Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA INCUMPRIMENTO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO FACTO NEGATIVO PRESUNÇÃO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/21/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Sumário: | I. Os factos negativos definidos devem ser provados por via presuntiva com base na demonstração de factos secundários/instrumentais dos quais se possa inferir como provável a veracidade do enunciado fáctico negativo. II. Sustentando o réu que não foi interpelado para a celebração da escritura definitiva de partilha, do indício missio, operando na sua formulação negativa, resulta que, atenta a falta de prova do efetivo envio de cartas registadas com aviso de receção (envio esse imposto pela Cláusula 9ª do contrato-promessa assinado pelas partes), há que presumir que o réu não foi notificado para estar presente nas escrituras. III. Sendo o prazo para a celebração do contrato-definitivo um prazo relativo ou não essencial, uma vez ultrapassada a data inicialmente estabelecida, a celebração do contrato prometido fica sem prazo e dependente de interpelação por banda de qualquer das partes com indicação de dia , hora e local para esse efeito. IV. Não tendo ocorrido tal interpelação, o contrato-promessa persiste em vigor, não tendo ocorrido mora ou incumprimento do réu. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO CC intentou ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB, pedindo a obtenção de declaração negocial do R. faltoso em cumprimento do contrato promessa entre ambos celebrado ou, caso assim não se entenda, a condenação do R. a pagar-lhe uma indemnização no valor total de € 49.750,95, acrescida de juros vencidos desde a data do incumprimento, por enriquecimento sem causa e indemnização por danos morais ou, ainda subsidiariamente, a condenação do R. a pagar-lhe uma indemnização a ser liquidada em execução de sentença acrescida de juros. Para o efeito alegou, em suma, ser irmã do R. e que ambos são os únicos herdeiros de seus pais, tendo celebrado em 06.06.2013 um contrato promessa de partilhas mediante o qual o R. prometeu adjudicar à A., que prometeu adquirir, o imóvel que descreveu e que faz parte da herança, pelo valor de € 35.000,00, já que ao imóvel foi atribuído o valor de € 70.000,00. No contrato, foi declarado que a A. havia entregue já ao R., por conta do valor de € 35.000,00 acima mencionado, € 23.500,00, quantia onde se incluiu o total dos montantes já liquidados pela A. a título do empréstimo bancário contraído para aquisição do imóvel e das quantias pagas pela A. às Finanças a título de IMI. Quanto ao remanescente, no valor de € 11.500,00, a A. liquidou ao R., nos termos estipulados no contrato, mediante duas prestações de € 3.830,00 cada e uma última de € 3.840,00, tendo a primeira sido liquidada na data da assinatura do contrato, a segunda no final de Dezembro de 2013 e a terceira em 02.04.2014. No referido contrato promessa, ficou estipulado que a escritura de partilha seria outorgada no mês de Abril de 2014, ficando a A. de notificar o R. da respetiva data mediante o envio de carta registada com aviso de receção com uma antecedência mínima de 15 dias relativamente à data da escritura. Alegou a A. ter efetuado, através da sua advogada, a marcação da escritura para dia 13 de Maio de 2014, bem como enviado carta registada com aviso de receção para o R., tendo este, porém, nos dias anteriores revogado a procuração que havia conferido à mencionada advogada para que esta o representasse na dita escritura, não tendo na referida data comparecido no Cartório. Desde então, alegou a A. que o R. tem sistematicamente obviado à outorga da escritura, não tendo comparecido em 13 de Julho de 2016, nova data marcada para o efeito, no Cartório que indicou, nem tendo avisado de que não iria comparecer. Subsidiariamente, para o caso de não se entender ser possível a execução específica, sustenta a A. que o R. lhe deve restituir, ao abrigo do enriquecimento sem causa, tudo o que ela indevidamente suportou e pagou, no montante total de € 35.000,00, acrescido de metade da quantia de € 2.876,46 que liquidou junto das Finanças e de metade da quantia de € 840,00 que liquidou pelo condomínio do imóvel, bem como de metade da quantia de € 6.047,67 que liquidou no âmbito do empréstimo para cumprir o acordado no contrato promessa, tudo no âmbito da gestão da herança, o que perfaz o montante total de € 39.882,06. Sobre tal quantia referiu serem devidos juros de mora à taxa legal desde a data do incumprimento, sendo os vencidos no montante de € 4.868,89. Acrescentou a A. que com toda esta situação e desprezo por parte do R. em assumir a sua responsabilidade sofreu vários abalos, como nervosismo, preocupação e inquietação em virtude dos contatos que se viu obrigada a fazer, sem sucesso. Como tal invocou dever ser ainda indemnizada no montante de € 5.000,00 por danos não patrimoniais. O R. contestou defendendo-se por impugnação, referindo nunca ter sido notificado para estar presente nas datas referidas na petição inicial para outorga da escritura e invocando que foi marcada telefonicamente a escritura para o dia 30.04.2014, não tendo a A. comparecido, apenas o tendo o R. e sua companheira, sendo que também nessa data não estavam pagos todos os impostos como a A. se comprometeu a fazer, incluindo o imposto de selo, o que obstaria à outorga da escritura. Quanto aos valores que a A. reclama a título do empréstimo, impostos e condomínio, referiu o R. que são os mesmos que aquela lhe reteve e incluiu no montante de € 23.500,00 referido no contrato promessa. Deduziu reconvenção referindo que, desde 30.04.2014, que tem sido ameaçado pela A. e que esta sabia que era doente oncológico e que tinha uma ordem de despejo, aproveitando-se da sua fragilidade para celebração do contrato promessa que ambos assinaram, o que lhe causou preocupações, dores de cabeça e angústia por estar a ser injustiçado. Sentindo-se por outro lado enganado porque a A. lhe reteve € 6.000,00 para pagamento de dívidas e afinal só pagou às Finanças em Julho de 2016, sendo que também o empréstimo da casa não se encontra ainda liquidado na íntegra, faltando € 5.771,82 e correndo o risco, assim, de poder vir a “ser penhorado” se a A. não pagar. Pelo exposto referiu ter sofrido danos morais, pedindo a condenação da A. a pagar-lhe uma indemnização a esse título, no montante de € 5.000,00, acrescido de juros legais desde a notificação da reconvenção até integral pagamento. A A. replicou defendendo-se por impugnação e pedindo a condenação do R. como litigante de má fé a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 3.000,00, invocando para o efeito que foi o mesmo quem não esteve presente no dia 30 de Abril às 16h00m, hora marcada para a escritura, bem como quem fez as contas e acertos das tornas que a A. lhe entregou e teria de entregar, daí resultando os termos expressos no contrato promessa. Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Termos em que, face ao exposto, decido: A) Julgar totalmente procedente a presente ação quanto ao pedido formulado a título principal e, consequentemente, declarar adjudicar à A., por partilha da herança de seus pais, a fração designada pela letra (…), correspondente ao (…) andar esquerdo do prédio sito (…) descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (…); B) Julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional formulado pelo R. e, nessa medida, absolver a A. reconvinda desse pedido.» * Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: «CONCLUSÕES 1 - A Autora/Recorrida não cumpriu os requisitos a que se propôs para a sua marcação da escritura definitiva, através do envio de carta registada com AR, tendo-o o feito por telefone. 2 - O ora Recorrente/Réu compareceu no Cartório Notarial de Odivelas-Sandra Brás para a celebração da dita escritura, conforme documento de fls. 77, mas a própria Autora, faltou, nunca justificando tal falta perante o ora recorrente. 3 - A celebração da escritura definitiva estava condicionada ao pagamento até 30 de abril de 2014 das dividas existentes. 4 - Essas dividas só foram liquidadas em 11-07-2016 5 - O Tribunal dá como assente, que esteve marcada nova escritura para o dia 13 de maio de 2014, fundamenta a sua convicção no email supratranscrito constante de fls. 51 e certificado de fls.53. 6 - Não podia o douto Tribunal Ad Quo dar como provado o envio de uma carta registada com AR, apenas porque consta essa afirmação num e-mail! 7 - A Recorrida marcou uma nova escritura para 13 de julho de 2016, embora o Recorrente nunca tenha sido notificado para a mesma. 8 - Dois anos de silêncio, s.m.o. revela perda de interesse na celebração de um contrato que deveria ter sido celebrado em 2014. 9 - Mas, mesmo que assim não se entende revela, no mínimo, mora por parte da Recorrida. 10 - Reforça-se, com exceção da escritura marcada para o dia 30 de abril de 2014, o Recorrente nunca foi notificado para qualquer outra escritura. 11 - O recorrente nunca poderia estar num ato para o qual não foi convocado. 12 - Logo, o douto Tribunal Ad Quo não poderia dar como provado que existiu um incumprimento por parte do réu/recorrente na escritura alegadamente agendada para o dia 13.05.2014 ou 13.07.2016. 13 - O douto Tribunal apenas valoriza as palavras e o depoimento da Autora/Recorrida e não as do Réu/Recorrente. 14 - Efetivamente o tribunal Ad Quo desvaloriza o depoimento de parte do Réu e da sua testemunha em detrimento da valorização do depoimento de parte da Autora e das testemunhas apresentadas pela mesma em tribunal. 15 - Na verdade o Réu, na altura dos acontecimentos encontrava-se numa fase em que enfrentava um problema do foro oncológico ao nível da garganta, não tendo qualquer fonte de rendimento para custear os elementos mais básicos da sua vida, como alimentação, vestuário, renda de casa e outros. 16 - Toda esta situação melindrou o Réu/recorrente, causando-lhe preocupações, dores de cabeça, angustia por estar a ser injustiçado. Preocupado com as ameaças de morte. 17 - Por outro lado sentiu-se enganado, porque a Autora/recorrida lhe reteve €6.000,00 em 2013 para pagamento das dividas e afinal só liquidou a divida às finanças em julho de 2016, ficando com esse dinheiro a render juros, pelo menos até 2016, data em que finalmente liquidou as dividas. Nestes termos e, 18 - Por tudo isto entende o réu/reconvinte que a Autora/recorrida perdeu o interesse na celebração do contrato definitivo, 19 - Qua a Recorrida foi a única a incumprir o contrato celebrado. 20 - Mas se assim não se entender, no mínimo existirá mora, única e exclusivamente imputável à Autora/recorrida. 21 - Mas, o Recorrente entende existirem razões para a resolução do contrato, nos termos do artigo 437.º CC, o que se invoca. 22 - Mas assim a não ser entendido por este douto tribunal Ad Quem, não estarem reunidas as condições para a resolução do contrato, dever-se-á julgar que a parte incumpridora e faltosa foi a Autora/recorrida. 23 - E nessa circunstância, ao entrar em mora, deverá reparar os danos causados ao Recorrente, 24 - Bem como, os danos morais causados, que mereciam a tutela do direito, cf. dispõe o artigo 496.º n.º 1 CC., julgando-se que o montante de € 5.000,00 é um montante justo e razoável perante o sofrimento pelo qual passou e ainda passa. Assim, Deve ser concedido provimento ao presente recurso e a sentença recorrida revogada por Acórdão que decrete as alterações à matéria de facto dada como provada nos factos acima expostos Assim deverá ser revogada a posição vertida na sentença, pelo que há que revogar a decisão para substituí-la por outra que julgue improcedente a ação e condene a Recorrida em todos os pedidos formulados pelo Recorrente. Assim se decidindo será feita Justiça!» * Não foram apresentadas contra-alegações. QUESTÕES A DECIDIR Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2] Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes: i. Impugnação da decisão da matéria de facto; ii. Enquadramento jurídico (incumprimento do contrato, resolução). Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade: 1. Pela Ap. 13 de 05.06.1996 encontra-se inscrita no registo a aquisição a favor de DD e EE, casados no regime de comunhão geral, por compra, da fração designada pela letra “D” correspondente ao (…) , descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº 2938 da referida freguesia de (…) e inscrito na matriz respetiva sob o artº 2200, com origem no artº 2189º. 2. Por escritura outorgada em 02.04.2014 foi declarado pelo R., na qualidade de cabeça-de-casal, que no dia 17.08.2008 faleceu EE, no estado de casada com DD, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros este último e os seus filhos, a A., casada no regime de comunhão geral com FF, e o R., bem como que em 11.11.2012 faleceu DD, no estado de viúvo, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros a A. e o R., seus filhos. 3. Por escrito de 06.06.2013 subscrito pela A. e pelo R., estes declararam acordar em atribuir a fração referida em 1) à A., pelo valor de € 35.000,00 que aquela daria de tornas ao R., atribuindo à fração o valor de € 70.000,00. 4. Nas cláusulas quarta a sexta do escrito anteriormente referido declararam as partes que da quantia de € 35.000,00 referida no ponto anterior o R. já havia recebido a importância de € 23.500,00, encontrando-se em dívida a quantia de € 11.500,00, a qual seria paga da seguinte forma: - € 3.830,00 na data da assinatura do contrato da qual o R. deu quitação; - € 3.830,00 no fim de Dezembro de 2013; - € 3.840,00 no dia 2 de Abril de 2014. 5. Nas cláusulas sétima e oitava do escrito referido em 3) acordaram as partes que a dívida ainda existente relativa ao empréstimo bancário do imóvel e as quantias referentes ao pagamento às Finanças do IMI seriam suportadas pela A., uma vez que já estavam incluídas no montante de € 23.500,00 referido em 4). 6. Na cláusula nona do escrito referido em 3) foi estipulado que a escritura seria marcada pela A. no mês de Abril de 2014 e que a mesma teria de notificar o R. da data da mesma com carta registada com aviso de receção com uma antecedência mínima de quinze dias da data da escritura. 7. Estipularam ainda as partes na cláusula décima do escrito referido em 3) que o contrato em causa satisfazia a vontade de ambos e que o seu não cumprimento importava o direito à execução específica nos termos do artº 830º do Código Civil. 8. A A. liquidou ao R. € 3.830,00 na data referida em 3), € 3.830,00 no final de Dezembro de 2013 e € 3.840,00 em 02.04.2014. 9. A escritura referida em 6) foi marcada pela Dra. GG, advogada, para o dia 30.04.2014, no Cartório Notarial de Odivelas, não se tendo realizado nessa data. 10. O R., a sua companheira e a Dra. GG estiveram presentes nessa data nesse Cartório Notarial, não tendo a A. comparecido. 11. A escritura referida em 6) foi marcada pela Dra. GG, para o dia 13.05.2014, pelas 16h00m, no Cartório Notarial de Odivelas, tendo aquela enviado carta registada com aviso de receção ao R. com a respetiva indicação. 12. Na data e hora anteriormente referidas a A. esteve presente com o seu filho e a Dra. GG no mencionado Cartório Notarial, não tendo o R. comparecido e não tendo por isso sido realizada a escritura. 13. O R. esteve presente numa reunião com as Ilustres Advogadas que patrocinam a A. em que se se falou em marcação de nova data para a outorga da escritura referida em 6). 14. A escritura referida em 6) foi marcada para o dia 13 de Julho de 2016, pelas 10h00m, no Cartório Notarial de Maria Filomena Marto sito em Alverca do Ribatejo, não tendo o R. comparecido e não tendo por isso sido realizada a escritura. 15. Em 11.07.2016 a A. pagou nas Finanças € 13,80 referente a despesas e taxas diversas, emolumentos, cobradas à herança da sua mãe, representada pelo cabeça de casal. 16. Em 11.07.2016 a A. pagou nas Finanças € 615,82 no âmbito de processo de execução fiscal intentado contra a herança de sua mãe, representada pelo cabeça de casal, referente a IMI de 01.01.2012 a 31.12.2012, taxas, despesas e respetivos juros de mora. 17. Em 11.07.2016 a A. pagou nas Finanças € 428,91 no âmbito de processo de execução fiscal intentado contra a herança de sua mãe, representada pelo cabeça de casal, referente a IMI de 01.01.2012 a 31.12.2012, taxas, despesas e respetivos juros de mora. 18. Em 11.07.2016 a A. pagou nas Finanças € 183,40 no âmbito de processo de execução fiscal intentado contra a herança de sua mãe, representada pelo cabeça de casal, referente a IMI de 01.01.2013 a 31.12.2013, taxas, despesas e respetivos juros de mora. 19. Em 11.07.2016 a A. pagou nas Finanças € 175,30 no âmbito de processo de execução fiscal intentado contra a herança de sua mãe, representada pelo cabeça de casal, referente a IMI de 01.01.2014 a 31.12.2014, taxas, despesas e respetivos juros de mora. 20. Em 13.07.2016 a A. pagou nas Finanças € 7,20 referente a despesas e taxas diversas, emolumentos, cobradas à herança da sua mãe, representada pelo cabeça de casal. 21. Sobre a fração referida em 1) esteve inscrita no registo, pela Ap. 3592 de 20.06.2014, penhora a favor da Fazenda Nacional, sendo a quantia exequenda de € 711,79, no âmbito do processo de execução fiscal referido em 17) e respetivos apensos. 22. A inscrição anteriormente referida foi cancelada por determinação da Chefe de Finanças em despacho de 18.06.2018. 23. A A. encontra-se a liquidar as prestações no âmbito do empréstimo bancário contraído para aquisição da fração referida em 1). 24. A A. sente ansiedade e preocupação em resolver a situação mediante a celebração do contrato prometido. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Impugnação da decisão da matéria de facto Atento o teor das conclusões nºs 5 a 7 do apelante, infere-se que o mesmo se insurge contra o facto dado como provado pelo tribunal a quo sob 11, bem como sobre o facto dado como provado sob 14. Com efeito, o apelante sustenta que o tribunal a quo não podia dar como provado o envio da carta registada com A/R porque essa firmação consta de um email, sendo que o facto 11 tem a seguinte redação: «A escritura referida em 6) foi marcada pela Dra. GG, para o dia 13.05.2014, pelas 16h00m, no Cartório Notarial de Odivelas, tendo aquela enviado carta registada com aviso de receção ao Réu com a respetiva indicação.» Por sua vez, o facto 14 tem a seguinte redação: «A escritura referida em 6) foi marcada para o dia 13 de julho de 2016, pelas 10 h, no Cartório Notarial de Maria …… sito em Alverca do Ribatejo, não tendo o Réu comparecido e não tendo por isso sido realizada a escritura.» Na conclusão 7ª, afirma o apelante: «A recorrida marcou uma nova escritura para 13 de julho de 2016, embora o recorrente nunca tenha sido notificado para a mesma» e, na conclusão 10ª afirma: «Reforça-se, com exceção da escritura marcada para o dia 30 de abril de 2014, o recorrente nunca foi notificado para qualquer outra escritura.» No que tange ao regime da impugnação da decisão de facto, rege o Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil nestes termos: «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil). Existe divergência jurisprudencial no que tange a saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no Artigo 640º, nº1, devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso (cf. Artigos 635º, nº2 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil). Todavia, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a sedimentar como predominante a posição que se expressa nos seguintes arestos. Assim, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.2.2015, Tomé Gomes, 299/05, afirma-se que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» Em sentido confluente, o mesmo STJ afirmou no Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, 1572/12 que: «Do art. 640º nº 1 al. b) não resulta que a descriminação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação realizada tenha que ser feita exclusiva e unicamente nas conclusões. / Tem sim, essa especificação de ser efetuada nas alegações. / Nas conclusões deve ser incluída a questão atinente à impugnação da matéria de facto, ou seja, aí deve introduzir-se, sinteticamente “os fundamentos por que pede a alteração (ou anulação) da decisão” (art. 639º nº 1), o que servirá para o recorrente afirmar que matéria de facto pretende ver reapreciada, indicando os pontos concretos que considera como incorretamente julgados, face aos meios probatórios que indica nas alegações.» No Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, 449/410, defendeu-se que servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, deverão nelas ser identificadas com precisão os pontos de factos que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos do ónus impugnatório, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. As conclusões do recurso não têm de reproduzir todos os elementos do corpo da alegação – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, 1060/07. O STJ vem entendendo que, na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.[3] Ora, no caso em apreço, o apelante – apesar de alguma deficiência na medida em que o raciocínio não é totalmente explicito- impugna, de forma suficiente, a matéria provada sob o facto 11, pretendendo que a parte final do mesmo facto passe a ser considerada não provada. Face ao teor articulado das conclusões 6ª, 7ª e 10ª, infere-se também que o apelante pretende que seja aditado o seguinte facto: «O Réu não recebeu nenhuma carta registada com AR, notificando-o para a realização da escritura nos dias 13.5.2014 e 13.7.2016.» Note-se que foi dado como não provado que: «c) Tivesse sido enviada ao Réu uma carta registada 15 dias antes da data referida em 14) da factualidade provada, indicando-lhe o dia e hora para a realização da aludida escritura» (fls. 165 v). Da resposta negativa a um facto alegado não se pode inferir a ocorrência de quaisquer outros factos de sentido inverso, dela apenas resultando que o facto controvertido – no contexto factual a considerar – inexistiu, tudo se passando como se o facto não tivesse sido articulado. [4] O tribunal a quo fundamentou a resposta aos factos 11 e 14 nestes termos: «Relativamente à matéria provada em 11) atentou-se no mail da própria Dra. Lídia de fls. 51 e no certificado de fls. 53 emitido pelo próprio Cartório a pedido da Autora, como nele consta, o qual atesta a marcação da escritura nessa data e que a mesma não se realizou. (…) tendo a factualidade provada em 14) resultado do documento certificado a fls. 56.» Apreciando. No artigo 27º da petição, alegou a autora que: «Mais acresce às diligência efetuadas pela Autora por forma a celebrar o negócio definitivo, celebração de escritura pública de partilha extrajudicial, o facto de a Autora ter mandatado as suas advogadas, para que as mesmas diligenciassem ofícios junto do réu para que o mesmo procedesse à realização da referida escritura, tendo sido enviado duas cartas registadas para o réu, uma para a marcação de reunião e uma segunda a informar do dia e hora e cartório onde se iria realizar a escritura de partilha - Cf. Doc. Nº12 e 13 cópia de registo de CTT do envio de missivas ao Réu, por parte das mandatárias da A.» No que tange a tal matéria, na contestação o réu expressou-se assim: «13º Sucede que a Autora incumpriu o estipulado na cláusula 9ª, pois nunca endereçou ao réu qualquer carta a comunicar a data da escritura para o dia estipulado previamente»; «O Réu impugna expressamente os documentos 12 e 13 juntos com a PI dado que os mesmos constituem apenas talão de registo em que não é possível visualizar a respetiva data, sem nenhum documento associado aos mesmos ou seja as tais missivas de marcação de escritura e de reunião que a Autora refere.» E, de facto, os documentos nos. 12 e 13, juntos a fls. 54-55, constituem talões de aceitação de correio registo, tendo como destinatário o réu e como remetente HH, advogada, identificada pelo carimbo profissional. Ambos os talões têm sinalizada a opção “Em mão”, sendo que o primeiro tem também sinalizado o serviço especial “Aviso de receção”. Todavia, no primeiro deles não é legível qualquer dado do carimbo aposto e do segundo apenas é legível “Alverca”. A Autora não logrou juntar nem qualquer aviso de receção assinado pelo Réu nem qualquer envelope com a menção de não entregue pelo motivo x ou y. Acresce que a Autora nem juntou sequer o alegado texto correspondente às cartas que diz que enviou, através da mandatária, ao réu. No que tange à prova produzida em audiência, temos o seguinte. Nas suas declarações de parte, o réu afirmou que não teve conhecimento de mais nenhuma marcação além da de 30 de abril. Nas suas declarações de parte, a Autora afirmou que não interpelou o irmão para as escrituras, afirmando que “penso que a HH falou com o meu irmão e mandou a carta”, afirmando que a HH lhe disse que enviou a carta. Posteriormente, novamente instada sobre a questão, afirmou que não enviou nenhuma carta, “foi a Dra. GG ou a dra. HH”. A nora da Autora, Micaela Anastácio, não compareceu em qualquer escritura, afirmando que “supostamente houve uma data agendada”, afirmando que o conhecimento que tem destas questões deriva do que lhe disse o marido e a sogra. O filho da Autora, II, acompanhou a mãe e a Dra. Lídia ao cartório sito no Centro Comercial Strada, em data em que o réu não compareceu. Inquirido sobre se o tio/réu recebeu alguma notificação para a realização da escritura, respondeu que “não faço a mínima ideia”. A testemunha JJ, secretária da Dra. GG (advogada, falecida em 2019, segundo afirma a testemunha), afirmou que “provavelmente fui eu que fiz os registos, mas não sei se foram rececionados”. Finalmente, a testemunha KK, a qual vive em união de facto com o réu há mais de 15 anos, afirma que não receberam correspondência para marcar a escritura, mas sim “coisas para pagar” das finanças respeitantes ao falecido pai de autora e réu. De tudo o que fica dito, infere-se que a prova – documental, por declarações de parte e testemunhal – é insuficiente para dar como provado o segmento final do facto provado sob 11, a saber: «tendo aquela enviado carta registada com aviso de receção ao réu com a respetiva indicação». Na verdade, o envio de carta registada com aviso de receção deve ser, em primeira linha, objeto de prova documental, a qual não foi feita de forma suficiente, atenta a ilegibilidade parcial dos talões juntos e, sobretudo, quer pela falta do aviso de receção assinado ou, em alternativa, pela junção do envelope remetido com a menção do motivo da não entrega, faltando também o teor das cartas alegadamente remetidas. Acresce que as testemunhas e a própria autora não evidenciaram conhecimento de ciência certa quanto à ocorrência do envio de tais cartas registadas com aviso de receção, confiando no alegado envio pela advogada, mas que – conforme visto – não está documentado. Quanto à pretensão do Réu no sentido de ser dado como provado que «O Réu não recebeu nenhuma carta registada com AR, notificando-o para a realização da escritura nos dias 13.5.2014 e 13.7.2016.», há que atentar que estamos perante a alegação e prova de um facto negativo definido. Segundo Vaz Serra, «(…) se o direito, que se faz valer, tem como requisito um facto negativo, deve este facto ser provado por quem exerce o direito, precisamente como os factos positivos que sejam requisitos de direitos exercidos. Não há motivo para soluções diferentes nos dois casos, dado que os factos negativos não têm que se presumir pela mera circunstância de o serem (…)» - Provas (Direito Probatório Material), 1962, p. 64.[5] Com efeito, o brocardo negativa non sunt probanda tem como campo de aplicação as proposições negativas indefinidas, no sentido de que um facto não ocorreu num determinado período de tempo longo, v.g. prova de não se ter assumido uma obrigação. É por esta ordem de razões que, numa ação de cumprimento, o credor não tem de provar que não recebeu a prestação (facto negativo indefinido), cabendo ao devedor demonstrar mais facilmente a execução (facto positivo). Sendo impossível provar diretamente uma proposição negativa indefinida, o objeto da prova transfere-se para prova de facto positivo contrário ou mediante presunções judiciais dos quais seja deduzível o facto negativo.[6] De modo mais concreto, os factos negativos definidos devem ser provados por via presuntiva com base na demonstração de factos secundários/instrumentais dos quais se possa inferir como provável a veracidade do enunciado fáctico negativo. Por sua vez, os factos negativos indefinidos podem ser provados mediante a prova de facto específico positivo contrário.[7] Refere-se em Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª Ed., pp. 298-299, que: «(…) é comum que as comunicações entre as partes ocorram pelo envio de carta, simples ou registada. Quando a relação entra em fase litigiosa, é comum que uma das partes negue a receção de carta. Neste contexto, há que valorar o envio da carta como indício da sua receção (indício missio). Ou seja, desde que se prova o facto-indiciário do envio da carta (por testemunhas, tratando-se de carta não registada ou pelo registo, tratando-se de carta registada), haverá que presumir a sua receção. O que fundamenta a presunção é a máxima da experiência no sentido da fiabilidade dos serviços dos correios no sentido de que o transporte se efetivou corretamente e a carta chegou em condições ao seu destino. Nos Estados Unidos é pacífica a presunção no sentido de que uma carta regulamente endereçada e remetida foi recebida.» No caso em apreço, a presunção funciona, mas na sua formulação negativa. Ou seja, atenta a falta de prova do efetivo envio de cartas registadas com aviso de receção (envio esse imposto pela Cláusula 9ª do contrato-promessa assinado pelas partes – fls. 36), há que presumir que o réu não foi notificado para estar presente nas escrituras. Termos em que: Se altera a redação do facto 11 para: «11- A escritura referida em 6) foi marcada pela Dra. GG, para o dia 13.5.2014, pelas 16 h, no Cartório Notarial de Odivelas»; Se adita o seguinte facto provado: «25. O Réu não recebeu nenhuma carta registada com AR, notificando-o para a realização da escritura nos dias 13.5.2014 e 13.7.2016.» Enquadramento jurídico (incumprimento do contrato, resolução) O tribunal a quo considerou procedente a ação com a seguinte fundamentação: «Sucede que pese embora a escritura tivesse sido marcada para o dia 30.04.2014 a mesma não foi realizada e a A. não compareceu, desconhecendo-se o motivo de tal – cfr. pontos 9) e 10) da fatualidade provada. Entretanto foi marcada nova escritura para o dia 13.05.2014, tendo sido enviada carta registada com aviso de receção para o R. Todavia, o mesmo não compareceu, não tendo por isso sido realizada a escritura – cfr, pontos 11) e 12) da fatualidade provada. Por fim, foi marcada a escritura para o dia 13.07.2016, pelas 10h00m, não tendo o R. comparecido e não tendo por isso sido realizada a escritura, não tendo a A., contudo, logrado provar ter dado conhecimento ao R. da referida data e hora mediante envio 15 dias antes de carta registada contendo tal indicação – cfr. ponto 14) da fatualidade provada e alínea c) da fatualidade não provada. Do exposto resulta o incumprimento do estipulado em primeiro lugar pela A., cuja culpa se presume nos termos do artº 799º do Código Civil, seguida de incumprimento do R. na data de 13.05.2014, tendo sido convocado previamente por carta registada com aviso de receção, cuja culpa igualmente se presume nos termos do mesmo preceito. Invoca o R., porém, que na altura sempre não se lograria outorgar a escritura por não estarem ainda liquidadas todas as dívidas às Finanças da herança em causa, já que a A. somente as liquidou em 11 de Julho de 2016. Com efeito, provou-se que a A. só em 11 de Julho de 2016 pagou as dívidas de IMI dos anos de 2012 a 2104 referentes à herança da sua mãe, bem como outras despesas e taxas fiscais que ainda pagou nessa data e também em 13.07.2016 – cfr. pontos 15) a 20) da fatualidade provada. Todavia, não se pode concluir que tal por si só obstaria à outorga da escritura dado que desde logo não se sabe se os respetivos documentos de cobrança já haviam sido emitidos e, mesmo que assim fosse, sempre poderia a A. proceder à sua liquidação na data da escritura ou mesmo conseguir liquidar o IMT e o imposto de selo mediante a prestação de uma qualquer garantia, como inclusivamente sucedeu nos presentes autos (cfr. fls. 105-106). Deste modo, e não se tendo provado que as escrituras marcadas não foram outorgadas em face da não liquidação das competentes obrigações fiscais por parte da A., falece o argumento apresentado pelo R. a esse respeito. Do exposto conclui-se que houve um incumprimento de parte a parte e que, por fim, na última escritura marcada para 13.07.2016 o R. não compareceu, não tendo a A. logrado provar, como lhe competia nos termos do artº 342º, nº 1 do Código Civil, ter convocado o mesmo. Houve assim uma situação de mora imputável a ambas as partes, nos termos dos artºs 804º, nºs 1 e 2 e 805º, nº 1 e nº 2, al. a) do Código Civil, persistindo agora o R. nessa situação, dado que declarou em sede de audiência não pretender emitir a declaração negocial correspondente à celebração do contrato prometido. Ora, na cláusula décima do contrato promessa referiram as partes que o contrato em causa satisfazia a vontade de ambos e que o seu não cumprimento importava o direito à execução específica nos termos do artº 830º do Código Civil – cfr. ponto 7) da fatualidade provada.» Face à alteração da matéria de facto, não pode afirmar-se que o réu esteja em mora no cumprimento do contrato-promessa porquanto está provado que o réu não recebeu nenhuma carta registada com AR, notificando-o para a realização da escritura nos dias 13.5.2014 e 13.7.2016. Dito de outra forma, a Autora não logrou provar que o Réu esteja em mora, o que implicava que o mesmo tivesse sido interpelado para a realização da escritura definitiva nos dias 13.5.2014 e 113.7.2016 por carta registada com aviso de receção (nos termos da cláusula 9ª do contrato-promessa), o que não está demonstrado (pelo contrário), sendo ainda certo que não está demonstrada essa interpelação mesmo por outra forma (mesmo verbal), atenta a matéria de facto provada. Quem incorreu em mora foi a autora, ao não comparecer na escritura marcada para o dia 30.4.2014 (factos 9 e 10), sendo certo que era à Autora que competia marcar a escritura (cláusula 9ª). Nos termos da cláusula 9ª do contrato-promessa, «A escritura de partilha será marcada pela Primeira Outorgante no mês de abril de 2014.» Conjugando esse texto com a conduta posterior das partes (factos 9 e 10), deve interpretar-se essa estipulação no sentido de que a escritura deveria realizar-se durante o mês de abril de 2014. A fixação de uma data como termo final de celebração da escritura prometida pode ser entendida, em princípio, com um de dois sentidos: a) ou como prazo limite, absoluto e improrrogável, cujo decurso implica ou determina o incumprimento definitivo do contrato e a sua imediata resolução ou caducidade; b) ou como prazo relativo ou não essencial, apenas determinante de uma situação de mora, conferindo ao credor o direito de pedir o cumprimento do contrato ou uma indemnização moratória. No caso de dúvida é de ter como verificada a hipótese referida em b) por estar mais de harmonia com a realidade ou a vontade hipotética das partes e ser a menos onerosa para o devedor – cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 4.6.98, Salvador da Costa, acessível em www.dgsi.pt/jtrl. A qualificação do prazo como fixo ou relativo depende da interpretação da vontade das partes e das suas declarações negociais – cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1.4 2003, Fernando Samões, acessível em www.dgsi.pt/jtrp. BRANDÃO PROENÇA, Do incumprimento do contrato-promessa bilateral, 1996, p. 112, entende que, em regra o prazo essencial não é absolutamente fixo (não há por parte dos promitentes um interesse temporalmente delimitado), mas apenas relativamente fixo. No entanto, poderá concluir-se pela essencialidade absoluta (em regra, subjetiva ou pactícia) sempre que aos promitentes só interesse celebrar o contrato dentro do prazo fixado por razões jurídicas (necessidade de serem observados outros prazos), materiais (carência absoluta do bem em causa ou do preço em dívida) ou quando certas circunstâncias coenvolventes o imponham, v.g., caducidade do empréstimo bancário deferido se a escritura não for realizada dentro de certa data. Cremos que o prazo estabelecido era relativo ou não essencial porquanto no contrato–promessa as partes não afirmaram nem direta nem tacitamente a essencialidade de tal prazo – cf. Artigo 236º do Código Civil. De facto, nem do texto do contrato-promessa nem da factualidade provada emerge qualquer circunstancialismo que sustente que o prazo constituía um termo essencial absoluto, razão pela qual se conclui que o prazo é relativamente fixo ou não essencial. Estando-se perante um prazo relativo ou não essencial, uma vez ultrapassada da data inicialmente estabelecida, a celebração do contrato prometido fica sem prazo e - consoante decorre dos Artigos 777º nº1 e 805º, nº1 do Código Civil - dependente de interpelação por banda de qualquer das partes com indicação de dia , hora e local para esse efeito – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6.10.2003, Oliveira Barros, e de 25.11.2003, Azevedo Ramos, acessíveis em www.dgsi.pt/jstj. Na verdade, ultrapassado o prazo acordado para a realização da escritura, o quadro que se verifica “(...) é o mesmo que também se apresenta quando as obrigações contratuais não têm originariamente qualquer prazo, inicial ou final, fixado, pois o seu vencimento depende de interpelação do respetivo credor, que, sendo também ou não devedor, terá de prestar-se à declaração negocial integradora do contrato, para que haja realmente vencimento da obrigação. /Nestes casos, se nenhuma das partes desencadear o vencimento das obrigações contratuais, estas manter-se-ão até que se esgote o prazo da prescrição ordinária. A lei não sentiu aqui a necessidade – que identificou na promessa unilateral – de prever qualquer medida preventiva da vinculação das partes por tão longo período de tempo, pois está ao alcance de qualquer delas fazer vencer a obrigação, através da interpelação.” – ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o seu regime civil, Almedina, 1995, pp. 641/642. Não está demonstrado que, após 30.4.2014, quer a autora quer o réu tenham interpelado, validamente, a contraparte para a celebração da escritura. Por todo o exposto, não estando demonstrada a mora do Réu, improcede os primeiros pedidos deduzidos pela autora (declaração de incumprimento e execução específica). Também improcede o segundo pedido de condenação numa indemnização por enriquecimento sem causa porquanto as quantias entregues pela Autora ao Réu foram-no no âmbito da celebração de um contrato-promessa, o qual se mantém em vigor. Ou seja, as transferências patrimoniais tiveram causa específica (cf. Artigo 473º, nº1, do Código Civil). Finalmente, no que tange ao pedido de condenação por danos morais, improcede também o mesmo porquanto o facto 24 é insuficiente para tal, sendo certo que não está demonstrado que tais sentimentos sejam gerados por conduta específica do réu, não estando demonstrada sequer a mora do mesmo no cumprimento do contrato. Nas conclusões 18ª e 19ª, sustenta o réu apelante que a autora perdeu o interesse na celebração do contrato definitivo e que a autora foi a única a incumprir o contrato. Está demonstrada a mora da autora (factos 9 e 10) mas, ultrapassado o prazo, a celebração do contrato prometido ficou sem prazo dependente de interpelação por banda de qualquer das partes com indicação de dia, hora e local para esse efeito (cf. supra), não tendo o réu feito tal interpelação nem convolado a mora da autora em incumprimento definitivo. Os factos provados também não evidenciam a perda de interesse da autora na celebração do contrato definitivo, sendo que essa perda de interesse não constitui mera decorrência da passagem do tempo. A mora do devedor não confere ao credor o direito de resolver o contrato para se considerar desvinculado da promessa. A mora só se converte em incumprimento definitivo pela perda objetiva do interesse do credor na prestação ou pela realização de interpelação admonitória: “Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos incumprida a obrigação” (Artigo 808º, nº1 do Código Civil). E a perda do interesse do credor é apreciada objetivamente – nº2 do Artigo 808º do Código Civil. Quanto ao significado da perda do interesse do credor, são particularmente significativas as palavras de A. VARELA, RLJ, Ano 118º, p. 55, "A perda de interesse na prestação não pode filiar-se numa simples mudança de vontade do credor desacompanhada de qualquer circunstância além da mora, como seja o facto de, por causa da mora, o negócio já não ser do seu agrado; também não basta, para fundamentar a resolução qualquer circunstância que justifique a extinção do contrato aos olhos do credor. A perda do interesse há de ser justificada segundo o critério de razoabilidade própria do comum das pessoas." A apreciação objetiva do interesse do credor deve fazer-se com base em elementos suscetíveis de ser valorados por qualquer pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz) e não segundo um juízo valorativa arbitrário do próprio credor. Tais elementos decorrem das circunstâncias contemporâneas da celebração do contrato, das posteriores quer sejam ou não previsíveis no momento da celebração. E, na maioria das vezes, o desaparecimento do interesse do credor na manutenção do contrato tem a ver com as finalidades de uso ou de troca que o credor visava conseguir com a prestação - B. MACHADO, " Pressupostos da resolução por incumprimento" in Obra Dispersa, 1991, p. 136. Manifestamente, inexistem factos provados que permitam equacionar a perda de interesse da autora na celebração do contrato definitivo. Na conclusão 21ª, alega o apelante que entende existirem razões para a resolução do contrato, nos termos do artigo 437º, o que invoca. Trata-se de questão nova, não suscitada na pendência do processo em primeira instância e, como tal, não pode ser objeto de apreciação (cf. supra). Finalmente, na conclusão 24ª, insiste o apelante na condenação da autora em cinco mil euros pelos danos morais causados. Improcede a pretensão na medida em que não está provado qualquer facto que indicie sequer a ocorrência de danos não patrimoniais na esfera do réu por conduta da autora. DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se o dispositivo sob a) da decisão impugnada, julgando-se a ação totalmente improcedente, mantendo-se, no mais, o decidido em primeira instância. Custas pelo apelante e pela apelada, na vertente de custas de parte, na proporção de 1/5 e 4/5, respetivamente (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil). Lisboa, 21.1.2019 Luís Filipe Sousa Carla Câmara Higina Castelo _______________________________________________________ [1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85. [2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, da Relação de Lisboa de 22.1.2019, José Capacete, 15420/18. [3] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21.3.2018, Ferreira Pinto, 5074/15, de 12.7.2018, Ferreira Pinto, 167/11, de 11.9.2019, Ribeiro Cardoso, 42/18, de 3.10.2019, Rosa Tching, 77/06, [4] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16.12.93, Brito Câmara, BMJ nº 432, pg. 453; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.01.91, AJ, 15º/16º-20, de 6.6.2000, Sumários, 42º -11, de 07.04.2005, Oliveira Barros, de 20.04.2006, Salvador da Costa, e de 14.6.2007, Pereira da Silva, acessíveis em www.dgsi.jstj/pt. [5] No mesmo sentido, cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.1.2016, Graça Trigo, 7793/09, Sumários. [6]Cf. Salvatore Patti, Prove, Zanichelli Editore, 2015, pp. 79-80; Luigi Comoglio, Le Prove Civili, UTET, 2010, p. 287; Giovanni Buonomo e Aniello Merone, "La Scrittura Privata Informatica : Firme Elettroniche, Valor Probatorio e Disconoscimento in Giudizio [Alla Luce delle Modifiche Introdotte dalla l. 221/2012]", http://www.uilpadirigentiministeriali.com/attachments/article/2911/++la_%20scrittura_%20privata%20_informatica.pdf, p. 29. Michele Taruffo, La Prova nel Processo Civile, “Trattato di Diritto Civile e Commerciale”, 2012, p. 21, enfatiza que a prova de um facto negativo - em regra - decorre de forma indireta pela demonstração de um facto incompatível com a verificação do primeiro. O que implica uma diferença entre o facto como é definido na norma em referência e o facto que é efetivamente objeto de prova. [7] Salvo Leuzzi, I Mezzid di Prova Nel Processo. Formazione, Acquisizione, Integrazione, Giuffrè Editore, 2013, p. 16 e 36-37. |