Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2510/14.3T8OER-A.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
BENFEITORIAS
ADMISSIBILIDADE
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

APELANTE /RÉ:


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APELADOS/AUTORES:

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Com os sinais dos autos.

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I.1. Inconformada com a decisão de 12/3/2015, (ref:º88356602 certificado a fls. 91 do apenso), que, entre o mais não admitiu o articulado da reconvenção, assim como não admitiu a réplica e a resposta à réplica, consequentemente desconsiderou aqueles articulados, dela apelou a Ré, em cujas alegações conclui:

1.ª No douto Despacho recorrido decidiu-se pela não admissão da reconvenção deduzida pela recorrente, com base na circunstância de que “…, a presente acção é um processo especial, que segue regras próprias, não se encontrando prevista a possibilidade de dedução de “reconvenção”.;

2.ª O simples facto de se estar perante um processo especial, não é fundamento bastante para obstar à admissão da reconvenção;

3.ª Não obstante o processo relativo à ação de divisão de coisa comum ter regras próprias na sua tramitação, também se rege por normas gerais e comuns de processo civil, designadamente os seus princípios estruturantes;

4.ª Atento o alegado sob a epígrafe III e aqui se dá por reproduzido, a satisfação do dever de gestão processual destina-se a garantir uma mais eficiente tramitação da causa, a satisfação do fim do processo ou a satisfação do fim do ato processual e consiste no poder do juiz de praticar e mandar praticar todos os atos necessários à justa, rápida e económica resolução do litígio;

5.ª O dever de gestão processual implica a possibilidade de desvios ao formato legal, onde ele exista;

6.ª A legalidade das formas processuais, no que respeita à estrutura e forma de processo, deixou de assentar nas tradicionais ferramentas, deixando os termos do processo de resultar estritamente da prescrição legal, para poderem ser moldados segundo o critério do juiz;

7.ª Como resulta do artigo 267.º, n.º 1 do CPC, o juiz deve providenciar, em regra, e mesmo oficiosamente, pela agregação ou cumulação de processos, de modo a possibilitar a respetiva instrução e discussão conjuntas, com evidentes ganhos de economia processual;

8.ª O reforço dos poderes de direção, agilização, adequação e gestão processual do juiz deve conduzir a que toda a atividade processual seja orientada para propiciar a obtenção de decisões que privilegiem o mérito ou a substância sobre a forma, orientando-os pela ideia de que a resolução da questão de fundo não deve ser prejudicada por aspetos formais;

9.ª O princípio da adequação formal previsto no art. 547.º do CPC deve permitir a prática dos atos que melhor se ajustem aos fins do processo, bem como as necessárias adaptações, quando a tramitação processual prevista na lei não se adeque às especificidades da causa ou não seja a mais eficiente, manifestando-se na possibilidade de o juiz adaptar a tramitação processual prevista na lei ao caso concreto;

10.ª O campo privilegiado do dever de adequação formal é a cumulação de objetos;

11.ª Segundo o princípio da economia processual, deve procurar-se o máximo resultado processual com o mínimo emprego de atividade, o máximo rendimento com o mínimo custo, determinando a resolução da maior quantidade possível de litígios com o mesmo processo (economia de processos), afastando-se eventuais futuras litigâncias;

12.ª No regime jurídico da ação de divisão de coisa comum, previsto no art. 925.º e seguintes do CPC nada se determina que impeça a admissibilidade de dedução de reconvenção;

13.ª Conforme invocado sob a epígrafe IV e que aqui se dá por reproduzido, existe vária jurisprudência superior que autoriza a admissão de reconvenção em processo especial, incluindo na divisão de coisa comum, ainda que esteja subjacente o entendimento de que no caso de as questões suscitadas nos articulados implicarem o prosseguimento dos autos, seguindo o processo comum declarativo, então é admissível a reconvenção, porém, se as questões deduzidas na contestação forem decididas sumariamente sem que haja de prosseguir a causa nos termos do processo comum, a reconvenção só é admissível se também dessa forma poder ser decidida;

14.ª No entanto, não se entende a razão de ser de tal condição/limitação à luz do brocardo latino a maiori, ad minus, isto é, se é admissível deduzir reconvenção no caso em o processo é “inflacionado” com uma tramitação comum, não se percebe como não pode a mesma ser admitida no caso de o processo ficar “aligeirado” por uma decisão sumária;

15.ª Porém, os Acórdãos referidos como exemplo da admissibilidade de reconvenção no processo especial de divisão de coisa comum, respeitam a decisões proferidas na vigência do anterior CPC, em que os poderes do juiz de direção do processo, de inquisitório e de adequação formal, ainda que amplos, não tinham a expressão e ênfase que surge no atual CPC, como se alegou sob a epígrafe III e que aqui se dá por reproduzido;

16.ª Como decorre do alegado sob a epígrafe IV que aqui se dá por reproduzido, já sob a égide do atual CPC, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 25-09-2014, no processo n.º 260/12.4TBMNC-A.G1, disponível em linha no endereço eletrónico www.dgsi.pt, consagrou no seu sumário que: “Na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.”

17.ª Tal como na ação subjacente a este Acórdão, no caso da recorrente também está em causa o reconhecimento do direito às benfeitorias por si efetuadas em prédio indiviso;

18.ª Segundo este Acórdão, o processo especial de divisão de coisa comum “… contém em si os mecanismos adequados para adaptar o processo à cumulação autorizada bastando, para o efeito, seguir o ‘iter’ inverso ao do despacho recorrido: em vez de decidir em primeiro lugar da possibilidade de proferir logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão para, em face disso, concluir depois pela incompatibilidade de tramitação, começar por, reconhecendo o interesse relevante na admissão da reconvenção e, verificada a impossibilidade de conhecer sumariamente das questões suscitadas, mandar seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.”;

19.ª E “os princípios subjacentes àqueles poderes/deveres de gestão e adequação processual atribuídos ao juiz impõe que, acção de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.”;

20.ª A admissão do presente pedido reconvencional não contende com os princípios gerais e estruturantes do processo civil e que a ação de divisão de coisa comum é passível de “acomodar” a presente pretensão reconvencional;

21.ª O pedido deduzido na reconvenção da recorrente consiste em ver ser-lhe reconhecido o direito a ser reintegrada pelas despesas relativas a benfeitorias necessárias e úteis que realizou no mesmo imóvel dividendo;

22.ª Na hipótese de a recorrente não poder ver tal direito apreciado e reconhecido nos presentes autos e caso venha a ocorrer a hipótese mais provável de venda do prédio dividendo, dado que só é dona de 1/5 do mesmo, estando os restantes titulares coligados, a recorrente, por falta de meio legal, perde a oportunidade de ser ressarcida do direito ao valor das benfeitorias que realizou, nos termos do artigo 1273.º do CCivil;

23.ª Estas circunstâncias justificam que a presente reconvenção seja admitida, tendo em conta o disposto no artigo 266.º, n.º 1, n.º 2, al. a) e b) e, n.º 3, 2.ª parte e no artigo 37.º, n.º 2 e 3, ambos do CPC;

24.ª O douto Despacho recorrido, na parte em que não admitiu a reconvenção, coloca em crise a aquisição processual de factos, pelo que viola os princípios da proporcionalidade e da igualdade de armas e enferma de irregularidade que é suscetível de influir no exame e na decisão da causa, pelo que nos termos do art. 195.º, n.º 1, do CPC é nulo;

25.ª O douto Despacho recorrido padece de erro na interpretação e aplicação do direito, designadamente, dos artigos 473.º e seguintes relativos ao enriquecimento sem causa e 1273.º relativo a indemnização por benfeitorias necessárias e úteis, ambos do CC, dos artigos 6.º, n.º 1, 266.º, 547.º e 926.º e seguintes, todos do CPC, pelo que se requer a V.as Ex.as a sua revogação e que seja proferida decisão que receba a reconvenção, dado que o Tribunal é competente nos termos do artigo 98.º, n.º 1 do mesmo Código;

Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o douto suprimento de Vs. Exas. deverá ser admitido e proceder o presente recurso, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

I.2. Em contra-alegações concluem os réus/recorridos:

1. No período em que a Recorrente executou as alegadas benfeitorias tinha a qualidade de herdeira nas heranças indivisas, das quais o prédio cuja divisão se requer, fazia parte.

2. E foi na qualidade de herdeira, ocupante de um imóvel que executou as obras, tendo as mesmas ocorrido antes da partilha.

3. A forma adequada para a Recorrente reclamar o alegado crédito de benfeitorias será, eventualmente, através de uma partilha adicional, contra todos os herdeiros.

4. O artº 266º nº 2 do CPC prevê expressamente as situações em que é admissível a reconvenção e o nº 3 da mesma norma legal preceitua não ser admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autos

5. Ao pedido reconvencional da Recorrente corresponde uma norma processual diversa ( processo comum) do pedido efectuado pelos Recorridos ( acção de divisão de cosia comum), assim o Tribunal a quo só poderia admitir o pedido reconvencional quando a tramitação das duas formas não fosse absolutamente incompatível, assim como a apreciação conjunta daquelas pretensões se revelasse indispensável para a justa composição do litigio, o que não sucede no caso dos autos.

6. A matéria alegada na contestação tem efeitos meramente pessoais e obrigacionais, de todo irrelevantes para alterar a situação jurídica real.

7. Excepto nos casos em que existe a possibilidade de adequação formal que o novo Código consagrou, só é admissível reconvenção se aos pedidos de autor e réu corresponderem a forma de processo comum ou a mesma forma de processo especial 8. Ensina CASTRO MENDES, nos processos especiais, a admissão da reconvenção tem de ser vista caso a caso. A solução da questão da admissibilidade ou não de reconvenção reside em saber qual a justificação dos obstáculos à dedução de pedido reconvencional procedentes da forma de processo.

9. E, explica ALBERTO DOS REIS, a justificação é esta: “a reconvenção equivale, no fundo, a uma acção proposta pelo réu contra o autor e faz-se mister que a forma de processo seja adequada para a instrução, discussão e julgamento do pleito reconvencional. Como a forma de processo é, em regra, determinada pelo pedido do autor, segue-se que o processo só será idóneo para se instruir, discutir e julgar a causa reconvencional se houver coincidência entre a forma de processo aplicável à acção e a forma de processo aplicável à reconvenção”.

10. Apenas nos casos em que fosse contestada a compropriedade, seria possível numa acção especial de divisão de coisa comum, a formulação de reconvenção sem prejuízo da necessidade de conexão ou compatibilidade substancial.

11. Terá, pois, que concluir-se de forma inequívoca que não assiste razão à Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida far-se-á Justiça!

I.3. Recebida a apelação, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do mesmo.

I.4.Questões a resolver:

a) Saber se o despacho recorrido padece de erro de interpretação e de aplicação do direito, designadamente dos art.ºs 473 e ss relativos ao enriquecimento sem causa e 1273 relativo a indemnização por benfeitorias necessárias e úteis ambos do CCiv

b) Saber se o despacho recorrido padece de erro de interpretação e de aplicação dos art.ºs 6/1, 195, 266, 547, 926 e ss. do CPC

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Para além do despacho recorrido está ainda certificado nos autos o seguinte:

    • Os Autores propuseram contra a Ré acção de divisão de coisa comum nos termos dos art.ºs 925 e ss. do CPC onde pretendem por termo à compropriedade do imóvel que identificam no art.º 1 da p.i., que entendem ser indivisível em substância, devendo por isso ser adjudicado ou vendido com repartição do valor conforme fls.127ª 134
    • A Ré deduziu contestação e reconvenção onde pede se reconheça que exerce a posse exclusiva e em nome próprio do 1.º andar do prédio dividendo ainda que com cota superior à sua desde 23/9/2010 data em que se verificou a inversão da posse, tendo realizado a exclusivas expensas suas obras nesse prédio no valor de 45.445,83 eur com a natureza de benfeitoras necessárias e ainda 12.873,52 de obras com a natureza de benfeitorias úteis, devendo cada um, dos autores ser condenado a pagar á Ré a quantia de 9089,17 a título de quota parte de despesas como benfeitorias necessárias e 2574,70 a título de benfeitorias úteis em suma dizendo que o prédio é divisível em substância, podendo ser fraccionado; o prédio foi um bem da herança mas o cabeça de casal nada fez em prol da administração do prédio dividendo, nunca prestou contas das receitas e despesas de herança o que motivou uma acção de prestação de contas que corre os seus termos, em setembro de 2010 estando o imóvel respeitante ao prédio dividendo em avançado estado de degradação, ameaçando deteriorar-se até à sua destruição, perante a atitude omissiva do cabeça de casal durante os 5 anos que que exerceu o cargo e as demais circunstâncias relativas ao seu estado calamitoso a reconvinte tomou a iniciativa de se apossar do 1.º andar do imóvel com o propósito de nele realizar obras necessárias e urgentes em substituição no cumprimento das obrigações da administração do bem que se impunham legalmente ao cabeça de casal e que permitissem torna-lo habitável, realizou a sua custa obras, decisão que tomou em concorrência com a circunstância de carecer de habitação e de ser patente que não causaria nenhum dano pela privação do usos, o que sempre foi possível de ser exercido pelo cabeça de casal ou qualquer outro interessado da herança em relação ao rés do chão o que nunca aconteceu, tendo ocupado o 1.º andar em 23/09/2010, altura em que o cabeça de casal e 1.º autor acompanhado dos 2.º e do 3.º autores se dirigiram ao imóvel a fim de impedirem os propósitos da reconvinte de ali realizar as obras que projectava realizar, o que tentaram com recurso a violência contra a reconvinte, sem  êxito porquanto a reconvinte realizou essas obras, findas as quais passou a residir de forma permanente e exclusiva no 1.º andar do imóvel; o 1.º autor cabeça de casal nunca fez obras no imóvel e essa situação manteve-se em relação ao rés do chão até à partilha dos bens da herança tendo os prédio dividendo sido adjudicado aos autores e outro por sentença de 7/1/2014, mantendo-se a inércia após a situação de compropriedade (cfr. cópia c certificada de fls. 3/14 deste apenso cujo teor aqui na íntegra se reproduz)
III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 5, 635, n.º 4, 649, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.

III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.

III.3. Saber se o despacho recorrido padece de erro de interpretação e de aplicação do direito, designadamente dos art.ºs 473 e ss relativos ao enriquecimento sem causa e 1273 relativo a indemnização por benfeitorias necessárias e úteis ambos do CCiv

 III.3.1. O despacho recorrido incide apenas sobre a relação processual, nada decide sobre o mérito ou demérito da acção ou da reconvenção, pelo que apenas podem estar em causa as normas de direito processual que não também as normas de direito substantivo relativas ao enriquecimento sem causa e benfeitorias em que se suporta o pedido reconvencional; improcede nessa parte o recurso.

III.4. Saber se o despacho recorrido padece de erro de interpretação e de aplicação dos art.ºs 6/1, 195, 266, 547, 926 e ss. do CPC

III.4.1. Uma coisa é uma nulidade processual do art.º 195, outra distinta é a nulidade da decisão ou sentença ou acórdão, que terá de ser uma das previstas no art.º 615 e que aqui não se questiona. Ocorrendo uma nulidade por prática de  um acto que a lei não admita ou omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, fora dos casos previstos nos artigos186 a 194 (que aqui não estão em causa e que o tribunal não teria de conhecer oficiosamente), influindo a irregularidade no exame e decisão da causa, há que arguir essa nulidade nos termos dos art.º 196 a contrario sensu, 197, 198, 199, 201, devendo o Tribunal , depois, pronunciar-se sobre essa nulidade; tal não ocorreu in casu e mesmo que tivesse ocorrido a decisão sobre essa nulidade seria em princípio irrecorrível nos termos do art.º 630/2.

III.4.2. A decisão recorrida não admitiu a reconvenção, basicamente porque tratando-se de processo especial essa forma não admite reconvenção.

III.4.3. Insurge-se a recorrente em suma dizendo:

· Sendo verdade que ao pedido reconvencional corresponde uma forma de processos diferente a da forma do processo especial de divisão de coisa comum, o juiz pode autorizar a reconvenção, se a forma de processo não for manifestamente incompatível e haja relevante interesse na apreciação conjunta das pretensões para a justa composição do litígio e no caso ocorrem;

· Os princípios de gestão processual e adequação formal impõem a admissibilidade do articulado da reconvenção e assim se decidiu no AC RG de 25/09/2014, processo 260/12.4TBMNC-A.G1

III.4.4. Em apoio do decidido sustentam os autores em suam:

· No período em que a recorrente realizou as alegadas benfeitorias tinha a qualidade de herdeira nas heranças indivisas, das quais o prédio cuja divisão se requer fazia parte, nessa qualidade tendo ocupado o 1.º andar do imóvel pelo que a forma para a recorrente reclamar as benfeitorias seria eventualmente através de uma partilha adicional contra todos os herdeiros

· O art.º 266/3 preceitua não ser admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor; ao pedido do autor corresponde processos especial e ao pedido reconvencional o processo comum pelo que só no caso em que a tramitação das duas formas não é absolutamente incompatível assim como a apreciação conjunta daquelas pretensões se revele indispensável para a justa composição do litígio é que a reconvenção é admissível, o que se não verifica.

III.4.5. A acção de divisão de coisa comum insere-se no Livro V “dos Processos Especiais”, seu título VI, destina-se a por termo à indivisão de coisa comum, concretiza-se no pedido de divisão em substância da coisa comum (sendo divisível) ou adjudicação ou venda desta com repartição do respectivo valor (sendo indivisível)- art.º 925; os requeridos são citados para contestar em 30 dias com o oferecimento imediato das provas de que dispuserem e se houver contestação ou a revelia não for operante o juiz produzidas as provas profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se as disposições sobre incidentes de instância dos art.ºs 294 e 295, mas se o juiz verificar que a questão não puder ser sumariamente decidida, conforme o preceituado no número 2 do art.º 926, manda seguir os termos, subsequentes à contestação do processo comum (cfr. n.º 3 do art.º 926); não sendo a coisa divisível (questão que ao que tudo indica nessa aparte está ultrapassada pelo caso julgado do mesmo despacho que determinou, sem apelação que o prédio é indivisível), fixam-se os quinhões (que o despacho recorrido sem mácula também fixou), realiza-se a conferência de interessados para se fazer a adjudicação por acordo e não havendo acordo para a adjudicação a coisa é vendida (art.º 929/2)

III.4.6. Desta enunciado normativo colhe-se que as questões suscitadas pelo pedido de divisão podem ser decididas pela tramitação mais simples do incidente de instância ou não podendo ser sumariamente decidida devem ser decididas em processo comum; e só depois de decididas é que se passa à fase executiva da adjudicação ou venda. O que significa que sendo o processo de divisão de coisa comum um processos especial pode comportar uma fase de processo comum sem que incompatibilidade haja entre as duas formas de processo. Ora o art.º 266/3 estatuindo que não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao peido do autor, logo a seguir excepciona a hipótese de o juiz a autorizar nos termos do art.º 37/2 e 37/3, ou seja sempre que haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.

III.4.7. Ora, é indispensável para a justa composição do litígio, ou seja para uma consciente decisão dos interessados em conferência (fase executiva) que esteja devidamente derimida a questão de saber se a Ré tem ou não direito a haver dos outros interessados comproprietários a respectiva quota parte do valor que a Ré despendeu em obras que realizou no 1.º andar do mencionado prédio, o que sé é possível através da admissão liminar do pedido reconvencional e do julgamento das questões por eles suscitadas o que satisfaz os princípios da gestão processual e adequação formal.

III.4.8. Neste sentido se pronunciou já a Relação de Guimarães em recente acórdão disponível no sítio informático www.dgsi.pt.

260/12.4TBMNC-A.G1        

Relator:           CARLOS GUERRA

Descritores:     ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM

RECONVENÇÃO

BENFEITORIA

           

Nº do Documento:     RG

Data do Acordão:      25-09-2014

Votação:         UNANIMIDADE

Texto Integral:            S

Privacidade:    1

           

Meio Processual:        APELAÇÃO

Decisão:          PROCEDENTE

Indicações Eventuais:            1ª SECÇÃO CÍVEL

           

Sumário:         Na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.

           

           

Decisão Texto Integral:          Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:

*

M… e mulher, M… propuseram a presente acção especial de divisão de coisa comum contra A… e F….

Alegam, em suma, que o Autor marido e os Réus são comproprietários, na proporção de 1/3 para cada um deles, dos prédios descritos no artigo 1º da petição inicial, pois que assim lhes foram adjudicados em sede de inventário judicial que correu termos neste Tribunal.

Mais alegam que o prédio urbano é indivisível enquanto que o rústico é divisível.

Concluem, pedindo a adjudicação do prédio urbano ou a sua venda, na falta de acordo entre os comproprietários e a divisão em três parcelas do prédio rústico.

Regularmente citados, apenas o Réu A… apresentou contestação, no âmbito da qual não pôs em causa a natureza divisível ou indivisível dos prédios em discussão, apenas contestando as áreas que os Autores lhes atribuem na petição inicial.

Deduziu ainda reconvenção, pedindo a condenação dos demais comproprietários no pagamento das benfeitorias que efectuou no prédio urbano em causa, onde vive desde que nasceu até à data presente.

Foi então proferido despacho que, para além do mais, não admitiu a reconvenção.

É desta decisão que vem interposto o presente recurso pelo Réu, que conclui a sua alegação da seguinte forma:

- resulta dos autos, nomeadamente do teor dos articulados oferecidos pelas partes que, quer um quer outro dos prédios em questão são ou poderão ser indivisíveis, num caso "ope legis", no outro pela sua natureza e composição;

- o pedido reconvencional fundamenta-se tão só em benfeitorias efectuadas pelo Recorrente no prédio urbano cuja divisão é pretendida mas admitida pelas partes a respectiva impossibilidade;

- “in casu”, o Réu/Reconvinte pretende ver reconhecido os seus direito às benfeitorias por si efectuadas cm prédio indiviso, de que são comproprietários mais dois sujeitos;

- o não reconhecimento desse direito implica o enriquecimento sem causa desses dois comproprietários já que as benfeitorias acrescem valor à coisa que dela foi objecto de que eles beneficiarão quer em caso de adjudicação quer em caso de venda;

-a Reconvenção deve ser admitida, sob pena de, assim não acontecendo, se dar cobertura a tuna situação ilegítima;

- a adjudicação ou a venda e, em especial, nesta segunda hipótese, a lei não faculta ao Recorrente empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído;

- o que fica exposto será realçado pelo facto de o imóvel que foi objecto das benfeitorias ser reconhecidamente indivisível;

- nos termos do disposto no nº 3 do artigo 266º do Código de Processo Civil, “não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor”, mas o Mmº Juiz pode autorizar a reconvenção “nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 37º do mesmo diploma legal;

- no caso vertente, a admissão da reconvenção e o seu processamento não afecta, de forma relevante, a tramitação do processo de divisão de coisa comum. Pelo contrário poderá, na perspectiva do Recorrente, afastar futuras litigâncias;

- afigura-se ao Apelante que não terá sido feita a mais adequada aplicação dos normativos constantes dos artigos 473º do Código Civil e 266º do Código de Processo Civil na douta decisão sob recurso, pelo que deverá esta ser revogada por acórdão que receba a reconvenção.

Não foram oferecidas contra alegações.

Cumpre-nos agora decidir.

*

Delimitado como se encontra o objecto do recurso pelas conclusões da alegação – artigos 635º, n.º 4 e 640º do Código de Processo Civil – das apresentadas pela Apelante resulta que a questão que é submetida à nossa apreciação consiste em saber se pode e deve a reconvenção deduzida pelo Réu ser admitida.

Através da presente acção com processo especial de divisão de coisa comum, pretende o Autor pôr termo à situação de compropriedade sobre dois prédios, alegando ser um indivisível e o outro divisível.

Na contestação o Réu, sem pôr em causa essa pretensão, invoca um seu direito de crédito por benfeitorias realizadas num dos imóveis e deduz reconvenção, pedindo a condenação dos demais comproprietários no pagamento dessas benfeitorias.

A reconvenção não foi admitida e é desta decisão que vem interposto o presente recurso.

Como se sabe e decorre do disposto no artigo 925º do Código de Processo Civil, a acção de divisão de coisa comum tem como objectivo pôr termo à indivisão de coisa comum.

A tramitação da acção está regulada nos artigos 926º, n.ºs 2 e 3 e seguintes daquele diploma, que dispõe:

2. Se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294º e 295º ....

3. Se, porém, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, conforme o preceituado no número anterior, mandará seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.

Verifica-se, assim, que a acção, quando haja contestação ou a revelia não seja operante, começa por seguir os termos aplicáveis aos incidentes da instância e só assim não será se o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, caso em que mandará seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.

No caso deste processo, foi deduzida contestação e o Sr. Juiz entendeu que era possível proferir decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, uma vez realizadas as diligências que ordenou e a incompatibilidade desta tramitação com a inerente ao pedido por benfeitorias conduziu a não admitir a reconvenção.

De acordo com o disposto no artigo 266º, n.º 3 do Código de Processo Civil, “Não é admissível reconvenção, quando ao pedido do réu corresponde uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37º, com as necessárias adaptações”, preceitos que permitem ao juiz admitir a reconvenção, apesar de aos pedidos corresponderem formas de processo diferentes, se não seguirem tramitação manifestamente incompatível, sempre que haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio, incumbindo ao juiz, quando admita a reconvenção nas ditas circunstâncias, adaptar o processo à cumulação autorizada.

Esta possibilidade assume hoje especial relevância face à actual lei processual civil, que atribui ao juiz amplos poderes (deveres) de gestão e adequação processual, incumbindo-lhe “... dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável” – artigo 6º, n.º 1 – e “... devendo adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo” – artigo 547º – actividade que não poderá deixar de ter sempre como limite indiscutível o respeito pelos princípios estruturantes do direito processual civil, sobretudo daqueles que constituem emanações de princípios constitucionais.

Como salientam Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, em Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, página 44, “O seu campo de aplicação esconde menos perigos para os princípios que informam e enformam o processo civil, pretendendo-se com o seu uso garantir a satisfação de um deles, normalmente a celeridade e economia processuais, sem sacrifícios relevantes para os restantes. Aliás, escusado seria dizê-lo, por apodítico, as garantias e os princípios gerais do processo civil constituem limites intangíveis da gestão processual por exemplo, a garantia de imparcialidade do tribunal, os princípios do dispositivo e do contraditório, da proibição das decisões surpresa e da igualdade substancial das partes e o caso julgado formal ...”.

Reportando-nos ao caso dos autos, cremos que o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos, como seja a apreciação de um direito por benfeitorias invocado por um dos comproprietários, evitando dessa forma que ele se veja compelido a recorrer à propositura de uma outra acção para ver o seu direito reconhecido, para além de não beliscar qualquer daqueles princípios estruturantes, assume indiscutível relevância e que justifica plenamente a admissão da reconvenção.

E o próprio processo especial de divisão de coisa comum contém em si os mecanismos adequados para adaptar o processo à cumulação autorizada bastando, para o efeito, seguir o “iter” inverso ao do despacho recorrido: em vez de decidir em primeiro lugar da possibilidade de proferir logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão para, em face disso, concluir depois pela incompatibilidade de tramitação, começar por, reconhecendo o interesse relevante na admissão da reconvenção e, verificada a impossibilidade de conhecer sumariamente das questões suscitadas, mandar seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.

Parece-nos, assim, que os princípios subjacentes àqueles poderes/deveres de gestão e adequação processual atribuídos ao juiz impõe que, acção de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.

Pelo que fica exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revoga-se o despacho recorrido, admite-se a reconvenção deduzida pelo Recorrente e ordena-se que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.

Custas pelo Apelado.

*

Guimarães, 25 de Setembro de 2014

Carlos Guerra

José Estelita de Mendonça

Conceição Bucho

IV- DECISÃO

Tudo visto acordam os juízes em conceder provimento à apelação, revoga-se o despacho recorrido no segmento posto em causa, consequentemente admite-se a reconvenção deduzida pelo Recorrente e ordena-se que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum

Regime da Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade dos apelados que decaem e porque decaem


Lxa.,

João Miguel Mourão Vaz Gomes

Jorge Manuel Leitão Leal

Ondina Carmo Alves

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[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/7, atento o disposto no art.º 5/1,  da mesma Lei que estatui que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no passado dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente, atendendo a que a acção foi intentada em 29/10/2014 e a data da decisão recorrida que é de 12/03/2014; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.