Sibit Imputat! - O valor dos processos tributários e das dívidas exequendas mandatadas e patrocinadas pela Ré Recorrente foi de € 3.998,59 (supra nºs 1 a 3), pelo que as alegadas consequências resultantes a título de danos morais consideradas pelo Tribunal a quo são absolutamente inadmissíveis e injustificadas, devendo ser consideradas totalmente desconsideradas, não podendo minimamente ser imputadas à Recorrente. - cfr. texto nºs 4 a 7. 9.ª O A. Recorrido não alegou, demonstrou ou provou durante os presentes autos ou em julgamento, nem tal resulta inclusive dos factos dados como assentes nos presentes autos a existência de qualquer Dano, consistente na “supressão ou diminuição duma situação jurídica favorável que estava protegida pelo Direito” (v. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, Vol. II, AAFDL, p.p. 283; cfr. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, 1944, 80), consubstanciado em perda de oportunidade ou de “chance” que fundamente a pretensão indemnizatória peticionada, não tendo minimamente ficado provado ou sequer sido alegado uma probabilidade séria e elevada de procedência da oposição que não foi apresentada, inexistindo os pressupostos de que dependeria a responsabilidade da 1ª Ré Recorrida M… pelos pretensos danos e prejuízos invocados (arts. 9º, 342º, 473º e segs., 496º, 483º e segs., 562º a 566º, 570º, 592º e 798º e segs., do C. Civil). - cfr. texto nºs 4 a 6. 10.ª Os montantes indemnizatórios arbitrados a titulo de danos não patrimoniais não foram fixados equitativamente pelo julgador, tendo em atenção, o grau de culpabilidade do lesante, circunstâncias do caso, sãos juízos de equidade e jurisprudência orientadora que devem presidir à sua determinação, sem esquecer a dupla vertente compensatória e indemnizatória, pelo que se afiguram manifestamente ilegais, injustos e excessivos (v. arts. 496º/1 do C. Civil; cfr. art.º 494º do C. Civil). - cfr. texto nºs 4 a 6. 11.ª A douta Sentença recorrida enferma de manifestos erros de julgamento face à matéria de facto dada que deve ser dada como provada, tendo violado frontalmente, além do mais acima exposto, o disposto nos arts. 9º, 342º, 496º, 483º e segs., 512º e segs., 566º, 570º, 577º, 579º e 798º e segs. do C. Civil), devendo ser revogada e substituída por nova decisão que julgue a presente ação totalmente improcedente. (…)”. * Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações. * Corridos os vistos legais, cumpre decidir: II. Direito Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil - as questões a decidir são a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a improcedência da acção. * III. Matéria de facto A decisão do tribunal de primeira instância em matéria de facto é a seguinte: “A) Factos Provados 1. A 1ª R. é Advogada na Comarca de Lisboa, …, cidade onde tem atualmente escritório na Avenida …, exercendo a sua atividade profissional em prática isolada (1º p.i.). 2. A 1ª R. é titular da Cédula Profissional nº … e está inscrita na Ordem dos Advogados desde … 2004 (6º p.i.). 3. A 2ª R., através da AON Portugal – Corretores de Seguros, S.A., desde 1 de janeiro de 2015 e até ao final do ano de 2017, foi a Seguradora da Apólice de Grupo de Responsabilidade Civil Profissional que se designa …, contratada pela Ordem dos Advogados, por via da qual todos os advogados com inscrição em vigor se encontram abrangidos, beneficiando automaticamente de um seguro de responsabilidade civil profissional com o capital de €150.000,00 (2º p.i.). 4. Nos termos das Apólices supra referenciadas, a 2ª R. cobre, até àquele limite, a responsabilidade decorrente de atos e omissões culposos (ocorridos em 2015) no exercício da profissão, em que incorrem todos os advogados portugueses com inscrição válida e em vigor na Ordem dos Advogados (3º p.i.). 5. A 3ª R. foi, desde 1 de janeiro de 2018 até à presente data, Seguradora na Apólice de Grupo de Responsabilidade Civil Profissional que se designa por …, contratada pela Ordem dos Advogados, por via da qual todos os advogados com inscrição em vigor se encontram abrangidos, beneficiando automaticamente de um seguro de responsabilidade civil profissional com o capital de €150.000,00 (4º p.i.). 6. A 1ª R. celebrou individualmente um contrato de seguro de responsabilidade profissional de reforço com a R. Y, nos termos do qual e através da apólice … transferiu a sua responsabilidade civil por atos e omissões resultantes da sua atividade profissional para esta seguradora, designadamente, relativa à franquia no valor de €5.000,00, bem como a eventual responsabilidade que venha a sofrer, superior a €150.000,00 (37º cont. 1ª R.). 7. Antes do dia 04.10.2015, a 1ª R. reuniu com o A., a pedido da mãe deste, no escritório da 1ª R., tendo em vista a análise e discussão da situação da ligação do A. à sociedade Z, e respetivas dívidas tributárias (15º p.i. e 50º cont. 1ª R.). 8. O A., no âmbito da referida reunião, informou a 1ª R. que: a) já há mais de 2 anos que tinha conhecimento da sua representação como sócio gerente na sociedade Z, designadamente, face a várias notificações fiscais por si recebidas relativas a dívidas tributárias daquela sociedade e de outras situações relativas a processos crime pendentes, por crimes de abuso de confiança fiscal, nos quais figurava como arguido; b) não tinha conhecimento ou qualquer ligação com a sociedade Z, nunca tinha assinado ou anuído seja o que for relativamente a essa sociedade, da qual não era de facto sócio-gerente e que desconhecia, por isso, as dívidas e execuções em causa; c) de acordo com informações relativas aos processos crimes pendentes, o verdadeiro sócio-gerente era um indivíduo de nome “J…”; d) que tinha recebido uma citação relativa ao processo de execução fiscal n.º …; e) não pretendia proceder ao pagamento das referidas dívidas exequendas, sendo que não tinha possibilidade para prestar caução e/ou pagar quaisquer taxas de justiça (51º cont. 1ª R.). 9. A 1ª R., na referida reunião, e depois de analisado o assunto: i) Explicou ao A. todas as vias legais de defesa que o mesmo tinha ao seu dispor contra os processos de execução tributária; ii) Que o mesmo figurava como sócio-gerente da referida sociedade, pelo que aconselhou o A. a obter toda a documentação possível relativa à criação da Z junto da Conservatória do Registo Comercial e que o mesmo referia desconhecer e, ato contínuo, a apresentar queixa-crime junto dos órgãos e serviços do Ministério Público (52º cont. 1ª R.). 10. O A., na referida reunião, e depois de lhe serem explicadas todas as vias legais de defesa naquele momento ao seu dispor contra os processos de execução fiscal em causa, referiu que não tinha quaisquer recursos económicos para proceder ao pagamento da caução necessária à suspensão das execuções tributárias em causa ou sequer de quaisquer taxas de justiça necessárias à apresentação dos meios de defesa ao seu alcance, concretamente, impugnação judicial (53º cont. 1ª R.). 11. A 1ª R. comunicou então ao A., para já, e face às informações, elementos e limitações económicas de que dispunha, que apenas lhe restava proceder à utilização dos meios graciosos impugnatórios ao seu dispor, que não dependiam de pagamentos de taxas e despesas, situação que, em princípio, levaria a um protelar das dívidas exequendas até resolução dos processos criminais em curso e queixa-crime a apresentar, situação que o A. aceitou (54º cont. 1ª R.). 12. No mesmo dia, o A. outorgou Procuração Forense à 1ª R. (15º p.i.). 13. Acordando o valor a liquidar a título de honorários (22º p.i.). 14. Desde essa data, todas as reuniões, contatos telefónicos e emails foram trocados direta e exclusivamente entre o A. e a 1ª R. (16º p.i.). 15. Confiando na sua mandatária, o A. ficou descansado e convicto que tudo seria feito para melhor defender os seus interesses e direitos (21º p.i.). 16. A 04.10.2015, a 1ª R. deu entrada, por email, no Serviço de Finanças de Setúbal 2, de uma Reclamação Graciosa relativa à reversão fiscal operada contra o A., no âmbito da execução fiscal n.º …, alegando ser falsa a ata onde foi nomeado gerente da sociedade Z e mais alegando que nunca exerceu qualquer cargo nessa sociedade. 17. Em 14.10.2015, o A. dirigiu aos Serviços da Segurança Social pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e encargos com o processo, com a finalidade de propor ação judicial, do tipo “impugnação judicial”. 18. O A. foi confrontado com novas execuções fiscais decorrentes da reversão das dívidas fiscais da sociedade Z, várias citações relativas a reversões fiscais relacionadas com este assunto, relativas aos processos de execução fiscal n.ºs …, as quais foram efetuadas por despacho de 16.11.2015, tendo o A. sido citado, no âmbito desses processos de execução, a 27.11.2015 (7º p.i.). 19. A 1ª R. deu entrada, em 4 de janeiro de 2016, a uma Reclamação Graciosa, no Serviço de Finanças de Setúbal 2, peticionando que a reversão fosse anulada, com fundamento em ilegitimidade, quanto aos seguintes processos de execução tributária, cujas citações lhe foram apresentadas: ● Proc. Exec. … - dívidas de IVA, no valor de €363,75; ● Proc. Exec. … - dívidas de IVA, no valor de €363,75; ● Proc. Exec. … - dívidas de IUC, no valor de €17,84; ● Proc. Exec. … - dívidas de IUC, no valor de €18,36; ● Proc. Exec. … - dívidas de IVA, no valor de €363,75; ● Proc. Exec. … - dívidas de IUC, no valor de €18,36; ● Proc. Exec. … - dívidas de IRC, no valor de €1.082,33; ● Proc. Exec. … - dívidas de IVA, no valor de €363,75; ● Proc. Exec. … – dívidas de IVA, no valor de €669,36; ● Proc. Exec. … - dívidas de IVA, no valor de €363,75; ● Proc. Exec. … - dívidas de IUC, no valor de €18,63 (17º, 18º e 23º p.i.; 55º e 56º cont. 1ª R.). 20. Pelo ofício n.º 2016-01-11, rececionado a 14 de janeiro de 2016, teve a 1ª R. conhecimento de que a Reclamação Graciosa apresentada em 4 de janeiro de 2016 foi arquivada, com o fundamento de não ser o meio adequado, sendo antes o meio adequado a oposição à execução fiscal (25º p.i.). 21. A 1ª R., após a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa referida, apresentou impugnação judicial junto do TAF de …, no dia 29.01.2016, a qual correu aí termos sob o nº 86/16…. (27º p.i. e 61º cont. 1ª R.). 22. A 1ª R. anexou à petição inicial de impugnação judicial documento comprovativo do pedido de apoio judiciário formulado pelo A. em 14.10.2015. 23. Em email enviado a 16.07.2018 por S, Advogada, foi comunicado à 1ª R. o seguinte: “Venho pela presente informar a Il. Colega que o Exmo. Senhor N… pretende que o passe a representar no processo melhor identificado em epígrafe [Processo de Impugnação Judicial junto do TAF de …], tendo-me contactado nesse sentido. (…) Por último, solicito o obséquio de me ser enviado substabelecimento sem reservas (S – CP n.º …), bem como a documentação que esteja na s/ posse e eu entenda ser de relevância para o exercício do mandato forense.” (62º cont. 1ª R.). 24. A 06.08.2018, a 1ª R. substabeleceu na Colega, Exma. Sra. Dra. S…, tendo o substabelecimento sido junto ao Processo n.º 86/16…. a 18.09.2018 (28º p.i. e 62º cont. 1ª R.). 25. Nesse Processo n.º 86/16…. foi proferida sentença, a 15.10.2018, na qual se concluiu pela impropriedade do meio processual a que a 1ª R. recorreu, com fundamento em que o meio processual adequado para discutir a legitimidade do executado é a oposição à execução fiscal, pelo que se absolveu a Fazenda Nacional daquela instância (29º p.i.). 26. Da referida sentença resultou ainda a impossibilidade de convolação da referida ação em oposição à execução fiscal, o que se ficou a dever ao facto da P.I. ter dado entrada no Serviço de Finanças no dia 29.01.2016, quando o prazo para tal havia já terminado no dia 18.12.2015 (30º p.i.). 27. A notificação da sentença foi dirigida à Advogada S, a 19.10.2018, não tendo a nova mandatária do A. reclamado, requerido a reforma e/ou recorrido da referida decisão/sentença do TAF de …, nem procedeu à utilização de outros meios processuais (63º cont. 1ª R.). 28. A sentença referida transitou em julgado a 02.11.2018. 29. Foi inscrita no registo comercial a nomeação do A. como gerente da sociedade Z, pela Insc. ..., Ap. …/20110112, daí constando que a deliberação de nomeação do A. como gerente da sociedade data de 10.04.2009 (12º p.i.). 30. Pelo que a Autoridade Tributária, de forma automática, reverteu as dívidas fiscais daquela sociedade comercial contra o A. (12º p.i.). 31. Foi instaurado o processo crime n.º …, por crime de abuso de confiança fiscal imputado àquela sociedade comercial e no qual o A. foi constituído arguido, tendo o inquérito sido arquivado quanto ao A., por inexistência de indícios que permitissem qualificá-lo como gerente daquela sociedade, na medida em que não se apurou a prática de atos de gerência por parte do A. (9º p.i.). 32. Nesse inquérito foram ouvidas as testemunhas técnicos oficiais de contas MC… e H…, que trabalharam com a sociedade Z, e a testemunha C…, a quem foram prestados serviços pela sociedade Z, os quais declararam desconhecer o A. e que sempre trataram os assuntos da sociedade Z com J…, contra quem veio aí a ser deduzida acusação, juntamente com a sociedade Z (10º p.i.). 33. Na sequência da dedução de acusação e remessa do referido processo para julgamento, veio a ser declarado extinto o procedimento criminal contra a arguida Z, por decisão judicial proferida a 02.02.2018 e transitada em julgado a 05.03.2018, com fundamento em que a arguida se encontra dissolvida e se mostra registado o encerramento da liquidação e cancelada a respetiva matrícula. 34. Por carta datada de 14.09.2015, o A. requereu à Conservatória do Registo Comercial de … a anulação do registo de nomeação do A. como gerente da sociedade Z, indicando que desde 2011 que é “importunado com dívidas fiscais e processos em nome da Z”. 35. A Conservatória do Registo Comercial …, em despacho proferido a 16.09.2015, com fundamento, designadamente, em que os registos apenas podem ser cancelados com base em decisão judicial transitada em julgado, recusou a requerida anulação do registo, tendo disso informado o processo crime n.º …, por ofício datado de 22.10.2015. 36. O A. apresentou queixa crime com fundamento no facto de ter sido surpreendido, a 11.11.2011, por uma convocatória da Direção de Finanças de …, solicitando-lhe o esclarecimento de uma dívida de IVA da sociedade Z, sendo que o A. constava como sócio gerente da referida sociedade. Nessa queixa referiu ainda o A. que aguardou o desfecho da investigação e a 04.03.2013 foi surpreendido por uma notificação da Advogada T, que solicitava a sua presença no respetivo escritório, a fim de assinar um documento relativo a um veículo automóvel, e que nunca assinou qualquer documento referente a esta sociedade, nem assumiu as funções de gerente da mesma ou outras. 37. Esta queixa deu origem ao inquérito n.º …, que correu termos no DIAP de …, 2ª Secção, onde foi investigado o crime de falsificação de documento, p.p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als. a) e e) do CP, com respeito à ata de nomeação do A. como gerente da sociedade Z. 38. Concluiu-se, no sobredito inquérito, em despacho proferido a 17.02.2014, não existirem dúvidas sobre o preenchimento do tipo criminal, atentas, designadamente, as declarações aí prestadas por J…, o qual referiu que a ata é falsa e de que não ocorreu qualquer reunião no dia indicado na ata, até porque o lugar lá referido correspondia à sua habitação. 39. Todavia, o inquérito acabou por ser arquivado, no despacho acima citado, com fundamento em que não foram apurados os autores da falsificação da ata, tendo-se consignado naquele despacho que “apesar das tentativas realizadas não se logrou apurar o paradeiro do denunciante, sendo certo que a morada por aquele fornecida, em Março de 2013, a estes autos já não é sua desde o ano de 2010. Pese embora se tenha procedido à recolha de autógrafos aos arguidos, o certo é que não se logrou juntar aos autos os originais dos documentos alegadamente falsificados, nem proceder à recolha de autógrafos do denunciante. (…) Adiante-se, ainda, que muito se estranha a circunstância de o denunciante não ter apresentado queixa pelos factos agora denunciados quando foi constituído arguido no âmbito do inquérito com NUIPC n.º …, aguardando ainda o desfecho da investigação destes autos.” (66º cont. 1ª R.). 40. Ficou ainda a menção, no citado despacho de arquivamento, de que o prazo de prescrição do procedimento criminal se completaria a 16.12.2016. 41. Foi cessada oficiosamente a atividade da sociedade Z em 24.01.2015. 42. Foi cancelada a matrícula da sociedade Z, pela Insc. …, Of. 2 da Ap. …, na sequência da inscrição da sua dissolução e encerramento da liquidação, pela Insc. …, Ap. .. 43. O A. não renunciou à gerência da referida sociedade Z, nem praticou atos judiciais tendo em vista a liquidação ou extinção da sociedade (64º cont. 1ª R.). 44. O A., até ao momento, não pagou quaisquer quantias no âmbito dos processos de execução fiscal da responsabilidade da Z objeto da decisão da reclamação graciosa e da sentença da impugnação judicial, processos esses que estão suspensos “para falhas” nos órgãos e serviços da Autoridade Tributária, a aguardar eventuais bens penhoráveis, que inexistem (59º cont. 1ª R.). 45. O A. não pagou as custas devidas no âmbito do Proc. …, por beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nem pagou os honorários da 1ª R., que foram sempre suportados, dentro do possível, pela mãe do A. (60º cont. 1ª R.). 46. Os honorários remanescentes devidos à 1ª R. foram por esta prescindidos após o substabelecimento, face aos encargos a que a mãe do A. estava a ser sujeita (60º cont. 1ª R.). 47. Esta situação causou e causa uma forte depressão e angústia no A. (93º p.i.). 48. E frustrou os projetos profissionais do A., impedindo-o de poder recorrer a financiamento bancário para adquirir casa, automóvel ou financiamento de um projeto empresarial (95º p.i.). 49. O A. perdeu as possibilidades de construir um património próprio, sendo que qualquer bem ou rendimento que aufira em seu nome é imediatamente penhorado pela Fazenda Nacional para pagamento das dívidas fiscais, juros, coimas e outros encargos (98º p.i.). 50. Nos termos do artigo 3º das Condições Especiais da Apólice … e …, relativa à R. Y, estabelece-se que ficam expressamente excluídas da cobertura as RECLAMAÇÕES: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do SEGURADO à Data de Início do PERÍODO DE SEGURO, e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar RECLAMAÇÃO (17º cont. Y). 51. Por seu turno, o artigo 8º, nº 1 da mesma Apólice dispõe, como condição precedente às obrigações da seguradora, que o segurado deverá comunicar, o mais cedo possível, ao segurador: a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice; b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice; c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice (18º cont. Y). 52. Também no mesmo sentido, nos termos do artigo 10º, nº 1 das Condições da Apólice em análise: O SEGURADO, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8º das Condições Especiais, deverá comunicar ao Corretor ou ao SEGURADOR, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer RECLAMAÇÃO efectuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação. (…) (19º cont. R. Y). 53. A R. Y tomou conhecimento dos factos em apreço por comunicação da 1ª R. efetuada em 03.07.2020 (23º cont. R. Y), data da citação da 1ª R. para a presente ação. 54. Nos termos do artigo 2.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”: “Mediante o pagamento do prémio, e sujeitos aos termos e condições da apólice, a presente tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro (…)” (5º cont. R. X). 55. E de acordo com o ponto 7 das “Condições Particulares do Seguro de Responsabilidade Civil”: “O Segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice e sem qualquer limitação temporal da retroatividade.” (6º cont. R. X). 56. A R. Y tomou conhecimento dos factos em apreço nos autos com a sua citação, ocorrida em 03.07.2020 (13º cont. R. X). * B) Factos Não Provados a) O A. solicitou à 1ª R. que deduzisse oposição às execuções fiscais (13º p.i.). b) O total das dívidas fiscais da sociedade comercial Z revertidas contra o A. e referidas nas execuções fiscais aludidas perfazem a quantia de €96.228,24 (14º p.i.). c) A 1ª R. informou o A.: ii) Que, considerando que o A. comunicou que não tinha informações concretas relativas à sociedade em causa ou sequer às dívidas exequendas, qualquer meio a utilizar teria pouca procedência (52º cont. 1ª R.). d) A 1ª R. apresentou reclamação graciosa, em 4 de janeiro de 2016, relativamente às execuções fiscais n.ºs … – dívidas de IVA e IUC, no valor de €1.483,20 (55º e 56º cont. 1ª R.). e) O A., até ao momento, não pagou quaisquer quantias no âmbito do processo de execução fiscal da responsabilidade da Z objeto da reclamação graciosa apresentada em 04.10.2015, processo esse que está suspenso “para falhas” nos órgãos e serviços da Autoridade Tributária (59º cont. 1ª R.). f) A 1ª R. apresentou impugnação judicial depois do A. ter obtido apoio judiciário (61º cont. 1ª R.) g) O A. apresentou ainda participação contra a 1ª R. junto do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados de Lisboa, a qual foi, entretanto, também arquivada (66º cont. 1ª R.). h) O A. nunca deu qualquer importância a este processo, ao contrário de outros processos judiciais durante os quais se encontrou presencialmente com a 1ª R., maxime, no processo de regulação do poder paternal (Proc. …) e nos processos criminais onde esteve envolvido, designadamente, o Proc. n.º … e o Proc. n.º …, nos quais foi representado pela 1ª R. (67º cont. 1ª R.). * C) A demais matéria alegada pelas partes não foi aqui considerada por ser conclusiva, de direito ou não relevar para a decisão da causa. * D) Motivação O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e da prova produzida em audiência, a saber, as declarações do A. e da 1ª R., bem como os depoimentos das seguintes testemunhas: - CP, é auxiliar da ação médica, é mãe do A.; - MJ, desempregada, é tia do A.; - AL, é militar da GNR, com domicílio profissional na …, Unidade de …, viveu em união de facto com o A., a relação cessou em 2020; - EC, é advogada; - FM, é advogada. *** Relativamente às declarações da 1ª R. e aos depoimentos das testemunhas E e F, veio o A. arguir a nulidade dos seus depoimentos, por ofenderem o dever de segredo profissional que impende sobre os advogados, (…)[3] Passando à análise crítica da prova: (…) - Factos 47. a 49.: O Tribunal ponderou as declarações do A. e da sua mãe, à luz da demais matéria de facto provada, da qual decorre que se mantêm pendentes as execuções fiscais, pelo que se o A. angariar bens e se esta circunstância chegar ao conhecimento do credor, estes bens serão necessariamente afetos ao pagamento das dívidas. (…)”[4]. * IV. Apreciação Porque nos interessa à resolução da 1ª questão, transcreve-se antes de mais a fundamentação jurídica, escorreita e bastante e por nós secundada, da sentença recorrida: “1. Nos termos do art.º 1157.º do CC, mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra. O mandato pode ser gratuito ou oneroso, presumindo-se oneroso quando seja praticado por profissão (art.º 1158.º, n.º 1 do CC). Aplica-se a este contrato a regra da liberdade de forma (art.º 219.º do CC). Atento o facto de estar provado que o A. solicitou à 1ª R. que diligenciasse no seu interesse, com vista a anular as reversões fiscais realizadas pela Autoridade Tributária, concluímos que foi cometida à 1ª R. a prática de atos jurídicos. Da matéria de facto provada resulta, então, que as partes celebraram entre si um contrato de mandato. 2. Em conformidade com o preceituado no art.º 1161.º, al. a) do CC, devia a 1ª R. praticar os atos compreendidos no contrato. Com efeito, os contratos devem ser pontualmente cumpridos (art.º 406.º, n.º 1, 1ª parte do CC), o que significa que ao devedor incumbe realizar a prestação a que, por força do estipulado pelas partes, está adstrito (art.º 762.º, n.º 1 do CC). Acresce que é ao devedor que compete provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, como determina o art.º 799.º, n.º 1 do CC. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (ob. cit., pp. 794 a 795), a obrigação do mandatário de praticar os atos compreendidos no mandato constitui o efeito essencial do contrato, sendo certo que o deve fazer de acordo com as instruções do mandante, como expressamente afirma o art.º 1161.º, al. a) do CC, as quais podem ser dadas em qualquer momento durante a execução do mandato. B) Danos Patrimoniais Perda de Chance 1. Enquadramento jurídico Peticiona o A. que a 1ª R. seja condenada a pagar-lhe €121.228,24, a título de compensação por perda de chance, sustentando que por virtude da errada atuação da 1ª R., esta não logrou obter a anulação das reversões fiscais realizadas pela Autoridade Tributária. A decisão desta questão convoca a figura da perda de chance. Do ponto de vista da doutrina a figura enunciada foi inicialmente trabalhada por Júlio Gomes (Sobre o Dano da Perda de Chance, in Direito e Justiça, vol. XIX, 2005, tomo II, pp. 9 a 47), depois com maior intensidade no plano da responsabilidade dos médicos por Rute Pedro (A Responsabilidade Civil do Médico, Coimbra, 2008), e em termos jurisprudenciais encontramos essencialmente arestos acerca da responsabilidade dos advogados (nomeadamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.10.2012, Processo nº 5817/09.8TVLSB.L1.S1, de 26.10.2010, Processo nº 1410/04.0TVLSB.L1.S1, e de 29.04.2010, Processo nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1, todos in http://www.dgsi.pt/). Especificamente a propósito da matéria da perda de chance em sede de mandato forense foi proferido, designadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.12.2018 (Processo nº 1337/12.1TVPRT.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/), onde se decidiu que: “I. A perda de chance relaciona-se com a circunstância de alguém poder ser afectado num seu direito de conseguir uma vantagem futura ou de impedir um dano, por facto de terceiro. II. Para que se considere autónoma a figura da perda de chance, como um valor que não pode ser negado ao titular e que está contido no seu património, importa apreciar a conduta do lesante, ponderando como requisito caracterizador dessa autonomia, se se pode afirmar, no caso concreto, que o lesado tinha uma chance, uma probabilidade séria, real, e credível de, não fora a actuação que a frustrou, obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse, e/ou que a actuação omitida, se não tivesse ocorrido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão desfavorável como o que ocorreu. III. Estando em causa uma obrigação de meios e não de resultado, como é o caso do contrato de mandato forense – art.º 1157º do Código Civil – a omissão da diligência postulada por essa obrigação, evidencia de forma mais clara, que a perda de chance se deve colocar mais no campo da causalidade e não do dano, devendo ponderar-se se a omissão do procedimento postulado pelas leges artis inerentes foi determinante para a perda de chance, sendo esta real, séria e não uma mera eventualidade, suposição ou desejo, capaz de proporcionar a vantagem que o lesado prosseguia. IV. Importa, no caso, saber se a não formulação dos pedidos que era adequado serem formulados na referida acção, implicou perda de chance da Autora que visava a condenação da Ré: se tal omissão, profissionalmente desvaliosa, contendeu com um sério, real e muito provável desfecho favorável da acção, ou seja, se ante um patrocínio sem reparo, a Autora lograria ganho de causa. V. A condenação da Ré na referida acção não poderia ser dissociada da previsibilidade da efectiva realização do direito declarado na sentença, o que se evidenciaria, em sede de execução desse título. VI. Para haver perda de chance tem de haver chance, ou seja, estar perfilada a hipótese de ganho, que se frustra de imediato, total ou parcialmente, com a omissão cometida. No caso, se a Autora tivesse tido ganho de causa, como os factos evidenciam, não teria essa sentença possibilidade de execução ante a declarada insolvência da ré EE, Lda., – já iminente ao tempo do incumprimento dos contratos promessas. VII. Ante tal circunstancialismo, a pretensão da Autora, mesmo que tivesse tido êxito, em consequência de proficiente actuação do seu mandatário, não lograria a vantagem económica implicada na demanda contra a “EE, Lda.” face à sua declaração de insolvência: mesmo que os pedidos omitidos na acção tivessem sido formulados e a ré condenada, o que vale por dizer que não se perdeu uma chance consistente e real, de satisfação do crédito peticionado. VIII. O “julgamento dentro do julgamento”, como juízo de prognose, inerente à valoração da chance, claramente aponta para a inexistência de uma chance de ganhar, consistente, séria e plausível, que se perdeu pela omissão cometida pelo Réu, enquanto mandatário da Autora na referida acção” (no mesmo sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.01.2024, Processo n.º 1118/18.9T8VRL.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/). No Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2022, proferido em 05.07.2021, no Processo n.º 34545/15.3T8LSB.L1.S2–A (publicado no DR, 1ª Série, n.º 18, de 26.01.2022, a pp. 20-41), estabeleceu-se que: “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.” 2. a) Revertendo ao caso concreto, importa considerar que antes de 04.10.2015 o A. se dirigiu à 1ª R., Advogada, porquanto tinha sido notificado de uma reversão fiscal de dívidas da sociedade Z, mas desconhecia esta sociedade e não tinha assumido a sua gerência de facto ou de direito, pelo que não era responsável por tais dívidas. Em face do que lhe foi informado pelo A. e mais tendo presente que este lhe comunicou não ter recursos financeiros para suportar taxas de justiça com processos, nem prestar caução, a 1ª R. propôs ao A. avançarem com reclamações graciosas, para sobrestarem o andamento das execuções fiscais e, mais tarde, reagirem judicialmente, ao que o A. anuiu. Nesta sequência, a 1ª R. apresentou reclamação graciosa daquela reversão, alegando que o A. não era gerente de facto, nem de direito da sociedade Z, a 04.10.2015, e a 14.10.2015 o A. formulou pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social, para propor ação de “impugnação judicial”. A 04.01.2016 a 1ª R. apresentou nova reclamação graciosa, com respeito a outras reversões fiscais relativas a dívidas da mesma sociedade, e a 16.01.2016 tomou conhecimento de que o Serviço de Finanças considerou, relativamente a esta segunda reclamação, não ser este o meio próprio, porquanto esse meio era a oposição à execução fiscal. A 29.01.2016 a 1ª R. deduziu impugnação judicial relativamente a todas as reversões fiscais. Em agosto de 2018 a 1ª R. substabeleceu em nova mandatária constituída pelo A., a pedido deste, o que foi comunicado ao processo de impugnação judicial em setembro de 2018. Em 19.10.2018 a nova mandatária do A. foi notificada da sentença proferida no processo de impugnação judicial, na qual se ordenou o arquivamento dos autos, porquanto o meio usado não era o próprio, o meio próprio era a oposição à execução fiscal. b) A questão que se coloca é, então, a de saber se podia a 1ª R. adotar alguma estratégia processual que permitisse obstar à cobrança coerciva ao A. das dívidas da sociedade Z, sendo certo que foi esse o objetivo que, na qualidade de advogada, assumiu com o A. e que correspondia às pretensões deste. Ora, os factos alegados na reclamação graciosa e na impugnação judicial deduzidas pela 1ª R. traduzem-se na invocação de que o A. não exerceu a gerência de facto da sociedade e que não era também gerente de direito, na medida em que a ata da sua nomeação era falsa. A falsidade da ata deve, porém, ser declarada em processo crime, o que não sucedeu. Com efeito, apesar do A. ter instaurado uma queixa com essa finalidade, o respetivo inquérito acabou por ser arquivado, por não se terem apurado os autores da falsificação que se considerou aí estar indiciada. Está também provado que o A. foi constituído arguido por crime de abuso de confiança fiscal, atenta a sua qualidade de gerente nomeado da sociedade Z, e que este inquérito foi arquivado na parte relativa ao A., com fundamento em não estar demonstrado que este exercesse a gerência de facto da sociedade Z. Todavia, esta decisão de arquivamento não pode ser qualificada como uma decisão judicial e não transita em julgado, como se declarou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.09.2022 (Processo n.º 299/20.6T9AVV.G1, in http://www.dgsi.pt/): “I – A decisão de arquivamento, não tendo natureza jurisdicional e, por isso, não comportando a noção de “trânsito em julgado”, não deixa de produzir efeitos. II – Uma vez decorridos os prazos para a sua impugnação, quer através da abertura de instrução, quer da intervenção hierárquica, adquire a força de “caso decidido”. III – Por conseguinte, a menos que haja lugar a reabertura do inquérito, se admissível, os factos dele objecto não podem ser de novo ser valorados noutro processo para o efeito de poder ser o arguido, por eles, perseguido criminalmente.” (no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.10.2022, Processo n.º 657/20.6PDVNG.P1, in http://www.dgsi.pt/). Do exposto decorre que com respeito ao concreto crime de abuso de confiança fiscal investigado no Processo n.º …/14 não pode o A. vir a ser acusado noutro processo, apenas estando sujeito à possibilidade de reabertura do referido inquérito, na eventualidade de surgirem posteriormente provas da sua responsabilidade criminal e de não ter ocorrido, entretanto, a prescrição. Ou seja, a motivação do arquivamento do inquérito, a saber, a ausência de demonstração do exercício da gerência de facto da sociedade Z pelo A., não adquire qualquer força para além dos limites do referido inquérito. Esta a raiz, aliás, da recusa de cancelamento da inscrição registal de nomeação do A. como gerente da sociedade Z. Do mesmo modo, apesar da afirmação, no despacho de arquivamento do respetivo inquérito, de que a ata de nomeação do A. era falsa, tal declaração não se projeta na ordem jurídica com força universal, precisamente porque não forma caso julgado material. c) Mas decorre do acima exposto que quer na decisão da reclamação graciosa, quer na sentença proferida na impugnação judicial se entendeu que os factos alegados pelo A. em sua defesa podiam ser objeto do meio processual oposição à execução fiscal. O não exercício da gerência de facto da sociedade constitui, efetivamente, um facto que pode constituir fundamento de oposição à execução fiscal, como se aponta no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11.03.2010 (Processo n.º 00349/05.6BEBRG, in http://www.dgsi.pt/): “I - À luz do regime da responsabilidade subsidiária prevista no art.º 24.º, n.º 1, da LGT, em qualquer das suas duas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência. II - É à AT, como exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos da reversão da execução fiscal. III - Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto. IV - Do art.º 11.º do CRC resulta apenas que se presume que é gerente de direito aquele que consta como gerente do registo comercial. V - O tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição quanto à gerência de facto, pode utilizar presunções judiciais, motivo por que, com base na gerência de direito e noutras circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, pode, usando de regras de experiência, inferir a gerência de facto. VI - O juiz não pode inferir a gerência de facto automática e exclusivamente com base na gerência de direito, sob pena de reconduzir a presunção judicial a uma presunção legal. VII - Acresce que a AT, pese embora a possibilidade referida em V, que assiste ao tribunal em sede de oposição à execução fiscal, não pode dispensar-se de alegar no despacho de reversão a gerência de facto.” É certo que na sua contestação a 1ª R. defende que os meios que usou eram adequados para a finalidade visada, mas na sentença proferida em sede de impugnação judicial a questão é explicada de modo muito claro, dizendo-se aí que a impugnação judicial serve para sindicar o ato de liquidação do imposto, enquanto na oposição à execução fiscal se afere da legalidade do ato tributário, designadamente, no plano da legitimidade. Trata-se de entendimento pacífico, como decorre do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25.02.2010 (Processo n.º 00354/09.3BEBRG, in http://www.dgsi.pt/), onde se decidiu precisamente que: “I - O responsável subsidiário pode impugnar a liquidação de imposto cuja responsabilidade lhe é atribuída e/ou opor-se à execução que contra ele reverteu, mas não pode fazê-lo indiferentemente por um ou outro meio consoante o que mais lhe convier, pois a cada direito corresponde o meio processual adequado para o fazer valer em juízo. II - O meio processual adequado para o chamado à execução fiscal por reversão questionar a responsabilidade subsidiária que determinou o seu chamamento é a oposição à execução fiscal (cf. art.º 151.º, n.º 1, do CPPT), sendo que tal fundamento integra a previsão do art.º 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT. III - Quando o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo, nulidade de conhecimento oficioso, cognoscível até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo e que, sempre que possível, deve ser sanada mediante convolação para a forma processual adequada. IV - Para que essa convolação seja possível exige-se que a petição tenha sido apresentada em tempo para efeitos da nova forma processual, que o pedido formulado, devidamente interpretado, bem como a causa de pedir invocada se adequem a esta forma processual e que no processo não tenham sido formulados cumulativamente pedidos a que correspondam formas processuais diversas. V - Se não for possível a sanação da nulidade, o erro na forma do processo determina o indeferimento da petição inicial, se verificada na fase liminar, ou, se já ultrapassada a fase liminar, a anulação de todo o processado, com a absolvição do réu da instância (cf. art.º 98.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, art.º 97.º, n.º 3, da LGT, e arts. 199.º, n.º 1, 234.º-A, 288.º, n.º 1, alínea b), 493.º, n.ºs 1 e 2, e 494.º, alínea b), do CPC).” Não oferece, pois, qualquer dúvida que os meios usados pela 1ª R. eram impróprios. Assim, na data em que a 1ª R. deu entrada da impugnação judicial, isto é, a 29.01.2016, a 1ª R. já sabia que o meio próprio para reagir às reversões era a oposição à execução fiscal, porquanto já tinha sido notificada da decisão da reclamação graciosa onde isso é afirmado. Por outro lado, do ponto de vista das despesas envolvidas, ambos os meios processuais – oposição à execução e impugnação judicial – são contenciosos, implicando o pagamento de custas judiciais, mas com a impugnação judicial a 1ª R. juntou documento comprovativo do pedido de apoio judiciário, pelo que também o poderia ter feito se optasse pela oposição à execução. Então, porque apresentou a 1ª R. uma impugnação judicial e não uma oposição à execução? O prazo para a dedução de oposição à execução fiscal é de 30 dias, contados da data da citação do executado (art.º 203.º, n.º 1 do CPPT). A impugnação judicial tem um prazo mais dilatado do que a oposição à execução fiscal, concretamente, 3 meses (art.º 102.º, n.º 1 do CPPT). Decorre, por outro lado, da matéria de facto provada que a solução jurídica encontrada pela 1ª R. para o problema do A. foi a dedução de impugnação judicial e não a apresentação de oposição de execução, pois o A. procurou a 1ª R. no início de outubro de 2015 e, após consulta com esta, requereu a concessão de apoio judiciário para a apresentação de ação de “impugnação judicial”. Assim, quando a 1ª R. é confrontada, na decisão da reclamação graciosa, com o facto de que o meio próprio para a defesa do A. é a oposição à execução fiscal, e não, portanto, a impugnação judicial, o prazo para a dedução de oposição já tinha terminado. Deste modo, aquele meio impróprio para a defesa do A. era o único que lhe restava à data. d) Não é suficiente, ainda, o percurso que fizemos, pois para além de se verificar a omissão de atuação ou inadequação do meio usado, deve cumulativamente concluir-se que essa omissão ou impropriedade inviabilizaram total e definitivamente a possibilidade do cliente do advogado obter um benefício ou evitar um prejuízo. Afirma-se, neste sentido, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2023 (Processo n.º 11733/19.8T8LSB.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/) o seguinte: “Sublinhe-se ainda, nomeadamente tendo em conta o caso dos autos, que entre os pressupostos da admissibilidade da reparação na base da doutrina da perda de chance, está também que o comportamento de terceiro seja suscetível de gerar a sua responsabilidade, elimine, de forma definitiva, as possibilidades do resultado vantajoso se vir a produzir, no atendimento até de se poder correr o risco de enriquecer o lesado com uma indemnização pela perda de chance em situações em que a pretendida vantagem possa vir a concretizar-se”. Ora, argumentou a 1ª R. que a nova mandatária do A. podia ter interposto recurso, requerido a reforma ou reclamado da sentença proferida na impugnação judicial, o que não fez, pelo que se prejuízo houve para o A. por virtude daquela sentença, a esta nova mandatária é o mesmo imputável. Porém, a 1ª R. não aponta os fundamentos que a nova mandatária devia invocar no recurso, requerimento de reforma ou reclamação da sentença, e resulta do que acima expendemos sobre este tema que a sentença proferida pelo TAF de Almada constitui uma decisão pacífica, ou seja, não se vislumbra o que podia ser discutido relativamente a tal sentença. Sustenta, de igual modo, a 1ª R. que a nova mandatária do A. não adotou outros meios de defesa dos interesses deste. Porém, o meio alternativo que existia para resolver este problema, a saber, o procedimento criminal onde se investigava a falsidade da ata, havia já prescrito em 16.12.2016. Não obstante, a 1ª R. alude ainda à revisão oficiosa dos atos tributários e à ação para o reconhecimento de um interesse legítimo. A revisão oficiosa dos atos tributários, quando efetuada por iniciativa do sujeito passivo, deve ter lugar no prazo de reclamação administrativa, mas os contribuintes têm ainda a faculdade de pedir a revisão oficiosa do ato, dentro do prazo em que a Administração Tributária a pode efetuar, isto é, no prazo de quatro anos após a liquidação (art.º 78.º, n.ºs 1 e 7 da LGT). A reclamação administrativa deve ser apresentada no prazo de 120 dias contados, no que para o nosso caso releva, da data da citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal (arts. 70.º, n.º 1 e 102.º, n.º 1, al. c) do CPPT). Ou seja, em outubro de 2018, quando a nova mandatária do A. recebeu a sentença do TAF de …, já se mostrava ultrapassado o prazo da reclamação administrativa. O outro prazo previsto na norma da revisão oficiosa ainda não se mostrava, porém, totalmente exaurido. Apesar disso, está plasmado no n.º 1 do art.º 70.º do CPPT que a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial. Ora, já vimos acima que a reclamação graciosa e a impugnação judicial não constituem meios adequados para a pretensão do A., pelo que, assim, também a revisão oficiosa do ato tributário o não é. Relativamente à ação para o reconhecimento de um interesse legítimo, trata-se de uma figura prevista no art.º 145.º, n.º 3 do CPPT, relativamente à qual decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão proferido a 20.06.2018 (Processo n.º 01086/17, in http://www.dgsi.pt/) o seguinte: “I - De acordo com o disposto no nº 3 do art.º 145º do CPPT, a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária apenas pode ser proposta «sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido. II - Ocorre erro na forma de processo e em consequência encontra-se vedada a utilização do presente meio processual pois a satisfação da pretensão formulada pela autora/recorrente era alcançável, de forma plena, eficaz e efetiva, mediante o uso de outro(s) meio(s) processual(ais) adequado(s) e previsto (s) na lei que não foi (ram) utilizado(s).” No caso em apreço vimos já que havia um meio adequado para a sindicância da atuação da AT, a saber, a oposição à execução fiscal, pelo que este não era um meio suscetível de ser considerado próprio para o efeito. Por fim, quanto à alegada renúncia do A. à gerência, a mesma apenas opera para o futuro, produzindo efeitos após a notificação da sociedade e inscrição no registo comercial (arts. 258.º do CSC; 3.º, al. m), 14.º, 15.º, n.º 1 e 70.º, n.º 1, al. a) do CRCom). Assim, tendo o A. sido já citado das reversões fiscais, não teria qualquer utilidade defensiva a sua renúncia à gerência. Aliás, a matrícula da sociedade Z foi cancelada no registo comercial em janeiro de 2016, com fundamento na dissolução da sociedade e encerramento da sua liquidação, pelo que nem sequer se vislumbra a possibilidade de, a partir dessa data, o A. renunciar à gerência. Aduz, por último, a 1ª R. que não se comprometeu com o A. senão a diligenciar a resolução do problema das reversões fiscais, isto é, o seu mandato não abrangia, em particular, a questão da falsidade da ata, pelo que competia ao A. tratar deste assunto. Contudo, a ata não é um problema distinto e alheio, antes consubstanciando uma das dimensões de que se revestia o problema das reversões fiscais – foi a ata que fundou a inscrição no registo comercial da nomeação do A. como gerente e justificou a atuação da AT. Deste modo, era natural que o A. aguardasse o desfecho das diligências que a 1ª R. se encontrava a realizar, porquanto de tais diligências resultaria, esperava-se, o afastamento da sua responsabilidade pelas dívidas da sociedade Z. Em conclusão, a intervenção inadequada da 1ª R. impediu irremediavelmente o A. de evitar um possível prejuízo. e) Com efeito, caso a 1ª R. tivesse deduzido oportunamente oposição à execução fiscal, poderia ter logrado obter o arquivamento das execuções fiscais relativamente ao A.. Considerando a decisão proferida no Processo crime n.º …/14 diremos que assim como ali não se demonstrou o exercício da gerência de facto, também na oposição à execução fiscal tal demonstração seria possível. Na verdade, a prova em que o Ministério Público alicerçou o seu arquivamento foram as testemunhas técnicos oficiais de contas MC… e H… e a testemunha C…, pessoas que tinham conhecimento pessoal e direto da gestão da sociedade Z. Trata-se, portanto, de pessoas que podiam também ser inquiridas na oposição à execução fiscal e que se mostravam obrigadas a prestar aí o seu depoimento e falar com verdade, por ser tal inerente à qualidade de testemunha. Em face de todo o exposto, afigura-se demonstrada a probabilidade de sucesso do A. se a 1ª R. tivesse usado o meio processual adequado. f) Não obstante, devemos apreciar ainda um outro facto provado, concretamente, o de que o A. apresentou queixa crime por falsificação de documento, com respeito à ata da sua nomeação como gerente, e de que esse inquérito foi arquivado, por não ser possível apurar o autor da falsificação. No decurso do mesmo inquérito foi ouvido J…, que declarou ser falsa a ata, que nunca teve lugar aquela assembleia, até porque o local aí indicado é a sua casa. Mas o Ministério Público assinala, de igual modo, que não logrou o contacto com o A., denunciante do caso, porquanto este já não residia desde 2010 na morada que indicou, em 2013, aquando da queixa, o que inviabilizou, designadamente, que lhe fossem recolhidos autógrafos para realização de prova pericial. Fica patente, aqui, que a falta de colaboração do A. com a justiça criminal impediu o esclarecimento dos factos, sendo certo que, se tivesse sido possível levar os factos a julgamento, existia a probabilidade de ser julgada verificada a falsidade da ata, se a prova pericial confirmasse que a assinatura vertida na ata não pertencia ao A.. Apesar do exposto, não podemos concluir que a atuação negligente do A. neste inquérito torna irrelevante a negligência da 1ª R., na medida em que lhe compete, como advogada, desenvolver a atuação processualmente adequada ou, em alternativa, informar o cliente da inexistência de qualquer solução. Ou seja, o A. chegou à 1ª R. numa fase desesperada, já com reversões fiscais declaradas, mas ainda assim havia a possibilidade de reagir e impedir que as execuções fiscais prosseguissem, demonstrando-se na oposição à execução que o A. não era o gerente de facto da sociedade. g) Em conclusão, a 1ª R. violou os deveres que sobre a mesma impendem enquanto advogada que aceitou o patrocínio do A.. Nos termos dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.05.2020 e de 11.05.2023 (Processos n.ºs 7848/17.5T8LSB.L1-6 e 12426/19.1T8LRS.L1-8, ambos in http://www.dgsi.pt/): “IV–A prática de um acto processual fora do prazo legal ou a utilização de um meio processual desadequado, fazendo soçobrar a pretensão de interposição de recurso, constituem indubitavelmente uma violação dos específicos deveres do advogado e das normas que os consagram.” Semelhante conduta envolve, efetivamente, a violação do disposto nos seguintes normativos do Estatuto da Ordem dos Advogados: . art.º 88.º: (“Integridade”): “1 - O advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.” - art.º 97.º (“Princípios gerais”): “1 - A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca. 2 - O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.” - art.º 98.º (“Aceitação do patrocínio e dever de competência”): “2 - O advogado não deve aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente, a menos que actue conjuntamente com outro advogado com competência e disponibilidade para o efeito.” - art.º 100.º (“Outros deveres”): “1 - Nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado: (…) b) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade”. Pese embora estejamos a falar de normas deontológicas, as mesmas podem fundar a responsabilidade civil do advogado perante o cliente, e não apenas responsabilidade disciplinar do advogado perante a Ordem dos Advogados, porquanto tais deveres se projetam na relação do advogado com o cliente, constituindo uma densificação do dever de diligência que incumbe ao mandatário na relação com o mandante e que se extrai do art.º 1161.º do CC (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 714). Ponderado o preceituado no art.º 799.º, n.º 1 do CC, presume-se a culpa da 1ª R., não tendo esta presunção sido ilidida (art.º 350.º, n.º 2 do CC). A 1ª R. é, pois, responsável perante o A.. h) Mas para o arbitramento de uma indemnização por perda de chance não é suficiente a conclusão precedente, importando ainda apreciar se ocorreram, efetivamente, prejuízos. A este propósito é relevante o facto provado de que todas as execuções fiscais pendentes contra o A. e indicadas na decisão de reclamação graciosa e na sentença de impugnação judicial se mostram suspensas “por falhas”. No Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 22.06.2023 (Processo n.º 00235/23.8BEPRT, in http://www.dgsi.pt/) explica-se em que se traduz esta situação processual: “Com a declaração em falhas, o processo de execução fiscal não se extingue, mas fica parado, e apenas prosseguirá, se, entretanto, não prescrever, caso se constate que o executado (sucessores ou responsáveis) possui (venha a possuir, de forma superveniente) bens penhoráveis (artigo 274.º do CPPT). A declaração em falhas tem, pois, o seguinte enquadramento jurídico: a) Não extingue o crédito tributário, apesar de constatada a impossibilidade da sua cobrança (perante os dados e informações recolhidas), mesmo que razões práticas o pudessem aconselhar (não sobrecarregar o sistema [informático e humano] com créditos incobráveis), mas que não prevalecem sobre a força do caráter público e indisponível do crédito tributário; b) Mas, o credor, após tal declaração, nada diligenciará com vista à cobrança, por declarada e comprovada inexistência de ativos que permitam tal objetivo. c) O processo de execução fiscal fica parado, à espera da prescrição (como indica expressamente o artigo 274.º do CPPT); e só avançará, no caso improvável de um “regresso de melhor fortuna”; se, entretanto (e de forma superveniente), o devedor (sucessor ou outros responsáveis) obtiver ou vier e possuir bens penhoráveis, passíveis de penhora. A declaração em falhas corresponde a um ato meramente declarativo em execução fiscal, que sendo decisivo na configuração do processo, não transporta, em si mesmo, efeitos jurídicos autónomos, limitando-se a atestar situações preexistentes.” Se conjugarmos, assim, este facto com a demais matéria de facto provada, concretamente, que o A. não é proprietário de habitação ou veículo automóvel, nem desenvolve qualquer atividade, por saber que qualquer bem ou rendimento seu seria imediatamente penhorado pela AT, apenas podemos concluir não ser provável que o A. venha a pagar qualquer quantia relativamente às sobreditas dívidas. Aliás, sublinhe-se que as execuções fiscais não ficam pendentes sem limite temporal, pois está legalmente previsto um prazo de prescrição de 8 anos, contados a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, com respeito às dívidas de IVA (art.º 48.º, n.º 1 da LGT). Ou seja, ressalvada a ocorrência de factos suspensivos ou interruptivos da prescrição, esta já se terá completado, no caso em apreço, o que determina o arquivamento das execuções fiscais. Assim, o A. não pagou, nem provavelmente pagará qualquer valor com respeito às execuções fiscais, não podendo, por isso, afirmar-se que tenha sofrido prejuízos patrimoniais com esta situação. Sublinhe-se adicionalmente que há uma execução fiscal cujo estado desconhecemos – aquela que foi objeto da reclamação graciosa apresentada em 04.10.2015 -, e com respeito à qual, portanto, nada podemos concluir em sentido algum. Não acompanhamos, deste modo, a argumentação expendida pelo A. no sentido de que independentemente de ter pago ou não alguma quantia no âmbito das execuções fiscais, há prejuízo, sob a perspetiva de que se verificou uma variação negativa na sua esfera patrimonial em montante equivalente ao total das dívidas fiscais revertidas (fls. 191). Com efeito, na hipótese (possível e previsível) das execuções fiscais serem, entretanto, arquivadas por prescrição, o A. receberia, não obstante, o valor total dessas dívidas fiscais, o que se traduziria, indubitavelmente, numa situação de enriquecimento sem causa. Repare-se que são duas entidades distintas a perda patrimonial decorrente da atuação negligente do advogado - que certamente existiria se o A. tivesse património de que houvesse sido privado para o pagamento destas dívidas -, e o sofrimento suportado pelo A. por causa destas execuções, que o obrigaram a defender-se em juízo e o impediram de ter uma vida pessoal e profissional normal. Ora, só a primeira categoria de danos está abrangida no âmbito da indemnização por perda de chance. Improcede, consequentemente, o pedido de indemnização por perda de chance”. (fim de citação). * 1ª Questão: A recorrente impugnou a decisão sobre a matéria de facto proferida quanto aos factos provados 19º e 21º, sustentando ainda um aditamento de um ponto numerado como 26º-A, e bem assim pugna pela não prova dos factos provados sob os números 47º a 49º. No corpo da alegação a recorrente indica também que o facto provado 26 deve passar a não provado, todavia não indicou a sua discordância quanto ao mesmo nas conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, razão pela qual rejeitamos a impugnação nessa parte – artigo 640º do Código de Processo Civil, não se podendo considerar que a não indicação dos factos com cuja decisão se não concorda possa ser feita noutro lugar que não as conclusões do recurso[5]. Expressamente identifica a resposta pretendida pelo tribunal nos seguintes termos: 19º - De: “19. A 1ª R. deu entrada, em 4 de janeiro de 2016, a uma Reclamação Graciosa, no Serviço de Finanças de …, peticionando que a reversão fosse anulada, com fundamento em ilegitimidade, quanto aos seguintes processos de execução tributária, cujas citações lhe foram apresentadas: - Proc. Exec. … - dívidas de IVA, no valor de €363,75; - Proc. Exec. … - dívidas de IVA, no valor de €363,75; - Proc. Exec. … - dívidas de IUC, no valor de €17,84; - Proc. Exec. … - dívidas de IUC, no valor de €18,36; - Proc. Exec. … - dívidas de IVA, no valor de €363,75; - Proc. Exec. … - dívidas de IUC, no valor de €18,36; - Proc. Exec. …. - dívidas de IRC, no valor de €1.082,33; - Proc. Exec. … - dívidas de IVA, no valor de €363,75; - Proc. Exec. … – dívidas de IVA, no valor de €669,36; - Proc. Exec. … - dívidas de IVA, no valor de €363,75; - Proc. Exec. … - dívidas de IUC, no valor de €18,63 (17º, 18º e 23º p.i.; 55º e 56º cont. 1ª R.)”. para: “19º A 1ª R. deu entrada de duas Reclamações Graciosas, no Serviço de Finanças de …, peticionando que a reversão fosse anulada, com fundamento em ilegitimidade, quanto aos seguintes processos de execução tributária, cujas citações lhe foram apresentadas: - Processos … (IVA - €363,75); - Processos … (IVA e IUC – €2.152,56); - Processos … (IVA - €363,75); - Processos … (IUC - €18,36); - Processos … (IUC - €17,84); e - Processos … (IRC - €1.082,33), num total de €3.998,59.” De: “21. A 1ª R., após a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa referida, apresentou impugnação judicial junto do TAF de …, no dia 29.01.2016, a qual correu aí termos sob o nº … (27º p.i. e 61º cont. 1ª R.)” para: “21 - A 1ª R., após a decisão que recaiu sobre as reclamações graciosas referidas, apresentou impugnação judicial junto do TAF de …, no dia 29.01.2016, a qual correu aí termos sob o nº … (27º p.i. e 61º cont. 1ª R.).” 26-A – A Aditar, com a seguinte redação: “A 1ª R. apenas foi mandatada pelo A. para os processos tributários e dividas respetivas constantes da referida sentença do TAF, ou seja, os processos … (IVA - €363,75), … (Iva e IUC – €2.152,56), … (IVA - € 363,75), … (IUC - €18,36), … (IUC - €17,84), … (IRC - €1.082,33), num total de €3.998,59”. Primeira observação: - o tribunal da Relação só reaprecia a decisão sobre a matéria de facto se a mesma for relevante para a decisão da causa, não podendo ultrapassar este limite, por força do artigo 130º do Código de Processo Civil. Como resulta da transcrição da sentença recorrida, e de resto, como a recorrente o reconhece, pois que declara querer recorrer da sentença que a condenou em indemnização por danos não patrimoniais, a sentença não julgou procedente o pedido do Autor para condenação das Rés em indemnização por perda de chance. Do recurso, nem das conclusões nem do corpo da alegação, resulta a ligação jus-teórica, a necessária correlação entre os fundamentos duma condenação por perda de chance e a possibilidade duma condenação em indemnização por danos não patrimoniais. E como veremos, ela não é de todo necessária, isto é, dito em termos simples, para que a recorrente fosse condenada em indemnização por danos não patrimoniais não era preciso que também tivesse ocorrido condenação em indemnização por perda de chance. Com estas considerações, julga este tribunal de recurso que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto no que toca aos factos provados 19º e 21º e à pretensão de aditamento do facto provado 26º-A são inúteis, porque se referem precisamente aos fundamentos fácticos para a condenação em perda de chance. É aliás isso que a recorrente repete ao longo de todo o seu recurso, enunciando, entre outras razões, para a alteração da decisão de facto nos pontos indicados, como competia ao Autor a prova dos factos constitutivos do seu direito a indemnização por perda de chance. A sentença favorável à recorrente, em matéria de indemnização por perda de chance, não lhe permite recorrer nesse segmento, claro, e também não permite que o tribunal de recurso sindique a fundamentação de facto que levou a essa decisão. Mesmo a pensar-se a implicação mútua dos fundamentos de facto nos pressupostos básicos da responsabilidade para os dois tipos de danos – acção ou omissão ilícita e culposa – a factualidade (neste caso, dos pontos de facto impugnados, relativa apenas à acção/omissão) que se pretende alterar é irrelevante, segundo a lógica do próprio recurso, para a decisão a tomar em sede de indemnização por danos não patrimoniais: - é que, o grande argumento de que os processos para os quais a recorrente foi mandatada são menos/diversos do que os que tribunal de primeira instância deu como provados, e somando um valor de mais de três mil e novecentos euros, sendo inadmissível e injustificada a fixação da indemnização em quatro mil euros, na realidade esbarra com a soma dos valores nos processos que o tribunal deu como provados – facto 19 – que é apenas de €3.664,08, ou seja, menos ainda, o que significa, como é claro, que não foi o valor de tais processos que teve qualquer relação com o montante da indemnização fixado, de resto como é simples de perceber, porque o dano não patrimonial que se pretende indemnizar (factos 47 a 49, angústia e paralisação de vida económica autónoma por um determinado período de tempo) nada tem, nem de perto nem de longe, e nem mesmo fazendo apelo a uma consideração de todas as circunstâncias do caso, com o valor das dívidas fiscais a que se refere o facto provado 19. Repare-se também que o pretendido adicionar facto 26-A é apenas a afirmação de que os novos factos propostos para o facto 19 foram os únicos para os quais a 1ª Ré foi mandatada. Mas não precisaríamos desse facto 26-A, bastava a procedência da alteração pedida ao facto 19, para – quer os processos eliminados fossem levados a factos não provados quer pura e simplesmente não fossem considerados – o tribunal apenas poder considerar os processos do novo facto 19. Quer dizer, o facto 26-A seria, em qualquer caso, inútil. Depois, lendo-se a fundamentação jurídica da sentença de primeira instância que não vem rebatida no recurso, a utilização de meio processual não adequado tanto se liga a uma quanto a outra reclamação, ou dito de modo simples, a 1ª Ré não devia ter reclamado das reversões fiscais com fundamento em ilegitimidade do Autor, devia ter recorrido ao meio processual da oposição à execução fiscal. Donde, o outro aspecto da impugnação de facto que se visa alcançar – o de que não foi apresentada apenas uma, mas sim duas reclamações graciosas – é, para a solução de direito que não foi posta em causa, repete-se, indiferente e consequentemente inútil. Assim, rejeita-se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto no que toca aos factos provados 19º e 21º e ao pretendido aditamento de um facto sob o número 26º-A. * Prossigamos para a apreciação das razões aduzidas pela recorrente contra a decisão de facto constante dos números 47º a 49º, que recordemos, têm o seguinte teor: “47. Esta situação causou e causa uma forte depressão e angústia no A. (93º p.i.). 48. E frustrou os projetos profissionais do A., impedindo-o de poder recorrer a financiamento bancário para adquirir casa, automóvel ou financiamento de um projeto empresarial (95º p.i.). 49. O A. perdeu as possibilidades de construir um património próprio, sendo que qualquer bem ou rendimento que aufira em seu nome é imediatamente penhorado pela Fazenda Nacional para pagamento das dívidas fiscais, juros, coimas e outros encargos (98º p.i.)”. Comecemos também por recordar e contextualizar o teor dos indicados artigos 93º, 95º e 98º da petição inicial. No segmento “V – Dos danos não patrimoniais”, o Autor começou por indicar (89) que “Atenta a factualidade supra descrita a responsabilidade civil profissional dá lugar a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, designadamente por negligência do Advogado”. Prosseguiu: “90. Há lugar a indemnização por danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade civil contratual, designadamente por negligência de Advogado no cumprimento das suas obrigações como mandatário judicial (…) 91. Atenta a factualidade supra descrita, fácil se torna perceber que o Autor sofreu um forte abalo emocional quando descobriu que a Ré não procedeu em cumprimento das legis artis do mandato forense. 92. Ficou, assim, impedido da realização de justiça. 93. O que lhe causou e ainda causa uma forte depressão e angústia. 94. Investiu tempo e dinheiro, sucessivamente interpelando a Ré para uma atualização do processo, não podendo dar por encerrado o processo. 95. O facto de se ter tornado responsável por uma divida fiscal alheia tão elevada, pela qual não deveria ter sido responsabilizado caso o mandato forense atribuído à primeira Ré tivesse sido exercido com o cuidado e o zelo mínimo exigido, castraram os projetos profissionais do Autor e impedem-no até de poder recorrer a financiamento bancário para adquirir casa, automóvel ou financiamento de um projeto empresarial.[6] 96. O Autor não só perdeu as possibilidades de construir um património próprio, como qualquer bem ou rendimento que aufira em seu nome é imediatamente penhorado pela Fazenda Nacional para pagamento das referidas dividas fiscais, juros, coimas e outros encargos. 97. – Tal é causa de uma enorme tristeza e angústia por parte do Autor. 98. Nestes termos, segundo critérios de equidade, tomando, também, em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, tem o Autor direito a uma compensação a título de danos não patrimoniais de valor nunca inferior a €25.000,00. 99. Acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal de 4% desde a data da citação até efetivo e integral pagamento”. (sublinhados nossos). Resulta manifestamente que a referência, no facto provado 49º, ao artigo 98º da petição inicial, é mero lapso, pois o texto do facto provado 49º é o texto do artigo 96º da petição inicial. A recorrente argumenta que o Autor não alegou os factos referidos nos números 47º a 49º da decisão de facto. Como resulta da mera comparação do texto da decisão de facto e do texto da petição inicial, não tem razão. A recorrente sustenta que não são permitidos factos valorativos nem conclusões de facto, sendo que o recorrido não alegou os factos a partir dos quais se poderia inferir o estado de forte depressão e angústia, nem quais os “projetos profissionais do A” que foram frustrados. Relativamente a esta matéria, consideremos os ensinamentos do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.6.2022, proferido no processo 984/12.6TMBRG-B.G1, e citamos a partir do respectivo texto: “Ainda a propósito da decisão de facto, importa ter presente que, conforme resulta do disposto no art.º 607º/4 do C.P.Civil de 2013, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito. Como se decidiu no Ac. do STJ de 28/09/2017 (21), “Muito embora o art.º 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art.º 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos” (o sublinhado é nosso). Mas o mesmo STJ, através do seu aresto de 22/03/2018 (22), sustenta que a inexistência no C.P.Civil de 2013 de um preceito como o do art.º 646º/4 do antigo C.P.Civil (que titulava de “não escrita” as respostas do coletivo sobre questões de direito) “não pode deixar de ter implicações no que concerne à atual metodologia no que concerne à descrição na sentença do que constitui «matéria de facto» e «matéria de direito»”… No que concerne à decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, não será indiferente nem o modo como as partes exerceram o seu ónus de alegação, nem a forma como o juiz, na audiência prévia ou em despacho autónomo, enunciou os temas da prova, tarefas relativamente às quais foram introduzidas no CPC importantes alterações que visaram quebrar rotinas instaladas e afastar os efeitos negativos a que conduziu a metodologia usualmente aplicada no âmbito do CPC de 1961… A matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma mais fluente e harmoniosa do que aquela que resultava anteriormente da mera transcrição do resultado de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória do CPC de 1961…”. Defende-se que, em face da modificação formal da produção de prova em audiência ter por objeto temas de prova e à opção da integração da decisão da matéria de facto no âmbito da própria sentença, “deve existir uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais em torno do que seja «matéria de direito» ou «matéria conclusiva» que apenas sirva para provocar um desajustamento entre a decisão final e a justiça material do caso... a patologia da sentença neste segmento apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como «matéria de facto provada» pura e inequívoca matéria de direito…” (23). Perante esta divergência no STJ, afigura-se-nos relevante o “caminho” indicado pelo Ac. da RG de 11/11/2021 (24): “Não obstante subscrevermos uma maior liberdade introduzida pelo legislador no novo (atual) Código de Processo Civil, entendemos que não constituem factos a considerar provados na sentença nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil os que contenham apenas formulações absolutamente genéricas e conclusivas, não devendo também constituir «factos provados» para esse efeito as afirmações que «numa pura petição de princípio assimile a causa de pedir e o pedido»… De facto, se a opção legislativa tem subjacente a possibilidade de com maior maleabilidade se fazer o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que agora ambos (decisão da matéria de facto e da matéria de direito) se agregam no mesmo momento, a elaboração da sentença, tal não pode significar que seja admissível a «assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto»…” (os sublinhados são nossos). Prosseguindo este “caminho” (e sabendo-se que a linha divisória entre a matéria de facto e a matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta), afigura-se-nos que os factos conclusivos não devem relevar (não podem integrar a matéria de facto) quando, porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem ou dificultam de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor (25) e que é de acolher o ensinamento do Ac. da RP de 07/12/2018 (26): “Acaso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Se, pelo contrário, o objeto da ação não girar em redor da resposta exata que se dê às afirmações feitas pela parte, as expressões utilizadas, sejam elas de significado jurídico, valorativas ou conclusivas, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção dos meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efetua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais” (o sublinhado é nosso) (27). Frise-se que a questão de saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, porquanto a sua apreciação não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse facto enquanto realidade da vida ou sobre o acerto ou desacerto da decisão que o teve por provado ou não provado (28), e, por via disso, quando o recurso tem por objecto saber se um determinado facto julgado provado pelo tribunal contém ou não matéria conclusiva, ao abrigo dos seus poderes decisórios previstos no art.º 662º do C.P.Civil de 2013, pode o Tribunal de Recurso, caso conclua afirmativamente, eliminá-lo do elenco dos factos provados (29): como se refere no Ac. da RG de 30/09/2021 (30), “Daí que a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º2, al. c), do CPC”. Consideremos igualmente o ensinamento do Professor Miguel Teixeira de Sousa, no Blog IPPC de 30.1.2024, no qual comenta o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/7/2023: “Isto demonstra que, sem recorrer aos "factos conclusivos", nunca se conseguirá preencher a previsão de uma regra jurídica. Por exemplo: para aplicar a regra que consta do art.º 483.º, n.º 1, CC será indispensável recorrer ao "facto conclusivo" de que o lesante actuou com negligência; sem esse "facto conclusivo" -- isto é, sem se concluir, em função dos factos provados, que o lesante actuou com negligência -- nunca se poderá aplicar aquela regra. 5. Por fim, cabe referir que a figura dos "factos conclusivos" foi construída (com ou se razão, isso não interessa agora apurar) quando no processo civil português havia uma estrita separação entre a decisão da matéria de facto pelo tribunal colectivo e a decisão da causa pelo juiz do processo. Terminada esta separação e decidindo o juiz da causa numa única sentença tanto a matéria de facto, como a matéria de direito, é absolutamente irrelevante se esse juiz se pronuncia sobre o preenchimento da previsão de uma regra jurídica umas linhas "abaixo" ou "acima". A verdade é que, em algum momento da sentença, o juiz tem de verificar se os factos provados são subsumíveis à previsão de uma regra jurídica. Excluir da realidade processual os "factos conclusivos" é contrariar a solução que, de forma adequada, foi finalmente consagrada no regime processual civil português: a de que não há uma estrita separação entre a matéria de facto e a matéria de direito. Afinal, qualquer facto provado em processo só tem relevância se for um facto jurídico, ou seja, um facto que o acórdão qualifica como "facto conclusivo". Em direito, não há senão factos jurídicos, pelo que de duas, uma: -- Do facto que é provado em processo não se pode inferir nenhum facto jurídico, porque esse facto não é subsumível à previsão de nenhuma regra jurídica; esse facto é um facto juridicamente irrelevante e não justifica a aplicação de nenhuma regra jurídica; -- Do facto que é provado em processo pode inferir-se um facto jurídico, ou seja, um facto que é subsumível à previsão de uma regra jurídica; o tribunal pode aplicar esta regra, isto é, pode aplicar ao caso concreto a estatuição dessa regra. 6. Em suma: em vez de serem combatidos, os "factos conclusivos" devem ser vistos como algo inerente ao carácter inferencial da prova e ao preenchimento das previsões das regras jurídicas; a única coisa que se impõe fazer é substituir a equivocada expressão "factos conclusivos" pela correcta expressão "factos jurídicos". Finalmente consideremos os ensinamentos do recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.2.2024 no processo 13609/21.0T8LSB.L1.S1, em cujo sumário se lê: “II - O STJ pode controlar, por se tratar de questão de direito, o uso feito pela Relação da expurgação de alegados conceitos de direito ou que assumam alegada feição conclusiva ou valorativa, da matéria de facto, isto é, a expurgação (ou não), dos neste sentido designados “factos conclusivos”. III - Embora constitua, obviamente, uma criação do espírito humano, de conteúdo concreto variável e, muitas vezes, sujeita a dúvidas, a distinção entre matéria de facto e matéria de direito é um elemento estruturante do processo civil. IV - Na enunciação da matéria de facto provada (e não provada), deve o tribunal eximir-se a afirmações que constituam, afinal, proposições de índole essencialmente jurídica, no sentido de que apontam para a solução do litígio, ou para a solução de questão essencial para a resolução do litígio, em termos que, solucionando o pleito, o façam deixando ocultos os aspetos da vida real que justificam esse desfecho, isto é, que justificam o juízo de aplicabilidade ou de inaplicabilidade da norma jurídica que acolhe, ou não, a pretensão formulada em juízo”. Aderindo a esta não estrita compartição entre as duas realidades que eram clarissimamente separadas no domínio da legislação antiga, e mantendo como limite precisamente o que sejam “proposições de índole essencialmente jurídica, no sentido de que apontam para a solução do litígio, ou para a solução de questão essencial para a resolução do litígio, em termos que, solucionando o pleito, o façam deixando ocultos os aspetos da vida real que justificam esse desfecho”, consideremos então “forte depressão e angústia” e “projectos profissionais”, para dizer que eles não se resolvem, por si, automaticamente, sem mais passo de interpretação, sem mais passo de conclusão, em dano, conceito jurídico que é questão essencial e litigiosa no processo – saber se o autor sofreu dano. É que, em face do disposto no artigo 496º do Código Civil, não é todo e qualquer dano não patrimonial que merece a tutela do Direito. Daqui decorre que um entendimento vulgar do que seja um estado de depressão e angústia não se confunde – e a prova de resto não é legalmente restringida – com um estado clínico de patologia mental, e nem mesmo “forte”, a depressão ou a angústia ser forte, se resolve num dano que mereça essa tutela, na exacta medida em que precisa de ser contextualizado nas várias circunstâncias do caso concreto, seja, desde logo, a sua duração e sua valorização objectiva e não estritamente subjectiva. Já quanto a projectos profissionais, nenhuma dúvida há que se trata de um facto – alguém tem projectos profissionais – ainda que seja uma inferência dos concretos projectos que tal pessoa afirma ter ou possa ter, inferência que no caso está dispensada pois que no contexto do facto provado 48, todo e qualquer projecto profissional se encontra abrangido sob a ameaça de penhora que inviabiliza a aquisição de património próprio, que pende sobre a aquisição de rendimentos de trabalho assalariado, que inviabiliza – justamente porque inviabiliza previamente a aquisição de rendimento e portanto o crédito bancário – a contração de financiamento para projecto empresarial autónomo, e que finalmente pende sobre os proveitos de uma qualquer actividade desenvolvida em execução de um projecto profissional. É isto mesmo, esta potencial inviabilização de todo e qualquer projecto que resulta ter sido considerada pelo tribunal de primeira instância, considerando a parte final da sua motivação “Factos 47. a 49.: O Tribunal ponderou as declarações do A. e da sua mãe, à luz da demais matéria de facto provada, da qual decorre que se mantêm pendentes as execuções fiscais, pelo que se o A. angariar bens e se esta circunstância chegar ao conhecimento do credor, estes bens serão necessariamente afetos ao pagamento das dívidas”. Aliás, quanto a projectos profissionais, a questão até é bastante simples, mesmo em termos de facto. É que não foi impugnada a decisão de considerar provado o facto 44 (“O A., até ao momento, não pagou quaisquer quantias no âmbito dos processos de execução fiscal da responsabilidade da Z objeto da decisão da reclamação graciosa e da sentença da impugnação judicial, processos esses que estão suspensos “para falhas” nos órgãos e serviços da Autoridade Tributária, a aguardar eventuais bens penhoráveis, que inexistem”) que justamente elucida o perigo de penhora se sobrevier a aquisição de bem ou rendimento. Desta mesma não impugnação resulta ser irrelevante o argumento, usado quanto ao facto provado 49, de que não foram juntos aos autos os processos instrutores, nos quais se verificasse a ordem ou estado de penhora. Deste modo, não eliminamos por conclusivos os referidos “forte depressão e angústia” e “projectos profissionais”. Ouvida a prova por declarações do recorrido e o depoimento de sua mãe, resultou manifesto que o recorrido sentiu e se comportou como tendo a sua vida patrimonial e profissional parada, não pertencendo a este lugar decisório considerar circunstâncias ou razões que desvalorizam ou não aceitam esse tipo de reacção. Aqui cuidamos apenas de factos. Por outro lado, os depoimentos da tia materna e da ex-companheira foram claros a identificar a “afectação psicológica”, sendo particularmente relevante a afirmação final da ex-companheira sobre ela mesma chegar a casa cansada do trabalho e ser recebida com sete pedras na mão, o que confirma a agressividade que a tia materna também referiu, reportando-a até ao relacionamento do recorrido com a mãe, ou seja, o recorrido ficou instável, aborrecido com tudo e todos e com a vida. Por outro lado, nada nos permite desconsiderar as próprias declarações do recorrido sobre sentir-se injustiçado (e os restantes factos provados e não impugnados permitem perceber a existência de uma probabilidade do recorrido ser mesmo alheio à situação original de nomeação como representante da empresa cujas dívidas foram revertidas contra ele) e sentir que é difícil conseguir livrar-se da situação. Este sentimento parece-nos básico relativamente a um leigo em direito e em fiscalidade. Daqui, é plausível uma fonte de angústia. Os comportamentos assumidos pelo recorrido – a agressividade para com os outros, a instabilidade – revelam duma depressão em sentido normal, não propriamente em sentido clínico porque não temos elementos para tanto, nem foram alegados sequer, mas em termos de normalidade, com o sentido de que quem está com ânimo normal não anda aborrecido com tudo e com todos. Assim, mantemos a resposta provada ao facto 47. Quanto ao facto provado 48, a prova não nos permite estabelecer a sua primeira parte, ou seja, “48. (…) frustrou os projetos profissionais do A.”, porquanto nesta parte era necessário que o Autor ou as suas testemunhas, ou por prova documental, tivessem sido explicados quais eram esses projectos profissionais, e ter projectos profissionais não se confunde com ter autonomia para ter e desenvolver projectos profissionais. Para mais, a única ocupação rentável que o recorrido descreveu nas suas declarações foi a pequena “loja” de lavagem de carros - tendo ainda dito que que foi o que conseguiu fazer porque não conseguia arranjar emprego (o que em nada revelou estar relacionado com a conduta da recorrente ou com a situação fiscal e de segurança social) – ocupação profissional rentável que continuava a desenvolver embora em nome de sua mãe. A parte restante do facto 48 “(…) impedindo-o de poder recorrer a financiamento bancário para adquirir casa, automóvel ou financiamento de um projeto empresarial (95º p.i.), está ligada com o facto provado 44 e com o facto provado 49 e com a reacção que o recorrido tem relativamente a essa situação. Se por um lado é verosímil, visto que o facto se refere exclusivamente ao financiamento, não sendo concebível, aos dias de hoje (que não são aqueles em que as instituições bancárias eram menos cuidadosas a precaverem garantias) que quem não tem nada de seu, não desenvolve em seu nome qualquer actividade profissional, e quem não aufere em seu nome qualquer rendimento, possa ser acolhido por uma instituição bancária como candidato idóneo a financiamento, por outro é evidente que há limites à penhora dos rendimentos do trabalho. Donde, depende do montante do empréstimo relacionado ao montante não penhorado dum salário, perceber em rigor se há impedimento. Ou dito pelo modo como o próprio Autor o alegou na petição inicial – “o valor tão elevado da dívida” – produz este resultado, quer dizer, é porque a penhora se apresenta sempre iminente para cobrança de uma dívida de grande valor, que qualquer actividade que o Autor desenvolvesse seria consumida em grande maquia, e o deixaria ser qualquer credibilidade como garante das suas próprias dívidas a instituição bancária. Não se tendo provado o valor da dívida que foi alegado pelo Autor - (facto não provado “b) O total das dívidas fiscais da sociedade comercial Z revertidas contra o A. e referidas nas execuções fiscais aludidas perfazem a quantia de € 96.228,24 (14º p.i.)”.” - somando-se as dívidas nos processos alvo das reclamações graciosas e da impugnação judicial das deliberações tomadas em tais processos, que não chega a quatro mil euros, não fica garantido por um mínimo de probabilidade razoável que a pendência da iminência de penhoras tornasse impossível o financiamento bancário. Donde, alteramos a resposta ao facto provado 48 para não provado. Quanto ao facto provado 49. “O A. perdeu as possibilidades de construir um património próprio sendo que qualquer bem ou rendimento que aufira em seu nome é imediatamente penhorado pela Fazenda Nacional para pagamento das dívidas fiscais, juros, coimas e outros encargos (98º p.i.)” e em função, como já havíamos considerado, da não impugnação do facto provado 44º, que assegura que os processos estão suspensos a aguardar a sobrevinda de bens penhoráveis, considerando o qualificativo “próprio” usado para “património” na primeira parte do facto 49, que significa “património em seu nome”, e “construir” a significar “por sua própria acção”, voltamos a não ter demonstrado, justamente pelos limites à penhora de salários, e justamente por o Autor não ter provado o valor tão elevado da dívida, que situou nos noventa mil euros, uma probabilidade razoável de assim ser, isto é, de se poder afirmar que o Autor perdeu as possibilidades de construir um património próprio. Para a segunda parte do facto provado 49 – penhorabilidade – basta o que já está provado no facto 44. Donde, alteramos também a resposta de provado, ao facto 49, para não provado. * 2ª questão: - da improcedência da acção quanto a danos não patrimoniais. Concluída a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, e restando-nos, pois, como facto relativo ao dano não patrimonial o facto 47 - “Esta situação causou e causa uma forte depressão e angústia no A. (93º p.i.). – vejamos se podemos secundar a fundamentação jurídica da sentença nesta parte. Nela se considerou, e citamos: “C) Danos Não Patrimoniais 1. Já foi questionado se pela violação do contrato há lugar a indemnização por danos não patrimoniais, questão esta que tem vindo a merecer resposta positiva na jurisprudência, como se sublinha no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.01.2012 (Processo nº 540/2001.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/): “I - A aplicação analógica à responsabilidade contratual do princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, expresso no capítulo da responsabilidade extracontratual, há-de justificar-se pela necessidade de proteger de forma igual os contraentes que forem vítimas da inexecução contratual, igualmente, carecidos de tutela quando as consequências resultantes dessa inexecução assumirem gravidade bastante. II - Neste sentido deve ser feita a leitura dos arts. 798.º e 804.º, n.º 1, do CC, que, ao aludirem à reparação do prejuízo e à ressarcibilidade dos danos causados ao credor, não fazem qualquer distinção entre uma e outra categoria de danos ou a restringem aos danos patrimoniais. III - O dano que releva, segundo o art.º 496.º do CC, é aquele que, pela sua gravidade, merece a tutela do direito e o montante ressarcitório que lhe há-de corresponder deve ser encontrado por recurso a critérios de equidade. IV - Como se escreveu em acórdão deste tribunal dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania que ultrapassa as fronteiras da banalidade”, um dano que, segundo as regras da experiência e do bom senso, “se torna inexigível em termos de resignação”.” 2. a) São pressupostos da responsabilidade civil contratual a inexecução ilícita e culposa da obrigação, a existência de um prejuízo reparável e o nexo de causalidade adequada entre o último e a primeira (arts. 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1, 566.º, 798.º, 799.º e 808.º, n.º 1 do CC). b) No caso em apreço decorre da matéria de facto provada que por causa da inadequada atuação da 1ª R., o A. não logrou afastar a sua responsabilidade pelas dívidas da sociedade Z, pelo que continua sujeito à possibilidade de penhora de bens, até que seja declarada a prescrição das obrigações tributárias e o consequente arquivamento das correspondentes execuções fiscais. Trata-se de uma situação que tem constituído uma limitação séria à vida pessoal e profissional do A., que lhe causa sofrimento. Não obstante, o A. encontra-se nesta situação também por força da sua própria negligência, na medida em que não colaborou no inquérito que foi instaurado com vista à apreciação da falsidade da ata da sua nomeação como gerente, o que teria permitido cancelar a respetiva inscrição no registo comercial, com efeitos ex tunc, isto é, sem que o A. pudesse ser, em algum momento, considerado responsável pelas dívidas da sociedade Z. Aliás, o A. tinha conhecimento deste problema desde 2011, pelo que lhe é imputável a falta de diligência na resolução do mesmo, o que acabou por redundar no forte agravamento consubstanciado nas reversões das dívidas fiscais da sociedade. Acresce que apesar do sofrimento suportado pelo A., esta situação não é definitiva, porquanto por força da prescrição é previsível que as execuções fiscais venham a ser extintas sem que o A. pague qualquer dívida da sociedade Z e mais é previsível que seja breve a resolução da situação, considerado o lapso de tempo já decorrido desde a reversão. É, deste modo, pertinente a invocação, pela 1ª R., da culpa do lesado (art.º 570.º do CC). Não julgamos, porém, que esta culpa isente a 1ª R. de responsabilidade, porquanto constitui uma contingência normal da atividade de um advogado que o cliente não adote as melhores práticas em matéria de prudência e diligência, situação com a qual o advogado terá de lidar da melhor forma que lhe for tecnicamente possível, se decidir aceitar o patrocínio. Assim, sendo viável a defesa do A. através da dedução de oposição à execução fiscal, deve concluir-se que a atuação da 1ª R. foi causal do sofrimento do A., ao não adotar o meio processual próprio para a defesa dos interesses deste. Nem se vislumbra que o A. atue em abuso de direito, na medida em que esta situação encontrou um desfecho apenas na segunda metade do ano de 2018 e a presente ação deu entrada no primeiro semestre de 2020. Deve, então, estimar-se a indemnização correspondente à inobservância dos deveres da 1ª R. para com o A., julgando-se adequado o valor de €4.000,00, à luz da equidade, por ponderação de todos os factos aqui evidenciados”. (fim de citação). * A recorrente, em matéria de direito, e contra a sentença, invocou: - o A. Recorrido, desde os autos NUIPC … – portanto, desde 2009, ou seja, 6 anos antes do patrocínio da Recorrente – que sabia da situação da alegada falsidade da ata e da sua designação como gerente de facto e de direito da Z, sendo que desde então, mesmo sabendo das consequências dessa situação, remeteu-se ao silêncio e à inatividade, não renunciando sequer à gerência da sociedade em causa (Ponto 43 dos Factos Provados), admitindo todas as consequências daí advenientes por culpa exclusivamente sua (art.º 570º do C. Civil) – Sibit Imputat! - O valor dos processos tributários e das dívidas exequendas mandatadas e patrocinadas pela Ré Recorrente foi de € 3.998,59 (supra nºs 1 a 3), pelo que as alegadas consequências resultantes a título de danos morais consideradas pelo Tribunal a quo são absolutamente inadmissíveis e injustificadas, devendo ser consideradas totalmente desconsideradas, não podendo minimamente ser imputadas à Recorrente. - cfr. texto nºs 4 a 7. 10.ª Os montantes indemnizatórios arbitrados a titulo de danos não patrimoniais não foram fixados equitativamente pelo julgador, tendo em atenção, o grau de culpabilidade do lesante, circunstâncias do caso, sãos juízos de equidade e jurisprudência orientadora que devem presidir à sua determinação, sem esquecer a dupla vertente compensatória e indemnizatória, pelo que se afiguram manifestamente ilegais, injustos e excessivos (v. arts. 496º/1 do C. Civil; cfr. art.º 494º do C. Civil).- cfr. texto nºs 4 a 6. A recorrente não identificou no seu recurso nenhuma decisão que tivesse fixado para casos semelhantes valores substancialmente inferiores. O primeiro argumento acima referido já tinha sido considerado na sentença recorrida, não havendo por aí nenhum caminho a fazer, a culpa do lesado já foi considerada. Eliminados os factos 48 e 49, temos que a situação, que a sentença bem resume como “o A. não logrou afastar a sua responsabilidade pelas dívidas da sociedade Z, pelo que continua sujeito à possibilidade de penhora de bens, até que seja declarada a prescrição das obrigações tributárias e o consequente arquivamento das correspondentes execuções fiscais” causou e causa profunda depressão e angústia ao Autor. Com o devido respeito, não está em causa no recurso a causalidade nem a responsabilidade da recorrente. Assim, a discussão centra-se apenas sobre o dano, neste caso não patrimonial, e em concreto sobre a afectação psicológica constante do facto provado 47. O afastamento dos factos 48 e 49 não implica a inexistência de dano (implica dano menor, claro), aceitando-se que, quando se entregou a questão da “não” responsabilidade própria pelas dívidas alheias a um profissional com competência para adoptar os procedimentos adequados, isto não ter acontecido, é uma frustração e um empate, que justificam objectivamente – isto é, do ponto de vista dum lesado “médio” e não apenas do ponto de vista subjectivo, de alguém com uma sensibilidade extrema – a depressão e angústia. Já a não prova dos factos 48 e 49, faz com que a forte depressão que o autor comprovadamente sentiu e sente seja menos justificável do ponto de vista objectivo. A pergunta é: - qualquer pessoa reagiria como o Autor reagiu? E a resposta é “depende”, depende naturalmente do volume da dívida alheia que é injustamente exigida, depende da (prova da) sensibilidade concreta que coincide com a sensibilidade abstracta inerente ao valor da autonomia incidente na vida patrimonial e profissional do lesado. Queremos com isto dizer que, se reconhecemos em abstracto que é valioso, que é inerente à personalidade, que é um direito de personalidade cada pessoa poder ter e gerir com autonomia a sua vida patrimonial, também sabemos que em concreto para muitas pessoas esta autonomia não se apresenta como relevante nem condicionante: - é o que sucede com os casais em que um dos membros trabalha fora de casa e o outro faz trabalho doméstico, é o que sucede com os filhos maiores que preferem continuar a viver em casa dos pai e à conta destes. Deve ainda considerar-se que o direito de personalidade à autonomia patrimonial não se confunde com o direito ao emprego, nem com o direito ao trabalho ou à escolha de profissão, nem se encontra constitucionalmente exigido, como valor cultural, o desenvolvimento de actividade lucrativa. O desenvolvimento pleno da personalidade não passa necessariamente por desenvolver uma actividade que produza rendimento, e menos ainda, de modo necessário, pelo desenvolvimento autónomo duma actividade deste tipo. Entendemos pelo exposto que não tem acolhimento enquanto dano não patrimonial tutelado pela ordem jurídica, a forte depressão originada na situação de manutenção de responsabilidade formal por dívidas alheias por uso de meio jurídico inadequado por parte de advogado, se não estiver assistida no processo por outros factos provados que a justifiquem objectivamente. Ficamos assim apenas com depressão e angústia, e quanto a “causou e causa”, verdade seja que a sentença recorrida bem anotou que a situação é temporária – é, visto que o autor se recusa a assumir a dívida alheia e se defende não tendo quaisquer bens ou rendimentos em seu nome, nenhuns bens existindo para penhorar – pois as dívidas prescrevem, e o prazo no que toca às dívidas provenientes de IVA, nem é longo (“sublinhe-se que as execuções fiscais não ficam pendentes sem limite temporal, pois está legalmente previsto um prazo de prescrição de 8 anos, contados a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, com respeito às dívidas de IVA (art.º 48.º, n.º 1 da LGT). Ou seja, ressalvada a ocorrência de factos suspensivos ou interruptivos da prescrição, esta já se terá completado, no caso em apreço, o que determina o arquivamento das execuções fiscais”[7]. Quer isto dizer que “causa” tem menor chancela objectiva de justificação. Ainda que assim não se entenda, temos então depressão e angústia, causadas pela conduta da recorrente, que são relevantes como dano não patrimonial, na medida em que a sua duração lhes confere gravidade suficiente para efeitos do artigo 496º do Código Civil. Que valor atribuir, equitativamente, como indemnização? Conhecido que o dano em causa não se compensa “in natura”, trata-se de encontrar um valor que possa proporcionar um efeito psicológico positivo obtido a partir dum sucedâneo. Conhecido é também que a indemnização por danos não patrimoniais visa de algum modo sancionar, repressiva mas também preventivamente, o comportamento do lesante, para que se convença da necessidade de não o repetir. Quer na incidência de compensação quer na incidência sancionatória se aponta para uma função simbólica, simbolismo que, medido em valor monetário, não deixa de estar preso à evolução económica ou mais prosaicamente, ao valor do dinheiro na data presente. Considerando outrossim que a consideração da culpa do lesado já tinha sido feita em primeira instância para efeito da fixação do valor da condenação, a consideração da não prova do valor das dívidas cuja responsabilidade seria imputável ao lesado e bem assim considerando um menor grau de dano, conforme expusemos, a equidade obriga-nos a baixar o valor da indemnização, o que fazemos em mil euros, para não se banalizar a vertente sancionatória. Procede assim o recurso parcialmente o recurso, fixando-se o valor da indemnização por danos não patrimoniais em três mil euros, sendo o termo inicial da contagem de juros o do trânsito em julgado do presente acórdão. Tendo a recorrente e o recorrido decaído, as custas são da responsabilidade de ambas, fixando-se a percentagem em 25% para o recorrido e 75% para a recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. * V. Decisão Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao recurso e em consequência revogam a sentença recorrida na parte em que fixou o valor da indemnização por danos não patrimoniais em quatro mil euros, com juros a contar da data da sentença, que nessa parte se substitui pelo presente acórdão que fixa a indemnização por danos não patrimoniais em que são condenados solidariamente a pagar ao Autor a Ré M… e a Ré Y, em €3.000,00 (três mil euros) acrescida de juros de mora à taxa legal contados da data do trânsito do presente acórdão. Custas pela recorrente e pelo recorrido, na percentagem de 75% para a recorrente e 25% para o recorrido. Registe e notifique. Lisboa, 12 de Setembro de 2024 Eduardo Petersen Silva António Santos João Manuel P. Cordeiro Brasão _______________________________________________________ [1] Beneficia do relatório da sentença recorrida. [2] Trata-se certamente de lapso, devendo ler-se “passivo”. [3] Irrelevante para o presente recurso. [4] Irrelevante para efeitos de publicação. [5] O caso não é abrangido pela doutrina do recente Ac. de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 12/2023 – DR. I série nº 220/2023 de 14.11.2023. [6] Para o Autor, a “divida tão elevada” cifrava-se, conforme facto não provado, “b) O total das dívidas fiscais da sociedade comercial Z revertidas contra o A. e referidas nas execuções fiscais aludidas perfazem a quantia de € 96.228,24 (14º p.i.)”. [7] Cfr. transcrição supra da sentença. |