Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | HIGINA CASTELO | ||
| Descritores: | MEDIDAS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO ACOLHIMENTO RESIDENCIAL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 09/12/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | I. Uma medida de promoção e proteção dos direitos da criança em perigo não deve ir além do necessário e adequado a afastar a situação de perigo em que a criança se encontra, e deve priorizar a continuidade de relações de afeto significativas, respeitando o direito da criança à preservação dessas relações afetivas. II. Tendo a jovem de 16 anos uma família nuclear (composta por progenitores e irmão) estruturada e funcional, disposta a lidar com os eventuais desafios da sua adolescência, família com quem a jovem deseja estar e que não oferece qualquer perigo concreto para a mesma, não há razão para se manter a medida de acolhimento residencial em tempos aplicada. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os abaixo assinados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório «BB» e «CC», progenitores de «AA», notificados do despacho que, em revisão de medida de promoção e proteção, manteve o acolhimento residencial da menor, na casa «EE» em cidade Y, pelo período de um ano, com revisão semestral, e não essa decisão não se conformando, interpuseram o presente recurso. O despacho objeto de recurso é praticamente desprovido de factos e o elenco factual do acórdão que decretou a medida que foi objeto de revisão no despacho ora em crise reportava-se à data em que foi prolatado, julho de 2022. Como tal, a apreciação e decisão deste recurso impõe um relatório circunstanciado, que dê conta dos factos posteriores a julho de 2022 e da situação atual da menor e da sua família. Para facilitar as referências ulteriores, vamos numerar as subsequentes partes deste relatório. 1. O processo teve início em março de 2022 por a menor, na altura com 14 anos e a frequentar o 8.º ano de escolaridade faltar constantemente às aulas para estar com um homem de 36/37 anos que tinha por seu namorado; a mãe da menor não conseguia obstar a esse comportamento, apesar dos castigos e discussões, e o pai encontrava-se ausente, a trabalhar na Alemanha. 2. Foi imediatamente (despacho de 11/03/2022) aplicada à menor, provisoriamente, medida de acolhimento residencial em instituição, a executar na Casa de Acolhimento Residencial «DD», sita em vila X, pelo prazo de 6 meses, a rever após três meses. 3. O processo seguiu os regulares termos e, após debate judicial, por acórdão de 14/07/2022, foi aplicada a favor da menor medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, pelo prazo de 6 meses, a rever trimestralmente, confiando-a aos cuidados da Casa de Acolhimento Residencial «DD», sita em vila X, onde já se encontrava. 4. Em novembro de 2022, o pai da menor solicitou autorização para a minha passasse o período de férias de Natal, de 17 de dezembro de 2022 a 1 de janeiro de 2023 em casa, comprometendo-se a assegurar as deslocações entre a instituição «DD» e a casa. A Equipa Multidisciplinar de Apoio Técnico aos Tribunais (EMAT) pronunciou-se positivamente, informando que a “AA» mantém contactos regulares com os pais, via telefone, contribuindo estes para uma aproximação afetiva, que a jovem tem manifestado vontade em passar a época festiva do Natal junto da sua família, e que o progenitor estará de férias em Portugal e é figura vista pela jovem como protetora. A Casa de Acolhimento Residencial também foi de parecer positivo, o Ministério Público igualmente, e o requerido foi deferido, tendo a menor passado as férias de Natal com os pais, sem incidentes. 5. Em janeiro de 2023, a medida foi reavaliada, por despacho do qual consta, entre o mais: «Conforme resulta do relatório social de acompanhamento da execução da medida, não obstante o lapso de tempo decorrido desde a data da aplicação da aludida medida, não se vislumbra ter ocorrido qualquer evolução positiva que permita concluir por se encontrarem ultrapassados os fatores de perigo que determinaram a aplicação a “AA» da referida medida de promoção e proteção. Com efeito, a situação familiar da mesma mantém-se, isto é, o pai da jovem, e que é o único com ascendência sobre a mesma e que poderia controlar os seus comportamentos desviantes, mantém-se a trabalhar no estrangeiro. A progenitora, face à dificuldade que tem em lidar com o comportamento de “AA», tendo sido proposto o acompanhamento do agregado pelo CAFAP – MDV Projeto Família, referiu não estar disponível e recusa-se a receber os técnicos em sua casa, isto mesmo sendo informada da possibilidade de frequentar as ações de formação parental no espaço próprio do CAFAP. Por sua vez, apesar de beneficiar de acompanhamento em Psicologia Clínica no Intervir, “AA»: - Continua a não cumprir com algumas regras e normas institucionais; - Continua a adotar comportamentos desadequados, assume atitudes desafiadores e de má educação para com adultos e pares; - Com outras jovens acolhidas na CAR, mantém relações conflituosas na sequência de situações de ciúmes e sentimento de posse perante as mesmas, conflitos que provocam instabilidade emocional em algumas jovens o que origina o afastamento das mesmas perante “AA»; - Tem tendência a alterar os fatos ou deturpar a verdade originando alguns conflitos; - Quando confrontada com alguns comportamentos menos adequados, por vezes, recorre à mentira ou omissão e vitimiza-se; - Tem dificuldade em aceitar as orientações dos adultos e reage de forma desadequada, recorrendo, por vezes, a comportamentos auto lesivos, eleva o tom de voz ou tem uma postura de insolência (abana o corpo, bate com o pé no chão, revira ou olhos e vira a cabeça). Do referido resulta, pois, que os fatores de perigo que determinaram a aplicação a “AA» da referida medida de promoção e proteção em execução se mantêm, não havendo alternativa no seu meio natural de vida. Com efeito, se na instituição a mesma adota comportamentos manifestamente desadequados, regressando a casa seria, sem dúvida pior, sendo que a progenitora não teria condições para fazer com que “AA» lhe obedecesse, correndo-se o risco de, mais uma vez, a mãe recorrer aos castigos físicos, até por uma questão de desgaste emocional. Nestes termos, e considerando que, ainda, não decorreu o período máximo de duração da mesma medida, ao abrigo do disposto no art.º 62.º, n.º 3, al. c), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, determino a prorrogação da mesma por mais 6 meses, com revisão trimestral.» 6. Por requerimento de janeiro de 2023, os progenitores pediram que a filha fosse autorizada a passar os dias do Carnaval e as férias da Páscoa em casa. Também a menor endereçou requerimento ao processo no mesmo sentido e, pedindo, ainda, a alteração da medida. Aí se lê, além do mais: «Fui passar as férias do Natal na companhia dos meus pais, gostei de estar na companhia deles, senti que o meu lugar é junto da minha Família. Os conflitos que tenho com a minha Família, só consigo resolver se estiver sempre com os meus pais. Esta ida a casa fez-se perceber que quero regressar para a minha Família, uma vez que a relação com os meus melhorou. Caso o Sr. Juiz altere a minha medida, comprometo-me a ir às aulas, cumprir com todas as regras e orientações dadas pelos meus pais e prometo que não volto a colocar em situação de perigo.» A EMAT, a CAR e o Ministério Público pronunciaram-se positivamente, e as férias com a família, nos períodos de Carnaval e Páscoa foram deferidas e realizadas, sem incidentes. 7. Em abril de 2023, os progenitores requerem nos autos a revogação da medida e o regresso da filha a casa. Para tanto e em síntese alegaram que em finais de março, início de abril, a filha foi vítima de insultos racistas na escola (…, em vila X, que a jovem frequentava), na sequência dos quais se envolveu em desacatos e acabou por ser suspensa; a execução da medida está a ter efeitos negativos na filha e receiam pelo seu bem estar físico e psicológico. Alegam, além do mais: «7 No referido estabelecimento também frequentam duas colegas do sexo feminino, também de raça Africana. 8 Já tinham surgido entre os menores de outras turmas, insultos racistas, contra a menor “AA», e outras duas jovens da mesma raça. 9 No dia 03 de Abril de 2023, foram trocados insultos e palavrões, por alunos envolvendo a “AA», e as suas duas colegas, no interior do estabelecimento de ensino, tendo ocorrido desacatos e alguns estragos no estabelecimento referido. 10 Na sequência dos referidos conflitos e instituição «DD» foi atacada, e invadida por alunos que frequentavam o agrupamento de escolas de vila X, tendo como consequência para a “AA» a suspensão da frequência das aulas. 11 Os progenitores apenas tiveram conhecimento de toda esta atuação, pela comunicação social e por declarações da própria menor aos pais. 12 Os agora requerentes não tiveram até ao momento qualquer informação, ou comunicação pela instituição ou pela escola, temendo assim pelo aproveitamento escolar da “AA». 13 A instituição a quem foi confiada a menor não transmite desde o início factos e ocorrências tanto aos progenitores como omite também ao processo, não cumprindo por isso os deveres impostos por lei de informar os atos de relevância que ocorrem na vida da menor. 14 Os progenitores estão seriamente preocupados com a saúde psicológica e física da menor, assim como do seu futuro, pondo em causa a capacidade da instituição onde a menor se encontra para a proteger e educar, e capacitá-la para a sua integração na sociedade, e de acompanhar o seu percurso escolar. 15 Foi colocada em causa a capacidade da progenitora para educar a filha, uma vez que o progenitor trabalha no estrangeiro. 16 No entanto, os progenitores perante tais factos consideram que a institucionalização da “AA» não teve um efeito positivo, e não está a surtir efeito, e não querendo assacar culpa à instituição ou a qualquer funcionária a presente medida não está a acautelar, nem os interesses da menor, nem os progenitores, pois que os mesmos vivem em ansiedade e sobressalto, desconhecendo se a menor se encontra em segurança.» 8. Os episódios referidos em 8 e 9 do antecedente requerimento dos progenitores terão ocorrido em 23 e 30 de março, respetivamente, conforme dito em resposta da CAR por mail de 25 de maio; os episódios foram relatados na comunicação social, conforme referido pelos progenitores e pela CAR, e pequena reportagem da TVI que encontrámos disponível em https://.... 9. Em maio, o progenitor, através do seu email, mas em seu nome e no da progenitora, requer que a filha seja autorizada a passar os meses de julho, agosto e setembro em casa. Em junho, a EMAT pronuncia-se negativamente sobre as férias (invocando que a progenitora teria sido contactada e terá dito não concordar com o pedido de férias em casa). O pedido foi indeferido por despacho de 4 de julho de 2023. 10. Por requerimento de 14 de julho, o progenitor solicita que a filha seja autorizada a passar em casa o período de 20 de agosto a 10 de setembro. A CAR e a EMAT não se opuseram. Por requerimento de 21 de julho, os progenitores solicitam que a filha seja autorizada a passar em casa o período de 1 a 10 de setembro. O Ministério Público promoveu que fosse autorizado o período de 1 a 10 de setembro e assim foi deferido. 11. No relatório da EMAT de 1 de setembro de 2023, lê-se que «A equipa técnica da CAR «DD» tem vindo a dar conhecimento a esta EMAT que a “AA» adota um comportamento desadequado em contexto residencial, dando conhecimento de alguns episódios em que esta proferiu ofensas para com a equipa; “a situação está a tornar-se insustentável, a jovem não altera os seus comportamentos, mantém a intenção de continuar a relação com o referido indivíduo e coloca em perigo outras jovens acolhidas, quando as instiga a acompanhá-la nas "fugas" ou saídas sem autorização. Outra situação que nos preocupa, deve-se ao facto de a “AA» poder engravidar, uma vez que não faz contraceção, porque os pais não autorizam” (cit. In informação CAR) Assim e em resposta ao solicitado, somos a informar que foi disponibilizada vaga para a “AA» na Casa de Acolhimento – «EE», sita na Av. … cidade Y. Parecer técnico Assim, solicitamos, mui respeitosamente, que sejam emitidos mandados de condução, a executar pelas autoridades policiais, para que a jovem possa ser conduzida da sua residência, sita na «Grande Lisboa», para a Casa de Acolhimento – «EE», sita na Av. … cidade Y. Mais se solicita, mui respeitosamente, que os respetivos mandados sejam emitidos a partir do dia 11 de setembro.» O Ministério Público concordou e, por despacho de 7 de setembro, foi deferida a transferência da menor para cidade Y, o que se realizou em 29 de setembro. 12. Em novembro de 2023, o progenitor opôs-se à execução da medida em cidade Y e pediu a sua audição, bem como a da progenitora e a da menor, para reavaliação da medida, que já durava havia 18 meses. Por despacho de 20 de novembro, a medida foi mantida. 13. Por email de 6 de novembro, o progenitor solicitou autorização para que a filha passasse as férias de 19 de dezembro a 2 de janeiro em casa. Em dezembro, insistiu, responsabilizando-se pelas deslocações da menor, que se comprometeu a ir buscar a 20 de dezembro e a deixar na instituição em 2 de janeiro. A CAR, a EMAT e o Ministério Público não se opuseram, e o período de férias em casa foi deferido e efetivado, sem incidentes. 14. No relatório da CAR de janeiro de 2024, consta: «A “AA» encontra-se matriculada no 9° ano de escolaridade, na turma … na Escola … de cidade Y, tendo iniciado a sua frequência no dia 16 de outubro de 2023, devido ao seu Ingresso na CA em 29 de setembro de 2023. Na Informação recebida, relativa à Avaliação Individual do 1° Período, teve as seguintes classificações: nota '4" a Cidadania e Desenvolvimento, Complemento à Educação Artística, Educação Física, Educação Visual e Geografia. Às disciplinas de Ciências Naturais, História, Inglês, Francês e Português obteve a classificação '3" e às disciplinas de Físico-Química, Matemática e Tecnologias de informação e Comunicação obteve classificação negativa, '2. A “AA» beneficia de Apoio Tutorial Específico e usufrui de aulas de apoio às disciplinas de Inglês, Português e Físico-Química.» «A Jovem mantém uma boa relação/comunicação com os adultos e com as restardes Jovens da CA em geral, é educada, aparentemente tranquila e mostra-se colaboraste no cumprimento das regras e dinâmicas institucionais. No entanto, cerca de ura mês após o seu acolhimento, a “AA» incompadbilimu-se com uma Jovem dentro da CA, em que ambas iniciam uma discussão quando se encontravam aseparar roupas vindas da lavandaria, reclamando a pertença de um par de meias. Assim, não tendo chegado a um consenso, envolveram-se numa discussão onde a “AA» agrediu a colega agarrando-lhe o pescoço e puxando-lhe os cabelos (informação dada oportunamente aos autos do processo). À semelhança do comportamento anterior, no passado da 16 de janeiro de 2024, a “AA», protagonizou um epistidb de atos violentos, em contexto de sala de aula, onde partiu a porta da sala de aula. Na origem do problema esteve um desentendimento com a sua colega de quarto, que, também frequenta a mesma turma. Segundo relatos da “AA», a colega “tinha virado a turma” contra ela e, na aula de Educação Física, a colega provocou-a, quando estavam a jogar voleibol, perguntando "queres a bola, vai buscá-la cadela”, atirando a bola para longe. Posteriormente, na aula seguinte, de Educação Visual, a “AA» empurrou e pontapeou urna mesa viários metros, tendo sido levada pela professem da disciplina, para o corredor, numa tentativa de a acalmar, sendo levada, de seguida, para o gabinete social, onde a Jovem, bastante nervosa e a chorar, referiu já não aguentar mais a pressão das colegas e que tinha problemas de raiva (informação oportunamente fornecida aos autos do processo) No dia 17 de janeiro, teve lugar uma reunião na Escola com a “AA» e colega, no sentido de se clarificar/resolvera situação ocorrida no dia 16 de janeiro entre as referidas alunas, na presença da Dra …, Técnica do Gabinete Social e da Dra. …, Técnica da CA. Nesta reunião, ambas as Jovens pediram e aceltaram as desculpes urna da outra e com prometeram-se a não mais repetir a situação descrita anteriormente, ou situações semelhantes. A Técnica do gabinete social salientou que, não foi chamada a polícia, devido à Jovem ter comportamenb exemplar na escola no entanto, declaram que a “AA» fará serviço corranitário, que consistirá no arranjo da porta que a mesma danifiou, contrariamente ao solcitado pela CA em situações de conflito, que envolvam as residentes do «EE», em contexto escolar, em que deverão sempre solicitar a presença da Escola Segura. A Jovem passou o período de férias de Natal no agregado dos seus progenitores, do dia 20 de dezembro de 2023 a 02 de janeiro de 2024, tendo sido o progenitor a assegurar o seu acompanhamento nas viagens, tal como estipulado. Durante este período foi feita supervisão telefónica pela CA, em que quer a “AA», quer os progenitores afirmavam 'estar tudo a correr muito bem'. Aquando do seu regresso, a Jovem mostrou-se muito satisfeita por "ter tido a oportunidade de estar com a minha família”, o que se depreende que, este período foi positivo e prazeroso para a Jovem.» Mais se lê neste relatório de janeiro que «A Jovem ambiciona voltar ao agregado no final do presente ano letivo, pois compreende que, o mais importante, no momento, é concluir os estudos. A Jovem pretende continuar os estudos até ao 12° ano de escolaridade, sendo seu objetivo ingressar, posteriormente no curso de Turismo». E, ainda, que «Ambos os progenitores estão disponíveis para recebera “AA» definitivamente, no seu agregado, mas apenas no final deste ano letivo, para que a “AA» possa ter a oportunidade de concluir o 9° ano com sucesso.» Em síntese, no mesmo relatório de janeiro, a CAR concluiu: «Esta Equipa Técnica entende, sempre salvo douta opinião, que a Medida de Promoção e Proteção deve ser prorrogada, constatando-se ainda a persistência de comportamentos Impulsivos/agressivos que a Jovem ainda não consegue gerir, bem como se encontra em pleno decurso do ano letivo». 15. Em 29 de janeiro, a menor escreveu que pretende continuar os estudos até ao 12.º ano de escolaridade e tirar o curso de Turismo; bem como pretende regressar ao agregado familiar no final do ano letivo, quando terminar o 9.º ano, no ano letivo então corrente, de 2023/2024. 16. Por email de 21 de fevereiro, o pai da menor solicitou autorização para que a filha passasse as férias da Páscoa em casa, o que foi autorizado por despacho de 14 de março, e efetivado sem incidentes. 17. Por requerimento de maio, os progenitores pediram autorização para que a menor passasse as férias do verão, de 27 de julho a 30 de agosto, com eles, o que mereceu a concordância da EMAT, da CAR e do Ministério Público e foi deferido e concretizado, sem incidentes. 18. Em maio, a EMAT emitiu relatório com o seguinte teor: «A “AA» encontra-se integrada no «EE», em cidade Y, desde o dia 28 de setembro de 2023. Segundo informação remetida pela equipa técnica da CAR, a “AA», em contexto residencial, mantém uma boa relação/comunicação com os adultos e com as restantes Jovens. É uma jovem educada, aparentemente tranquila, mostrando-se colaborante no cumprimento das regras e dinâmicas institucionais. É referido, no entanto, que “cerca de um mês após o seu acolhimento, a “AA» incompatibilizou-se com uma Jovem dentro da CA, em que ambas iniciaram uma discussão quando se encontravam a separar roupas vindas da lavandaria, reclamando a pertença de um par de meias. Assim, não tendo chegado a um consenso, envolveram se numa discussão onde a “AA» agrediu a colega agarrando-lhe o pescoço e puxando-lhe os cabelos (informação dada oportunamente aos autos do processo)” (cit. In informação CAR). É ainda referido que no dia 16 de janeiro, a jovem protagonizou um episodio de atos violentos, em contexto de sala de aula, onde partiu a porta da sala de aula. No dia 17 de janeiro, foi realizada reunião em contexto escolar, com a “AA» e colega, e as técnicas do Gabinete Social e da CAR, no sentido de se clarificar/resolver a situação ocorrida no dia 16 de janeiro. As jovens pediram e aceitaram as desculpas uma da outra e comprometeram-se a não mais repetir a situação descrita anteriormente, ou situações semelhantes. “A Técnica do gabinete social salientou que, não foi chamada a polícia, devido à Jovem ter comportamento exemplar na escola, no entanto, decidiram que a “AA» fará serviço comunitário, que consistirá no arranjo da porta que a mesma danificou, contrariamente ao solicitado pela CAR em situações de conflito, que envolvam as residentes do «EE», em contexto escolar, em que deverão sempre solicitar a presença da Escola Segura”(Cit. In relatório CAR). Segundo informação da equipa técnica da CAR, em termos escolares, a “AA» encontra-se matriculada no 9º ano de escolaridade, na turma … na Escola … de cidade Y, tendo iniciado a sua frequência no dia de 16 de outubro de 2023, devido ao seu ingresso na CAR em 29 de setembro de 2023. Na avaliação do primeiro período a “AA» obteve nível 4 a Cidadania e Desenvolvimento, Complemento à Educação Artística, Educação Física, Educação Visual e Geografia; nível 3 às disciplinas de Ciências Naturais, História, Inglês, Francês e Português e nível 2 às disciplinas de Físico-Química, Matemática e Tecnologias de informação e Comunicação. Segundo a equipa técnica a jovem beneficia de Apoio Tutorial Específico e usufrui de aulas de apoio às disciplinas de Inglês, Português e Físico-Química. Segundo informação relativa ao 2º período, a jovem obteve as seguintes classificações: Nível “2” às disciplinas de Físico-química e Matemática, Nível “3” às disciplinas de Ciências Naturais, Educação Visual, História, Inglês, Português e Tecnologias de Informação e Comunicação; Nível “4” às disciplinas de Cidadania e Desenvolvimento, Complemento à Educação Artística, Educação Física, Geografia e Francês. A “AA» continua a beneficiar de Apoio Tutorial Específico e frequenta aulas de apoio às disciplinas de Inglês, Português e Físico-química. É acompanhada pelo gabinete Social. A “AA» participou no passatempo de âmbito nacional designado “Cantar pela Saúde Mental” Relativamente à interação familiar, o Sr. «CC», pai da “AA», contactou esta equipa no sentido de informar que viria a Portugal na altura do Natal e que gostaria que a filha passasse esse período junto da família. Assim, a “AA» passou o período de férias de Natal no agregado dos seus progenitores, do dia 20 de dezembro de 2023 a 02 de janeiro de 2024, tendo sido o progenitor a assegurar o seu acompanhamento nas viagens, tal como estipulado. Durante este período, foi feita supervisão telefónica pela CAR, em que quer a “AA», quer os progenitores afirmavam “estar tudo a correr muito bem”. Aquando do seu regresso, a jovem mostrou-se muito satisfeita por “ter tido a oportunidade de estar com a minha família”, o que se depreende que este período foi positivo e prazeroso para a Jovem. Em termos de saúde, a “AA» encontra-se inscrita na Unidade Local de Saúde de cidade Y. Embora ainda não tenha sido atribuído médico de família, foi realizado o encaminhamento para a especialidade de Psicologia, com a Dra. …, no Programa Integrado de Apoio à Comunidade (PIAC). De referir que este acompanhamento cessou na passada semana, com a concordância da Psicóloga, uma vez que a “AA» verbalizou não ter empatia com a mesma, não se mostrando colaborante, sendo seu desejo terminar com o mesmo. Caso se justifique a “AA», retomará as mesmas. Segundo informação da CAR, no passado dia 24 de outubro de 2023, foi efetuado pedido de encaminhamento para a especialidade de Pedopsiquiatria no Programa Integrado de Apoio à Comunidade (PIAC), tendo sido a primeira consulta (triagem), no passado dia 19 de dezembro de 2023. A consulta seguinte foi desmarcada, pelo motivo de doença da pedopsiquiatra. É ainda referido pela equipa técnica da CAR que a jovem pratica natação, uma vez por semana. E que “A “AA» representou a CA, junto com a Exma. Mesária desta CA, na Assembleia Nacional de Jovens Acolhidos, Projeto desenvolvido A equipa técnica da CAR considera que “a Medida de Promoção e Proteção deve ser prorrogada, constatando-se ainda a persistência de comportamentos impulsivos/agressivos que a Jovem ainda não consegue gerir, bem como se encontra em pleno decurso do ano letivo” (Cit. In relatório CAR). Assim, somos de parecer que a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial (Art. 35º nº 1 alínea f) da LPCJP) continua a revelar-se eficaz e necessária para a “AA», pelo que se sugere a sua prorrogação.» 19. Ainda em maio, o Ministério Público promoveu conforme segue, e sem outra fundamentação: «Mostrando-se que a medida aplicada tem sido benéfica para a jovem, tem acautelado de forma adequada o seu desenvolvimento e que se mantém a sua necessidade, promovo que se prorrogue a medida aplicada nos autos, determinando-se a sua revisão decorridos 6 meses.» 20. Em 03/06/2024, em revisão trimestral da medida aplicada, foi proferido o seguinte despacho: «Por acórdão de 14/07/2022, ao abrigo do disposto nos artigos 35º, n.º 1, alínea f), 49º e 50º, nºs. 1 e 2, al. b), todos da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, foi aplicada à jovem «AA» a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, pelo prazo de seis meses, com revisão trimestral, medida esta que foi sendo revista. Aos autos foi junto relatório pela EMAT. Deu-se cumprimento ao preceituado no art. 84.º e 85.º da LPCJP. Cumpre proceder à revisão de tal medida, sendo que o Ministério Público promove a sua prorrogação. Ora, conforme resulta dos autos, nomeadamente dos relatórios juntos aos autos, os pressupostos que determinaram a aplicação a “AA» Pina da medida supra referida ainda se mantêm. Na verdade, ainda que se possa denotar alguma evolução positiva no que respeita ao seu comportamento da instituição, ainda assim, não podemos ignorar que a mesma persiste em comportamentos impulsivos/agressivos que ainda não consegue gerir, não tendo tido continuidade no acompanhamento psicológico por alegada “falta de empatia” com a médica, aguardando-se continuidade no acompanhamento pedopsiquiátrico. Nestes termos, ao abrigo do disposto no art. 62º, nº 3, al. c), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, determino a prorrogação da medida aplicada por mais 1 ano, com revisão semestral. Notifique e comunique à CAR e à EMAT, desde já se solicitando da EMAT que seja avaliado o relacionamento atual da jovem com a progenitora, tendo em vista a ponderação do momento adequado à mesma poder, eventualmente, retornar ao seu agregado familiar.» 21. Os progenitores não se conformam e recorrem, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma: «1) Os progenitores pretendem com a presente Apelação a revogação da medida de Acolhimento Residencial em Instituição, prevista no artigo 35.º, n.º 1, alínea f) da LPCJP. 2) A medida tomada não foi devidamente fundamentada, pois baseou-se no relatório de 09/05/2024, que é uma cópia do relatório de 31/01/2024. 3) Tal medida carecia de ser fundamentada com outras informações/relatórios e detalhes, relativos ao percurso da menor e da família, em particular das condições da mesma e sua evolução, para que a menor deixasse de estar à guarda de uma Instituição e conviver com a sua família biológica. 4) Os progenitores requereram em devido tempo a sua audição, assim como a menor, para que a mesma expressasse os seus sentimentos, bem como da permanência na Instituição. 5) A medida de Acolhimento Residencial em Instituição, é de carácter excecional, devendo ser reavaliada e alterada conforme as circunstâncias. 6) Deve tal medida de Acolhimento durar o tempo necessário, e não se prolongar, dado que a menor neste caso apresenta uma relação de proximidade com a família biológica que deve ser sempre priorizada. 7) A “AA» entrou para a instituição sendo uma criança (14) e sairá quase adulta (17 anos), tendo tal medida prolongou-se por um prazo superior a 18 meses. 8) É ao Tribunal que cabe indagar e atualizar as condições dos progenitores para retomar a as Responsabilidades referentes à menor em relação às Instituições onde a mesma tem permanecido, que não se tem mostrado com maiores competências e capacidade que os progenitores. 9) Os progenitores solicitaram e aceitam apoio e acompanhamento por quem for competente para fiscalizar e reportar o percurso da menor, aquando da revogação da medida de Acolhimento. 10) Além de que esta medida agora pelo período de 6 meses para a sua revisão têm-se revelado excessiva e desproporcional com reflexos negativos não só para a menor, como para a sua família. 11) A Douta decisão não fez a análise crítica dos relatórios juntos aos autos pelos motivos supra expostos e apenas notificou os envolvidos no processo, não tendo marcado audiência ou audição das partes envolvidas para os mesmos serem ouvidos em sede própria conforme início do processo (15/06/2022). 12) Tal decisão mostra-se contrária aos princípios previstos nos artigos 4.º, alínea h), e 7.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, na sua atual redação, bem como aos direitos da menor e da sua família porquanto a aplicação das medidas carecia de ser devidamente fundamentada e ponderada o que não aconteceu no caso sub judice. Pelo que deve ser revogada a douta decisão e ser substituída pela medida de acompanhamento familiar, prevista no 35.º, n.º 1, da LPCJP, pois assim se fará a costumada justiça!» 22. O Ministério Público responde, com as seguintes conclusões: «1. A institucionalização da jovem «AA» deveu-se ao facto de se encontrar numa situação de perigo para o seu desenvolvimento, educação e formação. 2. Os fundamentos constantes do acórdão proferido em 14 de julho de 2022 são suficientemente graves para que o acolhimento institucional tivesse lugar. 3. Mantém-se presentemente toda a justificação para que assim continue, até porque o progenitor (imagem de maior autoridade e a quem a jovem adota um comportamento de maior obediência) permanece ausente no estrangeiro e a progenitora não revela predisposição ou capacitação para conter o comportamento da jovem. 4. A conflitualidade existente no seio familiar aquando da ausência do progenitor e na instituição de acolhimento anterior «DD», e os comportamentos de agressividade física, verbal e psicológica para com outros colegas, foi alvo de participações policiais, tendo a jovem sido visada em Inquéritos Tutelares Educativos – cfr. relatório da EMAT, de 01 de setembro de 2023 – que transcreve a informação do Centro de Acolhimento Residencial como “(…) a situação está a tornar-se insustentável (…)”, concluindo terem deixado de ter condições para assumir a educação da jovem. 5. Mantendo a jovem todos os comportamentos de risco enunciados, não interiorizando a mesma a autoridade de adultos, não assumindo condutas socialmente conformes ao Direito, apresentando claros indícios de haver necessidade de intervenção Tutelar Educativa, não estando o pai em território nacional e não pretendendo a mãe assumir a sua educação, não resta ao Tribunal outra solução que não manter a institucionalização da jovem. 6. O facto da transferência da instituição ter ocorrido em 28 de setembro de 2023 e só em 09 de novembro de 2023 ter ocorrido a reação judicial do progenitor, por intermédio da sua Ilustre Advogada, revela a ausência de comunicação, acompanhamento dos progenitores em relação à jovem e a ausência de contactos com as instituições. 7. Seis meses volvidos, volta o progenitor, desta feita em forma de Recurso e sem que se tivesse processualmente manifestado aquando da notificação do relatório da EMAT de 09/05/2024, a insurgir-se sem apresentar qualquer argumento que contrarie a decisão judicial. 8. Face às características da jovem, às exigências do caso concreto, às indisponibilidades parentais e às incapacidades da anterior instituição (que chegou a um ponto de rutura), restou ao Tribunal socorrer-se das instituições (em número limitado, como qualquer recurso do Estado) que, tendo vaga, pudessem dar a melhor resposta contendora dos comportamentos de risco (diga-se: muito graves) praticados pela jovem. 9. Face à inalteração da situação fáctica, e não obstante o decurso do tempo, não pode o Estado desligar-se do perigo em que a “AA» se encontra. 10. Tendo presente a situação de perigo da jovem (as mais das vezes imputável à própria), impõe-se ao Tribunal afastá-la, com recurso aos meios de que dispõe, garantindo a segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento da jovem, não se vislumbrando outra solução que não manter a medida aplicada. 11. Cingindo-se a “disponibilidade” dos progenitores a ocasiões de férias escolares, não se compreende em que medida a distância (trezentos quilómetros) obstaculiza ou inviabiliza as visitas, mais ainda considerando que o progenitor virá, nessas ocasiões, do estrangeiro (Alemanha), percorrendo milhares de quilómetros para o efeito. 12. Improcedem, por isso, todas as lamentações apresentadas e aquelas que não tendo sido se depreendem por conhecimento funcional dos autos, mantendo se a adequação e proporcionalidade da medida aplicada. 13. A decisão que manteve a medida de acolhimento residencial encontra-se bem fundamentada, de facto e de direito, e tem em conta, sobretudo, o superior interesse da jovem. 14. Mantendo-se a situação de perigo atual, justifica-se a manutenção da medida, sem prejuízo de, apurando-se a alteração das circunstâncias, ser a mesma alterada, como de resto sempre se faz.» Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito. Objeto do recurso Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Tendo em conta o teor daquelas, coloca-se a questão de saber se continua a ser adequada a medida de acolhimento residencial aplicada à jovem. II. Fundamentação de facto Os factos provados são os que constam do relatório. Passamos a listar os que foram julgados provados no acórdão de 14/07/2022, que aplicou a favor da menor medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, pelo prazo de 6 meses, a rever trimestralmente, confiando-a aos cuidados da Casa de Acolhimento Residencial «DD», sita em vila X…, onde já se encontrava desde março do mesmo ano: a) «AA», nascida em 21/12/2007, é filha de «CC» e de «BB»; b) Frequentando o 8.° ano na escola «FF», a mesma faltava constantemente às aulas, para estar com um homem, com cerca de 36 anos, que intitula de seu namorado, e com o qual poderá já ter mantido relações sexuais; c) Com vista a poder sair das instalações escolares, a mesma falsificou a assinatura da mãe na caderneta da escola, passando ali a constar que a mesma estava autorizada a sair das mesmas instalações; d) “AA» iniciou o referido relacionamento em Julho de 2021, tendo os pais tido conhecimento do mesmo em Setembro; e) A progenitora não consegue obstar aos comportamentos da filha pese embora a sujeição a castigos, já que “AA», tendo consciência que tal relacionamento não é adequado, ainda assim não aceitou pôr termo ao mesmo; f) “AA» não obedece às regras impostas pela mãe; g) O progenitor encontra-se ausente por laborar na Alemanha; h) Quando o progenitor se encontra em Portugal, “AA» adopta um comportamento diferente, obedecendo ao pai; i) Mesmo tendo o pai de “AA» proibido de manter o referido relacionamento, “AA», ainda assim, manteve o mesmo, pelo menos até Março de 2022; j) Para impedir a filha de estar com o referido adulto a progenitora ameaçou “AA», incluindo com uma faca, queimou-a com o ferro de engomar, bem como apelidou-a de prostituta, filha da puta e porca; k) Perante os comportamentos da progenitora, “AA» manifestava intenção de fugir de casa; l) Consequentemente, no dia 10/03/2022, pela CPCJ foi aplicado procedimento de urgência na ausência de consentimento dos pais, de acordo com o art. 91.° e art. 11.°, al. f), da LPCJP, ficando a jovem à guarda e cuidados da Casa de Acolhimento Residencial «DD», sita … vila X …; m) Por despacho de 11/03/2022, foi confirmada e mantida a medida aplicada de acolhimento residencial relativamente às crianças, pelo período de 6 meses (art. 35.º, n.º 1, al. f), e art. 3.º da LPCJP) na Casa de Acolhimento Residencial «DD»; n) A “AA» reconheceu que errou e não teve a atitude mais adequada para com a sua família e a mãe da jovem também reconheceu ter errado nas atitudes e que não devia ter feito o que fez; o) A mãe de “AA», já antes de Setembro de 2021, agrediu a filha, em número de vezes não apuradas, em virtude desta não lhe obedecer, mesmo após a colocar de castigo; p) A jovem encontra-se acolhida na CAR — «DD» desde o dia 10 de março de 2022; q) Embora, inicialmente, “AA» tivesse tido uma boa integração e adaptação às regras e horários da instituição, com o passar do tempo a mesma tem vindo a alterar o seu comportamento, tendo faltado à escola, pelo menos, duas vezes sem qualquer justificação, passando a adoptar um comportamento de desafio, vangloriando-se dos seus actos; r) No mês de Junho, foram encontradas fotografias de “AA» a dar beijo nos lábios de outra colega; s) “AA» não apresentou qualquer justificação para tal conduta, nem mesmo revelou qualquer juízo crítico quando confrontada com o facto de não ser permitido dentro das instalações da CAR relacionamentos de namoro, nem mesmo tirar fotografias com outras jovens, tendo em contrapartida, saído da instituição sem autorização, só tendo regressado à CAR por intervenção da GNR; t) Ao regressar à CAR, “AA» vangloriou-se junto das colegas deste seu comportamento, e ainda questionou a razão pela qual não podia sair, e após lhe ter sido explicado ainda respondeu, numa postura desafiadora, "saí da instituição para apanhar ar, desanuviar as ideias"; u) Pouco tempo após se encontrar na instituição, por razões não concretamente apuradas, mas que estarão associadas a um sentimento de culpa não só pelo seu "namoro", como também pelo facto de ter sido a mesma, contra a vontade dos pais, a querer ir para a instituição, “AA» fez diversos cortes com uma lamina na parte interior do braço esquerdo (entre o cotovelo e o pulso) e fez um pequeno corte no pescoço, tendo ficado com cicatrizes; v) “AA», além de acompanhamento psicológico, encontra-se referenciada para consulta de pedopsiquiatria; w) “AA» tem consciência que a mãe, à presente data, mesmo que se lhe queira impor através do recurso a agressões, em princípio, não o irá fazer por ter receio das consequências jurídicas; x) “AA» não reconhece o ascendente da progenitora; y) Apesar dos progenitores contactarem a CAR no sentido de se inteirarem do dia a dia da filha, a mãe de “AA» não mais falou com a mesma, não tendo, até à data, ultrapassado os desentendimentos entre ambas; z) A progenitora, embora pretenda que a filha regresse a casa, receia tal regresso face aos comportamentos da filha; aa) Apesar dos desentendimentos, entre a jovem e a família existem manifestos laços afectivos; bb) “AA» denota um desinvestimento emocional, que a torna vulnerável a quadros depressivos, procurando rapidamente construir relacionamentos com os outros que a preencham emocionalmente; cc) “AA» deseja voltar a casa dos pais; dd) “AA» reside habitualmente com os progenitores, em casa própria, adquirida com recurso a crédito bancário, dispondo a jovem de quarto próprio, mobilado de acordo com a sua faixa etária; ee) Para além do vencimento do progenitor de € 1200,00 mensais, o agregado familiar beneficia de RSI no valor de €284,49; ff) Quer “AA», quer o irmão encontram-se a estudar; gg) Não obstante a conduta da progenitora, os pais de “AA» revelam preocupações com a educação e bem-estar dos filhos. III. Apreciação do mérito do recurso Tenhamos presente o regime jurídico ao abrigo do qual a jovem «AA» foi institucionalizada – a Lei de proteção de crianças e jovens em perigo (de ora em diante LPCJP), aprovada pela Lei 147/99, de 1 de setembro (entretanto alterada pelas Leis 31/2003, 142/2015, 23/2017, 26/2018 e 23/2023). A LPCJP tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (artigo 1.º da LPCJP). A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais ponham em perigo a sua segurança e saúde, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros a que os pais não se oponham de modo adequado a removê-lo (parte relevante do artigo 3.º, n.º 1, da LPCJP). A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança em perigo obedece, entre outros, aos seguintes princípios (cf. artigo 4.º, alíneas a), e), g), h), i) e j), da LPCJP): i. Interesse superior da criança - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas; ii. Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade; iii. Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante; iv. Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável; v. Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa; vi. Audição obrigatória e participação - a criança, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção. Medidas de promoção dos direitos e de proteção são providências adotadas pelas comissões de proteção de crianças e jovens ou pelos tribunais, nos termos LPCJP, para proteger a criança e o jovem em perigo (art. 5.º, al. e) da citada Lei). As ditas medidas visam: afastar o perigo em que a criança se encontra; proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; e/ou, garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso. Estão tipificadas no artigo 35.º da LPCJP e são as seguintes: a) Apoio junto dos pais; b) Apoio junto de outro familiar; c) Confiança a pessoa idónea; d) Apoio para a autonomia de vida; e) Acolhimento familiar; f) Acolhimento residencial; g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção. Na sequência das alíneas do artigo 35.º existe uma hierarquização por ordem decrescente de preferência, só se aplicando, em princípio, a medida seguinte se a anterior não for viável para satisfazer o superior interesse da criança no caso concreto. A preferência ao meio natural e à manutenção no seio da família são transversais aos princípios do primado do superior interesse da criança, da proporcionalidade, da continuidade das relações psicológicas profundas, da prevalência da família e da audição obrigatória e participação, todos positivados na LPCJP. Lembramos que os pais têm o direito fundamental (e o dever) de educação e manutenção dos filhos; e, os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial (artigo 36.º, n.ºs 5 e 6, da CRP). Percorramos os factos essenciais, da forma mais objetiva possível. A «AA», nascida em 21/12/2007, vai para os seus 17 anos. Viveu, até março de 2022, tinha então 14 anos, com os progenitores e um irmão. Frequentava, então o 8.º ano de escolaridade. Num parenteses, refira-se já que, aquando dos relatórios da EMAT e da CAR prévios ao despacho recorrido, no ano letivo de 2023/2024, frequentava o 9.º ano, que se espera tenha concluído este verão de 2024, pois já estava a repeti-lo. Ou seja, foi institucionalizada em março de 2022, frequentando o 8.º ano, transitou nesse verão para o 9.º, que frequentou no ano letivo de 2022/2023, e que teve de repetir no ano letivo que acaba de findar, 2023/2024. Não podemos, portanto, concluir que a institucionalização lhe tenha trazido bom aproveitamento escolar. Fechado o parenteses, regressemos aos factos que originaram a institucionalização: - Frequentando o 8.º ano de escolaridade, a jovem faltava constantemente às aulas, para estar com um homem, com cerca de 36 anos, que intitulava de seu namorado; com vista a poder sair das instalações escolares, falsificou a assinatura da mãe na caderneta da escola, passando ali a constar que estava autorizada a sair das mesmas instalações; - “AA» iniciou o referido relacionamento em julho de 2021, tendo os pais tido conhecimento do mesmo em setembro; - A progenitora opôs aos comportamentos da filha, mas a “AA», ainda que tenha consciência que tal relacionamento não é adequado, não obedece às regras impostas pela mãe; - O progenitor, que se encontra a trabalhar na Alemanha, proibiu a filha de manter o referido relacionamento, mas sem sucesso (ainda que, quando o progenitor se encontra em Portugal, “AA» adote um comportamento diferente, obedecendo ao pai); - Para impedir a filha de estar com o referido adulto, a progenitora ameaçou “AA», incluindo com uma faca, queimou-a com o ferro de engomar, apelidou-a de “prostituta”, “filha da puta” e “porca”; - Perante os comportamentos da progenitora, “AA» manifestava intenção de fugir de casa (alíneas b) a k) dos factos provados). É nestas circunstâncias que, no dia 10/03/2022, pela CPCJ aplica procedimento de urgência na ausência de consentimento dos pais, ficando a jovem à guarda e cuidados da Casa de Acolhimento Residencial «DD», sita … vila X, procedimento que foi confirmado por despacho de 11/03/2022, e depois de debate judicial pelo acórdão de 14/07/2022 (alíneas l) e m) dos factos provados). Aproveitamos desde já para ressaltar que o agregado familiar residia na «Grande Lisboa» e a jovem foi deslocada para uma casa de acolhimento residencial (CAR) em vila X (128 km de distância, fonte: Google Maps), sem autocarros diretos (fonte: Rede Expressos, implicando qualquer visita à filha um dia inteiro em transportes). Sem o consentimento dos progenitores. E, mais tarde, na sequência de episódios a que voltaremos, a jovem é deslocada para cidade Y. Distância de 340 km, sem transportes diretos, transportes públicos implicam viagem de cerca de 5 horas para cada lado (mesmas fontes). Não obstante as adversas circunstâncias, os progenitores solicitaram, para todos os períodos de férias escolares, que a filha passasse as férias com eles. Tais solicitações foram deferidas (com a exceção do referido no ponto 9 do relatório, mas cujas férias acabaram por ser passadas em família na sequência do requerimento e despacho descritos no ponto 10), ainda que apenas com a expressa condição de o progenitor se responsabilizar pelas viagens da filha, o que sempre fez (n.ºs 4, 6, 10, 13, 16 e 17 do relatório deste acórdão). De dizer (com base nos mesmos factos) que as EMAT e as CAR foram anuindo ao deferimento dos períodos de férias com os progenitores, informando que a jovem mantém contactos regulares com os pais, via telefone, e que manifesta vontade em passar as ditas férias com a família). De dizer, ainda, que, as mesmas entidades, após esses períodos de férias, reconheceram que os mesmos foram benéficos para a jovem. De enfatizar que, ainda antes do acórdão de julho de 2022, quer a “AA» quer a progenitora reconheceram não ter tido atitudes adequadas uma com a outra e mostraram arrependimento (facto n)). Acresce que já nessa altura se reconhecia que, apesar dos desentendimentos, entre a jovem e a família existem manifestos laços afetivos; a “AA» desejava voltar a casa dos pais; e, os pais de “AA» revelavam preocupações com a educação e bem-estar dos filhos (factos aa), cc), e gg)). De referir, ainda, que a vida que a “AA» levava em casa se encontrava dentro dos desejáveis padrões de normalidade: residia habitualmente com os progenitores, em casa própria destes, adquirida com recurso a crédito bancário, dispondo a jovem de quarto próprio, mobilado de acordo com a sua faixa etária; para além do vencimento do progenitor de € 1200,00 mensais, o agregado familiar beneficiava de RSI no valor de €284,49; quer “AA», quer o irmão encontram-se a estudar (factos dd) a ff)). De dizer que, por outro lado, à data do acórdão de julho de 2022, já havia indícios de que a residência na CAR (então, «DD» em vila X) não se estava a revelar uma boa solução para a jovem: faltas à escola, comportamentos desafiantes, automutilações, desinvestimento emocional, vulnerabilidade a quadros depressivos (factos q) a u) e bb)). Apesar disto, “AA» apenas veio a ter uma primeira consulta de Pedopsiquiatria (de mera triagem), em 19 de dezembro do ano subsequente (19/12/2023), e a consulta seguinte foi desmarcada, pelo motivo de doença da pedopsiquiatra… (relatório da EMAT contido no ponto 18 do relatório deste acórdão). Em finais de março de 2023, sucederam os episódios referidos nos pontos 7 e 8 do relatório deste acórdão. Os progenitores requereram, em abril de 2023, o regresso da filha a casa, visto o acolhimento residencial não estar a contribuir para a estabilidade e bem-estar da filha. Solicitaram também a sua audição. O requerimento dos progenitores por último referido, não é atendido (nem sobre ele houve pronúncia expressa), nem sequer na parque em que solicitam as suas declarações. Ao invés, por despacho de 7 de setembro, foi determinada a transferência da menor para cidade Y, o que se efetivou em 29 de setembro de 2023. Em novembro de 2023, o progenitor opôs-se à execução da medida em cidade Y e pediu, uma vez mais, a sua audição, bem como a da progenitora e a da menor, para reavaliação da medida, que já durava havia 18 meses. Por despacho de 20 de novembro, a medida foi mantida. Chegamos, então, ao despacho ora em recurso. Como bem dizem os progenitores, a sua fundamentação (muito parca) remete para relatório da EMAT de 09/05/2024 (v. ponto 18 do relatório deste acórdão), que é uma cópia do relatório da CAR 31/01/2024 (v. ponto 14 do relatório deste acórdão). O único fundamento expresso para a manutenção do acolhimento residencial consistiu da invocada persistência de «comportamentos impulsivos/agressivos que ainda não consegue gerir, não tendo tido continuidade no acompanhamento psicológico por alegada “falta de empatia” com a médica, aguardando-se continuidade no acompanhamento pedopsiquiátrico». Não há qualquer análise da situação presente na menor, nem a mesma e/ou os progenitores foram ouvidos, não obstante os seus requerimentos nesse sentido. As situações passadas que levaram a jovem ao acolhimento residencial, em março de 2022, a repetirem-se, o que não se espera, podem e devem ser geridas pelos progenitores em diálogo com a jovem. Os episódios que se foram sucedendo em meio institucional são evidência de que tal meio não está a servir as necessidades da “AA». Não deixa de ser sintomático que, apesar de lhe ter sido reconhecida necessidade de apoio pedopsiquiátrico, o mesmo não lhe foi disponibilizado (ao final de ano e meio houve uma triagem e quando era para ter a consulta seguinte o médico ficou doente…). Quanto ao apoio psicológico, foi o mesmo interrompido – lê-se no relatório da EMAT de maio do corrente que a “AA» verbalizou não ter empatia com a psicóloga, não se mostrando colaborante, sendo seu desejo terminar com o acompanhamento. Ou seja, as instituições não foram capazes de apoiar a “AA» com um profissional capaz de cativar a sua confiança, e é por aí que começa o trabalho de um psicólogo… Em suma, inexistem presentemente facto que permitam a medida de afastamento da menor do meio familiar, nomeadamente do agregado dos progenitores. Bem pelo contrário, tudo indica que estará melhor com os pais, que a amam como tal e com quem deseja estar, do que numa casa de acolhimento que lhe impossibilita uma vida tida por normal e a proximidade com os seus pais e irmão. Aqui chegados, resta perceber se se mostram reunidos os pressupostos de aplicação de uma qualquer outra medida de promoção e proteção. Sem dúvida, por tudo quanto exposto, o regresso da jovem ao lar é a única decisão adequada. É no seio da família e com o apoio desta que poderão ser endereçados os problemas com que a jovem lida, e que ela aparentemente reconhece, e que a levam a ter episódios de alguma raiva, agressividade, e falta de contenção destas emoções. A família não é abastada e carece necessariamente de apoio monetário e de serviços de psicologia e de pedopsiquiatria gratuitos. Também a progenitora não soube, em tempos, lidar com a adolescência da filha. Não duvidamos de que também poderia ser ajudada com um acompanhamento psicológico consistente e de que isso lhe deve ser fornecido. Assim, e ao abrigo do disposto nos artigos 39.º e 42.º da LPCJP, aplica-se a favor da menor medida de apoio juntos dos pais, com as concretizações que constam do dispositivo. IV. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação dos progenitores totalmente procedente, revogando o despacho recorrido e aplicando a favor da menor medida de apoio juntos dos pais, na pessoa da progenitora mãe, pelo período de 6 meses, com as seguintes regras: a) residência da menor em casa dos pais; b) frequência pela menor de equipamento escolar (sem prejuízo da frequência de outras atividades, ao critério dos progenitores e com a concordância da menor); c) apoio a prestar pelos serviços da Segurança Social na vertente económica, nos termos do disposto no artigo 13.º do DL 12/2008, de 17 de janeiro; d) encaminhamento da menor para consulta de saúde sexual e reprodutiva, num dos Gabinetes de Saúde Juvenil mais próximos da residência (… ou …, em Lisboa); e) acompanhamento psicológico gratuito da menor, se possível na escola que venha a frequentar, ou, não sendo possível, a diligenciar pelos progenitores no (ou por intermédio do) Centro de Saúde da sua área de residência, e a realizar em horário e local compatíveis com os horários da jovem; f) acompanhamento pedopsiquiátrico gratuito da menor, a diligenciar pelos progenitores no (ou por intermédio do) Centro de Saúde da sua área de residência, e a realizar em horário e local compatíveis com os horários da jovem; g) disponibilização de apoio psicológico gratuito à progenitora, em horário e local que lhe sejam convenientes, desde que a mesma o requeira junto do Centro de Saúde da sua área de residência; h) relatório social, a realizar decorridos 60 dias e a entregar nos autos. Para implementação da medida agora ordenada, de apoio junto dos pais, deverá o tribunal a quo, com a máxima urgência, diligenciar pela entrega da menor aos progenitores, na pessoa de qualquer deles (provavelmente à mãe, uma vez que o pai tem estado a trabalhar fora do País). Notifique o presente acórdão, com a máxima urgência, também para agilizar a inscrição da menor pela progenitora, em escola da área de residência da família, para o corrente ano letivo 2024/2025, cujas aulas se iniciam entre o dia de hoje e a próxima segunda-feira, dia 16. Lisboa, 12/09/2024 Higina Castelo Laurinda Gemas Orlando Nascimento |