Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5217/17.6T8OER-A.L1-8
Relator: RUI MANUEL PINHEIRO DE OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
ESCRITURA PÚBLICA
FACTOS ATESTADOS
CONFISSÃO
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Uma escritura pública constitui um documento autêntico, cujo valor probatório é fixado pelo art. 371.º do CC, sendo a sua força probatória plena restrita aos factos percepcionados pela entidade documentadora;
II – A declaração, feita em escritura pública, de que se utilizou uma determinada quantia no âmbito de um contrato de abertura de crédito em conta corrente, só teria a plenitude desse valor probatório se a disponibilização e utilização dessa quantia tivessem sido, directamente, percepcionadas pelo notário que presidiu ao acto e atestado no documento;
III – A declaração, constante da escritura pública, de que o capital utilizado, no âmbito de um contrato de abertura de crédito em conta corrente, é, na data da sua outorga, de determinado montante, não constitui uma declaração confessória de que, nessa mesma data, se é devedor desse montante;
IV – Mas, ainda que se entendesse que tal declaração constitui uma declaração confessória, a mesma só teria força probatória plena, nos termos previstos no art. 358.º nº 2 do CC, no confronto entre o banco que mutuou a quantia e o confitente e quando tal confissão for feita em relação àquele, dela não podendo prevalecer-se um terceiro;
V – Não existindo prova plena da entrega e utilização da quantia e incumbindo ao credor/exequente o ónus de prova do seu crédito, se para além da escritura pública ele não apresentar outro meio probatório que demonstre aquelas entrega e utilização, será de concluir que não demonstrou o crédito resultante do contrato de abertura de crédito em conta corrente por si invocado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
1.1. B, LDA., veio, mediante embargos de executado, deduzir oposição à execução sumária para pagamento da quantia de € 845.281,37, que lhe moveu H, S.A., e que tem por base duas escrituras públicas outorgadas por si e pela C, em 29.02.2008 e 16.05.2012, pela qual as partes celebraram entre si um contrato de abertura de crédito em conta corrente até ao montante de € 450.000,00 e respectiva alteração, bem como um contrato de cessão de créditos da C para a sociedade M (de 30.12.2016) que, por sua vez, cedeu a sua posição contratual àquela exequente (em 24.02.2017).
Pediu que a oposição fosse julgada procedente e, em consequência:
«I. Ser julgada procedente a invocada inexistência e/ou inexequibilidade do título executivo, pela sua ilegalidade, invalidade ou ineficácia ou ilegitimidade da exequente, devendo a executada ser absolvida do pedido;
Subsidiariamente,
II. Serem julgados não provados os factos alegados pela exequente, absolvendo-se a executada do pedido.
III. Ser julgada nula ou inválida a cláusula penal que estabelece uma percentagem de 4% sobre o capital em dívida a título de indemnização a favor da credora pelo recurso a juízo ou, em caso de diferente entendimento, ser a mesma penalização sujeita a uma redução equitativa».
Fundamentou os embargos, essencialmente, em três ordens de argumentos:
1.º) Na inexistência e inexequibilidade de título legal válido e eficaz, o que deverá dar azo à absolvição da executada e à extinção da instância, porquanto
- os contratos outorgados têm como únicas partes contratantes a executada/embargante e a C, pelo que a exequente não figura no título como credora;
-  o contrato de cedência de créditos, alegadamente, celebrado entre a C e a sociedade M não se encontra assinado e não contém reconhecimentos, à revelia do art. 7.º do DL n.º 453/99, de 05.11., pelo que é nulo e ineficaz;
- a exequente, para comprovar a carteira de títulos alegadamente cedida, junta um documento indecifrável e impossível de discernir, o que impede que lhe seja atestada a natureza de título executivo;
- a sociedade M não está habilitada ou legalmente autorizada a ceder créditos no âmbito do regime da cessão de créditos para titularização, nem a adquirir créditos com esse escopo, nos termos dos arts. 2.º, n.º 1, e 3.º do DL n.º 453/99, de 05.11., pelo que o título executivo desta forma constituído é ilegal e inválido;
- ainda que tal documento não consubstanciasse uma autêntica cedência de créditos, mas uma mera  cessão da posição contratual, a mesma seria ineficaz relativamente à executada, por não ter sido por si autorizada, nos termos do art. 424.º n.º 1 do CC;
- a executada não foi notificada da cessão de créditos, nos termos do art. 6.º do DL n.º 453/99, nem de algum modo a aceitou ou tomou conhecimento, pelo que é ineficaz, não lhe sendo oponível, o que descaracteriza a exequibilidade do título;
2.º) Na ilegalidade ou redução equitativa da cláusula penal, porquanto:
- a exequente invoca a existência de uma sobretaxa de 4% sobre o capital, a título de cláusula penal indemnizatória em caso de incumprimento e recurso às vias judiciais para recuperação do crédito, que corresponde a uma cláusula pré-elaborada pelo banco, que a executada se limitou a subscrever  e que não foi negociada ou esclarecida pelo banco, pelo que é nula, configurando, ainda, uma indemnização abusiva, desproporcional e desadequada, face aos danos conjecturados ou efectivos;
3.º) Na impugnação do montante em dívida reclamado, uma vez que a exequente não alega os cálculos que efectuou, não esclarecendo as datas de vencimento e da mora que considerou para o cômputo dos juros, nada dizendo, ainda, quanto ao capital ou capitais sobre os quais terão incidido as taxas.
1.2. A exequente contestou, defendendo a improcedência dos embargos e o prosseguimento da execução, alegando, em suma, que:
- o contrato de cessão de créditos é válido e foi realizado nos termos e sob a forma previstos no art. 7.º do DL n.º 453/99, de 05/11, e aprovado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, sendo certo que a H, S.A., é uma sociedade de titularização de créditos;
- a executada foi notificada da cessão, conforme carta que junta;
- a cláusula penal definida no contrato está de acordo com o estipulado no DL n.º 344/78, de 17.11, alterado pelos DL n.ºs 429/79, de 25.10, 83/86, de 06.05., e 204/87, de 16.05., em vigor na data da sua feitura, sendo legal;
- a executada coloca em causa o valor em dívida, sem qualquer justificação ou alegação válida, decorrendo o mesmo de simples cálculo aritmético, com referência ao capital em dívida de €459.780,75, com o cálculo da taxa juros de mora contratualizados acrescido da sobretaxa de 4%, desde a data do incumprimento em 2013/02/28 até à data da entrada da execução.
1.3. Com dispensa da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciando-se os temas da prova.
1.4. Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que concluiu da seguinte forma: «julgam-se os embargos parcialmente procedentes, e reduz-se a quantia exequenda para quatrocentos e cinquenta mil euros – acrescida de juros de mora, à taxa supletiva comercial, desde 24-II-14 até integral pagamento. Custas na proporção dos respectivos decaimentos (CPC 527º)».
1.5. Inconformada, apelou a embargante, pedindo a revogação daquela sentença e a sua absolvição, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:
«1.ª Roga-se pela reponderação sobre a demonstração ou prova da matéria de facto no que respeita à existência da dívida, que no ver do tribunal a quo acabou alcançada em função de uma declaração de confissão prestada pela recorrente à C em 16/05/2012 (facto provado em 3) e da qual, acabou por fazer recair sobre a confitente/recorrente o nó górdio ou hercúleo, do ónus de provar coisa diversa.
2.ª Se em má hora a recorrente subscreveu o documento, a instrução da lide, apesar de tudo, deixa sobressair factos diferentes do apurado e julgado na instância recursiva
3.ª Nunca abandonemos e estejamos bem cientes, que não ficou provado que: “A ‘C’ entregou, ou disponibilizou, à embargante a quantia de 459.780,75€.” (Facto não provado registado em 9.)
4.ª E se desta feita fica ainda por provar que aquele montante efetivamente não foi entregue ou disponibilizado ou entrou na esfera patrimonial da recorrente, pelo que, aquela dívida não existe ou não é devida.
5.ª Tem de reconhecer-se à recorrente que dentro do que é humanamente e processualmente possível, a realidade foi desvanecida, no limite com recurso à inversão do ónus, em consequência da conduta da exequente.
6.ª Ficou definitivamente perene nos autos, que os valores reclamados como perfazendo a quantia exequenda, não foram entregues, disponibilizados ou porventura terão sido unilateralmente, erradamente e indevidamente debitados.
7.ª Desde a primeira intervenção nos autos, em petição de embargos e em sucessivos requerimentos, pelo menos em requerimentos de 23/04/2018; 05/07/2018; 23/11.2018; 05/12/2018; 23/04/2019; 10/05/2019 e em audiência de 26/09/2022, a recorrente requereu, o que a existir teria de se encontrar na posse da parte contrária (uma instituição financeira sob a supervisão do Banco de Portugal/), concretamente:
a) Os extratos mensais da conta corrente, de cujo saldo resultará o efetivo fundamento da execução, os quais elaborados de harmonia com o determinado pelo Banco de Portugal, têm de, entre outros, indicar valores e movimentos parcelares, designação, origem e natureza sequencial de todas as operações realizadas.
b) Respetivas instruções ou ordens de débito.
c) Avisos de débito com a explicitação dos cálculos, de juros, a título de comissões, de despesas e, se relacionados com terceiros, como seguros ou impostos, os justificativos das respetivas operações.
8.ª Da matéria de facto provada decorre na parte final do parágrafo 1 dos factos provados que: “ 5 - A utilização do crédito aberto será feita através de cheques numerados, de ordens de transferência ou de pagamento dadas sobre a forma escrita à C (…). (…)”
9.ª Ora, até à data, corridos quatro anos e mesmo com determinações do tribunal (v.g. em audiência de 26/09/2022) a exequente manteve-se na instância permanentemente, esquiva.
Nada juntou!
10.ª Conciliada com a prova testemunhal registada em audiência de julgamento de 26/09/2022, Sr. C – (Ficheiro de gravação 20220926101247-_4050590_2871357) - Gerente do balcão em que a recorrente tinha a conta domiciliada e Sra. D.ª M – (Ficheiro de gravação 20220926105118_4050590_2871357), atualmente, no compliance do banco, nos concretos momentos apontados no corpo das alegações
11.ª E resgatando a carta da C (credor primitivo), datada de 01 de julho de 2013, enviada à recorrente, junta à contestação da exequente como documento n.º 6 e do qual é expressamente reclamado o pagamento do valor em dívida naquela data (01/07/2013), de € 47 899,58, por conseguinte um ano após a dita confissão de 16/05/2012.
12.ª E da conduta da exequente em que sucessivamente notificada entregar os documentos necessários e que não poderiam deixar de existir na contabilidade de um banco para análise da quantia exequenda, conjugado com os depoimentos das testemunhas., integrado pela forma convencionada para a movimentação dos saldos ( 5 - A utilização do crédito aberto será feita através de cheques numerados, de ordens de transferência ou de pagamento dadas sobre a forma escrita à C (…). (…)” e tratando-se de uma prova negativa, por natureza impeditiva da prova da inexistência dos factos.
13.ª Mais não estava ao alcance, nem podia ser processualmente e humanamente exigido à recorrente.
14.ª Será justo e de sereno e prudente julgamento, atestar que a recorrente provou, pelo menos, que o valor que outrora subscreveu como sendo devedora, não corresponde à quantia de capital executada, a exequente não entregou ou disponibilizou a quantia reclamada na instância executiva.
15.ª No limite, a tal devemos aportar pela aplicação do disposto no art.º 344.º n.º 2 do Cód. Civil.
16.ª Até porque e na verdade, a confissão em que se apoia a decisão sob recurso, foi apesar de tudo feita à C, não à parte contrária na instância, i.e. não à H que figura no processo. (art.º 358.º n.º 2 do Cód. Civil.)
17.ª Em suma da revisão da matéria de facto e do contributo das partes para a justeza da relação material controvertida, tem-se por dever ser julgado provado concretamente que:
1. No dia 01 de Julho de 2013, a C (credor primitivo) enviou correspondência à recorrente sobre o contrato de abertura de crédito em disputa nos autos, reclamando à data a quantia em dívida de € 47 899,58, conforme documento 6 junto com a contestação, que se dá por transcrito.
2. A exequente não disponibilizou à embargante/recorrente, nem esta utilizou, a quantia de € 450 000,00.
18.ª Da iliquidez e inexigibilidade da dívida, decorrem inverificados os requisitos da execução, art.º 713 do Cód. Proc. Civil e a via da ação executiva decair.
19.ª A confissão de per se, desvalorizando ou deixando de retirar as devidas ilações da conduta das partes no litígio, inviabilizando-se a produção de prova documental essencial (art.º 411.º, 417.º 1 e 2, 429.º n.º 1, 430.º do Cód. Proc. Civil e 344.º do Cód. Civil ), fere os princípios de justiça material e equitativa constitucionalmente assegurados e, em decorrência atingindo o património da recorrente, viola em acréscimo por injustificado, o princípio da propriedade privada (art.º’s 1.º, 20.º n.º 4 e 5 e 62.º da C.R.P.)
20.ª Com superior respeito, no tocante ao enquadramento da relação jurídica em que se funda o alegado direito da exequente, a douta sentença terá preconizado uma incorreta subsunção legal.
21.ª O contrato em 5 dos factos provados, documento primeiro anexo ao requerimento executivo, tem por proémio “Contrato de Venda de Créditos” e consiste na alienação pela C, à adquirente M.
22.ª Quando o Meritíssimo juiz a quo sufraga que com base naquele contrato a notificação da cessão opera no âmbito da ação por via da citação, não parece correto porquanto, com humilde respeito, a C não poderia ceder à exequente um crédito que já não lhe pertencia porque cedera à M.
23.ª Daí que a exequente no requerimento executivo, especificamente no Capítulo I) terceiro parágrafo alegue: “… em 24/02/2017 foi realizada Cessão de Posição Contratual” (sic)
24.ª Mas por assim ser, a relação jurídica subjacente á demanda promovida pela exequente não se atém à notificação de uma cessão de créditos mas numa: “Cessão da posição contratual”.
25.ª E esta reconhecidamente estará na dependência de consentimento do devedor, de harmonia com o disposto no art.º 424.º n.º 1 do Cód. Civil, o que a exequente não alegou, muito menos provou. Até porque não sendo vero, não o podia invocar
26.ª Não obstante a ausência de alegação, a recorrente não deixou de conjeturar em petição de embargos que, qualquer regra sobre a transmissão da posição contratual unilateralmente fixada ou encaminhada à revelia da executada, é proibida, por aplicação do art.º 18.º al. l) do Dec. Lei 446/85 de 25.10., Regime das Cláusulas Contratuais Gerais.
27.ª Neste contexto o regime aplicável pertinente será da “Cessão da Posição Contratual”, art.º’s 424.º a 427.º do Cód. Civil e não da “Cessão de Créditos”.
28.ª E carecendo a transmissão do consentimento do devedor, é em substância ilegítima a pretensão da exequente».
1.6. A embargada contra-alegou, pronunciando-se pela manutenção da sentença recorrida, alinhando as seguintes conclusões:
«A) A executada/embargante, ora recorrente, veio interpor recurso da sentença do tribunal da 1ª instância que manteve, em substância, o êxito do pedido formulado na demanda executiva.
B) Apesar de não constar discriminado nas Alegações de Recurso apresentadas, depreende-se que o objecto do mesmo, conforme dito pela executada: “Consiste na reponderação sobre a demonstração ou prova da existência da dívida, que acabou alcançada pelo tribunal a quo em função de uma declaração de confissão prestada pela recorrente à C em 16/05/2012 (facto provado em 3)”, conforme referido na página 3 (de 15), 3º parágrafo, das Alegações. C) Não assiste razão à executada/embargante, conforme infra se explanará.
D) Pela sua importância, transcreve-se o facto provado em 3 pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto:
“3 - Em 16-V-12 ‘C.’ e embargante outorgaram a escritura de “ALTERAÇAO A CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO” junta com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se lê: “(…) CINCO – O capital efectivamente utilizado pela PARTE DEVEDORA (…) é, na presente data, de quatrocentos e cinquenta mil euros; (…). (…) a PARTE DEVEDORA obriga-se a amortizar integralmente o saldo devedor do presente contrato (…), apurado no termo do prazo contratual (29-II-14) (…). ”
E) Face ao exposto, e conforme decidido pelo tribunal a quo, a confissão extrajudicial, como a outorgada a 16 de maio de 2012 entre as partes, tem força probatória plena:
“De acordo com a regra do nº 2 do artigo 358º do Código Civil, “A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.” – o que significa que é aplicável a regra do artigo 347º: “A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinada na lei.”; assim, recaía sobre a embargante o ónus de demonstrar não ser verdadeira a utilização de 450.000€ em 16-V-12.
F) Tenta, em vão, a executada demonstrar não ser verdadeira a utilização dos € 450.000,00 confessados a 16 de maio de 2012.
G) Já antes, na sua decisão, o tribunal a quo havia afastado, para a boa decisão da causa, os testemunhos das testemunhas indicadas pela exequente C e M.
H) A este respeito, indicou o tribunal a quo que: “Os ‘extractos’ juntos (ponto 7) de nada serviram, pois, de acordo com a testemunha C (ex- gerente do balcão da C.), trata se de um ‘extracto interno’ – acrescentando a testemunha M (funcionária da C desde I-94) que o ‘extracto de movimentos’ tem de ser conciliado com o da conta à ordem (sendo “susceptível de não ser esclarecedor”).”
I) Isto é, as testemunhas em questão não lograram confirmar qual o valor, efectivamente, entregue à executada, mas jamais disseram o contrário, ou seja, que o valor de € 450.000,00 não tinha sido entregue e disponibilizado à executada.
J) Aliás, a falta de esclarecimento e conhecimento das testemunhas foi uma das causas para a quantia exequenda ter sido reduzida na decisão proferida pelo tribunal a quo para o capital de € 450.000,00.
K) O próprio gerente da executada, nas suas declarações de parte, nada foi convincente e convicto a demonstrar que a empresa que geria não havia recebido o valor que confessou ter recebido por documento de 16 de maio de 2012.
L) A esse propósito, consta da decisão do tribunal a quo que:
“Nas suas declarações de Parte, o gerente da embargante J optou por não querer esclarecer a dúvida – declarando (de forma bastante inverosímil) não saber quanto do crédito é que utilizou (talvez ‘200.000 a 250.000€’), quanto é que foi gasto no total da obra (‘700 e tal mil euros’) e qual a origem do dinheiro que pagou a construção, e quanto é que pagou à ‘C’ (alegando que a embargante nunca teve acesso aos extractos mensais).”
M) Perante as declarações de parte prestadas, outra decisão não poderia o tribunal a quo adoptar que não fosse a de não relevar o depoimento em questão.
N) No mais, e nos excertos das testemunhas transcritos pela executada nas suas Alegações, nada de diferente resulta do supra mencionado e decidido pelo tribunal a quo.
O) Relativamente à testemunha C, esta confirmou “Que aquele documento consiste num extrato interno do banco” e ainda o óbvio “Que tem de haver documentos no banco”, conforme referido nas páginas 4 e 5 (de 15) das Alegações.
P) Já a testemunha M, esta precisou quanto à interpretação do extracto junto nos autos que: “…isso tem de pedir esclarecimento ao banco….não consigo fazer nenhuma explicação disto… ”, conforme referido nas páginas 5 e 6 (de 15) das Alegações.
Q) Por fim, entende a executada que não esteve bem o tribunal a quo “na parte tocante ao regime legal aplicado aos direitos reivindicados pela exequente H, S.A.”, conforme referido na página 8 (de 15) das Alegações.
R) A este propósito, e bem, decidiu o tribunal a quo que “Não se vislumbra qualquer vício no contrato 5, pois, ainda que não fosse aplicável o DL 453/99, sempre a transmissão seria válida, à luz das regras gerais de Direito (CC 577º a 588º) – valendo a citação (na presente execução) como notificação da cessão.”
S) Recorde-se o facto provado em 5 pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto que originou a sua decisão:
“5 - Mostra-se junto com o requerimento executivo, e a fls 20 a 30 e 124v a 136, um “CONTRATO DE VENDA DE CRÉDITOS” entre ‘C’ e ‘M’ datado de 30-XII-16 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – e uma “Notificação da Cessão da Posição Contratual” datada de 24-II-17 e celebrada entre ‘C’, ‘M’ e ora embargada.”
T) Não há, igualmente, qualquer reparo a fazer a este decisão do tribunal a quo.
U) Conforme exposto, a este propósito, pela exequente na Contestação aos Embargos de Executado apresentados pela Executada:
“23º
Alega a Embargada, infundadamente, a questão da Aquirente à M não ser uma empresa de titularização de créditos, abstraindo-se completamente o teor do Documento e das condições ai estabelecidas, nomeadamente do art. 7. do Doc. n.º 1 onde estabelece, desde logo, a questão da cessão da posição contratual e a sua condição pré-estabelecida contratualmente entre as partes a fim de estar devidamente assegurado as condições impostas pela Lei Portuguesa.
24.º
Ainda no art. 9 do doc . n.º 1 quanto à produção de efeitos do contrato de cessão, diz o mesmo que apenas produz efeitos a partir de 3 de abril de 2017, podendo ser prorrogada até 17 de abril de 2017, produzindo efeitos nessa data, se antes de 31 de Março de 2017 a adquirente ou Cessionária Autorizada (Hefesto), confirmar que se encontram cumpridas as condições da Cessionária Autorizada quanto à cessão da posição.
25.º
Essa comunicação foi possível realizar-se, conforme Doc. n.º 2, a 24 de Fevereiro de 2017 após aprovação da CMVM para a concessão de código alfanumérico à H, condição estabelecida para a cessão da posição contratual anteriormente definida, tendo o contrato de cessão de créditos apenas produzido os seus efeitos a partir de 27 de Fevereiro de 2017, após a cessão da posição contratual.
26.º
Pelo que foi devidamente assegurado a legalidade e validade da cessão, sendo a mesma devidamente autorizada pelo regulador.
V) Inexiste, consequentemente, qualquer vício nos créditos actualmente titulados e geridos pela exequente, sendo a mesma parte legítima na presente acção, como bem decidiu o tribunal a quo».
1.7. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, atendendo às conclusões supra transcritas, as questões essenciais a decidir consistem em saber:
a) se devem ou não ser aditados aos factos provados os factos propostos pela executada/embargante;
b) se, através do título dado à execução, a executada/embargante confessou dever à C a quantia de € 450.000,00 e, em caso afirmativo, se tal confissão tem força probatória plena;
c) se o crédito de que a C era titular sobre a executada/embargante foi, válida e eficazmente, cedido/transmitido à sociedade M e, depois, à exequente/embargada.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1. A sentença sob recurso considerou provada a seguinte matéria de facto:
«1 - Em 29-II-08 ‘C’ e embargante outorgaram a escritura de “ABERTURA DE CRÉDITO” junta com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se lê: “(…) 5 – A utilização do crédito aberto será feita através de cheques numerados, de ordens de transferência ou de pagamento dadas sobre a forma escrita à CEMG (…). (…)
2 - No “documento complementar” da escritura supra lê-se: “CLÁUSULA DÉCIMA (Resolução do contrato) 1. Findo ou resolvido este contrato (…), ou vencido o crédito, a conta corrente será para todos os efeitos havida por encerrada, obrigando-se desde já a PARTE DEVEDORA ao pagamento do respectivo saldo. 2 – O extracto de conta corrente prova os lançamentos a débito e a crédito na mesma efectuados e o respectivo saldo (…).”
3 - Em 16-V-12 ‘C’ e embargante outorgaram a escritura de “ALTERAÇAO A CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO” junta com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se lê: “(…) CINCO – O capital efectivamente utilizado pela PARTE DEVEDORA (…) é, na presente data, de quatrocentos e cinquenta mil euros; (…). (…) a PARTE DEVEDORA obriga-se a amortizar integralmente o saldo devedor do presente contrato (…), apurado no termo do prazo contratual (29-II-14) (…).”
4 - Em 21-VIII-14 a ‘C’ enviou à ora embargante a carta junta a fls. 44v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – referente à aprovação de “proposta de reestruturação dos contratos”.
5 - Mostra-se junto com o requerimento executivo, e a fls. 20 a 30 e 124v a 136, um “CONTRATO DE VENDA DE CRÉDITOS” entre ‘C’ e ‘M’ datado de 30-XII-16 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – e uma “Notificação da Cessão da Posição Contratual” datada de 24-II-17 e celebrada entre ‘C’, ‘M’ e ora embargada.
6 - Em 27-II-17 a ‘W, S.A.’ enviou à embargante a carta junta a fls. 47 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
7 - Mostra-se junto a fls. 38 a 43v, e 55 a 60v um “EXTRACTO MOVIMENTOS” datado de 16-III-18 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
3.2. A sentença sob recurso considerou não provada a seguinte matéria de facto:
«8 - A embargante deixou de pagar a prestação que se venceu em 28-II-13.
9 - A ‘C’ entregou, ou disponibilizou, à embargante a quantia de 459.780,75€».
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Comecemos pela impugnação da matéria de facto.
Como é consabido, o regime processual vigente restringe a possibilidade de revisão da matéria de facto a questões de facto controvertidas, relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente, admitindo-se, apenas, a reapreciação de concretos meios probatórios relativos a determinados pontos de facto impugnados.
Rejeitaram-se, desta forma, quer soluções maximalistas que determinam a repetição de julgamentos ou a reapreciação de todos os meios de prova anteriormente produzidos, quer a possibilidade de recursos genéricos contra a decisão de facto (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 7.ª ed., 2022, p. 194 e segs.).
Com efeito, de acordo com o disposto no art. 640.º do CPC, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões) e, fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos, devendo, ainda, consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos (cfr. Ob. Cit., p. 197 e 198).
No caso dos autos, o recorrente cumpriu, suficientemente, o ónus de impugnação previsto no art. 640.º do CPC, nada obstando à reapreciação da matéria de facto.
Com efeito, depois de defender, genericamente, a “reponderação sobre a demonstração ou prova da matéria de facto no que respeita à existência da dívida” (o que, claramente, não cumpriria o dito ónus), a recorrente acaba por concretizar, sob a conclusão 17.ª, que, no seu entender, deverão ser julgados provados os seguintes factos:
1. No dia 01 de Julho de 2013, o… credor primitivo enviou correspondência à recorrente sobre o contrato de abertura de crédito em disputa nos autos, reclamando à data a quantia em dívida de € 47 899,58, conforme documento 6 junto com a contestação, que se dá por transcrito.
2. A exequente não disponibilizou à embargante/recorrente, nem esta utilizou, a quantia de € 450 000,00.
Considera que o referido primeiro facto decorre do documento junto com a contestação sob o n.º 6, sendo que o segundo facto dimana da análise conjugada dos depoimentos das testemunhas C e M, do teor do referido documento n.º 6, da conduta da exequente (ao não juntar aos autos os documentos que tem na sua posse e que eram necessários e imprescindíveis  ao apuramento das quantias em  dívida) e da forma convencionada para movimentação dos saldos (cfr. cláusula 5.ª do contrato referido no n.º 1 dos factos provados).
Vejamos.
Quanto ao primeiro facto, temos que, no art. 39.º da contestação, a exequente/embargada alegou que «Em Julho de 2013 foi remetida Carta de interpelação ao cumprimento da Executada, sem o efeito útil pretendido, conforme Doc. n.º 6 que ora se junta».
Tal documento não foi impugnado, pelo que tem a força probatória prevista no art. 376.º do CC.
É, portanto, inequívoco, que se mostra provado que a C remeteu à embargante a carta cuja cópia foi junta com a contestação como documento n.º 6, cujo teor se dá por reproduzido, datada de 01.07.2013, na qual, por referência ao contrato n.º 003-30-100035-6, refere que “o contrato em referência foi afeto ao … Recuperação de Crédito, ACE. Todavia, não desejamos instaurar, desde já, a competente ação judicial sem tentar, uma vez mais, a regularização extrajudicial. Aguardamos, por isso, que até ao dia 15/07/2013 V. Exa. proceda à regularização da dívida que, à data da emissão desta carta, ascende a 47.899,58 euros. Conforme previsto no Preçário, serão cobradas despesas acrescidas do imposto do selo, no montante de 260,00 euros, relativos à correspondente desafetação (…)”.
Procede, pois, o recurso esta parte.
O mesmo não pode concluir-se, no que respeita ao segundo facto que a recorrente pretende ver provado: «A exequente não disponibilizou à embargante/recorrente, nem esta utilizou, a quantia de € 450.000,00».
É que, quanto a este, da prova produzida não decorre, com o grau de certeza indispensável, que a C (e não a exequente, como, certamente, por lapso, refere a recorrente) não tenha disponibilizado/entregue à executada a quantia de € 450.000,00 e que esta não a tenha utilizado: não há documentos, declarações ou depoimentos que atestem ou revelem o mínimo conhecimento das concretas entregas de dinheiro feitas e utilizadas.
É, aliás, isso que a própria recorrente reconhece, ao citar excertos dos depoimentos das referidas testemunhas, dos quais resulta, precisamente, que desconhecem quanto foi disponibilizado e utilizado pela executada em execução do contrato celebrado com a C, referindo, de resto, que os documentos juntos aos autos não permitem aferir da existência e exactidão de movimentos e ordens de pagamento.
E é isso, também, que decorre da motivação do tribunal a quo, quando refere que: «Os ‘extractos’ juntos (ponto 7) de nada serviram, pois, de acordo com a testemunha C (ex-gerente do balcão da C), trata-se de um ‘extracto interno’ – acrescentando a testemunha M (funcionária da C desde I-94) que o ‘extracto de movimentos’ tem de ser conciliado com o da conta à ordem (sendo “susceptível de não ser esclarecedor”). Nas suas declarações de Parte, o gerente da embargante J optou por não querer esclarecer a dúvida – declarando (de forma bastante inverosímil) não saber quanto do crédito é que utilizou (talvez ‘200.000 a 250.000€’), quanto é que foi gasto no total da obra (‘700 e tal mil euros’) e qual a origem do dinheiro que pagou a construção, e quanto é que pagou à C (alegando que a embargante nunca teve acesso aos extractos mensais)».
Improcede, por conseguinte, o recurso nesta parte.
Aqui chegados, concluímos pela procedência parcial do recurso relativo à decisão de facto, aditando-se aos factos provados um n.º 3A, com a seguinte redacção:
3A. A C remeteu à embargante a carta cuja cópia foi junta com a contestação como documento n.º 6, cujo teor se dá por reproduzido, datada de 01.07.2013, na qual, por referência ao contrato n.º 003-30-100035-6, refere que “o contrato em referência foi afeto ao … Recuperação de Crédito, ACE. Todavia, não desejamos instaurar, desde já, a competente ação judicial sem tentar, uma vez mais, a regularização extrajudicial. Aguardamos, por isso, que até ao dia 15/07/2013 V. Exa. proceda à regularização da dívida que, à data da emissão desta carta, ascende a 47.899,58 euros. Conforme previsto no Preçário, serão cobradas despesas acrescidas do imposto do selo, no montante de 260,00 euros, relativos à correspondente desafetação (…)”.
4.2. O tribunal a quo, apesar de não ter incluído nos factos provados que a C disponibilizou/entregou, efectivamente, à embargante/recorrente a quantia de € 450.000,00 e que esta a utilizou, acabou por ter por certo que tal ocorreu, em virtude da suposta confissão da embargante/recorrente feita na escritura pública outorgada no dia 16.05.2012, a que alude o n.º 3 dos factos provados.
Com efeito, entendeu o tribunal a quo que:
«De acordo com a regra do nº 2 do artigo 358º do Código Civil, “A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.” – o que significa que é aplicável a regra do artigo 347º: “A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinada na lei.”; assim, recaía sobre a embargante o ónus de demonstrar não ser verdadeira a utilização de 450.000€ em 16-V-12».
E, na fundamentação jurídica da sentença recorrida, concluiu que:
«Sabendo-se, por confissão (conforme explanado na fundamentação supra) que a ‘C’ entregou à embargante 450.000 até 16-V-12, e que o contrato atingiu o seu termo em 29-II-14 – data a partir da qual serão devidos apenas juros moratórios (A.U.J. do S.T.J. 7/09 de 5-V), à taxa supletiva legal.
Sobre a embargada recaía o ónus de explicar a diferença entre o crédito que lhe foi cedido (689.625,00€ em 30-XII-16) e o valor executado (845.281,37€ em 27-XI-17) – não tendo sido oferecida qualquer explicação ou cálculo (dos juros moratórios) para a diferença.
Conclui-se, assim, pela iliquidez do crédito, na parte que exceda o valor confessados, e respectivos juros de mora, à taxa supletiva comercial (uma vez que as cláusulas contratuais não podem ser aplicadas, por o contrato já não estar em vigor), desde o termo do contrato.
Não se vislumbra qualquer vício no contrato 5, pois, ainda que não fosse aplicável o DL 453/99, sempre a transmissão seria válida, à luz das regras gerais de Direito (CC 577º a 588º) – valendo a citação (na presente execução) como notificação da cessão».
Ou seja, o tribunal a quo, não obstante, em termos de substância, não ter apurado que a quantia de € 450.00,00 foi efectivamente entregue à embargante/recorrente (veja-se a fundamentação da decisão de facto), ainda assim concluiu que tal entrega ocorreu por efeito da força probatória plena que entendeu que escritura pública de 16.05.2012 dá à confissão de dívida, que considerou dela provir.
Mas será assim? Terá a embargante/recorrente confessado dever à C a quantia de € 450.000,00?
Decorre das alegações da recorrente que a mesma, embora sem arguir a falsidade da escritura púbica, sustenta que a mesma não faz prova plena de que lhe foi entregue a quantia em causa e que não lhe cabia a si o ónus dessa prova, pelo que terá de entender-se que não se provou a existência de qualquer dívida sua para com a exequente.
Vejamos então.
4.3. Antes de prosseguir na resposta às supra referidas questões, importa ter presente que as escrituras públicas em causa titulam um contrato de abertura de crédito em conta corrente (através da escritura outorgada em 16.05.2012 as partes limitaram-se a introduzir alterações ao contrato celebrado, inicialmente, através da escritura de 29.02.2008).
Ora, o contrato de abertura de crédito é aquele pelo qual o banco – creditante – se obriga a colocar à disposição do cliente – creditado – uma determinada quantia pecuniária – acreditamento ou linha de crédito – por tempo determinado ou não, ficando o último obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões.
Do lado do banco creditante, destaca-se, assim, a obrigação de disponibilização da soma pecuniária convencionada, que pode ser cumprida de múltiplas formas e através de prestações de tipo diverso (entrega directa de dinheiro, transferências bancárias, pagamento de cheques sacados pelo creditado...), sendo que, do lado do creditado, avulta a obrigação do pagamento de comissões e juros, sendo frequente a prestação, por este, de garantias de reembolso do crédito.
Neste contrato salienta-se o seu fundamento final, que é a disponibilidade de dinheiro, mas que não equivale a um crédito. Na verdade, o crédito surge, apenas, posteriormente, em simples execução do contrato. Trata-se, assim, de um contrato-quadro, que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa (cfr., por exemplo, Menezes Cordeiro, in Manual de Direito Bancário, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 542 e segs).
A abertura de crédito produz, portanto, como efeito fundamental, a disponibilidade de dinheiro, através de actos subsequentes, sendo de sublinhar o carácter instrumental e dependente dos sucessivos actos – designadamente contratos – que concretizam o programa fixado no contrato-quadro.
Trata-se de um contrato nominado, mas atípico (cfr. art. 362.º do Código Comercial) e meramente consensual, uma vez que, na sua formação, não está sujeito a qualquer exigência legal especial, embora a prática bancária subordine a sua celebração a documento escrito, e possa mesmo ser requerida a escritura pública, se a abertura de crédito incluir um negócio que a exija, como sucede quando surge associada a garantias hipotecárias.
Por não se tratar de um contrato de mútuo, a validade do contrato de abertura de crédito não se encontra dependente de qualquer acto de entrega do montante pecuniário, não sendo um contrato quoad constitutionem.
Com efeito, contrariamente ao que sucede no contrato de mútuo, o contrato de abertura de crédito fica perfeito com o mero acordo tendente à disponibilização de determinado montante, que, de resto, poderá nem sequer chegar a ser movimentado ou mobilizado pelo cliente.
Como se escreveu no acórdão da RG de 17.12.2015, in www.dgsi.pt, «(…) no seu núcleo essencial, o contrato de abertura de crédito é, tal como o mútuo ou o desconto bancário, um contrato de concessão de crédito; ou seja, um convénio mediante o qual uma entidade, que, por regra, é bancária, coloca à disposição de outra, temporariamente, determinada quantia em dinheiro. Mas, ao contrário do mútuo, em que a entrega do dinheiro (ou outra coisa fungível) é seu elemento constitutivo (artigo 1142.º do Código Civil), no contrato de abertura de crédito essa entrega de dinheiro necessariamente pode, ou não, ocorrer…».
Quanto ao seu regime, este contrato é regulado por convenção das partes (arts. 405º, n.º 1, e 406.º, n.º 1 do CC), aplicando-se, na falta dessa convenção, as regras da conta corrente em geral; as regras do mandato, relativamente à disponibilidade; e, quanto ao saldo, no caso de cessação, as regras do mútuo (cfr., neste sentido, o acórdão da RC de 19.12.2012, in www.dgsi.pt).
4.4. Como é consabido, foi muito discutida na doutrina e na jurisprudência a questão de saber qual o valor da confissão de dívida feita perante o credor e o notário numa escritura pública que titula um mútuo, quando, para lá dessa declaração de dívida e do seu montante (que se diz já ter sido recebido), não vem atestado pelo notário que a entrega dessa quantia foi realizada nesse acto perante si.
A escritura pública constitui um documento autêntico cujo valor probatório é fixado pelo art. 371º, n.º 1, do CC, que atribui força probatória plena aos factos nela referidos como praticados pela autoridade ou oficial público, assim como aos factos que nela são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
Em face do disposto no art. 371.º, n.º 1 do CC, é, pacificamente, aceite que o valor probatório pleno do documento autêntico respeita tão-só aos actos praticados pela autoridade, não abrangendo o conteúdo do documento, ou seja, a veracidade das declarações nele contidas.
Vaz Serra, in RLJ 111.º, p. 302, ensina que «Os documentos em que o documentador (v.g., o notário) atesta determinados factos, só provam plenamente o que neles é atestado com base naquilo de que o documentador se certificou com os seus sentidos. Assim, o documento não prova plenamente a sinceridade dos factos atestados pelo documentador ou a sua validade e eficácia jurídica, dado que disso não podia o documentador aperceber-se. Daí que o documento, provando plenamente terem sido feitas ao notário as declarações nele atestadas, não prova plenamente que essas declarações sejam válidas e eficazes».
Também Antunes varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, p. 521 e segs., refere que «a força probatória plena do documento só vai até onde alcançam as percepções do notário (…). No exemplo figurado, ter-se-á assim como plenamente provado (até prova em contrário, feita no incidente da falsidade) que um dos outorgantes declarou perante o notário … ter recebido determinada quantia, a título de preço da coisa. Mas já se não tem por provado que (…) este recebeu efectivamente a quantia indicada, nem que essa quantia corresponde, de facto, ao preço convencionado entre as partes. (…) São factos que podem, consequentemente, ser impugnados por qualquer das partes, sem necessidade de arguir a falsidade do documento, por não estar(em) coberto(s) pela força probatória plena deste. O documento autêntico faz prova plena em relação à materialidade das afirmações atestadas; mas não quanto à sinceridade, à veracidade ou à validade das declarações emitidas pelas partes».
Acompanhando esta doutrina, a acórdão do STJ de 15.04.2015, in www.dgsi.pt, reafirmou que a força probatória plena do documento só vai até onde alcançam as percepções do notário – existência da declaração – mas já não à veracidade do conteúdo da mesma. Esse facto pode ser impugnado por qualquer das partes sem necessidade de arguição da falsidade do documento, uma vez que o mesmo faz prova plena em relação à materialidade das afirmações atestadas mas já não quanto ao rigoroso sentido, sinceridade, veracidade ou validade das declarações emitidas pelas partes.
No mesmo sentido, o acórdão da RC de 09.01.2018, in www.dgsi.pt, considerou que: «I – Um documento autêntico faz prova plena dos factos referidos como praticados pelo documentador: tudo o que o documento referir como tendo sido praticado pela entidade documentadora, tudo o que, segundo o documento, seja obra do seu autor, tem de ser aceite como exacto (art. 371º, nº 1, 1ª parte, do C.Civ.). II - Uma escritura pública de compra e venda pertence indiscutivelmente à categoria dos documentos autênticos (art. 369º, nºs 1 e 2 do CCiv) e faz, por isso, prova plena dos factos que sejam atestados pela entidade documentadora (art. 371º, nº 1 do CCiv.). III - Um documento autêntico prova a verdade dos factos que se passaram na presença do documentador, quer dizer os factos que nele são atestados com base nas suas próprias percepções (art. 371º, nº 1, 2ª parte, do CCiv.). IV - Isto é, o documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos que documenta se passaram; mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade. Dito doutro modo: o documento autêntico não fia, por exemplo, a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador; só garante que eles as fizeram. V - Pode, assim, demonstrar-se que a declaração inserta no documento não é sincera nem eficaz, sem necessidade de arguição da falsidade dele» (cfr., no mesmo sentido, os acórdãos do STJ de 11.12.2018 e de 15.04.2015, in www.dgsi.pt)
Temos, pois, que um documento autêntico, como é o caso de uma escritura pública, apenas prova que as declarações foram feitas perante o notário, mas não assegura que correspondam à verdade, uma vez que essa realidade não está coberta pela percepção daquele, admitindo-se, por isso, a produção de prova, designadamente testemunhal, sobre os vícios da vontade, desde que exista um princípio de prova em sentido contrário.
Sucede que se tem entendido, de forma também pacífica (cfr. acórdão do STJ de 17.12.2015 e da RC de 24.04.2018, ambos em www.dgsi.pt), que a declaração de que numa determinada data se é devedor de uma concreta quantia, prestada perante o credor e o notário e constante de uma escritura pública, não pode ser desconsiderada ao ponto de o mutuário ser pura e simplesmente dispensado da demonstração da sua inveracidade.
É que a força probatória plena emergente de um documento exarado pelo notário não corresponde, apenas, aos factos que o mesmo presenciou e que fez constar do acto, podendo envolver, noutro campo, a valoração de declarações a que seja atribuído valor confessório.
Ora, uma declaração feita por uma parte à contraparte, que envolva o reconhecimento de um facto que lhe seja desfavorável e favoreça a parte contrária, é qualificada como declaração confessória, nos termos e para efeitos dos arts. 352.º e 358.º, n.º 2, do CC.
A confissão constitui um meio de prova, na medida em que se traduz no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352.º do CC).
De acordo com o disposto no art. 358.º, n.º 2 do CC, a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.
Destarte, a declaração confessória de uma dívida traduz o reconhecimento de um facto que, prejudicando o declarante, beneficia a contraparte, constituindo, por isso, uma confissão extrajudicial dotada de força probatória plena.
Neste sentido, veja-se, por todos o já citado acórdão da RC de 09.01.2018: «VI - Se na realidade não faz a mesma prova plena do pagamento do preço à vendedora/recorrente, fá-lo, no entanto, da sua declaração de já haver recebido o preço, pois que a realidade da afirmação cabe nas percepções do notário, o que implica o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável, beneficia a autora, e que o artigo 352º do CCiv. qualifica como confissão. VII - Trata-se de uma confissão extrajudicial em documento autêntico, feita à parte contrária, admissível pela sua própria essência, que goza de força probatória plena contra o confitente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355º, nºs 1 e 4, e 358º, nº 2 do CCiv. VIII - Lembre-se que o nº 2 do artº 358º do CCiv. dispõe que “A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”. IX - Em resultado dessa força probatória plena, o facto confessado ter-se-ia, em princípio, de considerar como provado, sem poderem ser admitidas outras provas para isso contrariar (designadamente, a prova testemunhal - artº 393º, nº 2 - e, consequentemente, o funcionamento das presunções judiciais - artº 351º, nº 1, do CCiv), sem prejuízo, porém, de se poder demonstrar a falsidade do aludido documento autêntico ou fazer prova da falta ou vícios da vontade que inquinaram a declaração “confessória” (artºs 372º, nº 1 e 359º do CCiv.). X - A jurisprudência dos tribunais superiores, com base no defendido pelo Prof. Vaz Serra, tem entendido, maioritariamente, que, fora dos casos acima referidos, quando houver determinado circunstancialismo, por exemplo um princípio de prova por escrito, que tornem verosímil o facto a provar, contrário à declaração confessória, ficará aberta a possibilidade de complementar esse circunstancialismo, mediante testemunhas, de modo a fazer a prova do facto contrário ao constante dessa declaração, ou seja, no caso, a prova de onde resulte não corresponder à realidade o afirmado recebimento do preço. XI - Na verdade, se o facto a provar está já tornado verosímil por um começo de prova por escrito, a prova testemunhal é de admitir, pois não oferece os perigos que teria se desacompanhada de tal começo de prova: em tal caso, a convicção do tribunal acha-se já formada parcialmente com base num documento, não sendo a prova testemunhal o único meio de prova do facto. XII - Tal como nos documentos autênticos, fixada a força probatória formal dos documentos particulares, segue-se a determinação da sua força probatória material, que se encontra fixada no art. 376.°, n.° 1, do CCiv, ao estabelecer que, reconhecido que o documento procede da pessoa a quem é atribuído, que é genuíno, fica determinado que as declarações dele constantes se consideram provadas na medida em que forem contrárias aos interesses do declarante, sendo indivisível a declaração, nos termos que regulam a prova por confissão».
4.5. No caso dos autos, a análise das duas escrituras públicas em causa permite concluir, sem equívocos, que o notário não atestou que as quantias que nelas se declarou terem sido, efectivamente, utilizadas pela ora recorrente lhe tenham sido entregues na sua presença.
Das referidas escrituras não decorre, também, que a ora recorrente tenha emitido qualquer declaração que envolva o reconhecimento, perante a credora C, de que lhe devia, nessa data, a quantia de € 450.000,00.
Com efeito, através da escritura pública de 29.02.2008 (n.ºs 1 e 2 dos factos provados), a C limitou-se a declarar abrir «um crédito em conta corrente à parte devedora até ao montante de e 450.000,00, que desde já se considera colocada à sua disposição e que se destina, segundo declaração da parte devedora, á construção de um edifício no imóvel adiante hipotecado» (cláusula 1.ª, n.º 1), sendo que «por conta do crédito em conta corrente, a parte devedora fica desde já autorizada a movimentar a quantia de € 123.100,00, ficando a utilização do restante crédito aberto, € 326.900,00, dependente de autorização da C em função do estado de desenvolvimento da construção» (cláusula 1.ª, n.º 4).
Não há, pois, qualquer confissão de dívida, quer do montante de € 450.000,00, quer de qualquer outro.
Já na escritura pública de 16.05.2012 (n.ºs 3 dos factos provados), através da qual as partes procederam à alteração do contrato de abertura de crédito em conta corrente, consta, apenas, que «o capital efectivamente utilizado pela parte devedora ao abrigo do limite máximo contratado é, na presente data, de € 450.000,00» (cláusula 5.ª) e que «os outorgantes expressamente acordam em aumentar o montante de crédito aberto em dez mil euros, perfazendo um total global de € 460.000,00 (…)» (cláusula 7.ª).
Esta escritura não contém, também, qualquer declaração da embargante/recorrente de que, na data da mesma, era devedora de uma concreta quantia. Na verdade, ambas as partes contratantes limitaram-se a declarar que o capital, efectivamente, utilizado era, naquela data, de € 450.000,00, mas tal não significa que a parte devedora reconhecesse que tal capital se encontrava, integral ou parcialmente, em dívida (até porque o contrato previa amortizações do saldo devedor da conta corrente) e, muito menos, que a quantia, declaradamente, utilizada se encontrasse, ainda, em dívida à data das alegadas cessões/transmissões de crédito ou da instauração da execução.
Aliás, importa não esquecer que, conforme decorre do facto 3A aditado (vide ponto 4.1. deste acórdão), em 01.07.2013, a C declarava estar, apenas, em dívida a quantia de € 47.899,58…
Desta forma, não tendo a disponibilização/entrega do capital à parte devedora, a ora recorrente, sido atestada pelo notário (art. 371.º, n.º 1 do CC), nem tendo havido qualquer reconhecimento de dívida (art. 358.º, n.º 2 do CC), só pode concluir-se que a escritura pública em causa não faz prova plena da disponibilização/entrega da quantia de e 450.000,00, pelo que o ónus da prova da entrega dessa quantia cabia à exequente/embargada.
Ou seja, no caso concreto, embora não tenha sido posta em causa a falsidade da escritura pública (pois que se aceita o ali atestado pela autoridade pública), não se fez prova material das entregas de capital ali referidas.
Acresce que, ainda que se entendesse, como o fez o tribunal recorrido, que a cláusula 5.ª da escritura de 14.05.2012 constitui uma confissão extrajudicial de dívida, sempre teríamos que a mesma foi feita perante a C e não perante a exequente/embargada.
Ora, a conclusão pela força probatória plena de tal suposta confissão só poderia ser válida se estivéssemos, exclusivamente, no confronto entre a credora, que disponibilizou o capital, e a executada/devedora (confitente), como expressamente previsto no art. 358.º, n.º 2 do CC (a “parte contrária” ali referida corresponde, naturalmente, ao credor, pois este é que é o destinatário da declaração confessória).
É que a declaração confessória, apenas, tem eficácia plena contra o confitente quando feita perante a parte contrária, com a consequência de o beneficiário dela não carecer de fazer outra prova do facto confessado e de o juiz ficar vinculado à confissão, impondo-se considerar o facto confessado como verdadeiro.
Sucede que, no caso dos autos, a confissão de dívida foi invocada, por via da execução, por um terceiro, no caso o cessionário e, por isso, face ao disposto no n.º 4 do art. 358º, é apreciada livremente pelo tribunal.
Com efeito, a declaração confessória da devedora não foi feita à exequente, mas à C, que lhe disponibilizou as quantias, pelo que a exequente não pode prevalecer-se da referida força probatória plena.
Conforme se decidiu no acórdão da RP de 27.01.2020, in www.dgsi.pt «I – A confissão de dívida constante de escritura pública só tem força probatória plena, como previsto no art. 358º nº2 do C.Civil, no confronto entre o mutuante dos empréstimos que originam tal dívida e o confitente (mutuário) e quando tal confissão foi feita em relação àquele».(cfr., no mesmo sentido, o acórdão do STJ de 12.01.2012, in www.dgsi.pt.).
Também o acórdão da RC de 24.04.2018, in wwww.dgsi.pt, entendeu que: «III – A declaração de que numa determinada data se é devedor de uma concreta quantia, prestada perante o que se diz credor e o notário, ficando a constar em escritura, tem força probatória plena decorrente de se traduzir em declaração confessória, nos termos e para efeitos dos arts. 352º e 358º, nº 2, do CC. IV – Sendo a confissão feita à parte contrária (no documento) ou a quem a represente, a força probatória plena só é afastada mediante prova da sua falsidade ou mediante a prova de algum vício da vontade juridicamente relevante. VII – Não existindo prova plena demonstração da entrega da quantia por parte dos credores e incumbindo a estes, como mutuantes, o ónus de prova da entrega da quantia, se para além do documento autêntico (escritura pública) não apresentarem outro meio probatório que demonstre a entrega, será de concluir não demonstraram o preenchimento dos requisitos do direito de crédito resultante do mútuo por si invocado e que foi validamente impugnado».
In casu, não existindo prova plena da entrega da quantia de € 450.000,00 por parte da C à ora recorrente, incumbia, indiscutivelmente, à exequente, que se arroga actual credora, o ónus de provar a entrega de tal quantia (art. 342.º, n.º 1 do CC), por se estar perante um facto constitutivo do seu alegado crédito.
E, sendo a força probatória da confissão, como se referiu, livremente apreciada pelo tribunal, verifica-se que, na sequência dessa livre apreciação, o tribunal recorrido, não só deu como não provada a dívida de capital de € 459.780,75 alegada no requerimento executivo (cfr. n.ºs 8 e 9 dos factos não provados), como não logrou apurar qualquer outra entrega/disponibilização/utilização de capital por parte da recorrente.
Na verdade, conforme decorre dos factos provados e não provados e, sobretudo, da fundamentação da decisão de facto, a exequente não logrou carrear para os autos qualquer outro meio probatório pessoal ou, sobretudo, documental (os cheques e as ordens de transferência ou pagamento, através das quais se fazia, imperativamente, a disponibilização e utilização do crédito – n.º 1 dos factos provados) que demonstrasse, de forma clara, evidente e inequívoca, a existência do alegado crédito, prova essa que lhe era, obviamente, possível e que se impunha.
Acresce que a não prova desses factos e a respectiva motivação apresentada pelo tribunal a quo, não foram sequer postas em causa no presente recurso (nomeadamente, pela exequente/embargada).
Por conseguinte, na sequência da não prova de tais factos (cfr., ainda facto 3A aditado), impõe-se concluir que a exequente/embargada não fez prova da existência do crédito, alegadamente, confessado e que, por isso, ao contrário do sentenciado, não pode ter-se o mesmo como verificado.
4.6. Em face das conclusões que antecedem, estão prejudicados os argumentos recursivos contidos nas conclusões 20.º a 28.º, na medida em que os mesmos tinham como pressuposto o entendimento de que estava demonstrada a existência do crédito cedido/transmitido, com base na confissão de dívida e no reconhecimento da executada/embargante como devedora, que, como se viu, não se perfilhou no presente acórdão.
Destarte, conclui-se pela procedência total do recurso, impondo-se revogar a decisão recorrida e substituí-la por outra que, julgando os embargos de executado deduzidos procedente, determine a extinção da execução.
A recorrida suportará as custas da execução, dos embargos e do recurso, por ter ficado vencida (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).

V – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar totalmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, julgando-se procedentes os embargos de executado deduzidos por B, Lda., e declarando-se extinta a execução.
Custas da execução, dos embargos e do recurso pela exequente/embargada.
Notifique.

Lisboa, 14.09.2023
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
Teresa Pais
Octávio Diogo