Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3573/14.7T8FNC-C.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO
AUDIÇÃO DO MENOR
FORMALIDADES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A audição da criança para ser ouvida com vista a emitir a sua opinião (art. 5.º, n.ºs 1 e 2) não se confunde, com a audição para tomada de declarações para efeitos probatórios (art. 5.º, n.º.6 e 7).
II. A audição da criança para livremente exprimir a sua opinião (n.º 1, do art. 5.º), não está sujeita às regras enunciadas no n.º 6 e 7, do mesmo art. 5.º, do RGPTC, designadamente, a uma inquirição - pelo Juiz, com perguntas adicionais pelo Ministério Público e advogados – gravada mediante registo áudio ou áudio visual.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
J… veio instaurar a presente acção de alteração das responsabilidades parentais do menor AS… contra T….
Para o efeito, alegou, em síntese, que a progenitora do menor tem demonstrado problemas psicológicos e não apresenta quaisquer rendimentos, tendo-lhe sido retirada uma filha por violência doméstica. Por tais factos, conclui que teme pela segurança e vida do menor, pelo que solicita a sua guarda.
Face à pendência do processo de promoção e protecção (Apenso A) foi determinada a suspensão dos presentes autos.
Cessada a suspensão da instância, foi realizada uma conferência de pais, na qual foram tomadas declarações aos progenitores e proferida decisão provisória de alteração da regulação das responsabilidades parentais do menor, tendo o mesmo sido confiado à guarda e cuidados do pai, podendo a mãe contactá-lo no Espaço Família, em horário a acordar.
As partes foram remetidas para mediação, a qual se frustrou.
Notificadas para o efeito, ambas as partes apresentaram alegações, pugnando o progenitor pela conversão em definitivo do regime provisório fixado e requerendo a progenitora que lhe seja atribuída a guarda do menor.
Foi realizada audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal.
Proferida sentença decidiu-se da seguinte forma: «Face ao exposto, julgo procedente a presente acção de alteração de regulação das responsabilidades parentais relativas ao menor AS…, procedendo à alteração nos seguintes termos:
I – Exercício das Responsabilidades Parentais e Residência
O menor, AS…, fica a residir com o pai, J…, sendo o exercício das responsabilidades parentais exercido em exclusivo por este.
II – Direito de Convívio/Visitas
1 – Durante o período de três meses, a mãe poderá estar com o menor no Espaço Família, em dias e horas a acordar com esta entidade e ambos os pais.
2 – Findo o período de três meses, a mãe irá buscar o menor ao domingo às 10:00 horas, ao Espaço Família, entregando-o no mesmo local, pelas 14:00 horas.
III – Alimentos
1 - A mãe pagará, mensalmente, a título de pensão de alimentos, a quantia de € 100,00 (cem euros), a pagar até ao dia oito de cada mês por depósito ou transferência bancária para a conta bancária indicada pelo pai.
A quantia fixada a título de alimentos será actualizável anual e automaticamente, a partir de Janeiro de 2020, de acordo com o índice de inflação publicado pelo Instituto Nacional de Estatística referente ao ano anterior.
2 – As despesas médicas, medicamentosas e escolares do menor deverão ser pagas por ambos os pais, na proporção de metade para cada um, mediante a apresentação de recibo, emitido em nome do menor.
Os recibos deverão ser apresentados no prazo de trinta dias após a realização da despesa e pagos no prazo de trinta dias após a sua apresentação.».
Inconformada com a decisão veio a requerida recorrer, pugnando pela revogação da sentença, apresentando as seguintes conclusões:
«1. A audição do menor foi valorada como meio probatório e teve lugar sem a presença dos Advogados e sem que estes tivessem a possibilidade de formular perguntas adicionais, com inobservância do disposto nos n.ºs 6 e 7 do art. 5º do RGPTC, o que tem reflexo no exame e decisão da causa e determina a nulidade da audição, tendo esta sido tempestivamente arguida no próprio acto, sendo indeferida, pelo que se invoca em sede de recurso, nos termos do disposto nos arts. 195º, n.º 1, 197º, n.º 1, e 199º, n.ºs 1 e 2, todos do NCPC, aplicável ex vi art. 33º do RGPTC.
2. Impugna-se o facto dado como provado no ponto 42, porquanto a prova deste facto pressupunha que se dessem como provados os factos que fundamentaram a aplicação da medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais e subsequente alteração da residência do menor para junto do pai, e não foram, pois o processo de promoção e protecção foi arquivado sem que tivesse sido produzida a prova apresentada pela Requerida, sendo arquivado antes que tivesse lugar o Debate Judicial e sem o pleno exercício do contraditório.
3. Face às Declarações de Parte da Requerida (gravação com início pelas 15h 39:53 m e o seu termo pelas 16h 18:14 do dia 5 de Julho de 2018) e aos depoimentos das testemunhas Dra. R… (gravação com início às 14h 33:24 m e o termo pelas 15h 14:08 do dia 9 de Outubro de 2018), Dra. A… (gravação com início às 15h 42:36 m e termo às 15h 54:44 do dia 9 de Outubro de 2018) e Dra. M… (gravação com inicio às 15h 55:10 m e termo às 16h 20:30 do dia 9 de Outubro de 2018, fls. 80, de fls. 85 e 152 a 153 e 158 dos Autos e às Informações do Espaço Família constantes de fls. 80, de fls. 85 e 152 a 153 e 158 dos Autos, e o Despacho de Acusação e Arquivamento proferido no âmbito do Processo de Inquérito n.º…, que correu seus termos pela 2ª Secção do MP, considerou não existirem maus-tratos, junto aos Autos, e com relevância para a boa decisão da causa, deveriam ainda ter sido dados como provados os seguintes factos:
1º O menor A… nunca foi vítima de maus-tratos por parte da mãe, havendo um forte vínculo e uma relação muito afectuosa entre ambos;
2º A Progenitora é uma mãe cuidadosa, atenta, afectuosa, e nunca pretendeu eliminar a figura paterna;
3º Quando o menor AS… residia com a mãe manifestou por diversas vezes na presença de várias amigas dos dois que não queria ir com o pai, dizendo que o pai lhe batia, chegando a chorar e a dizer à mãe que esta não gostava dele porque o obrigava a ir com o pai.
4º Nessas situações, a mãe tentava sempre que o filho S… fosse com o pai.
5º A Requerida telefona frequentemente para o filho para o contacto telefónico da casa do pai, e no período acordado em Tribunal por ambos os progenitores, mas, não consegue falar com o S…, porque ou não está, ou porque ninguém atende, inclusive, no dia de anos do S… não conseguiu falar.
6º O S… está convencido que a mãe não lhe telefona.
7º A mediação frustrou-se porque o Progenitor pai recusou-se a participar.
8º O Espaço Família está encerrado nos feriados e dias festivos, como no Natal e Páscoa, e quando os dias de visita coincidem com estes é apresentada proposta de compensação pelo EF, mas o pai nunca mostrou disponibilidade em alterar o dia de visita.
9º Essa indisponibilidade do pai em alterar o dia de visita quando o Espaço Família está encerrado conduziu a que o S… estivesse sem ver a mãe nos dias 15 de Agosto de 2017, no período compreendido entre 24 de Dezembro e 31 de Dezembro de 2017, só retomando a 2 de Janeiro de 2018, no dia 13 de Fevereiro de 2018 (Terça-feira de Carnaval), no Domingo de Páscoa, 1 de Abril de 2018, 1 de Maio de 2018 e 1 de Julho de 2018.
4. A terem sido dados como provados impunha uma decisão diversa da douta decisão recorrida no sentido de o exercício das responsabilidades parentais ser conjunto e de, pelo menos, haver um regime livre de visitas entre o menor e a mãe.
5. A alteração das responsabilidades parentais refere-se a alterações ao exercício das Responsabilidades Parentais regulado por douta sentença proferida a 20 de Março de 2014 que homologou o Acordo, nos termos da qual o menor ficou entregue à mãe, ficando determinada a sua residência junto dela e as responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida do menor exercidas em comum por ambos os progenitores.
6. Em nosso modesto entender não se verificaram quaisquer circunstâncias, nem se provaram quaisquer factos que possam legitimamente fundamentar uma alteração à regulação das responsabilidades parentais.
7. Para se poder avaliar da justeza e qualidade de uma informação ou de um parecer é importante conhecer a aptidão e a formação de quem as presta, no que se refere às Informações do Espaço Família que foram determinantes, quer para a decisão provisória, quer para a decisão definitiva proferida.
8. Constata-se pelas várias Informações prestadas pelo EF nos últimos dois anos que a relação entre o menor e a sua mãe tem vindo gradualmente a degradar-se e os laços afectivos a quebrarem-se por parte do Santiago, tendo manifestou que esperava que os convívios com a mãe deixassem de acontecer no EF, embora, não equacionando convívios noutro contexto, pelo que consideramos que o direito de convívio/visitas, a ser estipulado, deve acontecer num ambiente livre, pois, não existe nenhuma situação de perigo ou de risco para o menor que possa justificar essa medida.
9. Atendendo à alteração e ambivalência do comportamento do menor era importante averiguar se estava a ser alvo de manipulação e alienação parental através de uma perícia actual, o que não foi determinado.
10. Ficaram provados actos concretos por parte do Progenitor-Pai -que indiciam um comportamento de afastamento do S… em relação à mãe, nomeadamente, impossibilitando os contactos telefónicos diários entre filho e mãe, e demonstra uma total e permanente indisponibilidade para alterar o dia de visita/convívio com a mãe nos dias em que o Espaço Família está encerrado, em especial, na Época Natalícia, impedindo um contacto entre ambos, sendo o responsável por a Mediação se ter frustrado.
11. Este comportamento devia ter sido devidamente valorado pelo douto Tribunal e retiradas as devidas ilações, e não foi.
12. Não existe nenhuma circunstância que justifique que o exercício das responsabilidades parentais seja exercido em exclusivo pelo progenitor.
13. Atendendo ao melhor interesse do filho e à sua estabilidade, tendo em conta que nos últimos dois anos viveu com o pai, por muito errada que tivesse sido essa alteração de residência, o certo é que ela aconteceu, e, por isso, a fixação da residência junto da mãe ou de forma alternada com o pai deve ser feita de forma gradual, com uma fase inicial de convívio/visitas aos fins-de-semana fora do Espaço Família, de modo a que progressivamente a situação possa evoluir para uma guarda partilhada.
14. Quanto aos alimentos, e atendendo a que devem ser prestados por ambos os progenitores proporcionalmente e que a situação económica entre ambos é muito distinta, como resulta dos Autos, considera-se excessiva, por desproporcional, a quantia fixada a título de alimentos, no valor de € 100,00 (cem euros), acrescida da comparticipação em metade das despesas médicas, medicamentosas e escolares do menor, sendo certo que a Requerida não tem capacidade para tal, devendo ser mantida a quantia provisoriamente fixada de € 75,00.
15. E, em consequência, deve a douta sentença recorrida ser revogada quanto ao exercício das responsabilidades parentais e residência, quanto ao direito de convívio/visitas e aos alimentos no sentido já supra referido.
16. Foram violados ou incorrectamente interpretados, entre outros, o art. 5º do RGPTC e art. 1906º do Código Civil.»
Pelo Ministério Público foram apresentadas contra alegações, concluindo as mesmas da seguinte forma:
«I. Os artigos 4.º e 5.º, do RGPTC prevêem duas modalidades de audição da criança, conforme a finalidade a que se destinam: uma para exprimir a opinião da criança, e outra para tomada de declarações como meio de prova.
II. A audição da criança para ser ouvida com vista a emitir a sua opinião (art. 5.º, n.ºs 1 e 2) não se confunde, com a audição para tomada de declarações para efeitos probatórios (art. 5.º, n.º.6 e 7). Tal resulta expressamente do espírito e da letra da lei.
III. A audição da criança para livremente exprimir a sua opinião (n.º 1, do art. 5.º), não está sujeita às regras enunciadas no n.º 6 e 7, do mesmo art. 5.º, do RGPTC, designadamente, a uma inquirição - pelo Juiz, com perguntas adicionais pelo Ministério Público e advogados – gravada mediante registo áudio ou áudio visual.”
IV. AS… tinha 9 anos à data da sua audição, tendo sido ouvido com vista a emitir a sua opinião.
V. Nessa medida, não se verifica a nulidade arts. 195°, n.º 1, 197°, n.º 1, e 199°, n.ºs 1 e 2, todos do NCPC, aplicável ex vi art. 33° do RGPTC arguida pela recorrente.
VI. A progenitora evidencia competências ajustadas, mas está centrada no conflito interparental e expõe, consciente ou inconscientemente o menor a factores menos protectores e de risco para o seu desenvolvimento, assumindo como deste, crenças desajustadas relativamente à figura paterna, e discursando sem contenção na presença do A…, alegações e a sua opinião.
VII. O risco que os menores correm no seu ajustamento global aquando da exposição a situações extremas de alienação, pode resultar numa anulação da própria individualidade, em função daquilo que percebem ser o desejável para a sua figura de referência. Cabe ao progenitor responsável reconhecer este factor e permitir que na vida do menor haja espaço para a existência de outra figura parental, de forma saudável e positiva.
VIII. A progenitora manifesta alguma desatenção relativamente a factores fundamentais respeitantes à individualidade do menor, tendendo a anula-lo na sua personalidade.
IX. De acordo com a avaliação psicológica, a relação do menor com a mãe “é marcada por defensividade, rigidez e competitividade por parte da progenitora”. A mãe “apresenta também uma postura muita atenta ao erro e com tendência à crítica”.
X. “ (…) A relação com o pai manifestou-se positiva, o pai demonstrou contingência adequada e cumplicidade, sendo que o A… por sua vez manifestou prazer na interacção com o pai. Observou-se contacto físico adequado, com procura de contingência afectiva por parte do Afonso, com resposta do pai (foi para o colo). (…) O A… apresentou-se à vontade no confronto saudável com o pai, não sendo visível qualquer evidência de receio ou sentimento de opressão na relação. Manifestou comportamentos de identificação com a figura paterna, adequadas e expectáveis numa relação saudável.”
XI. Assim, o progenitor encontra-se neste momento melhor posicionado para permitir o saudável e livre desenvolvimento do AS…, respeitando a sua personalidade e a sua autonomia.
XII. O conflito interparental acentuado inviabiliza um regime de guarda partilhada.
XIII. Por outro lado, a ausência de tomada de consciência por parte da progenitora dos fatos que conduziram à fixação do regime provisório de alteração e a resistência do menor em estar com a mãe inviabilizam a execução de outro regime de visitas, sob pena se estarmos a introduzir um fator de desproteção na vida do menor.
XIV. Considerando o conflito interparental evidenciado nos autos a partilha de responsabilidades parentais é prejudicial para a vida do menor, por se mostrar contrária aos seus interesses, e poder redundar num bloqueio à tomada das decisões mais importantes na vida do menor.
XV. A pensão fixa € 100,00 e a repartição de despesas de saúde e de educação contempla despesas variáveis que foi fixada corresponde a um mínimo existencial que deverá ser salvaguardado e é exigível a um homem médio com uma capacidade de trabalho média.
XVI. Em suma, a decisão recorrida, ponderou de forma adequada o contexto de familiar do AS…».
O recurso foi admitido.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa apreciar são:
1ª Saber se o Tribunal “a quo” incorreu em erro na apreciação dos meios de prova que imponha a alteração da decisão da matéria de facto nos termos pretendidos, eliminando o ponto 42. e aditando factos tal como pretende a recorrente;
2ª Saber se a forma como decorreu a inquirição do menor pelo Tribunal determina a nulidade de tal meio de prova;
3ª Saber se é de alterar a regulação das responsabilidades parentais, fixando a residência do mesmo junto da mãe ou de forma alternada com o pai, com uma fase inicial de convívio/visitas aos fins-de-semana fora do Espaço Família, de modo a que progressivamente a situação possa evoluir para uma guarda partilhada.
4ª Saber se é de alterar a prestação de alimentos por excessiva e desproporcional, devendo fixar-se a mesma na quantia de € 75,00.
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II. Fundamentação:
No âmbito da sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1- AS… nasceu em … 2009 e é filho de J… e   T….
2- J… e  T… separaram-se no mês de Janeiro de 2014.
3- Por sentença proferida em 20 de Março de 2014, foi homologado o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor, tendo o menor ficado a residir com a mãe e tendo sido fixado regime de visitas do pai e pensão de alimentos.
4- Por despacho proferido em 10 de Setembro de 2015, foi aplicada ao menor a medida de apoio junto dos pais, devido ao conflito existente entre as figuras parentais, com discursos de acusações mútuas, acentuado principalmente pela mãe.
5- Por despacho proferido em 15 de Novembro de 2016, foi determinado que, na execução da medida de apoio junto dos pais, o menor passasse a residir com o pai, com os seguintes fundamentos: “Conforme o observado na promoção antecedente, decorre do relatório da EMAT constante de folhas 1038 a 1044, que a relação entre os progenitores do menor é caótica, e mantém-se o aceso conflito interparental, pese embora o progenitor vir a envidar esforços no sentido de não despoletar qualquer situação de conflitualidade; na falta de diálogo assertivo entre as figuras parentais, o menor recorre a códigos de linguagem, isso é, adapta o discurso a cada progenitor. Tal ambivalência gera-lhe a inerente instabilidade emocional que está documentada nos autos e acarreta a necessidade de acompanhamento psicológico (no Centro de Saúde do …-veja-se folhas 1041 dos autos), conforme o também observado na promoção antecedente. Seguindo o fio condutor da promoção antecedente, com a qual se concorda, o condicionamento do comportamento do menor está ainda documentado no âmbito da execução da notificação do despacho de fls. 996, e 998, onde é visível a vontade de estar com o pai, mas em que na presença da mãe recusa-se a ir com o pai (conforme decorre de folhas 998, na presença da mãe o menor disse que não queria ir com o pai, que ninguém o podia obrigar, fazendo birra, dizendo que este lhe impingia castigos, mandando para o quarto e fora do alcance de vista da mãe, mudou completamente de atitude, agarrando-se ao pai e dizendo que queria ir com o mesmo). Da mesma forma, não obstante a progenitora invocar que o menor está em grande sofrimento devido à atitude do pai, tendo requerido inclusivamente a suspensão das visitas (veja-se o requerimento de folhas 760 e seguintes dos autos), contactada a escola do menor, conforme decorre da informação social de folhas 772, não foi detectado pelo estabelecimento de ensino qualquer problema no relacionamento da criança com o pai, constando de tal informação o seguinte. “(…) o pai da criança comparece nos dias e horas definidos, no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, na escola para beneficiar dos convívios com o filho. Não nos foi dado conhecimento de referências negativas da figura paterna em contexto escolar.”. De notar é ainda a circunstância de, na sequência das sucessivas reclamações do progenitor do incumprimento do regime de visitas, nomeadamente no que respeita à partilha das férias escolares, ter sido proferida no âmbito do apenso E, a 20.07.2016, decisão que julgou procedente o incidente de incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais, tendo sido marcada data para a entrega pela progenitora do menor ao pai, a hora a combinar com a equipa tutelar cível do ISSM. Não obstante a determinação da entrega com o acompanhamento de tal equipa, decorre da informação social de folhas 121 que a PSP foi previamente chamada ao local, pela progenitora. Verifica-se pelo exposto e pelo teor das avaliações periciais juntas aos autos, que a respeito são muito esclarecedoras, que a progenitora não tem protegido o filho dos conflitos existentes entre os progenitores. Resulta da avaliação pericial efectuada à progenitora que esta se mostra centrada no conflito interparental, que leva a comportamentos de exposição do menor promovidos pela figura materna, observados em contexto pericial (tendo explorado, sem cuidado, na presença do menor, aspectos negativos que imputou à figura paterna, tratando-se de um aspecto muito negativo para o menor, conforme consta de folhas 19 do relatório pericial referente à progenitora) e referenciados pela mesma noutros contextos. Quanto a este último ponto, consta de folas 13 do mesmo relatório o seguinte: “Consideramos que os movimentos de exposição do menor, incentivando-o a publicitar em discurso próprio os alegados maus tratos do pai, por exemplo à vereadora da Câmara, bem como a outras pessoas, surgem como uma prática que vitimiza a criança, evidenciando interesse superior em publicitar esta situação e não em proteger o menor das consequências psicológicas destes actos. Foi evidente uma maior centração no conflito e pouca referência a estratégias de resolução desta situação. (…)”. Resulta ainda do mesmo relatório pericial que este aspecto (de incentivo à publicitação pelo menor dos alegados mas tratos em vez de o proteger das consequências psicológicas desses actos) surge como um aspecto desadequado no exercício da parentalidade (veja-se folhas 16). Da mesma avaliação pericial consta que a progenitora apresente tendência para eliminar a figura paterna da vida do menor e que a mãe apresenta uma rigidez estrutural, que poderá levar ao enviesamento na interpretação do meio ambiente, bem como a reacções baseadas em julgamentos desajustados, recorrendo ao mesmo padrão de comportamento, independentemente da situação. Consta do relatório pericial (a folhas 18 e 19) da progenitora que “(…) a T… manifesta alguma desatenção relativamente a factores fundamentais respeitantes à individualidade do menor, tendendo a anula-lo na sua personalidade, assumindo como deste, as crenças que a própria detém acerca do ex companheiro. É de realçar ainda o que consta de folhas 18 do mesmo relatório:
“(…) A T… evidenciou competências ajustadas, mas de igual forma expõe, consciente ou inconscientemente o menor a factores menos protectores e de risco para o seu desenvolvimento, assumindo como deste, crenças desajustadas relativamente à figura paterna, e discursando sem contenção na presença do Afonso, alegações e a sua opinião. O risco que os menores correm no seu ajustamento global aquando da exposição a situações extremas de alienação, pode resultar numa anulação da própria individualidade, em função daquilo que percebem ser o desejável para a sua figura de referência. Cabe ao progenitor responsável reconhecer este factor e permitir que na vida do menor haja espaço para a existência de outra figura parental, de forma saudável e positiva.” Verifica-se que AS…, nascido a …, filho de J… e de T… tem uma relação de vinculação segura com ambos os progenitores, ou seja, está ligado afectivamente com ambos mas não se sente livre para expressar os seus verdadeiros sentimentos face à mãe, sendo o exame pericial efectuado ao menor muito elucidativo também neste ponto, tendo o menor manifestado inquietação e ansiedade quanto ao acesso da progenitora ao conteúdo das suas declarações, referindo que “ela não pode saber”. Em consonância com as declarações prestadas pelo menor que constam de folhas 10 do relatório de avaliação pericial do mesmo, também a irmã T… verbalizou que o A… tem medo da mãe e que diz à mãe aquilo que ela quer ouvir para evitar conflitos. Não obstante os desenhos de folhas 858 e seguintes, designadamente o de folhas 839 no qual a criança escreve que odeia o pai e adora a mãe, afinal decorreu claramente da avaliação pericial efectuada que nutre afecto por ambos os progenitores, como é normal, que não sente medo do pai (ao contrário do que sucede relativamente à mãe), que existe relação de cumplicidade com os pais mas que no caso da mãe, não há espaço para a transmissão livre dos seus sentimentos verdadeiros relativamente ao pai. Seria importante que a progenitora entendesse que não deve existir uma relação de competitividade entre os progenitores, que o filho tem que ser protegido dos conflitos que subsistam entre os pais e que para crescer de forma saudável precisa de manter uma relação saudável com ambos os pais, pelo que cabe a cada um deles respeitar o papel do outro da vida do filho. Já relativamente ao progenitor, o mesmo problema já não se coloca, resultando do relatório pericial que o mesmo não pretende eliminar a figura materna da vida da criança, pois considera existir uma relação de vinculação forte entre ambos mas receia que o medo que o A… sente da mãe o venha a prejudicar no desenvolvimento da sua personalidade. No entanto o progenitor teme pelo que a ex companheira possa fazer, perante as ameaças que já proferiu, sentindo que poderá acontecer algo de mal ao filho se for contrariada. Tais alegações são consistentes e fundamentadas, corroboradas pela observação do grande desconforto e temor do menor A…, aquando da avaliação, por quaisquer assuntos que digam respeito à mãe, tendo de igual forma sido observadas sequelas emocionais na menor T… e grande conflito e medo relativamente à figura materna, conforme decorre de folhas 11 do relatório pericial efectuado ao progenitor; veja-se a este respeito os relatos desta menor expostos a folhas 366, frente e 368 e seguintes. Consta da promoção antecedente, com a qual concordo, o seguinte: “Da leitura da avaliação psicológica que antecede, é evidente que o menor quer estar com o pai, mas recusa tal convívio com receio da reacção negativa da progenitora. Resulta ainda que a progenitora utiliza forte violência psicológica (inclusive diz ao filho que vai morrer se ele for com o pai) e física para impor a sua vontade ao menor, e a forte preocupação do menor em que a mãe venha a tomar conhecimento das suas declarações, e o agrida fisicamente. A utilização de violência já era alegada pela meia-irmã T…, e vem agora confirmada num ambiente em que o menor pode exprimir-se livremente. Nega a utilização de violência pelo pai. O menor A…, conforme decorre da avaliação pericial “apresenta níveis elevados nas escalas dos medos e alguma sintomatologia depressiva (…) tendência à interiorização de sentimentos e opiniões (…) “ sentimentos negativos (zanga, vergonha, tristeza, culpabilidade, etc) por vezes, não são exteriorizados, no entanto estão presentes, o que poderá levar a uma tensão interna”. A relação com a mãe “é marcada por defensividade, rigidez e competitividade por parte da progenitora”. A mãe “apresenta também uma postura muita atenta ao erro e com tendência à crítica”. “ (…)A relação com o pai manifestou-se positiva, o pai demonstrou contingência adequada e cumplicidade, sendo que o A… por sua vez manifestou prazer na interacção com o pai. Observou-se contacto físico adequado, com procura de contingência afectiva por parte do A…o, com resposta do pai (foi para o colo). (…) O A… apresentou-se à vontade no confronto saudável com o pai, não sendo visível qualquer evidência de receio ou sentimento de opressão na relação. Manifestou comportamentos de identificação com a figura paterna, adequadas e expectáveis numa relação saudável.”
6- Na execução da medida aplicada, a partir do dia 21 de Novembro de 2016, o menor passou a residir com o pai e a companheira deste, N…
7- O menor passou a conviver com a mãe bissemanalmente, no Espaço Família, ao domingo das 10:00 às 11:00 horas e à terça-feira das 19:00 às 20:00 horas.
8- Até Novembro de 2017, o menor chegava ao Espaço Família descontraído e apresentando boa disposição.
9- O menor parecia desfrutar dos convívios com a mãe, acedendo à sua participação nas actividades lúdicas em que se centrava, verificando-se um maior entusiasmo, proximidade e expressão de afectos positivos quando esta respondia e se envolvia nas actividades lúdicas solicitadas pelo menor.
10- Por vezes manifestava algum desconforto na interacção com a mãe, quando esta procurava impor a sua vontade, contrariando os intentos do menor.
11- A partir de determinada data, a relação entre o menor e a mãe passou a apresentar-se condicionada pelo estado emocional do menor, que por vezes adopta discursos e atitudes ambivalentes, rejeitando em algumas situações a interacção com a mãe.
12- Nos momentos em que a mãe procura impor a sua vontade e /ou quando insiste em algumas questões sobre alguns assuntos externos ao Espaço Família, o menor manifesta-se incomodado, apresentando pouca tolerância à sua aproximação.
13- Por vezes, o menor manifesta contrariedade em relação aos convívios, demonstrando algum desinteresse em relação aos contactos com a mãe.
14- O menor justifica tal situação com situações ocorridas no passado, quando vivia com a mãe, exteriorizando sentimentos de tensão, insegurança e hostilidade na relação com a mesma.
15- No convívio ocorrido no dia 7 de Julho de 2018, a mãe confrontou o menor com afirmações efectuadas pelo mesmo em Tribunal, designadamente com o facto de o menor ter dito que a mesma nunca lhe oferecia nada, nem perguntava nada.
16- O menor sentiu-se desconfortado com a postura da mãe, tendo a técnica sugerido que a mãe se centrasse no convívio com o filho.
17- A mãe continuou a confrontar o menor com as afirmações efectuadas em Tribunal.
18- A técnica voltou a sentir necessidade de intervir junto da mãe e do menor, tendo este pedido para falar com a técnica, sem a presença da mãe.
19- Em contexto privado com a técnica, o menor relatou que se sentia cansado e irritado, apontando como motivo os discursos inquiridores da mãe e o facto de esta insistir em tratá-lo como se fosse um bebé.
20- Após, o menor recusou voltar ao convívio, abandonando-o, sem se despedir da mãe.
21- No convívio seguinte, em 10 de Julho de 2018, o menor chegou ao convívio bem-disposto, com uma atitude de conformismo face aos convívios com a mãe.
22- O menor interagiu com a mãe com recurso a actividades lúdicas, evitando a relação e comunicação com esta.
23- No dia 15 de Julho de 2018, o menor manifestou algumas reservas ao convívio com a mãe, referindo ao técnico que, na eventualidade da mãe adoptar um discurso inquiridor, gostaria de abandonar o convívio.
24- Apesar da mãe adoptar uma atitude positiva para com o menor, este evitou a relação e comunicação, adoptando um discurso reactivo, tendo acabado por abandonar o convívio.
25- No dia 17 de Julho de 2018, o menor voltou a evitar a relação com a mãe respondendo às suas questões e tentativas de interacção de modo reactivo e zangado.
26- A mãe apesar de adoptar uma atitude receptiva em relação ao comportamento do menor, evidenciou, em alguns momentos, um comportamento exuberante e desinibido.
27- Na saída, o menor partilhou com o técnico que a mãe parecia estar sob efeito de bebidas alcoólicas, e que não seria a primeira vez que se apercebia deste comportamento por parte da mãe.
28- Nos convívios ocorridos nos dias 22, 24, 29 e 31 de Julho de 2018 e 5 de Agosto de 2018, o menor apresentou-se bem-disposto, aderindo sem reservas aos convívios e incluindo a mãe nas suas brincadeiras.
29- O último convívio entre o menor e a mãe ocorreu no dia 7 de Agosto de 2018, tendo o menor abandonado o mesmo.
30- Neste dia, o menor chegou ao convívio bem-disposto, contudo quando a mãe questionou como tinha corrido o seu dia este respondeu “venho aqui para te ver, não para me fazeres um interrogatório.”
31- O menor focou a sua atenção em actividades lúdicas, não incluindo a mãe nas suas brincadeiras.
32- A mãe insistiu para que o menor falasse ao telemóvel com as suas amigas, Raquel e Leonor, referindo que também eram amigas do menor, ao que este respondeu que não as conhecia e não queria falar.
33- A mãe continuou a insistir, o que motivou a intervenção da técnica, para que a mãe aceitasse a recusa do menor.
34- O menor continuou focado na sua brincadeira, evitando o contacto físico e ocular com a mãe, tendo a mãe insistido em saber o que teria feito durante o dia.
35- Apesar de contrariado, o menor relatou que estava a passar uns dias em casa da irmã, tendo a mãe parecido preocupada, fazendo questões sobre a rotina diária do menor (onde dormia, que actividades fazia…).
36- O menor reagiu de forma zangado, dizendo que vinha ao convívio para a ver e não para ela lhe fazer perguntas.
37- A mãe questionou o menor, perguntando-lhe se alguma vez lhe teria feito mal, ao que este respondeu “Pouco? Nunca me bateste?”, parecendo zangado perante o comportamento de negação da mãe, confrontou-a, dizendo-lhe “Queres ver que foi um sonho? Que é mentira? Sabes sempre tudo, mas eu lembro-me!”
38- Após, o menor quis falar a sós com a técnica, tendo partilhado o seu aborrecimento com os convívios e a vontade de terminar com os mesmos, assumindo, contudo, estar orgulhoso pela coragem que teve ao confrontar a mãe com os alegados episódios de maus tratos ocorridos no passado.
39- Apesar das tentativas do pai e da técnica, o menor disse que não queria voltar aos convívios com a mãe, tendo abandonado o Espaço Família, recusando despedir-se da mãe.
40- O pai demonstrou surpresa e apreensão com a atitude do menor.
41- O menor espera que os convívios com a mãe cessem, não equacionando convívios com a mãe noutros contextos.
42- A mãe assume uma atitude de negação e desresponsabilização face aos factos que motivaram a aplicação da medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais e subsequente alteração da residência do menor para junto do pai.
43- O menor reside com o pai e a companheira do pai, N…, numa habitação de tipologia T3, na qual o menor dispõe de quarto próprio.
44- O pai exerce funções no Departamento de Infra Estruturas e Equipamentos da C…, auferindo mensalmente a quantia aproximada de € 1.579,00 (mil quinhentos e setenta e nove euros) e a sua companheira exerce funções no I…, auferindo mensalmente a quantia aproximada de € 1.100,00 (mil e cem euros).
45- N… auxilia nas rotinas diários do menor, sendo o menor tratado e acarinhado por esta.
46- O menor mantem contactos com a irmã uterina, T…, a qual se encontra acolhida numa família de acolhimento.
47- O menor frequenta o karaté, com um custo mensal de € 12,00 (doze euros) e o coro, com um custo mensal de € 10,00 (dez euros).
48- O menor sente-se bem integrado no agregado familiar paterno.
49- No 2.º ano de escolaridade, no ano lectivo 2016/2017, na avaliação sumativa final, o menor teve a menção Muito Bom às disciplinas de português, matemática, estudo do meio, inglês e apoio ao estudo e Bom a expressões artísticas e físico-motoras.
50- No ano lectivo 2017/2018, o menor frequentava o 3.º ano de escolaridade, na Escola Básica do 1.º Ciclo com Pré-Escolar de SM….
51- No 3.º ano de escolaridade, no ano lectivo 2017/2018, na avaliação do 1.º período, o menor teve a menção Muito Bom às disciplinas de português, matemática, estudo do meio e Bom a inglês, apoio ao estudo e expressões artísticas e físico-motoras.
52- O menor é um aluno assíduo e pontual.
53- Na escola apresenta-se asseado, com boa higiene e boa apresentação.
54- Revela muita facilidade na aquisição e aplicação dos conhecimentos desenvolvidos, sendo uma aluno atento, concentrado, trabalhador e motivado para a aprendizagem.
55- Tem um bom comportamento e desenvolve boas relações com os seus pares, professores e auxiliares.
56- O pai é um encarregado de educação interessado, comparecendo na escola mesmo sem ser solicitado, sendo notório o apoio prestado ao menor na realização dos trabalhos de casa.
57- A mãe exerce funções para a sociedade E…, Unipessoal, Lda. auferindo um valor mensal que ronda os € 700,00 (setecentos euros).
58- Presta ainda serviços de tradução, auferindo uma média mensal de € 100,00 (cem euros).
59- Apresenta despesas com o condomínio no valor de € 35,00 (trinta e cinco euros), € 48,00 (quarenta e oito euros), € 25,00 (vinte e cinco euros) e despesas com telecomunicações de valor não concretamente apurado.
60- Reside na casa de morada de família, a qual vai ser vendida.
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Na sentença foi ainda considerado inexistirem factos com relevância para a decisão da causa, como não provados.
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1ª Questão: Da modificabilidade dos factos dados como provados na sentença, com o aditamento nos termos pretendidos pela recorrente.
Nos termos do artº 4.º do RGPTC os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes: a) Simplificação instrutória e oralidade - a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto; b) Consensualização - os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito; c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.
Determinando o artº 12º do mesmo diploma que tal processo revesta a natureza de jurisdição voluntária, ao qual são aplicáveis as normas gerais previstas nos artº 966º a 988º do CPC.
Tal como se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 21/06/2018, na acção de regulação das responsabilidades parentais o Tribunal dispõe dos mais amplos poderes investigatórios, não estando sujeito: «a) à iniciativa das partes; b) não vigora o princípio do ónus da alegação e prova, conhecendo o Tribunal de todos os factos que apure, mesmo dos que não tenham sido alegados pelas Partes; c) o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo adoptar a solução que julgar mais conveniente e oportuna para cada caso; d) as decisões podem sempre ser revistas se ocorrerem circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, quer a superveniência seja objectiva, isto é, tenham os factos ocorrido posteriormente à decisão, quer seja subjectiva, ou seja, quando os factos são anteriores à decisão mas não tenham sido alegados por não serem conhecidos por quem tinha interesse na alegação, ou por outro motivo ponderoso» (in www.dgsi.pt/jrg).
Donde, a acção de regulação do poder paternal não é um processo de partes que vise solucionar ou compor um conflito de interesses disponíveis (cfr. art.º 1249.º do CC), tendo por base tais princípios haverá que aferir se é de alterar e aditar a matéria factual nos termos pretendidos.
Pretende a recorrente que seja eliminado o facto ponto 42., o qual é do seguinte teor: «A mãe assume uma atitude de negação e desresponsabilização face aos factos que motivaram a aplicação da medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais e subsequente alteração da residência do menor para junto do pai». Diz em abono dessa sua pretensão que a prova deste facto pressupunha que se dessem como provados os factos que fundamentaram a aplicação da medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais e subsequente alteração da residência do menor para junto do pai, e não foram, pois o processo de promoção e protecção foi arquivado sem que tivesse sido produzida a prova apresentada pela Requerida, sendo arquivado antes que tivesse lugar o Debate Judicial e sem o pleno exercício do contraditório.
Por fim, alega que nenhum dos elementos de prova fundamenta tal facto.
Além disso, pretende a apelante que se aditem aos factos provados o seguinte:
1º O menor Afonso nunca foi vítima de maus-tratos por parte da mãe, havendo um forte vínculo e uma relação muito afectuosa entre ambos;
2º A Progenitora é uma mãe cuidadosa, atenta, afectuosa, e nunca pretendeu eliminar a figura paterna;
3º Quando o menor AS… residia com a mãe manifestou por diversas vezes na presença de várias amigas dos dois que não queria ir com o pai, dizendo que o pai lhe batia, chegando a chorar e a dizer à mãe que esta não gostava dele porque o obrigava a ir com o pai.
4º Nessas situações, a mãe tentava sempre que o filho S… fosse com o pai.
5º A Requerida telefona frequentemente para o filho para o contacto telefónico da casa do pai, e no período acordado em Tribunal por ambos os progenitores, mas, não consegue falar com o S…, porque ou não está, ou porque ninguém atende, inclusive, no dia de anos do Santiago não conseguiu falar.
6º O S… está convencido que a mãe não lhe telefona.
7º A mediação frustrou-se porque o Progenitor pai recusou-se a participar.
8º O Espaço Família está encerrado nos feriados e dias festivos, como no Natal e Páscoa, e quando os dias de visita coincidem com estes é apresentada proposta de compensação pelo EF, mas o pai nunca mostrou disponibilidade em alterar o dia de visita.
9º Essa indisponibilidade do pai em alterar o dia de visita quando o Espaço Família está encerrado conduziu a que o Santiago estivesse sem ver a mãe nos dias 15 de Agosto de 2017, no período compreendido entre 24 de Dezembro e 31 de Dezembro de 2017, só retomando a 2 de Janeiro de 2018, no dia 13 de Fevereiro de 2018 (Terça-feira de Carnaval), no Domingo de Páscoa, 1 de Abril de 2018, 1 de Maio de 2018 e 1 de Julho de 2018.
Na fundamentação da decisão refere a juiz a quo: «A convicção quanto à matéria de facto assentou na análise dos documentos juntos ao processo, em conformidade com o disposto no art. 607.º, n.º 4 e 5 do Código de Processo Civil ex vi do art. 33.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível. Assim, em concreto, teve-se em consideração, o assento de nascimento de fls. 18 do apenso A; acordo sobre a regulação das responsabilidades de fls. 57 a 60 do apenso A; despacho de fls. 1121 a 1126 do processo principal; relatório social de fls. 1273 a 1276 do processo principal; despacho de fls. 66 a 69; informação sobre os convívios no Espaço Família de fls. 80, 81, 152, 153 e 158 a 160; fichas de registo de avaliação de fls. 109 a 113 e informação de fls. 151. Tomou-se ainda em consideração:
a) As declarações de parte de cada um dos progenitores, os quais descreveram a sua situação familiar e económica e reiteraram, em suma, o que consta dos respectivos articulados, apresentando cada um a sua versão dos factos;
b) O depoimento de N…, companheira do progenitor. Pese embora os laços familiares que a ligam ao requerente, a testemunha prestou depoimento de forma minuciosa, assente com rigor em detalhes espontâneos, revelando conhecimento directo dos factos sobre que depôs, permitindo, deste modo, aferir e conhecer a dinâmica de vida do menor. A testemunha, com franqueza e assertividade, relatou episódios referentes ao quotidiano do menor, relacionamento deste com o progenitor, visitas à progenitora, rotinas de alimentação, higiene e horários, permitindo-nos, pois, ter uma percepção real dos mesmos. Este depoimento foi corroborado, ainda que em parte, pelo depoimento de João Alberto Teles de Sousa, amigo do progenitor, o qual revelou conhecer a relação do menor com o pai e a habitação onde os mesmos residem.
c) O depoimento de T…, filha da requerida, prestado de forma espontânea e revelando conhecimento directo dos factos, permitiu aferir da dinâmica de vida do menor anteriormente à fixação da sua residência com o pai, no âmbito da aplicação da medida de promoção e protecção.
d) Os depoimentos de R…, V…, S…, A… e M…, amigas da requerida, centraram-se, essencialmente, no período em que o menor residiu com a mãe. Ainda assim, no geral, as testemunhas limitaram-se a tecer considerações pessoais, baseando-se parte dos seus relatos no que a requerida lhes contou ou em conclusões extraídas pelas próprias testemunhas. e) Foi ainda auscultada a opinião do menor.»
Em relação ao facto contido no ponto 42. e tal como resulta da fundamentação o mesmo resulta quer do despacho cuja transcrição é feita no ponto 5. dos factos provados, quer ainda da prova documental referida, ou seja, relatório social de fls. 1273 a 1276 do processo principal; despacho de fls. 66 a 69; informação sobre os convívios no Espaço Família de fls. 80, 81, 152, 153 e 158 a 160. Acresce que tal como ficou evidenciado na fundamentação os depoimentos das testemunhas Raquel Pereira, Ana Isa Moniz e maria Inês Reis Mendonça, centram-se essencialmente ou no período em que o menor ainda residia com a mãe, ou nada sabem de percepção directa relacionada com a vivência actual, mas apenas o que resulta do relato feito pela progenitora.
Por outro lado, e ao arrepio do previsto no artº 640º nº 2 alínea a) do CPC, na impugnação da decisão quanto à matéria de facto, a recorrente apenas indica de forma genérica os meios probatórios, ou seja a prova testemunhal e declarações da apelante, que no seu entender, impunham decisão sobre o ponto 42. diversa da constante da sentença recorrida. Mas em momento algum, indica com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso nesta parte, sendo que tal falta teria como consequência a rejeição do recurso.
Todavia, face ao exposto o ponto 42. tem a sua sustentação na prova documental referida e como tal é de manter.
No que diz respeito aos aditamentos, em nada releva o facto negativo contrário ao direito cujo aditamento se pretende em 1º- “O menor Afonso nunca foi vítima de maus-tratos por parte da mãe, havendo um forte vínculo e uma relação muito afectuosa entre ambos”, ou seja manifestamente, não é considerado para efeito de tomada de decisão a inexistência de maus tratos ao menor infligidos pela progenitora, pois este é o comportamento exigível a qualquer progenitor, não tendo relevância jurídica a sua mera conformidade. Na verdade, pretender que conste tal facto negativo é subverter a importância dos factos, pois a ser levado ao extremo todas as situações que pudessem por em perigo o menor, ou fossem prejudiciais ao mesmo, teriam de constar de forma negativa, quando salvaguardar que essas situações nunca ocorram perpetradas pelos progenitores faz parte do seu dever como pais.
Quanto ao aditamento referido em 2º- “A Progenitora é uma mãe cuidadosa, atenta, afectuosa, e nunca pretendeu eliminar a figura paterna”, o mesmo é conclusivo e terá de advir de factos, quando a decisão não põe em causa a adjectivação pretendida em tal ponto pela recorrente.
Em relação ao aditamento em 3º e 4º os factos relevantes para a alteração e a decisão em causa reportam-se ao ocorrido recentemente na vida do menor e não reportados à altura em que o menor residia com a mãe, logo, em nada relevam nos autos. O mesmo ocorre quanto ao ponto 7º que diz respeito ao ocorrido processualmente nos autos, e nem a apelante indica em concreto que prova deve ser tida em conta.
O aditamento pretendido em 5º e 6º não resulta de percepção direta da prova testemunhal produzida, nem resulta do relatório social junto, pelo que também não é de atender. Pois é certo que é referido no relatório do Espaço família que o menor terá inquirido a apelante sobre o facto de não telefonar, mas na análise que é feita no contexto privado entre a técnica e o menor o mesmo não refere este assunto – cf. fls. 158vº e 159.
Quanto aos factos relativos aos ponto 8º e 9º, importa ter presente que a decisão recorrida tem um limite temporal de visitas no Espaço Família que quando o presente recurso deu entrada neste Tribunal – a 20/05/2019 -  já tais visitas nesse espaço cessaram, e ainda que a decisão preveja que a recolha e entrega seja feita no mesmo espaço, a convivência já não ocorrerá no mesmo, pelo que será irrelevante o período de funcionamento do Espaço.
Assim, manter-se-ão inalterados os factos contidos na decisão.
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2ª Questão: A audição do menor com inobservância do disposto nos n.ºs 6 e 7 do art. 5º do RGPTC, com a subsequente nulidade de tal prova, nos termos do disposto nos arts. 195º, n.º 1, 197º, n.º 1, e 199º, n.ºs 1 e 2, todos do NCPC, aplicável ex vi art. 33º do RGPTC.
Como já deixamos explicito supra nos termos do artº 4.º do RGPTC os processos tutelares cíveis regulados no regime em causa regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo, prevendo-se na alínea c) a audição e participação da criança, dizendo-se que a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.
Acresce que nos termos do Artigo 5.º do mesmo diploma, sob a epígrafe, “Audição da criança” estabelece-se que: 1 - A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz promove a audição da criança, a qual pode ter lugar em diligência judicial especialmente agendada para o efeito.
3 - A audição da criança é precedida da prestação de informação clara sobre o significado e alcance da mesma.
4 - A audição da criança respeita a sua específica condição, garantindo-se, em qualquer caso, a existência de condições adequadas para o efeito, designadamente:
a) A não sujeição da criança a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais;
b) A intervenção de operadores judiciários com formação adequada:
Por outro lado, no âmbito deste preceito estabelece-se no nº 6 que sempre que o interesse da criança o justificar, o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, pode proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, a fim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos atos processuais posteriores, incluindo o julgamento. Neste caso a tomada de declarações obedece às seguintes regras: a) A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a criança ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito; b) A inquirição é feita pelo juiz, podendo o Ministério Público e os advogados formular perguntas adicionais; c) As declarações da criança são gravadas mediante registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas quando aqueles meios não estiverem disponíveis e dando-se preferência, em qualquer caso, à gravação audiovisual sempre que a natureza do assunto a decidir ou o interesse da criança assim o exigirem.
Assim, no que especificamente se refere ao regime aplicável à audição da criança e jovem, por via do que dispõe o artigo 5º, nº7, b) do RGPTC, ex vi do artigo 84º da LPCJP, a mencionada audição deverá efectuar-se na presença dos mandatários dos progenitores.
Entende a recorrente que no caso dos autos a audição do menor foi valorada como meio probatório e teve lugar sem a presença dos Advogados e sem que estes tivessem a possibilidade de formular perguntas adicionais, com inobservância do disposto nos n.ºs 6 e 7 do art. 5º do RGPTC, o que tem reflexo no exame e decisão da causa e determina a nulidade da audição, tendo esta sido tempestivamente arguida no próprio acto, sendo indeferida, pelo que se invoca em sede de recurso, nos termos do disposto nos arts. 195º, n.º 1, 197º, n.º 1, e 199º, n.ºs 1 e 2, todos do NCPC, aplicável ex vi art. 33º do RGPTC.
Segundamos, neste ponto, as contra alegações apresentadas pelo Ministério Público, ou seja, os artigos 4.º e 5.º, do RGPTC prevêem duas modalidades de audição da criança, conforme a finalidade a que se destinam: uma para exprimir a opinião da criança, e outra para tomada de declarações como meio de prova. E a audição da criança para ser ouvida com vista a emitir a sua opinião (art. 5.º, n.ºs 1 e 2) não se confunde, com a audição para tomada de declarações para efeitos probatórios (art. 5.º, n.º.6 e 7). Tal resulta expressamente do espírito e da letra da lei. Acresce que a audição da criança para livremente exprimir a sua opinião (n.º 1, do art. 5.º), não está sujeita às regras enunciadas no n.º 6 e 7, do mesmo art. 5.º, do RGPTC, designadamente, a uma inquirição - pelo Juiz, com perguntas adicionais pelo Ministério Público e advogados – gravada mediante registo áudio ou áudio visual.
Como se refere, a propósito da interpretação dos 4º e 5º do RGPTC: «Prevêem estes preceitos duas modalidades de audição da criança, conforme a finalidade a que se destinam: a) uma para exprimir a opinião da criança e b) outra para tomada de declarações como meio de prova.
A audição da criança para ser ouvida com vista a emitir a sua opinião (art. 5.º, n.ºs 1 e 2) não se confunde, com a audição para tomada de declarações para efeitos probatórios (art. 5.º, n.º. 6 e 7). Tal resulta expressamente do espírito e da letra da lei.(…) Recorde-se que um dos elementos do direito de participação é o da «liberdade» de exprimir uma opinião, expressão que, muito embora não conste na letra da lei, não pode, de todo, ser olvidada, seja, por resultar da natureza pessoal do direito de exprimir uma opinião, seja, por ter consagração em instrumentos internacionais e constitucionais.» ( in e-book CEJ/Família).
Logo, as duas modalidades de audição da criança, conforme a finalidade a que se destina, seja a de exprimir a sua opinião, ou a sua tomada de declarações como meio de prova, recebem diferente tratamento. E destinando-se à primeira das finalidades, o juiz poderá ouvi-la sem a presença de mandatário dos progenitores.
Com efeito, por regra existe dificuldade de conciliar a audição de menores com o princípio do contraditório e a necessidade de proteger a criança de eventuais reacções dos progenitores e até a necessidade de evitar a eventual instrumentalização das suas declarações nos conflitos parentais. Porém, tal dificuldade só se verifica e merece ser analisada, ponderada e eventualmente, fundamentar a tomada de declarações do menor sem a presença dos mandatários, desde que estejamos perante este meio de prova.
Como aludimos o art.º 4.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) enuncia os princípios orientadores por que se rege o processo tutelar cível, entre os quais surge a audição e participação da criança que tenha “capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade…”, referindo-se no n.º 2 que “o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica”.
Na “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei n.º 338/XII, depois de se aludir aos “graves danos psicológicos potencialmente sofridos pelas crianças em contextos de ruptura conjugal e, consequente, perturbação dos vínculos afectivos parentais”, ficou referido que “O Regime ora instituído tem como principal motivação introduzir maior celeridade, agilização e eficácia na resolução desses conflitos, através da racionalização e da definição de prioridades quanto aos recursos existentes, em benefício da criança e da família.
Foi na concretização desse objectivo que se definiram novos princípios e procedimentos destinados a simplificar e a reduzir a instrução escrita dos processos, privilegiando, valorizando e potenciando o depoimento oral, quer das partes, quer da assessoria técnica aos tribunais (“sempre que o juiz entenda necessário para o processo”), nos processos tutelares cíveis e, em especial, no capítulo relativo ao exercício das responsabilidades parentais e seus incidentes.
Também o artigo 12 da Convenção sobre os Direitos da Criança afirma que os Estados Subscritores garantem à criança “com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade”.
Outrossim, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no art.º 24.º, consagra o direito da criança a exprimir livremente a sua opinião, “que será tomada em consideração … em função da sua idade e maturidade”.
Logo, a criança e o jovem com menos de 12 anos têm, como qualquer outro cidadão, direito, nos termos do art. 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, a um processo equitativo.
No caso dos autos, tal como resulta da fundamentação da sentença, a audição do menor visou apenas a auscultação da sua opinião, constando da fundamentação «e) Foi ainda auscultada a opinião do menor.»
De tudo o exposto não se verifica a nulidade apontada no recurso, pois a audição do menor visou apenas aferir da sua opinião e não como meio de prova, esta sim, salvo fundamentação em contrário, exige a presença dos mandatários das partes.
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III. O Direito:
Considerando a inalterabilidade dos factos a ter em conta, bem como o indeferimento da nulidade, nada nos permite alterar  a bem fundamentada sentença, quer quanto ao exercício das responsabilidades parentais e residência, quer na aprte relativa à pensão de alimentos.
É o interesse das menores que deverá estar sempre subjacente a qualquer decisão do tribunal relativa às mesmas.
O interesse do menor é um conceito vago e genérico que, devendo ser entendido como “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (cfr. Almiro Rodrigues in “Interesse do Menor, contributo para uma definição”, in Rev. Infância e Juventude, nº 1, 1985, págs. 18 e 19), permite ao juiz alguma discricionariedade, mas exige bom senso e ponderação, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, e as várias normas com implicação na questão.
Além disso, importa ter presente que com a reforma ao Código Civil em matéria de Direito da Família, operada pela Lei n.º 61/2008 de 31 de Outubro, alterou-se a expressão “poder paternal” que foi substituída pela “responsabilidade parental” pretendendo focalizar o instituto na criança e nos seus superiores interesses como sujeito de direitos e não nos direitos dos pais, devendo estes assumir as suas responsabilidades com o respeito pleno dos direitos daquela, de modo a assegurar-lhes um são e harmonioso crescimento.
Nesta reforma procurou-se ainda acentuar o estatuto de igualdade de ambos os progenitores definindo como regra o exercício comum das responsabilidades parentais, com a guarda conjunta e a excepção o regime de guarda única com a entrega e a confiança do menor a um só dos progenitores.
Assim, prevê-se no art.º 1906.º do Código Civil que: “1-As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.” Por outro lado no nº 3 estabelece-se que “o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente ”.
A Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque em 26.01.1990 e aprovada pela Resolução da AR nº 20/90, publicada no DR nº 211/90, Série I, 1º Suplemento, de 12.09.1990, também estabelece que “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança” (art. 3º, nº 1).
A Constituição da República Portuguesa estabelece princípios jurídico-constitucionais que estruturam as directrizes normativas de protecção da família, da infância e da juventude, consagrando que os direitos fundamentais dos pais à educação e manutenção dos filhos só podem ser restringidos em situações especialmente previstas na lei e sempre em prol da defesa dos direitos fundamentais da criança e sempre sujeitos às exigências de proporcionalidade e da adequação (cfr. Artigos 36º, nºs 5 e 6, 7º, 69º e 70º).
Tal princípio constitucional aparece concretizado na lei ordinária, dispondo o art.º 1878.º, n.º 1, do CC que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
Como efeito, é o superior interesse da criança que aqui está em causa, ou seja, procurar, pelo conjunto das circunstâncias da sua vida, o melhor caminho para a sua realização pessoal como ser humano em crescimento. E a noção de interesse da criança está intimamente dependente de um determinado projeto de sociedade, de um projeto educativo preciso. O interesse de uma pessoa é o que importa e convém a alguém. A noção de interesse, tradicional no Direito, é uma noção, tal como outras noções jurídicas não definidas, em desenvolvimento contínuo e progressivo, que estão sempre em instância, em atividade, e de que pode esperar-se uma adaptação mais fácil às necessidades de cada época. O interesse de uma criança não é o interesse de uma outra criança e o interesse de cada criança é, ele próprio, suscetível de se modificar.
Trata-se, afinal, de uma noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigentes em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e seu bem-estar cultural e moral (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2007, Colectânea de Jurisprudência S., I, pág. 86, citando Epifânio e A. Farinha, “OTM”, 1987, pág. 326).
Ora, não existem critérios rígidos que devam ser valorados na decisão sobre a guarda do menor, sendo fundamental a perceção da situação do menor, do estádio do seu desenvolvimento físico-psíquico, das suas reais necessidades e das capacidades de cada um dos progenitores para lhes dar satisfação. É de particular importância conhecer e valorar devidamente a capacidade de adaptação às novas circunstâncias oferecidas por cada um dos progenitores e a respetiva disponibilidade afetiva, por forma a promover, em condições de estabilidade necessárias, o equilíbrio e o desenvolvimento da criança.
Como dissemos já, a criança deve ser ouvida e à vontade que manifesta deve ser dada a maior atenção, mas sem que se possa confundir com a decisão da regulação da sresponsabilidae aprentais e a qum deve ser confiado. À criança não compete decidir o seu destino, mas influenciar a decisão, sendo tanto mais credível a sua posição quanto melhor fundamentada for e maior a sua maturidade e esclarecimento.
Com toda a evidência, o tribunal acatou o comando do art.º 12º, nº 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da república nº 20/90, de 12 de setembro, de onde resulta que “os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade” e, bem assim, o comando semelhante que emerge dos art.ºs 3º, al. b) e 6º, al.s b) e c), da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, com acolhimento no nosso direito interno ordinário para o processo tutelar cível nos art.ºs 4º, nº 1, al. c) e 5º, nºs 1 e 6, do RGPTC.
No caso concreto tal como se refere na sentença «(…) o Afonso foi entregue à guarda e cuidados da mãe por decisão proferida em 20 de Março de 2014. Contudo, na sequência da instauração de um processo de promoção e protecção, e por se ter considerado que o menor se encontrava em perigo junto da mãe, em 15 de Novembro de 2016, foi determinada a execução da medida de apoio junto dos pais junto do pai e, nesta sequência, desde o dia 21 de Novembro de 2016, o menor passou a residir com o pai e a companheira deste, N….
É o pai que assegura todas as necessidades, nomeadamente ao nível da alimentação, vestuário, saúde e educação do menor, sendo este que providencia os cuidados necessários ao menor para o seu são desenvolvimento e crescimento físico e emocional.
O menor mostra-se bem integrado no agregado familiar paterno, mantendo, ainda, laços e contactos com a irmã uterina.
Face ao exposto, revela-se imperioso concluir que é do interesse deste menor ser confiado, nos termos do art. 1907.º, n.º 1 do Código Civil, à guarda e cuidados do pai, cabendo a este o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do menor.
Quanto ao exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância, o art. 1906.º, n.º 2 do Código Civil determina que se a partilha das responsabilidades parentais for considerada contrária aos seus interesses, pode o tribunal decidir que essas responsabilidades sejam exercidas apenas por um dos progenitores.
Os factos provados, designadamente os que sustentaram a aplicação da medida de apoio junto dos pais, com residência do menor junto do pai, permitem concluir, com evidência, que os progenitores mantêm uma relação pautada pela total ausência de diálogo e pelo conflito.
Perante este quadro, afigura-se-nos pouco curial, em face do grau de conflituosidade dos progenitores, que as questões de particular importância para a vida do menor, nomeadamente intervenção cirúrgica programada, escolha da creche ou do estabelecimento de ensino a frequentar pelo menor, percurso académico do menor, alteração da residência da menor para local distante da residência actual, deslocações do menor ao estrangeiro, sejam tomadas por acordo, o qual se afigura que será sempre inexistente. (cfr. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 07/04/2016, Processo 153/14.0TMFAR-E1, disponível em www.dgsi.pt)
Daí que, pelo menos neste momento, é pernicioso para o normal desenrolar da vida do menor em questões de particular importância a atribuição do seu exercício conjunto a ambos os progenitores. Assim, impõe-se a solução mais justa e oportuna que, ponderando estas circunstâncias concretas, contemple a salvaguarda dos interesses do menor, o que passa pelo exercício das responsabilidades parentais em exclusivo pelo progenitor, tal como decidido em sede de alteração provisória da regulação das responsabilidades parentais.
Na sequência do previsto no art. 1906.º, n.º 5 do Código Civil, o interesse do menor passa por manter uma relação de grande proximidade com os progenitores a quem não foi confiado.
No mesmo sentido se pronuncia o art. 9.º, n.º 3 da Convenção sobre os Direitos da Criança, ao estipular que “Os Estados Parte respeitam o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança”. Mais uma vez, o princípio que rege o direito de visitas é o do interesse superior da criança e a sua protecção integral. É em seu exclusivo benefício que devem ser ponderadas as decisões a proferir que lhe digam respeito. Este princípio deve sobrepor-se a qualquer interesse que possa integrar a vontade de cada um dos progenitores.
No presente caso, o menor convivia com a mãe no Espaço Família até ao passado dia 8 de Agosto de 2018, data a partir da qual abandonou o último convívio e não mais quis retomar os convívios. Decorridos praticamente dois anos desde o início destas visitas, dos factos provados referentes a tais convívios verifica-se que os mesmos oscilam entre momentos positivos para o menor, em que este adere sem reservas aos convívios e incluí a mãe nas suas brincadeiras, e momento negativos, em que o menor rejeita o contacto com a mãe, mostrando-se desgastado com os convívios e desejando que os mesmos cessem.
Constata-se, ainda, que a postura ambivalente assumida pelo menor nos convívios acaba por derivar, em parte, também da própria postura assumida pela mãe, que, por vezes, demonstra dificuldades em centrar a sua atenção e comunicação nos interesses do menor, centrando-se, antes, em si própria.
Acresce a tais factos a postura de total negação e desresponsabilização assumida pela mãe nesta situação, designadamente dos factos que motivaram a aplicação de uma medida de promoção e protecção ao menor e, mais tarde, a alteração da sua residência. Todavia, é certo que foi o comportamento anterior da mãe, que fundamentou a alteração da residência do menor no âmbito do processo de promoção e protecção, a determinar em alguns momentos esta recusa do menor ao convívio ou proximidade com a mãe. Nesta sequência, atenta a recusa do menor em estar com a mãe, que determinou o abandono pelo mesmo do Espaço Família, não se pode colocar neste momento a imposição de visitas em meio natural, naturalmente propiciadora de forte perturbação emocional, susceptível de graves consequências, para além de desencadeadora de reactividade contrária ao objectivo prosseguido com as visitas. Logo, a única solução passa por manter as visitas/contactos do menor com a mãe no Espaço Família, de forma a reatar os laços existentes, pelo período de três meses. Ainda que se reconheça que tal situação não é a mais satisfatória, caberá a ambos os pais, com especial enfoque para a mãe, alterarem as suas atitudes, para que a curto prazo, ainda que gradualmente, o menor possa restabelecer os laços com a mãe.
A mãe deverá apresentar iniciativa na relação com o menor, centrando-se no convívio e brincadeiras com este, ao invés de tentar impor a sua própria vontade.».
Acresce que a própria decisão não assume o caracter definitivo quanto à forma como as visitas ocorrerão entre o menor e a apelante, cuja modificação poderá também ocorrer a todo o tempo, desde que as circunstâncias o permitam.
Assim, decide-se que «Findo o período de três meses, o menor estará com a mãe aos domingos, indo para o efeito o pai entregá-lo às 10:00 horas no Espaço Família, local onde a mãe o irá buscar, passando a manhã com a mãe em espaço exterior, entregando-o pelas 14:00 horas, igualmente no Espaço Família.
Evoluindo tal convívio de forma positiva, como se espera que suceda, caberá às partes requererem nova alteração da regulação das responsabilidades parentais, na qual se regule contactos/visitas da mãe, mais alargados, em meio natural de vida. Tal apenas não se define nesta fase pelo facto de o processo não conter elementos que permitam fazê-lo com a necessária segurança.».
Mantendo-se a decisão importará apenas aferir se é de alterar o valor dos alimentos fixados na sentença, tal como pretende a apelante.
Assenta a apelante quanto a este fundamento recursório que quanto aos alimentos, e atendendo a que devem ser prestados por ambos os progenitores proporcionalmente e que a situação económica entre ambos é muito distinta, como resulta dos Autos, considera-se excessiva, por desproporcional, a quantia fixada a título de alimentos, no valor de € 100,00 (cem euros), acrescida da comparticipação em metade das despesas médicas, medicamentosas e escolares do menor. Concluindo que a Requerida não tem capacidade para tal, devendo ser mantida a quantia provisoriamente fixada de € 75,00.
Seguimos de perto o decidido pela Juiz a quo: «Nos termos do art. 2003.º do Código Civil, entende-se por alimentos tudo o que é necessário ao sustento, habitação e vestuário, ou seja, o que é necessário para a satisfação das necessidades do alimentando. Os alimentos deverão ser proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, de acordo com o art. 2004.º, n.º 1 do Código Civil.
Os critérios legais para o cálculo da obrigação de alimentos são a necessidade do credor alimentando; a possibilidade de os prestar por parte do devedor alimentante e a possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
No presente caso, quanto às necessidades do menor, o mesmo apresenta as despesas normais para uma criança da sua idade, não sendo indicado que apresente qualquer limitação nomeadamente a nível da saúde que implique acompanhamento especializado ou despesas acrescidas. Tem as despesas normais com escola, saúde, alimentação e vestuário em geral.
Relativamente à situação económica dos progenitores, o pai exerce funções no Departamento de Infra Estruturas e Equipamentos da C…, auferindo mensalmente a quantia aproximada de € 1.579,00 (mil quinhentos e setenta e nove euros) e a sua companheira exerce funções no Instituto de Desenvolvimento Regional, auferindo mensalmente a quantia aproximada de € 1.100,00 (mil e cem euros). Por sua vez, a mãe exerce funções para a sociedade E… Unipessoal, Lda. auferindo um valor mensal que ronda os € 700,00 (setecentos euros) e presta ainda serviços de tradução, auferindo uma média mensal de € 100,00 (cem euros).
Apresenta despesas com o condomínio no valor de € 35,00 (trinta e cinco euros), € 48,00 (quarenta e oito euros), € 25,00 (vinte e cinco euros) e despesas com telecomunicações de valor não concretamente apurado, para além das despesas normais e rotineiras do seu quotidiano.
Assim, fixa-se uma prestação de alimentos no valor de € 100,00 (cem euros), a cargo da progenitora, por depósito ou transferência bancária, para a conta do pai, até ao dia 8 de cada mês.».
É certo que os alimentos fixados devem ser proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
Tendo em conta que a progenitora apenas visita o menor e este mantém a residência constante com o pai, entendemos adequada a fixação do valor dos alimentos, pois este valor corresponde a um mínimo existencial que deverá ser salvaguardado e é exigível a um homem médio. Na verdade, o rendimento do pai e da mãe são diferenciados, porém, é o pai que assegura a alimentação e vestuário do menor, e o rendimento da mãe permite-lhe contribuir para os alimentos do filho tal como foi fixado.
Assim, soçobra também nesta parte o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
                                              *
IV. Decisão:
Desta forma, por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 6 de junho de 2019

Gabriela Fátima Marques
Adeodato Brotas
Gilberto Jorge