Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | PAULO FERNANDES DA SILVA | ||
Descritores: | RECURSO APELAÇÃO AUTÓNOMA REJEIÇÃO MEIO DE PROVA ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ACOMPANHAMENTO DE MAIOR ACOMPANHANTE | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil): I.–Como apelação autónoma, nos termos do artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPCivil, a «rejeição» de «meio de prova» reporta-se a situações em que o elemento probatório indicado pela parte não foi judicialmente aceite pelo Tribunal em razão de motivos de ordem meramente formal, não por motivos de natureza substancial. II.–No processo de acompanhamento de maiores, a inquirição de testemunhas arroladas pelas partes pressupõe a sua pertinência e necessidade à boa decisão do mérito da causa: tal inquirição deve respeitar a facto relevante ao desfecho dos autos e ser suscetível de conferir novos elementos à prova em causa. III.–Sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna. IV.–No processo de acompanhamento de maiores, a nomeação judicial do acompanhante deve ter em conta o interesse do beneficiário, devendo nomear-se como tal quem melhor garanta os respetivos interesses. V.–Podem ser nomeados diversos acompanhantes desde que os mesmos exerçam funções diversas, nada obstando, ainda, que possam ser igualmente nomeados vários acompanhantes para o exercício das mesmas funções desde que tal seja realizado por modo alternado no tempo e salvaguarde «o interesse imperioso do beneficiário» que constitui a pedra angular do regime jurídico do acompanhamento de maiores. VI.–No processo de acompanhamento de maiores, a nomeação de acompanhante substituto e a constituição de um conselho de família constituem faculdades do Tribunal a ponderar em cada situação concreta. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO. Neste processo especial de acompanhamento de maiores, o Requerente, A…, pediu que - seja «decretado, a final, o acompanhamento por razões de saúde de F …, com as legais consequências, designadamente, a aplicação da medida de representação geral, com administração total de bens, nos termos do art. 145.º, n.º 2, al.s b) e c), do Código Civil, fixando-se a sua residência e domicílio com o Requerente, e com limitação nos termos do art. 147.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, do exercício pelo Beneficiário de direitos pessoais e da celebração de negócios da vida corrente, sem prejuízo de, após exame pericial, se apurar que o estado de saúde do Beneficiário permite o exercício de tais direitos pelo mesmo»; -O Requerente seja nomeado para exercer as funções de acompanhante; -Dispensada a constituição do Conselho de Família. Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que o Beneficiário tem 19 anos, é seu filho, vive com o Requerente desde 26.12.2021, sofre de perturbação do espectro do autismo e carece de acompanhamento em todas as atividades diárias, sendo que juntamente com o Requerente e o Beneficiário vive a irmã deste, E…, de 16 anos, havendo entre ambos uma relação de muita cumplicidade, confiança e entreajuda. Referiu também que a mãe do Beneficiário, B…, sofre de perturbação maníaco-depressiva bipolar e personalidade patológica, o que incrementa a ansiedade e agitação emocional no Beneficiário, tendo cedo desinvestido na integração do mesmo, não o levando às sessões de fisioterapia, terapia da fala, psicologia, psicomotricidade, fisioterapia, por as entender desnecessárias. O Requerente juntou diversos documentos e arrolou testemunhas. Ordenada a citação do Beneficiário, constatou o Senhor Oficial de Justiça a impossibilidade de citação do mesmo, em razão das suas limitações cognitivas. O Ministério Público foi citado, assim como a mãe do Beneficiário, B…, doravante designada por Requerida, a qual apresentou contestação. Alegou, em suma, que o Beneficiário encontra-se a residir com o pai, sem a sua autorização e contra a sua vontade, não permitindo o Requerente que o Beneficiário veja ou fale com a mãe ou a com a família materna desde 26.12.2021. Referiu também que não padece de qualquer perturbação maníaco-depressiva bipolar e o Requerente exagera quanto às condições de saúde do Beneficiário, sendo que o Requerente tem impedido o contacto entre o Beneficiário e a sua família materna, designadamente a Requerida, os avós maternos do Beneficiário e o tio materno deste. Concluiu pedindo que seja decretado o regime de maior acompanhado, nomeando-se como acompanhantes ambos os progenitores. Arrolou diversas testemunhas e juntou documentos. Procedeu-se à audição do Beneficiário e o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses procedeu a perícia médico-legal ao Beneficiário, tendo elaborado o respetivo relatório no qual concluiu que: «Admite-se o diagnóstico, como codificado pela International Classification of Diseases and Related Health Problems, Tenth Revision (ICD-10) de: F84.0, Perturbação Global do Desenvolvimento (Autismo). Apesar de se considerar que as capacidades cognitivas do examinando neste exame foram interferidas negativamente pelo contexto, pelo desconforto social associado e múltiplos intervenientes presentes, não deixa de ser verdade que o ambiente real onde as suas capacidades cognitivas são necessárias nem sempre será controlado ou adequado às suas limitações; assim, em termos práticos, considera-se que não é capaz de tomar decisões quanto à gestão da sua pessoa e bens. Tendo-se em consideração as alterações introduzidas com a Lei 49/2018 de 14 de Agosto, o examinando apresenta condicionalismos clínicos para que seja aplicado o estatuto de maior acompanhado» O Juízo Local Cível da Moita procedeu à audição do Requerente e da Requerida em 13.09 e 28.09.2023, respetivamente, sendo que nesta última data proferiu o seguinte «DESPACHO “Face à prova já produzida nos autos, abra-se vista ao Ministério Público e notifique-se o Requerente e a mãe do Requerido, na pessoa das suas Ilustres Mandatárias, para se pronunciarem sobre a necessidade e pertinência de realização de outras diligências instrutórias.” Notificados daquele despacho, o Ministério Público nada promoveu, o Requerente pronunciou-se sobre a audição da Requerida, juntou diversos documentos e pediu a inquirição de seis testemunhas anteriormente arroladas, ao passo que a Requerida requereu a inquirição de oito testemunhas também anteriormente arroladas. Em 08.11.2023 o Juízo Local Cível da Moita entendeu desnecessária a inquirição de todas as testemunhas arroladas pelas partes e determinou a inquirição de C…, tio paterno do Beneficiário, e D…, tio materno do mesmo, as quais haviam sido arroladas como testemunhas por Requerente e Requerida, respetivamente. Em 06.12.2023 procedeu-se à inquirição daquelas testemunhas, findo o qual o Juízo Local Cível da Moita notificou o Ministério Público, o Requerente e a Requerida para se pronunciarem sobre as medidas de acompanhamento que devam ser aplicadas e quem deve ser nomeado para os cargos de acompanhante, acompanhante substituto e eventuais membros do conselho de família. Notificado naqueles termos, o Requerente indicou a sua pessoa para exercer as funções de acompanhante e pediu que o cargo de acompanhante suplente fosse exercido por C…. Por sua vez, a Requerida pediu que Requerente e Requerida fossem nomeados acompanhantes e que o Conselho de Família fosse constituído por D… e C…, tio materno e tio paterno do Beneficiário, respetivamente. Em 04.01.2024 o Ministério Público promoveu que fosse designada data para inquirição dos tios, materno e paterno, do beneficiário, bem como dos avós. O Tribunal determinou a junção aos autos de certidão de diversos elementos constantes do processo n.º …/… e respetivos apensos, processos de regulação das responsabilidades parentais e de alteração das mesmas relativamente ao Beneficiário e sua irmã, E …. Em 20.02.2024 o Juízo Local Cível da Moita proferiu sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor: «a)-Determina-se o acompanhamento [de] F… na modalidade de representação geral; b)-Determina-se a limitação de todos os direitos pessoais e de negócios da vida corrente, com excepção de escolher profissão (a título de formação e estímulo cognitivo, com actividade em meio protegido) e de celebrar negócios de vida corrente, como despesas e disposições de bens de pequena importância (com vista a treinar a sua autonomia), com um limite que se fixa em €5,00 (cinco euros); c)-Fixa-se como data a partir da qual a medida mostra-se conveniente – 14/07/2003; d)-Como acompanhante do Requerido nomeia-se A…; e)-Como acompanhante substituto, nomeia-se C…; f)-Para formação do Conselho de Família nomeiam-se B…, José e C…; g)-Deixa-se consignado o desconhecimento da existência de testamento vital e de procuração para cuidados de saúde; h)-Determina-se a revisão periódica da medida de acompanhamento de 5 em 5 anos». Inconformada com tal decisão, dela recorreu a Requerida, apresentando as seguintes conclusões: «A.–Vem a Recorrente interpor recurso de apelação da douta sentença de fls., que atribuiu ao Recorrido, em exclusividade, as funções de acompanhante do beneficiário, atribuiu ao tio paterno do Requerido – C… –o cargo de acompanhante substituto e para formação do Conselho de Família nomeou a mãe do beneficiário – B…. – e o seu tio paterno – C…. B.–O beneficiário tem 20 anos, apresenta Perturbação Global do Desenvolvimento (autismo) e necessita do apoio de terceiros para todos os atos da sua vida. C.–Desde o dia 25/12/2021 o Recorrido, sem ter até à data apresentado qualquer justificação para esse comportamento, impediu o beneficiário de ter qualquer contato com a família materna. C.–Veio então o Recorrido, pai do beneficiário, requerer a aplicação do regime do maior acompanhado e a sua nomeação como único acompanhante. D.–Foram ouvidos, para além do beneficiário (audição obrigatória nos termos da lei), Recorrido e Recorrente e mais duas testemunhas. E.–Apesar de mais testemunhas terem sido arroladas, nomeadamente os avós maternos do beneficiário, presença constante na sua vida Recorrente, até ao dia 25/12/2021 e da sua audição ter sido promovida pelo Ministério Público, decidiu o tribunal a quo pela sua não inquirição. F.–Considera a Recorrente que estes testemunhos seriam fundamentais e de extrema importância para aferir da situação real e das necessidades reais do beneficiário. G.–Mal andou o Tribunal a quo não só ao impedir a produção de prova pertinente como também ao interpretar de forma errada, incompleta e omissa, a prova produzida. H.–Aliás, uma leitura superficial dos factos provados é suficiente para perceber que se limitam à prova pericial e documental, ignorando quase por completo os testemunhos prestados em tribunal. K.–Como se confirma pela pobre, para não dizer inexistente, fundamentação da decisão tomada. L.–Não se retira da prova feita nem dos testemunhos prestados que o pai é mais idóneo que a mãe ou mais adequado como acompanhante. M.–Sendo a fundamentação da decisão incompreensível. N.–À incorreta e incompleta fundamentação da matéria de facto provada e não provada acresce a incorreta aplicação da lei. O.–Nada no regime do maior acompanhado impede a nomeação de vários acompanhantes desde que com atribuição específica de funções ou em rotatividade. P.–Nada disso foi feito, preferindo o tribunal eliminar a presença da Recorrente na vida do seu filho. Q.–A decisão proferida pelo Tribunal a quo, deverá ser anulada nos termos previstos no art. 662 nº 2 al. c) e d). R.–Deverá ser a decisão de que ora se recorre ser alterada e dado provimento ao pedido da Recorrente de nomeação de dois acompanhantes, em regime de rotatividade ou com atribuição de diferentes funções. Nestes termos e nos melhores de Direito, deverão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, considerar o presente recurso totalmente procedente e a douta sentença do Tribunal a quo alterada nos termos supra aduzidos, iluminando o caminho para a realização da JUSTIÇA, como é de Direito!». Notificados do recurso interposto, o Requerente e o Ministério Público contra-alegaram, concluindo no sentido da manutenção da decisão recorrida, sendo que o Requerente sustentou a rejeição do recurso no que respeita ao indeferimento da prova testemunhal, por intempestivo, e quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, por incumpridos os respetivos ónus de impugnação, conforme conclusões c), d), i) e j) das respetivas contra-alegações. Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar e decidir. * Relativamente à suscitada questão da rejeição do recurso relativamente ao indeferimento da prova testemunhal, por intempestividade do mesmo. Em sede recursória a Requerida insurge-se quanto à circunstância do Tribunal recorrido não ter ouvido testemunhas por si arroladas, ao passo que o Requerente, ora Recorrido, entende que em tal matéria o recurso deve ser rejeitado por ter sido deduzido para além do prazo legalmente concedido para o efeito. Vejamos. O artigo 644.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil elenca taxativamente as decisões imediatamente recorríveis, enquanto, pois, apelações autónomas. Segundo o disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPCivil, no que aqui releva, «cabe recurso de apelação (…) [d]o despacho de admissão ou rejeição de (…) meios de prova». Tal como deixámos consignado no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 15.09.2022, processo n.º 1634/05.2TMLSB-E.L1-2, in www.dgsi.pt, subscrito pelos aqui igualmente subscritores, a «rejeição» de «meio de prova» reporta-se a situações em que o elemento probatório indicado pela parte não foi judicialmente aceite pelo Tribunal em razão de motivos de ordem meramente formal, não por motivos de natureza substancial. Em termos técnico-jurídicos, rejeitar não é o mesmo que indeferir, sendo que neste caso as razões da improcedência da pretensão da parte decorrem de motivação de ordem substancial, ao passo que na rejeição a justificação prende-se exclusivamente com argumentos de ordem estritamente formais. Não sendo caso de apelação autónoma, o recurso da decisão deve ser interposto com a apelação autónoma que veja a ser interposta a final ou, não havendo «recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão», conforme n.ºs 3 e 4 do artigo 644.º do CPCivil. Na esteira dos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 25.05.2016, processo n.º 15/14.1TBMGG-B.G1, e de 17.05.2018, processo n.º 1644/15.1T8CHV.G2, ambos in www.dgsi.pt, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.09.2021, processo n.º 1459/18.5T8VRL-C.G1, in www.dgsi.pt, «(…) para efeitos de subsunção da rejeição de articulado ou meio de prova na al. d), do n.º 2 do art. 644º do CPC, ou seja, para indagar se aquela concreta decisão que não admitiu o articulado ou o meio de prova requerido é ou não passível de apelação autónoma, “importa distinguir a rejeição do articulado da pretensão nele formulada, pois que apenas há rejeição do articulado quando o tribunal, sem analisar a causa – isto é, o conteúdo do articulado sobre a relação material controvertida, ou sobre a relação processual, decide sobre os pressupostos formais da sua admissibilidade”». «Quando o tribunal rejeita o articulado ou o meio de prova, não com fundamento exclusivo na inadmissibilidade dos mesmos por claudicação dos respectivos pressupostos formais para a apresentação desse articulado ou para a apresentação/requerimento do meio de prova, mas com fundamentos substanciais, isto é apreciando o conteúdo desse articulado ou a relevância desse meio de prova sobre a relação material controvertida ou sobre a relação processual, então o caso não se subsume à al. d), do n.º 2 do art. 644º do CPC, pelo que essa decisão, nos termos do n.º 3 do art. 644º do CPC, pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1, onde se insere a sentença final” (…)». Na situação vertente. O Tribunal recorrido desatendeu a inquirição das testemunhas em causa, por despacho de 08.11.2023, nos seguintes termos: «Considerando que já foi realizada perícia ao Requerido e está em causa nos autos tão-só e apenas a escolha do(s) acompanhante(s) e eventuais membros do Conselho de Família, considera-se totalmente desnecessária e desproporcional a inquirição de um total de 14 testemunhas, a qual apenas acarretará uma delonga processual injustificada e um contínuo prolongar do conflito entre os pais do Requerido que já dura há mais de 9 anos (o processo judicial que correu e corre termos do Juízo de Família e Menores do Barreiro data de 2014). Assim, na sequência da prova produzida, consideram-se apenas relevantes (cfr. artigo 897.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) as seguintes inquirições, indeferindo-se as demais requeridas (sem prejuízo de poderem vir a ser ordenadas posteriormente, caso necessárias): a.-C… (tio paterno; m.i. no requerimento inicial); b.-D… (tio materno, m.i. na resposta da mãe do Requerido em 29/05/2023). (…)». (Negrito da autoria dos aqui subscritores). Ou seja, o Tribunal não admitiu a produção da prova testemunhal em causa em função dos elementos probatórios já produzidos e a produzir, considerando-a desnecessária. Procederam, pois, razões de ordem substancial e não formal, pelo que do referido despacho de 08.11.2023 não era possível apelação autónoma, conforme o supra exposto, termos em que mostra-se tempestivo o recurso interposto daquele despacho por deduzido com a decisão final proferida nos autos, atento o disposto no artigo 644.º, n.º 3, do CPCivil. Saber da justeza do referido despacho é questão que cuidaremos mais tarde, pois por ora releva tão-só saber da sua tempestividade e esta configura-se ocorrer, pelo que carece de fundamento a pretendida rejeição do recurso do referido despacho de 08.11.2023. II. OBJETO DO RECURSO. Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação. Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Requerida, aqui Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso a dilucidar, no presente recurso está em causa apreciar e decidir: · Da não inquirição de testemunhas arroladas, · Da impugnação da decisão de facto, · Da falta de fundamentação da matéria provada, · Das pessoas do Acompanhante, Acompanhante substituto e Conselho de Família. Assim. III. DA NÃO INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS ARROLADAS Em causa está ora apreciar da justeza do referido despacho de 08.11.2023 que indeferiu a inquirição de 12 testemunhas, cinco arroladas pelo Requerente, e sete indicadas pela Requerida. Ora, os presentes autos constituem um processo acompanhamento de maiores. Segundo o disposto nos artigos 891.º, n.º 1, e 986.º, n.º 2, do CPCivil, a tal processo aplicam-se, «com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz (…)», pelo que «só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias». A inquirição de testemunhas arroladas depende, pois, da sua pertinência e necessidade à boa decisão do mérito da causa: tal inquirição deve respeitar a facto relevante ao desfecho dos autos e ser suscetível de conferir novos elementos à prova em causa. Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume II, edição de 2020, página 334, em anotação ao artigo 896.º, «[e]m relação às provas que tenham sido propostas, [o juiz] deve avaliar a sua pertinência ou necessidade (…), o que será especialmente pertinente quanto esteja em causa prova testemunhal». No presente caso, a inquirição de mais testemunhas não se afigura nem pertinente, nem necessária. O Tribunal procedeu a um exame pericial do Beneficiário, tendo sido junto aos autos o respetivo relatório. O Tribunal recorrido procedeu à audição do Beneficiário, dos pais deste, Requerente e Requerida, assim como inquiriu como testemunhas um tio paterno e um tio materno do Beneficiário. Ora tanto mostra-se bastante à decisão da causa, não se mostrando, pois, nem pertinente, nem necessária a produção de mais prova testemunhal. Aliás, em 28.09.2023 a Requerida foi instada a pronunciar-se quanto à «necessidade e pertinência de realização de outras diligência instrutórias» e em 16.10.2023 insistiu pelas inquirição das sete testemunhas em causa por terem «conhecimentos diretos (…) de toda a situação familiar», como se o apuramento desta, para além do provado pelo Tribunal recorrido, a partir dos meios probatórios aí produzidos, constituísse objeto dos autos: as causas dos manifestos conflitos das partes e o apuramento das suas responsabilidades nada releva para o desfecho destes autos de acompanhamento de maior, estando nestes em causa tão-só apurar da necessidade e da medida do acompanhamento, bem como da pessoa do acompanhante, acompanhante substituto e eventual constituição do conselho de família. Em suma, bem andou o Tribunal recorrido ao indeferir a pretendida inquirição de mais testemunhas, pelo que nesta sede improcede o recurso. IV. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO. A Recorrente impugna a decisão de facto recorrida por, em suma, a considerar insuficiente. Apreciemos. Segundo o disposto no artigo 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPCivil, «1.–Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a)-Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c)-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2–No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a)-Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes». Ou seja, sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna. Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, páginas 163, 168 e 169, em comentário ao referido artigo 640.º do CPCivil, com a reforma processual-civil de 2013 «foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recurso genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, (…), tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente[1]». «(…) A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações: (…) «a)-Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b)); (…) b)-Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)); (…) c)-Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); (…) d)-Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; (…)» «As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)». No mesmo sentido, Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, edição de 2022, páginas 97 e 98, em anotação ao mesmo artigo 640.º do CPCivil, referem que «[v]ê-se que o recorrente é destinatário de exigentes ónus legais, na medida em que está obrigado a indicar sempre os concretos pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, indicando-os na fundamentação da alegação e sintetizando-os nas conclusões, bem como a identificar os concretos meios de prova, constantes do processo ou que tenham sido registados, que, do seu ponto de vista, impunham decisão diversa da recorrida (cf. art. 662-1). Tem assim o recorrente, sob cominação da rejeição do recurso na parte em que estes ónus não tenham sido observados, de demonstrar o erro na fixação dos factos materiais em causa, resultante da formação de uma convicção assente num erro na apreciação das provas que ao juiz cabe livremente apreciar (art. 607, n.ºs 4 e 5), recorrendo às presunções judiciais concretamente mais adequadas, de acordo com as regras da experiência (…). Tem, por isso, também o recorrente o ónus de indicar ao tribunal “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de factos impugnadas”». «(…) Não ficam por aqui os ónus das partes». «A gravação da produção de prova (…) tem como consequência, de acordo com o n.º 2, que o recorrente (…) tem de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à sua transcrição. Se não o fizer, o recurso é rejeitado (…)». Na matéria, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2024, processo n.º 7146/20.7T8PRT.P1.S1, refere que «a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto apenas deve verificar-se quando falte nas conclusões a referência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, através da referência aos «concretos pontos de facto» que se considerem incorretamente julgados (alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º), sendo de admitir que as restantes exigências (alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo. 640.º), em articulação com o respetivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações». No caso em apreço. Considerando a motivação do recurso e as respetivas conclusões constata-se que a Recorrente não cumpriu qualquer dos indicados ónus de impugnação da decisão de facto: nem concretizou os factos que tem por impugnados, nem indicou os concretos meios de prova que justificam tal e impõem uma decisão diversa da recorrida, nem especificou a decisão que no seu entender deve ser proferida quanto à factualidade em causa. No que aqui revela, a Recorrente limitou-se a referir generalidades sem indicar os concretos factos que deveriam ter sido dados como provados e não constam da decisão recorrida e muito menos explicitou os respetivos elementos probatórios. Transcreveu excertos de declarações e depoimentos e retirou deles conclusões, sem enumerar os concretos factos que tem por provados e não provados, apresentando uma decisão complementar, alternativa, diversa da decisão recorrida. Alegando a necessidade de ampliação da matéria de facto, não justificou em termos minimamente adequados essa necessidade, concretizando a factualidade em causa, sendo que este Tribunal da Relação de Lisboa também não vislumbra tal, levando em conta o objeto dos autos e a factualidade dada como provada pelo Tribunal recorrido. Diversamente do que entende a Recorrente o processo não é o próprio para encontrar as causas dos manifestos desentendimentos entre os pais do Beneficiário e muito menos para encontrar o respetivo culpado ou o maior culpado. Do que se trata é de alcançar o meio, o melhor meio, de suprir judicialmente as impossibilidades do Beneficiário e não propriamente de encontrar uma forma daquele viver e conviver a todo o custo com toda a sua família, com ambos os progenitores e as respetivas famílias, a contento da Requerida. Ora, considerando aquele desiderato, a decisão de facto recorrida mostra-se suficiente à decisão do mérito da causa, pelo que mostra-se absolutamente infundada a invocação na matéria do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPCivil. Nestes termos e por ser inadmissível na matéria despacho de aperfeiçoamento, conforme artigos 639.º, n.º 3, e 652.º, n.º 1, alínea a), do CPCivil, a contrario, importa rejeitar o recurso da decisão de facto. V. DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA PROVADA. Os artigos 29 a 62 da motivação de recurso têm por epígrafe «Dos factos – Falta de Fundamentação da matéria provada». Nas conclusões a Recorrente alega que a «fundamentação da decisão tomada» é «pobre, para não dizer inexistente» e «incompleta», «sendo a fundamentação da decisão incompreensível», concluindo que a «decisão proferida pelo Tribunal a quo deverá ser anulada nos termos previstos no art. 662 nº 2 als. c) e d)». Analisemos. No que a alegada falta de fundamentação decorra da não inquirição de testemunhas arroladas ou da impugnação da decisão de facto remete-se aqui para o acima dito. A falta de fundamentação da decisão de facto constitui uma causa de nulidade da sentença, conforme artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPCivil, sendo que caso a decisão de facto proferida esteja indevidamente fundamentada quanto a um facto essencial para o julgamento da causa a «Relação deve (…), mesmo oficiosamente, [d]eterminar que (…) o Tribunal de 1ª instância a fundamente (…)», conforme artigo 662.º, n.º 2, alínea d), do CPCivil. Como referem Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, edição de 2022, página 175, em anotação àquele último preceito legal, «[q]uando a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto não esteja devidamente fundamentada (…) em algum ponto que seja essencial para o julgamento da causa, a Relação deve (…) ordenar a baixa do processo à 1.ª instância para que o tribunal fundamente devidamente a resposta dada (…)». «(…) O juízo de essencialidade referido na alínea d) (…) é, pois, requisito» do normativo constante da alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º do CPCivil. Ora, in casu não se vislumbra nem falta de fundamentação da decisão recorrida, justificante da nulidade da mesma, nem insuficiência de fundamentação da decisão de facto recorrida, motivadora da remessa dos autos ao Tribunal recorrido, conforme referido artigo 662.º, n.º 2, alínea d), do CPCivil. Com efeito, a fundamentação da decisão de facto recorrida tem o seguinte teor: «Para dar como provados os factos acima descritos, o Tribunal teve em consideração os documentos juntos aos autos, a audição do Requerido, o teor do relatório de exame pericial e a inquirição do Requerente, da mãe do Requerido – B… – e dos seus tios – C… (tio paterno) e D… (tio materno) - os quais, conjugado o seu teor, permitem concluir pela factualidade provada, não existindo qualquer prova em sentido diverso. Particularmente, no que respeita aos factos dados como provados em 16 e 22, os mesmos resultaram, inclusive, das declarações da mãe do Requerido – B… – que assumiu os mesmos. Quanto ao facto dado como provado em 17, o mesmo é demais notório de toda a prova produzida (e até dos próprios articulados apresentados pelas Il. Mandatárias do Requerente e da mãe do Requerido, os quais, excessivamente, afastam-se da alegação de factos e da objectividade que deveriam ter, para acusações e adjectivações mútuas). Mesmo a mãe do Requerido em declarações, embora afirmando achar ainda ser possível alcançar entendimentos entre si e o seu ex-marido (os quais não foram possíveis nos últimos treze anos) não negou as dificuldades de comunicação e interacção até ao momento presente, embora imputando a responsabilidade por essas dificuldades ao Requerente. O facto não provado resultou da falta de prova quanto ao mesmo». Nestes termos, a motivação da decisão de facto recorrida mostra-se suficientemente motivada, sendo absolutamente inteligíveis as razões pelas quais o Tribunal recorrido deu como provada e não provada a factualidade indicada, termos em que carece, assim, de fundamento a pretensão da Recorrente na matéria ora em causa. VI. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. Em função do exposto, a factualidade a considerar na motivação de direito é a que consta do relatório deste acórdão, que aqui se dá por integralmente reproduzida, bem como a dada como provada na decisão recorrida, a saber[2]: 1.–Desde o seu nascimento (14/07/2003), o Beneficiário apresenta Perturbação Global do Desenvolvimento (Autismo); 2.–Apresenta movimentos estereotipados dos membros e do tronco, com inquietação psicomotora; 3.–O contacto é pueril, evitante, com atenção captável, mas difícil de fixar; 4.–O discurso é provocado, com sintaxe alterada, referindo-se a si próprio na terceira pessoa e com alteração de formas verbais; 5.–O vocabulário é pobre, em volume aumentado e débito diminuído; 6.–Apresenta empobrecimento e rigidez do pensamento, não sendo capaz de responder a muitas questões que lhe são colocadas acerca da identificação de familiares e personalidades, nem descrever locais conhecidos; 7.–Não compreende conceitos jurídicos; 8.–Não consegue efetuar cálculos simples, incluindo trocos; 9.–Necessita do apoio de terceiros para a preparação de refeições, vestuário, higiene, deambulação, toma de medicação e acesso a cuidados médicos; 10.–O Beneficiário é filho do requerente – A… – e de B…; 11.–Os pais do Beneficiário divorciaram-se em 08/06/2011; 12.–Por acordo de regulação das responsabilidades parentais obtido em 03/06/2011 e homologado em 08/06/2011, foi acordado, entre outras cláusulas, que o Beneficiário e a sua irmã E… ficariam à guarda da mãe, cabendo a ambos os pais tomar decisões sobre questões de particular importância; 13.–Em 18/12/2014, o Requerente requereu a alteração dessa regulação; 14.–Em 07/09/2016, foi obtido acordo de alteração da regulação das responsabilidades parentais, em que se acordou, entre outras cláusulas, que as responsabilidades parentais seriam exercidas em comum por ambos os pais dos menores, incluindo todas as decisões relativas a questões de particular importância para a vida dos filhos, e que a guarda dos menores seria alternada; 15.–Após instauração de incidentes de alteração e incumprimento da regulação das responsabilidades parentais, em 23/04/2019, os pais do Beneficiário acordaram em submeter-se a acompanhamento psicológico, com vista à estabilização do relacionamento parental e à eliminação da conflitualidade entre eles; 16.–Nas semanas em que estava ao cuidado da mãe, os cuidados ao Beneficiário (incluindo o acompanhamento a sessões de fisioterapia, terapia da fala, psicologia e psicomotricidade) eram assegurados na sua maioria pelos avós maternos; 17.–O Requerente e B… continuaram a manter uma relação conflituosa, com dificuldade de comunicação entre ambos e de alcançar entendimentos; 18.–Desde 26/12/2021, o Beneficiário reside com o Requerente, dois irmãos menores – E…e G… -, a companheira do Requerente – H… – e três filhos desta – I…, J… e L…; 19.–O Beneficiário tem contactos regulares com a sua avó paterna – M… -, com a mãe de H… – N… – e com os seus tios paternos – C… e O…; 20.–O tio paterno C… encontra-se regularmente com o Beneficiário (cerca de uma vez por semana) para ensiná-lo a cozinhar e, com isso, tentar que o Beneficiário desenvolva competências nessa área; 21.–Atualmente, o Beneficiário apenas tem contactos pontuais (autorizados pelo Requerente) com a sua família materna; 22.–B… padece de depressão crónica. * O Tribunal recorrido deu como não provado que: «i.-B… padece de perturbação maníaco-depressiva bipolar e personalidade patológica». VII. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. Está especificado que F… precisa de acompanhamento. As partes aceitam igualmente a medida desse acompanhamento. Discordam, contudo, das pessoas do Acompanhante e Acompanhante substituto, assim como da composição do Conselho de Família. O Tribunal recorrido nomeou como Acompanhante o Requerente, pai do Beneficiário, como Acompanhante substituto C…, tio paterno do Beneficiário, e como membros do Conselho de Família aquele tio e a Requerida, aqui Recorrente, mãe do Beneficiário. A Recorrente entende que ela e o Requerido devem ser nomeados Acompanhantes «em regime de rotatividade ou com atribuições de diferentes funções». Por sua vez, o Requerente e o Ministério Público sufragam a manutenção da decisão recorrida. Analisemos. Segundo o disposto no artigo 143.º, n.º 2 e 3, do CCivil, «o acompanhamento é deferido (…) à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário», sendo que «[p]odem ser designados vários acompanhantes com diferentes funções, especificando-se as atribuições de cada um (…)». Na nomeação do acompanhante deve ter-se em conta o interesse do beneficiário, devendo nomear-se como tal quem melhor garanta os respetivos interesses. Por outro lado, podem ser nomeados diversos acompanhantes desde que os mesmos exerçam funções diversas, nada obstando, ainda, que possam ser igualmente nomeados vários acompanhantes para o exercício das mesmas funções desde que tal seja realizado por modo alternado no tempo e salvaguarde «o interesse imperioso do beneficiário» que constitui a pedra angular do regime jurídico do acompanhamento de maiores. Como refere Pedro Callapez, Do Acompanhamento de Maiores, Processos Especiais, volume I, edição da AAFDL, 2023, página 123, «[a] sentença que decreta o acompanhamento designa (…) o acompanhante que, nos termos do artigo 143.º, deve ser “maior e no pleno exercício dos seus direitos”. (…) Não sendo feita qualquer escolha, deverá o Tribunal designar a pessoa que “melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário” (…). (…) [R]elevante é que “a designação judicial do(s) acompanhante(s) deve estar igualmente centrada na pessoa maior que em concreto, e não em abstrato, vai ser legalmente acompanhada, concluindo-se que aquela está em melhor posição para assumir as funções de acompanhamento legal (…)”». Por outro lado, nos termos do artigo 900.º, n.º 2, do CPCivil, «[o] juiz pode (…) proceder à designação de um acompanhante substituto (…) e, sendo o caso, do conselho de família». No processo de acompanhamento de maiores, a nomeação de acompanhante substituto e a constituição de um conselho de família constituem faculdades do Tribunal a ponderar em cada situação concreta, sendo que nos termos da lei cabe àquele órgão designadamente «vigiar o modo por que são desempenhadas as funções» do acompanhante, conforme artigo 1954.º do CCivil devidamente adaptado à situação. Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume II, edição de 2020, página 341, em anotação ao referido artigo 900.º, «[a] instituição do conselho de família é facultativa (…), justificando-se designadamente em situações em que seja previsível a ocorrência de conflitos de interesse entre o beneficiário e o acompanhante ou em contextos de litígio familiar alargado que envolva o beneficiário». Ora, ponderando o apontado regime legal e a indicada factualidade dada como provada, sendo patente a conflitualidade entre os pais do Beneficiário, no interesse imperioso deste, por forma a afastá-lo o mais possível desse conflito e a conferir-lhe a necessária estabilidade sociofamiliar e afetiva, afigura-se que as funções de acompanhante devem ser atribuídas a uma única pessoa e que a melhor pessoa para exercer o cargo é o seu pai, aqui Recorrido. Não se olvide que o Beneficiário vive com ele há cerca de dois anos e meio, sem que haja notícia de algum problema, sendo que com ele igualmente vive a outra filha do casal, E…, e a própria Recorrente reconhece competências para o cargo por parte do Recorrido, como se infere da circunstância de requer um regime de acompanhamento alternado em que o Requerido é um dos acompanhantes. A apontada conflitualida de e a desejada estabilidade do beneficiário justificam igualmente que o cargo de acompanhante substituto seja deferido ao tio paterno do menor, C…. As peculiaridades da situação – a Requerida é mãe do Beneficiário, o qual sofre de autismo, existindo uma conflitualidade entre as partes há mais de uma década – justificam a instituição de um Conselho de Família constituído pela Recorrente e pelo indicado acompanhante substituto, não se vislumbrando incompatibilidade entre tais cargos, na medida em que a intervenção naquele assuma natureza meramente pontual e residual, daí decorrendo até melhores capacidades para o exercício das funções de vogal de conselho de família. Na matéria sufraga-se, pois, o que consta da decisão recorrida: «(…) [A] questão que se coloca é se deve ser o Requerente a assumir o cargo de acompanhante do Requerido em exclusividade, já que quanto à sua designação para esse cargo, todos os intervenientes (incluindo a mãe do Requerido) estão de acordo, não se colocando questões quanto à sua idoneidade, e sendo certo que é ele que, actualmente e na prática, já exerce essas funções. O n.º 3 do transcrito artigo 143.º permite a designação de uma pluralidade de acompanhantes, (…). Não obstante, considerando o melhor interesse do beneficiário, para que tal aconteça, tem de existir necessariamente um trabalho de equipa entre os acompanhantes, o qual implica comunicação e colaboração, sob pena de uns estarem permanentemente a contrariar as decisões dos outros, com prejuízo necessário para o beneficiário. No caso, atenta a conflitualidade que ocorre desde há mais de treze anos entre os pais do Requerido, parece-nos evidente que a nomeação de ambos como acompanhantes não iria funcionar e iria causar ainda mais pontos de conflito e consequente prejuízo para o» Beneficiário. «Tanto assim é que a mesma nunca cessou, durante todo esse período, nem com o exercício conjunto das responsabilidades parentais nem sequer com o apoio psicológico a que se submeteram os pais do Requerido. Note-se que os presentes autos, de natureza cível, visam a aplicação de medidas de acompanhamento a um maior, que assegurem o seu bem-estar, recuperação, pleno exercício de direitos e cumprimento de deveres. Embora existam alguns pontos de contacto entre o acompanhamento de um maior e a regulação de responsabilidades parentais de um menor, os objectivos subjacentes a ambos os processos são distintos, não sendo nem devendo ser os presentes autos um prolongamento dos autos que correram termos no Juízo de Família e Menores. (…). (…) Pelo que, por força do disposto no artigo 143.º, n.º 2, al. c), do Código Civil, deverá o Requerente exercer exclusivamente as funções de acompanhante do Requerido, o qual deverá continuar a privilegiar, em cada momento, o bem-estar e a recuperação do Requerido, com a diligência de um bom pai de família (…). Pelas mesmas razões já acima referidas, deverá ser o tio paterno do Requerido – C… – a exercer o cargo de acompanhante substituto (…), por ser a pessoa que colabora de perto com o Requerente nos cuidados e no desenvolvimento do Requerido. Considerando o disposto nos artigos 1951.º e seguintes do Código Civil, particularmente o disposto no artigo 1951.º, n.º 3, e as funções do Conselho de Família (que é sempre presidido pelo Ministério Público – artigo 1951.º do Código Civil – e tem uma actuação residual e não tão próxima do acompanhante), para formação do Conselho de Família nomeia-se a mãe do Requerido – B… – e o seu tio paterno – C…». Em suma, também nesta matéria improcede o recurso, havendo que manter a decisão recorrida. VIII.–DECISÃO Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se integralmente a decisão recorrida. Sem custas – artigo 4.º, n.º 2, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais. Lisboa, 11 de julho de 2024 Paulo Fernandes da Silva - (relator) Pedro Martins - (1.º Adjunto) Inês Moura - (2.ª Adjunta) * [1]Tal pode envolver, em casos-limite, a totalidade da matéria de facto mas, ainda assim, exige-se a concretização e a motivação das alterações relativamente a cada facto ou conjunto de factos. Mas não legítima a invocação de um generalizado erro de julgamento justificativo da reapreciação global dos meios de prova». [2]Por razões de uniformidade conceptual, substituiu-se o termo «Requerido» da decisão recorrida pelo de «Beneficiário» |