Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8640/17.2T8SNT.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: COMPRA E VENDA
CONSUMIDOR
PRODUTOR
DEFEITOS
DIREITOS DO COMPRADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Residindo a causa de pedir na responsabilidade do produtor do frigorífico-combinado que a autora adquiriu, na qualidade de consumidora, e invocando a autora a falta de conformidade do bem,  manifesto é que o litígio insere-se no âmbito do Decreto-Lei n° 67/2003, de 8/4 , Dl n.º 383/89, de 06 de Novembro conjugado com a Lei nº 24/96 de 31/7 ( Lei de defesa do consumidor), porque em causa está uma relação jurídica de consumo.
II – Relativamente ao produtor apenas está consagrado o dever de indemnizar à luz do artigos 1º e 8º do Dl nº 383/89 de 6 de Novembro.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

 A Autora M, residente…. Interpôs a presente acção declarativa de condenação contra a Ré L…, S.A., pessoa coletiva com sede …. ,pedindo a condenação da R :
 a) -- a pagar à A. a quantia de €1.384,32 x 2 = €2.768,64, conforme previsto no art. 9.°-B, n°s 7 e 8, da Lei de Defesa do Consumidor, visto que no prazo de 14 dias a Ré não restituiu o valor pago, nem dentro do prazo de 14 dias nem posteriormente, nem procedeu à reparação do bem;
b) ----a pagar à A. a quantia de €235,38 em virtude da deterioração de alimentos provocada pelo mau funcionamento do frigorífico;
c) ----a pagar à A. a quantia de €30/semana, desde a última semana de Abril/2016 (24.04.2016), em virtude do acréscimo de tempo despendido com a ida às compras, cujo valor até 30/04/2017 se calcula em €1.590,00, bem como o valor que se vencer até ao trânsito em julgado da sentença;
d) ----a pagar à A. a quantia de €7/semana, desde a última semana de Abril/2016 (24.04.2016), em virtude da menor duração dos produtos alimentares, cujo valor até 30.04.2017 se calcula em €371,00, bem como o valor que se vencer até ao trânsito em julgado da sentença;
e) ----a pagar à A. a quantia de €16,25/semana, desde a última semana de Abril/2016 (24.04.2016), pelo acréscimo de tempo despendido com a confeção de sopa, cujo valor até 30.04.2017 se calcula em €861,25, bem como o valor que se vencer até ao trânsito em julgado da sentença:
f) a pagar à A. a quantia de €26,25/semana, desde a última semana de Abril/2016 (24.04.2016), pelo acréscimo de tempo despendido com a confeção de pratos que não sopa, cujo valor até 30.04.2017 se calcula em €1.391,25, bem como o valor que se vencer até ao trânsito em julgado da sentença;
g) a pagar à A. a quantia de €5/semana, desde última semana de Abril/2016 (24.04.2016), pela ansiedade que a Autora sofre, devido à imprevisibilidade do planeamento semanal das refeições, cujo valor até 30.04.2017 se calcula em €265,00, bem como o valor que se vencer até ao trânsito em julgado da sentença;
h) a pagar à A. a quantia de €60/semana, desde última semana de Abril/2016 (24.04.2016), pelos constrangimentos diários à livre seleção e consumo de alimentos, cujo valor até 30.04.2017 se calcula em €3.180,00, bem como o valor que se vencer até ao trânsito em julgado da sentença;
i) a pagar à A. a quantia de €1.000,00 a título da A. ter ficado privada de realizar terapêutica de frio no período de recuperação pós-cirúrgico.”
Alegou para tanto, em síntese:
--adquiriu um frigorífico combinado LG, modelo GB7143AESF, por 1.384,32€.           
A Autora recepcionou o bem no dia 27.03.2012, sendo na altura o modelo topo de gama, com as seguintes características de acordo com o publicitado no site da L…em data anterior à compra do bem: “Total no Frost; A+++; Multi Airflow; Mais 28% capacidade; Cuvete de gelo rotativa tripla; Iluminação LED interior para preservação de fruta e vegetais; Ecrã digital táctil LED; Moist Balance Crisper; Fresh 0 Zone; Alarme de porta aberta; 10 anos de garantia; Cor Inox.”.
O electrodoméstico veio rotulado com: “Total no frost Multi Airflow| A -60% A+++ energy saving| Linear Compressor 10 years warranty| Smart choice for Energy saving: unic linear compressor technology| saving you energy and money| Classificação Energética: A+++ 182 Kw/ano” – cfr. Doc.4, que se junta e dá por reproduzido.
Após várias denúncias de avarias deste aparelho, não resolvidas de forma cabal e definitiva , no dia 22/06/2016, a Autora, em virtude de ter tomado conhecimento pelo site do Citius de que o vendedor se encontrava insolvente, enviou carta por correio registado e por e-mail ao produtor, a informar da denúncia da não  conformidade do contrato de compra e venda previamente enviada ao  vendedor, indicando o prazo de 8 dias para receber resposta.
A Autora recebeu a resposta da Ré no dia 05/07/2016, recusando efectuar a reparação no âmbito da garantia , ou seja, não cumpriu o prazo de garantia de 10 anos.
                                           ***
A R contesta, alegando, em resumo:
 -o electrodoméstico adquirido não tem uma garantia de 10 anos abrangente de todos os componentes. Apenas abrange o compressor.
 Existiu um pedido de assistência técnica que foi considerado fora do prazo de garantia de 2 anos.
 A R não aceita quaisquer reparações ou diagnóstico de anomalias que não sejam efectuadas pelos seus serviços, sem que um centro técnico oficial da marca L…Portugal analisasse e concluísse que existia uma avaria no compressor ,a R não poderia efectuar qualquer reparação dentro da garantia ,sendo certo que esta não incluía mão de obra, deslocação do técnico e uma possível carga de gás.
A existência dos danos e a sua valoração são também impugnados.
Conclui pela improcedência da acção
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Os factos apurados
1. A autora adquiriu à “V…– Material Elétrico e Informática, Lda.”, a 23.03.2012, um frigorífico combinado LG, modelo GB7143AESF, pelo preço de €1.384,32, o qual foi rececionado em dia não concretamente apurado do mês de março de 2012.
2. O frigorífico estava publicitado no site da L…com as seguintes características:
“Combinado A+++ / 385 litros de capacidade / 10 anos de garantia no compressor
- Mais 28% capacidade
- Cuvete de gelo rotativa tripla
- Iluminação LED interior para preservação de fruta e vegetais – Ecrã digital táctil LED
- Moist Balance Crisper
- Fresh 0 Zone
- Alarme de porta aberta
- 10 anos de garantia
- Cor inox”
3. O frigorífico recebido pela autora trazia um rótulo no qual era mencionado o seguinte: “Total no frost Multi Airflow / A-60 % A+++ energy saving /Linear Compressor 10 years warranty / Smart choice for Energy saving: unic linear compressor technology /saving you energy and Money / Classificação Energética: A+++ 182 Kw/ano”.
4. Em 08.10.2013 a autora contactou pela primeira vez a assistência técnica da L…mediante registo on-line, em virtude do frigorífico ter vertido água para o chão.
5. A ré agendou no dia 15.10.2013 uma visita técnica para o dia 16.10.2013.
6. Após essa visita de 16.10.2013, o técnico da L…ficou de voltar para substituir o depósito da água (condensador), mas quanto voltou, no dia 17.10.2013, concluiu que o frigorífico não apresentava qualquer problema e por isso não efetuou a referida substituição por não a considerar necessária.
7. No dia 14.10.2015 a autora registou um pedido on-line de assistência técnica à L…porque o combinado criava gelo por baixo das gavetas do congelador.
8. A L…informou a autora que o equipamento já estava fora do prazo de garantia, mas que a autora podia solicitar orçamento para reparação.
9. No dia 23.03.2016, a autora registou on-line um pedido de assistência pela L…, com o seguinte teor: “Bom dia. Venho pelo presente acionar a garantia do compressor do frigorífico identificado em epígrafe, uma vez que já acionei a assistência ao lar da minha seguradora e a avaliação técnica concluiu que o problema é do compressor. Uma vez que este ainda se encontra em período de garantia (10 anos), solicito a vossa intervenção. Com os melhores cumprimentos.”
10. Em resposta, no dia 24.03.2016, por contacto telefónico, a L…informou a autora que o período de garantia geral é de 2 anos, que este se encontrava expirado, e que o período de 10 anos de garantia é só para a peça “compressor” e por isso cobra tudo o demais – mão-de-obra, deslocações, todas as peças que não peça do compressor, etc. – referindo que, geralmente as reparações são realizadas no local, sem deslocação do frigorífico para a oficina.
11. No dia 10.05.2016, a autora enviou uma carta por correio registado e por e-mail ao vendedor, ali indicando como assunto “Denúncia da não conformidade do contrato de compra e venda”, e onde declara que “o equipamento apresenta graves avarias, nomeadamente acumulação de gelo em todo o congelador e impossibilidade de fechar a porta do congelador, que inviabilizam a utilização do congelador e incrementam muito o consumo de energia (...)”, e indicando o prazo de 10 dias para receber resposta, a qual não obteve.
12. No dia 22.06.2016, a autora enviou carta por correio registado e por e-mail ao produtor, com o seguinte teor:
“(...) Com referência ao contrato de compra e venda do frigorífico combinado da marca LG, modelo GB7143AESF, rececionado a 27.03.2012, adquirido por €1.384,32, conforme fatura identificada em epígrafe. Venho comunicar à “L… SA (doravante L…), NIF…, produtor do bem, que a 10.05.2016 denunciei a não conformidade do contrato ao vendedor “V…Lda.”, (...) na qual solicitei a resolução do contrato e a consequente restituição do valor deste num prazo de 10 dias. Ora, estando a restituição impossibilitada por parte do vendedor por este se encontrar insolvente, venho exercer este direito junto da L… na medida em que a não conformidade do contrato é da sua responsabilidade e por isso também ao vendedor assistiria o direito de regresso sobre a L….
(...) a L…publicitou e publicita no seu sítio da internet nas especificações do produto “10 anos de garantia”, característica determinante na decisão de aquisição, mas recusa-se a respeitar essa garantia, faltando assim ao cumprimento do contrato.
Solução pretendida: dada a gravidade das avarias e a recusa a respeitar os 10 anos de garantia, solicito a restituição do valor do contrato denunciado a 10.05.2016, ou seja, €1.384,32, para o IBAN (...).”
13. A autora recebeu a resposta da Ré no dia 05.07.2016, onde consta, para além do mais, que: “(...) No que se refere à situação por si exposta e após análise por parte do nosso Departamento Responsável, informamos que a garantia do artigo visa a correção e resolução de anomalias técnicas ou possíveis defeitos de fábrica (defeito inexistente após análise interna por um boletim técnico) gratuitamente que possam eventualmente ocorrer durante os primeiros 24 meses, após a data de compra. Relativamente à garantia de 10 anos, é apenas aplicada ao “Linear Compressor”, como é indicado na porta do artigo, informação que consideramos ser perfeitamente clara da forma como é apresentada. Deste modo, a LG Portugal apresenta total disponibilidade para proceder à reparação mediante orçamento, pedido que poderá solicitada através do nosso Centro de Informação ao Consumidor (...)” .
14. A autora não voltou a solicitar a assistência técnica da ré.
 15. Desde a última semana de abril de 2016 que a autora mantém o frigorífico desligado, o qual deixou de congelar e de refrigerar convenientemente.
16. A autora costumava efetuar pelo menos três refeições diárias no seu domicílio: pequeno-almoço, almoço e jantar.
17. Ao não poder usar o frigorífico a autora passou a frequentar diariamente o supermercado para adquirir os alimentos que necessita para confecionar as refeições.
18. Em dezembro de 2016 a autora foi sujeita a uma cirurgia aos dentes para cuja recuperação foi recomendado a utilização de gelo ou de gel anti-inflamatório gelado.
19. No dia 23 de outubro de 2018 a autora foi sujeita a uma cirurgia de libertação do túnel cárpico, para cuja terapêutica anti-inflamatória foi recomendada a utilização de gelo.
20. No dia 1 de março de 2019 foi-lhe diagnosticada uma bursite prepatelar no joelho esquerdo, para cuja terapêutica anti-inflamatória foi recomendada a utilização de gelo.
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A final foi proferida esta decisão:
“…Nestes termos, julgo a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a ré L… S.A. do pedido formulado pela autora.
Custas a cargo da autora (artigo 527.°, n°s 1 e 2 do Código de Processo Civil).”
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É esta decisão que a Autora impugna, formulando estas conclusões:
A) A Recorrente inconformada com a sentença proferida, apresenta recurso de apelação.
A) Entende a Recorrente que a matéria de facto dada como não provada, ao assim sê-lo, entra em contradição com a matéria de facto provada, nos seguintes termos,
B) Entende a Recorrente que dar como não provados os factos, constante dos pontos d), e), f), g), h), e i), assim considerada em virtude da falta de prova, ou de prova em sentido contrário, entra em contradição com os factos provados 15, 16, 17, 18, 19 e 20. Devendo antes ser considerados provados como se passa a demonstrar.
C) Extrai-se da Sentença a quo que, o frigorífico combinado não refrigerar e não congelar, não causa danos à Autora. Entendimento com o qual jamais se pode concordar, sendo este um bem essencial de primeira necessidade, e estar ou não a refrigerar, e estar ou não a congelar, não é indiferente.
D) É de bom senso e do senso comum que, o provado estado do Combinado causa danos. Lesa direitos fundamentais, restringe a liberdade de dispor do tempo; condiciona a alimentação constrangendo diariamente a selecção e consumo de alimentos; gera desperdício alimentar, acréscimo de tempo na confecção das refeições; não fabrica gelo nem mantém gelado o saco terapêutico de gel anti-inflamatório que permitiriam realizar a terapêutica de frio anti-inflamatória (cf. factos provados 18, 19 e 20); causa transtorno no dia-a-dia, assim como ansiedade devido à imprevisibilidade do planeamento semanal das refeições, agravados pelas questões de saúde.
E) Sendo imprópria a desvalorização feita na Sentença, do impacto que o provado estado do Combinado tem nos danos que causa à Autora, nomeadamente ao onerar a vizinha da Autora em detrimento da Ré, como se a vizinha da Autora, pudesse, e/ou conseguisse, e/ou tivesse a obrigação de suprir os danos causados pela Ré.
F) Quanto ao facto “não provado” d), a Sentença a quo, com o devido respeito, padece de insanável falta de fundamentação, e tece considerações sem rigor de análise.
G) Ao concluir que é inverosímil que a Autora mantivesse tantos alimentos no congelador, recorrendo ao nexo de causalidade entre o facto de a testemunha viver sozinha com a mãe, Autora, e a quantidade de alimentos que isso justifica que exista no congelador. Pois é natural confeccionar refeições para pessoas além das que coabitam, nomeadamente família directa (mãe e outra filha) e/ou outros convidados.
H) Ao presumir que a capacidade de armazenamento “não permite guardar tamanha quantidade de alimentos”. O que não se coaduna com a real capacidade do congelador, mensurada em litros na Etiqueta Energética, com 115L, e quanto à qual é publicitado “Mais 28% capacidade” (cf. facto provado 2). Objectivamente, não é “tamanha quantidade”, pois 14,3kg de proteína (carne/peixe) com referência a 120g por refeição por pessoa, a título de exemplo para 2 refeições/dia para 4 pessoas, representa 14,9 dias.
I) Quanto ao facto “não provado” f), entende a Sentença que nenhuma prova foi feita no sentido de a Autora despender mais tempo a confeccionar as refeições. E dá como não provado o facto “f) a autora despende mais de 5,25 horas por semana a confecionar as refeições;”. Quando é certo que a Autora despende mais de 5,25h por semana na confecção de refeições, pois trata-se de 7 dias por semana, com 3 refeições (duas principais), e quando esse teor não se coaduna com o peticionado, visto que se peticionou um acréscimo de tempo despendido com a confecção de sopa e outros pratos de 3,25 e 5,25 horas/semana respectivamente. Danos estes demonstrados sensatamente e em consonância com factos provados, como os 15, 16, e 17.
J) Quanto aos factos “não provados” g) e i), entende a Sentença que, não é verosímil que a Autora desperdice comida, nem que estava impossibilitada de usar gelo para as terapêuticas, pois recorria e recorre à vizinha para guardar alimentos e poderia pedir-lhe gelo à vizinha ou tinha alternativas para o obter. Ora, não é correcto desonerar a Ré pelos danos que causa, quer à Autora quer à vizinha, transferindo ónus da Ré para a vizinha, desvalorizando o dano causado pela Ré. Ainda para mais, a vizinha trabalha por conta de outrem (cf. acta da Audiência de Julgamento) não estando disponível durante a jornada de trabalho e restantes afazeres.
K) O desperdício alimentar, além de sobras de comida, resulta da menor duração dos produtos frescos ou refrigerados (art. 32° e 34° da PI). O que a Sentença ignora, presumindo ainda que a Autora faz uso do frigorífico da vizinha de modo que evita completamente estes danos, o que não pode ser inferido inclusive dos depoimentos das testemunhas.
L) A vizinha da Autora apenas faz o favor de esporadicamente acolher no seu congelador um ou outro alimento. Favor que faz sem obrigação nem responsabilidade de fazer, e sendo dessa forma também ela lesada pela Ré. A Autora, não dispôs nem dispõe de acesso ao frigorífico da vizinha, nem dele usufruiu ou usufrui para refrigerar alimentos, pelo que isso não pode ser inferido.
M) A possibilidade de fazer gelo por recurso a uma alternativa, que seria pontual, não elimina o facto de o congelador não prover gelo. E também não permite fazer a terapêutica anti-inflamatória, que consiste na aplicação de gelo frequentemente ao longo de todo o dia por períodos contínuos de 10 a 15 minutos, diariamente, por vários dias, como seria se o congelador congelasse, pois não está disponível nem acessível da forma necessária.
N) Dos factos provados 18, 19, e 20, dos documentos probatórios juntos aos autos em Doc. 11 da PI e Requerimento de ampliação do pedido submetido em 03/04/2019 e 04/04/2019, demonstra-se que a Autora teve necessidade de realizar terapêutica anti-inflamatória com aplicação de gelo, que o congelador não tinha condição de prover. Assim como, no caso da cirurgia oral beneficiaria também da ingestão de alimentos gelados e/ou frios, que o Combinado não tinha condição de prover.
O) Quanto ao facto “não provado” h), contraria o bom senso, considerar que não dispor de frigorífico nem de congelador, não causa qualquer transtorno, preocupação, intranquilidade, no dia-a-dia, bem como ansiedade devido à imprevisibilidade do planeamento semanal das refeições, nomeadamente face aos factos provados 15, 16, e 17. Agravado ainda pelas várias questões de saúde que beneficiariam de terapêutica de frio anti-inflamatória cf. factos provados 18, 19, e 20.
P) Para além dos danos correspondentes às alíneas dos factos “não provados” d), g), h) e i), a Sentença não se pronunciou sobre os seguintes danos peticionados, omissões estas que  devem ser supridas:
(1) “pelo acréscimo de tempo despendido com a ida às compras” (art. 33º da PI), apesar de dar como provado no facto 17 que, em virtude do estado do Combinado a Autora passou a frequentar diariamente o supermercado para adquirir os alimentos que necessita para confeccionar as refeições, não dá como provado o dano peticionado daí decorrente.
(2) “pelos constrangimentos diários à livre selecção e consumo de alimentos, e pela privação do consumo de certos alimentos, o que obsta ao exercício dos direitos fundamentais da Autora, e que esta valoriza em 60€/semana. Nomeadamente pela impossibilidade de conservar alimentos que requerem refrigeração, tais como, fiambre, leite, iogurtes, manteiga/ margarina, queijo fresco e requeijão, fruta fraccionada, etc.. E pela impossibilidade de consumir e conservar alimentos congelados ou refrigerados.” (art. 38° da PI).
Q) A Fundamentação de Direito da Sentença a quo, orienta-se mormente, para a relação jurídica entre Consumidor e Vendedor, restringindo a responsabilidade directa do Produtor perante o Consumidor “à reparação ou substituição da coisa defeituosa para a reposição da conformidade num bem de consumo prestado em desconformidade com o contrato.”, aludindo ao art. 6° n°1 do DL 67/2003, referente a coisa defeituosa.
R) Contudo, o fundamento da Acção consiste em (cf. PI): A responsabilidade do Produtor do frigorífico combinado que a Autora adquiriu na qualidade de consumidora, pelo não cumprimento da Obrigação da Prestação de Serviços de Assistência Técnica pelo Produtor no âmbito das garantias, inerentes ao contrato de compra e venda do Combinado, ou seja, pelo não cumprimento por parte do Produtor dos termos e prazo(s) da(s) garantia(s) a cargo do Produtor e por ele publicitados, “10 anos de garantia no compressor” e “10 anos de garantia”.
S) Incumprimento que, originou a Denúncia por falta de conformidade com o contrato – nos termos do art.2° n°2 al. d) do DL 67/2003 – junto ao Vendedor (cf. Doc. 7 da PI), e não, por falta de conformidade por aquisição de coisa defeituosa.
T) Tendo a avaria do Combinado levado ao contacto com o Produtor enquanto responsável pela(s) Garantia(s) e prestador do inerente Serviço de Assistência Técnica, mas não sendo a avaria o fundamento da Denúncia nem a condicionando, quer a avaria seja ou não, defeito.
U) Para apurar se os prazos e termos em que o Produtor presta a(s) garantia(s) a seu cargo, cumprem os requisitos legais, não é relevante se o Combinado está ou não a funcionar em conformidade, nem quais as avarias e/ou defeitos que tenha, nem se estas têm alguma origem no compressor. Embora essas questões interessem para o apuramento dos danos.
V) Não só, “O Vendedor tem o dever de entregar ao Consumidor bens que estejam conformes com o contrato de compra e venda.” (art. 2° n°1 DL 67/2003). Sendo que, para isso, designadamente têm de, apresentar as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem, cf. al. d) do n°2 do no mesmo art. 2°, entre outros requisitos de conformidade. O que abarca as garantias publicitadas.
W) Como também, o Produtor tem a obrigação, da prestação das garantias a seu cargo, e por si publicitadas, quer a legal quer a voluntária, o que se traduz na prestação da assistência técnica durante o prazo dessas garantias, (art.s 4° e 5° do DL 67/2003). Obrigação que, constitui um vínculo jurídico cf. art. 397° do CC, e art. 6° da Directiva Europeia 1999/44/CE.
X) Verifica-se que, a Sentença a quo, erradamente não aplicou as normas legais relativas ao Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações em Geral, previstas nos artigos 762° a 816° do CC, nem o art. 6° da Directiva Europeia 1999/44/CE.
Y) Assim como, erroneamente afasta a responsabilidade do Produtor perante o Consumidor, com a justificação de não existir contrato entre ambos. Pois erradamente restringe a aplicação do art. 798° do CC aos “princípios gerais do cumprimento e incumprimento dos contratos”, quando deveras esta norma respeita ao Cumprimento e Incumprimento das Obrigações em Geral, não se cingindo aos Contratos em Especial.
Z) Face à demonstrada relação jurídica em que o Produtor é devedor da obrigação de que o Consumidor é credor, jamais se conceberá o afastamento da responsabilidade do Produtor para com o Consumidor prevista no art. 798° do CC.
AA) Passemos então à aplicação das normas legais relativas à garantia legal e à garantia voluntária previstas no DL 67/2003, das quais a Sentença não fez a correcta interpretação e aplicação. Normas das quais resulta que,
(1) A publicidade é vinculativa para o declarante, quer quanto à garantia legal, quer quanto à garantia voluntária, art. 1°-B do DL 67/2003 e art. 6° da Directiva Europeia 1999/44/CE;
(2) A garantia voluntária está ainda sujeita aos requisitos do art. 9° DL 67/2003; Pelo que, se a garantia publicitada não menciona que é onerosa, nem faz referência a encargos, então não pode, o declarante prestador dessa garantia, vir cobrar o que não publicita que cobra, como os encargos relativos às despesas de transporte, de mão-de-obra e de material (art. 9° n°3);
(3) A validade da garantia não pode ser prejudicada em função da violação dos requisitos do art. 9°, designadamente pelas omissões, podendo o consumidor continuar a invocá-la e a exigir a sua aplicação (art.9° n°5).
AB) No caso sub judice, têm-se as seguintes declarações escritas do Produtor, cf. facto provado 2, «2. O frigorífico estava publicitado no site da LG com as seguintes características:
“Combinado A+++ / 385 litros de capacidade / 10 anos de garantia no compressor - Mais 28% capacidade
- Cuvete de gelo rotativa tripla
- Iluminação LED interior para preservação de fruta e vegetais – Ecrã digital táctil
LED
- Moist Balance Crisper
- Fresh 0 Zone
- Alarme de porta aberta
- 10 anos de garantia
- Cor inox»
AC) Com efeito, nesta publicidade, estão escritas as características concretas e distintas “10 anos de garantia no compressor” e “10 anos de garantia”, sem demais informação. Em ambas é declarado 10 anos de prazo, o que significa que, nos 2 primeiros anos vigora a garantia legal (art. 5° DL 67/2003), para exercer os direitos do consumidor sem encargos (art.s 1°-B e 4° DL 67/2003), e nos restantes 8 anos vigora uma garantia voluntária (art.9° DL 67/2003), que como tal, poderia ser onerosa e/ou acarretar encargos para o Consumidor, mas para isso teria de discriminar nessa publicidade todos os encargos, nomeadamente os relativos a transporte, mão-de-obra e material.
AD) Como as referidas garantias publicitadas de 10 anos, não mencionam que são onerosas, nem que têm encargos, não pode o declarante prestador das garantias, vir cobrar o que não publicita que cobra.
AE) Fundamenta ainda a Sentença a quo,
«É certo que a autora alegou que o prazo de garantia em causa seria de 10 anos e que se verifica uma desconformidade do contrato em virtude de ter sido publicitado pela ré o prazo de garantia de 10 anos e de não ter sido cumprido esse mesmo prazo perante a manifestação da autora da falta de conformidade do bem. Contudo, face à factualidade provada (concretamente os factos descritos em 2. e 3.), e interpretando as características do frigorífico publicitadas pela ré, à luz das expectativas legítimas de um consumidor médio colocado na posição do destinatário real (artigo 236.º do Código Civil) e agindo de acordo com a boa fé (artigo 239.º do Código Civil), impõe-se concluir que não só da publicidade on-line efetuada pela ré resulta claro e evidente que a garantia de 10 anos apenas abrangia o “compressor” (...)»
Entende a Recorrente que há uma incorrecta aplicação das normas legais. Senão vejamos,
AF) Primeiro porque, da definição de garantia legal e de garantia voluntária dada pelo art. 1°-B do DL 67/2003, e do art. 6° da Directiva Europeia 1999/44/CE, resulta que, ambas as garantias, legal e voluntária compreendem a respectiva publicidade.
AG) Segundo porque, a Sentença, coloca no consumidor o dever de interpretar a publicidade do Produtor de forma diversa da palavra escrita, invocando para isso o art. 236° do CC, indo contra as disposições da legislação do consumo, que deve prevalecer. Decorrendo da Sentença que, o consumidor tem de interpretar e concluir que a característica concreta do Combinado “10 anos de garantia” é redundante, e por conseguinte, vale como se estivesse escrito “2 anos de garantia”.
AH) Terceiro, continua a Sentença «(...) (sendo que a indicação das características concretas do frigorífico, designadamente a garantia de 10 anos mostra-se redundante face ao que é indicado em primeira linha de que os 10 anos de garantia eram apenas no compressor do aparelho), (...)». Quando, da publicidade (facto provado 2 e Doc. 2 da PI), não é correcto inferir que a característica concreta “10 anos de garantia”, parte integrante da lista das características concretas do Combinado, seja tida como redundante, e venha a ser restringida pela outra característica “10 anos de garantia no compressor” por considerar que esta última é indicada em primeira linha.
AI) Ora, quanto ao ser “redundante”, como algo mais amplo não é redundante face a algo mais restrito, é evidente que a característica mais ampla “10 anos de garantia”, não é redundante em relação à característica mais restrita “10 anos de garantia no compressor”, independentemente da ordem e posição em que sejam referidas na publicidade. E não o seu contrário como é fundamento na Sentença a quo.
AJ) Quarto porque, a Sentença também fundamenta, invocando o art. 239º do CC acoplado à expressão “agindo de boa fé”, o que jamais se pode conceder, visto que tal norma está fora do seu âmbito de aplicação por dispor somente na falta de disposição especial, o que não é o caso por se tratar de uma relação de consumo.
AK) Quinto porque, a legislação especial do consumo, não tem por princípio, desresponsabilizar, desonerar, os declarantes da publicidade (Vendedor e/ou Produtor), em detrimento dos direitos/ interesses do Consumidor, nomeadamente por omissões, imprecisões, falta de detalhe, mensagens geradoras de equívoco que possam induzir o Consumidor em erro. Ao invés, adopta medidas para protecção do consumidor desse tipo de situações. Cujos equívocos gerados, nomeadamente por declarações publicitárias, beneficiariam os seus declarantes em detrimento dos interesses do consumidor. Do que são exemplo, o art. 7° n°5 da LDC, a Consideração (21) da Directiva Europeia 1999/44/CE, e o Art. 9° n°5 do DL 67/2003. Assim, também por estas normas não se pode afastar a caraterística concreta “10 anos de garantia” no Combinado.
AL) Sexto, continua a Sentença, «(...) como se dúvidas houvesse o próprio rótulo do frigorífico tinha essa indicação, (...)». A este respeito, impugna-se a utilização que a Sentença faz deste rótulo, nomeadamente aquela para reforçar a fundamentação que afasta a característica concreta do Combinado “10 anos de garantia”, em virtude de, o rótulo em crise, que tem como conteúdo “Linear Compressor 10 years warranty” (cf. p.2 do Doc.4 da PI), não cumprir o requisito de que, “A informação ao consumidor é prestada em língua portuguesa.” estabelecido no art. 7°n°3 da LDC. Pois é certo que, este rótulo não está redigido em língua portuguesa. Requisito que, também é acompanhado pelos princípios estabelecidos nos n°s 3 e 4 do art. 7°, Princípio da licitude, do Código da Publicidade (DL 330/90, de 23 de Outubro).
AM) Sétimo, continua a Sentença, «(...) ao que acresce que do teor do pedido de assistência técnica efetuado pela autora (facto descrito em 9.), também se infere que a própria autora tinha plena consciência que a garantia apenas abrangia o compressor do frigorífico, alegado inclusivamente que a avaria era exatamente nesse componente.» Ora, perante o facto provado 9, esta inferência não está correcta, pois neste pedido de assistência, a Autora vem accionar a garantia de “10 anos no compressor” enquanto característica concreta do Combinado contida na publicidade da Ré. O que fez na sequência dos factos provados 7 e 8. Pois, em 23/03/2016 data do facto 9, a Autora já tem conhecimento do que a Ré lhe informou no facto provado 8. Informação que, recebeu da Ré na sequência do facto provado 7.
AN) O que não significa que a Autora concorde com o entendimento da Ré, de que a garantia do Combinado era apenas de 2 anos. Mas que, perante tal entendimento da Ré, a Autora veio accionar a garantia que a Ré considera estar a decorrer, a de “10 anos no compressor”.
AO) Oitavo, quanto à alegada garantia do compressor, é incorrecto a Sentença a quo concluir que, esta é uma garantia voluntária nos termos da al. g) do art. 1.°-B do DL n° 67/2003, e que foi efetivamente prestada uma garantia adicional pela Ré de 10 anos no compressor. Isto porque,
(1) Conclui a Sentença que, a garantia voluntária adicional à garantia legal é de 10 anos, quando ao ser dada uma garantia de 10 anos, sendo a legal de 2 anos, apenas restam 8 anos de garantia voluntária adicional à legal;
(1) Apesar de classificar a alegada garantia do compressor como garantia voluntária nos termos do art. 1.°-B do DL 67/2003, ignora os requisitos legais das garantias voluntárias, previstos no art. 9° do mesmo DL 67/2003; e
(2) Considera que, foi efectivamente prestada uma garantia adicional pela Ré de 10 anos para o compressor. Quando, face aos factos provados 2 e 10 e aos requisitos legais das garantias voluntárias e suas implicações, resulta que, nem mesmo a garantia de 10 anos no compressor que a Ré alega cumprir, cumpre. Pois, vem alegar que, essa garantia é só para a peça compressor e cobra tudo o demais – como seja mão-de-obra, deslocações, todas as peças que não peça do compressor, etc.. – encargos estes que na publicidade referente à garantia não informou que cobrava, o que colide com os requisitos do art. 9°.
AP) Conclui-se que, a despeito do publicitado pelo Produtor (cf. facto provado 2), e de acordo com o versado sobre garantias e obrigações do Produtor, face aos factos provados 7 e 8, se demonstra que, a Ré incumpriu culposamente a obrigação de prestar a garantia voluntária adicional de 8 anos no Combinado sem encargos. Pois, aquando do pedido de assistência técnica em 14/10/2015, ou seja, decorridos menos de 4 anos da aquisição do combinado em 23/03/2012 (facto provado 1). E portanto, dentro do prazo de garantia de 10 anos no Combinado, no que respeita à garantia voluntária adicional de 8 anos, a Ré recusou-se a prestar assistência técnica livre de encargos, alegando que o Combinado estava fora do prazo de garantia, mas que a Autora podia solicitar orçamento para a reparação (factos provados 7 e 8).
AQ) Conclui-se também que, a despeito do publicitado pelo Produtor (cf. facto provado 2) de acordo com o versado sobre garantias e obrigações do Produtor, face aos factos provados 9 e 10, se demonstra que, a Ré incumpriu culposamente a obrigação de prestar a garantia voluntária adicional de 8 anos no Compressor sem encargos. Pois, aquando do pedido de assistência técnica em 23/03/2016, ou seja, decorridos 4 anos da aquisição do combinado em 23/03/2012 (facto provado 1). E portanto, dentro do prazo de garantia de 10 anos no Compressor, no que respeita à garantia voluntária adicional de 8 anos, a Ré recusou-se a prestar assistência técnica livre de encargos, alegando que “(...) o período de 10 anos de garantia é só para a peça “compressor” e por isso cobra tudo o demais – mão-de-obra, deslocações, todas as peças que não peça do compressor, etc. (...)” (factos provados 9 e 10).
AR) Assim, demonstrado que está o incumprimento culposo por parte do devedor (Produtor, Ré) da Obrigação de prestar a(s) garantia(s), torna-se este responsável pelo prejuízo que causa ao credor, Autora, aqui Recorrente (art. 798° do CC).
AS) Mais, também no âmbito das Obrigações em Geral, e portanto, também aplicável à relação jurídica entre Consumidor e Produtor, está prevista a obrigação de indemnização nos artigos 562° a 572° do CC.
AT) Portanto, por estes normativos, o Produtor é responsável pelo prejuízo/dano que causa ao Consumidor, bem como, por reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
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Não foram juntas contra-alegações
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Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artº663 nº2 ,608 nº2.635 nº4 e 639nº1 e 2 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso  ,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, o que aqui está em causa é impugnação da decisão referente à seleção da matéria de facto e subsunção dos factos ao direito, nomeadamente a qualificação jurídica da relação entre as partes…
1) – Impugnação da decisão sobre a selecção da matéria de facto
O apelante entende que os factos não provados sob as alíneas d) e) f) g) h) e i) devem ser considerados provados, tanto mais que entram em contradição com os factos provados 15º,16º,17º,18º,19º e 20º.
Sustenta a sua posição na avaliação crítica da fundamentação, mas não indica quaisquer outros meios de prova que apoiassem o alegado.( sublinhado nosso)
Decorre do artº 640 CPC que o apelante não satisfaz o ónus impugnatório quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida.
E, para que o ónus a cargo do recorrente seja cumprido é também necessário, isto é, exige-se ao recorrente, uma análise crítica da prova invocada, em confronto com o que consta da motivação da sentença, que permita justificar a alteração da decisão proferida sobre os factos[1].
Nem se diga que esta é uma perspectiva demasiado formalista ou exigente para a Recorrente pois que as sucessivas alterações legislativas vieram acentuar esta exigência a cargo da Recorrente, no que concerne à impugnação da matéria de facto, tanto que se o Recorrente não cumprir os ónus que lhe estão cometidos, deverá o recurso ser rejeitado imediatamente.
Ora, quando se verifica uma falta de conclusões sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quando existe uma falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que a recorrente considera incorrectamente julgados e quando se verifica também uma falta de especificação dos concretos meios probatórios e uma falta de posição expressa sobre o resultado pretendido, uma análise crítica da prova, as conclusões são deficientes impondo-se a rejeição do recurso (quanto á pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto).
No que respeita à alegada contradição entre factos provados e não provados ,importa salientar que a resposta de “não provado” significa que nada se apurou ,quer num sentido ,quer noutro.
Além do mais, da factualidade apurada não decorre qualquer das situações descritas na factualidade não apurada. E nem se diga que do facto provado nº 15 decorria, necessariamente, a situação descrita na alínea i) da matéria não apurada; note-se que redacção da alínea i) não referencia a situação descrita nesse ponto, sendo de admitir as razões aludidas na fundamentação.
Por isso, não existe qualquer contradição.
Finalmente, quanto à alegada omissão dos danos peticionados :
--o apelante limita-se a estabelecer uma valoração de determinadas situações, mas desconhecemos em que critérios baseia a quantificação[2]. Além do mais, esta quantificação será matéria de direito e não de facto, pelo menos no que respeita aos danos morais.
Termos em que improcedem as conclusões atinentes à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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2) Subsunção dos factos ao direito : qualificação da relação jurídica entre a A e a R.
A causa de pedir alegada reside na responsabilidade do produtor do frigorífico- combinado que a autora adquiriu, na qualidade de consumidora, pelo não cumprimento do prazo de garantia de 10 anos; sendo certo que existe falta de conformidade do bem , e não pagamento do valor pago ,dentro do prazo de 14 dias ; cf artº artº/s 18º a 23º da pi.
Tudo isto, sem prejuízo da indemnização por danos patrimoniais e morais.
Concordamos com a subsunção jurídica efectuada pela Sr.ª Juíza:
--o litígio insere-se no âmbito do Decreto-Lei n° 67/2003, de 8/4[3] , Dl n.º 383/89, de 06 de Novembro conjugado com a Lei nº 24/96 de 31/7 ( Lei de defesa do consumidor),porquanto está em causa uma relação jurídica de consumo.( sublinhado nosso)
Não descuramos que ,não obstante a Lei do Consumidor ter como objectivo primordial proteger os consumidores, reconhecendo-lhe direitos e transpondo para o nosso ordenamento jurídico a Directiva nº 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, nada impedia a autora de fundar a sua pretensão no direito comum e não no regime especial daquele diploma A própria Directiva no nº1 do seu artigo 8º, refere que o exercício dos direitos resultantes da presente directiva não prejudica o exercício de outros direitos que o consumidor possa invocar ao abrigo de outras disposições nacionais relativas à responsabilidade contratual ou extracontratual e, mesmo no regime do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, existe uma harmonização com as regras definidas pelo Código Civil para a venda de coisas defeituosas.
Porém, o que ressalta da pi é que a Autora é consumidora: adquiriu um bem para utilização nas actividades domésticas . E a R produtora[4]  ,porquanto o frigorífico é dessa marca.
 Deste modo , o quadro legal é o adoptado pela Srª Juíza:
“….Estabelece-se no artigo 2.°, n° 1, do Decreto-Lei 67/2003 de 8/4, a regra de que os bens devem   ser conformes com o contrato de compra e venda, enunciando o n° 2 do mesmo normativo os casos em que se presume que os bens de consumo não são conformes com o contrato.
O  vendedor responde pelo “defeito” existente no momento em que entrega o bem ao consumidor, estabelece-se a presunção de que os “defeitos” (faltas de conformidade) manifestados nos aludidos prazos a partir da entrega já existiam nessa data. A não ser assim, o consumidor suportaria um duplo ónus: por um lado teria de alegar e provar a falta de conformidade e, por outro lado, teria de alegar e provar que o defeito, embora manifestado ou exteriorizado em momento ulterior, já se verificava aquando da entrega do bem.
Esta presunção legal de que o defeito já se verificava à data da entrega do bem não é aplicável quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade (artigo 3.1), n1) 2, “in fine”, do Decreto-Lei 67/2003 de 8/4). Aqui o legislador terá tido, sobretudo, em consideração os casos em que o bem esteja sujeito a um prazo de validade ou de consumo mais curto….”
Acresce ainda que está igualmente prevista no artigo 6º nº1 do mencionado diploma legal, a responsabilidade direta do produtor perante o consumidor, restrita porém à reparação ou substituição da coisa defeituosa[5], ou seja, para a reposição da conformidade num bem de consumo prestado em desconformidade com o contrato: a norma refere-se a coisa defeituosa e não a falta de conformidade com o contrato.
 O objetivo é claramente optar nesta sede por uma conceção objetiva de defeito, não relevando as circunstâncias concretas relativas ao contrato celebrado. Uma vez que o produtor não é parte no contrato com o consumidor, considera-se que não é responsável por qualquer falta de conformidade que resulte das declarações dos contraentes. Daí que os direitos de redução do preço e de resolução do contrato não possam ser exercidos, dado não existir contrato entre consumidor e produtor, passível de ser resolvido ou de ver reduzida a prestação.
Porém, deve considerar-se incluída no conceito de defeito qualquer falta de conformidade derivada de elementos contratualmente relevantes que resultem de declarações do produtor, situação bastante comum
Refira-se, porém, que independentemente de se optar por demandar o vendedor ou o produtor, as condições e os prazos de responsabilidade são os mesmos.
De resto, decorre dos artigos 5°, n°s 1, e 5°-A, n°s 1 e 4, do DL 67/2003, de 8 de Abril, grosso modo, que o prazo da garantia, tratando-se de coisa móvel, é de dois anos a contar da entrega do bem, e os direitos do consumidor caducam na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor e se não forem exercidos nesse prazo, o qual se suspende durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens com o objetivo de realização das operações de reparação ou substituição, bem como durante o período em que durar a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao vendedor ou ao produtor.
Mas, para além do produtor responder diretamente perante o consumidor, ao abrigo do supra citado artigo 6.° do DL 67/2003, pela reposição da conformidade na coisa vendida pelo profissional, o produtor também é responsável pelos danos resultantes de morte ou lesão pessoal e pelos danos causados em coisa diversa do bem defeituoso, independentemente de culpa, nos termos do DL n° 383/89, de 6 de novembro[6], que prevê o regime jurídico da responsabilidade objetiva do produtor decorrente de produtos defeituosos[7].
Já tivemos ocasião de salientar que,  a par dos meios de tutela enunciados na Diretiva e nos Decretos-Lei acima mencionados, o consumidor goza também do direito a ser indemnizado, podendo esta faculdade ser usada isoladamente ou em conjunto com outros direitos, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. É que, apesar de não estar previsto na Diretiva, o direito a indemnização deve considerar-se aplicável por recurso às regras gerais, nomeadamente, conforme previsão expressa do artigo 12.º, nº 1, da Lei 24/96 de 31/7, uma vez que a Diretiva tem por objetivos a definição de um conteúdo mínimo de proteção do consumidor e a fixação de regras uniformes da União Europeia. Sucede, porém, que este dever de indemnizar o consumidor apenas está consagrado na relação jurídica com o vendedor, resultando dos princípios gerais do cumprimento e incumprimento dos contratos (artigos 798.º e seguintes do Código Civil) e também do artigo 12.º, nº 1, da Lei de Defesa do Consumidor, sendo que relativamente ao produtor apenas está consagrado o dever de indemnizar no Decreto Lei nº 383/89, de 06 de novembro, em particular nos respetivos artigos 1º e 8º, exigindo-se que o defeito ponha em causa a segurança das pessoas ou bens, ao abrigo de responsabilidade civil extracontratual e aplicando-se os pressupostos gerais desta figura, com a especificidade de se prescindir da culpa.[8]
Voltando à factualidade…
Como questão prévia, há que relembrar que o litígio se insere na relação consumidor – produtor , tal como a delineamos e como já tínhamos assinalado.
A autora adquiriu um frigorífico a 23.03.2012, o qual lhe foi entregue em data não concretamente apurada do mês de março de 2012, e que apenas a 14.10.2015 (decorridos mais de três anos desde a entrega do equipamento) registou um pedido de assistência técnica em virtude do combinado acumular gelo por baixo das gavetas do congelador, ou seja,
Por isso , no momento em que foi comunicada a manifestação do defeito já tinham decorrido os dois anos de garantia legal do frigorífico desde a data em que o mesmo foi entregue, pelo que afastada estava a obrigação da ré de proceder à reparação ou substituição do frigorífico ( artº 6 nº1 do DL 67/2003)
No entanto ,da conjugação da factualidade vertida nos pontos 2 e 3 damos conta que foi estabelecida uma outra garantia de 10 anos:  não temos dúvidas que se trata , assim, de uma garantia voluntária, nos termos definidos na alínea g) do nº1 artº 1-B DO Dl nº 67/2003
Com efeito, tratou-se e um compromisso assumido pelo produtor de reparar ou substituir o eletrodoméstico, caso este não funcionasse em conformidade com o publicitado, independentemente do prazo geral .
À luz do artº 9 do mesmo diploma ,a garantia voluntária deve ser redigida de forma clara e objectiva em língua portuguesa, e entregue ao consumidor por escrito ou em qualquer outro suporte duradouro a que aquele tenha acesso.
Nela devem constar as seguintes menções:
“…..3 - A garantia, que deve ser redigida de forma clara e concisa na língua portuguesa, contém obrigatoriamente as seguintes menções:
a) Declaração de que o consumidor goza dos direitos previstos no presente decreto-lei, e na demais legislação aplicável, e de que tais direitos não são afectados pela garantia;
b) A informação sobre o carácter gratuito ou oneroso da garantia e, neste último caso, a indicação dos encargos a suportar pelo consumidor;
c) Os benefícios atribuídos ao consumidor por meio do exercício da garantia, bem como as condições para a atribuição destes benefícios, incluindo a enumeração de todos os encargos, nomeadamente aqueles relativos às despesas de transporte, de mão-de-obra e de material, e ainda os prazos e a forma de exercício da mesma;
d) Duração e âmbito espacial da garantia;
e) Firma ou nome e endereço postal, ou, se for o caso, electrónico, do autor da garantia que pode ser utilizado para o exercício desta.”
Note-se que se consideram integradas nas condições da garantia voluntária todas as informações concretas constantes da publicidade veiculada pelo autor da garantia.
Caso a garantia não contenha estas menções , tal não significa que o vendedor /produtor não esteja obrigado a cumprir quer as condições da garantia legal quer o que adicionalmente tenha prometido ao consumidor.( cf nº 5 do artº 9).
Porém, nesta última hipótese há que apelar ao ónus de prova do real alcance da garantia, que incumbe ao consumidor nos termos do artº 342 nº1 do CC .
A questão colocada pelo apelante prende-se com a interpretação acerca da abrangência desta proteção , já que se verificaria   uma desconformidade do contrato em virtude de ter sido publicitado pela ré o prazo de garantia de 10 anos e de não ter sido cumprido esse mesmo prazo perante a manifestação da autora da falta de conformidade do bem.
Concordamos com o explanado na decisão, a este respeito:
“…face à factualidade provada (concretamente os factos descritos em 2. e 3.), e interpretando as características do frigorífico publicitadas pela ré, à luz das expectativas legítimas de um consumidor médio colocado na posição do destinatário real (artigo 236.1) do Código Civil) e agindo de acordo com a boa fé (artigo 239.1) do Código Civil), impõe-se concluir que não só da publicidade on-line efetuada pela ré resulta claro e evidente que a garantia de 10 anos apenas abrangia o “compressor” (sendo que a indicação das características concretas do frigorífico, designadamente a garantia de 10 anos mostra-se redundante face ao que é indicado em primeira linha de que os 10 anos de garantia eram apenas no compressor do aparelho), como se dúvidas houvesse o próprio rótulo do frigorífico tinha essa indicação, ao que acresce que do teor do pedido de assistência técnica efetuado pela autora (facto descrito em 9.), também se infere que a própria autora tinha plena consciência que a garantia apenas abrangia o compressor do frigorífico, alegado inclusivamente que a avaria era exatamente nesse componente…”
À luz do artº 7 nº5 da lei nº 24/96  as informações concretas e objetivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado bem, serviço ou direito consideram-se integradas no conteúdo dos contratos que se venham a celebrar após a sua emissão, tendo-se por não escritas as cláusulas contratuais em contrário. Por isso, a Sr.ª Juíza teve em conta essas referencias publicitárias, interpretando-as à luz do preceituado nos artº/s 236 e 239 do CC ,como normas de interpretação e integração negocial.
E sustentando essa mesma interpretação, a Sr.ª Juíza também teve em conta o próprio comportamento da R, tal como consta do ponto 9º. Comportamento este compreensível na medida em que a Autora, anteriormente, já sabia que o equipamento estava fora de prazo ( cf ponto 8º).
Além do mais, como facto essencial , não pode a apelante omitir que não se apura qualquer anomalia do referido compressor .
Termos em que improcedem todas as conclusões .
                                                  ***
Síntese : entre A e R foi estabelecida uma relação de consumo ,em que a primeira é consumidora e o último produtor.
Relativamente ao produtor apenas está consagrado o dever de indemnizar à luz do artigos 1º e 8º do Dl nº 383/89 de 6 de Novembro.
                                                    **
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmam a decisão impugnada.
Custas pela apelante

LISBOA,14/11/2019
TERESA PRAZERES PAIS
RUI VOUGA.
ISOLETA COSTA
_______________________________________________________
[1] Cf. Ac STJ de 27-9-2018 in DGSI
[2] cf. ,a título de exemplo ,o artº 34 da pi.
[3] Com as alterações introduzidas pelo DL n° 84/2008, de 21.05. Este diploma foi objecto da transposição da Directiva 1994/44/CE
[4] “….o fabricante de um bem de consumo, o importador do bem de consumo no território da Comunidade Europeia ou qualquer outra pessoa que se apresente como produtor através da indicação do seu nome, marca ou outro sinal identificador do produto. ”decisão impugnada.
[5] Artigo 6.º
Responsabilidade directa do produtor
1 - Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição, salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.
[6] Cf .Artigo 1.º
Responsabilidade objectiva do produtor
O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação
[7] Nos termos do artigo 4° deste diploma “Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação.”
[8]Cf Ac STJ de 14/3/2019 in DGSI