Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI POÇAS | ||
Descritores: | INDÍCIOS SUFICIENTES DIFAMAÇÃO TESTEMUNHA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/03/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | (da responsabilidade do relator): I – Não se configura a existência de indícios suficientes da prática de um crime de difamação relativamente a testemunha que presta o seu depoimento em inquérito crime, respondendo às questões colocadas pela entidade que presidiu à inquirição, de acordo com a sua convicção e razão de ciência, ainda que os factos descritos sejam pouco lisonjeiros para o assistente. II - À testemunha não é exigível que saiba qual é o objeto da investigação, nem pode deixar de responder às questões que lhe sejam colocadas, alegando que extravasam o âmbito da investigação (facto que também não cabe à testemunha apreciar). III – As expressões “um pouco megalómano” ou “que geria com uma certa grandiosidade, apesar dos projetos a que se propunha terem um impacto positivo no mercado”, proferidas sobre o assistente na inquirição em que a arguida depôs como testemunha, não podem considerar-se ofensivas daquele núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO No Tribunal Central Instrução Criminal foi proferida decisão instrutória, com o seguinte dispositivo: «Em conformidade, decido: - Não pronunciar a arguida AA pela prática, na forma consumada, de um crime de difamação com publicidade e calunia, previsto e punido pelos artigos 180º, nº 1 e 183º, nº 1, als. a) e b), ambos do Código Penal, de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360º, nº 1 do Código Penal e de um crime de violação de segredo, previsto e punido pelo artigo 195º, nº1 e 78º do RGISCF, que lhe é imputado pelos assistentes pelo que consequentemente determino o arquivamento dos autos». * Inconformados, recorreram os assistentes BB e CC, formulando as seguintes conclusões: «1) Vem o presente recurso interposto da decisão instrutória que não pronunciou a arguida AA pelos crimes de difamação com publicidade e calúnia, p. e p. pelos artigos 180, n.º 1 e 183, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do CP, falsidade de testemunho p.p. pelo artigo 360, n.º 1 do CP e violação de segredo p.p. pelo artigo 195 do CP. 2) A prova indiciária, que é evidente e indiscutida, corresponde ao depoimento da Arguida e aqui Recorrida AA – cfr. certidão junta sob o documento n.º 3 da participação criminal; fls. 23-25 dos autos), depoimento esse que foi prestado na qualidade de testemunha, no âmbito do processo n.º 3129/13.1TDLSB que correu termos na 1.ª secção do DIAP Regional de Lisboa e, posteriormente, no Juiz 8 do Tribunal Central de Instrução Criminal, no qual BB ocupou a posição processual de queixoso/assistente: Desse depoimento evidenciam-se os traços mais relevantes: Disse que quem "punha e dispunha" nas empresas do grupo ... e quem as geria era unicamente BB.... Acrescenta que BB era o único que tomava as decisões no grupo, era um pouco megalômano e que geria com uma certa grandiosidade, apesar dos projetos a que se propunha terem um impacto positivo no mercado. No entanto a sua gestão levantava algumas dúvidas. (…) Nessa altura foi constatado que valores financiados à ... saíram desta para outras empresas da esfera pessoal de BB, e tinham sido investidos em sítios em o ... não iria conseguir reaver, como por exemplo, investimentos imobiliários na ..., em ..., em ..., etc. Recorda também investimentos na empresa ..., para além de uma compra de um Ferrari que foi passada a titularidade do mesmo da ... para o advogado de BB, DD. Tendo sido constatado o desvio de património, assim como erros crassos por parte de opções de gestão feitas exclusivamente por BB, foi realizado um relatório à administração do ..., expondo a situação, ao qual houve a decisão de parar com o financiamento ao projeto .... (…) Destarte, recorda que confrontou BB com as pesquisas e com os desvios que foram detetados, tendo este tentado desculpabilizar-se, que não era a sua intenção e demonstrou total abertura da sua parte para um entendimento com o banco para que o projeto não terminasse a meio. Disse que BB nunca se preocupou com as obrigações que detinha nos pagamentos de salários e das dividas ao Estado, fornecedores e credores. Esclareceu que o financiamento adicional estava sempre condicionado à gestão de empresa e os fundos entregues pelo banco às pessoas que demonstravam confiança ao banco. Ao contrário de BB que demonstrava que queria apenas salvar a sua situação pessoal e não o projeto financiado, pois ele pensava que podia gerir o dinheiro que o banco emprestava como ele quisesse. (…) Atualmente a declarante exerce funções de … na ... (...) e que no âmbito dessas funções tem intervenção nas empresas de BB - CC - mas em nada interfere a sua experiência anterior tinha no .... Disse que exerce as suas funções com profissionalismo e sabe distinguir as circunstâncias, para além de referir que todas as decisões do banco são solidárias e não apenas de uma única pessoa. Acrescenta até que recentemente foi aumentado o financiamento da CC, em projeto semelhante à ... com o seu parecer favorável. 3) A DECISÃO INSTRUTÓRIA ignorou por completo a prova indiciária, violando o disposto no artigo 286, n.º 1 do CPP. 4) A DECISÃO INSTRUTÓRIA disserta e deambula acerca da natureza dos crimes imputados à Recorrida, invocando jurisprudência em termos genéricos, sem, porém, justificar, em concreto, as razões pelas quais considerou não existirem indícios suficientes da prática dos crimes, violando o disposto no n.º 1 do artigo 308 do CPP. 5) No caso vertente esses indícios são óbvios e intangíveis, não valendo como justificação o contorcionismo ensaiado pela Recorrida, que pretende, na 25ª hora, transformar difamações em elogios, sem desmentir a evidente falsidade dos factos que imputou ao Assistente, aqui Recorrente. 6) O Tribunal a quo decidiu em erro, mormente quando confundiu o objeto dos processos n.º 3129/13.1TDLSB, no qual a Recorrida prestou depoimento na qualidade de testemunha, onde o Assistente, ora Recorrente, também ocupava a posição processual de queixoso/assistente e cujo objeto era a investigação acerca da eventual atuação danosa ou burla dos administradores do ..., com o processo n.º 7888/15.9TDLSB onde se investigaram os alegados desvios de património e onde foi proferido despacho de arquivamento no que ao Recorrente diz respeito. 7) A DECISÃO INSTRUTÓRIA apreciou incorretamente a prova indiciária ao confundir estas duas realidades processuais. Trata-se de um vício que inquina as conclusões, e de um erro que ressalta evidente da análise do texto da DECISÃO INSTRUTÓRIA, dado que a prova indiciária revela um sentido único possível e a DECISÃO recorrida extrai uma ilação contrária. 8) Sendo certo que, em qualquer caso e sem influência do que, em cada um dos processos de inquérito estivesse a ser investigado, sempre a Recorrida teria de falar verdade no seu depoimento testemunhal, o que não fez. 9) Não só imputou factos (falsos) graves ao Recorrente, que corresponderiam, sendo verdadeiros, à prática de crimes, como revelou aspetos da atividade da Recorrente CC, que se acham cobertos pela obrigação de segredo (bancário neste caso). Na verdade: 10) O depoimento da Recorrida constitui a imputação de factos falsos lesivos da honra do Recorrente, proferidos no âmbito de um inquérito – sabendo que estes seriam mais facilmente divulgados - designadamente quando refere que este se dedica a atividades criminosas, desviando dinheiro do ... para seu benefício pessoal, incluindo aqui a compra de uma viatura Ferrari com capitais financiados para outro efeito), imputações essas puníveis pelo artigo 180, n.º 1 , 182 e 183 n.º 1, alíneas a) e b) do CP. 11) E quando acusa o Recorrente de desviar dinheiro para entidades terceiras, visando dificultar a cobrança dos créditos por parte do banco mutuário (no caso o ...). 12) É ofensivo denominar o Recorrente de megalómano tendo como objetivo apoucar o Assistente enquanto profissional. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30.5.1990 (proc. n.º 409398) salientou já o caráter ofensivo do vocábulo megalómano, tendo até reconhecido que esta expressão tem um “caráter objetivamente injurioso”. 13) Paralelamente, depois de uma preparação salgada com o ingrediente da megalomania, a Recorrida imputou ao Recorrente desvios de património da esfera das sociedades geridas por este para a sua esfera pessoal – “valores financiados à ... saíram desta para outras empresas da esfera pessoal de BB …,… para além de uma compra de um Ferrari que foi passada a titularidade do mesmo da ... para o advogado de BB, DD” – 14) Apesar da subjetividade no preenchimento do tipo legal do crime de difamação, parecem não existir dúvidas (sendo, aliás, essa a tendência jurisprudencial) de que incorre na prática do crime de difamação quem imputa falsamente a outrem a prática de atos ilícitos, designadamente desvios de dinheiro. Neste sentido, a título meramente exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.9.2022 (proc. n.º 16148/19.5T9PRT.P1), “A imputação ao assistente, enquanto autarca, sob a forma de suspeita, de condutas desonestas conectadas com a gestão de dinheiros públicos, não encerra a mera crítica ou de juízos de valor sobre aquele, mas antes insinuações sobre o cometimento de factos ilícitos e, como tal, enquadram-se no nº 1 do artigo 180º do Código Penal” e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 4.6.2024 (proc. n.º 2732/22.3T9STB.E1) “O arguido, na rede social “Facebook”, imputou ao assistente a prática de “burlas”, de “desvio de dinheiro” e de “pagamentos ilícitos”, e tais imputações carregam um significado suficientemente ofensivo da honra e da consideração do seu destinatário que integram os elementos típicos do crime de difamação.” 15) É precisamente isto que ocorre nos presentes autos: a Recorrida imputou ao Recorrente desvios de património das sociedades do ... para a sua esfera pessoal, conhecendo inequivocamente a falsidade das imputações, considerando as funções que aquela exercia à data dos factos o cargo de … no ... desde 2003 a 2010, onde participou e integrou o ... e ... para acompanhamento do “Projeto ...” (…) executado pelo ..., tendo acesso direto à documentação contabilística das sociedades do grupo ..., através da qual facilmente verificava os movimentos bancários realizados no seios das sociedades. 16) E nem se diga que está em causa a defesa de um interesse legítimo conforme previsto no artigo 180, n.º 2, al. a) do CP, como erradamente defendeu a DECISÃO INSTRUTÓRIA porquanto, conforme já referido, o objeto do processo no qual a Recorrida prestou depoimento nada tinha que ver com o por si relatado falsamente. 17) Assim, andou mal a DECISÃO INSTRUTÓRIA ao concluir que inexistem indícios suficientes da prática de crime, devendo ser a Recorrida pronunciada pela prática de um crime de difamação com publicidade e calúnia p.p. artigos 180, n.º 1, 182 e 183 n.º 1, alíneas a) e b) do CP, normas que se acham violadas pela decisão impugnada. 18)A Recorrida sabia da falsidade dos factos (ou, pelo menos, tinha a obrigação de o saber), sendo que, em qualquer caso, não tinha qualquer fundamento para os considerar verdadeiros, fundamento que, ademais, não invocou. 19)Sem embargo da alusão a um relatório fantasma, que nunca ninguém viu e cujo conteúdo se desconhece. 20) A Recorrida quis difamar o Recorrente, sabendo, como sabia, que lhe estava a imputar factos falsos, graves, ofensivos da sua honra e do seu bom nome, o que fez de forma dolosa, querida e intencional. 21) Acresce que concluiu erradamente a DECISÃO INSTRUTÓRIA que não se indicia que a ora Arguida, na qualidade de ali testemunha, tenha dolosamente visado faltar à verdade para obstar à realização da justiça porquanto a Arguida relatou factos que, além de falsos, em nada se relacionavam com o objeto do processo em que depôs, o que era, aliás, conhecimento desta, por via das funções que exercia à data dos factos. 22) Note-se que a doutrina é pacífica ao afirmar que o artigo 360 do CP não prevê qualquer elemento subjetivo especial relativo à intenção de obstar à realização da justiça, contrariamente ao que parece fazer crer a DECISÃO INSTRUTÓRIA. 23) Assim, os elementos típicos do crime de falsidade de testemunho encontram-se indiciariamente preenchidos de forma absoluta e inequívoca: (i) os factos relatados pela Recorrida são falsos e (ii) a Recorrida disso tinha conhecimento, conforme já referido, pelo facto das função das funções que exercia, à data dos alegados factos, no ..., que a permitiam ter contacto direto com as informações bancárias do Recorrente BB e das empresas que geria, e não porque foi proferido despacho de arquivamento no processo n.º 7888/15.9TDLSB 24) Não se compreende, pois, por que razão a DECISÃO INSTRUTÓRIA reproduzindo, ipsis verbis, o que constava do DESPACHO DE ARQUIVAMENTO, considera que “se tal não se provou [no âmbito do processo n.º 7888/15.9TDLSB], não se pode concluir que a Arguida tenha faltado conscientemente à verdade”. 25) Repugna esta forma atentatória da presunção de inocência (o não se ter provado não significa que tenha ocorrido!). 26) Repugna em geral, mas, sobretudo, quando o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público no processo onde o ora Recorrente foi investigado, é claro a afirmar a total ausência de indícios de qualquer crime que haja sido praticado pelo Recorrente (aí arguido). Mais: 27) A seguir este raciocínio, consagrar-se-ia a morte dos crimes de difamação mediante a imputação de factos falsos, que, a verificarem-se, constituiriam a prática de crimes. É que, bem vistas as coisas, os visados poderiam ter sempre ter praticado esses crimes, ou outros, só que isso ainda não se descobrira! 28) Tudo isto é de proscrever: os factos imputados são falsos, a imputação foi dolosa e intencional, orientada ao objetivo de difamar o Recorrente. 29) Tudo no âmbito de um depoimento prestado num processo de inquérito. 30) Assim, devia a DECISÃO INSTRUTÓRIA ter pronunciado também a Recorrida pela prática de um crime de falsidade de testemunho p.p. artigo 360, n.º 1 do CP, norma que a decisão recorrida também violou 31) No que diz respeito à violação de segredo, concluiu mal a DECISÃO INSTRUTÓRIA quando considerou que a Arguida não estava vinculada ao dever de sigilo pelo que não incorreu no crime em apreço, considerando o disposto no artigo 79, n.º 2, al. d) do DL 298/92 de 31 de dezembro com a redação introduzida pela Lei nº36/2010 de 2/9, permite o acesso pelas autoridades judiciárias em processo penal, isto é, na fase de inquérito de qualquer processo penal, com dispensa de intervenção do Juiz, às informações bancárias necessárias à descoberta da verdade material. 32) Desde logo: os colaboradores de entidades bancárias estão sempre sujeitos a segredo, podendo este, verificados os pressupostos legais, ser quebrado. Não foi o caso, nem o poderia ser. 33) A Recorrida referiu-se à Recorrente CC em violação da lei, tendo em conta que esta não era sequer interveniente processual nos autos em que o depoimento foi prestado, (a sociedade ainda não estava não existia juridicamente na configuração que atualmente existe) e revelou informações sujeitas a sigilo. 34) É que, aquando do seu depoimento, a Recorrida aludiu à Recorrente CC no sentido que, por um lado, que no âmbito das suas atuais funções de … na ... (...) e que no âmbito dessas funções tem intervenção nas empresas de BB - CC e, por outro que recentemente foi aumentado o financiamento da CC, em projeto semelhante à ... com o seu parecer favorável. 35) Com o seu depoimento, a Recorrida revelou que a Recorrente CC se encontra sob a alçada do departamento de recuperação de crédito da ... e que lhe recentemente foi aumentado o financiamento para um projeto semelhante ao que estava a ser desenvolvido pela .... 36) A Recorrente CC viu relevadas informações sensíveis e protegidas por segredo relacionadas com a sua vida económica e bancária, que não eram essenciais à boa decisão da causa, e, repete-se, extravasavam totalmente o objeto da investigação, que corria contra os administradores da ... e não contra nenhum dos Recorrentes. 37) A DECISÃO INSTRUTÓRIA não faz qualquer ponderação sobre estes condicionalismos legais, limitando-se a constatar que existia uma investigação criminal em curso (que em nada se relacionava com as informações reveladas pela Recorrida) concluindo – erradamente - que, por isso, é lícita a revelação de informações sujeitas a sigilo bancário ao abrigo do artigo 79, n.º 2 al. e) do RGICSF. 38)Dúvidas não existem sobre o facto de a Recorrida estar vinculada ao dever de sigilo, nos termos do artigo 78 do RGISCF e tal como defende pacificamente a doutrina e jurisprudência, contrariamente ao defendido na DECISÃO INSTRUTÓRIA. 39) Assim, devia o Tribunal a quo ter concluído pela existência de indícios suficientes da prática do crime de violação de segredo p.p. artigo 195 do CP, e ter pronunciado a Recorrida quanto a este crime, norma que assim também se acha violada pela decisão recorrida». * Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público remetendo para a decisão instrutória. * A arguida não respondeu. * Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo. * Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido da improcedência do recurso. * Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta ao parecer pela arguida. * Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. Cumpre decidir. OBJECTO DO RECURSO Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995] Desta forma, tendo presentes tais conclusões, a questão a decidir consiste em verificar se estão reunidos indícios suficientes da prática dos crimes imputados pelos assistentes à arguida (crimes de difamação com publicidade e calúnia, p. e p. pelos artigos 180, n.º 1 e 183, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do CP, falsidade de testemunho p.p. pelo artigo 360, n.º 1 do CP e violação de segredo p.p. pelo artigo 195 do CP). DA DECISÃO INSTRUTÓRIA RECORRIDA Da decisão recorrida consta a seguinte fundamentação: «(…) Na origem do inquérito está a denúncia, de fls. 2ss., apresentada por BB e CC contra AA por factos relacionados com o inquérito 3129/13.1 TDLSB, que correu termos na 1.ª secção do DIAP Regional de Lisboa, em que o participante é Assistente e no qual a Denunciada foi inquirida como testemunha, por factos relacionados com as funções de … que exerceu de... (...). Porquanto, inerente a tais funções estava a participação no sindicato bancário do ... e ... constituído para acompanhamento do projecto imobiliário ..., que foi executado e promovido pelo ... (o Participante foi … da ... e é acionista único do grupo ...; a ... é 100% detida pelo participante BB). Foi relativamente a essas funções que desempenhou, bem como o acompanhamento que fez aos financiamentos do ... que a Denunciada prestou depoimento, na qualidade de testemunha, no âmbito do processo 3129/13.1TDLSB e segundo a denúncia, faltado à verdade na inquirição. Foi junta, com a denúncia, certidão do despacho final, de arquivamento, proferido no inquérito 7888/15.9TDLSB, onde massa insolvente de ... se queixou de BB e outros, por dissipação do património da denunciante, mediante a prática de crimes contra o património, em benefício de BB (cfr. fls. 27-44), bem como do arquivamento no NUIPC 3129/13.1TDLSB e da inquirição aí proferida pela Denunciada e aqui em apreço (cfr. fls. 195-259). Daí resulta, em suma, que AA esclareceu que: “foi colaboradora do ..., onde exerceu funções como … desde 2003 até 2010 e nessa sequência fez parte do sindicato bancário do ... e ... para acompanhamento do “…”. Integrou o referido sindicato, na altura em que o projeto transitou para a sua Direção por ter entrado em incumprimento o pagamento da dívida bancária pelo grupo .... O sindicato foi criado para financiar a construção do ..., para além de ter sido também concedido cerca de 15 milhões para investimentos do .... Normalmente nas operações sindicadas de elevado montante, é normal que o contrato de financiamento contenha várias cláusulas, entre elas, que tenha de ser dado conhecimento prévio ao sindicato bancário de eventual alteração do Conselho de Administração para o conhecimento ou consentimento desse sindicato. O assistente era o acionista único da empresa e, nas vezes que reuniu com o mesmo, este demonstrava ter total controlo das empresas do Grupo bem como das decisões tomadas no grupo e a sua gestão. Os administradores (EE, FF e GG) eram apenas administradores profissionais. O assistente tinha uma exposição à banca muita elevada e, como procedimentos habituais na banca, eram feitas periodicamente pesquisas patrimoniais dos devedores e avalistas, o que era o seu caso. Como procedimento do banco, disse que ao apresentar incumprimento, o banco primeiramente vai aferir se o projeto tem viabilidade. Caso o projeto financiado não tenha viabilidade o Banco executa as garantias. No caso em concreto, disse ter sido analisado o projeto o qual foi considerado um bom projeto, mas, no entanto, encontrava-se inacabado, e caso fosse executado na altura a perda para os bancos poderia ser muito maior. Assim foi viabilizada a continuidade do financiamento por forma a reduzir as perdas para o banco. Todas as decisões eram do conhecimento de todos intervenientes, concretamente do acionista e dos administradores. Na altura existia falta de liquidez para proceder aos pagamentos de salários e impostos. Assim, para dar continuidade ao projeto era realizado um relatório pela testemunha e proposta uma autorização de débito em conta, que atuaria sob a forma de descoberto. No entanto, para existirem tais procedimentos, foi realizado previamente um levantamento económico financeiro do grupo ..., tendo também sido realizas as pesquisas patrimoniais, onde foi apurado que valores financiados à ... saíram desta para outras empresas da esfera pessoal do assistente, que tinham sido investidos em sítios que o ... não iria conseguir reaver, como por exemplo, investimentos imobiliários na ... ou em .... Referiu também recordar-se de investimentos na empresa ..., e da compra de um Ferrari em que foi passada a titularidade do mesmo da ... para o advogado de BB, DD. Assim, por ter sido apurado o desvio de património, assim como erros crassos por parte de opções de gestão feitas exclusivamente pelo assistente, foi realizado um relatório entregue à administração do ... expondo a situação e em que resultou na decisão de parar com o financiamento ao projeto ..., isto porque houve a quebra de confiança do banco no que respeita ao assistente, e que culminou em medidas impostas ao assistente e alterados procedimentos e controlo por parte do ..., nomeadamente no que respeitava ao apoio à tesouraria da .... Confrontou o assistente com as pesquisas e com os desvios que foram detetados, tendo este tentado desculpabilizar-se, que não tinha sido a sua intenção e demonstrou total abertura da sua parte para um entendimento com o banco para que o projeto ... não terminasse a meio. Em resultado o Banco sugeriu ao acionista que, se era ele o problema, uma vez que quebrou a confiança do Banco, continuando o dono da empresa, não poderia estar à frente da gestão da mesma, para que o que projeto ... fosse terminado. Disse que foram chamados ao Banco o assistente e os três administradores, foi colocada a hipótese de afastamento do assistente da Administração e da gestão da empresa, por ter sido colocada em causa a base da confiança entre o Banco e o assistente. O assistente acolheu positivamente a proposta, não tendo sido nunca coagido para qualquer ato, até porque foi ele que solicitou ao banco para que se conseguisse uma solução para salvar a sua imagem profissional e de empresário reconhecido. O financiamento adicional esteve sempre condicionado à gestão da empresa e os fundos entregues pelo banco às pessoas que demonstravam confiança ao banco, ao contrário do assistente que demonstrava que queria apenas salvar a sua situação pessoal e não o projeto financiado, pois ele pensava que podia gerir o dinheiro que o banco emprestava como ele quisesse. Acrescentou que o assistente nunca se preocupou com as obrigações que detinha nos pagamentos de salários e das dívidas ao Estado, fornecedores e credores nomeadamente aos bancos. O assistente nunca propôs como solução a nomeação de novos administradores para a gestão do grupo ... e sempre demonstrou confiança nos administradores presentes nas reuniões. O banco foi favorável à continuidade dos administradores em causa, EE, FF e GG, pois eram administradores profissionais, ou seja, não eram acionistas das empresas em causa, e tinham vindo a demonstrar total competência e conhecimento do projeto em causa, sendo essa a intenção do Banco para que o projeto pudesse ser concluído. Os administradores mencionados não demonstraram qualquer resistência à sua continuidade, desde que fossem cumpridas certas condições, nomeadamente, a garantia de apoio por parte do ... por forma a que não fossem responsabilizados patrimonialmente pelas dívidas assumidas pela ..., a independência na gestão para que o assistente não tivesse intervenção na gestão financeira e patrimonial, entre outras. Disse que todos os intervenientes concordaram, tendo assim sido redigido e assinado o Mandato de Gestão de livre e espontânea vontade pelo acionista e pelos três administradores. Os termos das condições acordadas foram discutidos à frente do Banco, mas este não tinha intervenção direta, o ... tinha apenas conhecimento, o detalhe das condições era sempre discutido entre o assistente e os administradores. Não acompanhou a execução do mandato de gestão porque, entretanto, cessou as suas funções profissionais no .... No entanto, recordava-se que era cada vez mais difícil aprovar os apoios do banco e ter garantias adicionais para a conclusão da construção do ..., pelo que houve um dia em que os três administradores informaram o banco que iriam apresentar a ... à insolvência. Assim, como prática comum para este tipo de projetos de elevado valor, o banco continuou a acompanhar a situação e o desenvolvimento da insolvência. Esclarece que o risco era elevado, mas que para conseguir recuperar o seu crédito, o projeto tinha de ser acabado, pelo que quando saiu do ... sabe que estava a ser elaborado o plano de insolvência para que não que houvesse a liquidação. Quando questionada, disse que em relação à nomeação do administrador de insolvência, HH, este administrador foi sugerido pelo ... isto porque já tinha trabalhado num processo com algumas semelhanças ao projeto da envergadura da ..., no que diz respeito aos elevados montantes de crédito cedido pelo Banco, e que HH demonstrou um grande profissionalismo e empenho para que fosse evitada a liquidação da empresa.” (cfr. despacho no Processo: 3129/13.1tDLSB – a fls. 207 a 208/v.). A ora arguida prestou declarações, em linha com as demais testemunhas ligadas ao sindicato bancário, por factos que tomou conhecimento no âmbito das suas funções profissionais. Quanto ao crime de falsidade de testemunho, pune-se a prestação de declaração falsa, ou seja, a que respeita a matéria sob dever de verdade e não corresponde à realidade histórica, estando o dever de verdade limitado ao facto de que a testemunha tenha conhecimento directo. Trata-se de crime doloso como supra referido. Ora não se indicia que a ora arguida, na qualidade de ali testemunha, tenha dolosamente visado faltar à verdade para obstar à realização da justiça. Quanto às declarações que prestou, disse ter exercido as funções que efectivamente se confirma que exerceu, descreveu o contacto que teve com o assistente, sendo que os factos que reportou, não obstante a qualificação de megalômano e das alusões ao desvio de património e da compra do Ferrari, se prendem exactamente com o objecto daqueles processos, que visou no depoimento em causa, não se retirando daí qualquer intenção de faltar à verdade ou de denegrir o assistente. Aliás, o processo 7888/15.9TDLSB foi arquivado por falta de indícios, nos termos do artigo 277.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, ou seja, por não se terem apurado concretos factos que confirmassem as suspeitas, ao não ser possível apurar de forma suficientemente indiciária a alegada dissipação de património da ... pelo arguido BB. Se tal não se provou, não se pode concluir que a ora arguida tenha faltado conscientemente à verdade, facto que nenhuma das testemunhas inquiridas concretiza. Aliás, os depoimentos destas testemunhas em nada versam sobre a factualidade que versa o depoimento da aqui arguida; na verdade, estas testemunhas, com funções na sociedade CC, revelam ter parco conhecimento dos factos descritos pela arguida, e como refere a segunda testemunha, tem conhecimento pelo que lhe foi transmitido pelo assistente. Assim, da prova recolhida, máxime das testemunhas inquiridas, não resultam infirmadas as declarações da arguida de molde a se concluir pela sua falsidade. Como decidido no Acórdão do TRP de 14.12.2017, “No crime de violação de segredo protege-se o sigilo profissional nele englobando o segredo bancário.” (in https://www.dgsi.pt. O segredo bancário encontra-se regulado no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro. O artigo 78.º dispõe quanto ao “Dever de segredo” que “Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.”. O artigo 79.º do mesmo diploma legal dispõe que: “os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados: (…) e) Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal; (…) h) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo.” As referidas alíneas do n.º 2 do artigo 79º do RGICSF remetem, pois, para a lei penal e processual penal e para as disposições especiais que limitem o dever de segredo. Entre estas últimas contam-se a legislação penal sobre cheques sem provisão (artigo 13º-A do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28-12, introduzido pelo Decreto-Lei nº 316/97, de 19-11), a legislação sobre combate à criminalidade organizada e económicofinanceira (artigo 2.º da Lei n.º 5/2002, de 11-1) e ainda a legislação sobre branqueamento de capitais (artigo 9.º da Lei n.º 11/2004, de 27-3) - nelas se estabelece o dever de as instituições bancárias prestarem as informações necessárias para a investigação das respectivas infracções. Nestes casos, as instituições bancárias têm o dever de prestar às autoridades de investigação criminal as informações que lhes forem solicitadas. O segredo bancário cede, nessas situações, por imposição legal ao interesse público de investigação criminal. O artigo 78º prevê o segredo profissional dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, dos seus empregados, mandatários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional. No entanto, tal dever de segredo não é absoluto e pode ser revelado em investigação criminal, em conformidade com o artigo 79º, n.º 2, do mencionado diploma legal. Como decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.02.2017 “Os valores protegidos pelo sigilo bancário são, por um lado, o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança e segurança nas relações entre os bancos e seus clientes e o direito à reserva da vida privada desses clientes. II. Conquanto encontrando arrimo constitucional o direito ao sigilo bancário não é um direito absoluto. III. Já a garantia de acesso aos tribunais, é uma garantia plena. (…) Nessa circunstância o dever de sigilo deve ceder perante o direito à prova da verdade dos factos.” in https://www.dgsi.pt. No acórdão do mesmo Tribunal de 25-10-2011, o novo regime do artigo 79.º, nº 2, al. d), do DL n.º 298/92, de 31/12 (RGICSF), com a redacção introduzida pela Lei nº36/2010 de 2/9, permite o acesso pelas autoridades judiciárias em processo penal, isto é na fase de inquérito de qualquer processo penal, com dispensa de intervenção do Juiz, às informações bancárias necessárias à descoberta da verdade material. Assim, a arguida não estava vinculada ao dever de sigilo pelo que não incorreu no crime em apreço. Igualmente não há matéria indiciadora suficiente de que a arguida tenha incorrido, objectiva e subjectiva, na prática de crime de falsidade de testemunho. A arguida limitou-se a prestar declarações em processo crime a que foi chamada na qualidade de testemunha, não se indiciando ter mentido, depondo sobre o que foi chamada a falar. As palavras proferidas têm alguma conotação pejorativa. Desde já que o adjectivo megalómano foi utilizado para descrever a conduta do assistente, mas há que integrar esta e demais expressões no contexto em que foram proferidas. As palavras foram proferidas, no âmbito de uma investigação criminal, onde por natureza, se investigam actos criminais e se imputam factos ilícitos, que não lhe são lisonjeiros, podendo essa imputação assumir formas mais ténues, como a afirmação de não pagamento de dívidas, ou formas mais violentas. Mas, sob pena de se negar o acesso ao direito, previsto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, tem de entender-se que só em casos que extravasem os meios necessários para a prova se pode concluir que os intervenientes cometerão o crime de difamação. Havendo dois interesses em conflito – de um lado o dever de respeito pela honra e consideração das pessoas e do outro a salvaguarda do direito de realizar a justiça – deve prevalecer este último, com a consequente implicação da irresponsabilidade criminal das imputações - cfr. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/05/99, in www.dgsi.pt. O depoimento da arguida integrou a própria matéria investigada, não extravasando o seu âmbito e não constituindo por isso afirmações gratuitas e sem sentido pelo que se conclui que as imputações foram feitas para realizar interesses legítimos, estando, por isso, preenchida a circunstância prevista no artigo 180º, n.º 2, al. a) do Código Penal. Mesmo em sede indiciária, não existem quaisquer elementos que permita afirmar que a arguida não esteja convencida da veracidade do por si alegado nem que tenham faltado à verdade. Nestes termos, considera o Tribunal que as diligências de prova efectuadas quer em sede de inquérito quer em sede de instrução – documentos juntos pelo assistente e pela arguida - inexistem indícios suficientes para se considerar indiciada a prática dos crimes pela arguida pelo que é de concluir pela prolação de despacho em conformidade (…)». FUNDAMENTAÇÃO A instrução, diz o art.º 286.º, n.º 1 do CPP, visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Por sua vez, o art.º 308.º, n.º 1 do mesmo Diploma dispõe que, «se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia». Nos termos do art.º 283.º, n.º 2 do CPP, «consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança». Quanto à suficiência dos indícios, entende-se os indícios são suficientes para acusar ou pronunciar alguém sempre que, num juízo de prognose, se conclua que é mais provável a sua futura condenação do que a sua absolvição (“teoria da probabilidade dominante”). Como ensina Figueiredo Dias, «os indícios só serão suficientes e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando seja mais provável do que a absolvição» (Direito Processual Penal, I, 1984, p. 133). Como se refere no Acórdão do STJ de 16/06/2005 (Proc. 05P1938 em www.dgsi.pt), «aquela ‘possibilidade razoável’ de condenação é uma possibilidade mais razoável, mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é (mais) provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido ou os indícios são os suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição». Por conseguinte, os indícios consideram-se suficientes sempre que, por via deles, o juiz chegue a um juízo de prognose em que a condenação do arguido é mais provável do que a absolvição. Nessa situação, deve ser proferido despacho de pronúncia. Tendo presentes estas noções, importa apreciar o caso dos autos. Começam os assistentes por referir que a decisão instrutória não considerou a prova indiciária, violando o disposto no artigo 286, n.º 1 do CPP. De acordo com o disposto na citada disposição legal, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Como resulta da leitura da decisão instrutória, a mesma identifica toda a prova indiciária recolhida, detendo-se especialmente na certidão do inquérito n.º 3129/13.1TDLSB, no qual a arguida prestou depoimento na qualidade de testemunha, pelo que carece de fundamento a alegação de que não foi considerada a prova indiciária. O que sucede é que os assistentes discordam do juízo feito pelo Tribunal quanto à suficiência dos indícios, ou seja, existe uma divergência dos recorrentes relativamente à apreciação dos indícios feita na decisão instrutória, mas esta não padece de qualquer vício que a inquine por omissão de apreciação. Também não se justifica a alegação de que a decisão instrutória não apresenta as razões, em concreto, pelas quais considerou não existirem indícios suficientes da prática dos crimes, violando o disposto no n.º 1 do artigo 308 do CPP, pois basta ler a decisão recorrida, acima transcrita nos seus aspetos essenciais, para verificar que é feita uma ponderada apreciação dos indícios, nomeadamente do depoimento prestado pela ora arguida no supra citado inquérito. Os recorrentes referem também que o Tribunal confundiu o objeto dos processos n.º 3129/13.1TDLSB, no qual a recorrida prestou depoimento na qualidade de testemunha, sendo o ora recorrente queixoso/assistente e cujo objeto era a investigação acerca da eventual atuação danosa ou burla dos administradores do ..., com o processo n.º 7888/15.9TDLSB onde se investigaram alegados desvios de património, tendo sido proferido despacho de arquivamento no que ao Recorrente diz respeito. Porém, lida a decisão instrutória, nomeadamente os primeiros quatro parágrafos supra transcritos, é bem clara distinção entre ambos os processos e respetivos objetos, não sendo evidente qualquer confusão entre ambos geradora de erro na decisão. Assim, aquilo que importa é verificar se estão reunidos indícios da prática pela arguida dos crimes imputados pelos recorrentes. Começando pelo crime de difamação, dispõe o art.º 180.º, n.º 1 do CP: «quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias». Por sua vez, o art.º 183.º do CP, invocado pelos recorrentes, dispõe o seguinte: «1 – Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180º, 181º e 182º: a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; As penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo». O assistente imputa a prática deste crime à arguida, por esta ter declarado no seu depoimento que «BB era o único que tomava as decisões no grupo, era um pouco megalômano e que geria com uma certa grandiosidade, apesar dos projetos a que se propunha terem um impacto positivo no mercado». Como é sabido, existe em todas as comunidades um sentido comum, aceite por todos ou pelo menos pela maioria, sobre o comportamento que cada um deve adotar para que a vida em sociedade se processe com normalidade. «Há um sentir comum em que se reconhece que a vida em sociedade só é possível se cada um não ultrapassar certos limites na convivência com os outros» (cfr. António Jorge de Oliveira Mendes, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, 1996, p. 38). O comportamento ofensivo, que não se confunde com a infração de regras de educação ou cortesia («o direito penal, neste particular, não deve nem pode proteger as pessoas face a meras impertinências»), surge quando é ultrapassado o mínimo de respeito a que correspondem aqueles limites (idem, p. 39), A doutrina e a jurisprudência ressaltam que as palavras e expressões têm de ser apreciadas no seu contexto situacional. «Do mesmo modo que um vocábulo linguístico só adquire sentido no contexto em que é utilizado, por maioria de razão a relevância penal de qualquer expressão só pode ser aferida contextualizadamente» (Acórdão do STJ de 13/03/2024, P. 253/21.0T9GDM.P1.S1 em www.dgsi.pt). Como o legislador não instituiu qualquer limite ou regra para definir a linha entre o que se considera e não considera ofensa à honra, cabe à jurisprudência fazer essa apreciação, fazendo uso de sensibilidade e bom senso para ativar o Direito e procurar nos princípios da fragmentariedade, da intervenção mínima e da proporcionalidade do direito penal, a insignificância e a adequação social das palavras pronunciadas (cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa de 04/12/2019, P. 4477/14.9TDLSB.L1-3, em www.dgsi.pt). Ora, a jurisprudência vem entendendo que é próprio da vida em sociedade existir alguma conflitualidade entre as pessoas, que se traduz em animosidade e tem expressão ao nível da linguagem, o que pode revelar-se na utilização de palavras azedas, acintosas ou agressivas. «E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função» (cfr. o Acórdão da Relação do Porto de 12/06/2002, citado no Acórdão da Relação do Porto de 19/12/2007, P. 0715118; e Relação de Lisboa de 13/10/2020, P. 686/17.7PGLRS.L1-5 em www.dgsi.pt). No caso dos autos, está em causa a expressão “megalómano”, que a arguida referiu no seu depoimento como testemunha no processo de inquérito n.º 3129/13.1TDLSB. Melhor dizendo, “um pouco megalómano” ou melhor ainda, “que geria com uma certa grandiosidade, apesar dos projetos a que se propunha terem um impacto positivo no mercado”. Como é bom de ver, a expressão no seu contexto integral não pode considerar-se ofensiva daquele núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Resulta da frase transcrita que a arguida queria referir-se à ideia de grandiosidade dos projetos geridos pelo assistente (como era certamente o ..., acompanhado pelo sindicado bancário que a ora arguida integrou), cujo impacto positivo no mercado é por si realçado. Neste condicionalismo, ainda que possa existir um sentido ligeiramente pejorativo, mal seria que o direito penal fosse chamado a intervir em tutela da honra, pois trata-se de uma expressão que no contexto utilizado não tem suficiente dignidade para merecer a sua qualificação como crime e o direito penal não pode estar ao serviço de susceptibilidades pessoais desenquadradas do sentir geral da comunidade. Quanto ao mais, os recorrentes insurgem-se quanto ao teor do depoimento da ora arguida, quando depôs como testemunha no inquérito n.º 3129/13.1TDLSB, por aí ter sido afirmado que foi constatado que valores financiados à ... saíram desta para outras empresas da esfera pessoal de BB, e tinham sido investidos em sítios em o ... não iria conseguir reaver, como por exemplo, investimentos imobiliários na ... e ..., para além de uma compra de um Ferrari que foi passada a titularidade do mesmo da ... para o advogado do assistente. Entende o recorrente que são ofensivas da sua honra e consideração tais menções a desvio de património, assim como a conclusão de que existiram erros crassos de opções de gestão. Ora, como bem se refere na decisão recorrida, a ora arguida foi inquirida como testemunha no sobredito inquérito, atentas as funções que exerceu no ... como … desde 2003 até 2010 e nessa sequência fez parte do sindicato bancário do ... e ... para acompanhamento do “...”, integrando tal sindicato por ter entrado em incumprimento o pagamento da dívida bancária pelo grupo ..., de que o recorrente era o único acionista. E foi com base no exercício dessas funções e do levantamento económico e financeiro do grupo ..., que prestou aquele depoimento, do qual resultou que foi realizado um relatório entregue à administração do ..., expondo a situação e que conduziu à decisão de parar com o financiamento ao projeto ..., por quebra de confiança do banco relativamente ao assistente. Tratando-se de um depoimento prestado no âmbito de um inquérito criminal, o dever de responder, com base no conhecimento de que a testemunha dispõe (que no caso resultava do exercício das respetivas funções e das diligências realizadas nesse âmbito), não pode considerar-se verificado o crime de difamação, pois, como se refere na decisão recorrida, tais «palavras foram proferidas, no âmbito de uma investigação criminal, onde por natureza, se investigam actos criminais e se imputam factos ilícitos, que não lhe são lisonjeiros, podendo essa imputação assumir formas mais ténues, como a afirmação de não pagamento de dívidas, ou formas mais violentas. Mas, sob pena de se negar o acesso ao direito, previsto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, tem de entender-se que só em casos que extravasem os meios necessários para a prova se pode concluir que os intervenientes cometerão o crime de difamação». O recorrente alega que a decisão instrutória labora em erro, porque no processo n.º 3129/13.1TDLSB não estavam em causa factos ilícitos praticados pelo assistente, mas antes uma queixa apresentada por este contra os administradores do Grupo societário ..., mas sem razão, pois o que releva é que a ora arguida foi inquirida como testemunha, respondendo às questões colocadas pela entidade que presidiu à inquirição, à qual compete delimitar o respetivo objeto, e não o contrário. À testemunha não é exigível que saiba qual é o objeto da investigação, nem pode deixar de responder às questões que lhe sejam colocadas, alegando que extravasam o âmbito da investigação (facto que também não cabe à testemunha apreciar). Por conseguinte, tratando-se de responder a questões colocadas à testemunha, às quais esta estava obrigada a responder, o que fez de acordo com a sua razão de ciência, não pode considerar-se verificado o crime de difamação, prevalecendo o direito de realizar a justiça, que constitui um interesse legítimo, pelo que está preenchida a circunstância prevista no artigo 180º, n.º 2, al. a) do Código Penal. Acresce que não existem quaisquer elementos que indiciem que a arguida não esteja convencida da veracidade do por si alegado nem que tenha faltado à verdade, pois, como se viu, a mesma justifica o declarado com as diligências realizadas no âmbito das suas funções profissionais, diligências essas que tiveram suficiente fundamento para levar o ... parar com o financiamento ao projeto ..., por quebra de confiança do banco relativamente ao assistente. Quanto à compra do Ferrari, embora o assistente invoque o despacho de arquivamento do processo n.º 7888/15.9TDLSB, na parte em que o mesmo refere que foi feita prova de que o veículo pago pelo recorrente através de cheque sacado da sua conta pessoal, não se compreende a que título foi emitida a respetiva fatura em nome da ..., fatura que foi posteriormente anulada e emitida nova fatura do mesmo veículo em nome da empresa ..., segundo se refere no mesmo despacho, pois, ou bem que se trata de uma viatura pessoal, e então a fatura deve ser emitida em nome do respetivo titular, ou bem que se trata de uma viatura da empresa, e neste caso integra o seu património, não podendo ser emitidas faturas sem correspondência com a realidade. Como quer que seja, tal descrição parece dar fundamento à imputação feita pela arguida quando depôs como testemunha, pois a análise da contabilidade da ... certamente suscitará dúvidas sobre o motivo da emissão de uma fatura relativa à viatura em questão, que foi posteriormente substituída por outra. Tudo isto para concluir que não existem suficientes indícios que revelem que a ora arguida tivesse pretendido faltar à verdade ou estivesse ciente de o fazer. Nem a prova documental o revela com o suficiente rigor, muito menos a prova testemunhal produzida, como também se assinala na decisão recorrida. Assim não se verificam suficientes indícios da prática de um crime de difamação, muito menos com publicidade (o facto de o inquérito não se encontrar sujeito a segredo de justiça não o transforma num meio que facilite a divulgação) ou calúnia, previsto nos arts. 180, n.º 1, 182 e 183 n.º 1, alíneas a) e b) do CP. O recurso improcede quanto a esta infração. Quanto ao crime de falsidade de testemunho, dispõe o art.º 360.º, n.º 1 do CP: «quem, como testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete, perante Tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento, apresentar relatório, der informações ou fizer traduções falsos, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias». Como já acima se viu, a razão de ciência da arguida, quando depôs como testemunha – no cumprimento de um dever legal – relaciona-se com as funções que exerceu no ... como …, integrando o sindicato bancário do ... e ... para acompanhamento do “...”. Os recorrentes alegam que está indiciada a prática deste crime, pois a arguida relatou factos que, além de falsos, em nada se relacionavam com o objeto do processo em que depôs, o que era conhecimento desta, por via das funções que exercia à data dos factos. Ora, quanto ao objeto do processo n.º 3129/13.1TDLSB, no âmbito do qual foi prestado o depoimento testemunhal aqui em consideração, dão-se por reproduzidas as considerações anteriores, pois o dever legal da testemunha depor é independente desse objeto, apenas lhe assistindo o dever de responder ao que lhe for perguntado pela autoridade judiciária e não de questionar o âmbito da matéria em investigação, não se vendo como é que as suas funções profissionais poderiam levar a que soubesse quais os factos investigados nesse inquérito. Por outro lado, atenta a razão de ciência da arguida, por ela explicada, não existem suficientes indícios de que esta tenha faltado dolosamente à verdade, antes transparecendo do seu depoimento que o mesmo traduz a sua convicção, decorrente das averiguações feitas pelo ..., no âmbito da verificação da situação financeira da .... Cumpre ainda referir que o depoimento da ora arguida foi consentâneo com os depoimentos das testemunhas II, JJ e KK, também ligadas ao sindicado bancário, no processo 3129/13.1TDLSB. Acresce que, como referido na decisão instrutória, não existe prova documental ou testemunhal que indicie que a ora arguida tenha faltado conscientemente à verdade, facto que nenhuma das testemunhas inquiridas concretiza. O recorrente infere que o exercício das funções profissionais da ora arguida lhe permitia ter contacto direto com as informações bancárias do próprio e das empresas que geria, mas isso é uma suposição que não encontra apoio nos autos: a que informações se refere o recorrente? Qual o seu teor? Em que medida revelam a falsidade do depoimento e o conhecimento desse facto? Tudo isto são conjeturas não documentadas nos autos, pelo que não permitem fundamentar a suficiente indiciação do crime de falsidade de testemunho. Nem tão pouco se conclui na decisão instrutória pela falta de indiciação por omissão de qualquer elemento subjetivo especial relativo à intenção de obstar à realização da justiça. O despacho de arquivamento no processo n.º 7888/15.9TDLSB é inócuo para a formação da razão de ciência da arguida ao depor no processo n.º 3129/13.1TDLSB, pelo que não se compreende a razão pela qual o recorrente se insurge contra a conclusão retirada pelo Tribunal a quo de que esse arquivamento não permite concluir que a arguida tenha faltado conscientemente à verdade. A conclusão contrária é que não pode retirar-se, pois o depoimento não foi prestado com base nas informações resultantes desse arquivamento. Por conseguinte, o recurso improcede também quanto ao crime de falsidade de testemunho. Finalmente, quanto à violação de segredo, a recorrente imputa à arguida a divulgação de informações sujeitas a dever de sigilo bancário, nomeadamente que a CC se encontra sob a alçada do departamento de recuperação de crédito da ... e que recentemente foi aumentado o financiamento para um projeto semelhante ao que estava a ser desenvolvido pela .... De acordo com o disposto no art.º 195.º do CP, quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias. O artigo 78.º do RGICSF dispõe que os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços. O artigo 79.º, n.º 2 do mesmo diploma legal prevê ainda que: «Os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados: d) Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal; (…) h) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo». No caso dos autos, há que referir, em primeiro lugar, que o depoimento é muito parco na revelação de factos relativos à relação da recorrente CC com a ..., apenas se aludindo de forma muito genérica à existência de um financiamento para um projeto semelhante ao que estava a ser desenvolvido pela .... Por outro lado, o citado art.º 79.º, n.º 2, al. d) do RGICSF admite expressamente a revelação de elementos cobertos pelo dever de segredo às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal, o que abrange a fase de inquérito. No caso dos autos, a ora arguida prestou o seu depoimento como testemunha no inquérito n.º 3129/13.1TDLSB, no cumprimento de um dever legal. A recorrente alega que a CC não era interveniente processual nos autos em que o depoimento foi prestado, mas isso não é motivo para recusar o depoimento. Como já se afirmou anteriormente, a testemunha limita-se a cumprir o dever legal de responder às questões que lhe são colocadas pela entidade que preside à inquirição, não tendo que saber qual é o objeto do processo e os respetivos sujeitos, nem lhe cabendo fazer qualquer ponderação sobre a essencialidade das informações prestadas, ponderação que cabe à autoridade judiciária. Daí que não se possa configurar a suficiente indiciação do crime de violação de segredo. O recurso improcede na íntegra. DECISÃO Nestes termos, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar o recurso totalmente improcedente. Custas pelas Recorrentes, fixando-se em 4 UC a respetiva taxa de justiça. Lisboa, 03/06/2025 Rui Poças Manuel Advínculo Sequeira Pedro José Esteves de Brito |