Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
286/18.4T8SNT.L1-7
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: ACTA DA REUNIÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
TÍTULO EXECUTIVO
SANÇÃO PECUNIÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/30/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. A assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações, nomeadamente, penas pecuniárias a aplicar ao condómino em mora no pagamento das quotas de condomínio.
II. A ata da reunião da assembleia de condóminos que deliberou a aplicação e o montante dessas penas constitui título executivo contra o proprietário em mora.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Condomínio «BB», exequente nos autos identificados à margem, em que é executado o condómino «CC», notificado do despacho proferido em 01/10/2018, que rejeitou parcialmente a execução, e com ele não se conformando, interpôs o presente recurso.

O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«O condomínio exequente intentou a presente execução com vista à cobrança coerciva da quantia de 4.311,77€, correspondente, para além do mais, a quotas de condomínio alegadamente vencidas e não pagas, com base em atas de condomínio, englobando naquela quantia valores a título de “cláusula penal”. 
Apreciando.
Nos termos do disposto no artigo 10°, n.º5, do Código de Processo Civil, “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”. 
Nos termos conjugados dos arts. 703°, n.º1, al. d), do Código de Processo Civil, e 6° do DL 268/94, de 25 de Outubro:
A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título estabelecido na sua quota-parte”. 
Como refere João Vasconcelos Raposo, in "Manual da Assembleia de Condóminos", Quid Iuris, 2011, p.89:
"Título executivo é apenas referente a despesas necessárias a conservação e fruição e pagamento de serviços de interesse comum.
Isto é, a ata não constitui título executivo se documentar quaisquer outras despesas que não estas.
Deve interpretar-se esta referência como restrita a despesas e serviços prestados no próprio condomínio ou diretamente conexionados com estes."
Considerando o que atrás se deixou dito acerca do título executivo em causa, cumpre, também, saber se a penalidade peticionada se integra ou não no título executivo previsto no supra citado artigo 6.º, n.º1, tendo em atenção o princípio da tipicidade que subjaz a esta matéria.
Sandra Passinhas defende que “deve ser amplo o campo de aplicação da expressão ‘contribuições devidas ao condomínio’, incluindo as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício, as despesas com as inovações, as contribuições para o fundo comum de reserva, o pagamento do prémio do seguro contra o risco de incêndio, as despesas com a reconstrução do edifício e as penas pecuniárias fixadas nos termos do artigo 1434.º” – in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2000, pág. 310.
O que claramente resulta do citado artigo 6.º, conjugado com o referido artigo 703.º, n.º 1, alínea d), do CPC, é que apenas constitui título executivo a ata que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, não estando aqui referidas quaisquer penalidades.
Efetivamente, se bem atentarmos o preceito em referência reporta-se aos encargos de conservação e fruição previstos no artigo 1424.º, aos encargos com inovações e com as reparações indispensáveis e urgentes a que aludem os artigos 1426.º e 1427.º e, no caso especial previsto no artigo 1429.º, n.º 2, mesmo o encargo com o seguro obrigatório. Estes são os encargos e despesas legalmente estabelecidos a cargo dos condóminos e cujo pagamento pelos mesmos é uma obrigação decorrente da opção pela aquisição duma fração em propriedade horizontal, não lhe sendo lícito desonerar-se das despesas necessárias à sua conservação e fruição (artigo 1420.º, n.º 2, do CC). Trata-se dos encargos e despesas resultantes da compropriedade relativa às partes comuns do edifício. 
Questão diferente são as penas ou sanções pecuniárias estabelecidas pela inobservância das disposições que regem esta forma de propriedade, as quais estão na livre disponibilidade dos condóminos que as podem ou não fixar, conforme da expressão pode vertida no n.º 1 do artigo 1434.º claramente resulta. Portanto, tratando-se de uma possibilidade da assembleia, não pode considerar-se que no espírito do legislador tenha estado a sua equiparação àquelas que são as obrigações legais dos condóminos, estabelecidas para salvaguardar o facto de na propriedade horizontal o condómino ter o direito de propriedade sobre a sua fração, mas ser apenas comproprietário das partes comuns. 
Como tal, tendo o legislador declarado que a ata da assembleia de condóminos constitui título executivo quanto aos encargos previstos no artigo 6.º, n.º 1, do DL 268/94, em cuja letra não estão previstas as penas pecuniárias, não pode quanto a estas haver execução sem título e, como tal, não pode a ata da assembleia de condóminos em que as mesmas foram fixadas, servir de base à execução do montante relativo às penalidades. 
Com efeito, os títulos executivos são os indicados na lei como tal – artigo 703.º CPC –, estando a sua enumeração legal submetida a uma regra de tipicidade –“nullus titulus sine lege” – sem possibilidade de quaisquer exceções criadas “ex voluntate”, estando, assim, vedado às partes não só a atribuição de força executiva a um documento a que a lei não reconheça eficácia de título executivo, como ainda a recusa de um título legalmente qualificado como executivo – neste sentido, Ac. RC, de 21.03.2013, relatado por José Avelino Gonçalves, in www.dsgi.pt.
Nesta conformidade, não existe fundamento para aplicação analógica da referida regra (artigo 10.º, n.º 2, do CC), pela simples mas evidente razão de que a lei não prevê que seja título executivo quanto a estas, e não procederem no caso omisso, atenta a natureza facultativa das penalidades, as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei: a constituição de título executivo especial para as despesas e encargos obrigatórios para o condómino. 
Efetivamente, a especial força atribuída por lei às atas das assembleias de condóminos quanto à possibilidade de servirem de base à execução, restringe-se àquelas despesas que se encontram taxativamente previstas no referido normativo, o qual apenas se reporta às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, bem como ao pagamento de serviços comuns que não devam ser suportadas pelo condomínio.
Portanto, só quanto a estas pode constituir título executivo, e não quanto a quaisquer outros montantes objeto de deliberação facultativa dos condóminos, mas não previstos legalmente.
Assim sendo, conclui-se que a ata da assembleia de condomínio em apreço não constitui título executivo quanto ao montante relativo à penalidade deliberada e contida no regulamento do condomínio contra o devedor que não cumpriu pontualmente o pagamento das quotizações de condomínio em dívida – ver, no mesmo sentido, Ac. RC, de 21.03.2013, relatado por Albertina Pedroso; e mais recentemente, o Ac. RL, de 02.06.2016, relatado por Octávia Viegas, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. 
Em face de todo o exposto, é manifesta a falta de título executivo no que respeita aos valores peticionados a título de cláusula penal, pelo que se rejeita, nesta parte, a execução. – cf. artigos 734.º e 726.º, n.º 2, alínea a), do CPC.»

O recorrente termina as suas alegações de recurso, concluindo:
«I. O presente recurso vem interposto do despacho de fls…, de 01.10.2018, que por considerar manifesta a falta de título executivo no que respeita aos valores peticionados a título de cláusula penal, rejeitou, nessa parte, a execução.
II. A ata da assembleia de condóminos é título executivo segundo o disposto no artigo 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro – “A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.”;
III. A expressão “contribuições devidas ao condomínio” prevista no art. 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, deve ser interpretada de forma ampla, no sentido de abarcar as penalizações ou penas pecuniárias;
IV. A fixação de penas pecuniárias para inobservância das disposições do Código Civil, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador é legalmente admissível de acordo com o disposto no art. 1434.º, n.º 1, do CC;
V. As atas das assembleias de condóminos juntas pela exequente, constituem título executivo, também no que concerne às importâncias reclamadas a título de cláusulas penais.
VI. É incoerente e desconforme com o espirito da lei que para a cobrança das contribuições e despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, e ao pagamento de serviços de interesse comum se pudesse avançar para a fase executiva e para a cobrança do montante resultante das penas pecuniárias legalmente estabelecidas o condomínio estivesse impedido de instaurar execução, tendo previamente que instaurar uma ação declarativa condenatória. 
VII. As penalizações previstas no art. 1434.º, n.º 1, do Código Civil constituem uma faculdade legal, que, desde que deliberadas, provadas e fixadas em ata de assembleia geral de condóminos constituem título executivo, por força do n.º 1 do art. 6.º do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro, 
VIII. Na medida em que constituem também aquelas penalizações contribuições devidas ao condomínio, legal e validamente fixadas.
IX. Em consequência, o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento da ação executiva, para pagamento de todos os valores peticionados, incluindo as cláusulas penais, tudo com as legais consequências, o que se requer.
X. Incorreu o despacho recorrido na violação e/ou incorreta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 9.º, 10.º e 1434.º, n.º 1, todos do Código Civil e art. 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro.
XI. Impondo-se, por tudo o supra exposto a revogação da decisão proferida no Tribunal a quo, nos termos peticionados.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, a questão que se coloca é a de saber se ata da reunião da assembleia de condóminos que aprovou o regulamento do condomínio que determina que a mora no cumprimento de certas obrigações dos condóminos dará lugar a uma multa correspondente a 10% do somatório das importâncias em dívida e das multas já vencidas constitui título executivo contra o proprietário inadimplente, nos termos do disposto no artigo 6.º do DL 268/94, de 25 de outubro.

II. Fundamentação de facto
Os factos relevantes são os que constam do relatório, destacando-se os seguintes, documentalmente provados:
1. Na assembleia de condóminos realizada em 4 de março de 2006 (ata n.º 3), foi aprovado o Regulamento do Condomínio «BB», do qual constam os seguintes artigos:
Artigo 7.º
1. A quotização mensal do condomínio respeitante a cada fração deve ser efetuada até ao dia 8 do mês correspondente. A falta de pagamento dentro do prazo definido terá como consequência um acréscimo de 10% ao valor em dívida.
2. As quotizações serão sempre pagas pelos condóminos no valor estabelecido, não sendo de atender qualquer motivo de redução.
Artigo 22.º
A mora no cumprimento das obrigações determinadas nos artigos anteriores, nomeadamente as quotizações dos condóminos, dará lugar a uma multa correspondente a dez por cento do somatório das importâncias em dívida e das multas já vencidas (vide artigo 7.º).
Os condóminos em mora serão responsabilizados por todas as despesas a que derem origem.

2. Na assembleia de condóminos realizada em 12 de outubro de 2012 (ata n.º 4), foi alterado o Regulamento do Condomínio «BB», passando aqueles artigos a ter a seguinte redação:
Artigo 7.º
1. A quotização mensal do condomínio respeitante a cada fração deve ser efetuada até ao dia 8 do mês correspondente. A falta de pagamento dentro do prazo definido terá como consequência um acréscimo de 10% ao valor em dívida, a título de cláusula penal.
2. ().
3. Se o atraso no pagamento da quota mensal do condómino ultrapassar os 90 dias, deverá a administração tomar as providências necessárias à cobrança coerciva da mesma, avisando o infrator por uma das seguintes vias, e-mail, carta registada com aviso de receção ou aviso assinado em livro de protocolo e, se necessário, interpondo ação judicial.
4. As quotizações serão sempre pagas pelos condóminos no valor estabelecido, não sendo de atender qualquer motivo de redução.
Artigo 22.º
1. A mora no pagamento das multas determinadas nos artigos 7.º, 13.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º e 32.º, dará lugar a um acréscimo mensal correspondente a 10% do somatório das importâncias em dívida e das multas já vencidas.
2. Sempre que um condómino desrespeite os artigos mencionados no ponto 1, a administração deve enviar um pré-aviso, descrevendo a infração cometida e informando que se houver reincidência, dará lugar à respetiva multa.
3. Os condóminos em mora serão responsabilizados por todas as despesas a que derem origem.

3. Da ata da assembleia de condóminos realizada em 4 de novembro de 2016 (ata n.º 35), consta, entre o mais:
« Quanto ao ponto número dois, a administração explicou brevemente a situação precária do Condomínio, em termos de disponibilidade financeira, fruto do incumprimento por parte de alguns proprietários no pagamento das cotizações, expondo ainda as dívidas atuais:
(…)
4. Fração P, propriedade de «CC» - € 3.210,00 (três mil, duzentos e dez euros), referente às quotas devidas e não pagas desde o mês de Outubro de 2013, inclusive, incluindo as penalizações previstas no Regulamento do Condomínio;
(…)
Os valores mencionados não incluem os juros de mora vencidos, nem as despesas judiciais, nem os honorários da Advogada do Condomínio. 
Perante os valores devidos ao Condomínio,  foi aprovado, por unanimidade, conceder à Administração autorização e poderes para atuar judicialmente, com vista à cobrança das dívidas ao Condomínio, incluindo para cumular execuções às já instauradas com vista à cobrança coerciva das cotizações que se venceram desde a instauração das mencionadas ações executivas.»

III. Apreciação do mérito do recurso
Nos termos do disposto no art. 1434 do CC (n.º 1, 2.ª parte), a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições do código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador.
O n.º 2 do mesmo artigo estabelece um teto para aquelas sanções: o montante das penas aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento coletável anual da fração do infrator.
Ao abrigo destas disposições, o condomínio exequente incluiu no seu regulamento as regras dos artigos 7.º e 22, acima reproduzidas, das quais resulta que a mora no cumprimento de certas obrigações dos condóminos, nomeadamente a mora no pagamento das quotizações dos condóminos, dará lugar a uma multa correspondente a 10% do somatório das importâncias em dívida e das multas já vencidas.
Na situação dos autos, as normas sancionatórias constam, como referimos, do regulamento do condomínio aprovado em assembleia de condóminos – e não de deliberação ad hoc da assembleia, que a norma também parece admitir.
Estas sanções, como lembra Rui Pinto Duarte, afastam-se da cláusula penal, prevista e regulada nos artigos 810 a 812 do CC, por não dependerem do acordo de todos os que as podem sofrer, e afastam-se da sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 829-A do mesmo código, por não dependerem de decisão jurisdicional – Anotação ao art. 1434, in Código Civil Anotado, II, Ana Prata (coord.), Coimbra: Almedina, 2017, p. 289.
O condomínio exequente ofereceu à execução as atas das assembleias de condóminos que aprovaram o regulamento do condomínio e a alteração ao mesmo, que contemplam as penas pecuniárias aludidas. O condomínio completou o requerimento executivo com a alegação referente à mora do executado e juntou, ainda, ata da assembleia de condóminos de onde consta o valor da dívida do executado e a concessão à administração de autorização e poderes para atuar judicialmente, com vista à respetiva cobrança.
O tribunal a quo entendeu que aquelas primeiras atas não constituem título executivo para a cobrança das penas pecuniárias (serviriam apenas de título para a cobrança das quotas mensais em dívida), e indeferiu liminarmente o requerimento executivo naquela parte. É desse indeferimento liminar parcial que vem interposto o recurso.
Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do DL 268/94, de 25 de outubro, epigrafado «Dívidas por encargos de condomínio», «a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.».
A solução do litígio passa, portanto, por saber se o novo título executivo previsto no artigo acabado de transcrever abrange as penas pecuniárias que um condómino deva ao condomínio, ou seja, há que descortinar se o trecho da norma que refere o «montante das contribuições devidas ao condomínio» abrange a pena pecuniária referente ao valor em dívida, deliberada em assembleia de condóminos.
Percebê-lo passa exclusivamente pela interpretação da norma, o que faremos socorrendo-nos dos parâmetros interpretativos das normas fornecidos pelo art. 9.º do CC. Relembramos:
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Antes do mais há que ler o texto do n.º 1 do art. 6.º do DL 268/94 no seu conjunto, pois o sentido de cada trecho desse número tem de ser avaliado em confronto com os demais, descobrindo-se dessa forma a coerência de cada parte e do todo.
Separemos os vários elementos da norma:
i. ata da reunião da assembleia de condóminos que tenha deliberado
ii. o montante das contribuições devidas ao condomínio ou
iii. quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio,
iv. constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
O facto de o legislador ter distinguido «contribuições devidas ao condomínio» e «despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio» parece-nos evidenciar que não quis deixar de fora qualquer tipo de valor que os condóminos ou alguns deles devam entregar ao acervo comum.
A interpretação textual da norma indica-nos que «as contribuições devidas ao condomínio» são todas as que ao condomínio forem devidas, com fundamento em qualquer norma válida, independentemente da fonte desta. O brocardo romano «ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus», acolhido no art. 9.º do CC, pela prevalência que este dá ao elemento literal da interpretação, tem aqui pleno sentido.
Outros cânones hermenêuticos indicam-nos o mesmo caminho. O objetivo do regime da propriedade horizontal delineado pelo DL 268/94, de 25 de outubro, está expresso no seu preâmbulo: «as regras aqui consagradas estatuem ou sobre matérias estranhas à natureza de um diploma como o Código Civil ou com carácter regulamentar, e têm o objetivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros». Nos termos do seu art. 1.º, são obrigatoriamente lavradas atas das assembleias de condóminos e as deliberações nelas consignadas são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às frações.
Cumprindo o anunciado objetivo, o art. 6.º do diploma acrescenta ao universo dos títulos executivos a ata da assembleia de condóminos que tenha deliberado contribuições que cada condómino deva entregar ao condomínio, obviando a que o condomínio tenha de percorrer uma ação declarativa cada vez que um condómino entra em mora no pagamento dos devidos valores (o n.º 2 do artigo expressa que o administrador instaurará a ação judicial, executiva, destinada a cobrar as quantias referidas no número anterior). Deixar de fora parte das prestações devidas seria inviabilizar a eficácia expressamente intencionada.
É concebível que o legislador tenha querido que a ata valha como título executivo para quotizações fixas de condomínio (já de si, em termos absolutos, de baixo valor), mas não tenha querido conferir-lhe essa força para cobrança de penas que importam em pequena percentagem do valor das contribuições em dívida? Sendo que a imposição de penas pecuniárias é permitida por lei (art. 1434 do CC) e tem exatamente o mesmo fim de eficácia na gestão do condomínio que o art. 6.º do DL 268/94 pretende alcançar com a instituição de um novo título executivo. Terá o legislador querido sujeitar o condomínio a uma ação declarativa para ulteriormente poder cobrar valores tão baixos? Não o cremos, até porque isso corresponderia a tornar essas penalizações letra morta, pois os custos da sua cobrança (a incluírem uma ação declarativa) desencorajariam o esforço.
A interpretação do art. 6.º do DL 268/94 não tem sido unânime.
No sentido da posição que aqui defendemos e que justifica a decisão a proferir, podem ler-se, por ordem cronológica crescente: Ac. TRL de 08/07/2007, proc. 9276/2007-7; Ac. TRL de 20/02/2014, proc. 8801/09.8TBCSC-A.L1-2; Ac. TRG de 22/10/2015, proc. 1538/12.2TBBRG-A.G1; Ac. TRL de 07/04/2016, proc. 2816/12.6TBCSC-A.L1-2 (opinião expressa a meio do texto); Ac. TRP de 17/05/2016, proc. 2059/14.4TBGDM-A.P1; Ac. TRG de 02/03/2017, proc. 2154/16.5T8VCT-A.G1; Ac. TRL de 15/02/2017, proc. 9207/2006-2 (parte final do texto, antes da decisão); Ac. TRG de 30/11/2017, proc. 2159/168VCT-A.G1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
No sentido inverso – de que a expressão «contribuições devidas ao condomínio», constante do art. 6.º do DL 268/94, não abrange «penas pecuniárias devidas ao condomínio» –, podem ler-se, também por ordem cronológica crescente: Ac. TRG de 08/01/2013, 8630/08.6TBBRG-A.G1; proc. Ac. TRC de 21/03/2013, CJ XXXVIII, II, 19; Ac. TRC de 04/06/2013, proc. 607/12.3TBFIG-A.C1; Ac. TRL. de 01/07/2014, proc. 837/12.8YYLSB-A.L1-1; Ac. TRP de 16/12/2015, proc. 2812/13.6TBVNG-B.P1; Ac. TRL de 02/06/2016, proc. 16871-11.2T2SNT-8; Ac. TRC de 07/02/2017, proc. 454/15.0T8CVL.!.C1; Ac. TRP de 07/05/2018, proc. 9990/17.3T8PRT-B.P1; Ac. TRL de 11/12/2018, proc. 2636/14.3T8OER-A.L1-6; Ac. TRL de 22/01/2019, proc. 3450/11.3TBVFX.L1-7, publicados em www.dgsi.pt, na falta de outra indicação.

Na doutrina, no sentido da leitura restritiva da expressão «contribuições devidas ao condomínio», encontramos a seguinte passagem de Rui Pinto, Novos estudos de Processo Civil, Petrony, 2017, p. 192: «esta ata não constitui título executivo de quaisquer outras obrigações pecuniárias do condómino, como o pagamento das penas pecuniárias fixadas pela assembleia de condomínio, nos termos do art. 1434.º CC. Esta última conclusão decorre do princípio da taxatividade e literalidade das normas que preveem títulos executivos e a que voltaremos adiante: as penalidades não são nem “contribuições”, nem “despesas”, mas obrigações sucedâneas por incumprimento.».

O argumento do Autor centra-se no entendimento segundo o qual na palavra «contribuições» não cabem «penalidades». O invocado princípio da taxatividade dos títulos executivos não afasta a posição por nós defendida, pois o que dizemos é que a norma do art. 6.º prevê que a ata da reunião da assembleia de condóminos que tenha deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio, incluindo nestas as penalidades a aplicar ao condómino inadimplente ao abrigo do art. 1434 do CC, constitui título executivo contra o proprietário em mora.
Encontramos, ainda, referência ao tema, em anotação de Rui Pinto Duarte ao art. 1424, no citado Código Civil Anotado, II, coord. de Ana Prata, p. 261: «A solução da terceira interrogação parece ser a de que as atas não valerão como títulos executivos a não ser quanto ao referido no art. 6.º do Dec.-Lei 268/94, de 25 de outubro. V., por ex., ac. do TRC de 29-3-2013 (in CJ, ano XXXVIII, tomo II, 2013, pp. 19 e ss.)».
No sentido que propomos e na linha da nossa argumentação, Sandra Passinhas no seu A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.ª ed., Almedina, 2002, pp. 274-275: «A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das penas constitui título executivo contra o proprietário, enquadra-se na expressão “contribuições devidas ao condomínio”, e cai no campo de aplicação do artigo 6.º do DL 268/94. Embora, rigorosamente, a pena pecuniária não seja uma “contribuição devida ao condomínio”, esta é a solução mais conforme à vontade do legislador. Não faria sentido que a ata da reunião da assembleia que tivesse deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio servisse de título executivo contra o condómino relapso, e a mesma ata não servisse de título executivo para as penas pecuniárias, aplicadas normalmente para punir os condóminos inadimplentes».
Mais recentemente, a mesma Autora voltou a expressar a mesma posição, ainda que a propósito do desrespeito de uma deliberação da assembleia diferente da que estabelece o valor das quotas de condomínio: «Se a assembleia proíbe a circulação de animais à solta nas partes comuns de um edifício, e um dos condóminos pura e simplesmente não respeita a proibição, quid iuris? Nos termos do artigo 1434.º, a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações e das decisões do administrador, sendo que a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das penas constitui título executivo contra o proprietário, nos termos do artigo 6.º, do DL 268/94, de 25 de Outubro» – Sandra Passinhas, «Os animais e o regime português da propriedade horizontal», Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, Vol. II (2006), disponível em https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-ii-set-2006/.
Compreendemos que a questão suscitada e decidida neste recurso não tenha uma resposta unânime, o que é causado por uma menos clara redação conferida ao art. 6.º do DL 268/94, que uma futura intervenção legislativa poderá suprir.
Porquanto expusemos, entendemos que, na melhor interpretação, no âmbito da ata, enquanto título executivo, cabem não apenas as despesas extraordinárias necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício e as quotas fixas destinadas à satisfação das despesas comuns ordinárias (limpezas, manutenção de equipamentos, contribuições para o fundo comum de reserva, pagamento do prémio de seguro contra o risco de incêndio, etc.), como todas as contribuições devidas ao condomínio, incluindo as penas pecuniárias fixadas ao abrigo do disposto no art. 1434 do Código Civil.

Em suma:
Nos termos do disposto no artigo 1434 do CC, a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações, nomeadamente, aplicáveis ao condómino em mora no pagamento das quotas de condomínio.
A ata da reunião da assembleia de condóminos que tenha deliberado a aplicação e o montante dessas penas constitui título executivo contra o proprietário em mora, nos termos do disposto no artigo 6.º do DL 268/94, de 25 de outubro.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando o despacho recorrido, na parte objeto de recurso, e determinando o prosseguimento da execução também no que respeita aos valores peticionados a título de pena pecuniária.
Custas pelo recorrido (sem prejuízo de não dever taxa de justiça).

Lisboa, 30/04/2019
Higina Castelo
Carlos Oliveira
José Capacete (Vencido conforme declaração seguinte)


VOTO DE VENCIDO:
Dispõe o art. 6.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 268/94, de 25.10, que «a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte».
Tal preceito procede a uma clara delimitação objetiva e subjetiva do título executivo «ata da reunião da assembleia de condóminos».
No que tange à delimitação objetiva, resulta claro do referido normativo que os créditos suscetíveis de titulação são os relativos às «contribuições devidas ao condomínio» ou a «quaisquer despesas necessárias à conservação ou fruição das partes comuns».
Conforme refere Abrantes Geraldes, «é claro que tal exequibilidade está delimitada pelas obrigações expressamente referidas na lei»[1].
Mas que obrigações serão essas? São aquelas a que se refere o art. 1424.º, do C.C., cujo n.º 1 estatui que «salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções».
Da conjugação de ambos os citados preceitos resulta que a ata da assembleia de condóminos não constitui título quanto a todos e quaisquer créditos de que o condomínio seja titular, mas apenas no que respeita àqueles a que se reporta o art. 1424º, nº 1 do CC, a saber os que tenham que ver com o pagamento de despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.
Assim, a meu ver, a ata da assembleia de condóminos não constitui título executivo relativamente a créditos provenientes de penas pecuniárias aplicadas pelo condomínio nos termos previstos no art. 1434º, nº 1 do CC[2] e a despesas judiciais, incluindo honorários de advogado suportadas pelo condomínio devido a ações judiciais em que litigue contra condóminos.
Tal como salienta Rui Pinto, a ata da assembleia de condóminos «não constitui título executivo de quaisquer outras obrigações pecuniárias de condomínio, como o pagamento de penas pecuniárias fixadas pela assembleia do condomínio, nos termos do art.º 1434.º do CC», pois «as penalidades não são nem “contribuições”, nem “despesas”, mas obrigações sucedâneas por incumprimento»[3].
Acompanha-se, sobre esta questão, o Ac. da R.P. de 07.05.2018, Proc. n.º 9990/17.3T8PRT-B.P­1 (Carlos Querido), in www.dgsi.pt, seguido pelo acórdão desta Relação e Secção, datado de 22.01.2019 (Diogo Ravara), in www.dgsi.pt:
«Sublinhámos as palavras “apenas” e “disposição especial”, para enfatizar o princípio da excecionalidade das normas que preveem títulos executivos avulsos em razão do seu caráter restritivo de direitos patrimoniais e mesmo processuais do devedor, como refere Rui Pinto na obra citada [Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017 (A Execução de Dívidas de Condomínio), pág. 196].
Face à apontada característica de excecionalidade, as normas que preveem títulos executivos extrajudiciais têm um âmbito taxativo, não admitindo interpretação analógica, apesar de permitirem interpretação extensiva, atento o disposto no artigo 11.º do Código Civil.
Definida a natureza excecional da norma, passamos à integração concreta da sua previsão.
Decorre da sua interpretação gramatical, que o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 atribui força executiva à ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado a obrigação de cumprimento pelos condóminos das seguintes prestações: i) contribuições devidas ao condomínio; ii) quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns; iii) pagamento de serviços de interesse comum.
E poderemos integrar no conceito de “contribuições devidas ao condomínio” as sanções pecuniárias?
Haverá que tomar em consideração a epígrafe do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10: «Dívidas por encargos de condomínio».
O artigo 1424.º do Código Civil define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[4], nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns incluem-se todas as que sejam indispensáveis para manter essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam.
Sendo inegável a conclusão de que, uma vez fixada e deliberada em ata, a penalização pecuniária em que incorre o condómino se traduz numa “contribuição devida ao condomínio”, haverá, no entanto, que concluir, atenta a sua natureza excecional, que o título executivo a que se refere o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 [sob a epígrafe «Dívidas por encargos de condomínio»] não abrange no seu âmbito tal penalização, na medida em que esta não corresponde a um “encargo de condomínio” de acordo com a definição consagrada no artigo 1424.º do Código Civil.
Os “encargos de condomínio” a que se referem o artigo 1424.º do Código Civil e o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 apenas respeitam à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como aos “serviços de interesse comum”, traduzindo-se na contribuição proporcional de cada condómino para tais despesas.
(…), a contribuição referente a uma penalização deliberada pela assembleia de condóminos nada tem a ver com a previsão legal do artigo 1424.º do Código Civil, não se integrando na previsão do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, encontrando-se prevista, no n.º 1 do artigo 1434.º do Código Civil, que permite a fixação de «penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador».
Fazendo apelo às regras de interpretação previstas no artigo 9.º do Código Civil, constituem elementos da interpretação jurídica: a análise da letra e a determinação do espírito da lei, sendo esta efetuada através dos elementos racional, sistemático, histórico e conjuntural.
O Código Civil incorpora no conceito de “pensamento legislativo” (art.º 9.º/1 do CC) um elemento interpretativo de particular relevância – racional ou ratio legis - o qual se traduz na razão de ser, no fim objetivo, prático, que a lei se propõe atingir; a ratio legis revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina.
E o objetivo visado pelo legislador ao atribuir à ata de deliberação do condomínio força executiva, através de «disposição especial» [art.º 703.º, n.º 1, d) do CPC], terá sido o de garantir a imediata exequibilidade das “Dívidas por encargos de condomínio”, como se inscreve na epígrafe do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, abrangendo o título apenas as “contribuições devidas ao condomínio” referentes a tais encargos.
Pensamos, salvo o devido respeito, que conclusão diversa não encontra suporte legitimador no parâmetro de excecionalidade expressamente previsto para os títulos executivos avulsos.
Com efeito, se considerarmos que o conceito de “contribuições devidas ao condomínio” para efeitos de integração da previsão do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, abrange tudo o que for devido – qualquer contribuição, desde que deliberada pela respetiva assembleia – deparamo-nos com uma “norma aberta” em que a assembleia de condóminos assume uma estranha soberania: tudo o que delibera que seja devido ao condomínio passa a ser de imediato exequível sem recurso à ação declarativa.
Em conclusão, a integração da previsão legal do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, no que concerne às “contribuições devidas ao condomínio” deverá ser feita com referência ao artigo 1424.º do Código Civil, que define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum».
Pelas apontadas, como as quais concordo inteiramente, negaria provimento ao recurso e confirmaria a decisão recorrida.
José Capacete


[1] Títulos Executivos, in Revista Themis, IV./4 (2003), pp. 35-66 (esp. p. 66).
[2] Trata-se de «penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia, ou das decisões do administrador».
[3] A Execução de Dívidas do Condomínio, in Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017, p. 192, No mesmo sentido aponta Rui Pinto Duarte, Código Civil Anotado (coordenado por Ana Prata), Almedina, 2017, p. 261, em anotação ao art. 1424.º do C.C..
[4] Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª Ed., Coimbra Editora, 1987, p. 431.Na doutrina, no sentido da leitura restritiva da expressão «contribuições devidas ao condomínio», encontramos a seguinte passagem de Rui Pinto, Novos estudos de Processo Civil, Petrony, 2017, p. 192: «esta ata não constitui título executivo de quaisquer outras obrigações pecuniárias do condómino, como o pagamento das penas pecuniárias fixadas pela assembleia de condomínio, nos termos do art. 1434.º CC. Esta última conclusão decorre do princípio da taxatividade e literalidade das normas que preveem títulos executivos e a que voltaremos adiante: as penalidades não são nem “contribuições”, nem “despesas”, mas obrigações sucedâneas por incumprimento.».