Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2886/20.3T8FNC.L1-8
Relator: MARÍLIA LEAL FONTES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
MOTOCICLO
DESPISTE
CULPA DO LESADO
AUXÍLIO DE TERCEIRA PESSOA
PERDAS SALARIAIS
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO DA A./IMPROCEDENTE O RECURSO DA R.
Sumário: Sumário elaborado pela relatora, cfr. art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil
I - Na ausência de outra prova directa que sustente tal tese, não é possível estabelecer como causa de um despiste de um motociclo o rebentamento prévio de um pneu, se tal só foi referido como hipótese, pelo condutor do mesmo, em julgamento, não tendo este, sequer, mencionado tal evento ao OPC que elaborou o autor de participação respectivo.
II - Se, não se apurou a velocidade a que o condutor do motociclo seguia e as circunstâncias em que o acidente ocorreu – curva de grande amplitude, bom tempo, via com luminosidade – eram favoráveis ao exercício da condução, é de concluir que o mesmo não adequou a velocidade às referidas condições, pois se o tivesse feito, teria conseguido imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, ou desfazer a curva sem entrar em despiste.
III - Tendo o segurado da Ré violado o disposto no artigo 24º, n.º l do Código da Estrada, incumbia a esta provar que foram circunstâncias anormais que determinaram o respectivo despiste, nomeadamente o rebentamento do pneu, antes da ocorrência do evento. Não tendo sido tal prova produzida de forma concludente, não merece reparo a sentença recorrida que presume a culpa daquele na ocorrência do sinistro.
IV - Quem invoca a culpa do lesado estatuída no artº 570, nº 1 do Código Civil, com o objectivo de ver excluída ou reduzida a indemnização, servindo-se de facto modificativo, no todo ou em parte, ou mesmo impeditivo, da pretensão do Autor, vê recair sobre si o ónus da prova (artºs 342, nº 2 e 572 do CC), uma vez que estamos perante uma excepção peremptória modificativa ou impeditiva.
V – Face ao disposto no art. 349.º do Código Civil, dos factos dados como provados e reconhecidos pelo Tribunal (comparência da Autora, nos locais das consultas e tratamentos médicos) é possível, à luz das regras da experiência comum, extrair a ilação de que a esta teve que se deslocar aos respectivos locais e suportar as despesas inerentes a essas deslocações, de forma a reconhecer como devida, a indemnização susceptível de reparar o inerente dano patrimonial, impondo-se, desta forma, corrigir o erro de julgamento que conduziu à absolvição da Ré do pedido de condenação correspondente.
VI - Deve ser relegado para liquidação de sentença a fixação do quantum indemnizatório, a este título, nos termos do disposto no artº 358, nºs 1 e 2 do CPC, se não se tiver apurado o modo concreto como a Autora efectuou cada deslocação, nem o custo despendido com as mesmas.
VII – Justifica-se a fixação da indemnização correspondente quando, por força das lesões sofridas na sequencia de um acidente de viação, a Autora necessita do auxílio e/ou ajuda de uma terceira pessoa para realizar as tarefas mais pesadas do seu giro doméstico, designadamente todas aquelas que importem a sua movimentação ou deslocação e a utilização simultânea dos membros superiores ou a realização de movimentos de precisão, sendo previsível que esta necessidade se estenda à realização de outras tarefas, considerando o também previsível agravamento do seu estado de saúde, impondo-se, desta forma, corrigir o erro de julgamento que conduziu à absolvição da Ré do pedido de condenação correspondente.
VIII - Deve ser relegado para liquidação de sentença a fixação do quantum indemnizatório, a este título, nos termos do disposto no artº 358, nºs 1 e 2 do CPC, se for previsível o agravamento das lesões sofridas pela Autora e, consequentemente, necessário, reavaliar o grau e extensão da necessidade do auxílio de terceiro.
IX - O cômputo do montante das perdas salariais invocadas pela Autora, tem necessariamente que passar pelo cálculo da diferença entre os montantes que a mesma deixou de auferir a título de vencimento e os montantes recebidos pela mesma a título de subsídio de doença atribuído pela Segurança Social.
X - Impendia sobre a mesma, indicar, como fez, em cumprimento ao estatuído no artigo 2.º do Dec. Lei n.º 59/89 de 22.2, a instituição da Segurança Social da qual é beneficiária. Mas, era à Ré seguradora que incumbia fazer a alegação e prova de que, no período correspondente, a referida I. S.SociaL liquidou junto da Autora, prestações equivalentes (artº 342, nº 2 do Código Civil).
XI - Tendo a Autora feito prova dos factos constitutivos do seu direito (incapacidade para o trabalho e montante auferido a título de vencimento), não pode ficar prejudicada pelo facto do ISS, não ter solicitado o reembolso daquelas concretas prestações, após citação na acção para o efeito.
XII – Não peca por excesso a fixação de uma indemnização compensatória do dano biológico no montante de € 230 000, numa situação em que a Autora tinha a expectativa de auferir nos 50 anos subsequentes à data do acidente, a quantia global de € 609 000 (seiscentos e nove mil euros) e espera, agora, receber a título de reforma por invalidez, o montante total de € 250 220, mesmo que se proceda ao “desconto” de 33%, em função da antecipação do pagamento da indemnização, se se considerar as seguintes circunstâncias:
- O acidente deveu-se à imperícia do condutor segurado da Ré;
- A Autora não contribui em nada para a produção do sinistro e tinha “apenas” 33 anos à data;
- Ficou impossibilitada de desempenhar o seu ofício de contabilista;
- Encontrando-se actualmente, reformada por invalidez e dependente do auxílio de terceira pessoa para desempenhar tarefas que importem a movimentação e a deslocação do seu corpo e a utilização em simultâneo dos seus membros superiores;
- Sofreu e sofre dores provocadas pelas lesões físicas decorrentes do acidente de viação de que foi vítima (foi-lhe fixado um quantum doloris de grau 6/7);
- As sequelas permanentes com que ficou criaram-lhe um quadro depressivo de grau ligeiro moderado, com grau de desvalorização em termos psiquiátricos de 4 pontos;
- É previsível que o seu estado de saúde física e psíquica se agrave com o decorrer do tempo.
XIII - Considera-se justa e adequada a fixação de uma indemnização à Autora pelos danos não patrimoniais sofridos que, atenta a intensidade e multiplicidade dos mesmos, se prolongarão durante toda a sua vida, no valor de 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), numa situação em que os transtornos referidos são susceptíveis de alterar dramaticamente a sua qualidade de vida, bem como a sua vontade em viver, perante a interrupção de inúmeros projectos pessoais e profissionais, bem como a possibilidade de concretização de sonhos e aspirações.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
…………………. intentou contra GENERALI SEGUROS, S.A., a presente ação, com processo comum, alegando, em síntese, que:
- pretende ser indemnizada de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos com o sinistro ocorrido no passado dia 12.04.2019, pelas 22h32, na Via Rápida, ao Km 13,900, na freguesia de São Martinho, concelho do Funchal;
- conclui pela responsabilidade exclusiva do condutor do motociclo de matrícula ……………., no qual aquela seguia como passageira, uma vez que aquele perdeu o controlo na viatura, despistando-se sozinho ao fazer uma curva;
- à data a responsabilidade civil decorrente da circulação daquela viatura estava transferida para a ré, através de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado pela autora, na qualidade de proprietária do daquele veículo, com a aqui ré.
Concluiu pedindo a condenação da ré a pagar-lhe:
a) a quantia global de € 55.822,66 (cinquenta e cinco mil, oitocentos e vinte e dois euros e sessenta e seis cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro em crise nos presentes autos;
b) a quantia a liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença, referente aos danos alegados nos artigos 87., 131., 138., 152. e 157. da p.i.;
c) a quantia a título de juros de mora calculados à taxa legal e contabilizados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
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A ré apresentou contestação alegando, além do mais, o seguinte:
- a ré desconhece as circunstâncias em que ocorreu o referido sinistro;
- desconhece também em concreto a extensão das lesões sofridas pela autora;
- a quantias peticionadas são manifestamente infundadas, excessivas e desajustadas aos danos realmente sofridos pela autora.
Concluiu que deve a exceção invocada ser declarada procedente, por provada, absolvendo-se a ré do pedido.
Caso assim não se entenda, pediu a improcedência da ação, por não provada, absolvendo-se a ré dos pedidos, com as legais consequências.
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            Foi elaborado despacho saneador, fixado o objecto do litígio e selecionados os temas de prova, tendo sido designada data para a realização da audiência de julgamento que veio a ter lugar com observância das formalidades legais.
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A autora requereu a 16-02-2023 (fls. 220 a 222), a 29-11-2023 (fls. 320 a 322) e a 17-04-2024 (fls. 452 a 455) a ampliação do pedido no que respeita as despesas médicas, medicamentosas, hospitalares, tratamentos, transportes e despesas diversas, ampliações essas que foram admitidas, após a ré ter exercido o contraditório, impugnado a factualidade alegada nas mesmas.
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Por requerimento de 05-03-2024 (fls. 407 a 416) a autora veio proceder a nova ampliação do pedido, procedendo à liquidação do pedido devido a título de dano biológico, danos não patrimoniais, perdas salariais e despesas médicas, medicamentosas, hospitalares, tratamentos, transportes.
Solicitou a condenação da Ré ao pagamento à Autora da quantia global de € 521.313,64 (quinhentos e vinte e um mil, trezentos e treze euros e sessenta e quatro cêntimos), sendo € 69.265,80 (sessenta e nove mil, duzentos e sessenta e cinco euros e oitenta cêntimos) referente ao pedido já formulado nos autos, € 425.793,10 (quatrocentos e vinte e cinco mil, setecentos e noventa e três euros e dez cêntimos) respeitante à liquidação do pedido devido a título de dano biológico, pela redução da sua capacidade de ganho, pelas perdas salariais durante o período compreendido entre 12.4.2019 e 12.4.2022, pelas despesas com deslocações e, finalmente, € 26.254,74 (vinte e seis mil, duzentos e cinquenta e quatro euros e setenta e quatro cêntimos).
Solicitou ainda a condenação da Ré a pagar-lhe as quantias a liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença referentes aos danos alegados nos artigos 35., 82., 83., 96., 106. e 107. daquela peça processual.
Exercido o contraditório, a Ré impugnou a factualidade alegada pela autora.
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Em 30.08.2024 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré GENERALI SEGUROS, S.A.:
a) a pagar à autora a quantia de € 10.824,57 (dez mil, oitocentos e vinte e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos), a título de perdas salarias sofridas desde 12.04.2019 até 09.01.2021;
b) a pagar à autora a quantia de € 16.039,98 (dezasseis mil, trinta e nove euros e noventa e sei cêntimos), a título de ressarcimento das despesas hospitalares, médicas, medicamentosas e transportes, suportadas pela autora;
c) a pagar à autora a quantia de € 230.000,00 (duzentos e trinta mil euros), como ressarcimento dos danos emergentes da sua perda de capacidade de ganho e dano biológico sofrido;
d) a pagar à autora a quantia de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), como compensação dos danos morais sofridos;
e) a pagar à autora os juros de mora sobre as quantias acima referidas, à taxa legal, desde a data da decisão final até integral pagamento;
f) descontar nas quantias acima mencionadas os valores que já pagou à autora no âmbito da transação efetuada no procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória;
g) a pagar à autora despesas hospitalares, médicas, medicamentosas e de fisioterapia, conexionadas com o agravamento das sequelas com que ficou do acidente de viação e que tenha necessidade de fazer no futuro, a liquidar em execução de sentença;
h) a pagar ao Instituto de Segurança Social d………..o montante global de € 10.820,43 (dez mil oitocentos e vinte euros e quarenta e três cêntimos), respeitante a subsídio de doença atribuído no período de 12.04.2019 a 09.01.2021, acrescido de juros à taxa legal desde a data da respetiva notificação do pedido de reembolso até integral pagamento.
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Recorreu a A desta decisão, apresentando os argumentos sintetizados nas respectivas conclusões, que seguem:
“I- Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença datada de 30.8.2024, que veio, entre outras injunções, a absolver a Ré seguradora dos pedidos deduzidos pela Autora (i) a título de indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes das despesas e custos por si incorridos com todas as deslocações que teve de realizar para comparecer a tratamentos, consultas e exames, (ii) das perdas salariais sofridas no período compreendido entre 9.1.2021 e 11.4.2022, (iii) do facto de o tribunal recorrido não ter julgado provado que a Autora necessita da ajuda ou auxílio de terceira pessoa para realizar as tarefas que importem a movimentação e a deslocação do seu corpo e a utilização em simultâneo dos seus membros superiores e, por último, (iv) por não concordar com o valor fixado pelo tribunal recorrido a título de indemnização pelos danos não patrimoniais;
II- No entendimento da aqui Recorrente terá existido um manifesto erro na apreciação dos segmentos factuais que vieram a ser julgados como não provados nos pontos 2.2.1. e 2.2.2., com consequente erro de julgamento da matéria de facto, o qual tem influência direta na decisão proferida pelo tribunal recorrido, quer quanto ao direito da Autora em ser devidamente reembolsada das despesas e/ou custos por si suportados com todas as deslocações realizadas para comparecer a tratamentos, consultas e exames, quer quanto à necessidade de ajuda de terceira pessoa para a realização das tarefas domésticas que importem deslocação ou movimentação do seu corpo ou a utilização dos dois membros superiores em simultâneo;
III- Com efeito, não se conforma a Recorrente com tal decisão, pois considera que a prova efetivamente produzida em audiência de discussão e julgamento não é coincidente com aquela que foi considerada definitivamente assente pelo tribunal recorrido, pelo que o presente recurso versa  igualmente sobre a impugnação da matéria dada como provada, uma vez que a mesma não é concordante com a prova constante dos autos, bem como, com a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, impondo-se assim a sua alteração;
IV- Salvo o devido respeito por opinião contrária, é entendimento da aqui Recorrente que a prova produzida nos autos indicia claramente que a Autora esteve presente, no mínimo, em 289 atos médicos, os quais importaram que a sinistrada tivesse percorrido 10.584 quilómetros;
V- Implícito à realização dessas 289 deslocações está uma despesa ou um custo económico que a lesada teve obrigatoriamente que suportar;
VI- Numa realidade hodierna como a nossa, em que tudo é mensurável, não se poderá conceber que um lesado que garantidamente teve de percorrer tantos quilómetros para beneficiar da assistência médica e hospitalar de que está dependente, não tenha suportado despesas ou incorrido em determinados custos económicos inerentes a essas deslocações;
VII- Como a Recorrente não tem o seu domicílio em nenhum dos locais onde veio a realizar esses atos médicos, a sua presença nos mesmos pressupõe que a mesma teve necessariamente de se deslocar, como teve, naturalmente, de suportar o custo dessa deslocação;
VIII- Trata-se de um simples silogismo, que partindo dos factos provados e da abundante documentação clínica, emitida por entidades oficiais, permitiria ao tribunal concluir, com inegável certeza, que a Recorrente teve obrigatoriamente que suportar os custos dessas várias centenas de deslocações;
IX- O tribunal recorrido deveria ter extraído essa mesma ilação dos factos que veio a considerar como provados (factos de
base) para dar como provados factos que o mesmo entendia serem desconhecidos (factos presumidos), ou seja, à luz das regras da experiência comum, a Autora teve que suportar necessariamente despesas para se deslocar de sua casa (sita na Rua ……………..) para todos esses locais onde veio a receber esses tratamentos e cuidados médicos e hospitalares.
X- Sendo opinião da aqui Recorrente que o custo económico
dessas deslocações é até um facto notório, em face da confirmação da presença desta em todos esses atos médicos que o tribunal deveria ter conhecido.
XI- Por outro lado, impõe-se aditar à factualidade assente as 532 deslocações que se encontram certificadas pelo ofício emitido pelo SESARAM, EPE, junto aos autos através do requerimento datado de 26.3.2024.
XII- Trata de um documento emitido por uma entidade pública, no âmbito das competências legais que lhe foram concedidas, no qual veio certificar o número de vezes que a aqui Autora esteve presente nas suas instalações para realizar determinados atos médicos.
XIII- Esse documento está revestido de um valor probatório especial, nos termos dos art. 363.º, n.º 2 e 371.º, ambos do CC e que foi totalmente desconsiderado pelo tribunal a quo;
XIV- Termos em que, se requer a V. Exas. o aditamento ao elenco dos factos provados de dois novos itens, sugerindo-se a seguinte redação:
“2.1.90. A Autora suportou despesas com as deslocações que teve de realizar para poder comparecer nos tratamentos, nas
consultas e demais cuidados médicos que o seu quadro sequelar impunha.”
“2.1.21. A Autora realizou 532 deslocações ao Centro de Saúde de Santa Cruz, entre maio de 2019 e julho de 2023, para realizar os seguintes atos médicos, a saber:
- Terapia ocupacional – 158 deslocações;
- Fisioterapia – 232 deslocações;
- Terapia ocupacional + fisioterapia – 142 deslocações.”
XV- Quanto ao primeiro ponto cujo aditamento se pretende, o mesmo ancora-se no (i) teor do relatório pericial elaborado pelo INLMCF, IP datado de 16.3.2023, (ii) no conteúdo de diversa documentação clínica junta aos autos (designadamente do documento identificado com o n.º 1 junto com a petição inicial, do ofício do SESARAM datado de 18.6.2021, do certificado de incapacidade multiuso junto aos autos pela Autora, no passado dia 13.12.2022, do processo de invalidez relativa pertencente ao ISSM e junto aos autos por esta entidade através do ofício datado de 26.7.2023 e dos documentos identificados sob os números 1 a 8 e 10 juntos pela Autora com o seu requerimento datado de 5.3.2024) e (iii) da factualidade considerada provada nos pontos 2.1.24., 2.1.26., 2.1.34., 2.1.35., 2.1.36., 2.1.37., 2.1.40., 2.1.41., 2.1.42., 2.1.43., 2.1.44., 2.1.45., 2.1.46., 2.1.47., 2.1.48., 2.1.50., 2.1.51., 2.1.58., 2.1.59., 2.1.60., 2.1.61., 2.1.66. e 2.1.67. da matéria de facto considerada provada pelo tribunal recorrido, devidamente concatenada com as regras da experiência comum.
XVI- Já no que diz respeito ao segundo ponto, a alteração pretendida baseia-se no teor do relatório pericial elaborado pelo INMLCF, IP datado de 16.3.2023 e do ofício emitido pelo SESARAM, EPE junto aos autos pela Autora no seu requerimento datado de 26.3.2024;
XVII- Tendo presente que o princípio indemnizatório regra é o da restauração ou reposição natural – vide art. 566.º do CC –, à luz da mencionada teoria da diferença, temos por certo que, o montante da indemnização pelos danos patrimoniais incorridos com as deslocações a esses atos médicos, ser-nos-á dada pela despesa objetivamente suportada (566.º, n.º 2, do CC) ou pelo seu custo subjetivamente calculado (art. 566.º, n.º 3 do CC). Se porventura os mesmos não forem determinados, a sua fixação será relegada para decisão ulterior (564.º, n.º 2, do mesmo diploma legal);
XVIII- Servindo-nos do critério utilizado no requerimento datado de 5.3.2024, com a referência citius 48177637 (vide artigo 35.), a Recorrente suportou despesas ou incorreu em custos económicos com essas deslocações no montante de € 8.920,80 (oito mil, novecentos e vinte euros e oitenta cêntimos), tendo como referência o valor de € 0,36 cêntimos o quilómetro – de acordo com a Portaria 1553-D/2008, de 31.12, após Decreto-Lei 137/2010, de 28.12 e Leis n.º 66- B/2012, de 31.12, e 114/2017, de 29.12 – e os 24.780 quilómetros percorridos;
XIX- Termos em que, vem a aqui Recorrente requerer a V. Exas. que procedam à revogação desse segmento da decisão recorrida e, em sua substituição, seja a Ré seguradora condenada a pagar à Autora a quantia de € 8.920,80 (oito mil, novecentos e vinte euros e oitenta cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes das despesas incorridas ou dos custos suportados com deslocações que teve de realizar para comparecer em tratamentos, consultas e exames;
XX- No que concerne às perdas salariais compreendidas entre 9.1.2021 e 11.4.2022, a Recorrente aceita o raciocínio adotado pelo tribunal recorrido, de que o montante da indemnização devida a este título é-nos dada pela diferença entre o valor das remunerações que a lesada receberia se não tivesse sofrido o acidente de viação e aquelas quantias que a mesma veio a auferir durante o período de ITA, designadamente a título de subvenções pagas pelo ISSM;
XXI- No entanto, o Tribunal Recorrido veio a julgar improcedente esse segmento do pedido, pois entendeu que impendia sobre a aqui Recorrente o ónus da prova sobre as quantias efetivamente pagas pelo ISSM, durante esse mesmo período de ITA;
XXII- Salvo o devido respeito, a Recorrente cumpriu o seu ónus ao demonstrar que durante todo esse período de tempo esteve sem trabalhar;
XXIII- Na opinião da Recorrente, os eventuais pagamentos efetuados pelo ISSM são factos impeditivos do direito daquela, pelo que, s.m.o., a sua demonstração competia ao próprio interveniente ou, no limite, à Ré seguradora, nos termos do disposto no art. 342.º, n.º 2 do CC;
XXIV- Pelo que se impõe que o tribunal ad quem venha a reconhecer que a aqui Recorrente tem direito a ser devidamente indemnizada pela perda salarial sofrida no período compreendido entre 10.1.2021 e 11.4.2022, perda essa que perfazia o montante de € 13.079,00 (treze mil e setenta e nove euros).
XXV- Em face do supra exposto, deve o tribunal recorrido alterar este segmento da decisão recorrida, vindo a fixar o montante indemnizatório total devido a título de perdas salariais no valor de € 23.291,57 (vinte e três mil, duzentos e noventa e um euros e cinquenta e sete cêntimos).
XXVI- Já no que tange à matéria atinente á necessidade da ajuda ou auxílio de terceira pessoa, considera a aqui Recorrente que o tribunal recorrido não ajuizou de forma correta toda a prova
produzida;
XXVII- Nesse sentido, impõe-se alterar o julgamento da matéria de facto efetuada pelo tribunal a quo, aditando-se ao elenco de factos provados a seguinte factualidade: A Autora necessita do auxílio e/ou ajuda de uma terceira pessoa para realizar as tarefas mais pesadas do seu giro doméstico, designadamente todas aquelas que importem a sua movimentação ou deslocação e a utilização simultânea dos membros superiores ou a realização de movimentos de precisão;
XXVIII- Tal alteração ao julgamento da matéria de facto assenta no depoimento das testemunhas …………….., nas declarações de parte da Autora e no teor dos documentação clínica constante aos autos (designadamente o documento identificado com o n.º 1 junto com a petição inicial, o ofício do SESARAM datado de 18.6.2021, o certificado de incapacidade multiuso junto aos autos pela Autora, no passado dia 13.12.2022, o processo de invalidez relativa pertencente ao ISSM e junto aos autos por esta entidade através do ofício datado de 26.7.2023 e os documentos identificados sob os números 1 a 8 e 10 juntos pela Autora com o seu requerimento datado de 5.3.2024) e, bem assim, tendo presente o teor do relatório pericial datado de 13.3.2023 e a matéria considerada provada nos pontos 2.1.24., 2.1.26., 2.1.34., 2.1.35., 2.1.36., 2.1.37., 2.1.40., 2.1.412.1.42., 2.1.43., 2.1.44., 2.1.45., 2.1.46., 2.1.47., 2.1.48., 2.1.50., 2.1.51., 2.1.58., 2.1.59., 2.1.60., 2.1.61., 2.1.66. e 2.1.67., e, por último, pela aplicação das regras da experiência comum.
XXIX- Nessa decorrência, deve o Tribunal ad quem reconhecer a existência desse direito e relegar a sua liquidação para momento ulterior, nos termos do disposto no art. 564.º, n.º 2 do CC;
XXX- Por outro lado, a Recorrente considera que o valor da indemnização concedida a título do dano não patrimonial pelo tribunal recorrido, fixada em € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), peca por manifesto defeito;
XXXI- Considerando toda a factualidade julgada provada, ponderando os parâmetros elencados nesta instância recursiva, incluindo os da jurisprudência, e dando especial enfoque aos danos e às dores físicas, à gravidade das lesões e à sua complexidade, ao prejuízo de afirmação pessoal, ao dano estético, à dependência e ao sofrimento vivenciado desde o acidente, as sequelas e limitações que padece, a perda da alegria de viver e ao dano de afirmação pessoal,  entende a Recorrente que o valor mais adequado à situação concreta será os € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) peticionados, pelo que, deverá o tribunal ad quem, fixar definitivamente este dano nesse montante;
XXXII- Os valores indemnizatórios devem ter carácter significativo, não podendo assumir uma feição meramente simbólica;
XXXIII- Os critérios utilizados pelo tribunal recorrido afastam-se, de modo substancial e injustificado, das regras uniformizadas, ferindo a segurança que devia presidir à aplicação do direito, constituindo, por esse facto e em última análise, uma violação do princípio da igualdade previsto no n.º 1 do art. 13.º da CRP e n.º 3, do art. 8.º do CC.
XXXIV- A decisão recorrida ofende o preceituado nos artigos 8.º, n.º 3, 70.º, 342.º, n.º 2, 371.º, 483.º, 494.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil e art. 13.º, n.º 1 da CRP.”
Termina, solicitando que seja dado provimento ao seu recurso e que, a sentença recorrida seja revogada, sendo substituída por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas.
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A recorrida seguradora, contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
“1. A Recorrente, alega que esteve presente em 289 atos médicos, tendo percorrido 10584 quilómetros para o efeito, sendo certo que tal afirmação não tinha até o presente momento sito proferida nos presentes autos, nem existe prova que a sustente.
2. Competia à Recorrente, o ónus quer da alegação, quer da prova da sua presença em atos médicos, bem como dos quilómetros que percorreu para se deslocar aos mesmo, o que não logrou efectuar.
3. A Recorrente apresentou nos presentes autos quatro ampliações do pedido, onde, invariavelmente, juntou um conjunto de diversas despesas, que reclamou a título de danos patrimoniais, sem, todavia, cumprir com o ónus de alegação, não se conseguindo aferir a que título foram tais despesas realizadas e qual o nexo causal das mesmas com o sinistro.
4. A Recorrente apresenta um conjunto indiscriminado de atos médicos, afirmando que teve despesas para se deslocar aos mesmo e que está implícito que tais deslocações acarretam despesa, logo, entende que a Recorrida deve ser condenada a pagar-lhe tudo o que pedir a este título, independentemente do fundamento, do nexo causal e da prova do mesmo.
5. A Recorrente menciona um documento emitido pelo SESARAM, EPE., que juntou aos autos em 26.03.2024, para fundamentar a sua pretensão de que o ponto 2.2.1 dos factos não provados, deve ser considerado provado.
6. No entanto o facto dado como não provado no ponto 2.2.1 refere-se ao período a partir de 12.12.2023, não tendo por isso qualquer relação com o documento emitido pelo SESARAM, que se refere ao período compreendido entre Maio de 2019 e Julho de 2023.
7. Para além desse facto, todas as despesas de transportes peticionadas pela Recorrente, obtiveram colhimento junto do Tribunal a quo, constando dos factos provados nos pontos 2.1.88 a 2.1.89.
8. No período mencionado pela Recorrente e constante do documento emitido pelo SESARAM, foram considerados provadas as despesas de transporte, pelo que a serem procedentes outras despesas de transporte no mesmo período, estaríamos perante uma duplicação injustificada de despesas a serem liquidadas pela Recorrida.
9. Esteve bem o Tribunal a quo ao não considerar provadas, as deslocações que a Recorrente alegadamente fez em viatura própria a partir de 12.12.2023, até porque as despesas de transporte entre 29.11.2023 e 12.04.2024 estão contempladas nos factos provados 2.1.88 e 2.1.89.
10. Alega a Recorrente que não tinha o ónus de provar os valores que recebeu da Segurança Social, o que não corresponde com a realidade, desde logo porque é a própria que afirma que o apuramento do montante de perdas salariais deve ser efetuado recorrendo à teoria da diferença, entre o salário que auferia antes do sinistro e os montantes recebidos a título de subsídio de doença.
11. Para tanto, compete-lhe provar o montante que auferia a título de salário, assim como o valor que percebeu a título de subsídio de doença.
12. Ao não o ter feito, não logrou produzir prova sobre os valores que recebeu do ISSM a partir de 10.01.2021 até 11.04.2022, inviabilizando a aplicação da teoria da diferença e consequente apuramento de valores a indemnizar no período compreendido entre as mencionadas datas.
13. Concluímos assim que esteve bem o Tribunal a quo ao considerar que “não se apurou a totalidade dos valores que a autora recebeu da Segurança Social até 11.04.2022”, com a consequente decisão de não considerar outro valor a título de indemnização por perdas salariais, para além do que já consta da douta sentença.
14. Alega a Recorrente que o perito médico não se pronunciou sobre a sua necessidade de ajuda de terceira pessoa.
15. No entanto, quando foi notificada do relatório pericial, a Recorrente, apresentou requerimento, em 19.04.2023, refª Citius 45343865, através do qual reclamava das conclusões sobre a repercussão na actividade profissional, sem que em momento algum mencionasse a necessidade de ajuda de terceira pessoa.
16. Caso a Recorrente entendesse haver tal necessidade e tendo em conta a falta de pronuncia do perito médico sobre a mesma, seria esse o meio próprio e tempestivo para reclamar ou pedir esclarecimentos ao senhor perito, o que não ocorreu.
17. E não o fez porque a Recorrente não carece de ajuda de terceira pessoa e pese emboras as sequelas de que padece que encerram indisfarçável gravidade, ainda consegue manter vários aspetos da sua vida dentro de relativa normalidade, tais como conduzir, executar sozinha todas as deslocações de que necessita, entre outras.
18. A Recorrente vive com o namorado, o Sr. …, como de resto declarou ao senhor perito psiquiatra, Dr. …, conforme consta dos pontos 4 e 5 do relatório pericial psiquiátrico, anexo ao relatório da perícia de avaliação do dano corporal.
19. Aí pode ler-se que “No decurso do dia, também cumpre algumas tarefas domésticas, sendo que aquelas que não consegue acautelar, são colmatadas pelo namorado” com quem vive na freguesia da Camacha.
20. Assim, esteve bem o Tribunal a quo ao considerar como não provada a necessidade de ajuda de terceira pessoa.
21. No que tange ao arbitramento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais, consta dos autos prova testemunhal e documental, de que o pneu traseiro do motociclo rebentou, sendo essa a causa do despiste, o que exclui a culpa do condutor.
22. Não havendo culpa do agente, o requisito previsto no art. 494º do C.C., de aferição do grau de culpabilidade daquele, não se encontra preenchido.
23. O Acórdão do STJ de 13/04/2021 proferido no proc. n.º 448/19.7T8PNF.P1.S1, em que o lesado tinha um quantum doloris semelhante ao atribuído nos presentes autos, arbitrou a título de danos morais o valor de € 50.000,00.
24. Outro Acórdão do STJ, de 06.06.2023, proferido no processo nº 9934/17.2T8SNT.L1.S1, decidiu por uma indemnização a título de danos não patrimoniais de € 50.000,00, para uma lesada que ficou com um quantum doloris de 5/7 e com amiotrofia de 1,5 cms da perna direita, entre outras sequelas graves.
25. Ainda outro Acórdão do STJ, de 04.06.2015, proferido no processo nº 1166/10.7TBVCD.P1.S, que julgou adequada uma indemnização danos não patrimoniais, no valor de € 40.000,00 para uma jovem de 17 anos que esteve em tratamento durante mais de 4 anos e ficou com uma IPP de 16,9, havendo culpa grave da condutora que causou o sinistro, por violação de um sinal Stop.
26. Face a todos os elementos dos autos, a indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais, não é adequada, não por ser insuficiente, mas antes por ter sido arbitrada em excesso para o que é normal e habitual para casos semelhantes, em que há ausência de culpa do agente.”
Terminou, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Também a Ré seguradora recorreu desta decisão, apresentando os argumentos sintetizados nas respectivas conclusões, que seguem:

“1. A Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida nos presentes autos, por entender que o Tribunal a quo apreciou parte da matéria de facto relevante para a determinação, quer da responsabilidade pela produção do sinistro, quer do quantum indemnizatório de forma incorreta.
2. A Recorrente não se conforma ainda o montante arbitrado pelo Tribunal a quo a título de perda de capacidade de ganho e dano biológico sofrido, assim como de danos morais.
3. Salvo melhor opinião, a apreciação da prova documental, conjugada com a prova testemunhal existente nos autos, imporia decisão diversa sobre os factos considerados provados na alínea b) do ponto 2.1.7. da douta decisão recorrida.
4. Designadamente de que «2.1.7. - b) Quando ao passar ao quilometro 13,900, local onde a estrada se descreve em curva (embora, como já se referiu supra, de grande amplitude), o seu condutor, por razões que se desconhecem, perdeu o domínio do
motociclo que conduzia.»
5. Pois que resulta dos autos, quer do depoimento do condutor do motociclo, …, quer de fotografia do motociclo junta pela Ré, quer do relatório médico subscrito pelo Dr. …, quer por último, da participação efectuada pela Autora ao Instituto de Segurança Social, que o pneu traseiro do veículo rebentou e com isso causou o despiste.
6. Dos meios de prova referidos, salvo melhor entendimento, não resulta a prova dos factos considerados na sentença recorrida sob a alínea b) do ponto 2.1.7., uma vez que as razões do despiste são conhecidas: o pneu traseiro do motociclo rebentou.
7. Impondo-se assim a correcção da matéria de facto dada como provada, uma vez que a causa do despiste é conhecida e em consequência, impondo-se também diversa conclusão de direito no que à culpa na produção do sinistro diz respeito.
8. Não podendo o rebentamento do pneu ser imputado a título de culpa ao condutor do motociclo, mas antes terá de ver com uma de duas causas: a existência de um objecto na via ou a falta de manutenção do pneu.
9. No primeiro caso, a responsabilidade pelo eventual objeto na via, seria da concessionária da Via Rápida e no segundo da proprietária do motociclo, a Autora.
10. Não havendo culpa, pelo menos exclusiva do condutor, não pode o Tribunal a quo decidir, como decidiu, que a obrigação de indemnizar a Autora/lesada é da exclusiva responsabilidade da Ré/Recorrente.
11. Devendo assim ser alterada quer a decisão sobre a matéria de facto provada, quer a decisão de imputação de culpa exclusiva ao condutor do motociclo, por uma decisão de exclusão de culpa ou, sem conceder, de culpa concorrente.
12. A Autora teve alta, com consolidação das lesões, em 06.06.2023, acontecendo que, após a alta, começou a ter dores na perna direita, devido ao material de osteossíntese que tinha no joelho e que, apesar de ter procurado ajuda médica por diversas vezes junto do Hospital Dr. Nélio Mendonça, não detetaram o problema que ao longo de um ano, se foi agravando.
13. A negligencia no acompanhamento médico da Autora/Recorrida levou a que esta tivesse de ir para o Porto, para a Clínica do ………….. para ser acompanhada e intervencionada pelo Prof. ………
14. Tal delonga resultou num agravamento dos danos, os quais são consequência da opção da Autora e dos médicos que a acompanharam no Hospital Dr. …….., não tendo tido a Recorrente, qualquer oportunidade de obstar a tais lesões ou de propor a cirurgia em tempo adequado, uma vez que não prestou o acompanhamento clínico à Autora, por opção desta.
15. Tendo em conta que o agravamento das lesões resulta de facto não imputável à Recorrente, devem os valores indemnizatórios fixados a título de dano patrimonial futuro e de danos morais, que atenderam aos períodos de repercussão na atividade profissional e aos graus de dano biológico, de quantum doloris e repercussão nas atividades físicas e de lazer fixados pelo exame pericial, ser equitativamente reduzidos.
16. Do confronto do Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal e do Relatório elaborado pelo médico assistente da Recorrida, verifica-se que esta tem as sequelas consolidadas, mais não seja a 06.06.2023.
17. A douta sentença recorrida deu como provado no ponto 2.1.51. “A Autora necessitará, no futuro, de cuidados hospitalares, médicos, tratamentos e medicamentos, face ao previsível agravamento das sequelas”.
18. No entanto, não há nenhum elemento probatório, junto aos autos, que permita concluir que a Recorrida, necessite no futuro de “cuidados hospitalares, médicos, tratamentos e medicamentos, face ao previsível agravamento das sequelas.”
19. A indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo a título de dano futuro, inclui os danos futuros previsíveis e atendíveis, onde se incluem as despesas com tratamentos médico-cirúrgicos que a lesada haja de suportar, como de resto ficou plasmado no acórdão proferido em 04.11.2021 pelo STJ no processo nº 590/13.8TVLSB.L1.S1.
20. Estamos assim perante um erro de apreciação do Tribunal a quo, que deverá ser corrigido, retirando-se dos factos provados o ponto 2.1.51. e em consequência, absolvendo-se a Recorrida do pedido de pagamento de despesas futuras com cuidados hospitalares, médicos, tratamentos e medicamentos.
21. No requerimento de ampliação do pedido apresentado em 29.11.2023, através do qual a Recorrida amplia o pedido em € 11.370,65, verifica-se que pede o valor total de 4 passagens aéreas entre o Funchal e o Porto, sendo certo que os residentes na Ilha da Madeira têm direito a um subsídio de mobilidade, previsto no Decreto-Lei n.º 28/2022 de 24 de março, que aquela recebeu e não contemplou no pedido.
22. Assim, aos € 1.563,08 requeridos pela Recorrida como reembolso de 4 viagens devem ser deduzidos € 1.219,08 que a Recorrida recebeu após efectuar as viagens - € 1.563,08 - (€ 86,00x4= € 344,00) = € 1.219,08.
23. A Recorrente, não concedendo na atribuição de responsabilidade pela produção do sinistro, não se conforma com o valor que foi arbitrado, per se, a título de ressarcimento dos danos emergentes da perda de capacidade de ganho e dano biológico sofrido, no montante de € 230.000,00.
24. Desde logo realçando que o valor de indemnização arbitrado pelo Tribunal a quo, teve em consideração “a elevada culpa do condutor na eclosão do acidente”, o que não decorre da prova efectivamente produzida nos presentes autos.
25. Para além desse facto, o Tribunal a quo baseou-se apenas em um acórdão, não se poderá bastar com apenas um acórdão para encontrar a similaridade e a uniformização de critérios.
26. Ao atender apenas a um único acórdão, viola a douta sentença recorrida o princípio da igualdade, e o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil que dispõe que «Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».
27. Para casos análogos, o acórdão do STJ de 21/06/2022 proferido no proc. n.º 1991/15.2T8PTM.E1.S1 e o do Tribunal da Relação de Coimbra decidido em 14.03.2023, no proc. nº 3166/19.2T8VIS.C1, plasmaram indemnizações por dano patrimonial futuro, o primeiro de € 75.550,00 e o segundo de € 100.000,00, valores de indemnização muito inferiores ao valor que lhe foi atribuído nos presentes autos.
28. A atribuição de uma indemnização por dano patrimonial futuro, não deixa de ser uma antecipação de rendimentos futuros que o lesado só receberia ao longo da sua vida.
29. A jurisprudência tem defendido que, após determinação do capital, há que proceder a um “desconto” em função da antecipação do pagamento da indemnização, porquanto o lesado receberá a indemnização de uma só vez, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, impondo-se que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado.
30. Assim, haverá que subtrair o benefício respeitante ao recebimento antecipado de capital, de efetuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia.
31. Na quantificação do desconto em equação, a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33% - vide acórdão do STJ de 25/11/2009 proferido no Proc. nº. 397/03.0GEBNV, acórdão da Relação de Lisboa, de 28/06/2012, proferido no processo n.º 1529/05.0TBBNV.L1-2, o acórdão da Relação do Porto, de 23/10/2014 proferido no processo n.º 148/12.9TBVLP.P1 ou os Acórdãos do STJ de 04/10/2010, proferido no processo n.º 307/05.0TAGMR.G1.S1, de 02/12/2010, no processo n.º 2519/06.0TAVCT.G1.S1, de 19/04/2012 no processo n.º 3046/09.0TBFIG.S1.
32. Assim, sem conceder na atribuição de responsabilidade pelo ressarcimento dos danos decorrentes do sinistro, o montante a ser arbitrado à Autora a título de dano patrimonial futuro deve ser substancialmente reduzido, para estar de acordo com a jurisprudência maioritária nos casos semelhantes.
33. No que diz respeito à determinação do quantum indemnizatório a título de danos morais e pese embora o Tribunal a quo tenha enunciado todos os danos cuja gravidade, no seu entendimento, mereciam tutela do direito, a verdade é que nem
recorreu a casos semelhantes, através de decisões jurisprudenciais, para fundamentar a sua decisão equitativa.
34. O Acórdão do STJ de 13/04/2021 proferido no proc. n.º 448/19.7T8PNF.P1.S1, em que o lesado tinha um quantum doloris semelhante ao atribuído nos presentes autos, arbitrou a título de danos morais o valor de € 50.000,00.
35. Ponderando os elementos supra evidenciados, a indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais não é equitativa, por comparação situações similares valoradas pelos Tribunais superiores, extravasando os limites da equidade, pelo que deve ser reduzida em conformidade.”
Conclui, pugnando pela revogação da sentença como ora peticionado.
*
A Autora contra-alegou, em síntese, do seguinte modo:
“Da (alegada) Fixação Errada da Matéria de Facto:
A sentença proferida procedeu a um correto e adequado julgamento da matéria de facto, designadamente quanto aos dois pontos impugnados pela seguradora.
Do mesmo modo, a conclusão de direito extraída dos factos provados é plenamente assertiva, não merecendo da aqui Recorrida os reparos que a Recorrente seguradora lhe aponta nas suas alegações.
A Autora não tem qualquer responsabilidade pelo estado de conservação e manutenção do motociclo.
Tendo a Apelada conseguido provar a inobservância de determinada norma estradal pelo condutor do veículo seguro pela Apelante, efetuou a prova de primeira aparência, ou seja, provou factos que, de acordo com as regras da experiência comum, permitem inferir a culpa do seu autor, pelo que compete agora à Apelante efetuar a contraprova, ou seja, a prova de factos que permitam demonstrar que essa atuação violadora da norma estradal foi estranha à vontade do seu autor ou não foi causal do acidente.”
Seja qual for a nossa linha de raciocínio, o certo é que, essa
factualidade consubstancia matéria de exceção, cabendo à Ré seguradora, o respetivo ónus da prova, nos termos do n.º 2, do art. 342.º do Código Civil, sendo certo que esse ónus não foi minimamente satisfeito com a prova produzida, muito pelo contrário. Na verdade, do elenco dos factos provados não temos um único ponto que verse sobre o estado de conservação e manutenção do motociclo de matrícula …, nem temos um único facto sobre o estado dos pneus antes e depois do acidente.
É assim evidente a culpa do condutor do motociclo de matrícula …, na verificação do acidente de viação.
Quanto à factualidade vertida no ponto 2.1.51, bastará ter presente a factualidade considerada provada nos pontos 2.1.41., 2.1.42., 2.1.43., 2.1.45., 2.1.46., 2.1.48., 2.1.50. 2.1.59., 2.1.61. e 2.1.67 para se ver, à saciedade, a falta de fundamento deste segmento recursivo.
Com efeito, abundam nos autos relatórios médicos, prova documental e até prova pericial que demonstram, inexoravelmente, que a aqui Recorrida se encontra dependente de ajudas técnicas, designadamente de consultas médicas, tratamentos médicos e medicamentosos – vide documentos 4, 5, 6, 7 e 8 juntos à providência cautelar, documentos 1 a 7 juntos a fls. 419 a 422, documentos n.ºs 8 e 9 juntos aos autos com o requerimento de 5.3.2024 e relatório pericial de fls. 259 e seguintes.
Quanto a este último, manda a verdade dizer que compulsado o relatório pericial da especialidade de psiquiatria datado de 18.7.2022, se refere, no último parágrafo, que “Como medida de tratamento, propõe-se que inicie acompanhamento por médico psiquiatra e mantenha cumprimento de seguimento em sede de consulta de psicologia.” – vide 2.1.50. da factualidade provada.
Ademais, resulta ainda do teor do relatório pericial de fls. 259 e seguintes que é de perspetivar a existência de dano futuro, considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável, do quadro clínico (factualidade essa considerada provada no ponto 2.1.50.).
Acresce que, foi igualmente considerado provado que a Recorrida está igualmente dependente de ajuda médica e medicamentosa - 2.1.59. -, que se encontra a ser seguida pela especialidade de psiquiatria - 2.1.61. -, que padece regularmente de dores, o que tem motivado que a Autora recorra à consulta da dor - 2.1.66. -, que frequenta um rigoroso tratamento de medicina
física e de reabilitação, as quais, na presente data, são realizados no Centro de Saúde de Santa Cruz - 2.1.67 - e que, desde o acidente, tem frequentado regularmente tratamentos de MFR - 2.1.41., 2.1.42., 2.1.43. e 2.1.44.
De igual modo, foi efetuada prova testemunhal bastante – vide depoimentos prestados pelas testemunhas ……., cunhada da autora, prestado no passado dia 23.4.2024, entre os minutos 11:37 e 11:44, ……….., mãe da Autora, prestado no passado dia 23.4.2024, entre os minutos 11:24 e 11:37, Dra. ……….., psicóloga, no passado dia 23.4.2024, entre os minutos 10:18 e 10:29, Dr. …………….., ortopedista, igualmente prestado no dia 23.4.2024, entre os minutos 10:31 e 10:40 e Dr. ………………, médico especialista em Medicina no Trabalho, ainda prestado no dia 23.4.2024, entre os minutos 10:42 e 10:49 – que sustentam, de forma cristalina, toda essa factualidade.
Por último, temos ainda todo o lastro documental referente às consultas, tratamentos e medicação que se estendem à praticamente seis anos, de forma ininterrupta e regular – cf. documentos 20 a 23 juntos com a providência cautelar e 2 a 18 juntos com a petição inicial, documentos 1 a 63 (fls. 222v a 255) juntos com o requerimento de 16.2.2023, documentos 1 a 52 (fls. 329 a 356) juntos com o requerimento de 29.11.2023. documentos n.ºs 11 a 25 (fls- 428 a 436), juntos com o requerimento de 5.3.2024 e documentos n.ºs 1 a 8 (fls. 455 a 461) juntos com o requerimento de 17.4.2024.
Pelo que, deve o tribunal ad quem julgar manifestamente improcedentes as conclusões número 17, 18, 19 e 20 formuladas pela Recorrente seguradora no presente recurso, assim se devendo consolidar a factualidade colocada em crise na presente instância recursiva (ou seja, a matéria de facto vertida no ponto 2.7.1. e 2.1.51.).
Da Aplicação do Art. 570.º do Código Civil
A situação descrita pela seguradora Recorrente refere-se ao tratamento cirúrgico que a Recorrida teve de se sujeitar para debelar o quadro álgico provocado pela aplicação de material de osteossíntese no joelho da Recorrida em consequência de uma lesão sofrida no seu membro inferior direito, lesão essa decorrente do acidente.
Não se vislumbra como é que a Recorrente iria prestar qualquer serviço médico à aqui Recorrida se nem sequer tinha assumido a sua responsabilidade pela regularização do presente sinistro, como ainda hoje não o fez.
Compulsada a matéria de facto provada, não se vislumbra onde é que a seguradora Recorrente se baseia para afirmar que a situação clínica do joelho da Recorrida se agravou – já que não existe um único facto provado que o refira – e, bem assim, que esse hipotético agravamento se ficou a dever a um suposto atraso no tratamento do quadro álgico provocado pela aplicação do material de osteossíntese – também não existe qualquer referência a essa factualidade no elenco dos factos considerados como provados.
Do Suposto Desconto do Montante relativo ao Subsídio de Mobilidade
Sustenta ainda a recorrente Seguradora que deveria ter sido descontado ao valor das despesas apresentadas com o custo das passagens aéreas, o montante respeitante ao subsídio de mobilidade. Essa subvenção não é de aplicação automática e do elenco dos factos provados não resulta um único facto que sustente essa alegação, sendo que, de igual modo, o ónus da prova de tal factualidade lhe incumbia.
Pelo que, em face da ausência de qualquer prova nesse sentido, esvazia-se, completamente, o sentido desta parte do recurso apresentado pela seguradora Recorrente, devendo, por esse facto, serem julgadas improcedentes as conclusões efetuadas nos pontos 21 e 22 deste recurso de apelação.
Da Alegada Excessiva Valorização das Indemnizações fixadas pelo tribunal recorrido a título de Dano Biológico e a título do Dano Não Patrimonial
Haverá, lugar ao arbitramento de indemnização por danos patrimoniais, mesmo que se não haja feito prova de que o lesado, por força de uma incapacidade, venha a sofrer de qualquer diminuição dos seus proventos futuros ou, ainda, mesmo que não haja prova de uma estrita incapacidade para  o desempenho da atividade profissional habitual, bastando a demonstração deque o desempenho profissional (e a consequente manutenção do mesmo nível de rendimentos) obriga a maiores esforços, a maior penosidade no desempenho de tais atividades, sendo indiscutível o ressarcimento deste dano.
Destarte, o dano biológico, na medida em que constitui uma lesão de bens eminentemente pessoais do lesado (a saúde), determinando-lhe uma deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do seu corpo no desenvolvimento de todas as suas atividades (sejam profissionais, lazer, familiar e demais dimensões da sua vida), carece de ser, sempre, indemnizado na vertente patrimonial, independentemente de ter ou não repercussões negativas a nível salarial ou na atividade profissional do lesado, mesmo que este último não desempenhe, à data do evento, atividade profissional remunerada e, ainda que se trate de pessoa já reformada.
O cálculo dessa indemnização (frustração da capacidade de ganho futura) é feito por recurso à equidade, devendo como critério objetivador, instrumental e orientador, ter-se presente as fórmulas matemáticas seguidas.
Os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de  vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido.
O quadro mais previsível e espectável para a Recorrida em termos de frustração de rendimentos do trabalho, é praticamente total, ou seja, o mais natural é que a presente situação se mantenha inalterável e que a Recorrida não mais regresse à vida ativa por inexistir, no mercado de  trabalho, qualquer atividade profissional compatível com as suas limitações e, bem assim, uma entidade patronal que esteja disponível para integrar nos seus quadros, uma trabalhadora com a sua idade e com todas essas limitações e impossibilidades.
Para efetuarmos uma quantificação equitativa e justa, devemos considerar as seguintes variáveis:
i. A aqui Autora tinha 33 anos de idade à data do sinistro;
ii. Auferia um rendimento anual líquido não inferior a € 12.180,00 (doze mil, cento e oitenta euros);
iii. Beneficia desde 11.4.2022 da atribuição de uma pensão de invalidez no valor de € 357,47 (trezentos e cinquenta e sete euros e quarenta e sete cêntimos);
iv. A Autora tem uma esperança média de vida ativa de mais 37 anos (e cerca de mais 50 anos de esperança média de vida);
v. A Autora padece de uma IPG/DFP de 39 pontos;
vi. Uma taxa de juro de 1,5%/2%;
vii. Para além disso, não se deverá esquecer que o montante a fixar (sendo certo que se solicitou a entrega de um capital, e não de uma renda) constitui um adiantamento de determinadas quantias que só seriam recebidas pelo lesado em data posterior (ao longo de vários anos), pelo que a redução relacionada com tal benefício de antecipação de capital, visando evitar “(…) o seu enriquecimento indevido, só se justifica em termos moderados e apenas se a materialidade concreta que foi provada nos autos a justificar indubitavelmente”.
Finalmente, importa ainda verificar que esse valor não se afasta de outras decisões proferidas pelos nossos tribunais superiores.
Assim tenha-se presente, para além da situação já referida na decisão recorrida, o decidido no acórdão do STJ de 5.9.2023, proferido no âmbito do Proc. n.º 549/16.3T8LRA.C2.S1, disponível no endereço eletrónico www.dgsi.pt e que no seu sumário refere que “Considerando que as sequelas suportadas pelo lesado, com uma IPP de 37%, não são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional do (motorista internacional de longo curso) que existe uma dificuldade efectiva, em face das lesões, de o mesmo vir a exercer actividade profissional alternativa, atendendo a que tinha 35 anos de idade ao tempo do acidente ( Fevereiro de 2013) , uma esperança média de vida a situar-se nos 77 anos de idade e que o seu rendimento anual era de € 28.371,28, a indemnização por danos patrimoniais futuros, incluindo o dano biológico, não deve ser fixada em montante inferior a € 400.000,00.”
Termos em que devem as conclusões formuladas nos pontos 23. a 32. serem julgadas improcedentes.
Já quanto à indemnização devida pelo Dano Não patrimonial sofrido pela Recorrida, considera integralmente reproduzidas as alegações de recurso por si apresentadas no passado dia 11.10.2024, designadamente a fls. 99 a 107 dessa peça processual.”
Termina, pugnando pela total improcedência do recurso interposto pela Recorrente Generali Seguros, S.A..
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Os recursos foram admitidos como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito dos recursos.
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Foram colhidos os vistos legais.
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São as conclusões formuladas pelas recorrentes que delimitam o objeto do recurso, no tocante ao desiderato almejado por aquele, bem como no que concerne às questões de facto e de direito suscitadas, conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC.
Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do CPC)[1].
Por outro lado, não pode o Tribunal de recurso, conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[2].
*
II. Do objecto dos recursos
São questões a decidir:
Do recurso interposto pela Autora:
Erro de julgamento na matéria de facto que conduziu à absolvição da Ré do pedido de condenação:
- A título de indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes das despesas e custos por si incorridos com todas as deslocações que teve de realizar para comparecer a tratamentos, consultas e exames;
- A título de indemnização pelos custos que implicam a ajuda ou auxílio de terceira pessoa para realizar as tarefas que importem a movimentação e a deslocação do seu corpo e a utilização em simultâneo dos seus membros superiores.
Erros de julgamento no que concerne à matéria de direito:
- Fixação pelo Tribunal recorrido, a título de indemnização por perdas salariais, em valor inferior ao pedido – não consideração das perdas sofridas no período compreendido entre 9.1.2021 e 11.4.2022;
- Fixação do pelo tribunal recorrido a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, em valor inferior ao pretendido;

Do recurso interposto pela Ré:
- Erro de julgamento na matéria de facto, com consequências na matéria de direito no que toca às seguintes questões:
Alteração da redação do ponto 2.1.7. - b) dos factos provados de molde a concluir pela exclusão de culpa do condutor ou, sem conceder, de culpa concorrente;
Errada redação do ponto 2.1.51., que veio a considerar provado que “A Autora necessitará, no futuro, de cuidados hospitalares, médicos, tratamentos e medicamentos, face ao previsível agravamento das sequelas”;
Erros de direito no tocante às seguintes questões:
- Falta de aplicação do art. 570.º do Código Civil, pelo facto de a Recorrida ter decidido “…recorrer ao Hospital Dr………….. e não ao acompanhamento médico da seguradora e, com essa decisão, ter contribuído para o agravamento da lesão do joelho direito;
-  Omissão do desconto ao valor das despesas relativas ao custo das passagens aéreas, do montante do subsídio de mobilidade;
- Excessiva valorização das indemnizações fixadas pelo tribunal recorrido a título de dano biológico e a título do dano não patrimonial.
***
III – FUNDAMENTOS
2.1. Fundamentação de Facto em 1ª Instância
O Tribunal recorrido, com relevo para a decisão da causa, considerou provados os seguintes factos:
“2.1.1. No dia 12.4.2019, pelas 22,32 horas, ocorreu um acidente de viação na Estrada Regional n.º ……., vulgarmente denominada de Via Rápida, ao quilómetro …………, na freguesia de ………, concelho do Funchal, em que interveio apenas o motociclo, de marca …., modelo ……., com a matrícula …….., propriedade da aqui Autora e conduzido por …………...
2.1.2. Nesse motociclo seguia como passageira, para além do seu condutor a aqui Autora, os quais vinham munidos dos respetivos capacetes.
2.1.3. A Via Rápida naquele local, era (como é) composta por quatro corredores de circulação, sendo dois deles reservados ao sentido de marcha Câmara de Lobos – Funchal, enquanto os outros dois estavam afetos ao sentido de marcha contrário.
2.1.4. Atento esse sentido de marcha, os sobreditos corredores de circulação encontravam-se delimitados ao centro por uma linha longitudinal descontínua, sendo ladeados nas extremidades, à esquerda, por um separador central em betão e, à direita, por railes de proteção.
2.1.5. Ainda considerando esse sentido de marcha, a faixa de rodagem descreve-se numa curva larga à direita, seguida de reta com mais de 200 metros de comprimento, sendo que o limite máximo de velocidade daquele troço da VR1 era (como é) de 90 km/hora.
2.1.6. O estado do tempo era bom e, pese embora fosse noite, havia boa visibilidade em face da iluminação pública existente no local.
2.1.7. Esse acidente de viação consubstanciou-se num despiste do sobredito motociclo que ocorreu da seguinte forma:
a) O motociclo de matrícula …….. circulava pela VR1, no sentido de marcha Câmara de Lobos - Funchal, pelo corredor de circulação mais à esquerda, a uma velocidade não concretamente apurada.
b) Quando ao passar ao quilometro 13,900, local onde a estrada se descreve em curva (embora, como já se referiu supra, de grande amplitude), o seu condutor, por razões que se desconhecem, perdeu o domínio do motociclo que conduzia.
c) Entrando em despiste, sendo projetado para o solo juntamente com a passageira que transportava.
d) Tendo a Autora ficado prostrada no pavimento a contorcer-se com dores, apresentando múltiplos traumatismos e feridas abrasivas.
e) O motociclo continuou em derrapagem ficando imobilizado, alguns metros mais à frente.
2.1.8. A aqui autora, proprietária do motociclo de matrícula ……, através da celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n.º …., transferiu a responsabilidade civil emergente da circulação do referido motociclo para a Ré seguradora, encontrando-se tal contrato de seguro válido e eficaz na data em que ocorreu o acidente,
2.1.9. A autora ficou a aguardar a chegada dos meios de socorro, apresentado, desde logo, parestesias e perda de sensibilidade e função no membro superior esquerdo e no membro inferior direito.
2.1.10. Sofrendo dores inenarráveis e indiscritíveis, durante todo aquele período de tempo que se estendeu por cerca de 4/5 minutos. 2.1.11. A Autora foi transportada pelos Bombeiros Sapadores do Funchal para o serviço de urgência do Hospital Dr. ……………...
2.1.12. Não sem antes procederem à sua imobilização em plano duro.
2.1.13. A Autora dá entrada nas urgências do mencionado hospital por volta das 23:10 horas, tendo sido imediatamente medicada para as dores.
2.1.14. Realizou diversos exames complementares de diagnóstico (como sejam, RX e TAC) e análises clínicas.
2.1.15. Nessa unidade hospitalar diagnosticaram à Autora as seguintes lesões:
(i) Fratura diafisária do fémur direito;
(ii) Fratura diafisária do úmero esquerdo;
(iii) Fratura da extremidade distal dos ossos do antebraço esquerdo;
(iv) Fratura diafisária do cúbito esquerdo;
(v) Fratura da falange proximal de D2 da mão esquerda;
(vi) Fratura de MC5 esquerdo, exposta por ferida contusa desde a face dorsal à face palmar da mão esquerda, que foi suturada;
(vii) Escoriações e feridas abrasivas múltiplas, designadamente nos membros inferiores.
2.1.16. A Autora apresentava ainda evidência clínica de lesão do plexo braquial esquerdo que se veio a confirmar.
2.1.17. À data da sua admissão fez tração esquelética à tíbia direita, encavilhamento retrógrado UHN do úmero esquerdo, tendo colocado um fixador externo monoplanar nos ossos do antebraço esquerdo com imobilização do punho.
2.1.18. A autora realizou igualmente um encavilhamento de F1 D2 com dois fios K e do MC5.
2.1.19. Em 23.4.2019, a autora foi sujeita a cirurgia para tratamento definitivo da fratura do fémur direito, a qual consistiu na remoção esquelética e osteossíntese com placa LISS,
2.1.20. Em 7.5.2019, sob anestesia geral, efetuou a extração do fixador externo do antebraço esquerdo e redução cruenta e osteossíntese com placa LCP do cúbito, e redução cruenta e osteossíntese com placa volar de duas colunas e ângulo variável do rádio.
2.1.21. Durante as duas primeiras semanas de internamento esteve completamente dependente, não tendo noção do seu estado clínico.
2.1.22. Fez EMG no Hospital Nélio Mendonça tendo-se confirmado a lesão do plexo braquial.
2.1.23. Teve alta hospitalar no passado dia 19.5.2019,
2.1.24. Com orientação da reabilitação com agentes físicos locais, designadamente:
(a) massagens com agentes físicos locais,
b) massagem centrípeta,
c) mobilização passiva de todo o membro superior,
(d) mobilização ativa dos músculos com resposta,
(e) estimulação elétrica (após seis semanas de cirurgia) dos flexores do cotovelo abdutores e rotadores do ombro.
.1.25. A Autora apresentava nessa data mobilização ativa e passiva dos dedos, com enrolamento e extensão completos e treino de pinça polici-digital.
2.1.26. A Autora foi então orientada para o Instituto de Cirurgia Reconstrutiva de Coimbra, sob orientação terapêutica do Prof……………, tendo sido sujeita a tratamento cirúrgico que foi realizado no passado dia 21.6.2019, com o objetivo de realizar uma exploração microcirúrgica do plexo braquial esquerdo, tendo-se apurado que existia uma lesão de C5, C6, C7, C8 e parcial de D1.
2.1.27. Efetuou neurotizações de feixes do nervo cubital para os músculos bicípite e braquial anterior.
2.1.28. Realizou radiografias em 27.7.2019, onde se observa consolidação da fratura dos ossos do antebraço, mas atraso na consolidação da fratura dos ossos do antebraço e atraso na consolidação da fratura do úmero (embora visível calo ósseo).
2.1.29. No punho a fratura estava consolidada sem material intra-articular, mas observa-se osteoporose difusa por desuso.
2.1.30. Fratura do colo de MCS estava igualmente consolidada.
2.1.31. A Autora conseguia fazer abdução de cerca 90º, flexão 120º.
2.1.32. Flexão do cotovelo de 90º.
2.1.33. Apresentado dificuldade de preensão e movimentos de pinça.
2.1.34. Em 10.7.2020, voltou a ser intervencionada no Instituto de Cirurgia Reconstrutiva, na cidade de Coimbra, para transferência tendionosa ao vível do punho, tendo realizado uma tenólise do aparelho flexor e extensor dos dedos, artrólise com libertação ligamentar e das placas palmares e bandoletas exérese da 1.ª fiada do carpo e tenodese do exterior “Carpis Radialis Brevis” à esquerda, extração de material de parafusos de material de osteossíntese e recolocação após encurtamento.
2.1.35. No dia 18.6.2021, a Autora realizou um novo ato cirúrgico no Instituto de Cirurgia Reconstrutiva de Coimbra, o qual consistiu numa tenólise dos tendões flexores, transferência para oponência do polegar, tenodese dos flexores no antebraço, artrólise por flexão das interfalângicas dos dedos e exérese do trapézio à esquerda.
2.1.36. Em 27.5.2022, a Autora voltou a realizar um novo ato cirúrgico nessa mesma instituição hospitalar, o qual consistiu na extração de material de osteossíntese do úmero, rádio e cúbito, tenodese para encurtamento de E.P.L. do polegar e artrodese da I.F.D. do 4.º dedo da mão esquerda e enxerto tendinoso do palmaris longus (P.L.) para flexor profundo do 4º dedo e extensor policis longus, por se encontrar lacerado/lesado.
2.1.37. Por seu turno, em 12.12.2022, novamente nessa instituição hospitalar, a Aurora realizou mais um tratamento cirúrgico que consistiu numa tenolenodese dos sensores do 2.º, 4.º e 5.º dedos ao 3.º dedo da mão esquerda e extração do material de artrodese do 4.º dedo.
2.1.38. Em 6.6.2023 o Sr. Prof. ……………… deu alta clínica à autora.
2.1.39. A Autora apesar de todos estes tratamentos tinha um quadro de dor permanente, designadamente no seu joelho direito, mas conseguindo caminhar.
2.1.40. A Autora tudo tentou para evitar uma nova cirurgia – designadamente através de tratamentos por infiltração – no entanto, a única solução possível foi mesmo sujeitar-se a um novo tratamento cirúrgico.
2.1.41. Pelo que, a Autora realizou no passado dia 4.9.2023, no Hospital ……… ………… Porto, uma artroscopia, para extração de placa de osteossíntese e manipulação do joelho direito, sob orientação da Clínica ………...
2.1.42. Desde 22.5.2022 a 19.6.2023 a aqui Autora realizou tratamentos de fisioterapia no Centro de Saúde de ………., cerca de 3 vezes por semana.
2.1.43. Por sua vez, desde 18.9.2023 até 31.1.2024, a Autora encontra-se a efetuar fisioterapia no Centro Médico e de Reabilitação da ……………. Lda. ……, cerca de 2 vezes por semana até ao passado dia 12.12.2023 e 3 vezes por semana desde essa data.
2.1.44. A Autora continua a realizar tratamentos de hidroterapia e massagem, sob orientação terapêutica da …….., Lda., 2 vezes por semana, o que sucede desde o passado dia 12.12.2023, perfazendo até ao passado dia 31.1.2024.
2.1.45. A Autora tem sido acompanhada em diversas instituições médicas, como seja, por exemplo, o Hospital Privado ….., a Clínica da …, o ……. Medical Center, a Clínica …., o Hospital …… …………. Porto, o Centro de Saúde de ……, a ……., Lda. e ……………
2.1.46. A Autora é ainda seguida por especialidade (osteopatia), sob orientação de ……………...
2.1.47. A Autora já realizou múltiplos exames radiográficos, quer ……., na cidade do Porto, quer no ……..
2.1.48. A Autora mantém na presente data, quer o tratamento de MFR, quer o tratamento medicamentoso.
2.1.49. Realizado um exame de avaliação do dano corporal em direito civil, no INMLCF, IP, o senhor perito veio então a considerar que os elementos disponíveis permitiamadmitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, tendo concluído que:
(i) A data da consolidação médico-legal das lesões veio a ser fixável em 8.2.2022 (atendendo a inexistência de estabilização do quadro lesional, o perito veio a considerar a data em que a Autora foi examinada pelo INMLCF como sendo a data da consolidação), ou seja, 1033 dias após a data do sinistro em apreço nos presentes autos;
(ii) No âmbito do período de danos temporários foi possível valorizar, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes:
a) Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 111 dias;
b) Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 922 dias;
(iii) Repercussão temporária da atividade profissional total, fixável num período de 1033 dias;
(iv) Quantum Doloris fixável no grau 6, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta a natureza e gravidade das lesões resultantes, seu tratamento cirúrgico e longo período de recuperação funcional, bem como, o sofrimento psíquico naturalmente vivenciado;
(v) Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, fixável em 39 pontos, considerando-se os seguintes danos permanentes:
- Ausência completa de mobilidade ativas da mão esquerda com limitação da pronação do punho, por lesão grave do antebraço e mão esquerda, enquadrável, por analogia, na paralisia do nervo mediano e cubital;
- Abdução do membro esquerdo limitado a 140º;
- Rigidez do joelho com flexão limitada a 90º;
- Síndrome depressivo de grau ligeiro a moderado.
(vi) Repercussão Permanente na Atividade Profissional: as sequelas identificadas são compatíveis com o exercício da atividade habitual de contabilista, mas que implicam acrescidos esforços e marcada redução de produtividade, atendendo à limitação da utilização da mão esquerda, a que acresce o facto de esta ser a sua mão dominante;
vii) Dano Estético Permanente fixável no grau 6, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta o número, aspeto, localização e dimensões das cicatrizes, bem como a ausência de mobilidade da mão direita, a qual condiciona dano estático do ponto de vista dinâmico e a idade da examinanda;
(viii) Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
(ix) Repercussão permanente na Atividade Sexual fixável em grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta as dores, bem como, a vergonha que sente do próprio corpo quando se encontra na intimidade.
2.1.50. No referido relatório também se conclui que na situação em apreço é de perspetivar a existência de Dano Futuro, considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável, do quadro clínico.
2.1.51. A Autora necessitará, no futuro, de cuidados hospitalares, médicos, tratamentos e medicamentos, face ao previsível agravamento das sequelas.
2.1.52. A Secretaria Regional de Saúde e Proteção Civil, emitiu um atestado médico de incapacidade multiuso, atribuindo à autora uma incapacidade permanente global de 60%.
2.1.53. A Autora tem dificuldades em caminhar grandes distâncias e em pisos irregulares, bem como, a subir e a descer escadas.
2.1.54. A Autora não mobiliza o seu membro superior esquerdo e não consegue fazer qualquer exercício de precisão com o seu membro superior direito, já que, era esquerdina ou canhota.
2.1.55. A Autora tem dificuldade em escrever, já que apenas pode utilizar a sua mão direita.
2.1.56. No domicílio, inicialmente a Autora apenas deambulava com muleta de apoio axilar e cadeira de rodas.
2.1.57. Dependência essa que se estendeu por vários meses, sendo certo que durante os primeiros três meses apenas o fazia de cadeira de rodas.
2.1.58. A Autora, decorridos 16 meses após o sinistro, continuava a frequentar programa de fisioterapia, três vezes por semana, e de terapia ocupacional também três vezes por semana, no Centro de Saúde …………………
2.1.59. A Autora está igualmente dependente de ajuda médica e medicamentosa.
2.1.60. A Autora encontra-se a ser seguida em consulta externa no Hospital ……………… e, bem assim, pelo Sr. Prof. …………….., no Hospital Universitário da Universidade …………………...
2.1.61. A Autora tem sido assolada por alterações do foro psiquiátrico que agravam e limitam, a já em si reduzida autonomia e independência, motivo pelo qual a Autora se encontra a ser seguida igualmente por essa especialidade.
2.1.62. A Autora gostava muito de sair com os amigos ao fim de semana, gostava de dar passeios nas levadas e de ir ao ginásio praticamente todos os dias.
2.1.63. Agora com as limitações que tem no braço e na perna, nunca mais fez caminhadas, nem nunca mais voltou a um ginásio.
2.1.64. A Autora aumentou de peso, o que a deixa muito angustiada e revoltada.
2.1.65. A Autora tem dificuldades em cozinhar ou assegurar de forma autónoma e independente o seu giro doméstico,
2.1.66. Padece regularmente de dores, o que tem motivado que a Autora recorra à consulta da dor.
2.1.67. A Autora frequenta um rigoroso tratamento de medicina física e de reabilitação, as quais na presente data são realizados no Centro de Saúde de …….., o qual se traduz numa hora e meia de dores desgastantes.
2.1.68. A Autora tem dificuldades em dormir, pois não tem posição para colocar o braço.
2.1.69. E, bem assim, em consequência dos flashes repentinos onde revive de forma recorrente o acidente de viação em apreço nos presentes autos.
2.1.70. Por outro lado, a Autora é assaltada por crises de ansiedade, pânico e tristeza em face das muitas limitações físicas que padece.
2.1.71. A Autora vive sozinha.
2.1.72. A Autora não estava a conseguir assegurar a sua própria sobrevivência, em face dos múltiplos encargos que tinha (e continua a ter) de satisfazer.
2.1.73. À data dos factos, a Autora exercia a função de contabilista, ao serviço da ………….., Lda., auferindo um salário líquido de cerca de € 870,00 (oitocentos e setenta euros).
2.1.74. Com efeitos reportados a março de 2020, a autora e a ré celebraram transação no âmbito da providência cautelar que correu os seus termos sob o n.º ……………., na qual a aqui ré tem vindo a pagar a quantia mensal de € 400,00 (quatrocentos euros).
2.1.75. Até ao momento em que a Autora veio a celebrar a sobredita transação, esta só tinha conseguido suportar todos os seus encargos habituais e ainda as despesas médicas e medicamentosas em face da solidariedade de pessoas amigas e, bem assim, de familiares, uma vez que o que auferia da Segurança Social era manifestamente insuficiente.
2.1.76. De uma pessoa alegre, bem-disposta, extrovertida e com facilidade para as relações sociais, amante do desporto e da vida ativa, características que perdeu, passando a ser uma pessoa triste, de difícil contacto, desconcentrada e ansiosa.
2.1.77. A Autora temeu pela sua integridade física e suportou um choque e abalo quando tomou consciência das sequelas sofridas.
2.1.78. Com as lesões do acidente ajuizado tornou-se numa pessoa facilmente irritável.
2.1.79. Passou a sofrer de angústia e depressão.
2.1.80. A Autora nunca mais praticou exercício físico, o que muito a entristece.
2.1.81. A aqui Autora nasceu a 22.7.1985, tendo trinta e três (33) anos de idade quando ocorreu o sinistro.
2.1.82. A Autora esteve impossibilitada de exercer a sua atividade profissional desde o dia 13.4.2019 (dia seguinte ao acidente) até 11.4.2022 (data da passagem à reforma), ou seja, 1095 dias.
2.1.83. O Instituto da Segurança Social …………., em consequência do acidente em discussão nestes autos e tendo a autora sofrido incapacidade temporária para o trabalho, atribuiu-lhe prestações mensais, no período de 12.04.2019 a 09.01.2021, no montante global de €10.820,43.
2.1.84. Encontra-se reformada por invalidez desde 11.4.2022 - auferindo uma pensão de reforma de cerca de € 357,47 (trezentos e cinquenta e sete euros e quarenta e sete cêntimos) – mensais.
2.1.85. Desde da data do acidente até à instauração da presente ação, a autora despendeu o montante global de € 564,18 (quinhentos e sessenta e quatro euros, dezoito cêntimos) para fazer face às despesas de transportes, às despesas médicas, medicamentosas, hospitalares e tratamentos.
2.1.86. Desde o dia 27.07.2020 até 27.12.2022, a autora despendeu o montante global de € 2.102,49 (dois mil, centos e dois euros e quarenta e nove cêntimos) para fazer face às despesas de transportes, às despesas médicas, medicamentosas, hospitalares e tratamentos.
2.1.87. Desde o dia 04.01.2023 até 14.11.2023, a autora despendeu o montante global de 11.370,65 € (onze mil, trezentos e setenta euros e sessenta e cinco cêntimos), para fazer face às despesas de transportes, às despesas médicas, medicamentosas, hospitalares e tratamentos.
2.1.88. Desde o dia 29.11.2023 até 03.03.2024, a autora despendeu o montante global de 1.254,74 (mil, duzentos e cinquenta e quatro euros e setenta e quatro cêntimos), para fazer face às despesas de transportes, às despesas médicas, medicamentosas, hospitalares e tratamentos.
2.1.89. Desde o dia 04.03.2024 até 12.04.2024, a autora despendeu o montante global de €747, 90 (setecentos e quarenta e sete euros e noventa cêntimos), para fazer face às despesas de transportes, às despesas médicas, medicamentosas, hospitalares e tratamentos.
Com relevo para a decisão da causa não resultaram provados quaisquer outros factos, nomeadamente os seguintes:
2.2.1- A Autora teve de se deslocar em viatura própria de sua casa para o centro de saúde e continua a realizar tratamentos de hidroterapia e massagem, sob orientação terapêutica da ………… Lda., 2 vezes por semana, o que sucede desde o passado dia 12.12.2023, nessas deslocações em viatura própria a Autora gastou a quantia global de € 8.024,40 (oito mil e vinte e quatro euros e quarenta cêntimos).
2.2.2. A Autora permanece dependente de ajuda de terceira pessoa para vestir-se, lavar-se, cozinhar, limpar, atar os atacadores, escrever, etc.).
2.2.3. Quer para se deslocar a consultas, tratamentos médicos e de fisioterapia, já que não consegue conduzir.
2.2.4. A Autora recebeu do Instituto da Segurança Social…., a quantia de € 19.206,30 (dezanove mil, duzentos e seis euros e trinta cêntimos).
*
Da impugnação da matéria de facto
Recurso da Autora:
Ponto 2.2.1 (despesas de deslocação):
No entendimento da Autora terá existido um manifesto erro na apreciação do segmento factual que veio a ser julgado como não provado no pontos 2.2.1..
Consta do ponto 2.2.1 dos factos não provados o seguinte:
A Autora teve de se deslocar em viatura própria de sua casa para o centro de saúde e continua a realizar tratamentos de hidroterapia e massagem, sob orientação terapêutica da …………., Lda., 2 vezes por semana, o que sucede desde o passado dia 12.12.2023. Nessas deslocações em viatura própria a Autora gastou a quantia global de € 8.024,40 (oito mil e vinte e quatro euros e quarenta cêntimos).”
A Autora pugna pela eliminação da redacção do mencionado ponto 2.2.1 e aditamento, nos factos provados, outros, com o seguinte teor:
“2.1.90. A Autora suportou despesas com as deslocações que teve de realizar para poder comparecer nos tratamentos, nas consultas e demais cuidados médicos que o seu quadro sequelar impunha.
2.1.21. A Autora realizou 532 deslocações ao Centro de Saúde de ………….., entre Maio de 2019 e Julho de 2023, para realizar os seguintes
atos médicos, a saber:
- Terapia ocupacional – 158 deslocações;
- Fisioterapia – 232 deslocações;
- Terapia ocupacional + fisioterapia – 142 deslocações.”
A Ré entende que não deve obter provimento esta pretensão da Ré, porque só agora foi peticionada e que, todas as despesas de transportes peticionadas pela Recorrente, obtiveram colhimento junto do Tribunal a quo, constando dos factos provados nos pontos 2.1.88 a 2.1.89.
Vejamos a quem assiste razão:
Em primeiro lugar, cumpre, afirmar que, ao contrário do que alega a Ré, a Autora na Petição Inicial, pediu o pagamento das despesas de transporte relacionadas com as deslocações que teve que fazer para comparecer em consultas e tratamentos médicos, ressalvando, desde logo, a possibilidade de deduzir ampliação do pedido sobre esta matéria. De facto, o pedido inicial foi ampliado por duas vezes, por requerimentos datados de 16-02-2023 e 05-03-2024 e das ampliações em causa, resulta a matéria factual em que a Autora suporta a impugnação do recurso nesta sede.
Por outro lado, parte do texto do ponto 2.2.1 inserto no segmento da decisão que contém os factos não provados, foi dado como assente no ponto 2.1.44. dos factos provados:
Neste último consta que:
“A Autora continua a realizar tratamentos de hidroterapia e massagem, sob orientação terapêutica da …………, Lda., 2 vezes por semana, o que sucede desde o passado dia 12.12.2023, perfazendo até ao passado dia 31.1.2024.”
E recordando a redação do ponto impugnado, verifica-se a referida coincidência parcial:
A Autora teve de se deslocar em viatura própria de sua casa para o centro de saúde e continua a realizar tratamentos de hidroterapia e massagem, sob orientação terapêutica da …………, Lda., 2 vezes por semana, o que sucede desde o passado dia 12.12.2023. Nessas deslocações em viatura própria a Autora gastou a quantia global de € 8.024,40 (oito mil e vinte e quatro euros e quarenta cêntimos).”
Ou seja, não há qualquer dúvida que, os tratamentos em causa foram realizados pela Autora com a periocidade mencionada, na referida clínica, como de resto resulta “da documentação junta aos autos, nomeadamente os documentos nºs 8 e 9 juntos aos autos com o referido requerimento de 5.03.2024, conjugados com os testemunhos de … e …, respetivamente, cunhada e mãe da autora, as quais demonstraram ter conhecimento daquela factualidade, atenta a proximidade que têm com a autora, sendo que, nesta parte, também foram relevantes as declarações de parte da autora.”[3]
O que o Tribunal quis dar como não provado foi o facto de a Autora se ter deslocado à clínica em causa em veículo próprio e ter suportado as despesas inerentes aos respectivos custos, conforme se infere da análise da fundamentação da sentença recorrida neste ponto, ao se afirmar que: “no que respeita aos factos não provados, cumpre referir que se apurou que a autora conduz uma viatura adaptada, conforme referiu a testemunha ………., não se tendo apurado as deslocações que a mesma fez com essa viatura e a as despesas que teve de suportar com essas deslocações.”
Mas como salienta a Autora nas suas alegações recursivas, “resulta da própria factualidade considerada provada nos pontos 2.1.24., 2.1.26., 2.1.34., 2.1.35., 2.1.36., 2.1.37., 2.1.40., 2.1.41., 2.1.42., 2.1.43., 2.1.44., 2.1.45., 2.1.46., 2.1.47., 2.1.48., 2.1.50., 2.1.51., 2.1.58., 2.1.59., 2.1.60., 2.1.61., 2.1.66. e 2.1.67., concatenada com as regras da experiência comum que, se a Autora esteve presente nos locais onde foi consultada e tratada, teve que se deslocar a esses mesmos locais, e essas deslocações tiveram custos.”
Por esse motivo, merece acolhimento a conclusão de que a Autora realizou, várias deslocações (em consultas e tratamentos médicos), relacionados com o tratamento das lesões que sofreu por força do acidente.
De acordo com o disposto no art. 349.º do Código Civil, dos factos dados como provados e reconhecidos pelo Tribunal (comparência nos locais das consultas e tratamentos) é possível à luz das regras da  experiência comum, extrair a ilação de que a Autora teve que se deslocar aos respectivos locais e suportar as despesas inerentes a essas deslocações.
Também não oferece qualquer resistência por parte deste Tribunal a consideração de que, entre as deslocações mencionadas, se encontram as 532 que a Autora realizou ao Centro de Saúde de ……….., entre Maio de 2019 e Julho de 2023, para realizar os seguintes actos médicos, a saber:
- Terapia ocupacional – 158 deslocações;
- Fisioterapia – 232 deslocações;
- Terapia ocupacional + fisioterapia – 142 deslocações.”
O ofício do …….., EPE junto aos autos pela Autora no seu requerimento datado de 26.3.2024, datado de 18.6.2021, é bastante para comprovar as afirmações que do mesmo constam nesse sentido. Recorde-se que o teor do documento foi emitido por entidade pública e não há qualquer motivo para considerar a inveracidade do respectivo teor.
Também aqui, é de admitir que as deslocações Centro de Saúde de ……………, tais como as outras, tiveram custos que a Autora suportou.
Alega a Ré que o aditamento requerido pela Autora não pode proceder porque nos pontos 2.1.88 e 2.1.89 dos factos assentes já são contempladas as despesas de transporte.
De facto, consta desses pontos o seguinte texto:
“2.1.88. Desde o dia 29.11.2023 até 03.03.2024, a autora despendeu o montante global de 1.254,74 (mil, duzentos e cinquenta e quatro euros e setenta e quatro cêntimos), para fazer face às despesas de transportes, às despesas médicas, medicamentosas, hospitalares e tratamentos.
2.1.89. Desde o dia 04.03.2024 até 12.04.2024, a autora despendeu o montante global de €747, 90 (setecentos e quarenta e sete euros e noventa cêntimos), para fazer face às despesas de transportes de avião, às despesas médicas, medicamentosas, hospitalares e tratamentos.”
E, para fundamentar estas afirmações, o Mmº Juiz “a quo”, atendeu:
“Aos documentos n.ºs 11 a 25 (fls. 428 a 436), juntos com o requerimento 05.03.2024 (no que respeita ao ponto 2.1.88 dos factos provados) e documentos n.ºs 1 a 8 (fls. 455 a 461), juntos com o requerimento de 17.04.2024 (no que respeita ao ponto 2.1.89 dos factos provados).”
Mas, analisada a documentação em causa, verifica-se que, à excepção de uma viagem de avião no valor de € 299, 47, da qual a Autora foi ressarcida, no montante de € 213, 47 (a título de subsídio de mobilidade) – docs. 7 e 8 juntos com o requerimento de 17.04.2024, toda a restante documentação que suporta os pontos 2.1.88 e 2.1.89 dos factos assentes, se reporta a despesas médicas (consultas, tratamentos e medicamentos).
Sendo assim, não é crível que apenas aquele valor residual (€ 86) fosse o correspondente a todas as despesas de deslocação que a Autora teve, tanto mais que consta da matéria de facto assente que muitos dos actos médicos a que a Autora foi sujeita ocorreram na Ilha da Madeira, não sendo o avião o transporte adequado às inerentes deslocações.
Não colhe assim, o argumento da Ré, uma vez que nos pontos 2.1.88 e 2.1.89 dos factos assentes, não são cobertas todas as despesas de deslocação da Autora.
Pelo que, declarando procedente o recurso da Autora, nesta sede, determina-se a eliminação do ponto 2.2.1 dos factos não provados que contém o seguinte texto:
“A Autora teve de se deslocar em viatura própria de sua casa para o centro de saúde e continua a realizar tratamentos de hidroterapia e massagem, sob orientação terapêutica da ……………. Lda., 2 vezes por semana, o que sucede desde o passado dia 12.12.2023. Nessas deslocações em viatura própria a Autora gastou a quantia global de € 8.024,40 (oito mil e vinte e quatro euros e quarenta cêntimos).”
E, procede-se ao aditamento, nos factos provados dos seguintes:
“2.1.90. Para além do que já consta dos pontos 2.1.88 e 2.1.89, a Autora suportou despesas com as deslocações que teve de realizar para poder comparecer nos tratamentos, nas consultas e demais cuidados médicos que o seu quadro sequelar impunha.
2.1.91. A Autora realizou 532 deslocações ao Centro de Saúde de …….., entre Maio de 2019 e Julho de 2023, para realizar os seguintes
atos médicos, a saber:
- Terapia ocupacional – 158 deslocações;
- Fisioterapia – 232 deslocações;
- Terapia ocupacional + fisioterapia – 142 deslocações.”
*
Ponto 2.2.2 (ajuda de terceira pessoa):
No entendimento da Autora terá existido um manifesto erro na apreciação do segmento factual que veio a ser julgado como não provado no ponto 2.2.2..
Consta do ponto 2.2.2 dos factos não provado o seguinte:
“A Autora permanece dependente de ajuda de terceira pessoa para vestir-se, lavar-se, cozinhar, limpar, atar os atacadores, escrever, etc.).”
A Ré entende que o perito médico não se pronunciou sobre a sua necessidade de ajuda de terceira pessoa, pelo que não deve proceder o recurso da Autora nesta parte.
Resulta da fundamentação da sentença recorrida, a seguinte formulação genérica: “Quanto à factualidade não provada a prova produzida a mesma foi manifestamente insuficiente para fundamentar um juízo favorável à sua veracidade.”
Sustenta a Autora que, não é possível perceber qual o raciocínio percorrido pelo Mmª Juiz “a quo” no tocante à sua convicção para dar como não assente tal facto.
Ora, analisada a prova produzida em julgamento sobre esta matéria, entendemos que, ao contrário do que consta na sentença recorrida, a Autora necessita do auxílio e/ou ajuda de uma terceira pessoa para realizar as tarefas mais pesadas do seu giro doméstico, designadamente todas aquelas que importem a sua movimentação ou deslocação e a utilização simultânea dos membros superiores ou a realização de movimentos de precisão.
Vão nesse sentido os depoimentos das testemunhas Dra. ……, Dr. …….., Dr. ….., ………………………………………., que corroboram as dificuldades manifestadas nas declarações de parte da Autora sobre em realizar tarefas mais pesadas do seu giro doméstico, designadamente todas aquelas que importem a sua movimentação ou deslocação e a utilização simultânea dos membros superiores ou a realização de movimentos de precisão.
Estes depoimentos, vão ao encontro do teor da documentação clínica constante aos autos (designadamente o documento identificado com o n.º 1 junto com a petição inicial, o ofício do SESARAM datado de 18.6.2021, o certificado de incapacidade multiuso junto aos autos pela Autora, no passado dia 13.12.2022, o processo de invalidez relativa pertencente ao ISSM e junto aos autos por esta entidade através do ofício datado de 26.7.2023 e os documentos identificados sob os números 1 a 8 e 10 juntos pela Autora com o seu requerimento datado de 5.3.2024) e, bem assim, tendo presente o teor do relatório pericial datado de 13.3.2023 e a matéria considerada provada nos pontos 2.1.24., 2.1.26., 2.1.34., 2.1.35., 2.1.36., 2.1.37., 2.1.40., 2.1.412.1.42., 2.1.43., 2.1.44., 2.1.45., 2.1.46., 2.1.47., 2.1.48., 2.1.50., 2.1.51., 2.1.58., 2.1.59., 2.1.60., 2.1.61., 2.1.66. e 2.1.67.
Por fim, mas com o devido relevo, não se pode olvidar que no próprio relatório pericial junto aos autos, o Perito psiquiatra, Dr. …….., reconhece que a Autora, “no decurso do dia, também cumpre algumas tarefas domésticas, sendo que aquelas que não consegue acautelar, são colmatadas pelo namorado” com quem vive na freguesia da Camacha (pontos 4 e 5 do relatório pericial psiquiátrico, anexo ao relatório da perícia de avaliação do dano corporal).
Daqui se extraí que a Autora não consegue, no seu estado actual, desempenhar todas as tarefas domésticas e relativas ao seu próprio cuidado, sozinha. A extensão das lesões, nomeadamente, o facto de não conseguir mobilizar o seu membro superior esquerdo - vide ponto 2.1.54. dos factos provados, não conseguir fazer qualquer exercício de precisão com o seu membro superior direito, já que era esquerdina – vide ponto 2.1.54. dos factos provados, ter dificuldades em cozinhar ou assegurar de forma autónoma e independente o seu giro doméstico - vide ponto 2.1.65. dos factos provados, ser assaltada frequentemente por crises de ansiedade, pânico e tristeza em face das muitas limitações que padece - vide ponto 2.1.70. dos factos provados, impede-a, certamente, de realizar certas actividades.
A isto acresce a que, de acordo com pontos 2.1.51. e 2.1.59. dos factos provados, é “previsível o agravamento das sequelas,” pelo que tudo indica que maior será a necessidade de auxílio da Autora, devendo a mesma precisar, efectivamente, do auxílio de terceira pessoa.
Nesse sentido, impõe-se alterar o julgamento da matéria de facto efetuada pelo tribunal a quo, eliminando-se o Ponto 2.2.2. dos factos não provados e aditando-se ao elenco de factos provados a seguinte factualidade sob o Ponto 2.1.92:
“A Autora necessita do auxílio e/ou ajuda de uma terceira pessoa para realizar as tarefas mais pesadas do seu giro doméstico, designadamente todas aquelas que importem a sua movimentação ou deslocação e a utilização simultânea dos membros superiores ou a realização de movimentos de precisão, sendo previsível que esta necessidade se estenda à realização de outras tarefas, considerando o também previsível agravamento do seu estado de saúde.”
*
Do recurso interposto pela Ré:
- Erro de julgamento na matéria de facto no que toca à alteração da redação do ponto 2.1.7. - b) dos factos provados:
Entende a Ré que a redação do ponto “supra” referido deve ser alterada.
Consta da matéria de facto assente que:
“b) Quando ao passar ao quilometro 13,900, local onde a estrada se descreve em curva (embora, como já se referiu supra, de grande amplitude), o seu condutor, por razões que se desconhecem, perdeu o domínio do motociclo que conduzia.”
Requer que a alteração solicitada se processe de modo a que fique a constar o seguinte:
“b) Quando ao passar ao quilometro 13,900, local onde a estrada se descreve em curva (embora, como já se referiu supra, de grande amplitude), o seu condutor, devido ao rebentamento do pneu traseiro, perdeu o domínio do motociclo que conduzia“.
Argumenta que, quer do depoimento do condutor do motociclo, …, quer de fotografia do motociclo junta pela Ré, quer do relatório médico subscrito pelo Dr. …….., quer por último, da participação efectuada pela Autora ao Instituto de Segurança Social, que o pneu traseiro do veículo rebentou e com isso causou o despiste.        
Acontece, porém, que do testemunho de ……., condutor do motociclo, o qual foi muito claro e espontâneo na descrição do acidente, não se pode retirar a certeza de que houve um rebentamento do pneu do motociclo antes do despiste e que, foi esse rebentamento que deu causa ao acidente. ……, disse apenas que, achava ter ouvido um barulho antes do despiste, que associou àquela hipótese, mas também afirmou que os pneus do veículo eram novos.
Por ouro lado, este alegado evento não foi por ele referido ao agente do OPC que elaborou o auto de participação do acidente junto como documento 1 ao procedimento cautelar apenso. Analisado esse mesmo auto, feito com base na observação do local do sinistro e nas declarações únicas do condutor, consta que o condutor do veículo, perdeu o controle do mesmo, “por razões que se desconhece”, não sendo feita qualquer referência ao rebentamento do pneu como causa de tal perda de controlo.
A isto acresce que, quanto à causa do acidente, o relatório médico subscrito pelo Dr. ……. e a participação efectuada pela Autora ao Instituto de Segurança Social, não são documentos idóneos a comprovar os factos que precederam o sinistro, porquanto se basearam nas declarações da Autora que, devido às lesões que sofreu e trauma sofrido, não tem lembrança do sucedido.
Por fim, a fotografia do motociclo mencionada pela Ré, apenas permite visualizar o pneu do motociclo danificado, ficando por apurar se tal ocorreu antes do acidente, ou foi consequência do mesmo.
Importa ainda recordar que no que tange aos poderes do Tribunal da Relação em sede de apreciação da decisão sobre a matéria de facto, “…a possibilidade de alteração da matéria de facto deverá ser usada com toda a moderação e equilíbrio, ainda que toda a prova esteja gravada em áudio ou vídeo, devendo tão só o erro grosseiro ou clamoroso na apreciação da prova ser sindicado pela Relação com base na gravação dos depoimentos.”[4]
Por outro lado, conforme se salienta nesse mesmo aresto, “…não há dúvida de que é o Juiz na 1ª Instância que melhor colocado está para apreciar e credibilizar as provas, uma vez que é ele que contacta de perto com as mesmas, quando ouve as testemunhas, apreende os seus gestos e comportamentos, percepciona a convicção com que as mesmas depõem, onde todos os pequenos pormenores se revestem de interesse para formar a sua convicção.”
Assim sendo, os argumentos carreados para os autos pela Ré, não foram suficientes para pôr em causa o raciocínio explanado pelo Meritíssimo Juiz a quo na sentença, neste ponto.
Pelo que, esta sua pretensão não merece provimento, sendo improcedente.
*
- Erro de julgamento na matéria de facto no que toca à redação do ponto 2.1.51.:
Nesta sede foi considerado provado, na sentença que “a Autora necessitará, no futuro, de cuidados hospitalares, médicos, tratamentos e medicamentos, face ao previsível agravamento das sequelas”.
Tendo o Tribunal de Primeira Instância fundamentado esta afirmação na “análise do “Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível” (cfr. fls. 259 e sgs), (…) resultando do mesmo, para além do mais, a forte probabilidade de existirem danos futuros.”
Entende a Ré que “não há nenhum elemento probatório, junto aos autos, que permita concluir que a Autora/Recorrida, necessite no futuro de “cuidados hospitalares, médicos, tratamentos e medicamentos, face ao previsível agravamento das sequelas”.
Também aqui não lhe assiste razão.
Conforme salientado pela Autora, “abundam nos autos relatórios médicos, prova documental e até prova pericial que demonstram, inexoravelmente, que a aqui Recorrida se encontra dependente de ajudas técnicas, designadamente de consultas médicas, tratamentos médicos e medicamentosos – vide documentos 4, 5, 6, 7 e 8 juntos à providência cautelar, documentos 1 a 7 juntos a fls. 419 a 422, documentos n.ºs 8 e 9 juntos aos autos com o requerimento de 5.3.2024 e relatório pericial de fls. 259 e seguintes.
Quanto a este último, (…) compulsado o relatório pericial da especialidade de psiquiatria datado de 18.7.2022, se refere, no último parágrafo, que “Como medida de tratamento, propõe-se que inicie acompanhamento por médico psiquiatra e mantenha cumprimento de seguimento em sede de consulta de psicologia.” – vide 2.1.50. da factualidade provada.
Ademais, resulta ainda do teor do relatório pericial de fls. 259 e seguintes que é de perspetivar a existência de dano futuro, considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável, do quadro clínico (factualidade essa considerada provada no ponto 2.1.50.).
Acresce que, foi igualmente considerado provado que a Recorrida está igualmente dependente de ajuda médica e medicamentosa - 2.1.59. -, que se encontra a ser seguida pela especialidade de psiquiatria - 2.1.61. -, que padece regularmente de dores, o que tem motivado que a Autora recorra à consulta da dor - 2.1.66. -, que frequenta um rigoroso tratamento de medicina física e de reabilitação, as quais, na presente data, são realizados no Centro de Saúde de .67 - e que, desde o acidente, tem frequentado regularmente tratamentos de MFR - 2.1.41., 2.1.42., 2.1.43. e 2.1.44. De igual modo, foi efetuada prova testemunhal bastante – vide depoimentos prestados pelas testemunhas………….cunhada da autora, prestado no passado dia 23.4.2024, entre os minutos 11:37 e 11:44, ………., mãe da Autora, prestado no passado dia 23.4.2024, entre os minutos 11:24 e 11:37, Dra. ……, psicóloga, no passado dia 23.4.2024, entre os minutos 10:18 e 10:29, Dr. ……, ortopedista, igualmente prestado no dia 23.4.2024, entre os minutos 10:31 e 10:40 e Dr. ……., médico especialista em Medicina no Trabalho, ainda prestado no dia 23.4.2024, entre os minutos 10:42 e 10:49 – que sustentam, de forma cristalina, toda essa factualidade.
Por último, temos ainda todo o lastro documental referente às consultas, tratamentos e medicação que se estendem à praticamente seis anos, de forma ininterrupta e regular – cf. documentos 20 a 23 juntos com a providência cautelar e 2 a 18 juntos com a petição inicial, documentos 1 a 63 (fls. 222v a 255) juntos com o requerimento de 16.2.2023, documentos 1 a 52 (fls. 329 a 356) juntos com o requerimento de 29.11.2023. documentos n.ºs 11 a 25 (fls- 428 a 436), juntos com o requerimento de 5.3.2024 e documentos n.ºs 1 a 8 (fls. 455 a 461) juntos com o requerimento de 17.4.2024.”
Ora, da conjugação de todos estes elementos de prova não restam quaisquer dúvidas que bem andou o Mmº Juiz a quo, ao dar como assente que “a Autora necessitará, no futuro, de cuidados hospitalares, médicos, tratamentos e medicamentos, face ao previsível agravamento das sequelas.”
Improcede, também, neste ponto o recurso da Ré.
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2.2. Fundamentação de Facto em 2ª Instância
Em face do exposto, a matéria de facto a considerar será a seguinte:
2.1.1. No dia 12.4.2019, pelas 22,32 horas, ocorreu um acidente de viação na Estrada Regional n.º ……, vulgarmente denominada de Via Rápida, ao quilómetro 13,900, na freguesia de ……, concelho do Funchal, em que interveio apenas o motociclo, de marca ……., modelo ……………., com a matrícula ……, propriedade da aqui Autora e conduzido por ………………..
2.1.2. Nesse motociclo seguia como passageira, para além do seu condutor a aqui Autora, os quais vinham munidos dos respetivos capacetes.
2.1.3. A Via Rápida naquele local, era (como é) composta por quatro corredores de circulação, sendo dois deles reservados ao sentido de marcha Câmara de Lobos – Funchal, enquanto os outros dois estavam afetos ao sentido de marcha contrário.
2.1.4. Atento esse sentido de marcha, os sobreditos corredores de circulação encontravam-se delimitados ao centro por uma linha longitudinal descontínua, sendo ladeados nas extremidades, à esquerda, por um separador central em betão e, à direita, por railes de proteção.
2.1.5. Ainda considerando esse sentido de marcha, a faixa de rodagem descreve-se numa curva larga à direita, seguida de reta com mais de 200 metros de comprimento, sendo que o limite máximo de velocidade daquele troço da VR1 era (como é) de 90 km/hora.
2.1.6. O estado do tempo era bom e, pese embora fosse noite, havia boa visibilidade em face da iluminação pública existente no local.
2.1.7. Esse acidente de viação consubstanciou-se num despiste do sobredito motociclo que ocorreu da seguinte forma:
a) O motociclo de matrícula …….. circulava pela ………, no sentido de marcha Câmara de Lobos - Funchal, pelo corredor de circulação mais à esquerda, a uma velocidade não concretamente apurada.
b) Quando ao passar ao quilometro ………, local onde a estrada se descreve em curva (embora, como já se referiu supra, de grande amplitude), o seu condutor, por razões que se desconhecem, perdeu o domínio do motociclo que conduzia.
c) Entrando em despiste, sendo projetado para o solo juntamente com a passageira que transportava.
d) Tendo a Autora ficado prostrada no pavimento a contorcer-se com dores, apresentando múltiplos traumatismos e feridas abrasivas.
e) O motociclo continuou em derrapagem ficando imobilizado, alguns metros mais à frente.
2.1.8. A aqui autora, proprietária do motociclo de matrícula ……., através da celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n.º …………, transferiu a responsabilidade civil emergente da circulação do referido motociclo para a Ré seguradora, encontrando-se tal contrato de seguro válido e eficaz na data em que ocorreu o acidente,
2.1.9. A autora ficou a aguardar a chegada dos meios de socorro, apresentado, desde logo, parestesias e perda de sensibilidade e função no membro superior esquerdo e no membro inferior direito.
2.1.10. Sofrendo dores inenarráveis e indiscritíveis, durante todo aquele período de tempo que se estendeu por cerca de 4/5 minutos.
2.1.11. A Autora foi transportada pelos Bombeiros Sapadores do Funchal para o serviço de urgência do Hospital Dr. ……...
2.1.12. Não sem antes procederem à sua imobilização em plano duro.
2.1.13. A Autora dá entrada nas urgências do mencionado hospital por volta das 23:10 horas, tendo sido imediatamente medicada para as dores.
2.1.14. Realizou diversos exames complementares de diagnóstico (como sejam, RX e TAC) e análises clínicas.
2.1.15. Nessa unidade hospitalar diagnosticaram à Autora as seguintes lesões:
(i) Fratura diafisária do fémur direito;
(ii) Fratura diafisária do úmero esquerdo;
(iii) Fratura da extremidade distal dos ossos do antebraço esquerdo;
(iv) Fratura diafisária do cúbito esquerdo;
(v) Fratura da falange proximal de D2 da mão esquerda;
(vi) Fratura de MC5 esquerdo, exposta por ferida contusa desde a face dorsal à face palmar da mão esquerda, que foi suturada;
(vii) Escoriações e feridas abrasivas múltiplas, designadamente nos membros inferiores.
2.1.16. A Autora apresentava ainda evidência clínica de lesão do plexo braquial esquerdo que se veio a confirmar.
2.1.17. À data da sua admissão fez tração esquelética à tíbia direita, encavilhamento retrógrado UHN do úmero esquerdo, tendo colocado um fixador externo monoplanar nos ossos do antebraço esquerdo com imobilização do punho.
2.1.18. A autora realizou igualmente um encavilhamento de F1 D2 com dois fios K e do MC5.
2.1.19. Em 23.4.2019, a autora foi sujeita a cirurgia para tratamento definitivo da fratura do fémur direito, a qual consistiu na remoção esquelética e osteossíntese com placa LISS,
2.1.20. Em 7.5.2019, sob anestesia geral, efetuou a extração do fixador externo do antebraço esquerdo e redução cruenta e osteossíntese com placa LCP do cúbito, e redução cruenta e osteossíntese com placa volar de duas colunas e ângulo variável do rádio.
2.1.21. Durante as duas primeiras semanas de internamento esteve completamente dependente, não tendo noção do seu estado clínico.
2.1.22. Fez EMG no Hospital …………… tendo-se confirmado a lesão do plexo braquial.
2.1.23. Teve alta hospitalar no passado dia 19.5.2019,
2.1.24. Com orientação da reabilitação com agentes físicos locais, designadamente:
(a) massagens com agentes físicos locais,
b) massagem centrípeta,
c) mobilização passiva de todo o membro superior,
(d) mobilização ativa dos músculos com resposta,
(e) estimulação elétrica (após seis semanas de cirurgia) dos flexores do cotovelo abdutores e rotadores do ombro.
.1.25. A Autora apresentava nessa data mobilização ativa e passiva dos dedos, com enrolamento e extensão completos e treino de pinça polici-digital.
2.1.26. A Autora foi então orientada para o Instituto de Cirurgia Reconstrutiva de Coimbra, sob orientação terapêutica do Prof. Doutor ……., tendo sido sujeita a tratamento cirúrgico que foi realizado no passado dia 21.6.2019, com o objetivo de realizar uma exploração microcirúrgica do plexo braquial esquerdo, tendo-se apurado que existia uma lesão de C5, C6, C7, C8 e parcial de D1.
2.1.27. Efetuou neurotizações de feixes do nervo cubital para os músculos bicípite e braquial anterior.
2.1.28. Realizou radiografias em 27.7.2019, onde se observa consolidação da fratura dos ossos do antebraço, mas atraso na consolidação da fratura dos ossos do antebraço e atraso na consolidação da fratura do úmero (embora visível calo ósseo).
2.1.29. No punho a fratura estava consolidada sem material intra-articular, mas observa-se osteoporose difusa por desuso.
2.1.30. Fratura do colo de MCS estava igualmente consolidada.
2.1.31. A Autora conseguia fazer abdução de cerca 90º, flexão 120º.
2.1.32. Flexão do cotovelo de 90º.
2.1.33. Apresentado dificuldade de preensão e movimentos de pinça.
2.1.34. Em 10.7.2020, voltou a ser intervencionada no Instituto de Cirurgia Reconstrutiva, na cidade de Coimbra, para transferência tendionosa ao vível do punho, tendo realizado uma tenólise do aparelho flexor e extensor dos dedos, artrólise com libertação ligamentar e das placas palmares e bandoletas exérese da 1.ª fiada do carpo e tenodese do exterior “Carpis Radialis Brevis” à esquerda, extração de material de parafusos de material de osteossíntese e recolocação após encurtamento.
2.1.35. No dia 18.6.2021, a Autora realizou um novo ato cirúrgico no Instituto de Cirurgia …….., o qual consistiu numa tenólise dos tendões flexores, transferência para oponência do polegar, tenodese dos flexores no antebraço, artrólise por flexão das interfalângicas dos dedos e exérese do trapézio à esquerda.
2.1.36. Em 27.5.2022, a Autora voltou a realizar um novo ato cirúrgico nessa mesma instituição hospitalar, o qual consistiu na extração de material de osteossíntese do úmero, rádio e cúbito, tenodese para encurtamento de E.P.L. do polegar e artrodese da I.F.D. do 4.º dedo da mão esquerda e enxerto tendinoso do palmaris longus (P.L.) para flexor profundo do 4º dedo e extensor policis longus, por se encontrar lacerado/lesado.
2.1.37. Por seu turno, em 12.12.2022, novamente nessa instituição hospitalar, a Aurora realizou mais um tratamento cirúrgico que consistiu numa tenolenodese dos sensores do 2.º, 4.º e 5.º dedos ao 3.º dedo da mão esquerda e extração do material de artrodese do 4.º dedo.
2.1.38. Em 6.6.2023 o Sr. Prof. Doutor ……. deu alta clínica à autora.
2.1.39. A Autora apesar de todos estes tratamentos tinha um quadro de dor permanente, designadamente no seu joelho direito, mas conseguindo caminhar.
2.1.40. A Autora tudo tentou para evitar uma nova cirurgia – designadamente através de tratamentos por infiltração – no entanto, a única solução possível foi mesmo sujeitar-se a um novo tratamento cirúrgico.
2.1.41. Pelo que, a Autora realizou no passado dia 4.9.2023, no Hospital ……, uma artroscopia, para extração de placa de osteossíntese e manipulação do joelho direito, sob orientação da Clínica ……………..
2.1.42. Desde 22.5.2022 a 19.6.2023 a aqui Autora realizou tratamentos de fisioterapia no Centro de Saúde de Santa Cruz, cerca de 3 vezes por semana.
2.1.43. Por sua vez, desde 18.9.2023 até 31.1.2024, a Autora encontra-se a efetuar fisioterapia no Centro Médico e de Reabilitação ………………. cerca de 2 vezes por semana até ao passado dia 12.12.2023 e 3 vezes por semana desde essa data.
2.1.44. A Autora continua a realizar tratamentos de hidroterapia e massagem, sob orientação terapêutica da ………………., Lda., 2 vezes por semana, o que sucede desde o passado dia 12.12.2023, perfazendo até ao passado dia 31.1.2024.
2.1.45. A Autora tem sido acompanhada em diversas instituições médicas, como seja, por exemplo, o Hospital Privado ……. a Clínica ….., o ……. Medical Center, a Clínica ……….., o Hospital de ……, na cidade do Porto, o Centro de Saúde de …………, a ……………Lda. e o ………..
2.1.46. A Autora é ainda seguida por especialidade (osteopatia), sob orientação de ……………………….
            2.1.47. A Autora já realizou múltiplos exames radiográficos, quer no ……….., Lda., na cidade do Porto, quer no …………….. Medical Center.
2.1.48. A Autora mantém na presente data, quer o tratamento de MFR, quer o tratamento medicamentoso.
2.1.49. Realizado um exame de avaliação do dano corporal em direito civil, no INMLCF, IP, o senhor perito veio então a considerar que os elementos disponíveis permitiam admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, tendo concluído que:
(i) A data da consolidação médico-legal das lesões veio a ser fixável em 8.2.2022 (atendendo a inexistência de estabilização do quadro lesional, o perito veio a considerar a data em que a Autora foi examinada pelo INMLCF como sendo a data da consolidação), ou seja, 1033 dias após a data do sinistro em apreço nos presentes autos;
(ii) No âmbito do período de danos temporários foi possível valorizar, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes:
a) Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 111 dias;
b) Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 922 dias;
(iii) Repercussão temporária da atividade profissional total, fixável num período de 1033 dias;
(iv) Quantum Doloris fixável no grau 6, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta a natureza e gravidade das lesões resultantes, seu tratamento cirúrgico e longo período de recuperação funcional, bem como, o sofrimento psíquico naturalmente vivenciado;
(v) Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, fixável em 39 pontos, considerando-se os seguintes danos permanentes:
- Ausência completa de mobilidade ativas da mão esquerda com limitação da pronação do punho, por lesão grave do antebraço e mão esquerda, enquadrável, por analogia, na paralisia do nervo mediano e cubital;
- Abdução do membro esquerdo limitado a 140º;
- Rigidez do joelho com flexão limitada a 90º;
- Síndrome depressivo de grau ligeiro a moderado.
(vi) Repercussão Permanente na Atividade Profissional: as sequelas identificadas são compatíveis com o exercício da atividade habitual de contabilista, mas que implicam acrescidos esforços e marcada redução de produtividade, atendendo à limitação da utilização da mão esquerda, a que acresce o facto de esta ser a sua mão dominante;
vii) Dano Estético Permanente fixável no grau 6, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta o número, aspeto, localização e dimensões das cicatrizes, bem como a ausência de mobilidade da mão direita, a qual condiciona dano estático do ponto de vista dinâmico e a idade da examinanda;
(viii) Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
(ix) Repercussão permanente na Atividade Sexual fixável em grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta as dores, bem como, a vergonha que sente do próprio corpo quando se encontra na intimidade.
2.1.50. No referido relatório também se conclui que na situação em apreço é de perspetivar a existência de Dano Futuro, considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável, do quadro clínico.
2.1.51. A Autora necessitará, no futuro, de cuidados hospitalares, médicos, tratamentos e medicamentos, face ao previsível agravamento das sequelas.
2.1.52. A Secretaria Regional de Saúde e Proteção Civil, emitiu um atestado médico de incapacidade multiuso, atribuindo à autora uma incapacidade permanente global de 60%.
2.1.53. A Autora tem dificuldades em caminhar grandes distâncias e em pisos irregulares, bem como, a subir e a descer escadas.
2.1.54. A Autora não mobiliza o seu membro superior esquerdo e não consegue fazer qualquer exercício de precisão com o seu membro superior direito, já que, era esquerdina ou canhota.
2.1.55. A Autora tem dificuldade em escrever, já que apenas pode utilizar a sua mão direita.
2.1.56. No domicílio, inicialmente a Autora apenas deambulava com muleta de apoio axilar e cadeira de rodas.
2.1.57. Dependência essa que se estendeu por vários meses, sendo certo que durante os primeiros três meses apenas o fazia de cadeira de rodas.
2.1.58. A Autora, decorridos 16 meses após o sinistro, continuava a frequentar programa de fisioterapia, três vezes por semana, e de terapia ocupacional também três vezes por semana, no Centro de Saúde de Santa Cruz.
2.1.59. A Autora está igualmente dependente de ajuda médica e medicamentosa.
2.1.60. A Autora encontra-se a ser seguida em consulta externa no Hospital ……….. e, bem assim, pelo Sr. Prof. Doutor………….., no Hospital Universitário da Universidade……………….
2.1.61. A Autora tem sido assolada por alterações do foro psiquiátrico que agravam e limitam, a já em si reduzida autonomia e independência, motivo pelo qual a Autora se encontra a ser seguida igualmente por essa especialidade.
2.1.62. A Autora gostava muito de sair com os amigos ao fim de semana, gostava de dar passeios nas levadas e de ir ao ginásio praticamente todos os dias.
2.1.63. Agora com as limitações que tem no braço e na perna, nunca mais fez caminhadas, nem nunca mais voltou a um ginásio.
2.1.64. A Autora aumentou de peso, o que a deixa muito angustiada e revoltada.
2.1.65. A Autora tem dificuldades em cozinhar ou assegurar de forma autónoma e independente o seu giro doméstico,
2.1.66. Padece regularmente de dores, o que tem motivado que a Autora recorra à consulta da dor.
2.1.67. A Autora frequenta um rigoroso tratamento de medicina física e de reabilitação, as quais na presente data são realizados no Centro de Saúde de ………….., o qual se traduz numa hora e meia de dores desgastantes.
2.1.68. A Autora tem dificuldades em dormir, pois não tem posição para colocar o braço.
2.1.69. E, bem assim, em consequência dos flashes repentinos onde revive de forma recorrente o acidente de viação em apreço nos presentes autos.
2.1.70. Por outro lado, a Autora é assaltada por crises de ansiedade, pânico e tristeza em face das muitas limitações físicas que padece.
2.1.71. A Autora vive sozinha.
2.1.72. A Autora não estava a conseguir assegurar a sua própria sobrevivência, em face dos múltiplos encargos que tinha (e continua a ter) de satisfazer.
2.1.73. À data dos factos, a Autora exercia a função de contabilista, ao serviço da …………., Lda., auferindo um salário líquido de cerca de € 870,00 (oitocentos e setenta euros).
2.1.74. Com efeitos reportados a março de 2020, a autora e a ré celebraram transação no âmbito da providência cautelar que correu os seus termos sob o n.º …………., na qual a aqui ré tem vindo a pagar a quantia mensal de € 400,00 (quatrocentos euros).
2.1.75. Até ao momento em que a Autora veio a celebrar a sobredita transação, esta só tinha conseguido suportar todos os seus encargos habituais e ainda as despesas médicas e medicamentosas em face da solidariedade de pessoas amigas e, bem assim, de familiares, uma vez que o que auferia da Segurança Social era manifestamente insuficiente.
2.1.76. De uma pessoa alegre, bem-disposta, extrovertida e com facilidade para as relações sociais, amante do desporto e da vida ativa, características que perdeu, passando a ser uma pessoa triste, de difícil contacto, desconcentrada e ansiosa.
2.1.77. A Autora temeu pela sua integridade física e suportou um choque e abalo quando tomou consciência das sequelas sofridas.
2.1.78. Com as lesões do acidente ajuizado tornou-se numa pessoa facilmente irritável.
2.1.79. Passou a sofrer de angústia e depressão.
2.1.80. A Autora nunca mais praticou exercício físico, o que muito a entristece.
2.1.81. A aqui Autora nasceu a 22.7.1985, tendo trinta e três (33) anos de idade quando ocorreu o sinistro.
2.1.82. A Autora esteve impossibilitada de exercer a sua atividade profissional desde o dia 13.4.2019 (dia seguinte ao acidente) até 11.4.2022 (data da passagem à reforma), ou seja, 1095 dias.
2.1.83. O Instituto da Segurança Social …………., em consequência do acidente em discussão nestes autos e tendo a autora sofrido incapacidade temporária para o trabalho, atribuiu-lhe prestações mensais, no período de 12.04.2019 a 09.01.2021, no montante global de €10.820,43.
2.1.84. Encontra-se reformada por invalidez desde 11.4.2022 - auferindo uma pensão de reforma de cerca de € 357,47 (trezentos e cinquenta e sete euros e quarenta e sete cêntimos) – mensais.
2.1.85. Desde da data do acidente até à instauração da presente ação, a autora despendeu o montante global de € 564,18 (quinhentos e sessenta e quatro euros, dezoito cêntimos) para fazer face às despesas de transportes, às despesas médicas, medicamentosas, hospitalares e tratamentos.
2.1.86. Desde o dia 27.07.2020 até 27.12.2022, a autora despendeu o montante global de € 2.102,49 (dois mil, centos e dois euros e quarenta e nove cêntimos) para fazer face às despesas de transportes, às despesas médicas, medicamentosas, hospitalares e tratamentos.
2.1.87. Desde o dia 04.01.2023 até 14.11.2023, a autora despendeu o montante global de 11.370,65 € (onze mil, trezentos e setenta euros e sessenta e cinco cêntimos), para fazer face às despesas de transportes, às despesas médicas, medicamentosas, hospitalares e tratamentos.
2.1.88. Desde o dia 29.11.2023 até 03.03.2024, a autora despendeu o montante global de 1.254,74 (mil, duzentos e cinquenta e quatro euros e setenta e quatro cêntimos), para fazer face às despesas médicas, medicamentosas, hospitalares e tratamentos.
2.1.89. Desde o dia 04.03.2024 até 12.04.2024, a autora despendeu o montante global de €747, 90 (setecentos e quarenta e sete euros e noventa cêntimos), para fazer face às despesas de transportes (de avião), às despesas médicas, medicamentosas, hospitalares e tratamentos.
2.1.90. Para além do que já consta dos pontos 2.1.88 e 2.1.89, a Autora suportou outras despesas com as deslocações que teve de realizar para poder comparecer nos tratamentos, nas consultas e demais cuidados médicos que o seu quadro sequelar impunha.
2.1.91. A Autora realizou 532 deslocações ao Centro de Saúde de Santa Cruz, entre Maio de 2019 e Julho de 2023, para realizar os seguintes atos médicos, a saber:
- Terapia ocupacional – 158 deslocações;
- Fisioterapia – 232 deslocações;
- Terapia ocupacional + fisioterapia – 142 deslocações.
2.1.92. A Autora necessita do auxílio e/ou ajuda de uma terceira pessoa para realizar as tarefas mais pesadas do seu giro doméstico, designadamente todas aquelas que importem a sua movimentação ou deslocação e a utilização simultânea dos membros superiores ou a realização de movimentos de precisão, sendo previsível que esta necessidade se estenda à realização de outras tarefas, considerando o também previsível agravamento do seu estado de saúde.
*
Com relevo para a decisão da causa não resultaram provados quaisquer outros factos, nomeadamente os seguintes:
2.2.1. A Autora permanece dependente de ajuda de terceira pessoa para se deslocar a consultas, tratamentos médicos e de fisioterapia, já que não consegue conduzir.
2.2.2. A Autora recebeu do Instituto da Segurança Social, IP-RAM, a quantia de € 19.206,30 (dezanove mil, duzentos e seis euros e trinta cêntimos)
*
3.3 Fundamentação de Direito
Alterada a factualidade nos termos “supra” expostos, impõe-se a aplicação do direito, com a consequente análise das questões jurídicas suscitadas pelas recorrentes.
Da obrigação de indemnizar:
Considerando a matéria de facto assente, dúvidas não há que tendo ocorrido um acidente de viação como consequência da condução do segurado da ré, a esta incumbe a obrigação de indemnizar quem sofreu danos causados pelo sinistro em questão.
Isto porque, por força do contrato de seguro celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora e titulado pela apólice junta aos autos, a Ré seguradora é a responsável pela satisfação à lesada dos danos emergentes do evento danoso, cuja circulação estava devidamente segurada.
Em obediência ao disposto no artº 64, nº 1, al. a) do D.L. nº 291/2007, de 21.08, as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente só contra a empresa de seguros, quando o pedido se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro, como acontece no caso em análise.
Da culpa na produção do acidente:
A responsabilidade civil emergente dos acidentes de viação está, em princípio, sujeita ao regime geral da responsabilidade por factos ilícitos, prevista no artigo 483º, n.º 1, do Código Civil, que estipula que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Incumbe, pois, ao Autor alegar e provar que o lesante agiu com culpa, exceto se houver alguma presunção legal (de culpa) que dispense o lesado de tal prova (artigos 487º, n.º l, 342º, n.º1 e 344º, nº 1, todos do Código Civil).        
Entende a Ré que, ao contrário do que consta na sentença recorrida, tendo o despiste do motociclo sido provocado pelo rebentamento de um pneu do mesmo, tal evento “não pode ser imputado a título de culpa ao condutor do motociclo, mas antes terá de ver com uma de duas causas: a existência de um objecto na via ou a falta de manutenção do pneu. No primeiro caso, a responsabilidade pelo eventual objeto na via, seria da concessionária da Via Rápida e no segundo da proprietária do motociclo, a Autora. Não havendo culpa, pelo menos exclusiva do condutor, não pode o Tribunal a quo decidir, como decidiu, que a obrigação de indemnizar a Autora/lesada é da exclusiva responsabilidade da Ré/Recorrente.”
Pugna, em consequência, pela alteração da decisão de imputação de culpa exclusiva ao condutor do motociclo, por uma decisão de exclusão de culpa ou, de culpa concorrente.
Contudo, conforme vimos “supra”, os argumentos apresentados pela Ré, não foram suficientes para alterar a matéria de facto que suportaria a exposta conclusão jurídica.
Decorre da matéria de facto provada que:
“2.1.1. No dia 12.4.2019, pelas 22,32 horas, ocorreu um acidente de viação na Estrada Regional n.º ……., vulgarmente denominada de Via Rápida, ao quilómetro ………, na freguesia de ………., concelho do Funchal, em que interveio apenas o motociclo, de marca ….., modelo ……………, com a matrícula ………….., propriedade da aqui Autora e conduzido por …………………..
2.1.2. Nesse motociclo seguia como passageira, para além do seu condutor a aqui Autora, os quais vinham munidos dos respetivos capacetes.
2.1.3. A Via Rápida naquele local, era (como é) composta por quatro corredores de circulação, Sendo dois deles reservados ao sentido de marcha Câmara de Lobos – Funchal, enquanto os outros dois estavam afetos ao sentido de marcha contrário.
2.1.4. Atento esse sentido de marcha, os sobreditos corredores de circulação encontravam-se delimitados ao centro por uma linha longitudinal descontínua, sendo ladeados nas extremidades, à esquerda, por um separador central em betão e, à direita, por railes de proteção.
2.1.5. Ainda considerando esse sentido de marcha, a faixa de rodagem descreve-se numa curva larga à direita, seguida de reta com mais de 200 metros de comprimento, sendo que o limite máximo de velocidade daquele troço da VR1 era (como é) de 90 km/hora.
2.1.6. O estado do tempo era bom e, pese embora fosse noite, havia boa visibilidade em face da iluminação pública existente no local.
2.1.7. Esse acidente de viação consubstanciou-se num despiste do sobredito motociclo que ocorreu da seguinte forma:
a) O motociclo de matrícula ….. circulava pela VR1, no sentido de marcha Câmara de Lobos - Funchal, pelo corredor de circulação mais à esquerda, a uma velocidade não concretamente apurada.
b) Quando ao passar ao quilometro ……, local onde a estrada se descreve em curva (embora, como já se referiu supra, de grande amplitude), o seu condutor, por razões que se desconhecem, perdeu o domínio do motociclo que conduzia,
c) Entrando em despiste, sendo projetado para o solo juntamente com a passageira que transportava.
d) Tendo a Autora ficado prostrada no pavimento a contorcer-se com dores, apresentando múltiplos traumatismos e feridas abrasivas.
e) O motociclo continuou em derrapagem ficando imobilizado, alguns metros mais à frente.”
Ora, se é certo que não se apurou a velocidade a que o condutor do motociclo seguia, as circunstâncias em que o acidente ocorreu – curva de grande amplitude, bom tempo, via com luminosidade – eram favoráveis ao exercício da condução -. Pelo que, tudo indica que o mesmo não adequou a velocidade às referidas condições, pois se o tivesse feito, teria conseguido imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, ou desfazer a curva sem entrar em despiste.
Deste modo, como se concluiu na sentença em crise, o segurado da Ré violou o disposto no artigo 24º, n.º l do Código da Estrada e, acompanhando o raciocínio exposto no Acórdão do STJ de 23.02.2016[5], entendemos que:
“I - O art. 487.º, n.º 2, do CC estabelece que a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso. Consagra-se, assim, o critério da culpa em abstracto, conforme à diligência de um homem normal, medianamente sagaz, prudente e cuidadoso, em face do condicionalismo próprio do caso concreto. O critério legal de apreciação da culpa é um critério abstracto, ou seja, tendo em conta as concretas circunstâncias da dinâmica do acidente de viação em causa, por referência a um condutor normal.
II - A jurisprudência maioritária considera que, em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, deve atribuir-se a culpa na sua produção, por presunção judicial (art. 351.º, do CC) ao condutor que violou regras de direito estradal, desde que ele não logre demonstrar a existência de quaisquer circunstâncias anormais que determinaram tal facto.”
Assim sendo, incumbia à Ré provar que foram circunstâncias anormais que determinaram o despiste do motociclo, nomeadamente o rebentamento do pneu, antes da ocorrência do evento. Não tendo sido tal prova produzida de forma concludente, não merece reparo a sentença recorrida neste ponto.

Dos Danos:
De acordo com o disposto no artº 562 do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, compreendendo-se nesta reparação, não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixar de obter em consequência da lesão – artº 564 do mesmo diploma.
O artº 566, nº 2, por sua vez, preceitua que a indemnização em dinheiro, como se aplica “in casu”, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado – situação real – na data mais próxima que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos – situação hipotéctica actual.
Vejamos então, as questões colocadas pelas Recorrentes, relativas ao quantum indemnizatório atribuído ou a atribuir pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela Autora, em consequência do acidente.
*
Do Recurso da Autora:

- Do dano patrimonial relacionado com o auxílio de terceira pessoa e respectiva indemnização:
No sentido pretendido pela Autora, este Tribunal reconheceu “supra” que se impunha alterar o julgamento da matéria de facto efetuada pelo tribunal a quo, eliminando-se o Ponto 2.2.2. dos factos não provados e aditando-se ao elenco de factos provados a seguinte factualidade sob o Ponto 2.1.92:
“A Autora necessita do auxílio e/ou ajuda de uma terceira pessoa para realizar as tarefas mais pesadas do seu giro doméstico, designadamente todas aquelas que importem a sua movimentação ou deslocação e a utilização simultânea dos membros superiores ou a realização de movimentos de precisão, sendo previsível que esta necessidade se estenda à realização de outras tarefas, considerando o também previsível agravamento do seu estado de saúde.”
“Os critérios jurisprudenciais para o cálculo da indemnização devida para a ajuda de terceira pessoa a lesado (…) dependente para as actividades da vida diária são os seguintes: tempo estimado da necessidade de ajuda diária em número de horas diárias e em número de anos; valor do salário mínimo nacional (com tendência para valorizar ao longo do tempo) e tempo médio de vida do lesado.
(…)
As razões de solidariedade com o autor e a sua família, inerentes ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, impõem que a seguradora tenha de suportar o elevado encargo que representa esta componente indemnizatória, de forma a que o autor e a sua família vejam a sua vida o menos afectada possível por força de um acidente para o qual o autor em nada contribuiu.”[6]
A ser assim, dúvidas não restam que deve ser fixada uma indemnização à Autora devida pelos custos que implicam a ajuda ou auxílio de terceira pessoa para realizar as tarefas que importem a movimentação e a deslocação do seu corpo e a utilização em simultâneo dos seus membros superiores.
Impõe-se desta forma corrigir o erro de julgamento que conduziu à absolvição da Ré do pedido de condenação correspondente.
No entanto, face à factualidade dada como assente, nomeadamente o facto de ser previsível o agravamento das lesões sofridas pela Autora e, consequentemente, a reavaliação do grau e extensão da necessidade do auxílio de terceiro, relega-se para liquidação de sentença a fixação do quantum indemnizatório, a este título, nos termos do disposto no artº 358, nºs 1 e 2 do CPC.
*
Dos danos patrimoniais decorrentes das despesas e custos com deslocações para comparecer a tratamentos, consultas e exames e respectiva indemnização:
No sentido pretendido pela Autora, este Tribunal reconheceu “supra” que se impunha alterar o julgamento da matéria de facto efetuada pelo tribunal a quo, eliminando-se o Ponto 2.2.1. dos factos não provados e aditando-se ao elenco de factos provados a seguinte factualidade sob os Pontos 2.1.90 e 2.1.91:
“2.1.90. A Autora suportou despesas com as deslocações que teve de realizar para poder comparecer nos tratamentos, nas consultas e demais cuidados médicos que o seu quadro sequelar impunha.
2.1.91. A Autora realizou 532 deslocações ao Centro de Saúde …………., entre Maio de 2019 e Julho de 2023, para realizar os seguintes
atos médicos, a saber:
- Terapia ocupacional – 158 deslocações;
- Fisioterapia – 232 deslocações;
- Terapia ocupacional + fisioterapia – 142 deslocações.”
A ser assim, dúvidas não restam que deve ser fixada uma indemnização à Autora devida pelos custos suportados com tais despesas de deslocação.
Impõe-se, desta forma, corrigir o erro de julgamento que conduziu à absolvição da Ré do pedido de condenação correspondente.
No entanto, face à factualidade dada como assente, nomeadamente, por não se ter apurado o modo concreto como a Autora efectuou cada deslocação, nem o custo despendido com as mesmas, relega-se para liquidação de sentença a fixação do quantum indemnizatório, a este título, nos termos do disposto no artº 358, nºs 1 e 2 do CPC.
*
- Dos danos patrimoniais relacionados com as perdas sofridas no período compreendido entre 9.1.2021 e 11.4.2022 e respectiva indemnização:
Neste ponto, alega a Autora que:
“ - No que concerne às perdas salariais compreendidas entre 9.1.2021 e 11.4.2022, a Recorrente aceita o raciocínio adotado pelo tribunal recorrido, de que o montante da indemnização devida a este título é-nos dada pela diferença entre o valor das remunerações que a lesada receberia se não tivesse sofrido o acidente de viação e aquelas quantias que a mesma veio a auferir durante o período de ITA, designadamente a título de subvenções pagas pelo ISS…;
- No entanto, o Tribunal Recorrido veio a julgar improcedente esse segmento do pedido, pois entendeu que impendia sobre a aqui Recorrente o ónus da prova sobre as quantias efetivamente pagas pelo ISS…, durante esse mesmo período de ITA;
- Salvo o devido respeito, a Recorrente cumpriu o seu ónus ao demonstrar que durante todo esse período de tempo esteve sem trabalhar;
- Na opinião da Recorrente, os eventuais pagamentos efetuados pelo ISS…. são factos impeditivos do direito daquela, pelo que, s.m.o., a sua demonstração competia ao próprio interveniente ou, no limite, à Ré seguradora, nos termos do disposto no art. 342.º, n.º 2 do CC;
- Pelo que se impõe que o tribunal ad quem venha a reconhecer que a aqui Recorrente tem direito a ser devidamente indemnizada pela perda salarial sofrida no período compreendido entre 10.1.2021 e 11.4.2022, perda essa que perfazia o montante de € 13.079,00 (treze mil e setenta e nove euros).
- Em face do supra exposto, deve o tribunal recorrido alterar este segmento da decisão recorrida, vindo a fixar o montante indemnizatório total devido a título de perdas salariais no valor de € 23.291,57 (vinte e três mil, duzentos e noventa e um euros e cinquenta e sete cêntimos).”
Opõe-se a Ré, com os seguintes argumentos:
“Alega a Recorrente que não tinha o ónus de provar os valores que recebeu da Segurança Social, o que não corresponde com a realidade, desde logo porque é a própria que afirma que o apuramento do montante de perdas salariais deve ser efetuado recorrendo à teoria da diferença, entre o salário que auferia antes do sinistro e os montantes recebidos a título de subsídio de doença.
Para tanto, compete-lhe provar o montante que auferia a título de salário, assim como o valor que percebeu a título de subsídio de doença.
Ao não o ter feito, não logrou produzir prova sobre os valores que recebeu do ISSM a partir de 10.01.2021 até 11.04.2022, inviabilizando a aplicação da teoria da diferença e consequente apuramento de valores a indemnizar no período compreendido entre as mencionadas datas.
Concluímos assim que esteve bem o Tribunal a quo ao considerar que “não se apurou a totalidade dos valores que a autora recebeu da Segurança Social até 11.04.2022”, com a consequente decisão de não considerar outro valor a título de indemnização por perdas salariais, para além do que já consta da douta sentença.”
Para decidir esta questão, importa atentar nos seguintes factos dados como assentes:
“2.1.73. À data dos factos, a Autora exercia a função de contabilista, ao serviço da …………….., Lda., auferindo um salário líquido de cerca de € 870,00 (oitocentos e setenta euros).”
“2.1.82. A Autora esteve impossibilitada de exercer a sua atividade profissional desde o dia 13.4.2019 (dia seguinte ao acidente) até 11.4.2022 (data da passagem à reforma), ou seja, 1095 dias.
2.1.83. O Instituto da Segurança Social da ………….., em consequência do acidente em discussão nestes autos e tendo a autora sofrido incapacidade temporária para o trabalho, atribuiu-lhe prestações mensais, no período de 12.04.2019 a 09.01.2021, no montante global de €10.820,43.”
Interessa ainda considerar o seguinte facto tido como não provado:
“2.2.4. A Autora recebeu do Instituto da Segurança Social, ………, a quantia de € 19.206,30 (dezanove mil, duzentos e seis euros e trinta cêntimos).”
Ora, quanto a esta matéria, entendeu o Tribunal recorrido que:
“(…). A autora peticiona a quantia de € 17.768,70, a título de indemnização pelas perdas salarias incorridas desde 13.04.2019 (dia seguinte ao acidente) até 11.04.2022 (data da passagem à reforma), num total de 1095 dias, incluindo três subsídios de férias e três subsídios de Natal.
Com efeito a autora esteve desde 13.04.2019 até 11.04.2022 sem auferir o seu vencimento mensal de € 870,00 (oitocentos e setenta euros), sendo certo que, durante esse período de incapacidade para o trabalho recebia as prestações por doença da Segurança Social.
No entanto, apenas se apurou o valor dessas prestações entre 13.04.2019 a 09.01.2021, num total de €10.820,43, sendo que a autora não provou o valor das prestações que recebeu nos meses subsequentes, por forma a apurar se existiram efetivamente perdas salariais nesse período.
Assim, reportando-nos ao período em que a autora recebeu €10.820,43 em prestações da segurança social, a verdade é que se a autora não estivesse com incapacidade temporária para o trabalho, teria recebido em vencimentos, incluindo dois subsídios de férias e dois subsídios de Natal, o montante total de €21.663,00 (24 meses x €870,00 + 27 dias x 29,00).
Significa que a autora logrou demonstrar ter sofrido perdas salariais, durante aquele período, no montante global de €10.842,57 (€21.663,00 - €10.820,43), valor que terá de ser ressarcido pela ré.
(…).”
Tendo presente igualmente a já mencionada teoria da diferença, temos por certo que, o montante da indemnização devida a este título é-nos dada pela diferença entre o valor das remunerações que a Autora receberia se não tivesse sofrido o acidente de viação e aquelas quantias que a mesma veio a auferir durante o período de ITA, designadamente a título de subvenções pagas pelo ISS...
Dispõe o artº 342 do Código Civil o seguinte:
“1. Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.”
O cômputo do montante das perdas salariais invocadas pela Autora, tem necessariamente que passar pelo cálculo da diferença entre os montantes que a mesma deixou de auferir a título de vencimento e os montantes recebidos pela mesma a título de subsídio de doença atribuído pela Segurança Social.
Ao contrário do que é referido na sentença em crise, entendemos que não é à Autora que cumpre trazer aos autos os elementos relacionados com os valores liquidados referida assistência.
Impende sobre a mesma, indicar, como fez, em cumprimento ao estatuído no artigo 2.º do Dec. Lei n.º 59/89 de 22.2, a instituição da Segurança Social da qual é beneficiária.
Nessa sequência, essa instituição foi citada para os autos e apenas deduziu o reembolso dos montantes atribuídos à Autora entre 13.04.2019 a 09.01.2021, num total de €10.820,43.
Concluiu o Mmº Juiz “a quo” que “não se apurou a totalidade dos valores que a autora recebeu da Segurança Social até 11.04.2022, data em que lhe foi atribuída uma invalidez de 60%, sendo que, apenas se apuraram os valores pagos até 09.01.2021, em conformidade com o pedido de reembolso efetuado pelo Instituto de Segurança Social da Madeira.”
Mas, face à factualidade assente, era à Ré seguradora que incumbia fazer a alegação e prova de que, entre 10.01.2021 e 11.04.2022 também liquidou junto da Autora, prestações equivalentes.
Ora, da matéria assente na sentença e, não impugnada, nesta sede, nada consta que permita concluir que alguma quantia foi entregue neste período.
Assim sendo e, porque entendemos ter a Autora feito prova dos factos constitutivos do seu direito (incapacidade para o trabalho e montante auferido a título de vencimento), não pode ficar prejudicada pelo facto de a Ré, não ter alegado nem comprovado, o facto modificativo do seu direito (entrega do subsídio correspondente). 
Assim sendo, merece provimento o recurso da Autora, também nesta parte e, em consequência, reconhece-se que a Autora tem direito a ser devidamente indemnizada pela perda salarial sofrida no período compreendido entre 10.1.2021 e 11.4.2022, perda essa que perfaz o montante de € 13.079,00 (treze mil e setenta e nove euros).
Em face do supra exposto, altera-se este segmento da decisão recorrida, fixando-se o montante indemnizatório total devido a título de perdas salariais no valor de € 23.291,57 (vinte e três mil, duzentos e noventa e um euros e cinquenta e sete cêntimos).
*
- Danos não patrimoniais:
Entende a Autora que o valor da indemnização concedida a título do dano não patrimonial pelo Tribunal recorrido, fixada em € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), peca por defeito. Considerando que, também a Ré interpôs recurso sobre esta matéria, alegando que tal juízo peca por excesso, relegamos a apreciação do recurso da Autora, nesta parte, para o momento em que for apreciado o recurso da Ré, correspondente.
*
Do recurso interposto pela Ré:
Erros de direito:
- Falta de aplicação do art. 570.º do Código Civil:
Refere a Ré que, após a alta (com consolidação das lesões, em 06.06.2023), a Autora começou a ter dores na perna direita, devido ao material de osteossíntese que tinha no joelho e que, apesar de ter procurado ajuda médica por diversas vezes junto do Hospital Dr………., não detetaram o problema que ao longo de um ano se foi agravando.
Menciona que a “negligência no acompanhamento médico da Autora levou a que esta tivesse de ir para o Porto, para a Clínica do Dragão para ser acompanhada e intervencionada pelo Prof……….. E que, tal delonga resultou num agravamento dos danos, os quais são consequência da opção da Autora e dos médicos que a acompanharam no Hospital Dr. …………..
Mendonça, não tendo tido a Recorrente, qualquer oportunidade de obstar a tais lesões ou de propor a cirurgia em tempo adequado, uma vez que não prestou o acompanhamento clínico à Autora, por opção desta.”
Conclui que, tendo em conta que o agravamento das lesões resulta de facto não imputável à Recorrente, devem os valores indemnizatórios fixados a título de dano patrimonial futuro e de danos morais, que atenderam aos períodos de repercussão na atividade profissional e aos graus de dano biológico, de quantum doloris e repercussão nas atividades físicas e de lazer fixados pelo exame pericial, ser equitativamente reduzidos.
De acordo com o disposto no artº 570, nº 1 do Código Civil, “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e, nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”
Ocorre sempre que um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos sofridos.
Por seu turno, dispõe o artº 572 do mesmo diploma que “àquele que alega a culpa do lesado incumbe a prova da sua verificação”.             
Isto implica que, quem invoca a culpa do lesado com o objectivo de ver excluída ou reduzida a indemnização, servindo-se de facto modificativo, no todo ou em parte, ou mesmo impeditivo, da pretensão do Autor, vê recair sobre si o ónus da prova (artº 342, nº 2 do CC).
Estamos perante uma excepção peremptória modificativa ou impeditiva.
Ora, esta factualidade ora alegada pela Ré, de que foi a Autora que recusou o seu acompanhamento clínico e de que a agravação das lesões teve na origem a prática ou omissão de actos médicos ocorridos no Hospital Dr. Nélio Mendonça, não se mostra vertida na matéria de facto dada como assente. Nem sequer se mostra assente a agravação dos danos mencionados.
Sem este suporte factual, não é possível estabelecer qualquer nexo de causalidade entre a conduta médica a que a Autora foi sujeita e a alegada agravação. Por outro lado, nada consta na decisão de facto sobre o que esteve na origem da escolha do referido hospital.
Era à Ré que incumbia alegar e provar os factos dos quais se poderia extrair que houve culpa do lesado.
Não o tendo feito, nem tendo impugnado a decisão da matéria de facto nesta sede, não há qualquer fundamento para requerer a redução da indemnização fixada por culpa do lesado.
Improcede, pelos motivos expostos, o recurso da Ré, neste ponto.
*
Omissão do desconto ao valor das despesas relativas ao custo das passagens aéreas, do montante do subsídio de mobilidade:
Defende a Ré que na sentença deveria ter sido descontado ao valor das despesas apresentadas com o custo das passagens aéreas, mencionadas na ampliação do pedido apresentado em 29.11.2023, o montante respeitante ao subsídio de mobilidade a que têm direito os residentes na Ilha da Madeira por força da aplicação do Decreto-Lei n.º 28/2022 de 24 de Março.
A Autora, não perfilha desse entendimento, referindo que a atribuição desse subsídio não é automática.
Efectivamente, assim é.
Por força do artº 3º do referido diploma, os residentes na Ilha da Madeira podem ser beneficiários desse subsídio, que consiste num valor varável calculado através da fórmula mencionada no artº 5º.
Exige-se ainda que o requerente do subsídio preencha as condições de atribuição de pagamento mencionadas no artº 8 do diploma em análise, com apresentação dos documentos mencionados no artº seguinte.
Ora, mais uma vez, verifica-se que era à Ré que incumbia alegar factos, que permitissem ao Tribunal concluir que a Autora era beneficiária desse subsídio, requereu o mesmo e obteve a respectiva compensação.
Também aqui, estamos perante factos modificativos do direito invocado pela Autora, com consequente inversão do ónus da prova, como determina o artº 342, nº 2 do Código Civil.
Verifica-se que a ré não alegou nem provou os factos que possibilitariam a redução da indemnização fixada à Autora a título de despesas de transporte de avião.
Pelos motivos expostos, improcede, de igual modo, neste ponto, o recurso da Ré.
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- Dano biológico e respectiva indemnização:
Na sentença objecto deste recurso, foi determinada a condenação da Ré ao pagamento à autora da quantia de € 230.000,00 (duzentos e trinta mil euros), como ressarcimento dos danos emergentes da sua perda de capacidade de ganho e dano biológico sofrido.
A Ré insurgiu-se contra esta decisão, argumentando que o Tribunal a quo, teve em consideração “a elevada culpa do condutor na eclosão do acidente, o que não decorre da prova efectivamente produzida nos presentes autos e que, o Tribunal a quo baseou-se apenas em um acórdão, em violação do princípio da igualdade, e o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil.
Acrescentou que para casos análogos, o acórdão do STJ de 21/06/2022 proferido no proc. n.º 1991/15.2T8PTM.E1.S1 e o do Tribunal da Relação de Coimbra decidido em 14.03.2023, no proc. nº 3166/19.2T8VIS.C1, plasmaram indemnizações por dano patrimonial futuro, o primeiro de € 75.550,00 e o segundo de € 100.000,00, valores de indemnização muito inferiores ao valor que lhe foi atribuído nos presentes autos.
A jurisprudência tem defendido que, após determinação do capital, há que proceder a um “desconto” em função da antecipação do pagamento da indemnização, porquanto o lesado receberá a indemnização de uma só vez, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, impondo-se que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado.
Na quantificação do desconto em equação, a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33% - vide acórdão do STJ de 25/11/2009 proferido no Proc. nº. 397/03.0GEBNV, acórdão da Relação de Lisboa, de 28/06/2012, proferido no processo n.º 1529/05.0TBBNV.L1-2, o acórdão da Relação do Porto, de 23/10/2014 proferido no processo n.º 148/12.9TBVLP.P1 ou os Acórdãos do STJ de 04/10/2010, proferido no processo n.º 307/05.0TAGMR.G1.S1, de 02/12/2010, no processo n.º 2519/06.0TAVCT.G1.S1, de 19/04/2012 no processo n.º 3046/09.0TBFIG.S1.”
Em sentido contrário pronunciou-se a Autora, salientando que:
“Para efetuarmos uma quantificação equitativa e
justa, devemos considerar as seguintes variáveis:
i. A aqui Autora tinha 33 anos de idade à data do sinistro;
ii. Auferia um rendimento anual líquido não inferior a € 12.180,00 (doze mil, cento e oitenta euros);
iii. Beneficia desde 11.4.2022 da atribuição de uma pensão de invalidez no valor de € 357,47 (trezentos e cinquenta e sete euros e quarenta e sete cêntimos);
iv. A Autora tem uma esperança média de vida ativa de mais 37 anos (e cerca de mais 50 anos de esperança média de vida);
v. A Autora padece de uma IPG/DFP de 39 pontos;
vi. Uma taxa de juro de 1,5%/2%;
vii. Para além disso, não se deverá esquecer que o montante a fixar (sendo certo que se solicitou a entrega de um capital, e não de uma renda) constitui um adiantamento de determinadas quantias que só seriam recebidas pelo lesado em data posterior (ao longo de vários anos), pelo que a redução relacionada com tal benefício de antecipação de capital, visando evitar “(…) o seu enriquecimento indevido, só se justifica em termos moderados e apenas se a materialidade concreta que foi provada nos autos a justificar indubitavelmente”.
Finalmente, importa ainda verificar que esse valor não se afasta de outras decisões proferidas pelos nossos tribunais superiores.
Assim tenha-se presente, para além da situação já referida na decisão recorrida, o decidido no acórdão do STJ de 5.9.2023, proferido no âmbito do Proc. n.º 549/16.3T8LRA.C2.S1, disponível no endereço eletrónico www.dgsi.pt e que no seu sumário refere que “Considerando que as sequelas suportadas pelo lesado, com uma IPP de 37%, não são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional do (motorista internacional de longo curso) que existe uma dificuldade efectiva, em face das lesões, de o mesmo vir a exercer actividade profissional alternativa, atendendo a que tinha 35 anos de idade ao tempo do acidente ( Fevereiro de 2013) , uma esperança média de vida a situar-se nos 77 anos de idade e que o seu rendimento anual era de € 28.371,28, a indemnização por danos patrimoniais futuros, incluindo o dano biológico, não deve ser fixada em montante inferior a € 400.000,00.”
           
Cumpre decidir:
Conforme se salienta no Acórdão do TRE proferido em 09.03.2017[7]:
A afectação da capacidade funcional de uma pessoa, traduzida pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica constitui um dano que importa reparar, independentemente de se traduzir ou não em perda efectiva ou imediata de salários, isto é, ainda que à data do acidente o sinistrado não estivesse a trabalhar ou fosse ainda menor.
Porém, só «há relativamente poucos anos tem vindo a entrar na terminologia da doutrina e da jurisprudência nacionais o conceito de “dano biológico” ou de “dano corporal”. (…) Ao nível da jurisprudência o conceito tem vindo a ser utilizado sobretudo a respeito da fixação de indemnizações em caso de acidentes de viação, suscitando, em primeira linha, a dificuldade da relação com a dicotomia tradicional da avaliação de danos patrimoniais versus danos não patrimoniais».
Na verdade, sendo inicialmente sempre qualificada como indemnização por danos patrimoniais futuros[24], foi sendo efectuada uma evolução do conceito no sentido de que, quando não existia uma efectiva perda de vencimento e apenas estava em causa indemnizar um esforço acrescido para o desempenho das tarefas do dia-a-dia, quer na vertente da vida profissional quer na vertente da vida pessoal, que a existência de uma incapacidade, por si só representa, melhor se enquadraria a qualificação de tal indemnização como sendo atribuída pelo dano biológico, concluindo-se em alguns casos que este era ainda um dano patrimonial e em outros que constituía um dano não patrimonial.
(…)
É neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais do respectivo múnus que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros”, considerando-se ainda nesse agravamento a repercussão da incapacidade na execução das normais tarefas do dia-a-dia.
(…)
Autonomizando a indemnização pelo dano biológico, entende-se que «deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal.
                (…)
Assim, como já resulta do sobredito, o dano biológico pode «projectar-se em duas vertentes:
- por um lado, a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;
- por outro lado, a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual».
No caso em apreço, como é bom de ver, mesmo que não tivéssemos considerado provado o aludido facto 84, como pretendia a Ré, estaríamos sempre no âmbito da segunda vertente, consequentemente, sempre ao lesado seria arbitrada uma indemnização equitativa somente pelo intenso dano biológico que temos provado. Porém, tendo-se demonstrado a «reconversão» da situação profissional do autor, da categoria de vendedor, auferindo por mês um vencimento médio de 2 000,00€, para outra actividade profissional, mediante cujo desempenho passou a auferir mensalmente a quantia de 638,25€, a situação em apreço enquadra-se naquela primeira vertente.
Ora, o critério fundamental para a fixação da indemnização devida pelo dano biológico, tanto das indemnizações atribuídas por danos patrimoniais futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico) como especialmente por danos não patrimoniais (dano biológico e demais danos não patrimoniais), é a equidade.
Por isso se afirma que os critérios definidos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, bem como nas alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial.
Assim, na determinação desta indemnização, à luz de um juízo de equidade, devem levar-se em conta a idade do lesado à data do acidente, o tempo provável da sua vida activa, o salário auferido e o que passou a auferir, a depreciação da moeda e, evidentemente o grau de incapacidade sofrido em consequência do acidente e a sua repercussão na vida profissional do lesado, sendo ainda certo que há que ter em atenção que findo o período de vida activa deste, não é possível ficcionar que desapareçam instantaneamente todas as necessidades decorrentes da sua vida física, sendo ainda de considerar a respectiva esperança média de vida, a expectativa de um aumento do seu vencimento, e que o acidente de que o autor foi vítima não se deveu a qualquer conduta que lhe fosse imputável, sendo-o antes e apenas à conduta do condutor do motociclo segurado na Ré, que no exercício da respectiva condução não observou as regras estradais a que se encontrava sujeito.”
Na sentença em crise, para fixar o dano biológico, ponderou-se o seguinte:
“- A Autora nasceu em 22/07/1985, pelo que à data do acidente (12/04/2019) tinha 33 anos;
- Actualmente, a autora apresenta as seguintes sequelas decorrente do acidente dos autos: ausência completa de mobilidade ativas da mão esquerda com limitação da pronação do punho, por lesão grave do antebraço e mão esquerda, enquadrável, por analogia, na paralisia do nervo mediano e cubital; Abdução do membro esquerdo limitado a 140º; Rigidez do joelho com flexão limitada a 90º e Síndrome depressivo de grau ligeiro a moderado;
- As sequelas identificadas são compatíveis com o exercício da atividade habitual de contabilista, mas implicam esforços significativamente acrescidos e marcada redução de produtividade, atendendo à limitação da utilização da mão esquerda, a que acresce o facto de esta ser a sua mão dominante;
- A Autora tem dificuldades em caminhar grandes distâncias e em pisos irregulares, bem como, a subir e a descer escadas;
- A Autora não mobiliza o seu membro superior esquerdo e não consegue fazer qualquer exercício de precisão com o seu membro superior direito, já que, era esquerdina ou canhota;
- A Autora tem dificuldade em escrever, já que apenas pode utilizar a sua mão direita;
-  A Autora tem dificuldades em cozinhar ou assegurar de forma autónoma e independente o seu giro doméstico;
- Foi-lhe atribuído um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 39 (trinta e nove) pontos, sendo de admitir Dano Futuro;
- A autora sofreu um período de Défice Funcional Temporário Total de 111 dias;
- A autora sofreu um período de Défice Funcional Temporário Parcial de 922 dias;
- A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer foi calculada no grau 5/7;
- A Repercussão Permanente na Atividade Sexual foi fixada no grau 5/7;
- Ainda em consequência do acidente de viação e dos traumatismos sofridos, a autora mostra-se afetada em termos psicológicos;
- Por via das lesões sofridas, a Autora terá que se sujeitar a futuras terapêuticas médicas, medicamentosas e fisiátricas;
- Aquando do acidente trabalhava como contabilista, auferindo mensalmente 870 euros.
Tudo ponderado, verifica-se que, para além se configurar uma situação de diminuição da capacidade física e psíquica da lesada, que exigirá à Autora sempre um maior esforço para executar qualquer tarefa, comparativamente com o que tinha de despender antes do acidente de viação, terá de se ter em conta os esforços significativamente acrescidos para exercer a sua atividade profissional, o que se traduziu no Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 39 pontos, que lhe foi atribuído, o que terá uma repercussão significativa na sua produtividade e nas possibilidades de se manter ativa no mercado de trabalho, sendo ainda de atentar que os danos físicos e psíquicos sofridos pela autora levaram a que lhe fosse atribuído pela um grau de invalidez de 60%. (cfr. Atestado Médico de Incapacidade Multiuso de fls. 216 vs).”
É certo que, como alega a Ré, no que concerne à culpa do seu segurado, consta na sentença recorrida que houve “elevada culpa do condutor na eclosão do acidente” e na ausência de elementos de facto mais concretos, apenas se pode considerar a sua “culpa exclusiva”.
Mas, os seus restantes argumentos invocados pela Recorrente, nesta sede, não merecem acolhimento.
A decisão recorrida não se baseia “apenas” na comparação de um caso jurisprudencial citado, mas na ponderação da factualidade assente e submissão da mesma a juízos de equidade, como se impõe.
E, os exemplos carreados para os autos pela Ré, refletindo outras decisões jurisprudenciais, não servem para balizar a atribuição da indemnização a fixar nesta sede, como veremos “infra”.
Este caso, não é comparável com os citados pela Ré, uma vez que estamos perante situações diversas, quer quanto à extensão das lesões, a idade dos lesada e capacidade produtiva dos mesmos.
Na situação em apreço a indemnização pelo dano biológico, deve ser calculada, considerando que:
- O acidente ocorreu por causa imputável apenas ao segurado da ré;
- Em consequência das lesões causadas pelo acidente, a Autora ficou com um défice funcional de 39 pontos;
- Tem como danos permanentes a ausência completa de mobilidade ativas da mão esquerda com limitação da pronação do punho, por lesão grave do antebraço e mão esquerda, enquadrável, por analogia, na paralisia do nervo mediano e cubital, abdução do membro esquerdo limitado a 140º, rigidez do joelho com flexão limitada a 90º, síndrome depressivo de grau ligeiro a moderado;
- Foi-lhe atribuído em grau de incapacidade de 60%;
- Mostra-se reformada por invalidez desde 11.4.2022 - auferindo uma pensão de reforma de cerca de € 357,47 (trezentos e cinquenta e sete euros e quarenta e sete cêntimos) – mensais;
- Presume-se que viverá até aos 83 anos de idade (esperança média de vida das mulheres em Portugal);
- O valor da remuneração que auferia à data do acidente, cifrava-se em € 870,00 mensais (14 meses por ano);
- Foi-lhe atribuído um dano estético de 6/7, repercussão na atividade sexual de 5/7 e alterações psíquicas significativas;
A tudo isto ainda acresce, ser previsível o agravamento do seu estado de saúde e, consequentemente, a necessidade de mais intervenções médicas e medicamentosas.
Ora, tentando conformar o cálculo a efectuar com base na equidade, mas sem desvio da base objectiva de que dispomos, temos que:
A Autora tinha a expectativa de auferir nos 50 anos subsequentes à data do acidente, a quantia global de € 609 000 (seiscentos e nove mil euros), calculados do modo seguinte – 50 anos (83 anos -33 anos) x € 12 180 (vencimento anual - € 870 x 14).
Espera receber a título de reforma por invalidez, o montante total de € 250 220 (duzentos e cinquenta mil, duzentos e vinte euros), calculados do modo seguinte – 50 anos (83 anos -33 anos) x € 5004, 58 (pensão anual - € 357,47 € x 14).
Descontando o montante de € 250 220, à quantia de € 609 000 obteremos o valor de € 358 780 (trezentos e cinquenta e oito mil, setecentos e oitenta euros).
É certo que, sob pena de ocorrer enriquecimento sem causa, alguma jurisprudência tem defendido que, após determinação do capital, há que proceder a um “desconto” em função da antecipação do pagamento da indemnização, porquanto o lesado receberá a indemnização de uma só vez, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, impondo-se que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado[8].
A redução referida tem oscilado entre os 10 e os 33%.
No caso em apreço, dificilmente a parca pensão da Autora será suficiente para satisfazer as suas necessidades básicas, pelo que, não é possível determinar que montante indemnizatório ficará disponível para “investimento”.
Mas, ainda que se procedesse a um desconto de 33 %, haveria que deduzir ao montante de € 358 780, a quantia de € 118 397, 40, obtendo um total de € 240 382, 60 (duzentos e quarenta mil, trezentos e oitenta e dois euros e sessenta cêntimos).
Ora, a quantia indemnizatória fixada na sentença a este título é inferior ao montante apurado - € 230 000 (duzentos e trinta mil euros).
A ser assim, não merece acolhimento a pretensão da Ré no sentido de ver reduzido ainda mais este valor.
Impõe-se ainda esclarecer que o valor fixado na sentença, pese embora seja inferior ao montante de € 240 382, 60 (duzentos e quarenta mil, trezentos e oitenta e dois euros e sessenta cêntimos) “supra” referido, tem-se por definitivo, uma vez que, pese embora, nas contra-alegações respectivas, a Autora tenha defendido a fixação a título de dano biológico de quantia não inferior a € 400 000 (quatrocentos mil euros), certo é, que o recurso que interpôs não versa sobre esta matéria, estando este Tribunal limitado na sua apreciação às conclusões recursórias respectivas, cfr. artºs 635 e 639 do CPC.
Improcede, nos termos expostos, o recurso apresentado pela Ré.
*
- Dano não patrimonial e respectiva indemnização:
De acordo com a Ré, mostra-se excessiva a indemnização fixada na sentença recorrida a título de danos morais, no valor de € 65 000 (sessenta e cinco mil euros).
Argumenta que, tendo sido o rebentamento do pneu a causa do despiste, o condutor do motociclo não teve culpa na produção do evento e, que em casos, semelhantes, as indemnizações fixadas nesta sede foram inferiores.
Dá como exemplos, “o Acórdão do STJ de 13/04/2021 proferido no proc. n.º 448/19.7T8PNF.P1.S1, em que o lesado tinha um quantum doloris semelhante ao atribuído nos presentes autos, arbitrou a título de danos morais o valor de € 50.000,00. Outro Acórdão do STJ, de 06.06.2023, proferido no processo nº 9934/17.2T8SNT.L1.S1, decidiu por uma indemnização a título de danos não patrimoniais de € 50.000,00, para uma lesada que ficou com um quantum doloris de 5/7 e com amiotrofia de 1,5 cms da perna direita, entre outras sequelas graves. Ainda outro Acórdão do STJ, de 04.06.2015, proferido no processo nº 1166/10.7TBVCD.P1.S, que julgou adequada uma indemnização danos não patrimoniais, no valor de € 40.000,00 para uma jovem de 17 anos que esteve em tratamento durante mais de 4 anos e ficou com uma IPP de 16,9, havendo culpa grave da condutora que causou o sinistro, por violação de um sinal Stop.
A Autora, por sua vez, considera que o valor mais adequado à situação concreta será os € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) peticionados, considerando “toda a factualidade julgada provada, ponderando os parâmetros elencados nesta instância recursiva, incluindo os da jurisprudência, e dando especial enfoque aos danos e às dores físicas, à gravidade das lesões e à sua complexidade, ao prejuízo de afirmação pessoal, ao dano estético, à dependência e ao sofrimento vivenciado desde o acidente, as sequelas e limitações que padece, a perda da alegria de viver e ao dano de afirmação pessoal”.
Vejamos se lhes assiste razão:
Os danos não patrimoniais ou danos morais, assumem uma função compensatória e reparatória, visando proporcionar ao lesado uma satisfação pelos danos sofridos.
O montante indemnizatório de tais danos deve ser fixado segundo critérios de equidade, tendo-se em atenção a natureza, extensão e gravidade das lesões que o lesado sofreu, tendo-se em conta também a culpabilidade do condutor, a sua situação económica, bem como a do lesado.
Recorrendo à factualidade assente, que interessa recordar para análise desta matéria, importa atentar no seguinte:
“No dia 12.4.2019, pelas 22,32 horas, ocorreu um acidente de viação na Estrada Regional n.º ……, vulgarmente denominada de Via Rápida, ao quilómetro ….., na freguesia de ….., concelho do Funchal, em que interveio apenas o motociclo, de marca …., modelo ……, com a matrícula ……, propriedade da aqui Autora e conduzido por ……………….
Nesse motociclo seguia como passageira, para além do seu condutor a aqui Autora, os quais vinham munidos dos respetivos capacetes.
A Via Rápida naquele local, era (como é) composta por quatro corredores de circulação, sendo dois deles reservados ao sentido de marcha Câmara de Lobos – Funchal, enquanto os outros dois estavam afetos ao sentido de marcha contrário.
Atento esse sentido de marcha, os sobreditos corredores de circulação encontravam-se delimitados ao centro por uma linha longitudinal descontínua, sendo ladeados nas extremidades, à esquerda, por um separador central em betão e, à direita, por railes de proteção.
Ainda considerando esse sentido de marcha, a faixa de rodagem descreve-se numa curva larga à direita, seguida de reta com mais de 200 metros de comprimento, sendo que o limite máximo de velocidade daquele troço da VR1 era (como é) de 90 km/hora.
O estado do tempo era bom e, pese embora fosse noite, havia boa visibilidade em face da iluminação pública existente no local.
Esse acidente de viação consubstanciou-se num despiste do sobredito motociclo que ocorreu da seguinte forma:
a) O motociclo de matrícula ……..circulava pela VR1, no sentido de marcha Câmara de Lobos - Funchal, pelo corredor de circulação mais à esquerda, a uma velocidade não concretamente apurada.
b) Quando ao passar ao quilometro ….., local onde a estrada se descreve em curva (embora, como já se referiu supra, de grande amplitude), o seu condutor, por razões que se desconhecem, perdeu o domínio do motociclo que conduzia,
c) Entrando em despiste, sendo projetado para o solo juntamente com a passageira que transportava.
d) Tendo a Autora ficado prostrada no pavimento a contorcer-se com dores, apresentando múltiplos traumatismos e feridas abrasivas.
e) O motociclo continuou em derrapagem ficando imobilizado, alguns metros mais à frente.
A autora ficou a aguardar a chegada dos meios de socorro, apresentado, desde logo, parestesias e perda de sensibilidade e função no membro superior esquerdo e no membro inferior direito;
Sofrendo dores inenarráveis e indiscritíveis, durante todo aquele período de tempo que se estendeu por cerca de 4/5 minutos;
A Autora foi transportada pelos Bombeiros Sapadores do Funchal para o serviço de urgência do Hospital Dr. ……;
Não sem antes procederem à sua imobilização em plano duro;
A Autora dá entrada nas urgências do mencionado hospital por volta das 23:10 horas, tendo sido imediatamente medicada para as dores;
Realizou diversos exames complementares de diagnóstico (como sejam, RX e TAC) e análises clínicas;
A autora sofreu um período de Défice Funcional Temporário Total de 111 dias;
A autora sofreu um período de Défice Funcional Temporário Parcial de 922 dias;
Foi sujeita a várias intervenções cirúrgicas e a sessões de fisioterapia muito dolorosas;
O «Quantum Doloris» foi fixado no grau 6/7;
No domicílio, inicialmente a Autora apenas deambulava com muleta de apoio axilar e cadeira de rodas;
Dependência essa que se estendeu por vários meses, sendo certo que durante os primeiros três meses apenas o fazia de cadeira de rodas;
A Autora, decorridos 16 meses após o sinistro, continuava a frequentar programa de fisioterapia, três vezes por semana, e de terapia ocupacional também três vezes por semana, no Centro de Saúde de Santa Cruz;
A Autora está igualmente dependente de ajuda médica e medicamentosa;
A autora tem dificuldades em adormecer e tristeza em face das muitas limitações físicas de que ficou a padecer;
Tem um dano estético fixado no grau de 6/7 que lhe causa tristeza e dificuldades na socialização;
Antes do acidente, a autora era uma pessoa muito ativa, alegre e bem disposta, com uma vida plena e preenchida;
Com o acidente de viação em causa, a autora transformou-se numa pessoa triste, irritável e pouco sociável;
A Autora não mais desenvolveu qualquer atividade física, o que lhe causa desgosto, sendo que as sequelas sofridas tiveram uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 5/7;
Tem uma repercussão permanente na atividade sexual no grau 5/7.
A Autora nasceu a 22.7.1985, tendo trinta e três (33) anos de idade quando ocorreu o sinistro e,
Encontra-se reformada por invalidez desde 11.4.2022.”
Segundo o artº 496, nºs 1 e 3 do Código Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos patrimoniais, que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo que, o montante da indemnização será fixado pelo Tribunal de forma equitativa, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artº 494 do Código Civil.
De acordo com este último preceito, “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Chamando à colação o acórdão proferido pelo TRE de 09.03.2017[9], no qual foi analisada a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 60 000 a um homem com 37 anos à data do acidente e incapacidade funcional de quase 50%, aí se escreveu o seguinte:
“Também para a formulação do referido juízo de equidade, que balizará a fixação da compensação pecuniária neste tipo de dano, podemos recolher o ensinamento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, que nos dizem que: “o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.
E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”
Como podemos verificar um dos aspectos a ter em conta, a culpa do lesante, tem sido realçado pelos tratadistas que acentuam a importância da componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais.
Assim, Menezes Cordeiro ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”.
Por seu turno, Galvão Telles, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”.
Para Menezes Leitão a reparação por danos morais assume-se “como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”.
Nestes moldes, desde há muito vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça que «(...) no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente»; e que a quantia devida por estes danos não tem por fim «a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas principalmente compensar o autor, na medida do possível, das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para que o acidente o arrastou, e deve a mesma ser calculada pondo em confronto a situação patrimonial do lesado (real) e a que teria se não tivessem existido danos», jurisprudência que se mantém actual conforme as inúmeras decisões que se podem consultar a propósito no caderno de jurisprudência temática disponível no sítio do STJ, e espelhada no recente acórdão citado, nos seguintes termos: «ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir de sancionamento da conduta do agente.”
*
No caso em apreço, verifica-se que, ao contrário do defendido pela Ré, o acidente é imputável à conduta do condutor seu segurado, embora não haja elementos que permitam concluir que o grau de culpa é elevado. Por outro lado, a Autora não contribui em nada para a produção do sinistro e tinha “apenas” 33 anos à data. Ficou impossibilitada de desempenhar o seu ofício de contabilista, encontrando-se actualmente, reformada por invalidez e dependente do auxílio de terceira pessoa para desempenhar tarefas que importem a movimentação e a deslocação do seu corpo e a utilização em simultâneo dos seus membros superiores.
A isto acresce que sofreu e sofre dores provocadas pelas lesões físicas decorrentes do acidente de viação de que foi vítima (foi-lhe fixado um quantum doloris de grau 6/7), que essas dores só se esbatem com analgésicos que habitualmente tem de tomar e que as sequelas permanentes com que ficou criaram-lhe um quadro depressivo de grau ligeiro moderado, traduzido no Relatório Pericial Psiquiátrico, junto a fls. 263, que lhe atribui um grau de desvalorização em termos psiquiátricos de 4 pontos.
Por fim, é previsível que o seu estado de saúde física e psíquica se agrave com o decorrer do tempo.
Todas estes transtornos, são susceptíveis de alterar dramaticamente a qualidade de vida de uma pessoa. Diríamos mesmo, a vontade desta em viver.
Não nos podemos esquecer que a Autora, à data do acidente se encontrava na força da vida e por forma do sinistro evento viu interrompidos inúmeros projectos pessoais e profissionais, bem como a possibilidade de concretizar sonhos e aspirações.
Pelo exposto, considera-se justa e adequada fixar uma indemnização à autora pelos danos não patrimoniais sofridos e que, atenta a intensidade e multiplicidade dos mesmos, se prolongarão durante toda a sua vida, no valor de 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), como peticionado pela mesma.
Desta forma procede o recurso da Autora e, consequentemente, improcede o recurso da Ré, nesta matéria.
*
Face ao conteúdo do presente aresto, é imperioso concluir pela procedência parcial do recurso da Autora e improcedência total do recurso da Ré.
De acordo com o “supra” decidido, a sentença recorrida é sujeita às seguintes alterações:
- Condena-se a Ré a pagar à Autora, para além da quantia de € 10.824,57 (dez mil, oitocentos e vinte e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos), a título de perdas salarias sofridas desde 12.04.2019 até 09.01.2021 (fixada na al. a) do segmento decisório da sentença recorrida), a quantia de € 13.079,00 (treze mil e setenta e nove euros), a título de perdas salarias sofridas entre 10.1.2021 e 11.4.2022.
Em face do supra exposto, altera-se este segmento da decisão recorrida, fixando-se o montante indemnizatório total devido a título de perdas salariais no valor de € 23.291,57 (vinte e três mil, duzentos e noventa e um euros e cinquenta e sete cêntimos);
- Condena-se a Ré a pagar à Autora uma indemnização devida pelos custos que implicam a ajuda ou auxílio de terceira pessoa para realizar as tarefas que importem a movimentação e a deslocação do seu corpo e a utilização em simultâneo dos seus membros superiores, relegando para liquidação de sentença a fixação do quantum indemnizatório, a este título, nos termos do disposto no artº 358, nºs 1 e 2 do CPC;
- Condena-se a Ré a pagar à Autora uma indemnização devida pelas despesas com as deslocações que esta teve de realizar para poder comparecer nos tratamentos, nas consultas e demais cuidados médicos que o seu quadro sequelar impunha, que acrescem à despesa de transporte de avião no montante de (€86), incluída no Ponto 2.1.89 dos factos provados, relegando para liquidação de sentença a fixação do quantum indemnizatório, a este título, nos termos do disposto no artº 358, nºs 1 e 2 do CPC;
- Substitui-se a decisão recorrida na parte em que fixou a título de indemnização à Autora por danos não patrimoniais a quantia de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), pelo montante de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros).
No mais, confirma-se a sentença recorrida.
Em face do exposto, e para melhor compreensão, o dispositivo final da decisão dos autos, com as alterações ora decididas, passará a ter a seguinte redacção:
Julga-se a ação parcialmente procedente, condenando-se a ré GENERALI SEGUROS, S.A.:
a) A pagar à autora a quantia de € 10.824,57 (dez mil, oitocentos e vinte e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos), a título de perdas salarias sofridas desde 12.04.2019 até 09.01.2021 e o montante de € 13.079,00 (treze mil e setenta e nove euros), a título de perdas salariais sofridas no período compreendido entre 10.1.2021 e 11.4.2022, fixando-se o montante indemnizatório total devido a título de perdas salariais no valor de € 23.291,57 (vinte e três mil, duzentos e noventa e um euros e cinquenta e sete cêntimos).
b) A pagar à autora a quantia de € 16.039,98 (dezasseis mil, trinta e nove euros e noventa e sei cêntimos), a título de ressarcimento das despesas hospitalares, médicas, medicamentosas e transportes, suportadas pela autora;
c) A pagar à autora a quantia de € 230.000,00 (duzentos e trinta mil euros), como ressarcimento dos danos emergentes da sua perda de capacidade de ganho e dano biológico sofrido;
d) A pagar à autora a quantia de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), como compensação dos danos morais sofridos;
e) A pagar à autora os juros de mora sobre as quantias acima referidas, à taxa legal, desde a data da decisão final até integral pagamento;
f) Descontar nas quantias acima mencionadas os valores que já pagou à autora no âmbito da transação efetuada no procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória;
g) A pagar à autora despesas hospitalares, médicas, medicamentosas e de fisioterapia, conexionadas com o agravamento das sequelas com que ficou do acidente de viação e que tenha necessidade de fazer no futuro, a liquidar em execução de sentença;
h) A pagar à Autora uma indemnização devida pelos custos que implicam a ajuda ou auxílio de terceira pessoa para realizar as tarefas que importem a movimentação e a deslocação do seu corpo e a utilização em simultâneo dos seus membros superiores, relegando para liquidação de sentença a fixação do quantum indemnizatório, a este título, nos termos do disposto no artº 358, nºs 1 e 2 do CPC;
i) A pagar à Autora uma indemnização devida pelas despesas com as deslocações que esta teve de realizar para poder comparecer nos tratamentos, nas consultas e demais cuidados médicos que o seu quadro sequelar impunha, que acrescem à despesa de transporte de avião no montante de (€86), incluída no Ponto 2.1.89 dos factos provados, relegando para liquidação de sentença a fixação do quantum indemnizatório, a este título, nos termos do disposto no artº 358, nºs 1 e 2 do CPC;
j) A pagar ao Instituto de Segurança Social …….. o montante global de €10.820,43 (dez mil oitocentos e vinte euros e quarenta e três cêntimos), respeitante a subsídio de doença atribuído no período de 12.04.2019 a 09.01.2021, acrescido de juros à taxa legal desde a data da respetiva notificação do pedido de reembolso até integral pagamento.                               
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III – DECISÃO
Pelo exposto, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, os juízes da oitava secção deste Tribunal de recurso, julgam parcialmente procedente o recurso interposto pela Autora e totalmente improcedente o recurso interposto pela Ré.
Em consequência, procedem-se às seguintes alterações na sentença recorrida:
- Condena-se a Ré a pagar à Autora, para além da quantia de € 10.824,57 (dez mil, oitocentos e vinte e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos), a título de perdas salarias sofridas desde 12.04.2019 até 09.01.2021 (fixada na al. a) do segmento decisório da sentença recorrida, a quantia de € 13.079,00 (treze mil e setenta e nove euros), a título de perdas salarias sofridas entre 10.1.2021 e 11.4.2022.
Em face do supra exposto, altera-se este segmento da decisão recorrida, fixando-se o montante indemnizatório total devido a título de perdas salariais no valor de € 23.291,57 (vinte e três mil, duzentos e noventa e um euros e cinquenta e sete cêntimos);
- Condena-se a Ré a pagar à Autora uma indemnização devida pelos custos que implicam a ajuda ou auxílio de terceira pessoa para realizar as tarefas que importem a movimentação e a deslocação do seu corpo e a utilização em simultâneo dos seus membros superiores, relegando para liquidação de sentença a fixação do quantum indemnizatório, a este título, nos termos do disposto no artº 358, nºs 1 e 2 do CPC;
- Condena-se a Ré a pagar à Autora uma indemnização devida pelas despesas com as deslocações que esta teve de realizar para poder comparecer nos tratamentos, nas consultas e demais cuidados médicos que o seu quadro sequelar impunha, que acrescem à despesa de transporte de avião no montante de (€86), incluída no Ponto 2.1.89 dos factos provados, relegando para liquidação de sentença a fixação do quantum indemnizatório, a este título, nos termos do disposto no artº 358, nºs 1 e 2 do CPC;
- Substitui-se a decisão recorrida na parte em que fixou a título de indemnização à Autora por danos não patrimoniais a quantia de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), pelo montante de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros).
No mais, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela Autora e pela Ré na proporção do decaimento (art. 527 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Notifique.
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Lisboa
Marília Leal Fontes
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
Carla Cristina Figueira Matos
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[1]Neste sentido cfr. GERALDES, Abrantes António, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Edição, Almedina, 2018, págs. 114 a 116.
[2] Neste sentido cfr. GERALDES, Abrantes António, in “Opus Cit.”, 5ª Edição, Almedina, 2018, pág. 116.
[3] Segundo a fundamentação da sentença recorrida, que subscrevemos, nesta parte
[4]Acórdão da Relação do Porto de 25.11.2002, proferido pela 5.ª Secção, no âmbito do processo n.º 1046/02, in www.dgsi.pt.
[5] In www.dgsi.pt
[6] Cfr. Ac. do STJ de 10.04.2024, disponível em www.dgsi.pt.
[7] In www.dgsi.pt.
[8] Vide a esse propósito o Ac. do TRE de 11.06.2015, in www.dgsi.pt.
[9] In www.dgsi.pt.