Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLA FRANCISCO | ||
Descritores: | ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL CONSUMAÇÃO INDEMNIZAÇÃO JUROS DE MORA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/24/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1.–Aos pedidos de indemnização deduzidos em processo crime pela prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social é aplicável o regime especial do D.L. n° 73/99, de 19/03. 2.–Estando em causa a indemnização devida pela prática de um crime, os juros de mora não podem ser mais benévolos do que os devidos pelo simples atraso no cumprimento da prestação devida. 3.–O crime de abuso de confiança contra a segurança social consuma-se com a omissão de entrega, dentro dos prazos fixados na lei, dos montantes que o agente deduziu aos valores das remunerações pagas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais. 4.–A contagem dos juros deve ser feita desde a data em que se verificou a falta de pagamento de cada uma das contribuições pelos arguidos, nos termos previstos no art.º 805º, nº 2, alíneas a) e b) do Cód. Civil. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1–Relatório No processo nº 7874/19.0T9LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 10, foi proferida sentença, datada de 24/06/2022, de cuja parte dispositiva consta o seguinte: “1.– Condenar o arguido A pela prática de 1 (um) crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelas disposições conjugadas nos artigos 7°, 107°, n.º 1, 105°, do RGIT e artigo 30º, n.º 2 do C. Penal., na pena de 2 (dois) ano e 6 (seis) meses de prisão; 2.– Ao abrigo do disposto nos artigos 50º, 51º, n.º 1, alínea a), 53º e 54º do CP, 14º, n.º 1 do RGIT, decido suspender a execução da pena aplicada ao arguido A, por igual período, sujeita a regime de prova e sob condição de o arguido pagar 100€ (cem euros) mensais à demandante, por conta da indemnização em que vão condenados, até ao termo do período de suspensão; 3.– Condenar a sociedade B, pela prática de um 1 (um) crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 6°, 7°, n.º 3, 105º e 107º do R.G.I.T., aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, em conjugação com os artigos 30°, n.º 2 e 79°, do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 5€ (cinco euros), perfazendo 1.000€ (mil euros); 4.–Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido contra os demandados A e B, e consequentemente, condena-los a pagar à demandante a quantia de 63.610,54€ (sessenta e três mil seiscentos e dez euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida dos juros vencidos e vincendos, calculados, à taxa legal, desde a data da notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil, até efetivo e integral pagamento. (…)” * Inconformado com esta decisão veio o Instituto da Segurança Social, I. P., na qualidade de demandante civil, recorrer da mesma, formulando as seguintes conclusões: “1- O objeto do recurso prende-se com a seguinte questão: O(a) Meritíssimo(a) Juiz do Tribunal " a quo " ter condenado os demandados B. e A, a pagarem ao demandante a quantia de € 63.610,54, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, mas, calculados à taxa legal, prevista na Portaria n.° 291/03, de 08.04, desde a data da notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil, até efetivo e integral pagamento. 2- Não tem aplicação ao caso concreto, a doutrina constante do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 4/2002, de 27.06.2002, publicado no DR n.° 146, série I-A, uma vez que, esta apenas visa as situações em que tenha existido atualização da indemnização, quer por aplicação da correção monetária ao pedido inicial, quer por avaliação atualizada do desvalor do dano, o que não é desde logo o caso. 3- A doutrina daquele acórdão tem particular incidência nos casos em que se considerou a atualização até á data da sentença e se coloca a questão de, em aplicação do artigo 805.° n.° 3 do Código Civil, contar os juros desde a citação; se assim fosse, o titular do direito à indemnização beneficiaria de uma duplicação relativamente ao tempo que mediou entre a citação e a sentença: acumularia juros e atualização monetária. 4- Por outro lado, o Tribunal "a quo" parece entender que, por a mora ser resultante de um facto ilícito a taxa de juros aplicável é a legal, prevista no Código Civil e não a prevista nos termos do artigo 3.° n.° 1 do Dec. Lei n.° 73/99, de 16 de março. 5- Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado pela decisão recorrida, entendemos que o Tribunal "a quo" fez uma errada interpretação da lei substantiva e processual aplicável ao caso em apreço. 6- Na verdade, é consabido que a lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a inequívoca intenção do legislador (cf. artigo 7.° n.° 3 do Código Civil) e a Segurança Social beneficia de legislação especial, sendo aplicável ao caso sub judicie, o n.° 1 do artigo 16.° do Dec. Lei n.° 411/91, de 17/10 e o n.° 1 do artigo 3.° do Dec. Lei n.° 73/99, de 16/03. 7- O citado Dec. Lei n.° 73/99, regula em geral os regimes dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras entidades públicas, qualquer que seja a natureza dessas dívidas, e existindo lei especial, não pode a mesma ser derrogada pela Lei Geral, designadamente pelo Código Civil e Portarias que fixam as taxas de juros previstas naquele Diploma Legal. 8- De resto, a alínea c) do art.° 3.° do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de junho, expressamente estipula que se aplicam subsidiariamente (às infrações fiscais não aduaneiras), quanto à responsabilidade civil, "as disposições do Código Civil e legislação complementar", sendo precisamente essa legislação complementar que tem aqui aplicabilidade como, de resto, foi intenção inequívoca do legislador (cf. exórdio do Dec. Lei n.° 73/99, de 16/03). 9-Deste modo, ao pedido de indemnização civil deduzido pela segurança social, em processo comum fundado na prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social, aplica-se, a taxa de juros de mora de 1% ao mês, aumentando uma unidade por cada mês de calendário ou fração, se o pagamento se fizer posteriormente ao mês a que respeitarem as contribuições, nos termos do artigo 3.° n.° 1 do Dec. Lei n.° 73/99, de 16/03. 10- A partir de 31 de Dezembro de 2010, por força da entrada em vigor em 1 de janeiro de 2010, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.° 110/2009, de 16/09, as contribuições para as instituições de segurança social devem ser pagas até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que disserem respeito (artigo 43.°), sendo devidos juros de mora por cada mês de calendário ou fracção, pelo não pagamento das contribuições nos prazos legais (artigo 211.°), sendo a taxa de juros de mora igual à estabelecida no regime geral dos juros de mora para as dívidas do Estado e outras entidades públicas e, aplicada nos mesmos termos (artigo 212°). 11- Por sua vez, o artigo 3.° n.° 1 do Dec. Lei n° 73/99, de 16 de Março, com a alteração introduzida pela Lei n.° 3-B/2010, de 28 de Abril, passou a ter a seguinte redacção: "A taxa de juros de mora tem vigência anual com início em 1 de Janeiro de cada ano, sendo apurada e publicitada peio Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I. P. (IGCP, I. P.), através de aviso a publicar no Diário da República, até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior." 12-Daí que, a matéria relativa aos juros em causa não seja enquadrável no artigo 805.° n.° 3 do Código Civil, uma vez que, este preceito regula as situações de responsabilidade por facto ilícito se o crédito for ilíquido. 13- Importa sublinhar que, nos termos das alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo 805.° do Código Civil, se a obrigação tiver prazo certo e se a obrigação provier de facto ilícito, há mora do devedor independentemente de interpelação. E recorde-se que a condenação no pedido civil assentou na responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, ou delitual, com consagração expressa no artigo 483.° do Código Civil. 14- Significa isto que há lugar à aplicação do n° 2 do artigo 805° do C. Civil e não, do seu n° 3, existindo mora independentemente de interpelação do devedor, quer porque se trata de obrigação com prazo certo, quer porque ela provém de facto ilícito. 15-A matéria específica da Segurança Social está regulada no Decreto-Lei n.° 73/99, de 16 de março, sendo a taxa de juro a prevista no artigo 3.°, n.° 1 desse mesmo diploma legal. 16-No caso do pedido de indemnização cível formulado pelo Demandante subjaz uma obrigação legal (a obrigação jurídica contributiva), que nasce no ato de pagamento de salários, e de cujo incumprimento resultará a violação ilícita do direito das Instituições da Segurança Social receberem, nos prazos fixados por lei, os respetivos montantes descontados nos salários dos trabalhadores. 17- No caso sub judice temos dois regimes aplicáveis à taxa de juros: a regra geral e a especial, prevista no Dec. Lei n,° 73/99, de 16/03, aplicável às dívidas ao Estado e, por força do disposto no artigo 16.° do Dec. Lei n.° 411/91, de 17/10, às dívidas ao demandante. 18- Nenhuma disposição legal aponta no sentido do direito penal tributário, e muito menos, de forma inequívoca, afastar a aplicação das taxas de juro moratórias que se encontram previstas na legislação especial a que aludimos. 19- Por outro lado, o artigo 129.° do Código Penal, quando alude à «lei civil», não pode ser interpretado no sentido de excluir a aplicação da lei tributária quando esteja em causa a prática de um crime tributário do qual resultou responsabilidade civil. 20- Incontornavelmente, a interpretação e aplicação do direito que a douta sentença proferida pelo(a) Meritíssimo(a) Juiz do tribunal a quo fez da lei, conduziria (caso transitasse em julgado esta decisão), a um claro benefício ao infrator. 21- Com efeito, a nosso ver não é compaginável com uma sã aplicação da justiça que a taxa de juro devida a uma pessoa coletiva pública por responsabilidade civil decorrente da prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social seja mais "generosa", mais baixa, e por maioria de razão, diferenciada daquela que normalmente decorre de um qualquer incumprimento prestacional ou tributário. 22- A propósito do ora sufragado no presente recurso, cita-se os seguintes acórdãos: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.06.2012, proferido no âmbito do Processo n.° 10987/05.1TDLSB.L1.SI - 5a Secção, em que foi relator o Exmo. Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.dqsi.pt, e; 23- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.02.2017, proferido no âmbito do Processo n.° 599/14.4TACBR.C1 JTRC, em que foi relator o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Vasques Osório. 24- Como decorre do exposto, a douta sentença deve ser alterada no segmento da decisão do pedido civil, devendo os demandados serem condenados a pagarem ao demandante a quantia de € 63.610,54 mas, acrescida de juros de mora à taxa prevista no n.° 1 do artigo 3.° do Decreto Lei n.° 73/99, de 16 de março, contados a partir do termo do prazo em que cada uma das quantias referentes às quotizações deduzidas (períodos compreendidos entre novembro de 2014 a janeiro de 2018) deveriam ter sido entregues ao demandante, até integral e efetivo pagamento - como é de lei e de justiça! 25-Assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, na perspetiva do ora recorrente, encontram-se inobservados na douta sentença recorrida proferida pelo Tribunal "a quo" por errada interpretação e aplicação da lei os seguintes preceitos legais: artigos 483.° n.° 1, 497.° n.° 1, 805.° n.° 2, alíneas a) e b) e 806.° n.° 1 todos do Código Civil; artigo 212.° do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro; artigo 44.° da Lei Geral Tributária e artigo 3.° n.° 1 do Dec. Lei n.° 73/99, de 19 de março, aplicáveis por força do artigo 129.° do Código Penal.” * O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo. * O Ministério Público apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões: “1.º-Os arguidos foram condenados, além do mais, no pagamento da quantia de 63.610,54€ ao demandante cível, acrescida dos juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde a data da notificação para contestarem o pedido de indemnização civil, até efetivo e integral pagamento. 2.º- O recorrente entende que os juros devem ser calculados ao abrigo de legislação especial e não ao abrigo do Código Civil, como decorre da sentença. 3.º- Por estar em causa matéria exclusivamente cível, não tendo o Ministério Público peticionado qualquer indemnização, nem intervindo nos autos qualquer entidade que deva representar, aquele não é afetado pela interposição do recurso. 4.º- Consequentemente, o Ministério Público não tomará posição sobre o mérito do recurso interposto.” * O arguido A também apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões: “1.- Entende o Recorrente que o tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente a lei considerando com efeito que o Recorrido deva ser condenado ao pagamento da quantia de 63.6130,54€ acrescida de juros de mora à taxa legal prevista no artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de março contados a partir do termo do prazo em que cada uma das quantias referentes às quotizações deveriam ser entregues. 2.- As disposições legais que o Recorrente pretende ver aplicadas à taxa dos juros bem como ao modo da sua contagem são como oportunamente analisado, reguladoras das obrigações decorrentes das relações jurídicas administrativas-tributárias. 3.- O vínculo estabelecido entre o Recorrente e o Recorrido onde o objeto se prende com o incumprimento da prestação tributária é regulado por normas especiais e próprias das relações jurídicas administrativas. 4.- Efetivamente o Recorrente é dotado de ius imperii porque prossegue os fins do Estado, no exercício das suas funções públicas o que desde logo se harmoniza com a existência de meios coercivos especiais à luz das disposições administrativas-tributárias. 5.- Todavia julgamos que o cerne da questão está na confusão que o Recorrente configura quando emprega a satisfação do seu direito de crédito preveniente de uma relação jurídica administrativa-tributária no pedido de indemnização civil enxertado no processo penal. 6.- Ora, como oportunamente desenvolvido o pedido de indemnização civil no âmbito do processo penal, não tem por objeto a relação administrativa tributária entre o Recorrente e o Recorrido mas sim a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos emergentes do crime. 7.- O Recorrente no âmbito do crime de abuso contra a segurança social deduziu, por opção e através do princípio da adesão consagrado no artigo 71.º do CPP o pedido de indemnização civil, mas sabe, ou deveria saber, que este instituto marcadamente civilístico é regulado por disposições civis conforme se extrai de modo claro do artigo 129.º do CP e que em momento algum se confundem com as relações e disposições administrativas-tributarias. 8.- Entendimento contrário além de exceder de modo claro o artigo 71.º do CPP relativo ao princípio da adesão bem como a norma substantiva do artigo 129.º do CP ambas reguladoras do instituto do pedido de indemnização civil, não temos dúvidas que subverteria ainda a coerência e unidade do sistema pois estaríamos a consentir que os tribunais judiciais afinal dispusessem de competências para reconhecerem o direito de crédito do Recorrente no âmbito das relações jurídicas administrativas-tributárias entregues a jurisdições próprias. 9.- Face ao exposto, não tem razão a pretensão apresentada pelo Recorrente quando pretende ver aplicado ao pedido de indemnização civil as taxas dos juros de mora previstas no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de março.” * Nesta Relação, o Ministério Público não emitiu parecer, acompanhando a posição já assumida pelo Ministério Público na primeira instância. * Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência. * 2–Objecto do Recurso Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.») À luz destes considerandos, a questão a decidir neste recurso consiste apenas em saber se existe erro na apreciação e aplicação das disposições legais relativas ao cálculo de juros de mora resultantes do pedido de indemnização civil deduzido pela Segurança Social. * 3–Fundamentação: 3.1.– Fundamentação de Facto A decisão recorrida considerou provados e não provados os seguintes factos: “2.1.–FACTOS PROVADOS: a)-B, sociedade com o Número de Identificação de Pessoa Coletiva (NIPC) ... e sede na Rua ..., nesta cidade e comarca de Lisboa, cujo objeto social consiste em “Transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, nacional e internacional, distribuição e venda de cerveja, refrigerantes, sumos, outras bebidas e produtos alimentares”, encontra-se inscrita na Segurança Social com o Número de Identificação da Segurança Social (NISS) .... b)- Nos períodos compreendidos entre os meses de novembro de 2014 a Março de 2017, a sociedade B exerceu a referida atividade, procedendo ao pagamento das remunerações devidas aos seus trabalhadores e membros de órgãos estatuários. c)- Durante o período referido, a sociedade B procedeu ao desconto, nas remunerações devidas aos seus trabalhadores e membros de órgãos estatutários das quantias correspondentes a uma dedução global de 34,75% sobre o valor das remunerações devidas, no valor global de € 63.610,54 (sessenta e três mil seiscentos e dez euros e cinquenta e quatro cêntimos), de acordo com o seguinte mapa de apuramento da dívida, devidamente discriminado:
e)- O que, nem a sociedade B, nem o seu sócio-gerente e representante legal, o arguido A ..., o fizeram, no todo ou em parte, nem dentro dos prazos legais, tal como estavam obrigados, nem no prazo de 90 (noventa dias) após o termo dos referidos prazos. f)-Durante o prazo de pagamento, a sociedade B, através do seu sócio-gerente e representante legal, o arguido A apropriou-se das quantias provenientes da retenção na fonte das quotizações sobre as remunerações dos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, num total, optando por lhes dar outro destino. g)- A foi pessoalmente notificado, em seu nome pessoal e na qualidade de sócio-gerente e representante legal da sociedade arguida B, de que esta não seria punida pela prática do crime de abuso contra a Segurança Social caso procedesse ao pagamento das quantias acima referidas e respectivos acréscimos legais, no prazo de 30 (trinta) dias. h)- Contudo, nem durante o referido prazo, nem até à presente data, procederam ao pagamento das referidas quantias monetárias ao Instituto da Segurança Social, IP. i)- No período mencionado, A ... desempenhou as funções de sócio-gerente e representante legal da sociedade arguida B, tendo tomado as decisões relativa à gestão e administração da mesma, designadamente a afectação dos montantes retidos aos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários e devidos à Segurança Social a outros fins. j)- Com a conduta descrita, a sociedade B, por intermédio do seu sócio-gerente e representante legal, A ..., quis fazer seus os montantes mencionados e por si retidos, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam nem à sociedade que representava, que tinha a obrigação legal de os entregar ao Instituto da Segurança Social, IP, e que com esta conduta prejudicava os direitos e interesses da Fazenda Nacional, intentos que logrou alcançar. k)- Os arguidos agiram de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. l)- A falta de entrega dos montantes acima descriminados à Segurança Social ocorreu de uma forma essencialmente homogénea, decorrente de dificuldades económicas de tesouraria resultantes de uma diminuição da atividade e tendo em conta a difícil conjuntura económica. m)- A sociedade arguida foi declarada insolvente por sentença proferida a 17.11.2017, transitada em julgado no dia 28.11.2017, sendo nomeado Administrador de Insolvência C, com efeitos a partir do dia 09.11.2017. n)- O arguido confessou integralmente os factos, sem reservas, esclarecendo que utilizou os montantes correspondentes às contribuições devidas no pagamento de outros encargos indispensáveis à laboração da sociedade, com vista à sua estabilização económico-financeira. o)- Por causa e em consequência dos factos acima descritos, praticados pelo arguido em nome e no interesse da sociedade arguida, o ISS-IP ficou prejudicado na quantia de 63.610,54€ (sessenta e três mil seiscentos e dez euros e cinquenta e quatro cêntimos). p)- O arguido A foi condenado: 1.– No proc.º 1384/15.1IDLSB, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, por factos do ano de 2014, na pena de 160 dias de multa, a taxa diária de oito euros, por sentença transitada em julgado a 20 setembro 2016, pena extinta pelo pagamento da multa a 2 novembro 2016; 2.– No proc.º 82/15. 0IDLSB, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos do ano de 2014, na pena de 240 dias de multa, a taxa diária de seis euros, por sentença transitada em julgado a 2 março 2017, pena extinta pelo cumprimento a 19 de Dezembro de 2018; 3.– No proc.º 255/16.9IDLSB, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, por factos de setembro de 2015, na pena de 150 dias de multa, a taxa diária de €12,50, por sentença transitada em julgado a 21 junho 2017, pena substituída por 150 horas de trabalho comunitário, extinta pelo cumprimento a 1 maio 2019; 4.– No proc.º 1623/16.1IDLSB, pela prática de três crimes de abuso de confiança fiscal, por factos de agosto de 2016, na pena de 30 meses de prisão suspensa por igual período, por sentença transitada em julgado a 21 fevereiro 2019. 5.– No proc.º 72/18.1IDLSB, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos de 6 de Janeiro de 2017, na pena de 280 dias de multa, a taxa diária de seis euros, por sentença transitada em julgado a 11 de Janeiro de 2019; 6.– No proc.º 455/18.0IDLSB, pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal, por factos de abril de 2017, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa por igual período, condicionada ao dever de proceder à entrega a autoridade tributária de €100 mensais, por sentença transitada em julgado a 1 outubro 2019; q)– A sociedade arguida foi condenada: 1.-No processo 1384/15.1IDLSB, de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, por factos de 2014, na pena de 220 dias de multa, a taxa diária de €12, por sentença transitada em julgado a 20 setembro 2016, pena extinta pelo cumprimento a dois de novembro de 2016; 2.- No processo 82/15.0IDLSB, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, por factos de 2014, na pena de 180 dias de multa, a taxa diária de €19, por sentença transitada em julgado a 2 março 2017, extinta por prescrição a 2 março 2021; 3.- No processo 255/16.9IDLSB, de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, por factos de setembro de 2015, na pena de 150 dias de multa a taxa diária de €19, por sentença transitada em julgado a 21 junho 2017, pena extinta por prescrição a 21 junho 2021; 4.- No processo 1623/16.1IDLSB, pela prática de três crimes de abuso de confiança fiscal, por factos de agosto de 2016, na pena de 350 dias de multa, a taxa diária de sete euros, por sentença transitada em julgado a 21 fevereiro 2019; 5.- No processo 445/18.0IDLSB, pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal, por factos de abril de 2017, na pena única de 500 dias de multa, a taxa diária de cinco euros, por sentença transitada em julgado a 1 outubro 2019. 6.- No processo 72/18.1 e DLSB, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos de agosto de 2017, na pena de 500 dias de multa a taxa diária de cinco euros, por sentença transitada em julgado a 11 de janeiro de 2019; * 2.2.–FACTOS NÃO PROVADOS: Não se provou que: 1.- No período compreendido entre os meses de novembro de 2017 a janeiro de 2018, a sociedade B exerceu a referida atividade, procedendo ao pagamento das remunerações devidas aos seus trabalhadores e membros de órgãos estatuários. 2.- No período compreendido entre novembro de 2017 e janeiro de 2018 o arguido A exerceu de facto ou de direito as funções de gerente da sociedade arguida. 3.- Durante o referido período de Novembro de 2017 a Janeiro de 2018, a sociedade B procedeu ao desconto, nas remunerações devidas aos seus trabalhadores e membros de órgãos estatutários das quantias correspondentes a uma dedução global de 34,75% sobre o valor das remunerações devidas, no valor global de € 186,34 (cento e oitenta e seis euros e trinta e quatro cêntimos), de acordo com o seguinte mapa de apuramento da dívida, devidamente discriminado:
3.2.–Mérito do recurso Como fundamento do presente recurso veio o ISS-IP peticionar a condenação dos arguidos no valor do prejuízo patrimonial que sofreu, correspondente às contribuições devidas à Segurança Social retidas e não entregues pelos arguidos, acrescidas de juros vencidos e vincendos, calculados de acordo com a legislação especial prevista no D.L. nº 73/99, de 16/03. A decisão do Tribunal a quo condenou os arguidos no pagamento de juros contabilizados à taxa legal prevista na Portaria nº 291/03, de 8/04, no valor de 4%, vencidos desde a data da notificação para contestarem o pedido de indemnização civil, e vincendos, até integral pagamento. Impõe-se, assim, apreciar e decidir qual o regime legal aplicável, porquanto o mesmo tem efeitos quer quanto à determinação da taxa, quer quanto ao modo e período de contagem dos juros. Dispõe o art.º 129º do Cód. Penal que a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil. Esta disposição legal é um reflexo do princípio da adesão, consagrado no art.º 71º do Cód. Proc. Penal, segundo o qual: “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.” Por sua vez, o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social está previsto no art.º 107º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/06, nos seguintes termos: “1- As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.os 1 e 5 do artigo 105.º 2- É aplicável o disposto nos n.os 4 e 7 do artigo 105.º” O art.º 105º do mesmo diploma, relativo ao crime de abuso de confiança fiscal, estabelece que: “1-Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. 2-Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja. 3-É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente. 4- Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: a)- Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; b)- A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito. 5- Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a (euro) 50000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas. 6- (Revogado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro). 7- Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.” No presente recurso não está em causa a prática do crime pelos arguidos, a justeza das penas aplicadas, nem o montante indemnizatário fixado na decisão recorrida e respectiva fundamentação. Como refere o recorrente, considerou-se na decisão a quo estarem reunidos quanto aos recorridos todos os pressupostos determinantes da responsabilidade civil por factos ilícitos previstos no art.º 483° do Cód. Civil, a saber: - um facto voluntário, traduzido na omissão da entrega das contribuições deduzidas das remunerações dos trabalhadores, quando existia a capacidade e o dever de o fazer; - ilícito, por ser criminalmente punível e violar normas que protegem interesses alheios, nomeadamente o direito de crédito da Segurança Social, sua legítima proprietária; - culposo, sob a forma dolosa, na medida em que podiam ter agido de outra forma e tinham a possibilidade de pagar as contribuições, já que continuaram a pagar salários aos trabalhadores e a manter a sociedade em funcionamento; - um dano, consubstanciado no valor das quantias que o recorrente deixou de receber em devido tempo e que lhe eram legalmente devidas; - o nexo de causalidade entre o facto e o dano, uma vez que o dano não se teria verificado não fora a conduta dos recorridos, conforme o previsto no art.º 563° do mesmo diploma. No entanto, como se referiu, importa determinar qual o regime legal relativo à taxa e forma de contagem dos juros devidos sobre o montante indemnizatório fixado. Considerou o Tribunal a quo que o regime aplicável para o cálculo dos juros moratórios no caso sub judice é o regime geral previsto nos arts.º 805º e 806º do Cód. Civil e fundamentou a sua decisão pela seguinte forma: “ (…) No que respeita aos juros peticionados pela demandante reverte-se para tudo quanto se expôs relativamente à causa de pedir da indemnização em processo penal, ou seja, não se cuida aqui de um direito a indemnização por incumprimento de obrigação – pagamento das contribuições retidas aos trabalhadores, obrigação esta com origem legal. Trata-se de um direito a indemnização emergente da prática de um crime. E, pese embora se confundam materialmente, posto que, num caso como noutro, o computo da indemnização corresponde à colocação do lesado na situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido o evento danoso, a verdade é que a causa de pedir de uma e outra, são distintas, donde, surgem repercussões, além do mais, ao nível do responsável pelo seu pagamento – aqui, na indemnização fundada na prática de crime, será o agente do mesmo, ali, indemnização fundada no incumprimento, será o devedor relapso, ou quanto ao regime da prescrição da obrigação de pagamento da contribuição e da prescrição do crime por omissão de pagamento. Conforme melhor se expos no AFJ, de 15-11-2012, DR I SÉRIE, Nº 4, 07.01.2013, P. 44 e ss., embora versando sobre questão distinta (competência da jurisdição comum para apreciação do pedido de indemnização civil deduzido pelo ISS-IP em procedimento criminal), a obrigação de pagamento das contribuições e acréscimos legais à Segurança Social emerge de relações jurídica administrativa - tributária especial e rege-se pela legislação de direito público, (…) o princípio da adesão ao processo penal (art.º 71 e ss CPP) apenas admite a formulação e conhecimentos de pedidos de indemnização cível conexa com o facto crime, portanto indemnização cuja obrigação se situe no âmbito das relações jurídicas privadas; (…). Em conformidade, entende este Tribunal que tal legislação especial não é aplicável à indemnização peticionada, desde logo porque, tal como resulta do teor literal do seu art.º 1º, n.º 1, alínea a), os juros moratórios nela contemplados respeitam a dívidas provenientes de (…) contribuições (…). Ora, o direito a indemnização reconhecido por este Tribunal não tem como causa a violação do direito de crédito do ISS-IP sobre as contribuições devidas pelas entidades patronais relativas aos vencimentos pagos aos trabalhadores e/ou membros da gerência, antes tem como causa de pedir exclusivamente o facto ilícito gerador do dano – o crime praticado. Assim, entende-se que o regime geral previsto nos artigos 805º e 806º do C.C. é o aplicável para o cálculo dos juros moratórios. Diz o segundo dos preceitos que na obrigação pecuniária a indemnização moratória corresponde aos juros contados a partir do dia da constituição em mora. Tal dia ocorre, no caso de indemnização devida pela prática de facto ilícito, a partir da data da citação – que no caso de pedido de indemnização civil enxertado em procedimento criminal corresponde à data da notificação do respetivo pedido de indemnização civil ao demandado para contestar, tal como se prevê no n.º 3 do art.º 806º do C.C., sendo aliás jurisprudência fixada – cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2002, de 27.06.2002, publicado no DR 146, série I-A.(…). “ Em sentido contrário à decisão do Tribunal a quo, defende o recorrente que o regime aplicável ao cálculo dos juros em causa é o previsto no art.º 3°, n° 1 do Dec. Lei n° 73/99, de 16/03. Estabelece-se neste preceito legal que: “1— A taxa de juros de mora é de 1%, se o pagamento se fizer dentro do mês de calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês de calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente. 2— Sobre os juros de mora não recaem quaisquer adicionais quer para o Estado quer para outras entidades públicas. 3 — A taxa referida no n.º 1 é reduzida a 0,5% para as dívidas cobertas por garantias reais constituídas por iniciativa da entidade credora ou por ela aceites e para as dívidas cobertas por garantia bancária. 4— O montante coberto por garantias reais é determinado por diferença entre o valor atribuído ao bem pela entidade credora e o valor das garantias constituídas a favor de terceiros, quando gozem de prioridade. 5— A taxa referida no n.º 1 pode ser reduzida por despacho do ministro de que dependa a entidade credora, no âmbito de procedimento conducente à celebração de contrato de consolidação financeira e reestruturação empresarial ou de processo especial de recuperação de empresas, desde que, cumulativamente: a)-Seja apresentado plano de recuperação económica considerado exequível; b)-As condições de regularização previstas para os créditos detidos pelo Estado ou por outras pessoas colectivas públicas sem forma, natureza ou denominação de empresa pública não sejam menos favoráveis do que o que vier a ser acordado para o conjunto dos restantes credores; c)-Os créditos detidos por sócios ou membros de órgãos de administração do devedor ou por pessoas com interesse patrimonial equiparável não obtenham, para cada pessoa, tratamento mais favorável que o previsto para os créditos detidos pelo Estado ou por outras pessoas colectivas públicas sem forma, natureza ou denominação de empresa pública; d)-As medidas adoptadas fiquem sujeitas à cláusula «salvo regresso de melhor fortuna», segundo formulação que preveja mecanismos de efectivação dessa cláusula. 6— A faculdade prevista no n.º 5 é extensiva, com as devidas adaptações, às situações em que o devedor, pela sua natureza jurídica, não tenha acesso a procedimento conducente à celebração de contrato de consolidação financeira e reestruturação empresarial ou a processo especial de recuperação de empresas.” A este respeito importa atentar também no art.º 1º do mesmo diploma, onde se pode ler que: “ Incidência 1– São sujeitas a juros de mora as dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas públicas que não tenham forma, natureza ou denominação de empresa pública, seja qual for a forma de liquidação e cobrança, provenientes de: a)-Contribuições, impostos, taxas e outros rendimentos quando pagos depois do prazo de pagamento voluntário; b)-Alcance, desvios de dinheiros ou outros valores; c)-Quantias autorizadas e despendidas fora das disposições legais; d)-Custas contadas em processos de qualquer natureza, incluindo os de quaisquer tribunais ou de serviços da Administração Pública, quando não pagas nos prazos estabelecidos para o seu pagamento. 2– Para os efeitos da alínea a) do número anterior, considera-se prazo de pagamento voluntário o que estiver fixado por lei, contrato ou despacho ministerial que reconhecer a dívida nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 233.º do Código de Processo Tributário. 3– Nos casos em que as dívidas referidas na alínea a) do n.º 1 estão sujeitas a juros pelo diferimento do pagamento em prestações, ou tratando-se de diferimento do pagamento de prestações relativas a alienações de bens ou rendimentos do Estado, os juros de mora incidirão sobre o montante das prestações a pagar, acrescido do respectivo juro. 4– Os juros de mora incidem sobre o montante da dívida, líquida de quaisquer descontos concedidos pelo pronto pagamento ou de compensações efectuadas por anulações.” Quanto à forma e aos prazos de pagamento ou entrega das contribuições pelas entidades empregadoras nos centros regionais de Segurança Social, e respectivas sanções pelo incumprimento de tais prazos, rege a Lei nº 110/2009, de 16/09, que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social e que revogou, entre outros, o D.L. nº 103/80, de 9/05 e o D.L. nº 411/91, de 17/10. No que respeita ao objecto do presente recurso, há que atentar nas seguintes disposições desta Lei: “Artigo 1.º Âmbito de aplicação O presente Código regula os regimes abrangidos pelo sistema previdencial aplicáveis aos trabalhadores por conta de outrem ou em situação legalmente equiparada para efeitos de segurança social, aos trabalhadores independentes, bem como o regime de inscrição facultativa.” “Artigo 2.º Objecto O presente Código define o âmbito pessoal, o âmbito material, a relação jurídica de vinculação e a relação jurídica contributiva dos regimes a que se refere o artigo anterior, regulando igualmente o respectivo quadro sancionatório.” “Artigo 43.º Pagamento das contribuições e das quotizações O pagamento das contribuições e das quotizações é mensal e é efectuado do dia 10 até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que as contribuições e as quotizações dizem respeito.” “Artigo 211.º Juros de mora 1- Pelo não pagamento de contribuições e quotizações nos prazos legais, são devidos juros de mora por cada mês de calendário ou fracção. 2- O disposto no número anterior é aplicável a todas as entidades devedoras, designadamente ao Estado e às outras pessoas coletivas públicas, independentemente da natureza, institucional, associativa ou empresarial, do âmbito territorial, nacional, regional ou municipal, e do grau de independência ou autonomia, incluindo entidades reguladoras, de supervisão ou controlo. 3- O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer normas que disponham em sentido diverso.” “Artigo 212.º Taxa de juros de mora A taxa de juros de mora é igual à estabelecida no regime geral dos juros de mora para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas e é aplicada nos mesmos termos.” Esta última norma remete para a legislação tributária supra referida, ou seja para o art.º 3º, nº 1 do D.L. n° 73/99, de 19/03, onde não se faz qualquer distinção quanto à sua aplicação a dívidas resultantes ou não resultantes da prática de um crime. Todas estas normas são normas especiais, face às regras gerais do incumprimento das obrigações e respectivas sanções, constantes dos arts.º 804º e seguintes do Cód. Civil, e nas mesmas prevêm-se não só o prazo de pagamento das contribuições devidas à Segurança Social, como as taxas de juros aplicadas em caso de não pagamento atempado. A apropriação pelos arguidos das quantias deduzidas e não entregues à Segurança Social integra, como se viu, a prática de um crime, correspondendo a privação desse recebimento ao dano sofrido pelo credor e correspondendo os juros de mora à indemnização devida pelo incumprimento da obrigação, nos termos do art.º 806° n° 1 do mesmo diploma. Verifica-se, assim, que a responsabilidade civil dos arguidos é extracontratual, porque decorrente da prática de um crime, sendo a respetiva indemnização regulada pela lei civil, no que se inclui a mora e os juros de mora, por força do disposto no art.º 129° do Cód. Penal. Porém, existindo legislação especial relativamente às dívidas por contribuições à Segurança Social, quer quanto ao início da mora, às taxas de juro e à forma do seu cálculo, é esta a legislação aplicável aos pedidos de indemnização deduzidos em processo de natureza criminal que tenham por objecto o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, e não a legislação geral. É que, segundo o disposto no art.º 7º, nº 3 do Cód. Civil, a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador. Não há disposição legal no sentido de afastar a aplicação das taxas de juro moratórias que se encontram previstas na legislação especial acima apontada. Por outro lado, quando no art.º 129º do Cód. Penal se refere que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, tal não se pode interpretar no sentido de que se pretende afastar a aplicação da lei tributária, quando esteja em causa a prática de um crime desta natureza, do qual resultou responsabilidade civil. Aliás, não faria sentido aplicar uma taxa de juro mais gravosa aos arguidos que decidem pagar a dívida, quando notificados para os termos do art.º 105º do RGIT, a fim de não serem julgados pela prática do crime que lhes é imputado, e beneficiar os arguidos que acabaram de ser condenados pelo crime com o pagamento de juros moratórios calculados nos termos gerais do art.º 806º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil. Outra não poderia ser a solução legal, sob pena de, estando em causa a indemnização devida pela prática de um crime, os juros de mora serem mais benévolos do que os devidos pelo simples atraso no cumprimento da prestação devida. Quanto à contagem dos juros em apreço, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a mesma não é enquadrável no art.º 805°, n° 3 do Cód. Civil, o qual regula as situações de responsabilidade por facto ilícito se o crédito for ilíquido. Ora, o cumprimento da obrigação jurídica contributiva em questão tem, como vimos, prazo certo. Por outro lado, o crime de abuso de confiança contra a segurança social consuma-se com a omissão de entrega, dentro dos prazos fixados na lei, dos montantes que o agente deduziu aos valores das remunerações pagas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais, pelo que a contagem dos juros se deve fazer desde a data em que se verificou a falta de pagamento de cada uma das contribuições pelos arguidos, nos termos previstos no art.º 805º, nº 2, alíneas a) e b) do mesmo diploma. Sendo líquidos os créditos provenientes dos montantes descontados nos salários dos trabalhadores, é aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 805º do Cód. Civil, verificando-se a mora independentemente de interpelação. Na verdade, tratando-se de dívidas originadas por falta de entrega de contribuições devidas à Segurança Social, o seu montante encontra-se perfeitamente determinado desde o momento em que a entrega era legalmente exigível, ou seja, muito antes da formulação do próprio pedido cível enxertado na acção penal, constituindo a falta dessa entrega também um facto ilícito. Em face de tudo o exposto, entendemos que tem de ser dada prevalência à lei especial, a qual não foi derrogada pela lei geral. Também a jurisprudência maioritária dos nossos Tribunais Superiores, e que merece a nossa concordância, vem decidindo que: - A taxa de juros aplicável é a prevista no artigo 3º, nº 1 do D.L. nº 73/99, de 19 de Março; - O prazo da contagem dos juros de mora deverá reportar-se ao 20º dia do mês seguinte àquele a que dizem respeito as contribuições que estavam em dívida, nos termos previstos nos arts.º 211º e 212º da Lei nº 11/09, de 16/09. Apontam-se, a título de exemplo, entre muitos outros, os seguintes acórdãos, todos acessíveis in www.dgsi.pt: - acórdão do STJ de 21/06/2012, proferido no processo n° 10987/05.1TDLSB.L1.S1, em que foi relator Rodrigues da Costa: "I-Tratando-se de dívida originada por não entrega de contribuições devidas à segurança social, estas encontram-se perfeitamente determinadas, desde o momento em que a entrega era legalmente exigível, ou seja, muito antes da formulação do próprio pedido cível enxertado na acção penal. E a falta de entrega dessas contribuições configura a prática de um facto ilícito. II- Sendo assim, rege o n.° 2 do art. 805.° do CC, e não o n.° 3. De acordo com tal prescrição, há mora do devedor independentemente de interpelação (judiciai ou extrajudicial): a)- por a obrigação ter prazo certo; b)- por a obrigação provir de facto ilícito. III- Estabelece, por seu turno, o art. 806. °, n.º 1, do CC, que, «na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora». Nos termos do art. 5.°, n.° 3, do DL 103/80, de 09-05 (RJCP), «o pagamento das contribuições deve ser efectuado no mês seguinte àquele a que disserem respeito, dentro dos prazos regulamentares em vigor». E o art. 10.°, n.° 2, do DL 199/99, de 08-06, estabelece que as contribuições devidas à segurança social «devem ser pagas até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que disserem respeito (...)». IV- Daqui decorre que a constituição em mora, no que toca às contribuições devidas à segurança social, verifica-se a partir do 15.° dia do mês seguinte àquele a que disserem respeito. Daí serem obrigações de prazo certo. A partir do referido dia vencem-se juros de mora. V- Nos termos do art. 3.°, n.° 1, do DL 73/99, de 16-03, «a taxa de juros de mora é de 1% se o pagamento se fizer dentro do mês do calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês de calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente», não podendo, todavia, nos termos do art. 4.° deste diploma legal, a liquidação dos juros de mora ultrapassar os últimos 5 anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidem "; - acórdão do TRL de 17/12/13, proferido no processo nº 424/10.5TALRS.L1-5, em que foi relator Luís Gominho: “As quantias concedidas a título de indemnização por contribuições devidas à Segurança Social e por esta peticionadas em processo cível enxertado na acção penal, vencem juros a serem calculados de harmonia com a legislação especial de que beneficia, consubstanciada, entre outros, nos artigs 16.º do DL n.º 411/91, de 17/10, e 3.º do DL n.º 73/99, de 16/03, e não nos termos do artigo 805.º, n.º 3 , do Código Civil, ou nos juros gerais previstos neste Diploma.”; - acórdão do TRC de 21/09/2016, proferido no processo nº 63/14.1TATBU.C1, em que foi relator Inácio Monteiro: “Na aplicação da taxa de juro por dívidas à segurança social, em condenação de indemnização cível, por procedência de pedido formulado em processo crime, por crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 107.º, n.ºs 1 e 2, 105.º, 6.º e 7.º, do RGIT, e art. 30.º, do Código Penal, pelo qual os arguidos foram condenados, deve ser aplicada a lei especial, designadamente a Lei n.º 4/2007, de 16/1 que aprova as bases gerais do sistema de segurança social e art. 211.º e 212.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, devendo os juros de mora ser calculados por cada mês de calendário ou fracção, de acordo com os diversos diplomas acima mencionados.”; - acórdão do TRG de 15/12/2016, proferido no processo nº 285/10.4TAVVG.G1, em que foi relatora Fátima Bernardes: “I)- Sendo o arguido/demandado condenado pela prática do crime de abuso de confiança contra a segurança fiscal e estando reunidos os pressupostos da responsabilidade civil, extracontratual, por facto ilícito, constitui-se na obrigação de indemnizar o ISS IP demandante, por todos os danos decorrentes da prática do crime, mais concretamente, da não entrega, no prazo legal, das cotizações deduzidas dos salários dos trabalhadores e devidas à Segurança Social. II)- Para além do valor dessas cotizações, cujo pagamento veio a ser efectuado na pendência do processo, são ainda devidos juros de mora, calculados nos termos do disposto no nº 3 do DL 73/99, de 16/03, com a redacção que lhe foi intoduzida pela Lei nº 3-B/2010, de 28/4 e do artºs 211º e 212º, que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial), vencidos até à data do pagamento do valor das cotizações.” - acórdão do TRC de 22/02/2017, proferido no processo n° 599/14.4TACBR.C1 JTRC, em que foi relator Vasques Osório: “I- O crime de abuso de confiança contra a segurança social torna-se perfeito, isto é, consuma-se, com a omissão de entrega, dentro dos prazos fixados na lei, dos montantes que o agente deduziu aos valores das remunerações pagas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais, por estes devidas. II- Existindo legislação especial, quer quanto a taxas de juro de mora, quer quanto à forma do seu cálculo, o que incluiu, necessariamente, a determinação do início da mora, relativamente às dívidas por contribuições à segurança social, é esta a legislação aplicável aos pedidos de indemnização deduzidos em processo de natureza criminal que tenha por objecto crime de abuso de confiança contra a segurança social, e não a legislação geral. III- O prazo de contagem dos juros de mora que integram o pedido de indemnização civil formulado pela segurança social, em processo comum fundado na prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social, se inicia, até Dezembro de 2009, no décimo quinto dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito, e a partir de 1 de Janeiro de 2010, no vigésimo dia do mês seguinte àquele a que disserem respeito.”; - acórdão do TRL de 25/03/2021, proferido no processo nº 1671/18.7T9LSB.L1-9, em que foi relatora Cristina Branco: “1- Os pedidos de indemnização civil formulados em processo penal, assentes no cometimento de crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, por falta de pagamento das contribuições legalmente devidas por descontos efetuados nos vencimentos dos trabalhadores e/ou dos membros dos órgãos sociais, aplica-se “in casu” a legislação especial existente a este respeito, muito em particular os dispositivos atinentes ao início da mora e à taxa dos juros de mora, ainda que se tenham em consideração os pressupostos da responsabilidade extracontratual; 2- Nestes termos os juros moratórios devidos, sobre os montantes em divida à Segurança Social devem ser calculados de acordo, com o estabelecido no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social [segundo o qual as contribuições para as instituições de segurança social devem ser pagas até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que disserem respeito (art. 43.º), sendo devidos juros de mora por cada mês de calendário ou fracção, pelo não pagamento das contribuições nos prazos legais (art. 211.º), sendo a taxa de juros de mora igual à estabelecida no regime geral dos juros de mora para as dívidas do Estado e outras entidades públicas, e aplicada nos mesmos termos (art. 212.º)], e no art. 3.º, n.º 1, do DL n.º 73/99, de 16-03, na sua redacção actualizada.” Não se desconhece a posição assumida pelo STJ no acórdão para fixação de jurisprudência datado de 15/11/2012, proferido no processo nº 187/09.2TDLSB.L2-A.S1, em que foi relator Pires da Graça, in www.dgsi.pt, embora o mesmo não tenha versado directamente sobre a questão objecto dos presentes autos. Aí se pode ler que: “ (…) No pedido civil deduzido em processo penal, atinente à prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social [artigo 107.º, do RGIT], a fonte da obrigação é a responsabilidade civil decorrente da prática de um crime e não a lei que define a obrigação de entregar certas quantias à Segurança Social. A qualificação como crime do acto do agente confere uma substancial especificidade à causa de pedir do enxerto cível: o facto jurídico concreto que a enforma não se identifica com o mero incumprimento de uma obrigação fiscal, mas com o incumprimento portador dos elementos objectivo-subjectivos do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social. (…) O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.(…) Seria legalmente inadmissível no processo penal e ao tribunal criminal faleceria competência, em razão da matéria, para dele conhecer, caso o pedido cível não se fundasse em indemnização por danos ocasionados pelo crime ou não se fundamentasse na responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime causou, pois que a acção cível que adere ao processo penal é a que tem por objecto a «indemnização por perdas e danos emergentes do crime», e só essa (arts. 128º do CP/82 e 129.º do CP/95.).[61] Consequentemente, pelos danos causados por um facto que não é susceptível de integrar um tipo legal de crime e que viola, exclusivamente, um crédito ou uma obrigação em sentido técnico, não pode pedir-se a respectiva indemnização no processo penal. O tribunal criminal, é incompetente, em razão da matéria, para conhecer da pura responsabilidade civil contratual.[62] Na verdade, o artigo 129º do Código Penal (CP) (sob o epíteto de Responsabilidade civil emergente de crime), dispõe expressamente: “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.”(…) A causa de pedir no pedido de indemnização deduzido por força do art. 71 do CPP, é a prática de um crime. (…) Objecto do pedido de indemnização civil não é a obrigação de pagamento das contribuições e acréscimos legais a favor da Segurança Social, que emerge de relação jurídica administrativa-tributária especial e rege-se pela legislação de direito público, mas sim a indemnização pelo valor do dano, que imediatamente corresponde ao montante em dívida pelo incumprimento dessas contribuições.(…) Verifica-se, assim, que: a)- a mesma conduta omissiva - não entrega, pelo devedor tributário substituto à Segurança Social, da contribuição deduzida - é valorada, simultaneamente, em sede tributária e em sede penal. b)- a violação da obrigação tributária de entrega não é anterior ao comportamento criminoso, pois que este consiste precisamente nessa violação. A responsabilidade tributária e a responsabilidade penal não têm, pois, causas diversas. Radicam-se, sim, em normas distintas, de natureza tributária e de natureza penal, mas, repetimos, a conduta omissiva é a mesma. (…) São realidades distintas que não se confundem, a liquidação e cobrança de dívida fiscal, por via fiscal, em execução fiscal, e o pedido de indemnização resultante da prática de crimes fiscais, que de per se, obedecem a causas de pedir diferentes, podendo gerar pedidos também diferentes. Em síntese, como salienta GERMANO MARQUES DA SILVA:[ Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, 2009, pags 121 a 124] “Nem o RGIT nem a LGT afastam a regra geral constante dos arts. 483º a 498º do Código Civil, aplicáveis por remissão do artº129º do Código Penal. […] A unidade e coerência do sistema impõem que se distinga a responsabilidade pelo pagamento do imposto (responsabilidade tributária), sendo então aplicável a legislação tributária, nomeadamente a Lei Geral Tributária, e a responsabilidade emergente de crime, consequência civil resultante da prática do ilícito criminal causador de dano à administração tributária ou à administração da segurança social. […] A dívida tributária existe e mantém-se independentemente da prática do crime tributário, mas se o crime causar danos os seus agentes são responsáveis pela indemnização dos danos dele emergentes nos termos gerais. Do exposto decorre que pelos danos causados pelos crimes tributários respondem os agentes dos crimes e respondem não nos termos da Lei Geral Tributária, mas nos termos da lei civil. (…) O pedido de indemnização civil em processo penal, no crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, não tem por objecto a definição e exequibilidade de acto tributário, mas sim a obrigação de indemnização por danos emergentes da conduta danosa que o integra, com fundamento na responsabilidade por factos ilícitos que daí surge nos termos dos artºs 483 e segs. do Código Civil.(…)” Porém, ainda que o art.º 129º do Cód. Penal estatua que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, entendemos que quando fala em “lei civil”, o legislador fá-lo por contraposição a lei penal, pretendendo apenas dizer que esta não regula expressamente tal matéria, devendo ser supletivamente aplicada a lei civil no que concerne à reparação do dano causado pelo crime, ou seja, que, relativamente ao direito de indemnização não há quaisquer especialidades pelo facto de a causa de pedir ser um crime em vez de ser outro facto ilícito. O que se tem em vista é a aplicação do regime geral dos pressupostos da responsabilidade por facto ilícito (cf. neste sentido Ac. TRL de 17/12/13, supra citado). Mas isso não exclui a possibilidade de aplicação de eventuais regimes especiais que disponham de forma distinta à regulada pelo Código Civil, como sucede em relação às dívidas ao Estado, cujo regime está previsto no art.º 3º do D.L. nº 73/99. Também não se põe em causa que subjacente à prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social está uma relação jurídica administrativa-tributária que tem por objeto uma prestação tributária, conforme resulta do art.º 11º, alínea a) do RGIT. Mas, ao contrário do que entende o arguido, o ISS,IP não deduziu o pedido de indemnização civil nos autos em apreço por opção, mas porque a isso foi obrigado pelo disposto no art.º 71º do Cód. Proc. Penal. Ora, como também supra se referiu, a lei não pode ser interpretada no sentido de penalizar de forma mais acentuada aqueles que não pagaram as contribuições dentro do prazo legal e depois regularizaram a situação, relativamente aos devedores cuja conduta que deu origem ao não pagamento consubstancia a prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, porquanto, isso sim, seria subverter toda a unidade e harmonia do sistema jurídico vigente. Impõe-se, assim, julgar procedente o recurso. * 4.–Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso interposto pelo Instituto de Segurança Social, I. P., e, em consequência: A)–Revogam a sentença recorrida na parte em que condenou os arguidos a pagar à demandante juros de mora calculados à taxa legal prevista na Portaria nº 291/03, de 8/04, no valor de 4%, vencidos desde a data da notificação para contestarem o pedido de indemnização civil, e vincendos, até integral pagamento, sobre a quantia de 63.610,54€ (sessenta e três mil, seiscentos e dez euros e cinquenta e quatro cêntimos); B)–Condenam os arguidos a pagarem ao ISS,IP juros de mora sobre a quantia de € 63.610,54 (sessenta e três mil, seiscentos e dez euros e cinquenta e quatro cêntimos) contabilizados à taxa prevista no art.º 3°, n° 1 do D.L. n° 73/99, de 16/03, sobre cada uma das quantias referentes às quotizações deduzidas nos períodos compreendidos entre Novembro de 2014 e Março de 2017 e não entregues ao demandante, sendo tais juros devidos a partir do primeiro dia imediatamente a seguir ao termo do prazo de entrega de cada uma das prestações à Segurança Social até efetivo e integral pagamento; C)–Revogam a sentença recorrida na parte em que condenou em custas [na proporção do decaimento] o Instituto da Segurança Social, IP, condenando agora os arguidos e demandados civis na totalidade das custas do pedido de indemnização civil; D)–Mantêm, quanto ao mais, a sentença recorrida. Custas do recurso pelos demandados civis, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s. Lisboa, 24 de Janeiro de 2023 (texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora) Carla Francisco (Relatora) Isilda Pinho Luís Gominho (Adjuntos) |