Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
252/22.5T8BRR.L2-4
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
ELEMENTO SUBJECTIVO
PESSOA COLECTIVA
PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE AUTÓNOMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Nos termos do art.º 25.º do RCOLSS (regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social), sendo suficiente que a decisão administrativa contenha a “descrição dos factos imputados”, o grau de detalhe deve ser o indispensável para que, conjugadamente com a “indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão”, o arguido entenda do que, concretamente, está a ser acusado, e possa nessa medida exercer cabalmente o direito de defesa.
2. A comprovação da negligência é efectuada por meio de inferências a partir das circunstâncias fácticas do caso concreto que permitam concluir pela sua verificação, sendo certo que tal operação lógica não viola a presunção de inocência.
3. No regime jurídico das contra-ordenações laborais vigora o princípio da responsabilidade autónoma, pelo que a indicação das pessoas singulares que actuaram em nome e no interesse da pessoa colectiva arguida não é necessária para preenchimento e imputação a esta da infracção legalmente tipificada.
4. Verificada pela autoridade policial, em acto de fiscalização de condutor de veículo equipado com tacógrafo analógico, a violação ao disposto no n.º 1, sem que tenha sido apresentada justificação nos termos do n.º 3, ambos do art.º 36.º do Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Fevereiro de 2014, mostra-se cometida a contra-ordenação prevista no art.º 25.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto.
5. É no acto de fiscalização pela autoridade policial que o condutor deve poder apresentar à mesma as folhas de registo de tacógrafo relativas ao próprio dia e aos 28 dias anteriores, ou, se não existirem, qualquer documento comprovativo que justifique a omissão, seja a “declaração de actividade” prevista na Decisão da Comissão n.º 2009/959/EU, com referência ao art.º 11.º, n.º 3 da Directiva n.º 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março, que, nesta parte, não foi transposta para a ordem jurídica interna, seja qualquer outro documento idóneo para o efeito.
6. Nos termos do art.º 13.º da Lei n.º 27/2010, a responsabilidade do empregador é excluída se este demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o motorista pudesse apresentar os documentos mencionados no n.º 1 do art.º 36.º do citado Regulamento, ou, na sua falta, os mencionados no seu n.º 3, mormente facultando-os previamente ao trabalhador.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS REPOLHO & RODRIGUES, S.A. veio interpor recurso de impugnação judicial da decisão administrativa proferida pela ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho, no âmbito da qual foi condenada na coima única de € 3.060,00, correspondente a 30 UC, e sanção acessória de publicidade, pela prática das seguintes duas contra-ordenações:
a) uma contra-ordenação muito grave por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 25.º da Lei n.º 27/2010, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 36.º do Regulamento (UE) n.º 165/2014 de 4 de Fevereiro (não deter consigo os registos dos 28 dias anteriores);
b) uma contra-ordenação muito grave prevista e punida pelas disposições conjugadas do artigo 37.º, n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 165/2014, de 04 de Fevereiro, e artigo 25.º, n.º 1 da Lei n.º 27/2010 de 30 de Agosto (avaria ou mau funcionamento do tacógrafo, o condutor não anotar os elementos que permitem a sua identificação, bem como as informações relativas aos diferentes períodos, que deixem de ser registados ou impressos correctamente pelo tacógrafo).
A arguida apresentou alegações, incluindo as correspondentes conclusões, nas quais invocou, entre outras, a questão da nulidade da decisão administrativa por falta de competência do órgão que a proferiu.
Em 5 de Abril de 2023, foi proferida decisão em que se julgou procedente tal questão e absolveu a arguida da coima que lhe fora aplicada.
O Ministério Público interpôs recurso de tal decisão, tendo esta Relação de Lisboa, por Acórdão de 14/12/2023, transitado em julgado, revogado a decisão e determinado a apreciação das questões que haviam ficado prejudicadas pela mesma.
Após audiência de julgamento, foi proferida sentença em 19/12/2024, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, o tribunal decide conceder provimento parcial à impugnação judicial e, consequentemente, decide:
1 - Manter a decisão administrativa no que tange à condenação da Recorrente pela prática das seguintes contraordenações:
a) não apresentação dos registos dos últimos 28 dias, correspondente a uma contraordenações muito grave, prevista e punida nos termos conjugados dos artigos 25º, n.º 1, alínea b) e 14º, n.º 4, alínea a) ambos da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, por referência ao disposto no artigo 36º, do Regulamento (UE) 165/2014 de 04 de Fevereiro, conjugado com o artigo 561º do Código do Trabalho, na coima de 20 UC, o que corresponde a € 2.040,00 (dois mil e quarenta euros) e ainda na sanção acessória de publicidade, nos termos do artigo 562º do Código do Trabalho.
2 – Absolver a Recorrente das demais contraordenações imputadas.
As custas serão da responsabilidade da recorrente, por ter decaído parcialmente no recurso.»
A arguida interpôs recurso da sentença para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
«a) A douta sentença recorrida, fez letra morta, em parte, da impugnação apresenta pela arguida, não se pronunciando sobre os factos e matéria de direito carreados porquanto não os deu como provados ou não provados ou não se pronunciou sobre matéria de direito;
b) A valoração dos factos e matéria de direito constantes na impugnação judicial apresentada pela recorrente, nomeadamente as conclusões d) a f), h) a j), p) e r) a t), é relevante, necessária, essencial e indispensável à descoberta da verdade e à boa decisão da causa;
c) A completa omissão de pronúncia na douta sentença recorrida sobre os factos e direito constantes da impugnação apresentada pela recorrente, prejudica, e de que maneira, o direito de defesa do arguido constitucionalmente previsto no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa;
d) Os factos alegados pelo recorrente em sede de impugnação judicial deveriam constar na decisão recorrida como factos provados ou não provados e a matéria de direito deveria ter sido decidida, ainda que, o que se coloca por mera hipótese académica, a seu desfavor;
e) Pelo que, decidindo como decidiu, o Digníssimo Tribunal a quo violou o artigo 32º da Constituição da Republica Portuguesa e a alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal e, consequentemente, a douta decisão recorrida é nula por violação das garantias do processo criminal e por omissão de pronúncia o que desde já se arguiu para os devidos efeitos.
f) Deve constar a enumeração dos factos provados e não provados que resultem da acusação e da defesa – in casu, impugnação judicial - cfr. n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal;
g) Ora, enumerar os factos é identificá-los um a um, isto é, os provenientes quer da acusação quer da defesa, assim como, os que brotem da discussão da causa;
h) A verdade é que, da douta sentença aqui em crise não constam como supra se alegou factos alegados na defesa, com interesse relevante na boa decisão da causa - conclusões d) a f), h) a j), p) e r) a t), -, seja como provados ou seja como não provados;
i) Nas conclusões d) a f), h) a j), p) e r) a t) da impugnação judicial apresentada aos autos constam factos e matéria de direito relevante, capazes de influírem na decisão de mérito da causa.
j) Todos factos alegados pelo recorrente em sede de impugnação judicial deveriam constar na decisão recorrida como factos provados ou não provados;
k) Contudo, o Digníssimo Tribunal a quo nem os dá como provados ou como não provados, impedindo, como supra também já se fundamentou, que o recorrente possa discutir, em Tribunal Superior, o julgamento da matéria de facto relevante porque capaz de influir na decisão de mérito da causa;
l) Pelo que, decidindo como decidiu, o Digníssimo Tribunal a quo violou o artigo violou o n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal e o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa e, consequentemente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, da douta decisão recorrida é nula, o que desde já se arguiu para os devidos efeitos, cfr., mutatis mutandis, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08-08 de 2012, processo 38/10.0TAFIG.C1, em que é relator Alberto Mira;
m) Da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida não consta que no dia 28 de Agosto de 2020 o condutor fiscalizado tenha efectivamente conduzido o veículo dos autos, nem que, naquele dia, tenha usado folhas de registo de tacógrafo analógico;
n) Resulta ainda do ponto 10 da matéria de facto dada como provada que «O condutor possui um comprovativo de pedido de Renovação do cartão de cidadão com o n.º de processo 000000050854778 A datado de 28 de agosto de 2020.»
o) Vigora em matéria de contra-ordenacional laboral, o Princípio da Legalidade e Tipicidade ínsitos, no artigo 2.º do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, ex vi artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro e artigo 549º do Código do Trabalho no n.º 1 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 7º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que estipula: nullum crimen sine lege scripta, previa, cfr. Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 05P1831, de 28.09.2005, relatado por Henrique Gaspar, consultável in www.dgsi.pt;
p) São elementos objectivos do tipo constante do artigo 36º do Regulamento (UE) 165/2014 de 04 de Fevereiro: «se conduzirem» e «as folhas de registo do dia em curso e as utilizadas».
q) Nos termos do n.º 3 do artigo 9º Código Civil: «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados», e o legislador quis que fossem elementos objectivos do tipo para efeitos de preenchimento duma putativa contra-ordenação os referidos no artigo anterior;
r) Da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida não consta que no dia 28 de Agosto de 2020 o condutor fiscalizado tenha efectivamente conduzido o veículo dos autos, nem que, naquele dia, tenha usado folhas de registo de tacógrafo analógico;
s) Pelo que, exigindo o tipo legal que o condutor tenha conduzido efectivamente em algum dos 28 dias que antecedem o dia da fiscalização e que tenha usado folhas de registo de tacógrafo analógico, a mera não apresentação dos registos relativos ao dia da fiscalização e aos 28 dias que antecedem essa acção de fiscalização ou de documento justificativo para essa não apresentação não preenche os elementos objetivos da contraordenação prevista no art.º 25.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, de 30-08, com referência ao art.º 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) 165/2014, de 04-02;
t) A decisão da comissão de 12 de Abril de 2007 estabeleceu um formulário a preencher nos casos ali previstos, nomeadamente, para quando o condutor tiver estado em situação de baixa por doença ou de gozo de férias anuais, ou quando tiver conduzido outro veículo, isento da aplicação do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006;
u) Não existe qualquer norma que puna como contra-ordenação a falta de preenchimento do referido formulário;
v) Não é possível, nos termos do n.º 3 do artigo 1º do Código Penal, ex vi artigo 32º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro e artigo 549º do Código do Trabalho, qualquer tipo de interpretação analógica ou extensiva para efeitos de punição, por, também por esta via, serem violados os Princípios da Legalidade e Tipicidade ínsito no n.º 1 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 7º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
w) No caso específico da alínea b) do n.º 1 do artigo 25º da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, que tipifica a infração, como não há menção à obrigação de apresentação do formulário mencionado na Decisão citada, o intérprete não pode incluir essa exigência no tipo legal nem assumir que o legislador pretendia incluir essa obrigação, cfr. n.º 3 do artigo 9º Código Civil;
x) Por isso, também por esta via, a recorrente não poderá ser condenada por violação alínea b) do n.º 1 do artigo 25º da Lei n.º 27/2010, sob pena de violação dos Princípios da Legalidade e Tipicidade ínsito no n.º 1 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 7º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
y) Decidindo como decidiu a recorrido violou, os Princípios da Legalidade e da Tipicidade, o n.º 1 do artigo 29º e o artigo 32º da Constituição, n.º 3 do artigo 9º do Código Civil, n.º 2 do artigo 374º e alienas a) e c) do n.º 1 do artigo 379º do CPP, n.º 3 do artigo 1º do CP, artigo 549º do Código do Trabalho, artigo 7º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 2º e 32º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, artigo 36º do Regulamento (EU) 165/2014, de 04 de Fevereiro, artigo 60º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro e a alínea b) do n.º 1 do artigo 25º da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto.»
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Admitido o recurso pelo tribunal recorrido, subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
2. Objecto do recurso
De acordo com o art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art.º 50.º, n.º 4, do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social (doravante RCOLSS), aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14/09, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim, as questões a decidir são:
- nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- verificação da contra-ordenação pela qual a arguida foi condenada.
3. Factos provados
3.1. Mostram-se provados os seguintes factos:
1 - A arguida Transportes Rodoviários de Mercadorias Repolho & Rodrigues, S.A., dedica-se, entre outros, ao transporte rodoviário de mercadorias.
2 - A arguida tem ao seu serviço uma frota automóvel composta por vários veículos pesados de mercadorias.
3 - No dia 16 de Setembro de 2020, pelas 19H00, AA conduzia na área de serviço da Ponte Vasco da Gama N/S, na comarca do Montijo e distrito de Setúbal, a viatura com a categoria tractor, tipo mercadorias, com a matrícula ..-..-OP, propriedade da arguida.
4 - AA foi admitido sob a autoridade, direcção e fiscalização da empresa, acima indicada, para, mediante retribuição, exercer funções de motorista, em data não apurada.
5 - A sociedade arguida ministrou acção de formação ao motorista AA, com o nome Regulamentação Social da Actividade, do qual fazia parte formação sobre tempos de trabalho e repouso, bem como sobre o uso do tacógrafo, em 19 de Dezembro de 2020.
6 - Na data e hora identificada em 3, o condutor do veículo acima identificado foi sujeito a uma operação de fiscalização pela Guarda Nacional Republicana.
7 - A viatura de categoria tractor, tipo mercadorias, com a matrícula ..-..-OP, estava equipada com um aparelho de controlo (tacógrafo analógico).
8 - O agente autuante verificou que o trabalhador acima mencionado não possuía em seu poder a totalidade dos registos respeitantes aos 28 dias anteriores ao da fiscalização.
9 - O condutor, no dia da fiscalização, não apresentou qualquer documento justificativo para a ausência de registos de tacógrafo, referentes ao dia 28 de Agosto de 2020.
10 - O condutor possui um comprovativo de pedido de renovação do cartão de cidadão com o n.º de processo 000000050854778 A, datado de 28 de Agosto de 2020.
11 - O tacógrafo encontrava-se avariado/defeituoso, pelo menos desde dia 19 de Agosto de 2020;
12 - A empresa de transporte e o condutor não velaram pelo bom funcionamento do tacógrafo pelo menos desde 19 de Agosto de 2020;
13 – A arguida sabia que estava obrigada a fiscalizar o trabalho dos condutores e a cumprir as obrigações de registo dos tempos de condução, pausas e repousos da actividade dos seus motoristas.
14 - A arguida não organizou a actividade de transporte, que desenvolve, de forma a que o condutor levasse consigo as folhas de registo dos últimos vinte e oito dias, ou, em alternativa, uma declaração justificativa/declaração de actividades.
15 – A arguida entregou ao motorista identificado no artigo anterior, como entrega a todos os seus motoristas, o “manual de boas práticas e regras para actividade de motorista”, do qual constam no capítulo 3.6 e 3.7 todas as informações necessárias ao cumprimento dos tempos de condução, repouso e tacógrafo.
16 – A arguida tem um certificado que atesta que implementou e mantém um sistema de gestão de qualidade.
17 - A arguida verifica frequentemente as suas viaturas, por isso, no dia 17 de Agosto de 2020, após verificação de conformidade, a viatura fiscalizada nos autos cumpria com todas as regras legais exigíveis.
18 - Após a fiscalização dos autos, o tacógrafo foi vistoriado no dia 21 de Setembro de 2020, estando, a partir daquela data, totalmente funcional.
2. Mostram-se não provados os seguintes factos:
a) O condutor no dia 28 de Agosto de 2020 esteve o dia todo na Conservatória do Registo Civil de Condeixa-A-Nova.
4. Apreciação do recurso
4.1. A Recorrente suscita primeiramente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, constante das conclusões do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa sob as alíneas d) a f), h) a j), p) e r) a t).
Vejamos.
Por Acórdão desta Relação de Lisboa de 14/12/2023, revogou-se a decisão da 1.ª instância, que absolvera a arguida com fundamento na nulidade da decisão administrativa por falta de competência do órgão que a proferiu, e determinou-se a apreciação das questões que ficaram prejudicadas pela mesma.
Diz-se na sentença recorrida:
«Importa nesta sede salientar que o objecto do recurso é o que resulta das conclusões apresentadas pelo recorrente. No caso concreto, a recorrente arguiu, além da falta de competência da autoridade administrativa para proferir a decisão, questão que já se mostra decidida nestes autos e ultrapassada, que a sua responsabilidade deve ser considerada ilidida com base no artigo 13º n.º 2 e 3 da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, pois além de ter dado formação ao motorista, este sabia que tinha de ter os registos dos últimos 28 dias. No que concerne à avaria do tacógrafo, refere que não deu pela mesma, pois tinha verificado o veículo e o mesmo funcionava bem e que assim que soube da avaria procedeu à sua reparação. Pelo que a manter-se a coima deve a mesma ser especialmente atenuada.»
Consta das conclusões d) a f) do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa, tal como transcritas na sentença recorrida:
«d) Deveria constar na douta decisão impugnada a imputação subjectiva do cometimento da contra-ordeneação em obediência o n.º 1 do artigo 25º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro e ao artigo 283º do Código de Processo Penal (CPP) ex vi n.º 1 do artigo 41º do RGCO e artigo 60º da referida Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro e aos artigos 7º e 8º do RGCO aplicáveis ex vi artigo 60º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro;
e) Na decisão administrativa impugnada não figuraram identificados os órgãos ou representantes legais da impugnante ou o acto ou omissão gerador de responsabilidade contra-ordenacional que o foi por praticado pela pessoa singular que representa a impugnante ou por funcionário que actuou em nome, representação ou interesse da pessoa colectiva;
f) Não constando tais factos na douta decisão administrativa impugnada, tal decisão é nula por violação dos artigos 7º, 8º e n.º 1 do n.º 58º do RGCO, do artigo 283º do CPP ex vi artigo 41º do RGCO e do artigo 11º do CP ex vi artigo 32º do RGCO, o que desde já se argui para os devidos efeitos legais;»
Do exposto resulta que a Recorrente arguiu a nulidade da decisão administrativa por falta de indicação do elemento subjectivo do tipo e de identificação dos representantes legais ou outras pessoas singulares que assumiram ou omitiram uma conduta, em nome e no interesse da arguida.
Assim, não tendo o tribunal recorrido conhecido desta questão, conforme se alcança da enunciação das questões a resolver, acima transcrita, bem como do mais constante da sentença, ocorre a nulidade desta na parte em apreço, que adiante se suprirá (art.º 379.º, n.º 1, al. c) e n.º 2 do CPP, ex vi art.º 50.º, n.º 4 do RCOLSS).
No que concerne às conclusões constantes das alíneas h) a j), p) e r), que nos dispensamos de transcrever, reportam-se à verificação da infracção imputada à arguida, designadamente ilisão da sua responsabilidade, a qual, como resulta da factualidade considerada provada e não provada, da indicação das questões a resolver e da própria fundamentação de direito da sentença, para que se remete, foi devidamente apreciada pelo tribunal recorrido.
Não ocorre, pois, nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nesta parte.
Quanto às conclusões enunciadas sob as alíneas s) e t), referem-se à pretensão da arguida de consideração de circunstâncias atenuantes e de aplicação duma mera admoestação.
Ora, diz-se na sentença recorrida:
«A autoridade administrativa condenou a Arguida, pela prática da contraordenação enunciada pela letra A, correspondente à falta de registo dos 28 dias anteriores, em 22 UC, ou seja, € 2.244,00. A moldura desta contraordenação é de 20 UC a 300 UC. O condutor em causa esteve mesmo ausente ao serviço, apenas não existe organização da Arguida para que os condutores demonstrem, atempadamente, a sua ausência ao serviço. Não existe qualquer benefício económico da mesma e a gravidade é diminuta. Face ao exposto, entende-se ser de fixar a coima no seu mínimo legal, ou seja, 20 UC, ou € 2.040,00, mantendo-se a sanção de publicidade, atenta a natureza muito grave da contraordenação.»
É, pois, manifesto que a sentença recorrida teve em conta as circunstâncias atenuantes que se provaram na fixação da medida concreta da coima – no mínimo – e da sanção acessória de publicidade, aludindo à natureza muito grave da contra-ordenação, o que, só por si, prejudica a apreciação da referência à admoestação, atento o previsto no art.º 48.º do RCOLSS1.
Deste modo, também nesta parte não se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
2. Atenta a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, no que tange à arguição de nulidade da decisão administrativa por falta de indicação do elemento subjectivo do tipo, nos sobreditos termos, cabe agora apreciar a questão omitida, para suprimento de tal nulidade.
Estabelece o art.º 25.º do RCOLSS, na versão anterior à Lei n.º 13/2023, de 03/04, por ser a aplicável ao caso:
Decisão condenatória
1 - A decisão que aplica a coima e ou as sanções acessórias contém:
a) A identificação dos sujeitos responsáveis pela infracção;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
(…)
4 - Não tendo o arguido exercido o direito de defesa nos termos do n.º 2 do artigo 17.º e do n.º 1 do artigo 18.º, a descrição dos factos imputados, das provas, e das circunstâncias relevantes para a decisão é feita por simples remissão para o auto de notícia, para a participação ou para o auto de infracção.
5 - A fundamentação da decisão pode consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaborados no âmbito do respectivo processo de contra-ordenação.
No que ora releva, constata-se que a lei se basta com a “descrição dos factos imputados”, cujo grau de detalhe deve ser o indispensável para que, conjugadamente com a “indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão”, o arguido entenda do que, concretamente, está a ser acusado, e possa nessa medida exercer cabalmente o direito de defesa.
Isto é, conforme se refere no sumário do Acórdão da Relação do Porto de 22 de Fevereiro de 2021, proferido no processo n.º 1512/18.5T8PNF.P222, “[o] que os artigos 25.º da Lei 107/2009 e 58º da RGCC visam é assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Essas exigências “devem considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.”
No que, em particular, respeita ao elemento subjectivo do tipo, cumpre ainda ter presente que, conforme se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 8 de Dezembro de 2012, proferido no processo 272/11.5TTBRR.L1-43, “[q]uer a prova direta, quer a prova indireta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade) do factum probandum: pela primeira via ou método, a perceção dá imediatamente um juízo sobre um facto principal, ao passo que na segunda a perceção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo, e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 1993, 79).
(…)
O sistema probatório alicerça-se em grande parte neste tipo de raciocínio (indutivo) e, não havendo confissão, a prova dos elementos subjetivos do tipo (doloso ou negligente) não poderá fazer-se senão por meio de prova indireta.
Como ensinava Cavaleiro Ferreira (“Curso de Processo Penal”, II, 1981, pág. 292), existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são suscetíveis de prova indirecta, como são todos os elementos de estrutura psicológica.
(…)
Por isso, verificada a materialidade da infração e conhecida a proibição legal, segundo as regras da experiência comum, podemos deduzir que aquela foi cometida com dolo ou, pelo menos, com negligência.
(…)
No sentido de que uma presunção ilidível de dolo ou de negligência não viola a presunção de inocência, pode ver-se a jurisprudência do TEDH citada por Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição atualizada, UCE, anotação ao artigo 127.º, pág. 334.
Se é assim no âmbito criminal, pelo menos, por identidade de razão, também deve sê-lo em matéria de contraordenações.
Assim, a verificação objetiva da conduta que integra a descrição típica do ilícito contraordenacional permite concluir, por presunção natural, judicial ou de experiência que o agente agiu, por acção ou por omissão, pelo menos, negligentemente.”
Tal entendimento vem sendo reiterado noutros arestos dos tribunais superiores, conforme se exemplifica com o Acórdão da Relação do Porto de 12 de Julho de 2023, proferido no processo n.º 54/23.1Y3VNG.P144, em cujo sumário se diz que “[n]a decisão administrativa (art.º 25º do RPCOLSS), no que diz respeito ao elemento subjetivo, não tem que constar diretamente que a conduta integra a negligência, importando sim que os factos provados permitam concluir pelo mesmo e a decisão efetivamente o conclua”, e com o Acórdão da Relação de Lisboa de 30 de Abril de 2025, proferido no processo n.º 14740/23.2T8SNT.L1-45, em cujo sumário se sublinha que “[o] elemento subjetivo do tipo contraordenacional é extraído dos factos objetivamente apurados.”
Em suma, a comprovação da negligência é efectuada por meio de inferências a partir das circunstâncias fácticas do caso concreto que permitam concluir pela sua verificação, sendo certo que tal operação lógica não viola a presunção de inocência6.
Ora, compulsada a decisão administrativa, constata-se que na mesma se considerou provado, além do mais, o seguinte:
- O condutor, no dia da fiscalização, não apresentou qualquer documento justificativo para a ausência de registos de tacógrafo, referente ao dia 28/08/2020;
- A arguida não organizou a actividade de transporte, que desenvolve, de forma a que o condutor levasse consigo as folhas de registo dos últimos vinte e oito dias, ou, em alternativa, uma declaração justificativa/declaração de actividades;
- A arguida sabia que estava obrigada a fiscalizar o trabalho dos condutores e a cumprir as obrigações de registo dos tempos de condução, pausas e repousos da actividade dos seus motoristas;
- A arguida não forneceu ao motorista instruções claras e precisas, no sentido de se fazer acompanhar sempre dos discos referentes ao período dos 28 dias anteriores à condução ou, não sendo isso possível, de documento que justifique a falta desses discos.
Acrescentou-se, ainda, profusa explicação sobre as razões por que se mostra não ilidida e, pelo contrário, efectivamente demonstrada a negligência da arguida, destacando-se a seguinte passagem:
«Aliás da factualidade dos autos subsistem factos que permitem concluir a negligência, porquanto a ora arguida tinha a obrigação de assegurar que o seu trabalhador cumprisse as regras existentes sobre circulação rodoviária, entre as quais se inserem as disposições acima citadas, nomeadamente através de um efetivo e eficaz controlo através do gestor de tráfego ou outros funcionários da arguida encarregues da distribuição dos veículos automóveis e dos serviços dos motoristas, e veja-se que o aparelho tacógrafo estava avariado/com defeito pelo menos desde do dia 19/08/2020 e “ninguém viu”, nem o gestor de tráfego nem o motorista vislumbraram a avaria, sendo certo que a ação de fiscalização foi a 16/09/2020 e conforme foi elucidado pelo motorista, de 28 em 28 dias entregava os registos da atividade à empresa.
Por outro lado a arguida também não demostrou que organizava o trabalho dos seus motoristas, e não logrou demonstrar especificamente que tenha transmitido instruções concretas, adequadas e suficientes, que permitissem ilidir a presunção imputável à empregadora, nomeadamente quanto ao cumprimento criterioso dos tempos de repouso e condução, bem como no que se refere ao manuseamento correto do tacógrafo, sendo certo que não basta alegar que o motorista teve formação, ou mesmo que o mesmo é um profissional de condução.»
Em face do exposto, e tendo presentes as considerações que acima se delinearam, só pode concluir-se que, na decisão administrativa, se indicaram factos de que resulta a consciência que a arguida tinha de qual era a conduta que, como empregadora, lhe era exigível, bem como a falta de cuidado e diligência que assumiu na sua observância.
Improcede, pois, a arguição de nulidade da decisão administrativa nesta parte.
3. Quanto à nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia sobre a nulidade da decisão administrativa decorrente de falta de identificação dos representantes legais ou outras pessoas singulares que assumiram ou omitiram uma conduta, em nome e no interesse da arguida, cabe também apreciar a questão omitida, para suprimento de tal nulidade.
Nos termos do art.º 548.º do Código do Trabalho, constitui contra-ordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima.
E, de acordo com o art.º 551.º, n.º 1 do mesmo diploma, o empregador é o responsável pelas contra-ordenações laborais, ainda que praticadas pelos seus trabalhadores no exercício das respectivas funções, sem prejuízo da responsabilidade cometida por lei a outros sujeitos.
Ademais, tendo presente a contra-ordenação que, em concreto, é imputada à arguida, estabelece o art.º 13.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, que a empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional, sendo tal responsabilidade excluída se a empresa demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no Capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
A este propósito, veja-se o Parecer n.º 11/2013, de 16 de Setembro, do Ministério Público - Procuradoria-Geral da República77, em cujo sumário se diz:
“5 - A responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas assenta numa imputação direta e autónoma, quer o fundamento dessa responsabilidade se encontre num "defeito estrutural da organização empresarial" (defective corporate organization) ou "culpa autónoma por défice de organização", quer pela imputação a uma pessoa singular funcionalmente ligada à pessoa coletiva, mas que não precisa de ser identificada nem individualizada.
6 - A imputação da infração à pessoa coletiva resulta de se considerar autor desta o sujeito que tiver violado (por ação ou por omissão) a proibição legal ou o dever jurídico cuja violação a lei comina com contraordenação, solução que é coerente com o facto de no Direito contraordenacional a ilicitude não assentar numa censura ético-jurídica mas sim na violação de um dever legal.
7 - O artigo 7.º do Regime Geral das Contraordenações adota a responsabilidade autónoma, tal como os regimes especiais em matéria laboral (artigo 551.º do Código do Trabalho), tributária (artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias), económica (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro), de valores mobiliários (artigo 401.º do Código dos Valores Mobiliários), de concorrência (artigo 73.º da lei da Concorrência) e de contraordenações ambientais (artigo 8.º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais), pelo que não é necessária a identificação concreta do agente singular que cometeu a infração para que a mesma seja imputável à pessoa coletiva.”
Trata-se de entendimento acolhido pacificamente na jurisprudência, conforme se exemplifica com o Acórdão da Relação de Lisboa de 26-04-2022, proferido no processo n.º 664/21.1Y4LSB.L1-58, em cujo sumário se refere:
“– Contrariamente ao Código Penal que exige no art.º 11.º um facto individual de conexão entre quem age e a pessoa coletiva (em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança, ou por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem), o art.7, do Regime Jurídico das contraordenações não faz referência a tal conexão, sendo as pessoas coletivas e as pessoas singulares colocadas em posição de igualdade: ambas são indiferenciadamente destinatárias das normas que tipificam contraordenações e das coimas nelas cominadas.
– Compreende-se a diferença de regimes do Código Penal e do Regime Jurídico das contraordenações, pois apesar da responsabilidade contraordenacional não dispensar o pressuposto da culpa, esta é distinta da culpa penal já que a culpa jurídico-penal implica um juízo de censura sobre o comportamento do agente, enquanto no direito de mera ordenação social o que ocorre é um juízo de mera advertência social, efetuado pelas autoridades administrativas.
– Considerando a complexidade que pode ter uma organização empresarial, em certos casos pode tornar-se ineficaz a procura de identificação do agente concreto, uma vez que um ato poderá passar por mais de um órgão, não sendo por vezes fácil determinar a pessoa concreta que agiu, exigindo-se, apenas, a certeza que a infração foi cometida no seio da instituição (pessoa coletiva).
– No regime contraordenacional é admissível a imputação de um facto à pessoa coletiva sem que seja necessária a ocorrência de uma transferência da culpa e da ação dos agentes individuais para a pessoa jurídica pois esta, ao nível das contraordenações, possui culpa própria.”
Retornando à decisão administrativa que baseia os presentes autos, constata-se que, na factualidade aí consignada, mormente na acima elencada, se descreve a conduta pertinente do motorista da arguida, seguida da conduta desta que propiciou a ocorrência daquela, a saber, não ter organizado a actividade de transporte, que desenvolve, de forma a que o condutor levasse consigo as folhas de registo dos últimos vinte e oito dias, ou, em alternativa, uma declaração justificativa/declaração de actividades, e não ter fornecido ao motorista instruções claras e precisas, no sentido de se fazer acompanhar sempre dos discos referentes ao período dos 28 dias anteriores à condução ou, não sendo isso possível, de documento que justifique a falta desses discos.
Ora, como referido, no regime jurídico das contra-ordenações laborais vigora o princípio da responsabilidade autónoma, pelo que a indicação das pessoas singulares que actuaram em nome e no interesse da pessoa colectiva arguida não é relevante para preenchimento e imputação a esta da infracção legalmente tipificada.
Assim, tem de concluir-se que a decisão administrativa não é omissa quanto à descrição dos factos imputados também quanto ao aspecto em apreço, o que basta para que não padeça de qualquer nulidade relacionada com a fundamentação de facto, nos termos já acima assinalados.
4. Posto isto, cabe apreciar se, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido, não se verifica a contra-ordenação pela qual a arguida foi condenada.
Vejamos.
Estabelece o art.º 36.º do Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Fevereiro de 2014, relativo à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários, que revogou o Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários e que alterou o Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários:
Registos que devem acompanhar o condutor
1. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores;
ii) O cartão de condutor, se o possuir; e
iii) Qualquer registo manual e impressão efectuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006.
2. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo digital, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) O seu cartão de condutor;
ii) Qualquer registo manual e impressão efectuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, nos termos do presente regulamento e do Regulamento (CE) n.º 561/2006;
iii) As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea ii), no caso de terem conduzido um veículo equipado com tacógrafo analógico.
3. Os agentes autorizados de controlo podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n.º 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados, impressos ou descarregados registados pelo tacógrafo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de quaisquer disposições, como as do artigo 29.º, n.º 2, e do artigo 37.º, n.º 2, do presente regulamento.
Por seu turno, estabelece o art.º 25.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, que constitui contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização, de cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efectuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar.
No caso em apreço, provou-se, em suma, que, no dia 16 de Setembro de 2020, AA conduzia a viatura com a categoria tractor, tipo mercadorias, com a matrícula ..-..-OP, equipada com um aparelho de controlo (tacógrafo analógico), propriedade da arguida, sob a autoridade, direcção e fiscalização desta. Tendo, então, sido sujeito a uma operação de fiscalização pela Guarda Nacional Republicana, o trabalhador mencionado não apresentou a totalidade dos registos respeitantes aos 28 dias anteriores ao da fiscalização, nem apresentou qualquer documento justificativo para a ausência de registos de tacógrafo referentes ao dia 28 de Agosto de 2020.
Assim, verificada a violação ao disposto no n.º 1, sem que tenha sido apresentada justificação nos termos do n.º 3, ambos do art.º 36.º do Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Fevereiro de 2014, conclui-se que a arguida cometeu a contra-ordenação prevista no art.º 25.º, n.º 1, al. b) da referida Lei n.º 27/2010.
Com efeito, as condutas ilícitas tipificadas como contra-ordenações são as que contrariem o disposto nos n.ºs 1 ou 2 do art.º 36.º do Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Fevereiro de 2014, limitando-se o n.º 3 do mesmo preceito a prever a exclusão da ilicitude das mesmas condutas através da exibição de documento que justifique a impossibilidade de apresentação dos documentos indicados nos números anteriores, v.g. pelo facto de o condutor ter estado de baixa por doença, de férias, de folga, em formação, a realizar outras actividades distintas da condução, etc..
É habitual argumentar-se, como a ora Recorrente, que a denominada “declaração de actividade” não integra os documentos aludidos no n.º 3 do art.º 36.º do mencionado Regulamento e apenas está prevista na Decisão da Comissão n.º 2009/959/EU, com referência ao art.º 11.º, n.º 3 da Directiva n.º 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março, que, nesta parte, não foi transposta para a ordem jurídica interna.
Ora, efectivamente, esta Directiva, pela sua natureza jurídica, tinha de ser transposta para o direito interno e apenas o foi através da mencionada Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, que é omissa no que se refere à tal “declaração de actividade”.
Não obstante, daí não resulta que a arguida não tenha cometido a contra-ordenação em apreço, pois, como se disse, para tanto basta que se tenha provado que o condutor que para si trabalhava não apresentou à autoridade policial todas as folhas de registo de tacógrafo dos 28 dias anteriores ao da autuação: a arguida é que podia alegar e provar a exclusão da ilicitude da conduta através da apresentação pelo condutor, no acto de fiscalização, de documentos comprovativos que permitissem justificar o incumprimento, nos termos do citado n.º 3 do art.º 36.º do Regulamento em referência, fossem “declarações de actividade” ou fossem quaisquer outros.
Ou seja, não era preciso que o condutor apresentasse uma “declaração de actividade” tal como está prevista nos aludidos instrumentos normativos comunitários, sem carácter obrigatório em Portugal, mas tinha que apresentar qualquer documento idóneo para o efeito, sendo certo que, por facilidade, a generalidade das empresas portuguesas vem optando por fazê-lo através daquele formulário.
Como resulta inequivocamente das disposições normativas acima indicadas – e sob pena de frustração da finalidade legal –, é no acto de fiscalização pelas autoridades policiais que o condutor deve poder apresentar às mesmas as folhas de registo de tacógrafo, ou, se não existirem, qualquer documento comprovativo que justifique a omissão, pelo que, estando provado que o condutor, no dia da fiscalização, não apresentou qualquer documento justificativo para a ausência de registos de tacógrafo, referentes ao dia 28 de Agosto de 2020, é irrelevante que se tenha apurado que o mesmo possui um comprovativo de pedido de renovação do cartão de cidadão com o n.º de processo 000000050854778 A, datado de 28 de Agosto de 2020, tanto mais que se mostra não provado que tivesse estado esse dia todo na Conservatória do Registo Civil de Condeixa-A-Nova.
Acolhe-se, pois, o douto Parecer do Ministério Público, quando refere:
«No caso em apreço, não possuindo o motorista a totalidade dos registos dos 28 dias anteriores à data da fiscalização a Recorrente sempre teria de fornecer ao seu trabalhador o documento comprovativo que permitisse justificar tal omissão.
No caso vertente não só o motorista não se encontrava munido da totalidade dos discos correspondentes aos 28 dias anteriores à data da fiscalização, como não exibiu, porque não foi emitido nem entregue pela Recorrente, o documento justificativo da inexistência da totalidade dos registos.
(…)
A apresentação de tal documento em sede de fase administrativa do processo de contraordenação ou no âmbito da presente impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não legaliza nem valida, de forma retroactiva, a conduta da Recorrente uma vez que, o que artigo 36.º, n.º 1 do Regulamento (UE) n.º 165/2014, pretende essencialmente assegurar, é a imediata apresentação aos agentes do controlo das folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores ou da declaração justificativa da sua não apresentação emitida pela empregadora.
Nos termos legais, é a obrigação de apresentação que constitui o dever imposto pela norma e não a sua apresentação em momento posterior.»
Sobre caso semelhante, veja-se o Acórdão da Relação de Évora de 1 de Outubro de 201599, onde se refere:
“Da interpretação conjugada dos referidos normativos legais, resulta, pois, em síntese, que quando solicitado por agente encarregado de fiscalização, o condutor de veículo de transporte rodoviário pesado de mercadorias deve apresentar o cartão de condutor de que for titular, as folhas de registo do dia em curso e dos 28 dias anteriores, sendo que a não apresentação de tais elementos constitui contra-ordenação muito grave.
Naturalmente que a fiscalização poderá ser efectuada através da análise das folhas ou dos dados, visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição.”
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão desta Relação de Lisboa de 11 de Setembro de 201910 e os demais citados no douto Parecer do Ministério Público.
Ainda com interesse, dispõe o já citado art.º 13.º da aludida Lei n.º 27/2010, com a epígrafe “Responsabilidade pelas contra-ordenações”:
1 - A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional.
2 - A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no Capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
3 - O condutor é responsável pela infracção na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22.º.
4 - A responsabilidade de outros intervenientes na actividade de transporte, nomeadamente expedidores, transitários ou operadores turísticos, pela prática da infracção é punida a título de comparticipação, nos termos do regime geral das contra-ordenações.
Isto é, enquanto o art.º 36.º do Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Fevereiro de 2014 se refere ao elemento objectivo da infracção, o art.º 13.º da Lei n.º 27/2010 reporta-se ao elemento subjectivo da infracção, ou seja, esta segunda norma define as condições em que a infracção verificada objectivamente nos termos daquela primeira norma deve ser imputada em função da culpa (ainda que presumida) ao empregador ou ao condutor e a terceiro.
Assim, como decorre do mencionado art.º 13.º da Lei n.º 27/2010, a responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que – no caso dos autos – o motorista pudesse apresentar os documentos mencionados no n.º 1 do art.º 36.º do citado Regulamento, ou, na sua falta, os mencionados no seu n.º 3, mormente facultando-os previamente ao trabalhador.
Trata-se duma situação de imputação subjectiva ao empregador da infracção praticada e não justificada pelo condutor, que, mesmo assentando numa mera presunção legal de culpa, é constitucionalmente admissível na medida em que aquele pode ilidir a culpa que a lei presume, demonstrando que organizou o trabalho de modo a que o condutor pudesse cumprir o ali disposto11.
Como se diz no Acórdão da Relação de Évora acima citado, “[p]ara excluir essa responsabilidade caberia então à empresa demonstrar que pôs à disposição do trabalhador todos os documentos necessários para que as entidades de fiscalização pudessem aferir da observância ou não das normas dos regulamentos, sendo da exclusiva responsabilidade do condutor não se ter feito acompanhar de tais documentos e/ou da sua não apresentação àquelas entidades.”
Ora, retornando aos presentes autos, constata-se que apenas se provou que a arguida ministrou acção de formação ao motorista AA, com o nome Regulamentação Social da Actividade, do qual fazia parte formação sobre tempos de trabalho e repouso, bem como sobre o uso do tacógrafo, em 19 de Dezembro de 2020, e, bem assim, que lhe entregou, como entrega a todos os seus motoristas, o “manual de boas práticas e regras para actividade de motorista”, do qual constam no capítulo 3.6 e 3.7 todas as informações necessárias ao cumprimento dos tempos de condução, repouso e tacógrafo.
Não se provou, pois, que a arguida tenha disponibilizado ao condutor identificado qualquer documento justificativo para a ausência de registos de tacógrafo, referentes ao dia 28 de Agosto de 2020, que aquele pudesse apresentar em caso de fiscalização durante a condução. Ao invés, provou-se que a arguida não organizou a actividade de transporte, que desenvolve, de forma a que o condutor levasse consigo as folhas de registo dos últimos 28 dias, ou, em alternativa, uma declaração justificativa/declaração de actividades.
Mais se provou que a arguida sabia que estava obrigada a fiscalizar o trabalho dos condutores e a cumprir as obrigações de registo dos tempos de condução, pausas e repousos da actividade dos seus motoristas.
O que a Recorrente invoca a seu favor é inapto para excluir a sua responsabilidade, apenas permitindo, como sucedeu, fixar a coima aplicada no mínimo.
Deste modo, verificando-se que a arguida não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impende, nos sobreditos termos, é de concluir que improcede o recurso.
5. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

Lisboa, 28 de Maio de 2025
Alda Martins
Sérgio Almeida
Paula Doria C. Pott
_______________________________________________________
1. O qual, com a epígrafe “Admoestação judicial”, estabelece: “Excepcionalmente, se a infracção consistir em contra-ordenação classificada como leve e a reduzida culpa do arguido o justifique, pode o juiz proferir uma admoestação.”
2. Disponível em www.dgsi.pt.
3. Disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, e pelo estudo exaustivo da questão, salienta-se o Acórdão da Relação do Porto de 11 de Abril de 2012, proferido no processo n.º 2122/11.3TBPVZ.P1, também disponível em www.dgsi.pt.
4. Disponível em www.dgsi.pt.
5. Disponível em www.dgsi.pt.
6. Cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Junho de 2018, proferido no processo n.º 1208/17.5T8LMG.C1; em sentido semelhante, o Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Março de 2017, proferido no processo n.º 4948/16.2T8LSB.L1-4, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
7. Publicado no Diário da República n.º 178/2013, Série II de 2013-09-16, páginas 28814 – 28827.
8. Disponível em www.dgsi.pt.
9. Proferido no processo n.º 77/15.4T8STC.E1, disponível em www.dgsi.pt.
10. Proferido no processo n.º 337/19.5T8LSB.L1-4, disponível em www.dgsi.pt.
11. Neste sentido, cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 514/2014, de 26 de Junho, no qual se considerou que “(…) se uma construção deste tipo pode ser problemática no domínio do direito penal, já em sede de direito de mera ordenação social, em que apenas está em jogo a aplicação de coimas, não suscita qualquer reserva, tanto mais que, neste caso, se permite que a entidade patronal afaste a sua responsabilidade contra-ordenacional, demonstrando que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o seu condutor pudesse ter cumprido a norma que inobservou, ilidindo, assim, aquela presunção”.