Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA SILVA MAXIMIANO | ||
Descritores: | PUBLICAÇÃO LIBERDADE DE EXPRESSÃO DIREITOS DE PERSONALIDADE DIREITO À IMAGEM VIOLAÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/05/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Sumário: | Basta a mera culpa do agente, ao divulgar publicamente informações sobre a vida privada de uma pessoa laborando em erro de identidade desta por não se ter certificado de tal identidade, para alicerçar um juízo de censurabilidade da sua conduta, pelo que, verificados os demais pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil, ocorre uma situação de responsabilidade civil. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO A intentou acção declarativa com processo comum contra B [ …. Gráficos, S.A.” ] e C, peticionando a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe a quantia de € 20.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais, e a quantia de € 20.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora a contar da data da citação até integral pagamento. Alegou, para o efeito, em síntese útil, que: no dia 23/05/2014, a revista “Nova Gente”, propriedade da 1ª Ré, publicou várias fotografias do Autor ilustrando um texto da autoria do 2º Réu, sem que tivesse obtido a necessária autorização do Autor para a divulgação de tais imagens; no referido texto jornalístico e respectivas imagens, o Autor é confundido com um deputado, sendo-lhe imputadas condutas falsas que violaram os seus direitos de personalidade e lhe causaram danos morais, sendo que a referida situação teve ainda reflexos na actividade profissional do Autor, com um decréscimo do volume de facturação esperado para o ano de 2014. Os Réus contestaram, defendendo a improcedência da acção. Para o efeito, alegaram, em síntese útil, que: efectivamente, ocorreu um erro de identificação na publicação da notícia, que foi prontamente corrigido, tendo sido publicado um pedido de desculpas, sem identificar o Autor, não tendo os Réus actuado com qualquer intenção caluniosa ou de denegrir a imagem do Autor; e impugnam os invocados danos patrimoniais e não patrimoniais. Foi realizada audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o objecto do litígio e os temas de prova. Realizada a audiência final, com a produção de prova, foi proferida sentença, que julgou improcedente a acção, absolvendo os Réus do pedido. Inconformado com tal sentença, veio o Autor dela interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões: “A. O ora Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo de total improcedência do peticionado contra os Recorridos. B. Entende o Recorrente que os Recorridos deviam ter sido condenados solidariamente no pagamento da quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros) a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, pedido esse cumulado com o pagamento dos respectivos juros de mora vencidos e aos vincendos até ao proferimento da douta sentença e à condenação no pagamento das custas e procuradoria condignas. C. Concretamente, e para a boa decisão da causa, entende o Recorrente que deviam ter sido dados como provados os factos elencados em 3, 6 e 15 dos Factos dados como não provados, da Douta Sentença: D. “3. Os RR. não cuidaram de averiguar quem estavam a fotografar”; E. Tal facto devia ter sido dado como provado atendendo ao depoimento da testemunha Marco ….., fotógrafo freelancer, que captou as fotografias do Recorrente, e que ainda antes de iniciar o seu depoimento (minuto 00:10 da gravação) quando perguntado se conhecia o A., respondeu “sim, de vista. Frequentávamos a mesma discoteca”. F. Pelo que, conhecendo a testemunha o Recorrente não pode haver outra conclusão a retirar que não seja a de que os RR. não cuidaram de verificar quem estavam a fotografar. G. Os factos indicados em 6 e 15 deviam ter sido igualmente dados como provados atendendo ao teor dos documentos 1 e 5 juntos com a petição inicial, bem como das declarações de parte do Recorrente. H. Dos documentos resulta, claramente, a diferença entre o deputado Luís …… e o Recorrente e das declarações de parte do mesmo, em várias passagens, resultam os danos que lhe foram causados com a publicação das fotografias na revista Nova Gente. 44. Entendeu o tribunal a quo que “No caso concreto, provou-se que a 1ª Ré é proprietária da revista “Nova Gente” e que o 2º Réu é o autor da notícia publicada em 23 de Maio de 2014. Provou-se ainda que, na edição nº 1967 da revista “Nova Gente” de 23 de Maio de 2014, foram publicadas várias imagens ou fotografias do Autor, concretamente na própria capa da revista em tamanho destacado e em três páginas da matéria no interior da revista. Tais imagens foram obtidas sem a autorização do A., num momento pessoal de lazer e foram reproduzidas e divulgadas com a comercialização da referida publicação, sem o consentimento, nem conhecimento do A. Porém, a publicação refere sempre que todas as fotografias são de Luís ……, não obstante algumas delas serem do Autor e foi esse o sentido da publicação, ou seja, mencionar que tais fotografias eram do mencionado deputado e não do A. cujo identificação, aliás, nem sequer é mencionada na reportagem em questão. Cabe ainda referir que a semelhança física entre o A. e o deputado Luís ….. é indiscutível. Nessa medida, considera-se que tal publicação (facto) não é ilícita, pois na perspetiva dos RR. quando publicaram a notícia na revista, tinham por finalidade divulgar um relacionamento que atribuíram ao deputado já identificado e não ao Autor, e sendo aquele uma figura pública, não necessitavam do seu consentimento para publicar as fotografias, como o fizeram.” [sublinhado nosso]. I. O Recorrente é um sujeito de direitos de personalidade, designadamente direito à reserva da intimidade da vida privada, direito à imagem, direito à honra e direito ao bom nome. J. Os Recorridos publicaram várias imagens do Recorrente na revista “Nova Gente”, sem que o mesmo tivesse consentido, ou sequer conhecido, sendo certo que tal revista é vendida em todo o território nacional. K. A publicação de tais imagens sem consentimento é, por si só, um facto ilícito, uma vez que põe em causa, violando, os direitos do Recorrente. L. A testemunha Marco ….. não podia pensar que se tratava de Luis …..e, mesmo que ao longe o Recorrente se assemelhasse ao deputado Luis ….., quando tentou confirmar com a testemunha Luís …..podia e devia ter reconhecido o Recorrente, face ao que disse ainda antes de iniciar o seu depoimento. M. Tais conclusões relevariam em sede do preenchimento do pressuposto da culpa e não em sede do pressuposto da ilicitude, ao contrário do que se entendeu na sentença de que agora se recorre. N. E no que diz respeito a esse pressuposto da responsabilidade civil, [a culpa] na modalidade de dolo ou negligência, não pode deixar de se concluir pela sua existência, na medida em que o próprio autor das fotografias refere que conhece o Recorrente “de vista”. Ora, se o conhece de vista, certamente terá reconhecido o mesmo ou, pelo menos, verificado que a pessoa fotografada se assemelhava ao Recorrente. O. Incumbia aos Recorridos, ao abrigo do disposto na Lei da Imprensa, verificar se se tratava do deputado Luís ….nas imagens captadas ou de qualquer outro cidadão, o que não fizeram. P. Os Recorridos foram, no mínimo, negligentes na análise das imagens captadas pelo fotógrafo freelancer, pois se tivessem analisado as imagens com alguma profundidade e comparado com as várias imagens existentes na internet – como referiram nos depoimentos prestados perante o tribunal as testemunhas colaboradores da 1.º Ré/Recorrida -, facilmente verificariam que não se trata da mesma pessoa, desde logo porque o deputado Luís …..tem um sinal no lado direito da cara que o Recorrente não tem. Q. É evidente que o Recorrente sofreu danos com a publicação da sua fotografia na capa e no interior da revista “Nova Gente”. R. Também é evidente que os Recorridos não foram cautelosos o suficiente para evitar que o Recorrente, pessoa anónima, visse a sua imagem e a sua vida privada violadas através da publicação das suas fotografias numa revista vendida em todo o território nacional. S. Existiu a prática de um facto (publicação das fotografias na revista Nova Gente), ilícito por violar os direitos de personalidade do Recorrente, designadamente, direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada, culposa porquanto impende sobre o jornalista o ónus agravado de verificação de todas as imagens e notícias publicadas em revistas ou jornais, por força do Código Deontológico e da Lei de Imprensa, que causou danos ao Recorrente como ficou demonstrado – o Recorrente sentiu-se envergonhado, angustiado, constrangido e embaraçado – e há um nexo causal entre o facto praticado e o dano – a publicação das imagens são causa directa dos danos sofridos pelo Recorrente. T. Nos termos do artigo 562.º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. U. Os danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente são merecedores de reparação, por força do disposto nos artigos 70.º e 496.º, n.º 1 do Código Civil. V. Verifica-se o preenchimento de todos os pressupostos exigidos ao abrigo do disposto no artigo 483.º do Código Civil, pelo que a decisão do tribunal a quo deveria ter sido a procedência da acção por provada, com a consequente condenação dos Recorridos no peticionado.” Contra-alegaram os apelados, pugnando pela improcedência da apelação. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II - QUESTÕES A DECIDIR De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objeto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). De igual modo, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art. 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, ex vi do art. 663º, n.º 2 do mesmo diploma). Acresce que, não pode também este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas - cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 114-116. Na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil). Porém, o respectivo objecto, assim delimitado, pode ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (cfr. nº 4 do mencionado art. 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. Nestes termos, no caso em análise, as questões a decidir são as seguintes: - a impugnação e pretendida alteração da decisão sobre matéria de facto; - se estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual dos apelados. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença considerou como provados os seguintes factos: 1. A 1ª apelada é proprietária da revista “Nova Gente”; 2. O 2º apelado é o autor da notícia publicada em 23 de Maio de 2014; 3. Na edição nº 1967 da revista “Nova Gente” de 23 de Maio de 2014, foram publicadas várias imagens ou fotografias do apelante, concretamente na própria capa da revista em tamanho destacado e em três páginas da matéria no interior da revista; 4. Tais imagens foram obtidas sem a autorização do apelante, num momento pessoal de lazer; 5. Tais imagens foram reproduzidas e divulgadas com a comercialização da referida publicação, sem o consentimento, nem conhecimento do apelante; 6. Na capa da revista é referido em grande destaque, letras grandes e vermelhas, que “Judite ….. e Isabel ….. saem com o mesmo homem casado”, isto como legenda da fotografia do apelante e é referido o nome de Luís ….. “líder do partido do Governo”, mas a letras pretas e muito mais pequenas; 7. No interior da revista, nas três páginas dedicadas ao tema, é novamente referido em letras grandes e a vermelho que Judite …. e Isabel ….. saem com um homem casado, aparecendo em tais páginas cinco fotografias do apelante e três fotografias mais pequenas de Luís ….., sendo certo que a publicação refere sempre que todas as fotografias são de Luís ….., não obstante as já referidas serem do apelante; 8. As afirmações sugeridas e referidas pela publicação de que o indivíduo das fotografias saía com Isabel …. e Judite ….. não correspondem à verdade; 9. O apelante não é uma figura pública; 10. O apelante não conhece a jornalista Judite …..; 11. A Isabel ……é uma amiga do apelante; 12. Os apelados não deram conhecimento ao apelante de tais fotografias, nem pediram o seu consentimento para as publicar; 13. À data em que a acção entrou em Tribunal, quando se escreve o nome de A no motor de busca “Google” ainda surgem estas fotografias e a reportagem; 14. A 1ª apelada, numa tentativa de corrigir o seu erro, publicou no site oficial, no dia seguinte ao da publicação da notícia, uma correcção da mesma dando conta de que quem estava efectivamente nas imagens era o apelante e não o deputado, figura pública, Luís ….., o que originou outras notícias acerca do erro praticado pela 1ª apelada, noutros órgãos de comunicação social; 15. Na sequência da correcção do erro pela 1ª apelada, esta publicou uma imagem do apelante ao lado de uma fotografia do deputado Luís …..; 16. O apelante é realizador e produtor de filmes, trabalhando designadamente em publicidade, exigindo a sua profissão que se distancie da exposição pública e que mantenha uma postura discreta, reservando essa notoriedade para os seus clientes ou para os intervenientes participantes nos seus trabalhos; 17. A facturação da empresa unipessoal do apelante em 2013 foi de € 85.844,00 e no ano de 2014 foi de € 23.745,00; 18. Em consequência da publicação da sua imagem na revista “Nova Gente”, o apelante sentiu-se constrangido e embaraçado; 19. Em 2015, a 1ª apelada apresentou-se a Processo Especial de Revitalização, o qual corre termos na Instância Central de Lisboa Oeste (Sintra), Secção de Comércio, J4, com o nº 27943/15.4T8SNT, tendo o respectivo plano de revitalização sido homologado por sentença em 16.06.2016, transitada em julgado em 09.05.2017; 20. No âmbito do Proc. nº 27943/15.4T8SNT, em 22.12.2015, foi proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório; 21. O apelante tomou conhecimento do direito que lhe compete na data da publicação da referida notícia, ou seja, em 23/05/2014; 22. A presente ação foi proposta no dia 09/05/2017 e os apelados foram citados em 12/07/2017; 23. Na sequência da captação das imagens do apelante, a 1ª apelada esclareceu no site da revista “Nova Gente” que: “Trata-se de um lapso que muito lamentamos. De facto, o deputado [Luís …..] está com Judite ….., de quem é amigo de longa data, mas não com Isabel ….. (…) Ao repor a verdade, como é nosso dever, pedimos desculpa a Luís …., a Isabel ….., Judite ….., aos demais visados e aos nossos leitores, fazendo desta correcção uma reparação a todos”; 24. Na revista “Nova Gente” de 02/06/2014 foi publicada uma notícia para repor a verdade dos factos e onde é formulado um pedido de desculpas público, não sendo feita qualquer referência ao nome do apelante; 25. O apelado C foi apenas o autor do texto da notícia, não tendo intervindo em qualquer uma das caixas, subtítulos e títulos da referida publicação. * Na sentença recorrida foram julgados não provados os seguintes factos: 1. Nas fotografias mencionadas em 7. dos Factos Provados, o apelante podia e foi reconhecido; 2. Todas as sugestões feitas pela publicação de que a relação entre o apelante e a Isabel ….. ia além de uma amizade pura e antiga contrariam a verdade e, naquele contexto, denegriram a honra do apelante e causaram muita angústia e ansiedade por razões de ordem pessoal e profissional; 3. Os apelados não cuidaram de averiguar quem estavam a fotografar; 4. Os apelados juntaram a tais fotografias afirmações que deram publicidade mediática à vida pacata e reservada do apelante; 5. O apelante viu-se insistentemente confrontado nos dias seguintes, e durante muito tempo, por muitas pessoas com tais afirmações caluniosas, sendo que a maioria das pessoas nunca manifestou ao apelante terem percebido que se tratava de um logro; 6. Na sequência da correção do erro pela 1ª apelada, esta divulgou a identidade do apelante e alterou a fotografia do apelante, representando na sua cara um sinal que ele não tem; 7. O apelante foi pois inundado por telefonemas, contactado por amigos e abordado na rua de forma frontal e às vezes velada sobre a sua relação com Isabel Figueira ou com a jornalista Judite …..; 8. Na sequência de tais contactos e abordagens, o apelante sentiu-se intimidado, envergonhado, angustiado; 9. Após a divulgação da notícia e a correcção do erro com a divulgação da identidade do apelante, ocorreu uma diminuição drástica da procura dos seus serviços profissionais, por parte dos seus clientes, e uma consequente diminuição drástica da facturação da sua empresa; 10. A atenção dos media sobre o apelante prejudica a sua credibilidade e o seu posicionamento enquanto realizador e produtor de filmes publicitários; 11. A discrepância na facturação da empresa do apelante, entre 2013 e 2014, não era expectável, uma vez que no decorrer do ano de 2014 ocorreu o Mundial de Futebol em que participou a seleção portuguesa, evento que traria habitualmente uma série de projetos profissionais ao apelante; 12. Em anos de competições internacionais em que participa a selecção portuguesa, com a dimensão do Mundial ou Europeu, o apelante tinha habitualmente vários projetos, o que não sucedeu em 2014, em virtude das informações falsas e atentatórias da honra e bom nome do apelante que saíram na imprensa, na revista da 1ª apelada; 13. À data da publicação da notícia, o apelante tinha uma relação amorosa estável que terminou mercê da publicação das fotografias na praia com a manequim Isabel ….., relação essa que o apelante nunca conseguiu recuperar o que lhe causou desgosto e depressão; 14. A 1ª apelada quis vender o maior número possível de exemplares da revista “Nova Gente”, aumentando os seus lucros, sem se preocupar com quem estava a fotografar e divulgar nas páginas da sua revista; 15. Em consequência da publicação da sua imagem na revista da 1ª apelada, o apelante sentiu-se envergonhado e angustiado por estar na capa de uma revista em trajes menores, em grande plano, sendo perfeitamente reconhecível; 16. Durante muito tempo, o apelante não conseguiu fazer a sua rotina normal, em virtude dos sentimentos que o assolaram em consequência da publicação; 17. A notícia manchou o bom nome profissional do apelante e pôs em causa o seu prestígio, a sua credibilidade, tendo tal situação perdurado até aos dias de hoje; 18. O apelante não mais voltará a ser a figura anónima que era antes do dia da publicação da notícia pela revista da 1ª apelada; 19. O apelante e a 1ª apelada mantiveram contactos antes da apresentação desta a PER, numa tentativa de resolução extrajudicial da questão trazida agora a Tribunal; 20. Não lograram, nessa altura, o apelante e a 1ª apelada chegar a um entendimento, pelo que o apelante quis intentar a competente ação judicial, altura em que se deparou com a apresentação do PER da 1ª apelada, o que o impediu de o fazer. IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a fazer. Da impugnação da matéria de facto Nos termos do disposto no art. 662º, nº 1 do Cód. Proc. Civil: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Dispõe, por sua vez, o art. 640º, nº 1 do Cód. Proc. Civil que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Resulta deste último preceito legal, como é entendimento pacífico da Doutrina e da Jurisprudência, a consagração do ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, devendo ser fundamentados os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida. O que significa que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou. Por isto, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o recurso, podendo transcrever os excertos relevantes; e incumbe ao recorrido indicar os meios de prova que entenda como relevantes para sustentar tese diversa, indicando as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal. Tem também sido entendimento pacífico da Doutrina e Jurisprudência que, ao abrigo do disposto no art. 662º do Cód. Proc. Civil, a Relação goza dos mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Por isto, a Relação deve apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e/ou aquelas que se mostrem acessíveis, por constarem do processo, independentemente da sua proveniência (cfr. art. 413º do Cód. Proc. Civil). O que significa que a Relação procede a uma apreciação autónoma da prova impugnada, competindo-lhe formar e formular a sua própria/autónoma convicção (que poderá coincidir, ou não, com a formada em primeira instância), assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto. Acresce que, pese embora recaía sobre o recorrente o ónus de indicar os concretos pontos da matéria de facto que entende deverem ser alterados e o sentido de tal alteração, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art. 640º do Cód. Proc. Civil, a Relação não está vinculada a optar entre alterar a decisão no sentido defendido pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, dispondo de inteira liberdade para apreciar a prova, balizada pelos mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada (com excepção dos aspectos intrínsecos à imediação e à oralidade). Desta forma, poderá o Tribunal da Relação confirmar a decisão, decidir em sentido contrário ou, mesmo, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo - cfr., neste sentido, nomeadamente, António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª ed., 2018, Almedina, p. 283 e ss. Passemos, então, à luz destas considerações, à apreciação do caso dos autos. Quanto aos factos dados como provados e não provados na sentença recorrida, como resulta das alegações e conclusões do recurso, o apelante deu cumprimento ao referido ónus de fundamentação da sua discordância nos termos do citado art. 640º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, pelo que, cumpre apreciar do respectivo mérito. Entende o apelante que devem ser considerados provados os factos descritos sob os nºs 3., 6. (parte final) e 15. dos Factos Não Provados – cfr. arts. 3º a 16º das motivações e als. C) a H) das Conclusões de recurso. O tribunal a quo fundamentou a sua decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos: “A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados teve em consideração, por um lado, a confissão dos RR. decorrente da sua contestação, relativamente à intervenção de cada um deles na publicação da notícia a que se referem os autos, bem como à circunstância das imagens publicadas e referentes ao A. terem sido obtidas e publicadas sem a autorização deste, bem como quanto ao reconhecimento que era o A. e não o deputado Luís ….. que estava nas fotografias publicadas junto a Isabel Figueira. Por outro lado, foram considerados os documentos referentes às notícias publicadas, incluindo a reposição de verdade publicadas, quer em suporte de papel, quer online. No que se refere à informação sobre o volume de faturação da empresa de que o A. é titular, o Tribunal atendeu às Informações Empresariais Simplificadas dos anos respetivos, apresentadas junto da Autoridade Tributária. Relativamente às decisões proferidas no âmbito do Processo Especial de Revitalização da 1ª R., foram consideradas a certidão junta aos autos, bem como a informação obtido através da consulta do sistema Citius (notificação e publicações). Relativamente às circunstâncias em que foi redigida e publicitada a notícia a que se referem os autos, o Tribunal atendeu ao depoimento das testemunhas dos RR., Luís ….., jornalista da 1ª R. e que colaborou diretamente com o 2º R. e Marco Carvalho, fotógrafo “free lancer” e autor das fotografias a que se referem os autos. Este último referiu que tirou as fotografias de longe, na praia e apresentou-as ao diretor da Descobrirpress, pensando ambos que se tratava do deputado Luís …. que estava na praia com a Isabel ….., apesar de terem algumas dúvidas que tentaram confirmar com outras fotografias retiradas da internet. Soube mais tarde que afinal não era o mencionado deputado que estava na praia, tendo a revista redigido um pedido de desculpas e retirou a revista de circulação. Por sua vez, Luís ….. referiu que no dia em causa estava fora da redação, em reportagem no Algarve, tendo recebido um telefonema da Isabel ….. referindo que tinha havido um engano na publicação pois quem estava com ela na praia era um amigo, o aqui A., e não o deputado Luís ….. De imediato, foi emitido um pedido de desculpas e a revista retirada das bancas. No que respeita aos danos que o A. terá sofrido em consequência da publicação desta notícia, a testemunha Pedro ….., amigo do A. há mais de 30 anos, esclareceu qual a profissão do A. e que esteve ficou preocupado e angustiado com a publicação da noticia, sabendo que o A. é amigo da Isabel ….., mas não tem qualquer relação amorosa com ela. As testemunhas depuseram com isenção, revelando conhecimento directo dos factos por si relatados e acima elencados. No que se refere às declarações de parte do A. e atento o interesse deste no desfecho da ação, o Tribunal apenas atendeu às mesmas na parte em que foram confirmadas pelo depoimento da testemunha do A., nomeadamente ao seu relacionamento com a Isabel ….., a sua preocupação com a situação em si e surpresa com a situação. O A. também mencionou que a Isabel Figueira para justificar que não era o deputado Luís …. que estava na fotografia, indicou à 1ª R. que era o A. quem estava com ela na praia. Quanto aos factos não provados, entendeu o Tribunal que não foi produzida qualquer prova nesse sentido, não tendo o A. apresentado qualquer prova nesse sentido, designadamente dos danos alegadamente sofridos, sendo que da prova testemunhal produzida, a testemunha ouvida só revelou conhecimento parcial dos factos alegados pelo A..”. Entende o apelante que o afirmado no nº 3. dos Factos Não Provados deve ser considerado provado – cfr. arts. 3º a 7º das motivações e als. D) a F) das Conclusões de recurso. Alicerça-se, para o efeito no depoimento da testemunha Marco ….., fotógrafo que captou as fotografias do apelante em causa nos autos, e que, antes de iniciar o seu depoimento, quando perguntado se conhecia o ora apelante, respondeu “conheço, de vista.”; sendo-lhe perguntado em seguida se conhece por ser fotógrafo, a testemunha responde “não, não, não. Porque eu trabalhei numa discoteca e vi-o lá muitas vezes.” (minuto 1:02:32 do registo audio da gravação digital na aplicação informática em uso pelo Tribunal “20181122104000_19302136_2871104”). Afirma o apelante, na defesa do seu entendimento, que, conhecendo a testemunha o apelante, não se pode retirar outra conclusão que não seja a de que os apelados não cuidaram de verificar quem estavam a fotografar; porque se o tivessem verdadeiramente feito, concluiriam que não só não se tratava do deputado Luís ……, mas do apelante, que o fotógrafo que captou as imagens conhece, mas também que o apelante não tem um sinal na cara semelhante ao do deputado Luís …... Os apelados sustentam a manutenção dos aludidos factos como não provados, invocando nesse sentido o seguinte trecho do depoimento da mencionada testemunha Marco ….., que, quando lhe é perguntado se sabia quem estava a fotografar, refere (minuto 1:00:00 do registo audio da gravação digital na aplicação informática em uso pelo Tribunal “20181122104000_19302136_2871104”): “Eu fiquei com a sensação que era o deputado.”. A testemunha afirma que, efectivamente, conhece o apelante “…porque trabalhei numa discoteca e vi-o lá muitas vezes.”. Contudo, quando é perguntado à testemunha há quantos anos o via na discoteca, a testemunha responde: “Há uns 20 anos.”. Relembramos que, dos Factos Não Provados ora em referência consta: “Os RR. não cuidaram de averiguar quem estavam a fotografar”. Apreciemos. Como é consabido, no nosso sistema processual, com excepção das situações da chamada prova legal, isto é, das situações em que para a prova de um determinado facto a lei exige um específico meio de prova ou impede que o mesmo possa ser provado mediante certos meios de prova – que o legislador presume serem mais falíveis e inseguros –, vigora o sistema da liberdade de julgamento ou da prova livre (cfr. nº 5 do art. 607º do Cód. Proc. Civil). Neste sistema, o tribunal aprecia livremente os meios de prova, atribuindo, pois, a cada um o valor probatório que julgue conforme a uma apreciação crítica do mesmo (à luz das regras da experiência, da lógica e da ciência), não estando esse valor probatório prévia e legalmente fixado. Como refere Miguel Teixeira de Sousa, in “As partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa”, Lex-Edições Jurídicas, 1995, p. 238: “o valor a conceder à prova realizada através dos meios de prova não está legalmente prefixado, antes depende da convicção que o julgador formar sobre a actividade probatória.”. No mesmo sentido, cfr., ainda, A. Varela, M. Bezerra, Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., p. 660-661; e J. Lebre de Freitas, A. Montalvão, R. Pinto, in “CPC anotado”, II volume, p. 635-636. Especificamente no que respeita à força probatória dos depoimentos das testemunhas, dispõe o art. 396º do Cód. Civil, na esteira do art. 607º, nº 5 do Cód. Proc. Civil, que a mesma se encontra sujeita à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-la em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência. Esta livre convicção do julgador não significa arbítrio ou decisão irracional, antes pelo contrário, exige-se uma apreciação crítica e racional das provas, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência, bem como na percepção da personalidade dos depoentes, para que a mencionada convicção resulte perceptível e objectivável. Toda a valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr., a este propósito, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, p. 435/436. Relativamente à factualidade ora em referência, examinando conjugada e criticamente - segundo as regras da lógica e da experiência comum - os documentos juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas inquiridas na audiência final (procedendo-se, para o efeito, à audição integral do registo áudio de tais depoimentos), tal como determina o art. 662º do Cód. Proc. Civil, chega-se a conclusão diversa do tribunal a quo. Em primeiro lugar, cumpre salientar que o depoimento da testemunha Marco ….. é determinante nesta matéria, atendendo ao que relatou ao tribunal, ao modo como o relatou, ao conhecimento directo dos factos por si relatados e por ter sido a testemunha quem fotografou o apelante. Esta testemunha, que, na data dos factos, era fotógrafo e colaborador da 1ª apelada, esclareceu o tribunal que, no momento em que captou as referidas fotografias, a sua intenção era fotografar a pessoa que, então, acompanhava o apelante, não tendo sequer observado, naquele momento, com atenção o apelante, não o tendo, pois, reconhecido, nem constatado qualquer semelhança com o mencionado deputado. Só após ter entregue as fotografias à 1ª apelada é que a testemunha foi contactada telefonicamente pelo director da 1ª apelada com dúvidas sobre se o fotografado seria o mencionado deputado. Perante essas dúvidas, a testemunha, juntamente com o referido director, observaram fotografias do mencionado deputado acessíveis através da Internet, tendo, então, ficado com a “sensação”, “achado”, que era o referido deputado. Ora, face a este depoimento (que se revelou credível, coerente e suficientemente isento) e à posterior publicação das imagens na revista (cfr. documentos juntos com a P.I.), temos, por seguro, recorrendo às regras da experiência comum e da lógica, que os apelados não averiguaram a identidade do fotografado. Desta forma, quanto aos Factos Não Provados sob o nº 3., procede a pretensão do apelante, no sentido de ter ficado provado que os apelados não averiguaram quem estavam a fotografar (a expressão “cuidaram” ali constante não pode ser inserida qua tale nos Factos Provados por ser conclusiva e a matéria de facto provada respeitar unicamente a factos: cfr. art. 607º, nº 4 do Cód. Proc. Civil). Assim, decide-se aditar aos Factos Provados o seguinte nº 26., com a consequente eliminação do nº 3. dos Factos Não Provados “26. “Os apelados não averiguaram quem estavam a fotografar”. * Entende o apelante que a factualidade constante na parte final do nº 6. dos Factos Não Provados deve ser considerada provada, sendo aditada à factualidade provada a seguinte – cfr. arts. 8º a 10º das motivações e als. G) e H) das Conclusões de recurso: “Na sequência da correcção do erro pela 1.ª Ré esta alterou a fotografia do A., representando na sua cara um sinal que ele não tem.”. Alicerça-se, para o efeito, no Documento nº 5 junto com a Petição inicial, de onde resulta aquela factualidade, alegando, ainda, que “basta olhar para as fotografias inicialmente publicadas do Recorrente para verificar que o mesmo não tem qualquer sinal na cara semelhante ao deputado Luis ….. (cfr. Documento 1 junto com a petição inicial)”. Quanto a esta factualidade, os apelados não se pronunciam expressamente, mas nas motivações e conclusões do recurso defendem que o tribunal a quo bem apreciou e decidiu toda a matéria de facto com base na prova testemunhal e documental produzida. Relembramos que, dos Factos Não Provados ora em referência consta: “6. Na sequência da correção do erro pela 1ª Ré, esta divulgou a identidade do A. e alterou a fotografia do A., representando na sua cara um sinal que ele não tem.”. Examinando objectiva e criticamente - segundo as regras da lógica e da experiência comum – o referido Documento nº 5 junto com a Petição Inicial, chegamos à mesma conclusão que o tribunal a quo, ou seja, não foi feita prova da concreta factualidade em referência. Na verdade, daquele documento não resulta claro que a mencionada fotografia tenha sido, de forma voluntária e deliberada, alterada pela 1ª apelada no sentido afirmado pelo apelante. Acresce que, a demais prova produzida nada esclarece quanto à alteração voluntária e deliberada da mencionada fotografia. Assim, nesta parte, improcede a pretensão do apelante, mantendo-se a referida factualidade como não provada. * Entende o apelante que a factualidade constante do nº 15. dos Factos Não Provados deve ser considerada provada – cfr. arts. 11º a 16º das motivações e als. G) e H) das Conclusões de recurso. Alicerça-se, para o efeito: (i) no entendimento que, “tal facto deveria ter sido dado como provado, desde logo por se tratar de uma pessoa que não é figura pública, não estando por isso preparada para ver as suas imagens publicadas em revistas ou jornais vendidos em todo o país.”; “Muito menos estará preparada para ver fotografias suas em trajes menores na capa de uma revista vendida em todo o território nacional.”; (ii) nas declarações de parte do apelante (minuto 23:14 do registo audio da gravação digital na aplicação informática em uso pelo Tribunal “20181122104000_19302136_2871104”), das quais resulta que o mesmo se sentiu “envergonhado, humilhado, sem controlo da sua própria imagem, indigno (…) revoltado” pela exposição que as publicações dos apelados causaram; (iii) no trecho do depoimento da testemunha Pedro …… minuto 43:15 do registo audio da gravação digital na aplicação informática em uso pelo Tribunal “20181122104000_19302136_2871104”) que sentiu o A. “muito preocupado”, não só com a sua situação profissional, mas também com “a imagem que a publicação transmitiu ao público em geral”. Quanto a esta factualidade, os apelados não se pronunciam expressamente, mas nas motivações e conclusões do recurso defendem que o tribunal a quo bem apreciou e decidiu toda a matéria de facto com base na prova testemunhal e documental produzida. Relembramos que, dos Factos Não Provados ora em referência consta: “15. Em consequência da publicação da sua imagem na revista da 1ª R., o A. sentiu-se envergonhado e angustiado por estar na capa de uma revista em trajes menores, em grande plano, sendo perfeitamente reconhecível.”. Apreciemos. Examinando conjugada, objectiva e criticamente - segundo as regras da lógica e da experiência comum – as declarações de parte do apelante com o depoimento da testemunha Pedro Bento Salema, não podemos acompanhar a decisão do tribunal a quo quanto a esta factualidade. Senão, vejamos. No que se refere às declarações de parte com que o apelante pretende também alicerçar a sua convicção nesta parte, importa referir, desde já, que, nos termos do art. 466º, nº 3 do Cód. Proc. Civil: “O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”. Tem vindo a ser amplamente discutido na doutrina e na jurisprudência o modo como esta apreciação deve ser efectuada, podendo dizer-se, tal como no Ac. do TRL de 26/04/2018, Luís Filipe Pires de Sousa, acessível in www.dgsi.pt, que as várias posições relativas à função e valoração das declarações de parte são reconduzíveis a três teses essenciais: - a tese do carácter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos; - a tese do princípio de prova; - a tese da auto-suficiência/valor probatório autónomo das declarações de parte. Perfilhando nós – como perfilhamos - esta terceira tese, no seguimento de Luís Filipe Pires de Sousa, in “As Declarações de Parte. Uma síntese”, em www.trl.mj.pt, 2017; e de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração”, Coimbra, 2019, p. 529 e ss, entendemos, na esteira destes autores, que as declarações de parte estão ao mesmo nível que os demais meios de prova, sendo valoradas de forma autónoma e integrada, sem que se estabeleça qualquer hierarquia entre os vários elementos probatórios. A credibilidade das declarações de parte tem de ser aferida em concreto e não em observância de máximas abstractas pré-constituídas, sob pena de se esvaziar a utilidade e potencialidade deste meio de prova. Com efeito, e como escreve Miguel Teixeira de Sousa (in “Para que serve afinal a prova por declarações de parte?”, 25/05/2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=valora%C3%A7%C3%A3o+declara%C3%A7%C3%B5es+parte): “Não se ignora, como é evidente, que a prova por declarações de parte merece uma especial ponderação pelo tribunal, dado que é a própria parte que depõe em juízo sobre factos que, em princípio, lhe são favoráveis. Isto é, no entanto, coisa completamente diferente de se entender que, à partida e independentemente de qualquer valoração específica em função das circunstâncias do caso concreto, a prova por declarações de parte não pode ter um valor probatório próprio. […] a não atribuição de um valor probatório próprio à prova por declarações de parte é contraditória com a faculdade, resultante da conjugação do disposto no art. 466.º, n.º 2, CPC com o estabelecido no art. 452.º, n.º 1, CPC, de o juiz ordenar oficiosamente essa prova. Se o tribunal tem o poder de ouvir as partes sobre, por exemplo, um aspecto das negociações de um contrato, isso só pode querer significar que o tribunal tem o poder de avaliar, para efeitos probatórios, as declarações que as partes venham a produzir (ou mesmo, como é claro, a declaração que só uma delas venha a produzir, pela recusa de depoimento ou por um depoimento evasivo da outra). Qualquer outra interpretação diminuiria a relevância ou retiraria mesmo qualquer justificação para os poderes oficiosos atribuídos ao tribunal pelos referidos preceitos. Do exposto resulta que nada justifica a desqualificação, à partida, do valor probatório da prova por declarações de parte. Esta prova tem o valor probatório que, em função do caso, for justificado atribuir segundo a prudente convicção do juiz. […] Se é certo que se impõe apreciar a prova por declarações de parte sem ilusões ingénuas, também é verdade que não há que, à partida, desqualificar o valor probatório dessa prova. Em suma: a prova por declarações de parte tem, sem quaisquer apriorismos, o valor probatório que lhe deva ser reconhecido pela prudente convicção do juiz; nem mais, nem menos, pode ainda precisar-se.”. Como se refere no supra citado Acórdão do TRL de 26/04/2018: “os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente. Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.”. É em sede de fundamentação da matéria de facto, que as declarações de parte devem ser valoradas, ponderando-se o seu conjunto com os demais elementos de prova, sem prejuízo da eventual confissão que ocorra. No caso vertente, as declarações de parte (procedendo este tribunal à audição integral do respectivo registo áudio), no segmento - para o que aqui agora interessa – em que o apelante descreve os sentimentos por si vivenciados na sequência da divulgação pública da sua imagem (nas suas palavras: de “choque”; de “vergonha”; de “uma certa humilhação”; de sensação de impotência de não ter “controlo sobre a” própria “imagem” e “recato”; de “revolta”), merecem credibilidade, face às regras da lógica e da experiência comum, ao modo como o apelante prestou declarações nesta parte, à sinceridade por este revelada nesta parte do seu depoimento e à coerência de tais declarações. Acresce que a testemunha Pedro …., que tem conhecimento dos factos por si relatados por ser amigo do apelante há trinta anos e o ter acompanhado de perto após a publicação da revista em causa nos autos, confirmou, de forma credível, séria, coerente e suficientemente isenta, que, para o apelante “foi um choque” a divulgação das imagens e do artigo na revista e que o apelante ficou “muito preocupado” com as consequências que daí poderiam advir para a respectiva imagem profissional. Da conjugação destes elementos probatórios com as regras da experiência comum e da lógica, temos por seguro que o apelante, em consequência da publicação da sua imagem na revista da 1ª R., sentiu-se envergonhado e angustiado, pelo que, quanto aos Factos Não Provados sob o nº 15., procede, em parte, a pretensão do apelante, aditando-se aos Factos Provados o seguinte nº 27., com a consequente eliminação do nº 15. dos Factos Não Provados – o que se decide: “27. Em consequência da publicação da sua imagem na revista da 1ª apelada, o apelante sentiu-se envergonhado e angustiado”. * Do mérito da causa Funda o apelante a sua pretensão de condenação dos apelados no pagamento de indemnização por factos ilícitos e culposos consubstanciados na publicação na capa da revista “Nova Gente”, sem o seu consentimento, de várias fotografias suas, bem como num texto inserido no interior da revista, com o que foram violados os seus direitos de personalidade consagrados no art. 26º, nº 1 da C.R.P. e no art. 70º do Cód. Civil (cfr. arts. 40º, 41º, 42º e 45º da P.I.). A presente acção enquadra-se, pois, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (responsabilidade delitual ou aquiliana), reconduzindo-se as questões a resolver à verificação da existência dos pressupostos daquela responsabilidade. Nos termos do art. 29º, nº 1 da Lei nº 2/99, de 13/01, que aprova a Lei da Imprensa, a responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa fica sujeita aos princípios gerais. Os princípios gerais da responsabilidade civil vêm regulados no Código Civil que, no seu art. 483º, nº 1, estabelece: “Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. São, assim, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual: (i) um facto voluntário; (ii) ilícito; (iii) culposo; (iv) o dano; (v) um nexo de causalidade entre o facto e o dano (neste sentido, cfr. Antunes Varela, in “Das Obrigações Em Geral”, 5ª ed., pág. 495). Vejamos cada um destes pressupostos de per si: (i) um facto voluntário, ou seja, um comportamento (acção ou omissão) controlado ou controlável pela vontade; (ii) ilicitude, que poderá resultar ou da violação ou ofensa dos direitos (pessoais ou patrimoniais) de outrem, ou de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios (interesses juridicamente protegidos). Na primeira das mencionadas formas de ilicitude (aquela que interessa no caso dos autos, face à factualidade provada) - “violação de direitos de outrem” -, a doutrina inclui, de forma incontroversa, a tutela dos direitos absolutos (cfr., por todos, Antunes Varela, in “Das Obrigações Em Geral”, 5ª ed., p. 486). Para que o facto seja ilícito, é necessário, pois, que o comportamento considerado lesivo do direito absoluto, seja objectivamente contrário ao direito, ou seja, contrário à norma que tutela o direito considerado. Também é de relevar que, para que haja responsabilidade civil por um facto ilícito é necessário, pela negativa, e após a verificação que houve uma violação do direito de outrem, ponderar se não se verifica nenhuma situação de exclusão de carácter geral da ilicitude ou se não se verifica nenhuma causa de justificação da ilicitude; (iii) culpa, que, pode ser definida “como um comportamento reprovado por lei. A lei reprova o comportamento contrário ao cumprimento da obrigação, quando ele é devido à falta de diligência ou a dolo do devedor. Quer dizer, não se atende apenas ao comportamento externo do devedor, mas também à sua conduta interna. Saber quando procedeu o devedor diligentemente, é saber quando tomou o devedor as medidas que devia tomar. Ora, este problema não pode receber uma solução uniforme para as várias obrigações possíveis, pois, conforme os casos, pode o devedor estar obrigado a maior ou menor diligência, a praticar mais ou menos actos, a abster-se mais ou menos da prática deles” - Vaz Serra, citado por Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed. revista e actualizada, 1986, p. 54. Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a censura ou reprovação do direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed. revista e actualizada, 1987, p. 474. A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente, que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, podendo revestir duas formas distintas: o dolo (a intenção de realizar o comportamento ilícito que o respectivo agente configurou) e a negligência, mera culpa ou culpa em sentido estrito (mera intenção de querer a causa do facto ilícito), configurando-se o dolo como a modalidade mais grave da culpa. No dolo cabem: (i) os casos em que o agente quis directamente realizar o facto ilícito - são os casos de dolo directo, em que o agente representa ou prefigura no seu espírito determinado efeito da sua conduta e quer esse efeito como fim da sua acção, apesar de conhecer a ilicitude dele; (ii) os casos em que, não querendo directamente o facto ilícito, o agente todavia o previu como consequência necessária, segura, da sua conduta – são os casos de dolo necessário, em que o efeito ilícito e o resultado querido estavam indissoluvelmente ligados, o agente conhecia esse nexo de causalidade e nem por isso deixou de agir; (iii) os casos em que o agente previu a produção do facto ilícito, não como uma consequência necessária da sua conduta, mas como um efeito apenas possível ou eventual – são os casos de dolo eventual, em que o agente, ao actuar, não confiou em que o tal efeito possível se não verificaria – cfr. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., Almedina, 1996, p. 592. Haverá negligência consciente quando o agente representou a realização do resultado ilícito como possível mas, ainda assim, agiu porque confiou (infundada e levianamente, por precipitação, desleixo ou incúria) na sua não verificação; e haverá negligência inconsciente quando o agente, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, nem sequer representou a realização do resultado ilícito como possível, embora pudesse e devesse tê-lo feito para evitar a sua verificação se, nisso, concentrasse a sua inteligência e vontade - como refere o Ac. do STJ de 08/03/2007, Salvador da Costa, acessível em www.dgsi.pt. De acordo com o disposto no art. 487º, nº 2 do Cód. Civil, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um “bom pai de família”, em face das circunstâncias do caso concreto, por referência a alguém medianamente diligente, representando um juízo de reprovação e de censura ético-jurídica, por poder agir de modo diverso. (iv) dano, um prejuízo ou desvantagem que é causado num bem jurídico alheio, por efeito do facto ilícito e cuposo; (v) nexo de causalidade verificado entre o dano e o facto praticado pelo agente (juízo de imputação objectiva do dano ao facto de que emerge). O tribunal a quo entendeu que não existiu, no caso vertente, um acto ilícito, nem danos sofridos pelo apelante, e, consequentemente, absolveu os apelados dos pedidos deduzidos; constando da sentença recorrida, a este propósito, o seguinte: “No caso concreto, provou-se que a 1ª Ré é proprietária da revista “Nova Gente” e que o 2º Réu é o autor da notícia publicada em 23 de Maio de 2014. Provou-se ainda que, na edição nº 1967 da revista “Nova Gente” de 23 de Maio de 2014, foram publicadas várias imagens ou fotografias do Autor, concretamente na própria capa da revista em tamanho destacado e em três páginas da matéria no interior da revista. Tais imagens foram obtidas sem a autorização do A., num momento pessoal de lazer e foram reproduzidas e divulgadas com a comercialização da referida publicação, sem o consentimento, nem conhecimento do A.. Porém, a publicação refere sempre que todas as fotografias são de Luís …, não obstante algumas delas serem do Autor e foi esse o sentido da publicação, ou seja, mencionar que tais fotografias eram do mencionado deputado e não do A. cujo identificação, aliás, nem sequer é mencionada na reportagem em questão. Cabe ainda referir que a semelhança física entre o A. e o deputado Luís ….. é indiscutível. Nessa medida, considera-se que tal publicação (facto) não é ilícita, pois na perspetiva dos RR. quando publicaram a noticia na revista, tinham por finalidade divulgar uma relacionamento que atribuíram ao deputado já identificado e não ao Autor, e sendo aquele uma figura pública, não necessitavam do seu consentimento para publicar as fotografias, como o fizeram. Refira-se ainda que, quando a 1º R. publicou o pedido de desculpas sobre a troca de identificação dos intervenientes nas diversas fotografias, nunca foi mencionado o nome do A.. A identificação deste só foi divulgada mais tarde, noutros órgãos de comunicação e decorrente dos esclarecimentos prestados pela Isabel ….., amiga do A.. Mas, ainda que assim não se entendesse, apenas resultou provado que o A. sentiu-se constrangido e embaraçado, em consequência da publicação da sua imagem na revista Nova Gente, não se tendo provado que o A. sofreu qualquer dano patrimonial em consequência da publicação de tal reportagem Deste modo e não se encontrando assim reunidos os pressupostos da responsabilidade civil, entende-se que o A. não tem direito a qualquer indemnização.”. Para o apelante, a publicação daquelas fotografias e do artigo constante no interior da revista (sem o seu conhecimento e consentimento), configura um facto ilícito e culposo, que atenta contra os seus direitos de personalidade e lhe provocou danos, o que determina a revogação da sentença recorrida. Apreciemos. O art. 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) estabelece que “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação” – sublinhados nossos. Afirmam Rui Medeiros e António Cortês, in “Constituição da Republica Portuguesa Anotada”, Jorge Miranda-Rui Medeiros, Tomo I, “Introdução Geral, Preâmbulo, Artigos 1º a 79º”, 2ª ed., Coimbra Editora, 2010, p. 607-608, que este preceito constitucional “prevê hipóteses típicas de direitos de personalidade, postulados pela exigência angular de respeito pela dignidade humana” consagrada no art. 1º da C.R.P.. Prevê o art. 70º, nº 1 do Cód. Civil uma cláusula geral de tutela da personalidade, nos seguintes termos: “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”. Acolhe, esta norma, um direito geral de personalidade, que protege a personalidade no seu todo, nas suas diversas manifestações, abrangendo “todos os atributos inerentes ao organismo psico-somático (personalidade física) e à componente ético-espiritual (personalidade moral) que individualizam cada ser humano” – Antunes Varela, in “Alterações legislativas do direito ao nome”, RLJ, Ano 116, p. 144. Como refere Capelo de Sousa, in “A Constituição e os Direitos de Personalidade, Estudos sobre a Constituição”, p. 93, “O Código Civil não contém uma definição de direito de personalidade ou, sequer, uma definição geral mas abrange na sua protecção, referentemente ao seu campo, todos aqueles direitos subjectivos, privados, absolutos, gerais, extra patrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-se de praticar ou deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia sem o que incorrerão em responsabilidade civil”. Daquele direito geral de personalidade, destaca-se, de acordo com a classificação proposta por Orlando de Carvalho e outros, in “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra Editora, 2012, p. 265-266, notas 66-70 – e para o que aqui interessa - , o direito especial de personalidade à inviolabilidade pessoal, onde se distingue uma projecção física: direito à imagem e direito à palavra; uma projecção vital: direito ao carácter, direito à história pessoal, direito à intimidade da vida privada e direito à verdade profunda; e uma projecção moral: direito à honra. Quanto ao direito à imagem, dispõe o art. 79º, nº 1 do Cód. Civil: “o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela”. António Menezes Cordeiro, in “Tratado do Direito Civil Português I”, Parte Geral Tomo III, Pessoas, Almedina, 2004, p. 193, define a imagem como “a representação de uma pessoa na sua configuração externa”. Para Rita Amaral Cabral, in “O direito à intimidade da vida privada (Breve reflexão acerca do artigo 80º do Código Civil)”, “Estudos em memória ao Prof. Doutor Paulo Cunha”, Lisboa, 1989, p. 402-403, o direito à imagem é “o direito a impedir que terceiros venham a conhecer o retrato da pessoa”, abrangendo todos os modos de reprodução da imagem: fotografia, pintura, escultura, e através de televisão, cinema e teatro. O “direito à imagem configura um bem jurídico-penal autónomo, tutelado em si e de per si, independentemente da sua valência do ponto de vista da privacidade/intimidade. (…) A imagem é um bem jurídico eminentemente pessoal com a estrutura de uma liberdade fundamental e que reconhece à pessoa o domínio exclusivo sobre a sua própria imagem” - Manuel da Costa Andrade, in “A tutela penal da imagem na Alemanha e em Portugal”, Instituto Jurídico Portucalense – Revista Jurídica, nº 15, 2012, p. 161-186. Cfr., ainda, neste sentido, Acórdão do TRE de 29/05/2012, Martinho Cardoso, e Acórdão do TRP de 05/06/2015, José Carreto, ambos acessíveis em www.dgsi.pt. O direito à imagem abrange, assim, dois direitos autónomos: o direito a não ser fotografado e o direito a não ver divulgada a sua fotografia (quer a mesma resulte de captações lícitas, quer a mesma resulte de captações ilícitas) – cfr. antes citado Acórdão do TRP de 05/06/2015. Na expressiva expressão de Costa Andrade, in RLJ, Ano 130, p. 383, citado no Ac. do STJ de 10/10/2002, Oliveira Barros, acessível em www.dgsi.pt: “É direito que salvaguarda, além do mais, “o manto mais ou menos contínuo do anonimato que é apanágio do cidadão comum”. Porém, pese embora o direito à imagem consubstancie um direito indisponível no plano constitucional, a lei, no nº 1 do art. 79º do Cód. Civil, permite, dentro de determinados limites (cfr. nº 1 do art. 81º do Cód. Civil), a captação, reprodução e publicitação da imagem, desde que o titular do direito anua ou consinta essas actividades – cfr. Ac. do STJ de 07/06/2011, Gabriel Catarino, acessível em www.dgsi.pt. No entanto, o nº 2 do citado art. 79º do Cód. Civil consagrou a desnecessidade do consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem: (i) a sua notoriedade ou o cargo que desempenhe; (ii) exigências e finalidades de polícia, de justiça, científicas, didácticas ou culturais; (iii) o enquadramento da imagem em lugares públicos ou em factos de interesse público, ou que hajam decorrido publicamente (o lugar ou facto público devem ser o foco central da imagem). Relativamente aos retratos tirados em lugares públicos, de factos de interesse geral ou que hajam decorrido publicamente, “tudo depende (…) das circunstâncias e do destino das imagens captadas: elas só podem visar documentar o sucedido: não, por exemplo, animar campanhas publicitárias, sem autorização do próprio” - Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo III, Almedina, 2ª ed., 2007, p. 241. Porém, nos termos do nº 3 do citado art. 79º do Cód. Civil, a referida dispensa de consentimento não se aplica sempre que, da divulgação da imagem, resultem prejuízos para a honra, reputação ou simples decoro do retratado. Consubstanciando esta excepção legal “uma reafirmação da regra do consentimento” - David de Oliveira Festas, in “Do Conteúdo Patrimonial do direito à Imagem”, Coimbra Editora, 2009, p. 288. Como chamam a atenção Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, 1987, p. 109, em anotação ao mencionado art. 79º: “A exacta determinação das circunstâncias referidas nos nºs 2 e 3 pode variar de caso para caso, pelo que a determinação precisa do conteúdo do preceito fica muito ao critério do julgador. A restrição do nº 3 refere-se aos casos contemplados no número anterior, como excepção que é à faculdade de publicação”. Por sua vez, o direito à reserva da vida privada integra uma “projecção vital” do direito à inviolabilidade pessoal, nos termos da classificação proposta por Orlando Carvalho, acima enunciada. É o direito sobre informações relativas à vida privada, pessoal, de cada um; o direito de cada pessoa controlar a divulgação das informações que lhe dizem respeito, ao resguardo da sua vida privada; a tutela contra quaisquer ofensas à esfera da vida íntima de cada um. Como se viu antes, o direito à reserva da intimidade da vida privada tem na Constituição da República Portuguesa (art. 26º, nº 1) a natureza de direito fundamental, com assento no capítulo dos “direitos, liberdades e garantias pessoais”, e é abrangido pela tutela geral da personalidade consagrada no art. 70º, nº 1 do Cód. Civil, diploma este, que concretiza, ainda, no art. 80º, nº 1, que “todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem.”. Debruçando-se sobre a privacidade/intimidade, escreve Manuel da Costa Andrade, in “Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal”, 1996, p. 91-92: “A esfera privada abrange o direito de estar separado e livre da sociedade e da observação dos outros; a competência para decidir por si próprio quando e dentro de que fronteiras os eventos da sua vida pessoal podem ser revelados, isto na medida em que o não exijam prevalecentes interesses comunitários./ Ou, a área da vida eminentemente pessoal do indivíduo em que este pode realizar-se de acordo com as suas próprias representações, sem ser perturbado ou inibido pelo medo de uma discussão pública da sua vida privada”. Nos termos do disposto no nº 2 do art. 80º do Cód. Civil, “a extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas”. Como se escreve no Ac. do TRL de 04/10/2016, Maria do Rosário Morgado, acessível em www.dgsi.pt, que, nesta parte, vimos seguindo de perto, “Apesar dos termos em que é consagrada no art.º. 80º, do CC, há que reconhecer à tutela da esfera privada um âmbito geral que decorre direta e mais extensamente da natureza da personalidade moral do homem tutelada no art.º. 70º, nº1, do CC. […]./ A reserva da privacidade deve ser considerada a regra e não a exceção. É esse o sentido que se retira, por um lado, da natureza do direito à privacidade, como direito de personalidade e, por outro, da sua consagração constitucional, como direito fundamental.” […]/ Nesta conformidade, mais do que uma delimitação positiva do âmbito material da esfera de privacidade, há que proceder à sua delimitação negativa. Quer isto dizer que, em vez de se procurar a determinação de quais as zonas da vida que merecem estar ao abrigo da curiosidade alheia, se deve antes acertar em que condições, matérias da vida das pessoas podem ficar fora da esfera de proteção.”[…]/ “A polaridade entre o público e o privado corresponde a uma escala progressiva e gradual. (…). É difícil, se não mesmo impossível, estabelecer padrões previamente definidos e delimitados de níveis de privacidade. Tudo depende de tudo. Das pessoas, de cada pessoa, da sua sensibilidade e das circunstâncias (…).”[…]./ Por conseguinte, e para além do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, diretamente protegido nos arts. 26º-1 CRP e 80º-1 C.C., a lei consagra também o direito à reserva da vida privada (não íntima), nos termos previstos no nº2, do art.º. 26º, da CRP e no art.º. 70º, do CC./ Na esfera da vida íntima compreende-se o que de mais secreto existe na vida pessoal; na esfera da vida privada, que já é mais ampla, incluem-se aspetos da vida pessoal, fora da intimidade, cujo acesso é reservado a certas pessoas, mas não a desconhecidos ou ao público, em geral.” Em suma, quanto aos dois direitos de personalidade a vimos aludindo (direito à imagem e direito à reserva da vida privada), temos que: (i) ambos exprimem a preocupação da ordem jurídica de proteger a intimidade e reserva dos indivíduos, enquanto expressões naturais ou civilizacionais do respectivo comportamento social; (ii) só o respectivo titular pode consentir quer na divulgação do respectivo retrato, quer em intromissões na sua intimidade; (iii) consentir que outrem divulgue um certo retrato não significa que se tenha atribuído o poder de dispor em geral da imagem da pessoa, reproduzindo ou lançando no comércio todos os retratos que, dela, disponha; tal como revelar um determinado aspecto da vida íntima, pessoal ou familiar de uma pessoa, não significa que se esteja a autorizar toda e qualquer intromissão na sua vida privada – cfr. citado Ac. do TRL de 04/10/2016; (iv) “O serem direitos fundamentais de personalidade não significa outra coisa senão que toda e qualquer pessoa - pobre ou rica, famosa ou desconhecida, sábia ou ignorante - pelo simples facto de o ser, é sua titular. São direitos inatos, absolutos, inalienáveis e irrenunciáveis, “dada a sua essencialidade relativamente à pessoa, da qual constituem o núcleo mais profundo” (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pág. 215). Impõem-se, por definição, ao respeito de todas as pessoas, sendo, nesse sentido, direitos absolutos.” - cfr. Ac. do STJ, de 14/06/2005, Nuno Cameira; e Ac. do STJ de 17/12/2009, Oliveira Rocha, ambos acessíveis em www.dgsi.pt. Considerando que está em causa nos autos a questão da violação de direitos fundamentais de personalidade do apelante através da publicação de uma revista periódica, é também relevante, nesta sede, a análise dos direitos constitucionais de liberdade de imprensa e de expressão, o que passamos a fazer. Nos termos constantes dos arts. 37º e 38º da C.R.P., todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações, sendo que tal exercício não pode ser impedido ou limitado por qualquer forma de censura, sendo garantida a liberdade de imprensa aos jornalistas (cfr., ainda, a este propósito, o art. 1º da Lei da Imprensa, aprovada pela Lei nº 2/99, de 13/01). Porém, pese embora os direitos de liberdade de expressão e de informação sejam direitos fundamentais, não são direitos absolutos, devendo ser exercidos com respeito por outros direitos igualmente fundamentais, designadamente a dignidade da pessoa humana (cfr. art. 1º da C.R..P) e os direitos, liberdades e garantias pessoais previstos nos arts. 25º e 26º da C.R.P., entre os quais se incluem, como vimos, o direito à imagem e o direito à reserva da intimidade da vida privada, cuja violação está em apreciação nestes autos. A realização plena destes diversos direitos constitucionais e fundamentais pode determinar a existência de conflitos entre eles. Nos termos do art. 18º da C.R.P., as restrições aos direitos, liberdades e garantias devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, não sendo despiciendo referir que o art. 335º, nº 1 do Cód. Civil determina que, em caso de “colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer deles”. A solução destes conflitos de direitos fundamentais tem sido feita pela doutrina e jurisprudência com recursos ao “critério da ponderação de bens”, ao “princípio da concordância prática ou da harmonização”, à análise do “âmbito material da norma”, ao “princípio da proporcionalidade”, à ideia do “abuso de direitos fundamentais” e ao “princípio da otimização de direitos e bens constitucionais com vista ao estabelecimento de limites aos direitos colidentes por forma a conseguir uma autêntica eficácia ótima de ambos os direitos”. Figueiredo Dias, in “Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português”, R.L.J, Ano 115, p. 100 e ss, recorre ao princípio da proporcionalidade, de forma a obter a harmonização ou “concordância prática” dos bens jurídicos em colisão, o que implica uma mútua compressão dos direitos, por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível. Quanto à veracidade dos factos relatados relativos à vida privada, o mesmo autor escreve, in ob. cit., p. 135: “é compreensível e aceitável que não se possam trazer à luz da publicidade factos ofensivos da honra, ainda que verdadeiros, relativos a “particulares” quando não exista qualquer interesse legítimo na divulgação ou quando esteja em causa a sua vida privada ou familiar”. Em suma, de acordo com o disposto no art. 18º, nº 2 da C.R.P. e da regra geral de direito prevista no art. 335º, nº 1 do Cód. Civil, quanto se verifica a colisão de direitos fundamentais, há que recorrer ao princípio da concordância prática ou da harmonização, segundo o qual não se pode optar por um dos direitos em conflito, impondo-se o delinear de uma solução de harmonia entre esses direitos, procedendo-se, se necessário, a uma ponderação dos bens jurídicos em causa e atendendo sempre à especificidade do caso concreto. Porém, se os direitos em conflito forem desiguais, ou de espécie diferente, deve, então, prevalecer o que deva considerar-se superior – cfr. nº 2 do citado art. 335º do Cód. Civil. Face a este enquadramento legal, doutrinário e jurisprudencial, urge apurar se, no caso vertente, existe um facto ilícito e culposo nos termos pretendidos pelo apelante. Ficou provado que: na edição da revista “Nova Gente” de 23/05/2014, foram publicadas, reproduzidas e divulgadas várias imagens ou fotografias do apelante, sem o consentimento, nem conhecimento deste, concretamente na própria capa da revista em tamanho destacado e em três páginas da matéria no interior da revista; tais imagens foram obtidas sem a autorização do apelante, num momento pessoal de lazer; na capa da revista é referido, como legenda da fotografia do apelante, em grande destaque, letras grandes e vermelhas que “Judite …. e Isabel ….. saem com o mesmo homem casado”, e é referido o nome de Luís …… “líder do partido do Governo”, mas a letras pretas e muito mais pequenas; no interior da revista, nas três páginas dedicadas ao tema, é novamente referido em letras grandes e a vermelho que Judite ….. e Isabel ….. saem com um homem casado, aparecendo em tais páginas cinco fotografias do apelante e três fotografias mais pequenas de Luís …., sendo certo que a publicação refere sempre que todas as fotografias são de Luís …., não obstante as já referidas serem do apelante; as afirmações sugeridas e referidas pela publicação de que o indivíduo das fotografias saía com Isabel …. e Judite de …. não correspondem à verdade; e os apelados não confirmaram quem estavam a fotografar. Ora, não há dúvida que divulgar imagens e escrever textos, ou promover a sua publicação, numa determinada revista periódica, é um facto voluntário, juridicamente relevante, que pode determinar a responsabilidade solidária da empresa jornalística e dos autores desses textos (cfr. art. 29º, nº 2 da Lei nº 2/99, de 13/01). Neste contexto, e face à mencionada factualidade provada, verifica-se claramente o primeiro pressuposto da responsabilidade civil por factos ilícitos culposos: um comportamento (acção) controlado ou controlável pela vontade. Importa, então, apreciar se, no caso dos autos, o acto de publicação das imagens e do texto que as acompanha está envolvido de ilicitude e culpa nos sentidos acima aduzidos. No caso vertente, os factos provados são demonstrativos de que estamos perante a publicação de várias imagens do apelante na praia, num momento pessoal de lazer da sua vida privada, sem consentimento deste, em violação, pois, desde logo, do seu direito à imagem consagrado nos supra mencionados arts. 26º, nº 1 da C.R.P. e 70º, nº 1 e 79º, nº 1, ambos do Cód. Civil. E, tal publicação de imagens não se subsume a nenhuma das excepções legais de dispensa do consentimento do titular do direito previstas no nº 2 do art. 79º do Cód. Civil e acima explanadas. Com efeito, o apelante “não é uma figura pública” e “é realizador e produtor de filmes, trabalhando designadamente em publicidade, exigindo a sua profissão que se distancie da exposição pública e que mantenha uma postura discreta” (cfr. Factos Provados sob os nºs 11. e 16), pelo que a desnecessidade do seu consentimento para a divulgação das aludidas imagens não se encontra justificada pela “sua notoriedade” ou pelo “cargo que desempenhe”. Por outro lado, face à espécie de imagens divulgadas, a desnecessidade do consentimento do apelante para tal divulgação não encontra justificação – como é evidente - em quaisquer “exigências” e “finalidades” de “polícia ou de justiça”, “científicas, didácticas ou culturais”. Por último, face à espécie de imagens e ao local onde as mesmas foram captadas, a desnecessidade do consentimento do apelante para a sua divulgação não encontra o seu fundamento na parte final do nº 2 do preceito em referência, a saber, o enquadramento da imagem em “lugares públicos” ou em “factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente”. Na verdade, relativamente aos retratos tirados em lugares públicos, de factos de interesse geral ou que hajam decorrido publicamente, temos por seguro que o lugar ou facto público devem ser o foco central da imagem, as imagens só podem visar documentar o sucedido. A este propósito e como ensina Orlando de Carvalho, in ob. cit., p. 71 e 73, só não será necessário o consentimento das pessoas retratadas se houver um interesse sério e justificado na fixação e divulgação de imagens, por um lado, e, por outro, que seja patente ou notório o enquadramento do lugar público, do facto de interesse público ou do facto que haja decorrido publicamente. Ora, nada disto se verifica no caso dos autos, onde não é o lugar público (praia) que é o foco central das imagens publicadas na revista, nem o é, de forma óbvia, qualquer facto de interesse público ou facto que haja decorrido publicamente; pelo contrário, o foco das imagens é o apelante (e os que, então, o acompanhavam), desprovido de qualquer outro facto de interesse público ou que haja decorrido publicamente - trata-se de fotografias tiradas a longa distância, em que o apelante (e os que, então, o acompanhavam) aparecem destacados do contexto (da multidão da praia) e em primeiro plano. Desta forma, as circunstâncias de espaço e tempo em que foram captadas as imagens publicadas na revista enquadram-se no âmbito geral do nº 1 do art. 79º do Cód. Civil, pelo que a sua divulgação, teria de ser precedida do consentimento do apelante – o que, como se viu, não aconteceu. Não tendo existido o mencionado consentimento, conclui-se que o direito fundamental do apelante à imagem foi objectivamente violado, em desrespeito directo ao consagrado nos citados arts. 26º, nº 1 da C.R.P., e 70º e 79º, nº 1, ambos do Cód. Civil. Por outro lado, quer na capa da revista, quer no texto do artigo constante do interior da mesma, são narradas actividades, horários, atitudes e comportamentos da vida privada do apelante num momento normal de lazer. Com efeito, acompanhando as concretas imagens do apelante que foram divulgadas, foi redigido e divulgado um texto onde é narrado: o local onde o apelante se encontrava, as pessoas que o acompanhavam, o tempo que ali permaneceu, o que de, concreto fez durante esse tempo – ou seja, circunstâncias e factos da esfera privada, reservada, da vida do apelante, que, por integrarem o seu direito fundamental à (e de) privacidade, sempre teriam de ser respeitados, e só poderiam ser divulgados se o mesmo nisso anuísse ou consentisse – o que, como se viu, não aconteceu. Não tendo existido o mencionado consentimento, conclui-se que também o direito fundamental do apelante à reserva sobre a intimidade da sua vida privada foi objectivamente violado, em desrespeito directo ao consagrado nos citados arts. 26º, nº 1 da C.R.P., e 70º e 80º, ambos do Cód. Civil. Por outro lado, face à factualidade que ficou provada, não se verifica a ocorrência de nenhuma causa (cfr., a propósito da respectiva caracterização e classificação, Pessoa Jorge, in “Ensaios Sobre Os Pressupostos Da Responsabilidade Civil”, 1999, p. 153 a 281; e Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 9ª Ed., p. 520 e ss): (i) de exclusão de carácter geral da ilicitude, na presença da qual, não obstante o agente possa ir contra interesses de terceiros, como actua legitimado pela ordem jurídica vigente, encontra-se excluída a ilicitude, a saber: o exercício regular de um direito (art. 334º do Cód. Civil: só existe contrariedade ao direito, e, portanto, ilicitude apta a ensejar uma obrigação de reparar danos, quando o seu exercício seja abusivo); e o cumprimento de um dever jurídico (art. 335º do Cód. Civil: colisão de direitos, figura jurídica acima já objecto de análise); (ii) de justificação da ilicitude, fundada no exercício e na tutela privada dos direitos e nas quais o direito autoriza o titular de determinado interesse juridicamente protegido a agir por contra própria na sua defesa, sem que isso revista o agir de conotação ilícita, a saber: acção directa; legítima defesa; erro acerca dos pressupostos da acção directa ou da legítima defesa; estado de necessidade; e o consentimento do lesado (que é aqui normalmente abarcado, pese embora apresente natureza aparentemente diversa) – cfr. respectivamente, arts. 336º, 337º, 338º, 339º e 340º do Cód. Civil. Senão, vejamos. Quanto às causas de exclusão de carácter geral da ilicitude acima enunciadas em (i): O exercício do direito de informação e/ou o cumprimento de um dever jurídico inerente à função pública da imprensa não pode aqui ser invocado (como parece ser o entendimento dos apelados: cfr. arts. 58º e ss da Contestação), porquanto não se vislumbra que a divulgação das imagens e a narração das informações referentes à pessoa do apelante (cidadão desconhecido do público) num momento de lazer (independentemente de quem se fizesse acompanhar) se revista de um qualquer interesse público que legitimasse aquele exercício ou o cumprimento de qualquer dever jurídico. Com efeito, e como se escreve, respectivamente, nos Acórdãos do STJ de 08/05/2013, Alves Velho, e de 13/01/2011, Oliveira Vasconcelos, ambos acessíveis em www.dgsi.pt: “No que concerne ao conteúdo da liberdade de informação, não deve perder-se de vista que o direito do público a ser informado tem como referência a utilidade social da notícia, o que vale por dizer que deve restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, apresentados, em escrito ou imagem, com respeito pela verdade.”; e “O direito à privacidade só pode ser licitamente agredido quando e só, um interesse público superior o exija”. Também a este propósito se pode ler no Ac. do STJ de 14/01/2010, Pires da Rosa, acessível em www.dgsi.pt, que “se há um qualquer interesse público a prosseguir, com a informação a contribuir para a formação dos destinatários dela ou para o grau de exigência e rigor que entidades públicas e privadas devem pôr no respeito pela comunidade, haverá eventualmente que privilegiar o direito à informação e a liberdade de expressão em detrimento de outros direitos individuais; se o interesse de quem informa se situa no puro domínio do privado, sem qualquer dimensão pública, o direito à integridade pessoal não pode ser sacrificado para salvaguarda de uma egoística liberdade de expressão e de informação”. Como também escreve Jónatas Machado, in “Liberdade de Expressão - Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social”, BFDUC, 2002, p. 793, citado no já mencionado Ac. do STJ de 08/05/2013, “a circunstância de o conhecimento de certos factos relativos à vida privada de certos indivíduos suscitar o interesse público, em termos fácticos, não significa que a sua divulgação seja de interesse público, em termos normativos". Ora, no caso dos autos, e tendo sempre presente que a relevância do interesse de informar deve ser aferida em concreto, não só o apelante não é “uma figura pública”, mas como as imagens e o texto publicado transmitem e narram informações respeitantes à sua vida privada, reservada, num momento de lazer, pelo que, a sua divulgação não reveste, de forma alguma, “interesse público em termos normativos” (invocando o autor acabado de mencionar), nem se mostra adequada e razoável ao cumprimento da função pública da imprensa, independentemente, repete-se, de quem o apelante se fazia acompanhar. Aliás, a este respeito, sempre importaria ter bem presente que “ser uma figura pública, não significa ter que renunciar antecipadamente aos direitos de personalidade, abdicando deles na totalidade e sujeitando-se à invasão e devassa da privacidade em toda e qualquer circunstância” – cfr. Ac. do STJ de 14/06/2005, acima já citado. Em suma, as imagens e informações divulgadas têm de corresponder, nesta sede, a um interesse público, político-social superior, só interessando revelar factos de interesse geral e não pormenores que só interessam à vida particular, privada das pessoas – o que, como resulta do exposto, não ocorre no caso vertente. Nesta conformidade, não há, repete-se, que aqui invocar o direito de informar e de ser informado para afastar os limites resultantes da lei ordinária (cfr. arts. 70º, 79º e 80º, todos do Cód. Civil) e do art. 26º da C.R.P., os quais, como se viu, as normas do arts. 37º e 38º da C.R.P. também acolhem. De igual forma, não há que convocar a norma do art. 335º do Cód. Civil, dado que não se está perante uma situação de “colisão de direitos” que importe conciliar. Quanto às causas de justificação da ilicitude acima enunciadas em (ii): Como é evidente, não estamos perante um caso de acção directa, legítima defesa, erro acerca dos pressupostos da acção directa ou da legítima defesa, nem estado de necessidade. Quanto ao consentimento do lesado, damos aqui por reproduzido tudo o que acima se deixou dito sobre a manifesta falta de consentimento do apelante quer para a divulgação das suas imagens, quer para a publicação das informações referentes à sua vida privada, que acompanhava aquelas imagens. Em suma, no caso dos autos, não existe o consentimento do lesado susceptível de afastar a ilicitude. Invocam os apelados que divulgaram as imagens do apelante e publicaram as informações referentes às mesmas em virtude de um erro que cometeram na identificação do apelante, uma vez que o tomaram por outra pessoa, no caso, um deputado da Assembleia da República Portuguesa, dadas as semelhanças físicas que consideram existir entre os dois; e que, quer na capa da revista, quer no texto do artigo, a identidade da pessoa que aparece nas imagens e nas informações publicadas é unicamente imputada ao mencionado deputado e nunca ao apelante. Invocam, ainda, os apelados que, após terem sido alertados para o sucedido, repararam o erro, com pedidos públicos de desculpas. Por isto, entendem os apelados não terem cometido qualquer facto ilícito e culposo. O art. 3º da Lei de Imprensa (Lei nº 2/99, de 13/01) estabelece que o direito à liberdade de imprensa deve ser exercido “de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação”. Como decorre do art. 14º, nº 1, al. a) do Estatuto do Jornalista (aprovado pela Lei nº 1/99, de 13/01), é dever do jornalista exercer a actividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhe informar com rigor e isenção. “No caso de informações, o rigor significa que a descrição corresponde à realidade: não é falseada, distorcida nem vaga. Exactidão significa correcção, apreciação justa ou rigorosa, cumprimento rigoroso e diligente dos deveres.” - Ac. do STJ de 17/12/2009, já citado. No caso dos autos, resulta dos factos provados que: a divulgação das imagens do apelante e a publicação de informações referentes à sua vida privada resultou de um erro dos apelados ao tomarem como verdadeiro que a pessoa a que respeitavam as imagens e as informações publicadas era outra; e, os apelados não averiguaram quem estavam a fotografar. Face a esta factualidade, é seguro concluir: por um lado, que está afastada a existência de dolo por parte dos apelados; e, por outro lado, que a divulgação daquelas imagens acompanhada da publicação daquelas informações não foi realizada com o cuidado escrupuloso, nem com a precisão a que 2º apelado, enquanto jornalista, estava vinculado no seu dever legal de informar com rigor e exactidão, nomeadamente, mediante o cumprimento rigoroso e diligente das obrigações de investigação e de consulta cuidadosa e credenciada das suas fontes, de forma a apurar a identidade da pessoa retratada (o que não foi feito: cfr. Factos Provados sob o nº 26.). No caso, o erro cometido na identidade da pessoa retratada revela um incumprimento do adequado, normal e concreto dever de cuidado, de diligência e de prudência devido na situação, de forma a prevenir lesões nos direitos fundamentais de outrem. E, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, é por demais evidente a ilação que o jornalista podia e devia ter agido de outro modo, modo esse, pelo qual agiria “um bom pai de família” perante as mesmas circunstâncias, como prevê o nº 2 do art. 487º do Cód. Civil. Actuou, pois, de forma juridicamente censurável ou reprovável, ou seja, com culpa em sentido estrito (mera culpa ou negligência). Veja-se que: (i) os apelados não averiguaram quem estavam a fotografar (cfr. Factos Provados sob o nº 26.); e, (ii) inclusive, antes da divulgação das imagens e do artigo em causa, Marco Carvalho, autor das fotografias, referiu que, após ter captado as fotografias e de as ter apresentado ao director da 1ª apelada, tiveram dúvidas sobre se se tratava do mencionado deputado, o que tentaram confirmar com outras fotografias acessíveis através da internet (cfr. o que antes se afirmou a este propósito em sede de decisão sobre a impugnação da matéria de facto não provada sob o nº 3.). Ora, perante estas dúvidas, incumbia aos apelados um especial cuidado, prudência, diligência no apuramento da real identidade da pessoa retratada nas imagens (o que, como resulta dos Factos Provados sob o nº 26. e do que veio a acontecer, não foi feito) e não a postura de – como é afirmado nas Conclusões das Contra alegações: “Face às semelhanças físicas, inequívocas, entre Autor e Luís ….. a Ré assumiu que se tratava deste último” – sublinhado nosso. Acresce que, face ao acabado de expor, a eventual semelhança física entre o apelante e o mencionado deputado não retira qualquer ilicitude ao ocorrido, assumindo tal factualidade apenas relevância em sede de limitação da indemnização nos termos do art. 494º do Cód. Civil, por estarmos perante um caso de mera culpa. A circunstância de a apelada “Descobrirpress” ter procedido, após a publicação da revista, à rectificação pública do erro cometido, com pedido de “desculpa (…) aos demais visados” não a desonera de responsabilidade sobre o sucedido, por não reparar, na íntegra os danos morais sofridos pelo apelante, nomeadamente, os mencionados infra a esse propósito, assumindo também tal factualidade apenas relevância em sede de limitação da indemnização nos termos do art. 494º do Cód. Civil. Também não desonera os apelados de responsabilidade as alegações de que “as fotografias em si, quer pela maneira como foram tiradas, quer pelo seu conteúdo, não denotam qualquer carácter ofensivo para a imagem, bom-nome e reputação” do apelante (cfr. arts. 62º e 63º da Contestação); e que a apelada “tratou a sua imagem com cuidado não a tendo usado de forma ofensiva tendo-se limitado a reportar o momento” (cfr. contra alegações de recurso). Com efeito, a violação ilícita (nos termos acima explanados) dos direitos à imagem e à privacidade de qualquer cidadão verifica-se com a divulgação das próprias fotografias e das informações referentes à vida privada, independentemente do resultado ou da impressão que causem nos outros, ou seja, independentemente de tais imagens e/ou informações serem susceptíveis de desfavorecerem ou favorecerem, por qualquer forma, o visado. A este propósito, evoca-se Rui Medeiros e António Cortês, in ob. cit., p. 618-619, quando escrevem: o direito à imagem garante a “autonomia na disponibilidade da imagem” de cada um “independentemente de estar ou não, directamente em causa o bom nome e a reputação das pessoas e independentemente de estar ou não em causa a vida privada e familiar”; traduz-se, desta forma, num “direito ao controlo da utilização dos registos da própria imagem” e tem inerente um direito à autodeterminação da imagem exterior. Invocam, ainda, os apelados (cfr. contra alegações de recurso) que “A imagem do Autor (…) não foi lesada uma vez que, em momento algum, o mesmo é identificado” e que “nunca foi referida a identificação ao Autor razão porque não houve violação do direito à imagem nem à reserva da vida privada”. Porém, este argumento também não pode proceder, porquanto, independentemente do nome que consta quer nas legendas de tais fotografias, quer nas informações publicadas, o certo é que a pessoa que aparece nas imagens é o apelante (e não um terceiro) e as informações publicadas a propósito dessas fotografias (que abarcavam quer o local onde o apelante se encontrava, quer as pessoas que o acompanhavam, quer o tempo que ali permaneceu, quer o que, de concreto, fez durante esse tempo) respeitam à vida privada do apelante e não à vida de um terceiro. Por outras palavras, pese embora a imputação das imagens e do narrado no artigo seja feita a um terceiro, facto de incontornável relevância e que não podemos perder de vista, é que foi o apelante quem sofreu uma exposição pública, não anuída, das suas imagens, bem como, uma divulgação pública da narração de um momento de lazer pessoal, que, sem o seu consentimento, nunca poderia deixar de pertencer exclusivamente à sua esfera de privacidade – tudo, como se viu, em virtude da descrita omissão do dever objectivo de diligência e de cuidado do autor do artigo no cumprimento do dever legal que sobre si recaía de informar com rigor e exactidão e que lhe era exigível. Estão, pois, demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil referentes à ilicitude e à culpa da conduta dos apelados, por violação dos direitos de personalidade do apelante à imagem e à reserva da intimidade da vida privada (cfr. nº 3 do art. 5º do Cód. Proc. Civil), ao contrário do entendimento dos apelados e do tribunal a quo, motivo pelo qual não se pode acompanhar a sentença recorrida. O apelado C, como autor directo do texto do artigo em que são divulgadas as imagens e as informações escritas referentes à vida privada do apelante num seu momento de lazer, e que ofendem os direitos à imagem e à privacidade deste (como vimos), é responsável civilmente, nos termos do art. 29º, nº 1 da Lei de Imprensa (Lei nº 2/99, de 13/01) e do art. 483º, nº 1 do Cód. Civil. Por isto, não procede a argumentação expedida na Contestação (cfr. arts 52º e 53) no sentido de o apelado estar desonerado de qualquer responsabilidade civil por o mesmo não ter tido intervenção “em qualquer uma das caixas, subtítulos e títulos da referida publicação”, quando o certo é que escreveu o texto da notícia inserida no interior da revista. A primeira apelada “Descobrirpress”, enquanto empresa jornalística, é solidariamente responsável com o segundo apelado (jornalista autor do artigo em causa), nos termos do art. 29º, nº 2 da mencionada Lei de Imprensa, que estipula: “No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado” – cfr., ainda, a este propósito, o art. 497º, nº 1 do Cód. Civil. Apurada que está a existência de um facto ilícito e culposo por parte dos apelados, constituíram-se os mesmos na obrigação de indemnizar os prejuízos sofridos pelo apelante em consequência daquele facto ilícito e culposo - cfr. art. 563º do Cód. Civil. A obrigação de indemnizar deve, segundo o princípio geral da reconstituição natural consagrado no art. 562º do Cód. Civil, procurar reconstituir a situação hipotética do lesado, ou seja, aquela situação que existiria na esfera do lesado se não fora o facto determinante da responsabilidade (teoria da diferença). Isto é, a indemnização a atribuir ao lesado deverá ser calculada em função da diferença entre a situação real actual do lesado e a situação hipotética em que este se encontraria, se não fosse a lesão, sendo apenas indemnizáveis os danos que derivem daquela lesão. Só perante a impossibilidade de reconstituir o estado anterior à lesão, ou quando a reconstituição natural não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, é que há que proceder à indemnização em dinheiro (cfr. art. 566º do Cód. Civil). Por outro lado, apenas há lugar a indemnização quando exista um nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, ou seja, quando os danos existentes sejam consequência directa e necessária do facto lesante. Com efeito, nem todos os danos resultantes do facto ilícito serão da responsabilidade do agente, mas apenas aqueles que derivam do facto e tenham sido causados por ele. O que significa que, deve existir um nexo de causalidade entre a lesão e os danos ocorridos, aferido de acordo com o critério da causalidade adequada, subjacente ao art. 563º do Cód. Civil, e segundo o qual se devem apenas considerar aqueles danos que decorram do facto ilícito culposo praticado pelo lesante, como consequência necessária do mesmo, ou seja, os danos que estiverem em conexão causal adequada com o facto ilícito praticado pelo lesante. Assim, este facto ilícito e culposo tem de ser, não só a condição da lesão, como ainda afigurar-se como idóneo para a produção daquele resultado, segundo a normalidade da vida social. “Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar” (Galvão Teles, cit. por Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, p. 578). São indemnizáveis, pois, os danos que, a não ter ocorrido o evento, não se verificariam, desde que tais danos sejam um resultado natural, necessário, normal e previsível (segundo os conhecimentos de um homem médio, fiel ao Direito), da verificação de um evento em causa: a dimensão do dano coincide com a dimensão do nexo causal. A obrigação de indemnizar compreende, nos termos do art. 564º, nº 1 do Cód. Civil, quer os danos emergentes, quer os lucros cessantes; e, nos termos dos arts. 495º e 496º, nº 1 do mesmo diploma, respectivamente, quer os danos patrimoniais, quer os danos não patrimoniais - desde que, e quanto a estes, pela “sua gravidade, mereçam a tutela do Direito”. Danos patrimoniais são os danos susceptíveis de avaliação pecuniária, traduzidos numa abstracta diminuição do património e que podem ser reparados ou indemnizados senão directamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão), pelos menos, indirectamente (por meio de equivalente ou indemnização pecuniária). Distinguem-se os danos patrimoniais em danos emergentes ou positivos, caracterizados por uma perda, prejuízo ou desfalque causado nos bens ou direitos que o lesado já detinha no momento da lesão; e em lucros cessantes ou frustrados, caracterizados pelo corte ou frustração no acréscimo patrimonial: “os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão” (Antunes Varela, in “Das Obrigações em geral”, vol. I, Almedina, p. 569). No caso dos autos, pese embora o apelante tenha alegado que sofreu danos patrimoniais em virtude da publicação da revista em referência (cfr. arts. 27º a 37º, 66º e 76º da P.I.), não resulta da factualidade provada a existência de tais danos, nomeadamente não ficou provado que: ocorreu uma diminuição drástica da procura dos serviços profissionais do apelante, por parte dos seus clientes, e uma consequente diminuição drástica da faturação da sua empresa, nem que a discrepância na facturação da sua empresa que se verificou entre 2013 e 2014 se deveu à publicação na revista das imagens e do artigo em causa nos autos (cfr. Factos Não Provados sob os nºs 9. a 12. e 17.). O ónus de prova dos factos referentes a tais danos incumbia ao apelante, por serem factos constitutivos do seu direito (cfr. arts. 342º, nº 1 e 483º, nº 1, ambos do Cód. Civil). Desta forma, a pretensão do apelante em ser indemnizado por danos patrimoniais no valor de € 20.000,00 não pode proceder. Danos morais ou prejuízos de ordem não patrimonial são prejuízos que afectam bens não patrimoniais e, por isso, insusceptíveis de avaliação pecuniária e cuja reparação só pode alcançar-se por mera compensação, com a obrigação pecuniária imposta ao lesante, pelo que - não sendo a reconstituição natural possível - se impõe a indemnização em dinheiro (cfr. citado art. 566º, nº 1 do Cód. Civil). Como ensina Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, o dano não patrimonial está intimamente relacionado com as dores, o sofrimento ou o dano estético, prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, mas que atenta a obrigação de ressarcir deverão assumir uma natureza compensatória, não sendo merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns. Neste sentido, e a título meramente exemplificativo, vide Ac. TRL, de 20/10/2005, Caetano Duarte, e Ac. TRC, de 08/02/2011, Pedro Martins. Como refere Capelo de Sousa, in “O Direito Geral de Personalidade”, Coimbra Editora, 2011 (reimpressão da edição de 1995), p. 458, “dado que a personalidade humana do lesado não integra propriamente o seu património, acontece que da violação da sua personalidade emergem direta e principalmente danos não patrimoniais ou morais, isto é, prejuízos de interesses de ordem biológica, espiritual, ideal ou moral, não patrimonial, que sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados, que não exatamente indemnizados, com a obrigação pecuniária imposta ao agente”. Como escreve Menezes Cordeiro, in “Direito das Obrigações”, 2º vol., AAFDL, 1986 (reimpressão), p. 287: “se, por definição o dano moral não é redutível a dinheiro, ele é, não obstante, compensável patrimonialmente. Não se trata, naturalmente, duma compensação perfeita; contudo, ninguém deve pedir ao instituto da responsabilidade civil mais do que ele pode, efectivamente, proporcionar.”. O montante da indemnização por danos morais deve ser fixado segundo juízos de equidade, atendendo-se, nomeadamente, ao grau de culpa do responsável, à sua situação económica, bem como à do lesado, à gravidade dos danos, e a quaisquer outras circunstâncias que devam ser ponderadas, de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 494º e 496º, nº 3, 1ª parte, ambos do Cód. Civil; apontando, ainda, e indirectamente, o art. 496º, nº 1 deste diploma legal, para que o montante da indemnização seja proporcional à gravidade do dano, “tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” (Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, 1987, p. 501). Aquele juízo de equidade não pode ser entendido como arbitrariedade por parte de quem julga, mas como a procura da mais justa das soluções para o caso concreto. Os danos não patrimoniais não são susceptíveis de avaliação pecuniária, e o seu ressarcimento assume, por isso, uma função essencialmente compensatória, embora também com uma vertente sancionatória – cfr., a este propósito, Luís Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, vol. I, “Introdução da Constituição das Obrigações”, 4ª ed., Amedina, Coimbra, 2005, p. 319; e Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., Almedina, 1997, p. 630, onde observa que, no que respeita a danos não patrimoniais, “a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar, de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de punir ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”. Também a referência à culpabilidade do agente é encarada por Paula Meira Lourenço, in “A Função Punitiva da Responsabilidade Civil”, Coimbra Editora, 2006, p. 285-287, como uma manifestação da função punitiva e não meramente compensatória, da responsabilidade civil no âmbito da indemnização por danos não patrimoniais. Face a este enquadramento legal, doutrinal e jurisprudencial, afigura-se que o constrangimento, o embaraço, a vergonha e a angústia padecidos pelo apelante em consequência da publicação da sua imagem na revista Nova Gente (cfr. Factos Provados sob os nºs 18. e 27.) constituem no seu conjunto muito mais do que meros incómodos e transtornos sem relevância jurídica: são, na verdadeira acepção da palavra, lesões - e lesões suficientemente sérias, concretas e graves para merecerem a protecção do direito - de aspectos essenciais dos direitos de personalidade atingidos. Com efeito, aqueles danos sofridos pelo apelante, pela sua gravidade global, aferida por um padrão objectivo, são dignos da tutela jurídica e da respectiva reparação, ao abrigo do art. 496º, nº 1 do Cód. Civil. Revela-se incontroverso que o constrangimento, o embaraço, a vergonha e a angústia padecidos pelo apelante (dano) é consequência directa, necessária e adequada da conduta ilícita e culposa dos apelados (nexo de causalidade): não fora a publicação das imagens e do texto em causa na mencionada revista periódica, não teria o apelante padecido daqueles sentimentos e angústia. Resta, então, apurar o respectivo quantum indemnizatório. Para uma equilibrada ponderação de todo o circunstancialismo do caso em análise, nos termos anteriormente enunciados, assinalamos: a especial incidência na afectação psicológica do apelante, que padeceu de constrangimento, embaraço, vergonha e angústia (cfr. Factos Provados sob os nºs 18. e 27.); o facto de o apelante ser realizador e produtor de filmes, trabalhando designadamente em publicidade, exigindo a sua profissão que se distancie da exposição pública e que mantenha uma postura discreta (cfr. Factos Provados sob o nº 16.); que a divulgação teve lugar através da imprensa, que tem como destinatário um universo mais ou menos indeterminado de pessoas, sendo um meio de difusão com uma particular aptidão potenciadora do dano, “seja pelo elevado número de pessoas que tiveram acesso à notícia, seja pela activação da engrenagem social que em consequência da notícia se produz (retransmitindo-a, ampliando-a, deformando-a), seja pelo grau de credibilidade que o acontecimento impresso tem no público” (João Luís de Moraes Rocha, in “Lei de Imprensa: notas e comentários”, Livraria Petrony, 1996, p. 100) - veja-se, a este propósito, que, pelo menos até à data em que esta acção deu entrada em Tribunal, em 09/05/2017, quando se escreve o nome do apelante no motor de busca “Google” ainda surgem estas fotografias e a reportagem, sendo certo que a publicação da revista data de 23/05/2014 (cfr. Factos Provados sob os nºs 13., 22. e 2., respectivamente); a diminuta negligência (“mera culpa” na terminologia do art. 494º do Cód. Civil) do segundo apelado, jornalista ao serviço da 1ª apelada, que actuou convencido que a pessoa que estava nas imagens e a que se reportavam as informações que publicou era um terceiro e não o apelante (cfr. Factos Provados sob os nºs 6.; 7.; 14.; 23.; 24.; e 26.), o que acarreta a diminuição do valor da indemnização nos termos do preceito legal antes citado (mas não a exclusão da responsabilidade, como se viu supra); e que a 1ª apelada reconheceu publicamente a ocorrência do mencionado erro e procedeu à divulgação de pedidos de desculpa, pese embora nos mesmos não tenha mencionado de forma expressa e individual a pessoa do apelante (cfr. Factos Provados sob os nºs 14.; 23.; e 24.). Perante estas circunstâncias, considera-se, num juízo de equidade, ser equilibrado e adequado à reparação de todos danos morais sofridos pelo apelante, o montante indemnizatório de € 3.500,00. Pelo exposto, procede parcialmente a pretensão do apelante de fixação do valor dos danos morais em € 20.000,00. Relativamente à data a partir da qual são devidos juros de mora sobre esta indemnização, não existe fundamento legal para os fixar desde a data da citação, como peticiona o apelante, sendo apenas devidos a partir da data da prolação desta decisão, pelo que a pretensão quanto aos juros de mora procede parcialmente. Senão, vejamos. Nos termos do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2002, de 27/06, “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do Artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto no Artigo 805º, nº3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação.” Para efeitos de aplicação deste Acórdão, não há que distinguir entre danos patrimoniais e não patrimoniais e ainda entre as diversas categorias de danos indemnizáveis em dinheiro e susceptível de cálculo actualizado constante do nº 2 do art. 566º do Cód. Civil - cfr. Ac. do STJ de 06/05/2004, Ferreira de Almeida, acessível em www.dgsi.pt, e jurisprudência aí invocada. Como é salientado no Ac. TRL de 22/11/2016, Luís Filipe Pires de Sousa, acessível em www.dgsi.pt: “Este Acórdão assenta na ideia de uma decisão atualizadora da indemnização em razão da inflação no período compreendido entre a decisão e o momento do evento danoso, decisão que, tendo em conta a motivação daquele Acórdão, tem que Ter alguma expressão no sentido da utilização no cálculo da indemnização do critério da diferença de esfera jurídico-patrimonial a que se reporta o nº2 do Artigo 566º do Código Civil, incluindo a menção à desvalorização da moeda./Deste modo, o carácter atualizador da decisão terá de ser operado ex professo com apelo, v.g., aos índices de inflação ocorridos entre o evento danoso e a decisão. Caso o juiz não se pronuncie ex professo sobre a atualização, haverá que contabilizar juros moratórios desde a citação (Artigos 805º, nº3 e 806º, nº1 do Código Civil), quedando inaplicável a interpretação do Acórdão Uniformizador – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6.5.2004, Ferreira de Almeida, de 13.7.2004, Salvador da Costa, acessíveis em www.dgsi.pt.”. Considerando que o valor acima atribuído a título de danos morais é actualizado à data desta decisão, só serão devidos juros moratórios, à taxa legal de 4%, a contar da mesma - cfr. arts. 804º, 806º, nºs 1 e 2 e 559º, nº 1, todos do Cód. Civil, e Portaria nº 291/2003, de 08/04. Em suma, procede parcialmente o recurso e, nos termos descritos, não poderemos deixar de alterar a sentença recorrida em conformidade com o aqui enunciado. V. DECISÃO Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, condenando os apelados B e C a pagar ao apelante a quantia total de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data desta decisão até integral e efectivo pagamento, absolvendo-os do mais pedido. Custas pelo apelante e pelos apelados, na proporção dos respectivos decaimentos – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais. Lisboa, 5 de Maio de 2020 Cristina Silva Maximiano Maria Amélia Ribeiro Dina Maria Monteiro |