Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
29303/23.4YIPRT.L1-6
Relator: JOÃO MANUEL P. CORDEIRO BRASÃO
Descritores: APREENSÃO DE BENS
INSOLVÊNCIA
PROCESSO CRIME
CONTRA-ORDENAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Um dos efeitos da insolvência é a apreensão dos bens do devedor, que sejam susceptíveis de serem penhorados, com excepção dos bens que se encontrem apreendidos em processo penal ou contra-ordenacional, por virtude, respetivamente, de infração criminal ou de mera ordenação social (artigo 149º do CIRE);
- É certo que há jurisprudência no sentido de que existe o dever de entregar à massa insolvente montante detido a título de caução – cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-04-2024, proferido no proc. 2155/22.4T8BRG.G1, versão integral em www.dgsi.pt-, no entanto, tal jurisprudência foi construída para situações em que sendo insolvente o subempreiteiro, devem ser objecto de apreensão em processo de insolvência daquele as quantias que eram devidas a título de parte do preço devido pela execução da obra da subempreitada, retidas pelo empreiteiro como caução para garantia do bom cumprimento da obra durante o prazo de garantia;
- Em cenário distinto, não se afigurando a existência de um incumprimento do contrato celebrado entre recorrente e recorrida no que toca ao pagamento do preço, mas sim de garantia de créditos de entidades terceiras - neste caso, entidades públicas nevrálgicas na cobrança de impostos e contribuições imperativas para qualquer cidadão/entidade a operar em território nacional- e, cuja satisfação, por parte da recorrida, obedece a um regime de solidariedade passiva que deriva de regime legal, previsto no art.60º-B, da Lei nº 46/2019 de 8 de julho, não existe o dever de entrega da caução à massa insolvente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. O relatório

A Massa Insolvente de P…, SA., devidamente identificada nos autos, intentou procedimento de injunção contra a N… SA., pedindo a condenação desta a pagar-lhe o montante de €159.321,24, valor de capital, acrescido do montante de €18.354,49, a título de juros vencidos e dos juros vincendos a contar da citação e até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, refere que a R. não lhes pagou os serviços de vigilância que lhe prestou, nos termos do contrato a que estão vinculadas, no período de 1 de fevereiro de 2021 a maio de 2022, mau grado lhe ter faturado esses serviços e de a tanto a ter impetrado. Juntou documentos e arrolou testemunhas.
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Em razão da oposição àquele procedimento por parte da R., os autos transmutaram-se para ação comum.
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Proferiu-se o despacho com a refª 55196170, na sequência do qual a A. veio apresentar a peça com a refª 5193392, mantendo, nessa sequência a R. a oposição que já tinha feito confluir nos autos e que está na refª 55165354.
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Na sua oposição a R. excepcionou: a preterição da cláusula de arbitragem obrigatória; a sua ilegitimidade passiva por estar na lide desacompanhada da outra obrigada no contrato e aduziu a causa do não pagamento, impugnando, para lá disso, os factos alegados.
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A A., na peça com a refª 5193392 respondeu às excepções que foram levantadas pela R. na oposição.
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Findos os articulados, foi dispensada a audiência prévia; foi proferido o despacho saneador, no qual:
. decidiu-se pela improcedência as excepções de preterição da cláusula de arbitragem e ilegitimidade passiva da R.;
. deram-se por verificados os pressupostos processuais e como inexistentes quaisquer obstáculos adjetivos à procedência, relegando-se para final o conhecimento da excepção relaccionada com o não pagamento;
. fixou-se o valor à ação, circunscreveu-se o objecto do litígio e apontaram-se os temas de prova; e admitiram-se os meios de prova apresentados pelas partes.
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Procedeu-se a julgamento nos termos legais como decorre da respetiva acta
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Por decisão de 08/04/2024, foi proferida sentença com o seguinte conteúdo decisório:

Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, nessa sequência, determino que a R. N… SA. devolva à A. a A Massa Insolvente de P…, SA. o valor que reteve e correspondente aos 2/12 do total mensal que pagou aos trabalhadores/vigilantes adstrito à execução do contrato e que haverá de ser apurado em sede de execução de sentença – art.º 609º, n.º 2 do CPC - a que acrescerão os juros legais cíveis a contar da citação e até integral pagamento.
No mais vai a N… SA. Absolvida.

Inconformada, Massa Insolvente de P…, SA. interpôs recurso de apelação para esta Relação e formulou na sua alegação as seguintes conclusões:

1. Deve ser aditado à matéria de fato provada, o seguinte facto:
a. A ré não reclamou qualquer crédito no processo de insolvência da sociedade P…. S.A. da qual resulta a atual Massa Insolvente ora autora.
1. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida são as declarações de parte do legal representante que a instâncias do mandatário da autora declarou que, não tinha feito qualquer reclamação de créditos.

2. O tribunal a quo julgou parcialmente procedente a ação, absolvendo, a ré do pagamento de 30% do preço que era devido à Autora, pela prestação de serviços da sociedade P… S.A. da qual resulta a Massa Insolvente, considerando legitima a retenção que a ré operou, desse mesmo valor, atento que havia sido contratualizado que a ré poderia reter essas importâncias, em face da possibilidade de lhe vir a ser exigido, solidariamente com a autora, o pagamento por dividas à AT e a SS, dos trabalhadores que eram da autora e prestaram serviços para a ré.

3. Decidiu mal o tribunal “a quo” porque:
a. A partir da decretação da insolvência da sociedade P... S.A., e em face da ré não ter reclamado qualquer crédito, e dado que, o seu putativo crédito quando muito seria apenas potencial, ou uma expectativa e não estando demonstrado, não existe, sequer para efeitos do artigo 50 do CIRE, como condicional, deve considerar-se assim caduca a garantia prestada.
b. Por outro lado, não tendo a ré demonstrado que existia divida, fosse esta ao Estado ou à Segurança Social, referente aos concretos trabalhadores que constam da listagem anexo à adenda do contrato de prestação de serviços, celebrado entre a P... S.A. e a ré, o tribunal “ a quo” não podia ter considerado que uma hipotética existência de divida à SS e ao ESTADO, por parte da sociedade P... S.A. diz efetivamente respeito aos trabalhadores que prestaram serviço no âmbito do contrato celebrado com a referida P... S.A. e logo, não pode concluir-se que estaria concretizada a condição inerente à manutenção da garantia de caução que havia sido prestada.
c. Por outro lado, na medida em que a AT e a SS demonstraram e a SS declarou até expressamente que não existe possibilidade de ser feita a relação entre os créditos que são devidos a cada uma das referidas entidades pela sociedade P... S.A e os créditos que seriam devidos por referência aos trabalhadores que se encontram identificados na listagem referida, não pode considerar-se, legitima, e ou eficaz, a retenção que a ré realizou de 30’% do supra referido valor, nos termos e para os efeitos da estabelecida no artº.60ºB, da Lei nº.46/2019, de 8 de julho (que procede à primeira alteração da Lei nº.34/2013, de 16 de maio) dado que, se a entidade que poderia exigir o crédito não o consegue fazer, não existe crédito, que por responsabilidade solidária possa ser exigido à ré.
d. E não faz sentido, ficar a aguardar-se que se verifique a prescrição dos referidos créditos por banda da AT e da SS para só então nessa altura considerar-se que a ré fica então constituído na obrigação de entregar o valor retido, porque à data, pelo menos da decretação da insolvência e da instauração da ação, não existe qualquer crédito da ré sobre a autora a legitimar o direito de retenção sobre valores que pertencem à massa insolvente.
e. Por fim, quando, assim não se entendesse, ainda assim o pedido deveria ter sido julgado procedente, ficando relegado para execução de sentença, à medida que fosse feita a demonstração da inexistência de dividas à AT e SS mas apenas por referência aos 12 trabalhadores que constam da listagem em anexo à Adenda ao Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a sociedade P... S.A. e a ré,
f. sendo ainda que, o prazo máximo para que a garantia se pudesse manter seria o prazo de caducidade dos tributos a serem exigidos à ré, isto é atendendo a que a AT e a SS para poderem exigir algum valor à ré terão de fazer a demonstração dos requisitos necessários para fazer funcionar a responsabilidade solidária, e que apenas o poderão fazer no prazo de caducidade dos tributos na relação com a própria ré, seria este sempre o prazo máximo que a ré poderia manter a garantia e não já o prazo de prescrição dos tributos a serem exigidos à Autora.
g. Deve pois o decidido pelo venerando tribunal “ A quo” ser alterado, por outra decisão que julgue totalmente procedente o pedido, ou que pelo menos condene a ré a pagar em execução de sentença, quando seja pela autora demonstrado a inexistência de divida à AT e ou à SS referente aos 12 trabalhadores que constam da listagem em anexo à Adenda do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a sociedade P... S.A. e a ré e ou logo que se encontre decorrido o prazo de caducidade dos tributos, isto é, logo que decorra o prazo de 4 anos desde a data de vencimento dos créditos e estes não sejam exigidos à ré nesse prazo.

***

N…, ré recorrida apresentou contra alegações, nas quais deduziu as seguintes conclusões:

a) O objeto do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões.
b) Salvo o devido respeito, parece-nos que as conclusões das, aliás doutas, alegações de recurso, estão longe de pôr em crise a decisão recorrida, como se demonstrará.
c) Em primeiro lugar, pretende a recorrente que seja aditado um facto: que a ré não reclamou o crédito junto do processo de insolvência da ora autora.
d) Tal não poderá ocorrer por duas ordens de razões: uma primeira porque a recorrente não cumpre com o ónus de impugnação da matéria de facto previsto no art.º 685.º B n.ºs 1 e 2 do CPC;
e) Em segundo lugar porque tal facto é absolutamente irrelevante para a decisão do caso concreto.
f) Resulta provado, e o recurso não põe em crise tal facto que ambas as partes pretenderam e condicionaram o aditamento ao contrato de prestação de serviços sob a condição de que os 30% dos pagamentos fossem retidos a título de garantia;
g) Tal garantia destinava-se a assegurar o pagamento dos salários aos trabalhadores da recorrente (que em determinado período vieram a ser pagos pela recorrida) e a assegurar o pagamento das obrigações sociais da recorrente (retenção na fonte, quotizações e contribuições para a segurança social);
h) Tratou-se inequivocamente de uma garantia, equiparável a uma caução conforme bem ajuizou o tribunal recorrido.
i) Sendo uma garantia prestada na vigência do contrato e nele expressamente consagrada (e repete-se, não posta em crise pelo presente recurso) a mesma subsiste após a declaração de insolvência.
j) E não se transforma num crédito condicionado, que deveria ter sido reclamado,
conforme pretende a recorrente.
k) Mantem a sua autonomia e continua em vigor, ainda que tenha sido prestada como um depósito (nos termos do artigo 623.º n.º 1 do CC) por meio das retenções de 30% dos pagamentos que eram devidos à recorrente.
l) A recorrida sempre se disponibilizou a libertar parte dessa “caução” desde que a recorrente demonstrasse que estavam reunidas as condições para tal.
m) A recorrente não só não logrou provar que não existiam dividas como ficou provado que existiam dividas avultadas à Autoridade Tributária e à Segurança Social.
n) Com a configuração que foi dada o litígio esse ónus da prova competia à recorrente e não à recorrida.
o) Pelo que, nenhuma censura merece a decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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II. Objecto e delimitação do recurso

Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável).
Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, as questões a resolver são as seguintes:
- impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- se, perante adenda ao contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes, a ré/recorrida assumiu-se como responsável solidária perante entidades terceiras – Administração Tributária e Segurança Social- para o efeito constituindo provisões, a título de caução, em beneficio destas;
- impacto jurídico da declaração de insolvência da autora/recorrente nas obrigações assumidas pela ré.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
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III. Os factos

Recebeu-se da 1ª instância o seguinte elenco de factos provados e não provados:

A) Factos Provados

1. A P..., SA. era uma sociedade que se dedicava à prestação de serviços de vigilância e no exercício da sua atividade comercial, celebrou, em 24 de junho de 2008, com a R. e com a sociedade T…, Lda., um contrato de prestação de serviços de vigilância;

2. No âmbito do contrato apontado em 1. foram-lhe adjudicados diversos serviços de vigilância sempre requisitados por escrito pela R., através do envio das requisições a que se referem os números, 67/21; 254/21; 334/21; 463/21; 581/21; 736/21; 88/21; 977/21; 110/21; 1188/21; 1272/21; 59/22; 124/22; 334/22 e 461/22;

3. Os serviços de vigilância foram prestados, para o que aqui importa, no período compreendido entre 1 de fevereiro de 2021 e maio de 2022 e não foram objeto de qualquer reclamação por parte da R.;

4. Quanto a tais serviços a P..., SA. emitiu e enviou à R. as seguintes faturas:
i. Fatura n.º FVI n.º 2021/67 datada de 01/02/2021 com vencimento em 03/04/2021, relativa aos serviços prestados no mês de fevereiro de 2021, sendo que do seu valor total de €22.024,68 a R. não lhe pagou o montante de €3.641,09;
ii. Fatura n.º FVI n.º 2021/120 datada de 01/03/2021 com vencimento em 30/04/2021, relativa aos serviços prestados no mês de março de 2021, não lhe tendo a R. pago o respetivo valor de €22.024,68;
iii. Fatura n.º FVI n.º 2021/175 datada de 01/04/2021 com vencimento em 31/05/2021, relativa aos serviços prestados no mês de abril de 2021, sendo que do valor total de €22.024,68 a R. não lhe pagou o montante de €9.443,01;
iv. Fatura n.º FVI n.º 2021/233 datada de 03/05/2021 com vencimento em 02/07/2021, relativa aos serviços prestados no mês de maio de 2021, sendo que do valor total de €22.024,68 a R. não lhe pagou o montante de €9.125,32;
v. Fatura n.º FVI n.º 2021/279 datada de 01/06/2021 com vencimento em 31/07/2021, relativa aos serviços prestados no mês de junho de 2021, sendo que do valor total de €22.024,68 a R. não lhe pagou o montante de€8.279,95;
vi. Fatura n.º FVI n.º 2021/347 datada de 02/07/2021 com vencimento em 30/08/2021, relativa aos serviços prestados no mês de julho de 2021, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não lhe pagou o montante de €7.926,09;
vii. Fatura n.º FVI n.º 2021/397 datada de 02/08/2021 com vencimento em 30/09/2021, relativa aos serviços prestados no mês de agosto de 2021, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não lhe pagou o montante de €7.565,87;
viii. Fatura n.º FVI n.º 2021/445 datada de 01/09/2021 com vencimento em 31/10/2021, relativa aos serviços prestados no mês de setembro de 2021, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não lhe pagou o montante de €8.127,11;
ix. Fatura n.º FVI n.º 2021/492 datada de 01/10/2021 com vencimento em 30/11/2021, relativa aos serviços prestados no mês de outubro de 2021, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não lhe pagou o montante de €9.428,00;
x. Fatura n.º FVI n.º 2021/541 datada de 02/11/2021 com vencimento em 31/12/2021, relativa aos serviços prestados no mês de novembro de 2021, sendo que do valor total de €21.651,38 a R não lhe pagou o montante de €11.363,52;
xi. Fatura n.º FVI n.º 2021/589 datada de 02/12/2021 com vencimento em 30/01/2022, relativa aos serviços prestados no mês de dezembro de 2021, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não lhe pagou o montante de €9.044,97;
xii. Fatura n.º FVI n.º 2022/7 datada de 10/01/2022 com vencimento em 02/03/2022, relativa aos serviços prestados no mês de janeiro de 2022, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não lhe pagou o montante de €9.229,35;
xiii. Fatura n.º FVI n.º 2022/48 datada de 01/02/2022 com vencimento em 02/04/2022, relativa aos serviços prestados no mês de fevereiro de 2022, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não pagou o montante de €9.774,64;
xiv. Fatura n.º FVI n.º 2022/89 datada de 02/03/2022 com vencimento em 30/04/2022, relativa aos serviços prestados no mês de março de 2022, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não pagou o montante de €7.084,57;
xv. Fatura n.º FVI n.º 2022/124 datada de 01/04/2022 com vencimento em 31/05/2022, relativa aos serviços prestados no mês de abril de 2022 não lhe tendo a R. pago o respetivo valor de €21.651,38;
e xvi. Fatura n.º FVI n.º 2022/172 datada de 02/05/2022 com vencimento em 01/07/2022, relativa aos serviços prestados no período compreendido entre 01 e 8 de maio de 2022, não lhe tendo a R. pago o respetivo valor de €5.773,63;

5. As faturas emitidas contêm o tipo de serviço prestado (Reforço de marinas e zonas comerciais; Central de segurança; Marina poente e Nascente; Terminal de passageiros/gare marítima; Zonas Comerciais pavilhão multiusos e passeios; Cota do cais e exterior à cota marginal; Posto de controlo acesso viaturas cais Ferries ilhas e Chefes de Grupo), as horas de vigilância realizadas, o preço unitário e o preço total com e sem IVA e foram enviadas para a R. que as aceitou, compreendeu que estavam de acordo com as nomenclaturas dos serviços prestados e nunca delas reclamou e venciam-se no prazo de 60 dias;

6. Por forma a obstar que os vigilantes da P..., SA., adstritos à execução do contrato nos termos apontados em 1. a 3., ficassem sem receber os seus salários e que houvesse incumprimento do contrato de prestação de serviços por parte desta para com a R. e a sua consorciada T…, Lda., foi, em 23.12.2020, feito um aditamento ao contrato acima apontado em 1., nos seguintes termos:
ADITAMENTO A CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Primeira Outorgante:
N…, S.A., com o número único de registo e de pessoa coletiva 512 017 271, com sede na Rua …, com o capital social de 400.000,00 € (quatrocentos mil euros) neste ato representada por C, portador do Cartão de Cidadão …., válido até 04 de Agosto de 2022, na qualidade de Administrador e M, com o Cartão de Cidadão …, válido até 26 de Fevereiro de 2028, na qualidade de Administrador, ambos com poderes para o ato, conforme Certidão do Registo Comercial apresentada.
Segunda Outorgante:
T… Lda., com o número único de registo e de pessoa coletiva …, com sede na …., com o capital social de 300.000,00 € (trezentos mil euros) neste ato representada por J, portador do Cartão de Cidadão N.º …, válido até 05 de Agosto de 2028, na qualidade de Gerente e F, portador do Cartão de Cidadão N.º 0…, válido até 21 de Novembro de 2027, na qualidade de Gerente, ambos com poderes para o ato, conforme Certidão do Registo Comercial apresentada.
Terceira Outorgante:
P..., S.A., com o número único de registo e de pessoa coletiva …, com sede …, Açores, com o capital social de 250.000,00 € (duzentos e cinquenta mil euros) neste ato representada por J, portador do Cartão de Cidadão N.º …, válido até 11 de Novembro de 2029, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, com poderes para o ato, conforme Certidão do Registo Comercial apresentada.
Considerando que:
a) A Primeira e Segunda Outorgantes, na qualidade de adjudicantes, celebraram em 24 de junho de 2008 com a Terceira Outorgante, na qualidade de adjudicatária, um «Contrato de Prestação de Serviços» de vigilância e segurança das Portas do Mar, em Ponta Delgada, ilha de São Miguel, pelo prazo de dois (2) anos, renovável por períodos iguais e sucessivos;
b) Os serviços prestados pela Terceira Outorgante são faturados à Primeira, que procede à respetiva liquidação;
c) Nos termos do disposto no artigo 60.º-B, da Lei n.º 46/2019, de 08 de Julho (que procede à primeira alteração da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio, que estabelece o regime de exercício da atividade de segurança privada) as entidades que contratem serviços de segurança privada passam a ser solidariamente responsáveis com as empresas de segurança privada (i) por facto ilícito ou pelo risco pelos danos causados pelo pessoal de segurança privada nas suas instalações e ao seu serviço (art.º 60.º-A); e (ii) por pagamentos devidos aos trabalhadores que prestem os serviços, bem como pelas obrigações contributivas em matéria fiscal e de segurança social (art.º 60.º-B);
d) Desde 07 de setembro de 2019, data de entrada em vigor do diploma acima referido, a Primeira e Segunda outorgante são solidariamente responsáveis com a Terceira pelos pagamentos devidos aos trabalhadores que executem o serviço convencionado, bem como pelas respetivas obrigações contributivas em matéria fiscal e de Segurança Social;
e) Desde o início do ano 2020, a Terceira Outorgante não tem liquidado pontualmente as retribuições aos seus trabalhadores, o mesmo sucedendo com as respetivas contribuições para a Autoridade Tributária e para a Segurança Social, o que tem causado sérios prejuízos no normal cumprimento do «Contrato de Prestação de Serviços» celebrado em 24 de junho de 2008, resultado da perda de recursos humanos/vigilantes que têm vindo a demitir, assim como a redução do empenho e disponibilidade dos vigilantes que ainda se mantêm no exercício das suas funções nas Portas do Mar;
f) A Primeira e Segunda Outorgantes temem ainda que, não obstante o pagamento pontual dos serviços contratados à Terceira Outorgante, a ausência de liquidação das retribuições aos trabalhadores desta, onde se incluem as obrigações fiscais e contribuições da segurança social, possa originar o acionamento da responsabilidade solidária da Primeira e Segunda Outorgantes, ao abrigo da Lei n.º 46/2019, de 8 de julho, o que se traduziria num elevado prejuízo financeiro;
g) Todas as Outorgantes têm intenção de prevenir eventuais litígios que acionem a responsabilidade solidária da Primeira e Segunda Outorgantes, relativamente à liquidação das retribuições dos vigilantes que fazem parte do quadro de pessoal da Terceira Outorgante, onde se incluem as obrigações fiscais e contribuições da segurança social, como forma de manter o «Contrato de Prestação de Serviços» adjudicado, sob pena de se proceder à resolução do mesmo com justa causa. Assim, e pelo supra exposto, as Outorgantes celebram, livremente e de boa-fé, o presente «Aditamento» às cláusulas quarta, sétima e décima do «Contrato de Prestação de Serviços» celebrado em 24 de junho de 2008, estipulando adicionalmente a cláusula décima quarta, nos termos seguintes:
Cláusula Quarta
1. As Outorgantes expressamente acordam que a Primeira Outorgante irá proceder ao pagamento dos vencimentos dos trabalhadores/vigilantes que exercem funções nas Portas do Mar, mediante transferências bancárias para as respetivas contas tituladas por cada um.
2. As Outorgantes expressamente acordam que os trabalhadores/vigilantes, categorias, recibos de vencimento e respetivos elementos de identificação bancária referidos no número anterior são os que constam do «Anexo» ao presente «Aditamento» que, rubricado pelas partes, faz parte integrante do presente documento.
3. Qualquer alteração da lista constante do «Anexo» referido no número dois apenas será válida após autorização escrita das Primeira e Segunda Outorgantes.
4. A Terceira Outorgante obriga-se perante a Primeira e Segunda Outorgantes a enviar-lhes mensalmente a informação dos valores líquidos de remunerações, bem assim como as declarações comprovativas de situação contributiva e fiscal regularizada referente aos trabalhadores constantes do anexo ao presente aditamento, emitidas, respetivamente, pela Segurança Social e pela Autoridade Tributária.
5. A Primeira Outorgante, nos pagamentos mensais que realizar à Terceira Outorgante na sequência da prestação de serviços acordada, procederá à retenção mensal de um valor igual a dois, doze avos (2/12) do total mensal pago aos trabalhadores/vigilantes, para constituir uma reserva para liquidar os valores das remunerações correspondentes aos subsídios de férias e de Natal nos meses que lhes correspondam.
6. Os serviços prestados pela Entidade Adjudicatária serão faturados à Primeira Outorgante, que procederá diretamente aos respetivos pagamentos, deduzindo os montantes liquidados nos termos do número um e as retenções previstas no número cinco da presente Cláusula e na Cláusula Sétima;
7. Caso a Terceira Outorgante não cumpra o disposto no número quatro desta Cláusula, a Primeira Outorgante reserva-se ao direito de reter nos pagamentos devidos à Terceira Outorgante os valores relativos às contribuições para a Segurança Social e para a Autoridade Tributária relativamente aos trabalhadores constantes do «Anexo» ao presente «Aditamento».
Cláusula Sétima
Uma vez que a Terceira Outorgante nunca prestou às Primeira e Segunda Outorgantes a caução estipulada na Cláusula Sétima do «Contrato de Prestação de Serviços» celebrado em 24 de junho de 2008, para garantia do exato e pontual cumprimento das obrigações assumidas no presente «Aditamento», a Primeira Outorgante, nos pagamentos mensais que realizar à Terceira Outorgante pela prestação de serviços contratada, procederá à retenção mensal de um valor igual a trinta porcento (30%) do valor de cada fatura.
 Cláusula Décima
1. Todas as Outorgantes expressamente acordam que constituem obrigações da Entidade Adjudicatária, para além das já acordadas, sob pena de resolução com justa causa do «Contrato» celebrado:
a) Não ceder a terceiros os créditos resultantes do «Contrato de Prestação de Serviços» celebrado em 24 de junho de 2008, nem os resultantes do presente «Aditamento»;
b) Não celebrar contratos de prestação dos mesmos serviços com quaisquer entidades utilizadoras dos espaços que constituem objeto do «Contrato» celebrado em 24 de junho de 2008;
c) Contribuir ativamente para a obtenção por parte das Entidades Adjudicantes da certificação de qualidade, ambiente e segurança das Portas do Mar;
d) Guardar sigilo quanto a todas as informações que venham ao seu conhecimento como consequência do «Contrato» celebrado e do presente «Aditamento» e/ou pela execução dos serviços contratados;
e) Comunicar de imediato às Entidades Adjudicantes de qualquer anomalia ou de qualquer evento relevante no âmbito da gestão das Portas do Mar, designadamente de reclamações que lhe sejam apresentadas;
f) Respeitar as orientações emanadas das Entidades Adjudicantes quanto à prestação de serviços e bem assim quanto às respostas a reclamações recebidas;
g) Reunir com as Entidades Adjudicantes sempre que para isso for solicitada;
h) Manter na execução do «Contrato» celebrado e do presente «Aditamento» todos os recursos humanos e equipamentos necessários ao seu integral e pontual cumprimento, não os desafetando ainda que temporariamente;
i) Comunicar às Entidades Adjudicantes a instauração de qualquer procedimento disciplinar a pessoal afeto ao serviço;
j) Substituir os trabalhadores que forem indicados pelas Entidades Adjudicantes, desde que seja por causa razoável;
k) Cumprir com as rotinas de comunicação que forem determinadas pelas Entidades Adjudicantes.
2. Sempre que a Entidade Adjudicatária for solicitada para prestar serviços da mesma natureza a utilizadores do espaço Portas do Mar, deverá comunicar de imediato às Entidades Adjudicantes, de forma a que tais serviços da mesma natureza sejam contratados por estas, que os incluirão no âmbito do «Contrato» celebrado em 24 de junho de 2008 nas condições que vierem a ser acordadas.
Cláusula Décima Quarta
O presente «Aditamento» tem início na data de assinatura do presente documento e o respetivo termo em 08 de maio de 2022.

7. Os valores não liquidados pela R. à A. por reporte às faturas que estão em 4., foram no, tal como a A. tem ciência disso, para constituição da garantia a que se reportam as cláusulas quarta e sétima do aditamento referido em 6.;

8. A R., em reunião com a então administração da A., disponibilizou-se a libertar parte dos fundos que retém, desde que aquela provasse que inexistiam dívidas à autoridade tributária e à segurança social relativas a uma relação nominal dos vigilantes que ao longo do contrato prestaram serviços no empreendimento gerido pela requerida e pela sua consorciada, obrigações essas que nos termos da lei prescrevem em 8 anos;

9. A A., até hoje, nunca conseguiu demonstrar o que se aponta em 8.;

10. No âmbito do processo falimentar da A., nenhum dos trabalhados afetos por ela à execução do contrato aqui em causa, reclamaram créditos salariais;

11. Mais se provou (art.º 5º, n.º 2 do CPC):
A P..., SA., ainda que não se logre descortinar por reporte a que trabalhadores em concreto, tem dívidas relativas a retenções que não entregou à AT e dívidas correspondentes a contribuições/cotizações que não entregou à SS, que integram o período que vai de 1 de fevereiro de 2021 e maio de 2022.

B) Factos Não Provados

12. Que a R. não pagou e não se aprestou a pagar os valores que não entregou à A. nos termos avançados acima no ponto 4.
*
IV. O mérito do recurso

Da impugnação da decisão sobre matéria de facto

Dispõe o art.º 662º n.º 1 do Código de Processo Civil que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Nos termos do art.º 640º n.º 1 do mesmo Código, quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O n.º 2 do mesmo preceito concretiza que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Em contrapartida, cabe ao recorrido o ónus de apontar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, e caso assim o entenda, transcrever os excertos que considere importantes, tudo isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
No que respeita à observância dos requisitos constantes do citado artigo 640º, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» (Ac. STJ de 01/10/2015 (Ana Luísa Geraldes); Ac. STJ de 14/01/2016 (Mário Belo Morgado); Ac. STJ, de 19/2/2015 (Tomé Gomes); Ac. STJ de 22/09/2015 (Pinto de Almeida); Ac. STJ, de 29/09/2015 (Lopes do Rego) e Acórdão de 31/5/2016 (Garcia Calejo), todos disponíveis na citada base de dados.
No caso que ora cumpre apreciar, analisando as já reproduzidas conclusões recursórias apresentadas pelo recorrente, quanto à impugnação da matéria de facto, refere-se (no que para aqui interessa):

Pretende a recorrente que deve ser aditado à factualidade assente o seguinte facto:

-“a ré não apresentou reclamação de créditos no âmbito do processo de insolvência da massa insolvente da Autora”

Qualquer alteração pretendida pressupõe em comum um pressuposto: a relevância da alteração para o mérito da demanda.
Nesse sentido, vejam-se os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 15/12/2016 (Maria João Matos) e desta Relação de 26/09/2019 (Carlos Castelo Branco), ambos disponíveis em www.dgsi.pt:
Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).
Entendemos que o facto referido, face ao contexto jurídico do litígio não assume relevância, seja no sentido de levar à procedência do recurso ou a decisão de sentido inverso, pelas razões que infra explanaremos, razão pela qual a impugnação da matéria de facto suscitada vai indeferida liminarmente.  
*
O Direito

Estabilizado o quadro factual do litígio, cumpre agora analisar juridicamente a pretensão do recorrente, à luz do mesmo.
Entendeu o Tribunal a quo que:

- estamos perante contrato de prestação de serviços, Tais contratos têm como efeitos essenciais, a prestação de uma atividade intelectual ou manual por uma pessoa a outra mediante retribuição;

- De acordo com o disposto no art.º 406º, n.º 1 do CC «o contrato deve ser pontualmente cumprido», sendo que a «mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor» (art.º 804º, nº.1 do CC).

- A lei estabelece ainda no nº.1 do art.º 805º do CC que «o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir», havendo, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação, nos casos expressamente previstos no nº.2 do citado preceito legal (sic).

No caso em análise, concluiu a sentença recorrida que: Dito o que vem de se apontar logo vemos que a versão da A. não tem corroboração nos factos provados. Efetivamente a R. não se tornou inadimplente no que toca às não entregas que preconizou, antes agiu de acordo com o que contratualmente lhe era permitido (sic).
Vejamos se foi acertada esta conclusão.
Resulta da factualidade apurada que a P..., SA., a coberto de um contrato celebrado com a R. e a T…, Lda. em 2008, prestou à R. e a solicitação desta, no período que vai de 1 de fevereiro de 2021 e maio de 2022, serviços de vigilância garantidos por um núcleo de trabalhadores que a essa tarefa ficaram adstritos.
Apurou-se ainda que, em razão de problemas financeiros por que a P..., SA. passava, nomeadamente no que tocava ao pagamento dos salários dos trabalhadores afetos à execução do contrato celebrado com a R., e como forma de garantir essa execução, em aditamento àquele contrato, celebrado em 23.12.2020, acordou com a R. e com a T…, Lda., para o que aqui importa:
. que a R. passaria a pagar, diretamente àquele grupo de trabalhadores, mensalmente e para as contas bancárias deles, os respetivos salários líquidos os quais lhe haveriam de ser comunicados pela entidade patronal;
. que cabia à entidade patronal - a P..., SA. - entregar à AT e à SS as retenções, contribuições/cotizações legais devidas em razão de tais trabalhadores;
. que a R. abateria o valor dos salários pagos no preço fixado no contrato;
. que a R. procederia à retenção mensal de um valor igual a dois, doze avos (2/12) do total mensal pago aos trabalhadores/vigilantes, para constituir uma reserva para liquidar os valores das remunerações correspondentes aos subsídios de férias e de Natal nos meses que lhes correspondam; e
. uma vez que a P..., SA. nunca prestou à R. e à T…, Lda. a caução estipulada na Cláusula Sétima do «Contrato de Prestação de Serviços» celebrado em 24 de junho de 2008, para garantia do exato e pontual cumprimento das obrigações assumidas no presente «Aditamento», a R., nos pagamentos mensais que realizar à P..., SA. pela prestação de serviços contratada, procederá à retenção mensal de um valor igual a trinta porcento (30%) do valor de cada fatura.
Provou-se, ainda, que a P..., SA. enviou à R. as faturas correspondentes ao serviço prestado, das quais esta não reclamou, pagando-os àquela por valor a que deduziu os 2/12 e os 30% a que se reportam as cláusulas quarta e sétima do aditamento ao contrato acima faldas e com o fito de se constituírem a reserva salarial e a garantia faladas.
Aquiescemos que a ré/recorrida agiu de acordo com o contrato de prestação de serviços que celebrou com a recorrente, concretamente com o teor do aditamento feito ao mesmo, com efeito:
. por um lado, reteve 2/12 avos do valor do total mensal pago aos trabalhadores/vigilantes, para constituir um fundo salarial para efeito de pagamento dos subsídios de férias e de natal dos trabalhadores afetos à execução do contrato; e
. por outro, reteve 30% do valor das faturas como garantia contratual, designadamente para se acautelar da responsabilidade solidária quanto ao pagamento de salários, contribuições para a segurança social e retenção na fonte da AT da P..., SA., estabelecida no art.º 60º-B, da Lei n.º 46/2019, de 8 de julho (que procede à primeira alteração da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio) e por reporte aos trabalhadores adstritos à execução do contrato.
Atentemos no que se estatui no art.º 60º-B, da Lei n.º 46/2019 sob a epígrafe Responsabilidade por incumprimento de obrigações laborais ou contributivas:

1 - As entidades contratantes de serviços de segurança privada são solidariamente responsáveis com as empresas contratadas pelos pagamentos devidos aos trabalhadores que executem o serviço convencionado, bem como pelas respetivas obrigações contributivas em matéria fiscal e de segurança social.
2 - Quando o preço contratual for superior a 200.000 (euro), as empresas de segurança privada devem proceder à prestação de caução às entidades contratantes de serviços de segurança privada, destinada a garantir o exato e pontual cumprimento de todas as respetivas obrigações legais e contratuais.
3 - O valor da caução é, no máximo, de 5 /prct. do preço contratual, devendo ser fixado em função da expressão financeira do respetivo contrato.
4 - Nos casos em que não se verifique a prestação de caução, pode a entidade contratante, se o considerar conveniente, proceder à retenção de até 10 /prct. do valor dos pagamentos a efetuar, desde que tal faculdade se encontre contratualmente prevista.

Do mencionado regime, decorre inequivocamente uma responsabilidade solidária entre a recorrida/contratante dos serviços de segurança e a recorrente/prestadora desses serviços, pelos pagamentos devidos aos trabalhadores que executem o serviço convencionado, bem como pelas respetivas obrigações contributivas em matéria fiscal e de segurança social.
Sob a epígrafe “Fontes da solidariedade”, dispõe o art.º 513º do CC o seguinte: «A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.»
No caso em análise, tratando-se de uma obrigação solidária com dois sujeitos passivos – recorrente e recorrida –, cada um dos credores pode exigir a totalidade da prestação, do mesmo modo que cada um dos devedores responde por toda ela (art.º 512º nº 1 do CC).
Deste modo, a recorrida, como lhe competia por força do  contrato, constituiu duas garantias com o desiderato de se salvaguardar da responsabilidade que para si poderia advir do não pagamento dos salários aos trabalhadores que executavam o contrato e, ainda, da possibilidade de ser responsabilizada pelo pagamento à AT das retenções nos mesmos salários da responsabilidade da P..., SA. que esta não entregasse e, finalmente, pelas contribuições/cotizações que aquela não entregasse à Segurança Social.
É sobre os montantes abrangidos pelas garantias prestadas pela recorrida que incide o pedido do recorrente e, tal como na sentença posta em crise, concordamos que tais garantias têm carácter de caução.
Como é sabido, à prestação de caução, enquanto garantia especial das obrigações, são associadas finalidades como a de prevenir o incumprimento de obrigações que possam vir a ser assumidas por quem exerce determinadas funções, como requisito de exercício de um determinado direito, ou para afastar o direito de outra parte - cf., entre outros, os acórdãos da Relação de Coimbra de 25.10.1994, proferido no processo 505/13.3TBMMV-B.C1, publicado na Colectânea de Jurisprudência, XIX, 5, 32 e de 05.5.2015, in www.dgsi.pt.
Como refere Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª edição, 471, no seu sentido corrente, a caução designa a entrega feita por uma das partes à outra de certa quantidade de coisas móveis (fungíveis algumas vezes - como o dinheiro, mercadorias, títulos ao portador; não fungíveis outras vezes - como jóias, títulos nominativos, etc.), para garantia da cobertura do dano proveniente do não cumprimento de determinada obrigação.
A caução constitui uma forma de garantia das obrigações (artigo 623º do CC) e não de substituição das mesmas; a caução mais não representa, em regra, do que a garantia, para o credor, de que a prestação a que eventualmente tenha direito, lhe será efectivamente satisfeita, revertendo, portanto, a mesma a favor do credor, em caso de incumprimento da obrigação caucionada pelo devedor.
Assentando em que, é por virtude de legalmente estar constituída na posição de devedora solidária que a recorrida entende ter a obrigação de reter as importâncias reclamadas pela recorrente na acção, carece de fundamento a argumentação desta no sentido de a partir da decretação da sua insolvência, e em face da ré não ter reclamado qualquer crédito, e dado que, o seu putativo crédito quando muito seria apenas potencial, ou uma expectativa e não estando demonstrado, não existe, sequer para efeitos do artigo 50 do CIRE, como condicional, deve considerar-se assim caduca a garantia prestada (sic).
Carece de fundamento, pelas seguintes razões:

1º a ré/recorrida não é credora da autora/recorrente, pelo que não faz sentido invocar o regime previsto no art.º 50º do CIRE que rege sobre Créditos sob condição, daí termos considerado irrelevante apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto suscitada pela recorrente, no sentido de aditar à factualidade assente que a ré não reclamou créditos no processo de insolvência;

2º entendendo-se que o contrato celebrado entre recorrente e recorrida não constitui um contrato de mandato, carece de fundamento o argumento da caducidade da garantia sustentada na prestação de caução, por ser inaplicável o regime do art.º 110, n° 1, do C.I.R.E- este dispõe que: Os contratos de mandato, incluindo os de comissão, que não se mostre serem estranhos à massa insolvente, caducam com a declaração de insolvência do mandante, ainda que o mandato tenha sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, sem que o mandatário tenha direito a indemnização pelo dano sofrido.

Nesta problemática que nos ocupa, e no plano da análise, não desconsideramos eventuais efeitos da declaração de insolvência da recorrente na relação contratual com a recorrida.
Um dos efeitos da insolvência é a apreensão dos bens do devedor, que sejam susceptíveis de serem penhorados, com excepção dos bens que se encontrem apreendidos em processo penal ou contra-ordenacional, por virtude, respetivamente, de infração criminal ou de mera ordenação social (artigo 149º do CIRE).
Esta apreensão é necessária para que sejam pagos os créditos de todos os credores em condições de igualdade consoante a natureza dos seus créditos e suas garantias, os quais têm que os reclamar no processo de insolvência e aí exercer os seus direitos.
É certo que há jurisprudência no sentido de que existe o dever de entregar à massa insolvente montante detido a título de caução – cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-04-2024, proferido no proc. 2155/22.4T8BRG.G1, versão integral em www.dgsi.pt-, no entanto, tal jurisprudência foi construída para situações em que sendo insolvente o subempreiteiro, devem ser objecto de apreensão em processo de insolvência daquele as quantias que eram devidas a título de parte do preço devido pela execução da obra da subempreitada, retidas pelo empreiteiro como caução para garantia do bom cumprimento da obra durante o prazo de garantia.
Aqui, encontramo-nos em cenário longinquamente distinto, dado que, como se observa da decisão recorrida, não se afigura a existência de um incumprimento do contrato celebrado entre recorrente e recorrida no que toca ao pagamento do preço, mas sim de garantia de créditos de entidades terceiras - neste caso, entidades públicas nevrálgicas na cobrança de impostos e contribuições imperativas para qualquer cidadão/entidade a operar em território nacional - e, cuja satisfação, por parte da recorrida, obedece não a uma lógica meramente contratual, mas sim a um regime de solidariedade passiva que deriva do regime legal já supra citado – art.º 60º-B, da Lei n.º 46/2019-, pelo que não existe o dever de entregar os montantes constituídos a título de caução.
Contrariamente ao sustentado pela recorrente, nada existe na factualidade assente que permita concluir que AT e SS demonstraram ou reconheceram que não existe possibilidade de ser feita a relação entre os créditos que são devidos a cada uma das referidas entidades pela sociedade P... S.A e os créditos que seriam devidos por referência aos trabalhadores que se encontram identificados em listagem constante dos autos, pelo que se afigura temerária a conclusão da recorrente no sentido de que à ré nunca poderá vir a ser exigida qualquer responsabilidade.
Nem sequer existem no processo elementos que permitam concluir -como o fez a recorrente nas suas alegações- que A obrigação legal existe, mas não é possível, de ser executada ou a AT e a SS dizem que não o fazem (sic)  e  Poder-se-á objetar, como já se referiu, que um dia o Estado pode alterar este estado de coisas, contudo, é irrecusável que, atualmente não existe essa possibilidade, e logica e consequentemente qualquer possibilidade de à ré vir a ser exigido o que quer que seja (sic).
Refira-se, por relevante, que a sentença recorrida, embora remetendo para liquidação em execução de sentença, reconheceu que a recorrente tem direito à devolução do valor que reteve e correspondente aos 2/12 do total mensal que pagou aos trabalhadores/vigilantes adstritos à execução do contrato, com argumentação que escusamos de reproduzir.
Quanto ao demais, enquanto perdurar a possibilidade de a ré/recorrida poder vir a ser responsabilizada pelos pagamentos à Segurança Social e AT, que apenas deixará de ser uma possível logo que decorra a baliza temporal imposta pelo decurso do prazo prescricional dessa responsabilidade e que se conta em 8 anos após a cessação do contrato- que ainda não decorreu-,  afigura-se acertada a conclusão contida na sentença recorrida no sentido de que não está a recorrida numa situação de incumprimento, relativamente às importâncias reclamadas pela recorrente.   
Pelas razões expostas, improcederá a presente apelação.
*
V. Decisão

Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em julgar totalmente improcedente a apelação apresentada, mantendo-se na íntegra a sentença proferida na primeira instância.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 21-11-2024
João Manuel P. Cordeiro Brasão
Adeodato Brotas
Jorge Almeida Esteves