Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13112/18.5T8LRS.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: PISCINA
MORTE
RESPONSABILIDADE CIVIL
ACTIVIDADE PERIGOSA
PRESUNÇÃO DE CULPA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: – Em matéria de responsabilidade civil extra-contratual é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão – art. 342/1 CC – o lesado invoca o direito e a culpa é um elemento constitutivo do direito de indemnização.

– Esta regra sofre excepções, como é o caso do art. 493/2 CC (actividade perigosa), em que a lei estabelece uma presunção legal de culpa, presunção essa que acarreta a inversão do ónus da prova – art. 344 CC – o que significa que o lesado não tem que provar a culpa, impendendo sobre o lesante, se se quiser eximir à responsabilidade, a prova de que não teve culpa na produção do facto danoso.

– Tendo a ré elidido a presunção de culpa - observância das normas de segurança, vigilância do complexo de piscinas, resgate imediato do corpo seguido de procedimentos de reanimação – afastada está a sua responsabilidade.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa



A  e  B demandaram C [ Sociedade ….] e D [Companhia de Seguros ….S.A.] , pedindo a condenação solidária das rés a pagar aos autores os seguintes valores:

- € 1.685,94, a título de danos patrimoniais.
- € 100.000,00, a título de dano de morte (danos não patrimoniais).
- € 25.000,00, pelo sofrimento do lesado antes da morte (danos não patrimoniais).
- € 25.000,00, para cada um, pelo sofrimento sofrido pela perda do seu filho (danos não patrimoniais).
- e ainda nos juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alegaram, para tanto, que o filho de ambos, E, faleceu no complexo de piscinas, explorado pela 1ª ré, complexo esse que não obedecia às normas estabelecidas para esse local, falta de fiscalização e incompetência/negligência dos nadadores salvadores.

Assim, incumbindo à 1ª ré a vigilância do local, local esse subsumível a uma actividade perigosa, é responsável pelos danos causados, ex vi arts. 798 e 493/2 CC e uma vez que a 1ª ré, transmitiu a sua responsabilidade por acidentes ocorridos nas suas instalações para a 2ª ré, mediante contrato de seguro, esta é também responsável.

Na contestação, a 1ª ré Sociedade C, impugnando o alegado pelos autores, concluiu pela absolvição dos pedidos – fls. 45 e sgs.

Na contestação, a ré Seguradora excepcionou uma excepção peremptória inominada, sustentando que a apólice não é de responsabilidade civil e está limitada a um capital máximo – prevê a cobertura de morte por acidente com capital por pessoa de € 27.137,08 e despesas do funeral até € 5.000,00 e exclui qualquer indemnização a título de danos não patrimoniais – impugnou o alegado pelos autores, concluindo pela procedência da excepção e absolvição dos pedidos – fls. 78 e sgs.

Em sede de audiência prévia, autores e ré Seguradora acordaram no sentido da ré pagar aos autores o valor de € 28. 823,02, (€ 27.137,08/cobertura por morte e €1.685,94/despesas de funeral), tendo a transacção sido homologada por sentença, foi proferido despacho saneador e elencados os temas de prova – fls. 99 e sgs.

Após julgamento foi prolatada sentença que julgando a acção improcedente absolveu a ré do pedido – fls. 119 e sgs.

Inconformados, os autores apelaram formulando as conclusões que se transcrevem:
I.–A enunciação da factualidade considerada provada e não provada na sentença recorrida não cumpre os ditames consagrados no artigo 607 C.P.C.;
II.–A Sentença proferida pelo Tribunal a quo apresenta uma sequência desordenada de factos atomísticos, limitando-se, total ou parcialmente, a transcrever pontos alegados nos articulados das partes.
III.–Para além disso, limita-se a efectuar uma descrição da prova testemunhal, sem proceder a qualquer exame crítico da mesma, nomeadamente, porque motivo considerou ou não os respectivos depoimentos credíveis e, mais importante quais os concretos factos que essa prova lhe permitiu dar como provados.
IV.–A Sentença proferida pelo Tribunal a quo encontra-se ferida de Nulidade, nos termos do artigo 615/1 b) CPC, a qual, desde já se argui para os devidos e legais efeitos.
V.–Os Recorrentes imputavam a responsabilidade à Recorrida em duas vertentes, na primeira vertente a título de Responsabilidade Contratual, nos termos do art. 798 CC, numa segunda vertente a título de responsabilidade civil por danos causados no exercício de actividades perigosas, nos termos do artigo 493/2 CC.
VI.–Os Recorrentes colocaram à apreciação do Tribunal a quo a possibilidade de podermos estar perante uma situação de Responsabilidade Contratual, ou caso assim não se entendesse perante uma situação de responsabilidade extracontratual pelo Risco.
VII.–Na sua Sentença o Tribunal a quo, analisa unicamente a Responsabilidade da Recorrida na vertente extracontratual pelo risco, descurando a análise na vertente contratual conforme apresentado pelos Recorrentes;
VIII.–Assim, entendem os Recorrentes que, no caso sub judice, o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que podia e devia apreciar cometendo, assim, a nulidade prevista no artigo 615/1 d) CPC, a qual, desde já, se arguiu para os devidos e legais efeitos;

IX.–Estipula a Directiva do Conselho Nacional da Qualidade n.º 23/93 “A Qualidade Nas Piscinas de Uso Público” no seu capítulo 5 (DISPOSIÇÕES DE SEGURANÇA NOS TANQUES), ponto 5.8:
“Nas transições Para as zonas de profundidades superiores a 1,30 m dos tanques de recreio e diversão, dos tanques de polifuncionais, e dos tanques desportivos quando funcionem fora dos períodos de treino acompanhado ou de competição, deverá instalar-se um cabo suportando bandeirolas de cor vermelha e um painel central com as seguintes inscrições bem visíveis: LIMITE DE ZONA “COM PÉ” PROFUNDIDADE: 1,30M. Este cabo deverá ser suspenso a cerca de 2 metros de altura acima do nível da água e na vertical da linha de fundo correspondente a 1,30m. Estas profundidades serão igualmente inscritas nas bordaduras dos tanques, assim como as inscrições relativas às profundidades mínima e máxima.”

X.–Entende a Recorrente que, com base na prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento, nomeadamente, considerando o depoimento das seguintes testemunhas:
- Rui …, nadador salvador, ouvido na audiência de discussão e julgamento do dia 30/06/2020, entre as 1:12:46 a 15:34:28, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal Ficheiro de origem: 20200630151245_5880271_2871207: (Passagens 00:19:37 a 00:20: 58);
- João ..., nadador salvador, ouvido na audiência de discussão e julgamento de 30/06/2020, entre as 15:34:29-15:49:44, ficheiro de origem:20200630153428_5880271_2871207,afirmou que (Passagens 00:08:17 a 00:09:03) o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o seguinte ponto da matéria de facto que considerou não provada:
14 - A piscina não tinha as respectivas profundidades devidamente assinaladas, nomeadamente, com a indicação LIMITE DE ZONA “COM PÉ”
XI.–Resultaram da instrução da causa factos instrumentais que se revelavam importantes para a boa decisão da causa, nomeadamente, para aferir da conduta dos nadadores salvadores;

XII.–Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultou provado o seguinte:
Quando o nadador salvador João ... foi alertado por um utente da piscina para o facto de se encontrar um corpo inanimado no fundo da mesma, encontrava-se junto a si o seu colega Rui ...,
Os Nadadores Salvadores quando foram alertados para a existência de um corpo no fundo da piscina encontravam-se, colocados à sombra, junto a um chapéu-de-sol;
Apesar da piscina se encontrar com cadeira telescópica aquando do falecimento do filho dos Autores nenhum dos nadadores salvadores se encontrava na mesma;
XIII.–A prova destes pontos resultou do depoimento das seguintes testemunhas:
- Rui … ouvido na audiência de discussão e julgamento do dia 30/06/2020, entre as 1:12:46 a 15:34:28, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal Ficheiro de origem: 20200630151245_5880271_2871207: (Passagens 00:15:22 a 00:16:22);
- João ..., ouvido na audiência de discussão e julgamento de 30/06/2020, entre as 15:34:29-15:49:44, ficheiro de origem: 20200630153428_5880271_2871207, (Passagens 00:09:06 a 00:09:42);
- Anabela …, ouvida no dia 30/06/2020, entre as 16:17:02 e as 16:26:35, conforme sistema existente no Tribunal Ficheiro de origem: 20200630161702_5880271_2871207, (Passagens 00:02:55 a 00:04:22 e 00:08:55 a 00:09:06;
XIV.–Os Nadadores Salvadores foram unânimes em reconhecer que a zona mais perigosa da Piscina era aquela onde a infeliz vítima apareceu morta;

XV.–Assim, com base na prova testemunhal, o Tribunal a quo deveria, igualmente, ter dado  como provado o seguinte facto:
O local onde foi encontrado o corpo do filho dos Autores era considerado o local mais perigoso de todo o complexo de piscinas.
A prova que impunha este facto eram as declarações das testemunhas:
- Rui …, ouvido na audiência de discussão e julgamento do dia 30/06/2020, entre as 15:12:46-15:34:28, Ficheiro de origem: 20200630151245_5880271_2871207, Passagens 00:16:27 a 00:16:41;
- João …, ouvido na audiência de discussão e julgamento no dia 30/06/2020, entre as 15:34:29-15:49:44, Ficheiro de origem: 20200630153428_5880271_2871207, Passagens 00:08:17 a 00:08:21;

XVI.–Por se revelar igualmente importante o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o seguinte facto:
“A piscina da Sociedade C é composta pelos seguintes Tanques:
i)- Tanque recreativo jovem/ adulto 34mX15m, rectangular com profundidade entre 1,15m a 2,80m, perfazendo uma área de 510 m2;
j)- Tanque recreativo crianças 10m X 60, oval com profundidade entre 0,35m a 0,65M, PERFAZENDO UMA ÁREA DE 50 M2.”
XVII.–Este facto revela-se importante para se compreender a dimensão do complexo de piscinas em apreciação nos presentes autos. A prova deste facto resulta do documento apresentado pela Recorrida, junto com a sua contestação como documento 3, página 3, onde no art. 5º se efectua a descrição das instalações.

XVIII.–Assim, para além da matéria de facto dada como provada, por serem factos instrumentais que resultaram da discussão da causa, deveria o Tribunal a quo ter considerado na sua decisão os seguintes factos:
A-Quando o nadador salvador João … foi alertado por um utente da piscina para o facto de se encontrar um corpo inanimado no fundo da mesma, encontrava-se junto a si o seu colega Rui …;
B-Os Nadadores Salvadores quando foram alertados para a existência de um corpo no fundo da piscina encontravam-se, colocados à sombra, junto a um chapéu de sol;
C-Apesar da piscina se encontrar com cadeira telescópica aquando do falecimento do filho dos Autores nenhum dos nadadores salvadores se encontrava na mesma;
D-O local onde foi encontrado o corpo do filho dos Autores era considerado o local mais perigoso de todo o complexo de piscinas.
E-A piscina da Sociedade C é composta pelos seguintes Tanques:
k)-Tanque recreativo jovem/ adulto 34mX15m, rectangular com profundidade entre 1,15m a 2,80m, perfazendo uma área de 510 m2;
l)-Tanque recreativo crianças 10m X 60, oval com profundidade entre 0,35m a 0,65M, PERFAZENDO UMA ÁREA DE 50 M2.
XIX.–A Recorrida não cumpria integralmente as recomendações da Comissão Nacional da Qualidade para o tipo de infra-estruturas por si explorado, nomeadamente, ao nível da identificação da denominada “Zona de Pé”;
XX.–Sendo certo que, a Recorrida não poderia ignorar essas recomendações, até porque, com a sua contestação e como documento 1, juntou uma circular informativa emitida pela DIRECÇÃO – GERAL DA SAÚDE, onde se refere expressamente: “A Directiva n.º 23/93, de 24 de Maio, do Conselho Nacional da Qualidade (CNQ), relativa à qualidade das piscinas de uso público, fixa com carácter geral as disposições de segurança, higio-sanitárias, técnicas e funcionais que devem ser observadas nas piscinas e nos estabelecimentos dedicados a actividades recreativas aquáticas correlacionadas, de uso público.”

XXI.–Apesar de se ter provado que no local existia cadeira telescópica a mesma não era utilizada pelos Nadadores Salvadores presentes no local, tendo estes optado por ficar juntos à sombra de um chapéu-de-sol;
XXII.–O legislador ao obrigar as piscinas com plano de água de 500 m2, como era o caso sub judice, a ter cadeiras telescópicas, certificadas pelo ISN, é porque a utilização das mesmas permite uma maior visualização do plano de água;
XXIII.–Sendo o complexo de piscinas da Recorrida formado por dois tanques separados entre si, nos termos do art. 23/6 da Portaria 311/2015, de 28 de Setembro, na redacção dada pela Portaria 168/2016, de 16 de Junho, seria necessário a presença de dois nadadores por cada tanque, o que manifestamente não acontecia no caso sub judice.
XXIV.–A tudo isto acresce o facto de que ao não se aperceberem sequer da presença do filho dos autores, já cadáver no fundo da piscina, os Nadadores presentes violaram clara e frontalmente as alíneas e) e g) do art. 27 da citada Portaria.
XXV.–Está, pois, no modesto entendimento da Recorrente, provada matéria que permite concluir pela responsabilidade contratual, ou seja, pela quebra do sinalagma correspondente ao pagamento de um preço pela utilização da referida Piscina.
XXVI.–O livre acesso às piscinas em causa e a presença de nadadores salvadores gera no utilizador a confiança de que nenhum risco de maior poderá acontecer. Contudo, dúvidas não restam que a profundidade da piscina 3 (três) metros é, claramente, gerador de perigo para quem utilize essa zona da piscina.
XXVII.–Sendo a Recorrida a entidade concessionária das Piscinas e cobrando os ingressos pela utilização do mesmo, impunha-se desde logo que a mesma tivesse visível na piscina como acima se referiu devidamente delimitado a “zona de pé”. Para além disso, era essencial que os Nadadores Salvadores estivessem colocados de maneira a poderem observar toda a piscina, para esse efeito encontra-se no local uma cadeira telescópica, a qual, comprovadamente, não estava a ser utilizada.
XXVIII.–Desprezando regras de segurança essenciais, os Nadadores Salvadores estavam colocados em local que não lhes permitia observar todo o plano de água, motivo pelo qual teve que ser um utente da piscina a chamar a atenção para o facto do filho dos Recorrentes se encontrar morto no fundo da piscina!!!!
XXIX.–Como dever acessório de conduta à obrigação de permitir a utilização da piscina a todos os que adquirem o respectivo bilhete de ingresso, competia contratualmente à ré manter a piscina isenta de perigos para a saúde e integridade física de todos os frequentadores da mesma, e, acima de tudo, com especial dever de vigilância por parte dos Senhores Nadadores Salvadores;
XXX.–Esse dever jurídico da prática do acto omitido – colocação de informação sobre Zona de Pé e colocação dos Nadadores Salvadores em locais que permitiam visualizar toda a zona de água - obstaria seguramente ou com maior probabilidade ao evento ocorrido, a morte por afogamento do filho dos Autores.
XXXI.–Face à matéria de facto provada e ao que acima deixámos dito – falta de colocação de informação sobre Zona de Pé e falta de colocação dos Nadadores Salvadores em locais que permitiam visualizar todo o plano de água - é de todo adequado ao evento e ao resultado verificado, tendo em conta a situação concreta aqui apreciada ou, como ensina A. Varela, tendo em conta o “processo factual que, em concreto, conduziu ao dano”.
XXXII.–Foi, pois, com base nessas omissões a causa de morte do filho dos Recorrentes, o que não teria acontecido se a Recorrida tivesse agido em conformidade com o descrito: tivesse colocado visível na piscina como acima se referiu devidamente delimitado a “zona de pé” e que os Nadadores Salvadores estivessem colocados de maneira a poderem observar todo o plano de água da piscina, utilizando, nomeadamente, a cadeira telescópica existente no local.
XXXIII.–Pelo que, ao decidir como decidiu, absolvendo a Recorrida do pedido o Tribunal a quo violou os artigos 798, 799, 563 e 486 CC, bem como o art. 23 da Portaria 311/2015, de 28 de Setembro, na redacção dada pela Portaria 168/2016, de 16 de Junho.
XXXIV.–O local onde ocorreu a morte do filho dos Recorrentes é um complexo composto por dois tanques/ piscinas, um com 510m2 e outro com 50 m2, sendo que a piscina onde faleceu o filho dos Recorrentes atinge 3 (três) metros de profundidade;
XXXV.–Essa piscina encontra-se equipada com zona de saltos e trampolins;
XXXVI.–Resultou igualmente provado que o Recorrente para ter acesso à piscina teve que disponibilizar uma quantia monetária, ou seja a Recorrida explora a referida piscina mediante o pagamento de determinada importância;
XXXVII.–Uma piscina que atinge uma profundidade de 3 (três) metros de altura, ou seja, que deixa qualquer ser humano sem pé, a qual como se provou não tem, para quem está dentro de água a possibilidade de perceber a zona de pé (veja-se que ficou claramente provado a inexistência de um cabo aéreo que permita a quem está no interior da piscina aperceber-se da zona sem pé), que tem igualmente zona de saltos e trampolins, configura claramente uma situação especialmente perigosa.
XXXVIII.–O nº 2 do artigo 493 CC estipula que quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
XXXIX.–Tratando-se de piscina aberta ao público, com uma profundidade de 3 (três) metros, com zona de saltos e trampolins, em geral há que ter em conta o risco que a ausência de vigilância da sua utilização pode causar. São relativamente vulgares os acidentes ocorridos em piscinas públicas, sendo de considerar tal actividade como perigosa por sua própria natureza, para os efeitos no disposto no citado artigo 493/2.
XL.–É verdade que a Recorrida provou que se encontravam dois nadadores salvadores no complexo, quando deveriam estar quatro. Acontece, porém, que salvo o devido respeito por opinião diversa, resulta à evidência que os mesmos estariam mais preocupados em proteger-se do sol do que verdadeiramente prestar atenção ao plano de água da piscina.
XLI.–Apesar de ter ficado provado que a piscina estava equipada com torre de vigia, nenhum dos Nadadores Salvadores fazia uso da mesma. A falta de atenção e cuidado era tanta que teve que ser um utente a vir chamar a atenção dos senhores nadadores salvadores de que estava um corpo no fundo da piscina.
XLII.–E nem se alegue que ficou provado que ninguém se apercebeu do filho dos Recorrentes numa situação de perigo, ou a pedir socorro, de facto como referiu a testemunha arrolada pela Recorrida, Pedro …, bombeiro, que prestou depoimento no dia 30/06/2020, entre as 15:59:25 e as 16:17:01, cujo depoimento se encontra gravado no Ficheiro de origem 20200630155924_5880271_2871207,
A Morte por afogamento é uma morte silenciosa.

Mandatário dos Autores
00:13:14 Sr. Dr., só um pequeno esclarecimento. Pedro ..., agora retomando, foi o senhor que… eu já tinha chamado essa expressão, mas foi o senhor agora que voluntariamente a referiu, que o afogamento é uma morte silenciosa.
E eu pergunto-lhe porquê, porque é que essa expressão é tão usada.
Testemunha
00:13:32 Porque nós debaixo de água não conseguimos emitir som. Quem está cá fora não ouve quem está debaixo de água.
Esta é uma realidade que não podia ser desconhecida dos Senhores Nadadores Salvadores e, por isso, o seu especial dever de vigilância;

XLIII.–É inconcebível que tivesse que ser um utente da piscina a chamar a atenção a dois Nadadores Salvadores de que estava um corpo no fundo do tanque.
XLIV.–Apesar de se encontrarem no local dois nadadores salvadores, era como se ali não se encontrassem. Com efeito, nenhum deles socorreu o filho dos Recorrentes, que ali morreu afogado.
XLV.–A Recorrida só veria a sua responsabilidade excluída se provasse que empregou todas as providências, todas as medidas e meios exigidos para impedir um afogamento evitável na piscina sobre a sua gestão.
XLVI.–Sendo a Recorrida responsável, há que reparar os danos patrimoniais e compensar, até onde possível, os danos não patrimoniais (arts. 562, 563, 564, 566 e 496 CC.
XLVII.–A título de danos patrimoniais deveria a Recorrida ter sido condenada a pagar aos Recorrentes o montante de € 238,12 (Duzentos e Trinta e Oito Euros e Doze Cêntimos), acrescidos do que se vier a apurar com o montante que despenderam com o funeral do seu filho.
XLVIII.–A título de danos não patrimoniais deveria a Recorrida ter sido condenada a pagar aos Recorrentes:
-A título de danos não patrimoniais do lesado, infeliz vítima, pelo dano morte o montante global de 100.000€ (Cem Mil Euros);
-Pelo sofrimento do lesado antes da morte o montante global de 25.000€ (Vinte e Cinco Mil Euros);
-Pelo sofrimento decorrente da perda do seu filho os A. reclamam, para cada um o montante global de 25.000€ (vinte e Cinco Mil Euros); 
XLIX.– Ao decidir como decidiu absolvendo a Recorrida do pedido o Tribunal a quo violou os artigos 493/2, 496, 562, 563, 564 e 566 CC.
XLX.–Nestes termos, deve a Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada substituída por douto Acórdão que dê provimento à acção intentada pelos Recorrentes.

Nas contra-alegações a ré pugnou pela confirmação da decisão.

Colhidos os vistos, cabe apreciar.

Vejamos, então.

São estes os factos que a 1ª instância deu como provados:
                                     (Petição inicial)
1-Os Autores são pais de E, nascido a 17/09/1996.
2-Em 14/08/2017 o filho dos Autores faleceu.
3-E deixou como únicos e legítimos herdeiros os aqui Autores.
4-A 1ª ré era, em 14/08/2017 a entidade responsável, pela gestão, administração e segurança do complexo de piscinas da Cimpor Alhandra,
5-O referido complexo é composto por duas piscinas.
6-A entrada ao complexo de piscinas está sujeito ao pagamento de uma quantia monetária.
7-No passado dia 14/08/2017, pelas 13 horas, E, na companhia de outros amigos, deslocou-se àquelas instalações para aí se divertir, tendo procedido ao pagamento do competente bilhete de entrada.
8- Pelas 17 horas do dia 14/08/2017, quando se encontrava numa das piscinas da 1ª ré, E afogou-se, o que teve como consequência a sua morte.
10-A piscina onde E veio a falecer tem transições de profundidade até ao máximo de três metros.
11-Junto à piscina existe ainda uma torre de salto e trampolins.
15- Não existia cabo delimitador de alturas com bandeirolas.
16-No dia em que o jovem filho dos Autores faleceu encontravam-se nas instalações cerca de duzentas pessoas.
18-Do relatório das análises químico – toxicológicas efectuadas no Serviço de Toxicologia forense da Delegação de Lisboa, datado de 11/10/2017, extraiu-se que todas as amostras  recolhidas para pesquisa de alcoolemia, medicamentos, drogas de abuso e pesticidas foram negativas.
20-O filho dos Autores foi visto quando se encontrava no fundo da piscina.
24-Com o funeral do seu filho os Autores despenderam o montante não apurado.
25-Despenderam, ainda os seguintes montantes com documentação para instrução do presente processo: Certidões (nascimento, óbito e da autópsia) 41,63€ (Quarenta e Um Euros e Sessenta e Três Cêntimos); Escritura de habilitação de herdeiros 196,49€ (Cento e Noventa e Seis Euros e Quarenta e Nove Cêntimos).
30-E era um jovem alegre e bem-disposto;
31-Sempre disponível a ajudar as outras pessoas.
32-Tinha uma enorme força de viver um espírito solidário e amigo;
33-Tinha uma personalidade determinada, com sentido de justiça muito forte;
34-Vivia a vida de forma intensa, sempre com projectos de diversão e convívio com os amigos;
35-Não consumia bebidas alcoólicas nem produtos estupefacientes;
36-Tinha uma relação muito próxima com a família, nomeadamente com os pais;
37-Adorava e incentivava as festas de convívio de família, nomeadamente, as festas de aniversário dele e da família, Natal e passagens de ano.
38-Gostava de música e de ir a concertos;
39-Tinha como objectivo de vida a curto prazo tornar-se independente financeiramente dos pais e para isso estava a estudar.
50-Submetido a autópsia, o médico legista apurou aquilo que o consta do relatório de fls. 17 a 19, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, concluindo que a morte de E terá sido devida a afogamento e que não revelava a presença de lesões traumáticas.
52-E era um filho muito querido pelos Autores;
53-O nascimento do E foi um acto muito desejado e surgiu de uma relação de Amor entre os Autores;
54-O nascimento do E foi um dos dias mais felizes da vida dos Autores;
56-Tentando incutir sempre princípios de respeito pelo próximo e trabalho;
58-Todas as datas festivas da família (aniversários, Páscoa, Natal) eram preparadas e vividas intensamente por todos, nunca abdicando os Autores e o E de estarem juntos; 
59-Os Autores e os seus filhos faziam um esforço para realizarem as refeições em conjunto, momentos que eram aproveitados para relatar os acontecimentos do dia e partilharem os problemas de cada um.
60-As noites, os fins-de-semana e as férias eram os períodos mais desejados por todos, porque permitiam maiores momentos de convívio em família e com os amigos.
65-A autora mãe era uma mulher muito alegre, que tinha sempre coragem para animar quem a rodeava em família, no grupo de amigos ou no local de trabalho.
66-A autora, após a morte de E, sente-se muito triste.
67-O pai refugiou-se no consumo do álcool.
68-Os Autores perderam a alegria de viver.
69-Cada dia que passa é mais um dia de sofrimento e angústia.
70-Os fins-de-semana e o período de “férias” tornaram-se os períodos mais difíceis de ultrapassar, pois eram anteriormente os momentos mais felizes da vida dos Autores porque os passavam na companhia da sua filha e do seu filho;
72-Os Autores vivem diariamente angustiados pela saudade do filho.
73-Os Autores estão para sempre confrontados com o estigma da ausência do seu filho e privados da sua companhia, afectividade e carinho.
74-Os sentimentos de revolta, consternação, profunda depressão e afectação psíquica, motivados pela circunstância em que ocorreu aquela morte, foram muito intensos e jamais serão apagados com o decurso do tempo.

(Contestação ré)
4-A piscina é de acesso reservado aos sócios, podendo cada um destes ser acompanhado por três não sócios.
6-No dia 14/08/2017, encontravam-se nadadores salvadores a vigiar o complexo de piscinas da Ré.
7-No local da piscina encontravam-se dois nadadores salvadores, com os números de identificação de nadador salvador 16077 e 14668, respectivamente Rui … e João ….
8-No dia 14 de Agosto de 2017, por volta das 17:05h, o nadador salvador João … foi alertado por um utente da piscina para o facto de se encontrar um corpo inanimado, num canto da piscina, junto à zona dos 3 metros de profundidade.
9-Tratando-se do canto da piscina mais próximo do local de vigia dos nadadores salvadores, onde se encontra colocada a cadeira telescópica.
10-Imediatamente, o nadador salvador João … mergulhou e resgatou a vítima para fora de água com o auxílio do colega Rui … e de uma utente da piscina.
11-Os nadadores-salvadores levaram a efeito manobras de reanimação de E.
12-No auxílio aos procedimentos de reanimação esteve o chefe dos Bombeiros Voluntários da Póvoa de Santa Iria, Pedro …, utente da piscina.
13-Já com o INEM no local e após várias tentativas de reanimação por parte dos nadadores salvadores, foram suspensas as respectivas manobras, tendo sido solicitada a presença da autoridade.
15-A piscina estava equipada com cadeira telescópica, existindo ao longo da mesma uma linha vermelha com as respectivas profundidades assinaladas.
16-No momento dos factos, encontravam-se cerca de 200 pessoas nas instalações da piscina, havendo várias pessoas na zona onde foi encontrado o corpo de E.
17-Nem os utentes da piscina, nem os nadadores salvadores, que se encontravam a cerca de seis metros do local onde foi resgatado o corpo, viram ou ouviram E em dificuldades.
18-Não foi ouvido qualquer pedido de socorro, vindo do interior da piscina.
19-O E não foi visto a debater-se pela sua vida dentro de água.

Factos Não Provados

(petição inicial)
13–No dia em que o filho dos autores faleceu existia um único vigilante, sem aptidão técnica para exercer a actividade de nadador.
14–A piscina não tinha as respectivas profundidades devidamente assinaladas, nomeadamente, com a indicação de “Limite de Zona com Pé”.
15–Nem existia cabo delimitador de alturas com as respectivas bandeirolas.
17–A piscina não se encontrava equipada com cadeira telescópica.
19–Nenhum dos nadadores salvadores contratados pela 1ª ré, vendo o filho dos autores com dificuldades lhe prestou qualquer auxílio.
41–Em plena piscina o filho dos autores terá lutado desesperadamente pela sua própria vida.
42–No momento em que se apercebeu que não conseguia sair da água sozinho e que ninguém o ajudava, E assustou-se e, seguramente, teve consciência de que não iria sobreviver.
43–Terá sentido enorme angústia e sofrimento.
44–No início do afogamento, E lutou, tentando manter-se à superfície.
45–Terá prendido a respiração ao mesmo tempo que tentava vir à superfície o que, sem querer, levou a que ingerisse pequenas quantidades de água, situação que provocou o fecho da laringe, órgão situado entre a traqueia e a base da língua.
46–Depois de algum tempo de luta, um ou dois minutos, a laringe relaxou e E, involuntariamente, respirou debaixo de água, aspirando e engolindo grande quantidade de água. Parte do líquido vai para o estômago e o restante segue o mesmo caminho do ar: percorre a traqueia e chega aos pulmões, passando por brônquios, bronquíolos e alvéolos.
47– Com os pulmões encharcados, a troca gasosa (entrada de oxigénio e saída de gás carbónico) não funcionou mais.
48–A redução da taxa de oxigénio causou danos em todos os tecidos, principalmente nos que precisam de mais ar, como as células nervosas. O cérebro ficou com graves lesões e E ficou inconsciente.
49–Depois de chegar aos alvéolos, a água entrou no sangue e penetrou nos glóbulos vermelhos, destruindo-os.
55–Os autores após o nascimento dos seus filhos sempre adaptaram a vida em função da educação a dar a estes.
57–Os autores nunca abdicaram de estar presentes na vida de E, procurando informar-se sobre como corriam as aulas, os grupos de amigos, os problemas que o afectavam.
61–Os autores, até Agosto de 2017, nunca tiveram historial de problemas psicológicos, psiquiátricos e insónias.
62–Até ao dia 14/8/2017, os autores nunca ingeriram ansiolíticos ou anti-depressivos.
63–A autora sempre foi uma boa cozinheira e estava sempre disponível para confeccionar novas receitas e fazer as comidas que cada um dos filhos mais apreciava.
64–O pai era uma pessoa divertida que proporcionava excelentes situações de brincadeira.
71–Os aniversários, Páscoa, Natal e outros acontecimentos festivos que eram vividos intensamente e com muita alegria passaram a ser uma tortura.
(contestação)
20–E tivesse sido acometido por doença súbita que o levou a perder os sentidos e a submergir sem ter tempo de pedir ajuda.

Atentas as conclusões da apelante que delimitam como é regra o objecto do recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões que cabe decidir consiste em saber se há lugar:
a)- Nulidade da sentença
b)- Alteração da decisão de facto
c)- Responsabilidade contratual da ré
d)-Responsabilidade pelo risco – exploração de actividade perigosa

Vejamos, então.

a)- Nulidade da sentença

Defendem os apelantes a nulidade da sentença com fundamento na falta de fundamentação, sustentando que a sentença apresenta uma sequência desordenada de factos atomísticos, limitando-se, total ou parcialmente, a transcrever os pontos alegados nos articulados das partes, inexiste qualquer exame crítico da prova, nomeadamente, por que motivo considerou ou não os depoimentos credíveis e quais os concretos factos que essa prova lhe permitiu dar como provados, limitando-se a efectuar uma descrição da prova testemunhal, bem como em omissão de pronúncia, porquanto tendo os autores alicerçado o seu pedido com fundamento na responsabilidade contratual, art. 798 CC, e a título de responsabilidade civil por danos causados no exercício de actividades perigosas, o tribunal não se pronunciou sobre a responsabilidade contratual.

Na elaboração da sentença, após a identificação das partes, do objecto do litígio e enunciação das questões a resolver, seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar …. concluindo pela decisão final – art. 607/3 CPC.

Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais que forem decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, contabilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência – art. 607/4 CPC.

A sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – art. 615/1 b) CPC.

Esta nulidade ocorre quando haja falta de motivação, ou seja, julgador não especifica os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão.

Uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas.

A razão substancial reside no facto de que a sentença/despacho deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação do juiz; ao comando abstracto e geral da lei, o juiz substitui um comando particular e concreto.

No entanto, este comando não se pode gerar arbitrariamente, uma vez que o juiz, não tem, o poder de ditar normas de conduta, de impor a sua vontade às vontades individuais que estão em conflito, porque a sua atribuição é unicamente a de extrair da norma formulada pelo legislador a disciplina que se ajusta ao caso sujeito à sua decisão, cumpre-lhe demonstrar que a solução dada ao caso é legal e justa, é a emanação correcta da lei.

As razões práticas residem no facto de que as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão a sentença lhe foi desfavorável; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso.

Não basta que o juiz decida a questão posta, é necessário e indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. O valor doutrinal da sentença, valor como elemento de convicção, vale o que valerem os seus fundamentos.

Acresce ainda que existe uma distinção entre a falta total de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada.

O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiente ou deficiente motivação, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não acarreta nulidade – cfr. A. Reis CPC Anotado, vol. V – 138 segs., Coimbra Editora, ano 1981.

In casu, atenta a motivação/fundamentação da decisão de facto, constata-se, à saciedade, que o tribunal procedeu à análise crítica da prova, de forma pormenorizada, sopesando os documentos juntos, os depoimentos (partes) e das testemunhas, prova essa que levou à conclusão de quais os Factos Provados e Não Provados - cfr. fls. 118 e sgs. da sentença.

No que concerne à “sequência de factos atomísticos desordenados”, dir-se-á que os factos elencados como provados e não provados reportam-se aos factos alegados pelas partes nos seus articulados, sendo certo que o tribunal não está obrigado, no que aos factos respeita, a separar os factos provados dos não provados, apesar de ser essa a regra adoptada pela maioria.

Destarte, inexiste nulidade arguida, falecendo a pretensão dos apelantes.

Há lugar à nulidade por omissão de pronúncia quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar – art. 615/1 d) CPC.

A decisão deve resolver todas as questões suscitadas pelas partes – art. 608 CPC.

É aí que está expressa a vontade do juiz quanto ao efeito jurídico que tem em vista declarar ou produzir, é aí que formula o comando a impor aos litigantes, em suma, é a decisão que nos há-de esclarecer, em princípio, sobre o conteúdo do julgamento, sobre as questões que o juiz quis arrumar e resolver.

In casu, os autores alicerçaram, entre outra, o seu pedido com fundamento na responsabilidade contratual, art. 798 CC.

A sentença analisou e aplicou o direito aos factos à luz da responsabilidade extra-contratual.

Não obstante, no despacho que recaiu sobre as nulidades arguidas, o Sr. Juiz colmatou essa omissão, socorrendo-se do exarado na sentença, concluiu pela não verificação dos pressupostos da responsabilidade contratual.

Destarte, afastada está a nulidade arguida uma vez que foi sanada.

b)-Questão da modificabilidade da matéria de facto

O Tribunal da Relação pode alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 640, a decisão com base neles proferida – art. 662 CPC.

Importa desde já referir que a garantia do duplo grau de jurisdição, no que concerne à matéria de facto, não desvirtua, nem subverte, o princípio da liberdade de julgamento, ou seja, o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – art. 607 CPC.

No entanto, esta liberdade de julgamento não se traduz num poder arbitrário do juiz, encontra-se vinculada a uma análise crítica das provas, bem como à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção.

Por isso, os acrescidos poderes do Tribunal da Relação sobre a modificabilidade da matéria de facto, em resultado da gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas em julgamento, não atentam contra a liberdade de julgamento do juiz da 1ª instância, permitindo apenas sindicar a correcção da análise das provas, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, prevenindo o erro do julgador e corrigindo-o, se for caso disso.

Defendem os apelantes que o facto Não Provado sob o nº 14 deveria ter sido dado como Provado com fundamento no depoimento da testemunha Rui … e João ….

Devem ser adicionados aos factos provados, com fundamento no depoimento das testemunhas Rui …, João …, Anabela … e no doc. 3, pág. 3, junto com a contestação, os seguintes factos instrumentais, ex vi art. 5/2 CPC:
- Quando o nadador salvador João …. foi alertado por um utente da piscina para o facto de se encontrar um corpo inanimado no fundo da mesma, encontrava-se junto de si o seu colega Rui ….
-Os nadadores salvadores quando foram alertados para a existência de um corpo no fundo da piscina encontravam-se colocados à sombra, junto a um chapéu-de-sol.
- Apesar da piscina se encontrar com cadeira telescópica aquando do falecimento do filho dos autores nenhum dos nadadores salvadores se encontrava na mesma.
- O local onde foi encontrado o corpo do filho dos autores era considerado o local mais perigoso de todo o complexo de piscinas.

- A piscina da sociedade C é composta pelos seguintes tanques:
c)- Tanque recreativo jovem/adulto 34mx15m, rectangular, com profundidade entre 1,15m a 2,80m, perfazendo uma área de 510m2.
d)- Tanque recreativo crianças 10mx60, oval com profundidade entre 0,35m a 0,65m, perfazendo uma área de 50m2.

A testemunha Rui ... rolada pela ré), nadador salvador, treinador de futebol, prestou serviços à 1ª ré, como nadador salvador, de 2016 a 2018/2019, não conhece os autores referiu que:
A piscina não era pública, existem regras para a frequentar - sócios e acompanhantes destes, até ao número 3 ou 5 pessoas – era uma piscina de recreação.
Existiam meios de salvamento - bóias, vara de salvamento.
A zona sem pé era assinalada a vermelho.
A profundidade da piscina era assinalada no parapeito/rebordo  - números com a indicação da profundidade.
Não se recorda da existência de cabo a indicar a profundidade.
Pensa que a profundidade máxima era de cerca de 3 metros.
Tem formação de nadador salvador (os nadadores salvadores para poderem exercer a actividade são submetidos a formação e a uma avaliação).
O sinistro aconteceu num dia de Verão – muita gente de férias, no local estavam cerca de 180 a 200 pessoas.
Foi um dia calmo até acontecer esta situação.
Foram alertados para uma anomalia no funcionamento da piscina – o alerta foi dado por uma senhora que estava a entrar na piscina, naquele local; o colega João ... foi verificar o que se passava, tendo-se deparado com o corpo no fundo da piscina.
Assim que se aperceberam do que se tratava, ele e o colega, começaram a tratar dos procedimentos necessários.
O 1º contacto que teve com E foi retirá-lo da piscina.
O corpo encontrava-se junto das escadas, do lado esq., perto da zona de saltos – na zona de saltos havia umas pranchas e situava-se na zona mais profunda da piscina (os utentes costumavam utilizar as pranchas para saltar) – no fundo, na parede lateral.
A zona de saltos é uma zona grande, tem 3 pranchas e é a zona mais perigosa da piscina.
Cfr. com o doc. de fls. 69 – fotografia – informou que o corpo se encontrava no canto.
Nesse dia os nadadores estavam no local.
A testemunha João … (arrolada pela ré), estudante de desporto, condição física e saúde na Faculdade de Desporto de Rio Maior, foi funcionário da 1ª ré, exercendo funções de nadador salvador, desde 2016 até 2019, não conhece os autores, mencionou que:
A entrada da piscina é tão só para os sócios que, por sua vez, podem fazer-se acompanhar de 3 pessoas.
Existiam meios de informação na piscina – linha a delimitar a zona profunda, bem como o número de metros de profundidade – e meios de salvamento – bóias de salvamento e mala completa de primeiros socorros (meios que considera suficientes já que o tanque não tem marés, nem fluxos).
Encontravam-se, cerca das 17 h, no posto de socorro, aguardando a troca de turnos entre o David ... e o Rui ....
Encontravam-se de pé, em observação do plano de água – se havia pedidos de socorro ou actividade anormal da piscina -, quando lhes foi relatado que se encontrava um vulto no fundo da piscina (parte profunda) – parte lateral, ao fundo.
A pessoa que os avisou/informou, ia mergulhar, olhou para o fundo e viu o corpo.
Foi lá, observou, verificou que era uma emergência.
Retiraram-no da piscina, colocaram-no numa zona segura, foi buscar a máscara pessoal de insuflação, disse ao David ... para ligar para o 112, emergência, e iniciaram os procedimentos.
Foi a testemunha quem resgatou o corpo, colocou-o num local de segurança, alertou o David ..., foi buscar a máscara, após o que iniciaram as manobras de SPV.
O Rui ... ficou a manter as condições de segurança necessárias e a fazer a permeabilização da via aérea.
Não houve qualquer pedido de socorro, nem nenhuma actividade anormal na piscina.
O posto de socorro, composto por duas cadeiras e um guarda-sol, situa-se a 2 metros do plano de água.
Cfr. com doc. de fls. 69 , referiu que estavam do lado da placa, ao pé do quadrado de relva e o corpo estava sensivelmente ao lado da placa, na linha profunda.
Era um dia de muito calor.
Não sabe como isso sucedeu.
Desconhece quanto tempo o E permaneceu no fundo da piscina – não houve observação.
A zona profunda é a parte mais perigosa da piscina e está delimitada por cor e metros de profundidade.
Inexiste cabo de largura de uma ponta à outra da piscina a indicar a partir de que momento em que a pessoa perde o pé.
Na altura encontravam-se dois nadadores salvadores na piscina e ia entrar um terceiro para a troca de turnos.
Faziam vigilâncias à volta da piscina – tinham feito, 5 minutos antes, uma ronda.
Durante aquele tempo (5 minutos) não houve qualquer pedido de socorro, diferenças do plano de água, nada de diferente do funcionamento normal da piscina.
A vigilância é feita desfasadamente.
Por vezes não estão ali uma vez que fazem vigilâncias à piscina – rondas, diferentes pontos de vista para observação dos vários locais da piscina.
Havia pessoas que se encontravam dentro da piscina e outras fora.
Eles (nadadores salvadores) encontravam-se pertíssimo da zona onde ocorreu o sinistro.
Encontrava-se a cerca de 5 metros do local onde o corpo foi encontrado – ele e o colega João ..., o colega David ... estava a equipar-se.
A piscina tem cerca de 30 m de comprimento e cerca de 18/20m de largura.
Nada lhes chamou a atenção quer em termos auditivos ou visuais; não se aperceberam de nenhuma alteração no funcionamento normal da piscina, nada que lhes chamasse a atenção para uma situação de socorro, como aconteceu, algumas vezes, enquanto lá trabalhou.
Também ninguém deu conta de nada.
Uma pessoa demora cerca de 3 minutos a morrer afogada.
A testemunha David ... (arolada pela ré), professor de natação e nadador salvador, foi funcionário da ré de 2017 a 2019, era o coordenador da equipa de nadadores salvadores, não conhece os autores, referiu que:
A piscina é uma piscina privada, destinada aos sócios que podem levar acompanhantes, até determinado limite.
A zona de profundidade está marcada a tinta vermelha, bem como o rebordo vermelho assinala os metros de profundidade.
Os meios existentes consistiam numa mala de primeiros socorros, bóias circulares, cinto e vara de salvamento, armadura do posto de piscina, afirmando que eram suficientes.
Nesse dia, ia efectuar a mudança de turno, estava a trocar de equipamento, quando se deparou com esta situação.
Fez o pedido de ajuda ao 112 e foi chamar o colega Pedro ... que também estava, nesse dia, na piscina.
O alerta foi dado por uma senhora que se encontrava na piscina - corpo no fundo da piscina.
Esta piscina tem dois planos de água – crianças e adultos
Na piscina nunca estava só um nadador salvador.
A vigilância da piscina era uma vigilância activa – circulavam ao longo da piscina, não ficavam parados no mesmo lugar e observavam os planos de água de ambas as piscinas.
Vem nos livros que a morte por afogamento é uma morte silenciosa.
Desconhece há quanto tempo E estava dentro de água.
A zona mais perigosa da piscina era a parte funda, onde foi encontrado o corpo
A testemunha Anabela … (testemunha da ré), sócia da 1ª ré, estava no local no dia do acidente, não conhece os autores, referiu que:
Nesse dia foi à piscina acompanhada de sua filha e de amigas (colegas da filha/atletas de ginástica acrobática).
Costuma dar a volta à piscina, tirar fotografias - fá-lo para verificar se está tudo bem (com as garotas).
Nesse dia, levantou-se da relva, circundou a piscina (toda) pela zona do lava-pés, parou ao pé dos nadadores salvadores, que se encontravam de pé, esboçando um cumprimento de circunstância (bom dia/boa tarde).
Os nadadores salvadores encontravam-se no posto de vigia, posto que tem um guarda-sol.
Estava ali parada e apercebeu-se, pensa que terá sido um senhor, que informa: “parece-me que está um vulto no fundo da piscina”.
O João ... saltou para dentro de água, de seguida salta o Rui ... a fim de retirarem o corpo da água e ela, também ajudou (debruçou-se para ajudar a retirar o rapaz da água).
Foi uma questão de segundos.
Não viu qualquer actividade, nada de anormal, dentro da piscina (circundou a piscina e estava de olhos na piscina); não se apercebeu de nada.
As pessoas estavam a brincar na piscina; encontravam-se muitas pessoas dentro e fora de água.
A piscina tem uns riscos, avisando a profundidade da água (costuma avisar as garotas/atenção à sinaléctica).
Ora, tendo-se procedido, na íntegra, à audição dos depoimentos das testemunhas indicadas, supra transcritos, entende-se que o desiderato dos apelantes no sentido do facto Não Provado sob o nº 14 ser dado como Provado não pode ter lugar, porquanto os depoimentos das testemunhas foram, unânimes, no sentido da existência de sinaléctica assinalando a profundidade – delimitação por riscos, cor, a zona sem pé era assinalada a vermelho, no parapeito/rebordo da piscina encontravam-se assinalados os metros de profundidade (cfr. também docs. de fls. 68, 71 e 72), bem como a existência de uma linha a delimitar a zona profunda.
Não obstante, eliminando-se o facto Não Provado sob o nº 14, altera-se a redacção do facto Provado sob o nº 15 (p.i.) cuja resposta abrangerá os factos 14 e 15, passando dele a constar:
14 e 15 - Provado que a piscina tinha as profundidades devidamente assinaladas (bordaduras, zona sem pé assinalada a vermelho), não existindo cabo delimitador com bandeirolas.
No que concerne aos factos instrumentais (art. 5/2 CPC), atende-se parcialmente ao peticionado (maior rigor) no respeitante ao facto de, na altura do alerta, se encontrar junto do nadador salvador João … o seu colega Rui …, que o local onde o corpo foi encontrado era considerado o local mais perigoso de todo o complexo de piscinas, bem como a composição da piscina da sociedade (cfr. doc. de fls. 56 e sgs. – art. 5).
Já quanto aos demais estamos perante ausência de prova bastante.
Na verdade, resulta dos depoimentos que os nadadores salvadores, quando foram alertados, encontravam-se junto do posto de vigia, composto por duas cadeiras e um chapéu-de-sol, aguardando a troca de turno e em observação do plano de água, já não, que se encontravam à sombra debaixo do chapéu-de-sol.
Sendo desconhecido o momento da tragédia, não se pode afirmar se os nadadores salvadores se encontravam ou não sentados na cadeira telescópica aquando do acidente.

Assim, aditam-se aos factos Provados os seguintes (contestação da ré):
8-A Na altura do aviso mencionado em 8, encontrava-se junto do nadador salvador João … o seu colega Rui ….
20-O local onde foi encontrado o filho dos autores era considerado o local mais perigoso de todo o complexo de piscinas.
21-A piscina da sociedade C é composta pelos seguintes tanques:
c)-Tanque recreativo jovem/adulto 34mx15m, rectangular, com profundidade entre 1,15m a 2,80m, perfazendo uma área de 510m2.
d)-Tanque recreativo crianças 10mx60, oval com profundidade entre 0,35m a 0,65m, perfazendo uma área de 50m2.
Altera-se também a redacção do Facto Provado sob o nº 13 (contestação), passando a constar a seguinte redacção:
13Avisaram o 112 e já com o INEM no local e após várias tentativas de reanimação por parte dos nadadores salvadores, foram suspensas as respectivas manobras, tendo sido solicitada a presença da autoridade.
Acresce que foi dado como Provado no facto 15 (p.i.) que: “Não existia cabo delimitador de alturas com bandeirolas”, constando do Facto Não Provado 15 que: “Nem existia cabo delimitador de alturas com as respectivas bandeirolas”.
Daqui decorre existência de contradição uma vez que se dá como Provado e Não provado o mesmo facto.
Assim, elimina-se o facto 15 dos Factos Não Provados.
Destarte, procede parcialmente a pretensão.

c)- Responsabilidade contratual da sociedade ré

Pugnam os apelantes pela responsabilidade contratual da ré face à quebra do sinalagma (pagamento de ingresso) e não cumprimento das normas de segurança (não estava assinalada com bandeirola a zona com pé e falta de vigilância).
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor – art. 798 CC.
Constituem pressupostos desta responsabilidade (tal como na responsabilidade extra-contratual), o facto (voluntário traduzido numa acção ou omissão), ilicitude, consistindo esta no incumprimento/inexecução da obrigação, a culpa, o prejuízo (sofrido pelo credor) e ainda o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido – art. 486 CC.
No respeitante às condições de segurança, higio-sanitárias, técnicas e funcionais, aplicáveis às piscinas de uso público, excepção feita às piscinas de uso familiar, de condomínio ou unidades de vizinhança até um máximo de 20 unidades de habitação permanente, de uso exclusivamente terapêutico ou termais, a Directiva do Conselho Nacional de Qualidade (CQN) nº 23/93 de 14/5, estipula no capítulo 5 sob o nº 5.8 que:
Nas transições para as zonas de profundidades superiores a 1,30m dos tanques de recreio e diversão, dos tanques polifuncionais e dos tanques desportivos quando funcionarem fora dos períodos de treino acompanhado ou de competição, deverá instalar-se um cabo que suporte bandeiro/as de cor vermelha e um painel central com as seguintes inscrições bem visíveis – Limite de zona com pé; Profundidade: 1,30m.
Este cabo deverá ser suspenso a cerca de 2 m de altura acima do nível de água e na vertical de fundo correspondente a 1,30m.
Estas profundidades serão igualmente inscritas nas bordaduras dos tanques, assim como as inscrições relativas às profundidades máxima e mínima.
O regime aplicável às actividades de nadador salvador, bem com às demais entidades que asseguram a informação, apoio, vigilância, segurança, socorro e salvamento no âmbito da assistência banhistas, a Portaria 311/15 de 28/9, na redacção dada pela Portaria 168/16 de 14/5, dispõe o seguinte (arts. 23 e 27):

Art. 23 - Dispositivo piscinas de uso público
1-Toda a piscina de uso público deve contar com os serviços de pelo menos dois nadadores-salvadores, e respectivo material e equipamento de informação e salvamento, definido pelo ISN, destinado à assistência a banhistas.
2-Nas piscinas de empreendimentos turísticos, quando utilizadas exclusivamente pelos seus hóspedes, e nas piscinas destinadas ao alto rendimento desportivo, à formação e competição, no período em que decorrerem essas actividades, a presença de nadadores-salvadores referida no número anterior é facultativa, desde que seja assegurada vigilância adequada e mantido disponível o material e equipamento de informação e salvamento definido pelo ISN.
3-Para efeitos de cálculo do número de nadadores-salvadores empenhados nos dispositivos de segurança aquática em piscinas, deve atender-se a:
a)-Um nadador-salvador permanentemente, quando a lotação instantânea máxima de banhistas é de até 400;
b)-Mais um nadador-salvador permanentemente, por cada 400 adicionais ou fracção.
4-Para o cálculo do número de nadadores-salvadores de um complexo de piscinas devem somar-se as lotações instantâneas máximas de banhistas de todos os tanques.
5-O nadador-salvador coordenador pode acumular a coordenação técnica de piscinas de uso público cujo dispositivo não ultrapasse, cumulativamente, os dez nadadores-salvadores.
6-Nos casos em que a separação entre os tanques ou a forma dos mesmos não permite uma vigilância eficaz, é obrigatório um Dispositivo de Segurança, com um mínimo de dois nadadores-salvadores em cada tanque, sendo que é obrigatória a presença de um nadador-salvador de forma permanente.
7-As piscinas com plano de água de 500 m2 ou superior devem contar com cadeiras telescópicas, certificadas pelo ISN, que permitam uma adequada visualização do espaço aquático a vigiar.
8-O ISN fixa, por despacho a publicar no Diário da República, um número de nadadores-salvadores superior ao estabelecido com carácter geral quando a área do plano de água de um tanque for superior a 1500 m2 ou concorram situações específicas, tais como características especiais dos utilizadores, uma forma não rectangular da piscina ou qualquer outra que aumente a complexidade da função do nadador-salvador.
9-A certificação do dispositivo de segurança das piscinas de uso público aprovado pelo ISN, designado edital de piscina, deve ser afixada em local visível a todos os utilizadores da piscina.

Art. 27– Deveres gerais do nadador-salvador

Sem prejuízo dos outros deveres que resultem do contrato celebrado, são deveres gerais do nadador-salvador:
a)-Vigiar a forma como decorrem os banhos em caso de acidente pessoal ocorrido com banhistas ou de alteração das condições meteorológicas;
b)-Auxiliar e advertir os banhistas para situações de risco ou perigosas para a saúde ou integridade física, próprias ou de terceiros, que ocorram nos espaços destinados a banhistas;
c)-Socorrer os banhistas em situações de perigo, de emergência ou de acidente;
d)-Registar, no espaço de 24 horas, através do portal «Capitania on-line» os Relatórios de Salvamento;
e)-Manter durante o horário de serviço a presença e proximidade necessárias à sua área de vigilância e socorro;
f)-Cumprir a sinalização de bandeiras de acordo com as instruções técnicas do ISN;
g)-Assegurar a vigilância do plano de água munido de meio de salvamento;
h)-Usar uniforme, de acordo com os regulamentos em vigor, permitindo a identificação por parte dos utilizadores e autoridades de que se encontra no exercício da sua actividade;
i)-Colaborar na instalação do posto de praia, de acordo com as instruções do ISN e das respectivas autoridades, e na manutenção dos equipamentos destinados à informação, vigilância e prestação de socorro e salvamento, e sua verificação, de acordo com as normas fixadas pelo ISN e pelos órgãos locais da Autoridade Marítima Nacional ou a APA, I. P., consoante o respectivo espaço de jurisdição;
j)-Participar às autoridades competentes as situações de socorro, aplicando os primeiros socorros, e providenciar de imediato a intervenção daquelas autoridades para a evacuação das vítimas de acidentes que se verifiquem no espaço de intervenção;
k)-Participar em acções de treino, simulacros de salvamento marítimo ou em outro meio aquático e outros exercícios com características similares;
l)-Participar, ao nível de salvamento no meio aquático, na segurança de provas desportivas que se realizem no seu espaço de intervenção, com observância das determinações do órgão local da Autoridade Marítima Nacional ou do serviço territorialmente desconcentrado da APA, I. P., consoante o respectivo espaço de jurisdição;
m)-Dispor de uniforme adequado que obedeça às especificações técnicas legalmente estabelecidas.
Ora, tendo em atenção estes preceitos legais e os factos apurados, conclui-se que os apelantes não lograram provar, de tal tendo o ónus (art. 342/1 CC), a ilicitude, a culpa, bem como o nexo causal entre o facto e o dano, mormente, ausência de vigilância por parte dos nadadores salvadores, do equipamento necessário e obrigatório para assegurar as condições de segurança do complexo e que essas ausências/deficiências foram causa directa e necessária do trágico acidente.
Na verdade, constata-se que o complexo de piscinas, à data dos factos, observava as normas existentes quanto às condições de segurança, higino-sanitárias, técnicas e funcionais – no dia 14/8/2017, encontravam-se a fazer a vigilância da piscina dois nadadores salvadores, os nadadores salvadores encontravam-se, no posto de vigia, a 6 m do local de onde E foi resgatado, a piscina estava equipada com cadeira telescópica, existindo ao longo da mesma uma linha vermelha com as respectivas profundidades assinaladas, profundidades essas que também estavam assinaladas nas bordaduras da piscina encontrando-se a zona sem pé assinalada a vermelho -, excepção feita ao cabo delimitador de alturas com bandeirolas que não existia.
Não obstante, desta omissão (inexistência do cabo) desacompanhada de outros factos, não se extrai que a sua inexistência, foi causa directa e necessária do decesso por afogamento de E.
Atente-se que apurado também ficou que, na altura, encontravam-se cerca de 200 pessoas nas instalações da piscina, havia pessoas na zona onde E foi encontrado, ninguém, utentes e nadadores salvadores, viram-no em dificuldades ou ouviram-no pedindo socorro e não o viram a debater-se pela vida dentro de água e que, logo que foram alertados para a existência de alguém no fundo da piscina, de imediato, resgataram o corpo, avisaram o 112, fizeram as manobras de reanimação, tendo sido auxiliados pelo Chefe dos Bombeiros (Póvoa de Santa Iria), e solicitaram a presença das autoridades.
Também destes factos não resulta, i. é, não se pode concluir, que o decesso de E se deveu a negligência/desatenção dos nadadores salvadores na vigilância da piscina, bem como na falta de prestação dos cuidados imediatos de socorro/tentativa de salvamento, já que, de imediato, após o alerta, o corpo foi resgatado, efectuadas as manobras de reanimação e avisado o 112.
Assim, não tendo os apelantes logrado provar os factos constitutivos do seu direito, afastada está a responsabilidade contratual da ré no trágico acidente em que E perdeu a vida.
Destarte, soçobra a pretensão dos apelantes.
d)-Responsabilidade pelo risco – exploração de actividade perigosa
Defendem os apelantes a condenação da ré com fundamento na responsabilidade pelo risco (extra-contratual) pelo facto da piscina, tendo em conta as suas dimensões, profundidade (3 m), zona sem pé, zona de saltos e trampolins, configurar uma situação especialmente perigosa (arts. 483 e 493/2 CC).
A tendência geral da doutrina e das legislações é no sentido da filiação da responsabilidade civil no pressuposto da culpa.
Nos danos que cada um sofre que, só lhe será possível ressarcir-se à custa de outrem quanto àqueles que provindo de facto ilícito, sejam imputáveis à conduta culposa de terceiros – cfr. A. Varela, Das Obrigações em Geral – 438.  
Em matéria de responsabilidade civil extra-contratual é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão – art. 342/1 CC – o lesado invoca o direito e a culpa é um elemento constitutivo do direito de indemnização.
Há casos, no entanto, em que a lei estabelece uma presunção legal de culpa.
Essa presunção acarreta a inversão do ónus da prova – art. 344 CC – o que significa que o lesado não tem que provar a culpa, impendendo sobre o lesante, se se quiser eximir à responsabilidade, a prova de que não teve culpa na produção do facto danoso.
Uma dessas excepções, presunção legal de culpa, encontra-se consagrada no art. 493/2 CC – cfr. cfr. Ac. STJ de 2/11/89, in AJ 3º/89, pág. 9.
Estipula o art. 493 CC, sob a epígrafe “Danos causados por coisas, animais ou actividades”, que: “ 1 – quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido…, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua; 2 – Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”. 
Estabelece-se neste art. a inversão do ónus da prova, ou seja, uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas ou animais ou exerce uma actividade perigosa.
No nº 1 estabelece-se uma importante restrição à responsabilidade. Ela só existe se a pessoa que tem em seu poder a coisa móvel ou imóvel está obrigada a vigiá-la; pode tratar-se do proprietário da coisa ou animal mas não tem necessariamente que o ser. É a pessoa que tem as coisas e animais à sua guarda quem deve tomar as providências indispensáveis para evitar a lesão – pode tratar-se de um comodatário, do depositário, do credor pignoratício, etc.
No nº 2, não se diz concretamente o que consiste a actividade perigosa, apenas se admite genericamente que a perigosidade derive da própria natureza da actividade, sendo matéria a observar segundo as circunstâncias – cfr. P. Lima e A. Varela, CC Anot., 3ª ed. Art. 493 CC.
“O nº 2 do art. 493 CC constitui uma reprodução quase literal do art. 2050 do Cód. Italiano, segundo o qual - aquele que ocasiona dano a outrem no exercício de uma actividade perigosa por sua natureza ou pela natureza dos meios empregados, é obrigado a indemnizá-los, se não provar ter adoptado todas as medidas idóneas a evitar o prejuízo.
A doutrina italiana entende por actividades perigosas, para efeitos deste art., as que criam para terceiros um estado de perigo, i. é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades e que a periculosidade da actividade deve existir no exercício da actividade considerada em abstracto, sem se atender, portanto, à inexperiência de quem a exerce.
No exercício de uma actividade perigosa a previsibilidade do dano está em “in re ipso” e o sujeito deve agir tendo em conta o perigo para os terceiros, os deveres inerentes à normal diligência seriam em tal caso insuficientes porque, onde a periculosidade está ínsita na acção, há o dever de proceder tendo em conta o perigo; o dever de evitar o dano torna-se mais rigoroso quando se actua com a nítida previsão da sua possibilidade, o sujeito, pois, deve adoptar, mesmo que com sacrifícios, todas as medidas aptas para evitar o dano. 
Se a actividade, não abstractamente perigosa, se torna tal pela inexperiência de quem a exerce, aplica-se a regra geral segundo a qual cabe ao prejudicado a prova da culpa – cfr. Vaz Serra, Responsabilidade Civil, pág. 370, nota 33, Separata do BMJ nº 85 e ac. STJ de 6/4/95, relator Miranda Gusmão, in www.dgsi.pt.
A nossa doutrina não se afasta da doutrina italiana no que concerne ao conceito de actividades perigosas.
P. Lima e A. Varela – art. 493/2 CC - entendem que é matéria a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias – cfr. CC. Anot., vol. I, 3ª ed., art. 493 CC.
Almeida e Costa, para os efeitos do art. 493/2 CC, defende que actividade perigosa é aquela que, por força da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados, tem ínsita ou envolve uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral. Trata-se de matéria a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias - cfr. Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed. - 473. 
Vaz Serra sustenta que actividades perigosas são aquelas que criam para terceiros um estado de perigo, i. é, a possibilidade de receber um dano, uma probabilidade maior do que a normal noutras actividades – cfr. BMJ nº 53 – 387.
A apreciação casuística das actividades que podem ser enquadradas na definição legal de actividades perigosas - transfusão de sangue – (Ac. STJ de 13/3/2007, proferido na Revista nº 96/07); condução de energia em alta tensão (Ac. STJ de 25/3/2004, proferido na Revista 521/04); exploração comercial de uma piscina aberta ao público (Ac. de STJ 8/3/2005, proferido na Revista 4412/04, não obstante, o Ac. STJ de 6/5/2010, não subsumiu a exploração da piscina aberta ao público como sendo actividade perigosa); actividade desenvolvida na descarga de toros de madeira, retirando-os da caixa de carga de um veículo pesado de mercadorias, com o emprego de um empilhador (Ac. STJ de 20/3/2003, proferido na Revista 442/03); uma máquina pesada que procede à abertura de caboucos junto à parede do prédio contíguo, que veio a ruir (Ac. STJ de 3/6/2003, proferido na Revista 1577/03), entre outros – cfr. Ac. STJ de 6/11/2007, relator Rui Maurício, in www.dgsi.pt.
Daqui ressalta que a qualificação deve ser efectuada caso a caso e segundo um critério naturalístico, devendo ser sempre qualificada de perigosa quando, em si mesma, ou pelos meios empregues para a levar a efeito, seja apta para produzir danos.   
De notar que a circunstância de estarmos no domínio da culpa presumida não afasta a exigência de terem de estar presentes todos os requisitos da responsabilidade civil, geradora do dever de indemnizar em consonância com o disposto no art. 562 e 563 CC.
Aquele que exerce uma actividade perigosa só pode eximir-se à reparação dos danos, desde que demonstre que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir – art. 493/2 CC.
A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso – art. 487/2 CC.
Há quem defenda que o art. 493/2 CC, além de determinar a inversão do ónus da prova, agrava a medida da ordinária diligência.
Vaz Serra, in RLJ ano 112 - 319 refere que o art. 493/2 CC ao impor ao que exerce uma actividade perigosa o dever de empregar todas as diligências exigidas pelas circunstâncias para prevenir os danos não parece significar que se não trate afinal, na diligência de um bom pai de família, adaptada ao caso de actividade perigosa já que, sendo perigosa essa actividade,, um bom pai de família deve adoptar medidas ou providências especialmente adequadas a prevenir danos.
No mesmo sentido Sousa Ribeiro, in Estudos de Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro, vol. II – 44 – cfr. Ac. STJ de 28/272002, relator Óscar Catrola.   
Face às considerações expostas, consideramos que a actividade de exploração de uma piscina pública, subsume-se a uma actividade perigosa, já que, independentemente dos cuidados que cada um possa ter, é um local onde acorrem muitas pessoas e onde ocorrem muitos afogamentos, não sendo despiciendo, que o legislador regulou, de forma minuciosa, o seu regular funcionamento, no que concerne à segurança e vigilância das mesmas.
In casu, tendo em atenção o explanado supra, o exarado aquando da apreciação da alínea anterior e os factos provados, não se pode concluir que tenha havido facto ilícito, culpa da ré no desenrolar dos acontecimentos que conduziram ao decesso de E e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (art. 483 CC).
Apurado ficou a observância das normas de segurança a que a ré estava adstrita, tendo os nadadores salvadores cumprido a sua obrigação - vigilância do complexo, resgate imediato do corpo seguido de procedimentos de reanimação, aviso ao 112 - não podendo ser-lhe assacada, nas circunstâncias apuradas, qualquer responsabilidade no fatídico acidente.
Assim, tendo a ré elidido a presunção de culpa, nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada, soçobrando a pretensão.

Concluindo:

–Em matéria de responsabilidade civil extra-contratual é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão – art. 342/1 CC – o lesado invoca o direito e a culpa é um elemento constitutivo do direito de indemnização.
–Esta regra sofre excepções, como é o caso do art. 493/2 CC (actividade perigosa), em que a lei estabelece uma presunção legal de culpa, presunção essa que acarreta a inversão do ónus da prova – art. 344 CC – o que significa que o lesado não tem que provar a culpa, impendendo sobre o lesante, se se quiser eximir à responsabilidade, a prova de que não teve culpa na produção do facto danoso.
–Tendo a ré elidido a presunção de culpa - observância das normas de segurança, vigilância do complexo de piscinas, resgate imediato do corpo seguido de procedimentos de reanimação – afastada está a sua responsabilidade.

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a sentença.
Custas pelos apelantes.



Lisboa,11/2/2021



Carla Mendes
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça