Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ADEODATO BROTAS | ||
Descritores: | PEAP EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO FAZENDA NACIONAL PENHORA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1- Transitada em julgado a homologação de um Plano Especial para Acordo de Pagamento (PEAP) sem que nele se preveja a continuação das execuções contra o devedor, estas extinguem-se automaticamente, como decorre do artº 222º-E nº 1 do CIRE, mesmo que um dos credores exequentes seja a Fazenda Nacional e no PEAP não tiver sido determinado que esse PEAP é ineficaz em relação à Fazenda Nacional. 2- E extinta a execução, ainda que se trate de execução fiscal, extingue-se a penhora efectuada nessa execução. 3- Isto porque a penhora destina-se a individualizar os bens e direitos que respondem pelo cumprimento da obrigação pecuniária através da acção executiva e, por isso apenas subsiste enquanto a execução estiver pendente. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO 1- Caixa Geral de Depósitos, SA, em 08/06/2023, instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, contra PML e ACR, visando obter o pagamento coercivo da quantia de 164 514,93€ de capital, 2 435,25€ e 1 377,89€ de juros e, 71,52€ de comissões. Apresentou, como títulos executivos, os mesmos três contratos que havia dado à execução que pendeu sob o nº 1420/21.2T8PDL. Na pendência daquela outra execução, os executados avançaram com um Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP) e, em 21/12/2021, foi nomeado administrador judicial provisório aos ali (e aqui) devedores e, por consequência aquela execução ficou suspensa; a ora exequente reclamou os seus créditos naquele PEAP; votado favoravelmente este PEAP em Maio de 2022, a 1ª instância entendeu não homologar esse Plano e, interposto recurso dessa decisão, veio a ser revogada por acórdão do TRL, de 18/10/2022, transitado em julgado, que decidiu homologar esse PEAP. O PEAP não foi cumprido. 2- Por despacho de 25/07/2023, o Agente de Execução (AE) oficiou ao Serviço de Finanças de Vila do Porto, solicitando a seguinte informação: “Na qualidade de agente de execução no Proc.º n.º …/23.0T8PDL, efetuei uma penhora – AP 2959, de 2023/06/15, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Porto, sob o n.º 1…Vila do Porto. Acontece que já existe uma penhora anterior – AP 1612 de 2020/12/03, a favor da Fazenda Nacional, Proc.º n.º …. e Apensos Serviço de Finanças de Vila do Porto, conforme certidão permanente que junto (tenho a informação que o Proc.º n.º …/19.5TBVPV, onde se registou a penhora anterior – AP. 2543 de 2019/06/28, encontra-se extinto e arquivado). Para decidir a sustação ou não do meu processo (art.º 794.º do CPC), necessito a informação se aquela primeira penhora continua em vigor, pelo que solicito a Vexa. se digne informar se a Fazenda Nacional continua com interesse na penhora registada a seu favor, ou seja, se o vosso Proc.º n.º …. e Apensos, continua em vigor. No caso negativo, solicito a Vexa. se digne emitir o documento de cancelamento de penhora, de forma a evitar a sustação do presente processo.” 3- Sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Porto sob o nº 1…, mostram-se registados: a)- Hipoteca voluntária Ap. 2235 de 2016/11/29 a favor da Caixa Geral de Depósitos, SA, até ao montante máximo assegurado de 224 190€, figurando como sujeitos passivos PML e ACR; b)- Penhora, Ap. 2543 de 2019/06/28, pela quantia exequenda de 11 890,18€, sendo exequente Carpintaria P… e, executados ACR e PML; c)- Penhora, Ap. 1612 de 2020/12/03, pela quantia de 55 925,54€, sendo exequente a Fazenda Nacional e, executados PML (Processo de execução fiscal nº … e Apensos - Serviço de Finanças de Vila do Porto); d)- Penhora, Ap. 7696 de 2021/02/2017, pela quantia de 30 112,95€, sendo exequente Construtora MA, Lda e, executados PML e ACR; e)- Penhora, Ap. 1933 de 2021/10/04, pela quantia de 194 004,08€, sendo exequente Caixa Geral de Depósitos, SA e executados PML e ACR (Proc. 1420/21); f)- Penhora, Ap. 2959 de 2023/06/15, pela quantia de 185 576,69€, (efectuada nesta execução), sendo exequente a Caixa Geral de Depósitos SA e, executados, ACR e PML. 4- A execução onde ocorreu a penhora referida em b) foi julgada extinta. 5- Em 24/08/2023, o Chefe de Finanças de Ponta Delgada, em resposta ao pedido de informação referido em 2 supra comunicou que “…mantém todo o interesse na penhora registada a favor da Fazenda Nacional – Ap 1612 de 2020/12/03…” 6- Por informação de 01/09/2023, o AE informou o Tribunal que em face da posição do Chefe do Serviço de Finanças – a informar que mantinha interesse na penhora anterior – sustava a presente execução nos termos do art.º 794º nº 1 do CPC. 7- Em 30/11/2023, o Chefe de Finanças informou o AE que “…os autos encontram-se a aguardar informação no sentido de averiguar se o acordo homologado no âmbito do processo especial para acordo de pagamento com o nº …/21.8T8VPT…se encontra válido.” 8- Por requerimento de 27/12/2023, a exequente, Caixa Geral de Depósitos, SA, solicitou que: “…deverá ser levantada a sustação da execução em relação ao referido imóvel, e, consequentemente, os credores públicos citados para reclamarem os seus créditos e o mesmo ser vendido no âmbito dos presentes autos…”. Invocou, em síntese, que: “… em face do teor da referida resposta e da data da penhora (2020/12/03) inscrita a favor da Fazenda Nacional, no âmbito da execução fiscal pela …, pode concluir-se que este processo de execução fiscal está abrangido pelo acordo de pagamento homologado pelo AC. do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/10/2022…” (…) “…dispõe o Artigo 222.º-E, do CIRE que, “a decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 222.º-C obsta à instauração de quaisquer ações executivas para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações executivas em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se as mesmas logo que seja aprovado e homologado acordo de pagamento, salvo quando este preveja a sua continuação (sublinhado nosso). Assim sendo, não prevendo o acordo de pagamento homologado a continuação aquela acção executiva, terá de concluir-se que a mesma foi extinta com a homologação do acordo de pagamento ocorrida em 18/10/2022, e, consequentemente, as penhoras, com a prolação do citado acórdão.” Juntou cópia do Acórdão proferido a 18/10/2022 pela 1ª Secção do TRL, no sumário do qual pode ler-se: “I- No âmbito do processo especial para acordo de pagamento, o juiz pode oficiosamente, à luz do artigo 215.º do CIRE, recusar a homologação do acordo, nos casos em que, ainda que aprovado pelos credores, se verifique uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo (preceito aplicável por força do estatuído no artigo 222.º -F n.º 5 do CIRE). II- Neste enquadramento, apenas se poderá/deverá considerar não negligenciável uma violação que afecte de forma grave os interesses dos credores, sem esquecer que o processo especial de acordo de pagamento procura sempre, e em última instância, salvaguardar o interesse da recuperação financeira dos devedores. III- Nesse pressuposto, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários - previsto no artigo 30.º n.º 2 da Lei Geral Tributária - não obriga a que seja oficiosamente recusado o acordo que prevê o pagamento da totalidade do crédito da AT, e juros, em 150 prestações mensais e sucessivas, ainda que tal acordo não tenha obtido o voto favorável da AT, cada uma das prestações parcelares fiquem aquém do limite mínimo legalmente estabelecido e o plano seja omisso quanto a garantias. IV- As violações retratadas não acarretaram consigo um “resultado” não autorizado. A lei não dá à AT um direito especial de voto e o plano não contempla qualquer redução do capital, qualquer perdão de juros, qualquer período de carência, sendo os créditos tributários pagos no prazo de pagamento mais alargado que a lei prevê, em 150 prestações. V- As violações detectadas - (i) mera modificação do valor do pagamento parcelar, pouco expressivo, dado que respeita sempre, e em última análise, a integralidade do crédito tributário que não sofre qualquer redução, e (ii) omissão de garantias, que não afasta a admissibilidade do pagamento em prestações, ao abrigo de plano de recuperação, em face do disposto no n.º 13 do artigo 199.º do CPPT, admitindo a própria lei fiscal a dispensa das mesmas em determinadas circunstâncias - não importam na violação de normas não negligenciáveis que justificassem a recusa oficiosa de homologação do plano.” 9- Por despacho da 1ª instância, de 29/01/2024 foi determinado: “…notifique o Sr. Chefe de Divisão Tributação e Justiça Tributária para, em 10 dias, esclarecer a que concreta garantia do PEF nº …. se refere quando menciona, na sua resposta, “todas as garantias existentes antes da aprovação se mantêm validas e eficazes, assegurando a lei, apenas a inexigibilidade de garantias adicionais e não, o levantamento de quaisquer garantias previamente constituídas.” 10- Em resposta, o Serviço de Finanças veio dizer: “Em referência à notificação com a referência n.º 56614729, vem esta Direção de Finanças esclarecer que se trata da penhora registada a favor da Fazenda Nacional – AP. 1612 de 2020/12/03, efetuada sobre o prédio urbano composto por terreno para construção, inscrito na respetiva matriz predial urbana com o artigo matricial n.º 2…da freguesia e concelho de Vila do Porto, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Porto, sob o n.º 1… da freguesia de Vila do Porto.” 11- Por despacho de 03/02/2024, a 1ª instância decidiu: “Caixa Geral de Depósitos, SA, Exequente nos autos, solicitou autorização para o levantamento do sigilo fiscal para o senhor Agente de Execução apurar o estado dos processos executivos fiscais nº … e apensos, do Serviço de Finanças de Vila do Porto, para aferir os motivos para ainda não ter sido promovida a venda do imóvel e se a venda do imóvel penhorado, por se tratar de habitação dos Executados, aí terá lugar. Pediu ainda o levantamento da sustação da execução em relação ao referido imóvel, e o mesmo ser vendido no âmbito dos presentes autos. Em resposta prestada, o senhor Chefe de Divisão de Tributação e Justiça Tributária informou que os autos encontram-se a “aguardar informação no sentido de averiguar se o acordo homologado no âmbito do processo especial para acordo de pagamento com o nº …/21.8T8VPT (…), se encontra válido”. Solicitadas as devidas informações ao Processo …/21.8T8VPT, verifica-se que por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que transitou em julgado em 08.11.2022, foi decidido revogar a decisão de não homologação do plano, passando a subsistir decisão de homologação do mesmo, onde, na parte referente ao crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira, consta o pagamento do montante reclamado em 150 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira no prazo de trinta dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença de homologação do acordo de pagamento; e pagamento dos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legalmente fixada para os juros de mora aplicável às dívidas ao Estado. Em nova pronúncia, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazê-lo nos termos constante do requerimento com a refª 5540611, onde, em suma, entende que da enunciação das normas legais que entendeu invocar, para a Administração Tributária e qualquer instância ou decisão que contrarie tais disposições, seria sempre ilegal. Adianta ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que na sequência da aprovação de plano de pagamentos, vigora, nos termos do n.º 13º do artigo 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que “Os pagamentos em prestações ao abrigo de plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação que decorra do plano ou do acordo não dependem da prestação de quaisquer garantias adicionais.”, pelo que todas as garantias existentes antes da aprovação se mantêm validas e eficazes, assegurando a lei, apenas a inexigibilidade de garantias adicionais e não, o levantamento de quaisquer garantias previamente constituídas. Vejamos. Salvo devido respeito, a posição espelhada pela Autoridade Tributária e Aduaneira enferma de dois vícios de raciocínio. Desde logo, porque já não nos encontramos no âmbito de um mero acordo que autorize a Autoridade Tributária e Aduaneira a aguardar informação no sentido de averiguar se o acordo homologado no âmbito do processo especial para acordo de pagamento com o nº …/21.8T8VPT se encontra válido. Estamos, sim, diante de um plano homologado por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que transitou em julgado em 08.11.2022 e ao qual a Autoridade Tributária e Aduaneira deve obediência, aliás como sucede com qualquer entidade pública e privada ali incluída. Com efeito, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades – art.º 205.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Conclui-se, pois, que o plano homologado no Processo …/21.8T8VPT é para cumprir nos seus exactos termos, obrigando todos os envolvidos. Aqui reside o primeiro vício de raciocínio da Autoridade Tributária e Aduaneira. De outro vector, e como já frisado, refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, apelando ao disposto no n.º 13º do artigo 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que todas as garantias existentes antes da aprovação se mantêm validas e eficazes, assegurando a lei, apenas a inexigibilidade de garantias adicionais e não, o levantamento de quaisquer garantias previamente constituídas. Adivinhando a resposta, mas para que dúvidas não restassem, entendeu o tribunal questionar a Autoridade Tributária e Aduaneira para que esclarecesse a que garantia se referia (Refª 56599978). O segundo vício de raciocínio da Autoridade Tributária e Aduaneira manifestou- se na resposta que ofereceu, ao referir que a garantia é a penhora registada a favor da Fazenda Nacional. Na verdade, a penhora não é uma garantia do crédito, mas sim o meio de obter o cumprimento coercivo da obrigação, consistindo na apreensão do bem para, através dele (venda ou adjudicação), os tribunais se substituírem ao executado no cumprimento da respectiva obrigação pecuniária. Dito de outra forma, mas igualmente eficaz, a penhora não está prevista no Código Civil entre as garantias especiais das obrigações (Capítulo VI do Código Civil), mas sim no Capítulo VII (Cumprimento e não cumprimento das obrigações) Secção III (Realização coactiva da prestação). Feito este (necessário) esclarecimento, centremo-nos na pretensão da Exequente Caixa Geral de Depósitos, SA. Lê-se no art.º 222.º-E, do CIRE que, a decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 222.º-C obsta à instauração de quaisquer acções executivas para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções executivas em curso com idêntica finalidade, extinguindo- se as mesmas logo que seja aprovado e homologado acordo de pagamento, salvo quando este preveja a sua continuação. Como acima se viu, o acordo alcançado no Processo …/21.8T8VPT, não prevê a continuação daquela acção executiva, pelo que bom é de ver que a mesma foi extinta com a homologação do acordo de pagamento, definitivamente decidida pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Extinta a execução, ocorre o inerente levantamento da penhora que tenha sido concretizada, pois esta destinava-se apenas, como já se observou, à realização dos fins da execução. Procede, assim, a pretensão da Exequente Caixa Geral de Depósitos, SA., o que ora se determina. Notifique, incluindo o Serviço de Finanças de Vila do Porto.” 12- Notificado, veio o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, interpor o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. A indisponibilidade dos créditos tributários prevalece sobre qualquer legislação especial, aplicando-se, nomeadamente, aos planos de insolvência/recuperação/pagamento. 2. A posição dominante do Supremo Tribunal de Justiça tem sido no sentido de o plano de insolvência/recuperação/pagamentos (conforme nos encontremos no âmbito de Processo de Insolvência, PER ou PEAP) dever ser homologado, decretando-se a ineficácia da decisão homologatória em relação aos créditos fiscais e da segurança social, que não serão afetados, atenta a sua indisponibilidade. 3. Pelo que a douto despacho recorrido, viola, o artigo 30.º, n.º 2, da LGT (Lei Geral Tributária), o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua alteração, redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. 4. Como consequência deve ser julgada a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, declarando-se a ineficácia do plano aprovado e homologado, relativamente aos créditos, determinado que o processo execução fiscal não seja considerando como extinto devendo o mesmo prosseguir para a regularização dos créditos tributáveis em dívida pelo executado, e por fim não determine o levantamento da penhora. 13- Não consta dos autos que hajam sido apresentadas contra-alegações. *** II- FUNDAMENTAÇÃO. 1- Objecto do Recurso. 1- É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, caso as haja, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida. Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir: - Se há fundamento para revogar a decisão que ordenou o levantamento da sustação da execução em relação ao imóvel penhorado nos autos e, determinou que os credores (incluindo os públicos) sejam citados para reclamarem os seus créditos e, o imóvel penhorado ser vendido no âmbito dos presentes autos. *** 2- Fundamentação de Facto. Com relevância para a apreciação e decisão do objecto do recurso importa ter presente a factualidade constante do RELATÓRIO que antecede. *** 3- A Questão Enunciada: se deve ser revogada a decisão que ordenou o levantamento da sustação da execução em relação ao imóvel penhorado nos autos e, determinou que os credores (incluindo os públicos) sejam citados para reclamarem os seus créditos e, o imóvel penhorado ser vendido no âmbito dos presentes autos. Segundo o Ministério Público, louvando-se em três acórdãos do STJ, que indica, mesmo que seja homologado o PEAP deve ser decretado que essa homologação é ineficaz em relação aos créditos fiscais e da Segurança Social, que não podem ser afectados, atenta a sua indisponibilidade estabelecida pelo artº 30º nº 2 da Lei Geral Tributária e, o nº 3 do mesmo artº 30º estabelece a prevalência do indisponibilidade dos créditos tributários sobre qualquer legislação especial. Será assim? Não se ignoram os três acórdãos do STJ que o apelante menciona: - (Ac. do STJ, de 18/02/2014, Fonseca Ramos), tirado no âmbito de um Plano de Recuperação, homologado pela 1ª instância, com votos contra da Fazenda Nacional e da Segurança Social, decisão que foi revogada pela Relação de Coimbra e sobre a qual veio a ser interposta Revista que decidiu: “Nestes termos, concede-se a revista, revogando-se, o Acórdão recorrido, decretando-se que a decisão que homologou o Plano de Revitalização da recorrente é ineficaz em relação à Fazenda Nacional e ao Instituto de Segurança Social.”; - (Ac. do STJ, de 10/05/2018, Fonseca Ramos), tirado no âmbito de um Plano de Revitalização (PER), que foi homologado pela 1ª instância e, confirmado pela Relação Coimbra, de que foi interposta Revista que decidiu: “Nestes termos concede-se a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, na parte em que considerou válido o conteúdo do plano de revitalização da recorrida, no concernente aos créditos do Estado, que permanecem incólumes, sendo ineficaz, quanto a si, a decisão dos credores, homologada por sentença.”; - (Ac. do STJ, de 17/04/2018, Pinto de Almeida), tirado no âmbito de um Plano de Insolvência, homologado pela 1ª instância, com voto contra da Fazenda Nacional e, posteriormente revogado pela Relação de Coimbra e sobre o qual incidiu Revista com a seguinte decisão: “Em face do exposto, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido, decretando-se que a decisão que homologou o plano de insolvência da recorrente é ineficaz em relação à Fazenda nacional.” Porém, a questão em causa nos autos coloca-se numa perspectiva diferente, por uma razão muito simples: o acórdão do tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do PEAP (Proc. 117/21.8T8VPT-A.L1) decidiu: “V-/ Decisão: Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a presente apelação, com revogação da decisão recorrida, de não homologação do plano, passando a subsistir decisão de homologação do mesmo.” E essa decisão de homologação do PEAP transitou em julgado. Ora, nessa homologação do PEAP foi decidido, relativamente aos créditos da Fazenda Nacional, que: “II – CRÉDITOS COMUNS II. A – CRÉDITOS COMUNS SUPERIORES A €2.500,00 3) CRÉDITO DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA: - pagamento do montante reclamado em 150 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira no prazo de trinta dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença de homologação do presente acordo de pagamento; - pagamento dos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legalmente fixada para os juros de mora aplicável às dívidas ao Estado.” E, na justificação da distinção entre os credores consta do PEAP, homologado pela Relação de Lisboa, reitera-se que: “B) Quanto ao crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira, a redução dos créditos fiscais e as moratórias estão proibidas pelo disposto nos arts. 30.º n.º 2 e 36.º n.º 3 da LGT, razão pela qual não estão comtemplados no presente acordo redução do capital, perdão de juros ou período de carência.” E, na fundamentação do mencionado acórdão da Relação, de 18/10/2022, foram antecipadamente rebatidos os argumentos ora invocados pelo apelante. Na verdade, aí se reconhece, além do mais, que: “Em primeiro lugar, cumpre ter presente que, no caso concreto de que aqui cuidamos, o crédito da Autoridade Tributária prende-se com IVA, IUC, IRC, IRS, taxas de portagens, coimas e encargos, e que, de acordo com a lista de créditos junta aos autos, que não foi impugnada e foi convertida em definitivo, o valor reclamado ascende a um total de 70.148,92 euros, sendo 59.198,14 euros de capital e 10.950,78 de juros. Neste contexto, decorre então do artigo 215.º do CIRE, aplicável à situação vertente por força do disposto no artigo 222.º-F n.ºs 2 e 5 da mesma lei, que «O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação» (sublinhado nosso). A lei não define o que são «vícios não negligenciáveis», e tem-se entendido que revestem tal natureza todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, diversamente se verificando quanto às infracções que afectem tão só as regras de tutela particular, que podem ser afastadas com o consentimento do protegido. Não é, pois, uma qualquer violação das normas a convocar que impõem a não homologação do acordo alcançado, mas sim, e apenas, as violações não negligenciáveis.” (…) “…no que respeita aos créditos do Estado, prevê actualmente o artigo 30.º da Lei Geral Tributária, sob a epigrafe “Objecto da relação jurídica tributária”, nos seus n.ºs 2 e 3 que «(..) 2 – O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. 3 - O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial» Com o aditamento deste n.º 3 ao artigo 30.º, o que foi feito na Lei do Orçamento para 2011 (lei n.º 55-A/2010 de 31/12), ficou claro que o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários seria estendido também aos processos previstos na lei de insolvência, onde os créditos tributários não poderiam também ser reduzidos ou extintos contra a vontade do Estado e em violação das normas tributárias. Tal princípio encontra-se também reflectido no artigo 36.º da mesma lei, que prescreve «(…) 2 - Os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes. 3 - A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei. (…)».” (…) “…Por sua vez, o artigo 196.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sob a epigrafe, “Pagamento em prestações e outras medidas”, estabelece, no que ao caso agora interessa, que «1 (…) 3 - É excepcionalmente admitida a possibilidade de pagamento em prestações das dívidas referidas no número anterior, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional ou criminal que ao caso couber, quando: a) O pagamento em prestações se inclua em plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação, e decorra do plano ou do acordo, consoante o caso, a imprescindibilidade da medida, podendo neste caso haver lugar a dispensa da obrigação de substituição dos administradores ou gerentes, se tal for tido como adequado pela entidade competente para autorizar o plano; ou b) Se demonstre a dificuldade financeira excecional e previsíveis consequências económicas gravosas, não podendo o número das prestações mensais exceder 24 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização. 4 - O pagamento em prestações é autorizado desde que se verifique que o executado pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez, não devendo o número das prestações em caso algum exceder 36 e o valor de qualquer delas ser inferior a um quarto da unidade de conta no momento da autorização, exceto se demonstrada a falsidade da situação económica que fundamenta o pedido. 5 - Nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores, poderá ser alargado o número de prestações mensais até 5 anos, se a dívida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autorização, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta. 6 - Quando, para efeitos de plano de recuperação a aprovar no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou de acordo a sujeitar ao regime extrajudicial de recuperação de empresas do qual a administração tributária seja parte, se demonstre a indispensabilidade da medida, e ainda quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do número anterior. (…). 8 - A importância a dividir em prestações não compreende os juros de mora, que continuam a vencer-se em relação à dívida exequenda incluída em cada prestação e até integral pagamento, os quais serão incluídos na guia passada pelo funcionário para pagamento conjuntamente com a prestação. (….) ». Na mesma linha, o artigo 197.º estipula que «A competência para autorização de pagamento em prestações é do órgão da execução fiscal» e o artigo 199.º, nos n.ºs 1, 3, 13 e 14, que «(…) 1 - Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente. 2 (…) 3 - Se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição. 13 - Os pagamentos em prestações ao abrigo de plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação que decorra do plano ou do acordo não dependem da prestação de quaisquer garantias adicionais. 14 – As garantias constituídas à data autorização dos pagamentos em prestações referidos no número anterior mantêm-se até ao limite máximo da quantia exequenda (…)” (…) “…cumpre então apreciar se os termos previstos para efeitos de pagamento do crédito da Autoridade Tributária no acordo homologado viola o estabelecido nestes normativos. E concluímos que sim”. Porém, como igualmente bem se esclarece no acórdão em causa: “…decorrendo ainda da lei que, para efeitos de plano, do qual a administração tributária seja parte, esta pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta (artigo 196.º, n.º 5 e 6 do CPPT), daqui se retirando que, no caso da Autoridade Tributária e Aduaneira, o legislador estabeleceu não só um número máximo de prestações mensais (150), como também um valor mínimo para cada prestação mensal (10ucs). Donde, no caso dos autos, em face do valor reclamado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o pagamento da dívida previsto no acordo, com crédito reconhecido no valor de 70.148,92 euros (59.198,14 euros de capital e 10.950,78 de juros), estabelecido em 150 prestações mensais e sucessivas, sem quaisquer garantias, contra a vontade desta, que votou contra a aprovação do plano, solicitando igualmente a recusa da sua homologação, fere, obviamente, o estipulado na lei. O acordo de pagamento não teve o acordo/voto favorável da AT, a fixação de 150 prestações de pagamento faseado não assegura que o valor mínimo de cada uma das mesmas não seja inferior a 10 unidades de conta e não foram fixadas quaisquer garantias. Dúvidas não há, e assim importa concluir, que o plano não cumpre os requisitos legais impostos (ainda que não pelas razões expostas na decisão recorrida), importando então verificar se essa violação das normas tributárias pode, ou não, ser considerada negligenciável.” (…) “… Neste enquadramento, temos por certo, apenas se poderá/deverá considerar não negligenciável uma violação que afecte de forma grave os interesses dos credores, sem esquecer que o processo especial de acordo de pagamento, de que aqui cuidamos, procura sempre, e em última instância, salvaguardar o interesse da recuperação financeira dos devedores”. E, louvando-se na lição de Carvalho Fernandes/João Labareda (Cire Anotado, 3ª edição, Quid Juris 2015, nota 5 ao artº 215º e ainda a pág. 783) bem como no acórdão do TRC, de 01/10/2013, Barateiro Martins, defende-se nesse acórdão da Relação de Lisboa: “Donde, e voltando aos autos, visando o Estado, como dissemos, com o processo de que aqui cuidamos, favorecer a recuperação dos devedores, importa, desde logo, e em primeiro lugar, considerar como negligenciável a falta de acordo da Autoridade Tributária na aprovação do plano, sob pena de, assim se não entendendo, lhe estarmos a conceder um direito de voto qualificado/veto que a lei não lhe atribuiu (ver, neste sentido, os vários acórdãos já proferidos nesta secção sobre esta matéria e disponíveis na dgsi, de 22/09/2020 (Amélia Sofia Rebelo), de 27/10/2020 (Manuela Espadaneira Lopes, de que a aqui signatária foi 1ª adjunta), de 22/02/2022 (Renata Linhares de Castro), em linha jurisprudencial seguida entre outros, pelos do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/10/2013 (já acima citado, Barateiro Martins) e 26/04/2022 (Maria João Areias) e Relação do Porto de 22/03/2021 (Fernanda Almeida)).” (…) “Temos igualmente como negligenciável o facto de, no caso em apreço, o pagamento em prestações não se conter dentro dos limites legais estipulados pela lei tributária (cada prestação no valor mínimo de 1.020,00 euros), bem como o facto de o mesmo ser totalmente omisso no que concerne a garantias. Com efeito, e sob pena de todas as violações serem não negligenciáveis (o que não faria sentido e certamente não foi essa a intenção do legislador) tendemos a considerar que questões de garantias, de suficiência ou insuficiência destas, e valor de cada prestação em si, não podem gozar do mesmo estatuto de norma imperativa a que se refere a indisponibilidade dos créditos tributários. Ainda que o n.º 2 do artigo 30.º da LGT determine que o crédito tributário é indisponível, não se retira da lei que essa indisponibilidade seja absoluta, tanto mais que a própria norma admite a possibilidade da sua redução ou extinção”. (…) “Não se dando, no caso dos autos, qualquer compressão do crédito global da Fazenda Nacional, pois que continuará a receber a totalidade do valor reclamado e dos juros vencidos, bem como dos vincendos, o aprovado acordo (ainda que apenas com o voto do credor maioritário) não acarreta consigo uma violação grave dos créditos tributários, no quadro legal da situação dos princípios da indisponibilidade e da legalidade tributária em que nos movemos, pois que a integralidade do pagamento do capital em divida e juros, no prazo prestacional admitido por lei, assim o afasta. É certo que cada umas das prestações não respeita o limite mínimo legalmente estabelecido, mas a violação de tal norma tem de ter-se por negligenciável, em defesa da unidade do sistema jurídico, pois que, por um lado, o acordo salvaguarda o interesse do credor, Estado, que vê integralmente liquidado o valor que lhe é devido, e, por outro lado, salvaguarda o interesse do devedor, possibilitando-lhe a sua recuperação financeira, que, de resto, é o fim visado pelo Estado na lei que prevê o processo aqui em causa. Donde, concluímos, os vícios detectados não interferem com a boa decisão da causa, com a justa salvaguarda dos interesses abrangidos e afectados pelo plano, tutela os direitos dos credores e permite o reequilíbrio dos devedores, ou, pelo menos, apresenta-se como medida imprescindível para esse equilíbrio. O que se nos afigura importante atentar é o facto de as violações aqui retratadas não acarretaram consigo um “resultado” não autorizado pela lei: basta ver, reitera-se, que o plano não contempla qualquer redução do capital, qualquer perdão de juros, qualquer período de carência, sendo os créditos tributários pagos no prazo de pagamento mais alargado que a lei prevê, em 150 prestações. E, como tal, os vícios apontados ao plano importam, pois, em violações negligenciáveis das normas tributárias, que se têm assim por admissíveis, uma vez que a violação detectada se traduz numa mera modificação do valor do pagamento parcelar, pouco expressivo, pois que respeita sempre, e em última análise, o crédito tributário, que não sofre qualquer redução.” Ora, como bem salienta a 1ª instância, o acórdão da Relação de Lisboa, vindo de referir, transitou em julgado e, por isso, a homologação do PEAP por ele realizada não pode ser alterada como, no fundo, pretende o Ministério Público com este recurso. Se o Ministério Público pretendia que devesse ser decretado que essa homologação do PEAP era ineficaz em relação aos Créditos Fiscais e da Segurança Social, devia ter reagido, tempestivamente, contra o acórdão da Relação de Lisboa que homologou o PEAP. Porém, não o fez. A esta luz, resta concluir que não pode proceder a pretensão formulada pelo Ministério Público nesta apelação de ser declarada “… a ineficácia do plano aprovado e homologado, relativamente aos créditos, determinado que o processo execução fiscal não seja considerando como extinto devendo o mesmo prosseguir para a regularização dos créditos tributáveis em dívida pelo executado, e por fim não determine o levantamento da penhora.” Assim, sem necessidade de outros considerandos, o recurso improcede. Só uma outra nota final relativa à questão de saber se a penhora constitui ou não uma garantia e qual a consequência de ter sido homologado o PEAP sem ser prevista a continuação das execuções. Quanto à questão de saber se a penhora é uma garantia. A 1ª instância afirmou que a penhora não constitui uma garantia, argumentando que “…a penhora não está prevista no Código Civil entre as garantias especiais das obrigações (Capítulo VI do Código Civil), mas sim no Capítulo VII (Cumprimento e não cumprimento das obrigações) Secção III (Realização coactiva da prestação).” Pois bem, a questão não é pacífica. Certa doutrina entende que a penhora “…não deixa de constituir, em termos substantivos, uma garantia das obrigações, na medida em que, além de impedir o executado de continuar a dispor dos bens penhorados, atribuiu ao exequente preferência na satisfação do seu crédito sobre esses bens…A penhora integra-se assim entre as garantias reais das obrigações.” (Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, 2012, 4ª edição, pág. 215). Rui Pinto (A Ação Executiva, 2018, AAFDL, pág. 640) refere “…a função de garantia traduz-se em o exequente adquirir pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (artº 822º do CC)”. Marco Carvalho Gonçalves (Lições de Processo Civil Executivo, 5ª edição, pág. 307) refere-se, entre parênteses, como “A penhora, enquanto “garantia especial das obrigações”, traduz-se numa apreensão judicial do património do executado, com vista à sua posterior venda executiva…”. Outra doutrina e jurisprudência refutam categoricamente a natureza de garantia à penhora. Assim, Miguel Pestana de Vasconcelos (Direito das Garantias, 2ª edição, pág. 416) afirma mesmo que “…a penhora não constitui uma verdadeira garantia real”, mas antes uma figura processual que produz efeitos semelhantes aos das garantias reais.” O Ac. do STJ, de 08/04/1997 (Pais de Sousa) entendeu “A penhora não se destina a garantir o pagamento da quantia exequenda, mas sim a obter a cobrança coerciva da dívida, pelo que subsistirá mesmo no caso de, havendo embargos, ser prestada caução para sustar a execução.”. Outros autores colocam o enfoque da penhora na sua instrumentalidade e funcionalidade. Assim, Lebre de Freitas (A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, 2ª edição, 1997, pág. 171 e seg.) “É essa apreensão judicial de bens do executado que se traduz penhora, que é assim o acto judicial fundamental do processo de execução para pagamento de quantia certa…” Amâncio Ferreira (Curso de Processo de Execução, 6ª edição, pág. 168) realça a função de especificação e a função conservatória dos bens que respondem pela dívida exequenda. Salvador da Costa (Concurso de Credores, pág. 27) refere “A penhora consubstancia-se na apreensão jurídica de bens do devedor ou de terceiro, em termos de desapossamento em relação àquele e de empossamento em relação ao tribunal, com vista à realização dos fins da acção executiva.” Castro Mendes/Teixeira de Sousa (Manual do Processo Civil, AAFDL, 2022, Vol. II, pág. 492) referem “A penhora atribui ao exequente uma preferência no pagamento através do produto da venda dos bens penhorados sobre qualquer credor que não tenha garantia real anterior sobre esses bens (artº 822º nº 1 do CC).” Pois bem, tendemos a concordar com o entendimento que prioriza as funções da penhora deixando para segundo plano a sua definição (Omnis definitio in iure periculosa est – Em direito toda a definição é perigosa, Erasmo, Adagiorum Chiliades). Dito isto, importa perceber qual a consequência de ter ocorrido homologação do PEAP sem se prever a continuação das execuções. Pois bem a resposta à questão encontra-se no que dispõe o artº 222º-E nº 1 do CIRE: “1 - A decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 222.º-C obsta à instauração de quaisquer ações executivas para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações executivas em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se as mesmas logo que seja aprovado e homologado acordo de pagamento, salvo quando este preveja a sua continuação.” No caso dos autos, homologado o PEAP sem determinação da continuação das execuções, resta concluir que as execuções, incluindo as fiscais, se extinguiram logo que aprovado e homologado o PEAP. E, a ser assim, extintas as execuções, extinguem-se as penhoras efectuadas nessas execuções que se extinguiram pela homologação do PEAP. Com efeito, refere Teixeira de Sousa (Acção Executiva Singular, 1998, pág. 197) “A penhora destina-se a individualizar os bens e direitos que respondem pelo cumprimento da obrigação pecuniária através da acção executiva. Isto significa que a penhora só se justifica enquanto a obrigação exequenda subsistir e a execução estiver pendente. Assim, qualquer causa de extinção da obrigação exequenda faz terminar a execução (artº 916º e 919º - actualmente 846º e 849º) e, consequentemente, a penhora.” Extintas as anteriores execuções e, iniciada a execução em causa nestes autos e efetuada (e registada) a penhora (Penhora, Ap. 2959 de 2023/06/15) prossegue a execução. Em suma, o recurso improcede. *** III- DECISÃO. Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, por consequência, mantém a decisão sob impugnação. Custas na instância de recurso, pela apelante. Lisboa, 12/09/2024 Adeodato Brotas Nuno Gonçalves Octávia Viegas |