Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3381/2006-5
Relator: SIMÕES DE CARVALHO
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Para que se esteja perante crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. no Art.º 108º, n.º 1 do DL 422/89, de 02.12, apenas se exige que a máquina sub judice desenvolva jogos de fortuna ou azar, tal como os mesmos se encontram definidos nos Art.ºs 1º e 4°, n.º 1, alínea g) do sobredito diploma legal, sendo irrelevante que o jogador possa obter vantagem económica, maxime prémios em dinheiro, no caso de ganhar o jogo.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal (5a) do Tribunal da Relação de Lisboa:

No processo comum singular n.º 1469/00.9SWLSB do 2º Juízo Criminal de Loures, por sentença de 10-02-2006 (cfr. fls. 225 a 241), no que agora interessa, foi decidido:

«Assim, e pelo exposto o Tribunal decide julgar a acusação procedente e, em consequência, decide:
a) Condenar os arguidos como autores materiais de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. no art. 108º, n.º 1 do DL 422/89, de 02.12, com referência aos art. 1º, 3º, n.º 1, 4º, n.º 1, al. g) do mesmo diploma, indo os arguidos :
- A. e B. condenadas na pena de 4 (quatro) meses de prisão, que se substitui por igual tempo de multa à taxa diária de cinco euros, o que perfaz a multa de € 600 (seiscentos euros) e em 50 (cinquenta) dias de multa à mesma taxa diária, o que perfaz a multa de € 250 (duzentos e cinquenta euros);
- C. condenado na pena de pena em 20 meses de prisão, cuja execução se suspende por três anos, e em 180 dias de multa à taxa diária de 5 euros, o que perfaz a multa global de € 900 (novecentos euros).
Caso a multa não seja paga e os arguidos não requeiram a prestação de trabalho a favor da comunidade, a pena de multa poderá ser convertida em dias de prisão subsidiária.
b) Condena os arguidos em 2 Ucs de taxa de justiça, fixando em metade o valor da procuradoria, e em 1% da taxa de justiça nos termos do DL n.º 423/91, de 30/10.
c) Declarar perdido a favor do Estado o material de jogo apreendido nos autos e determina a sua oportuna destruição – art. 116º do DL n.º 422/89, de 2.12 e art. 109º do Código Penal.
d) Declarar igualmente perdido a favor do Estado a quantia apreendida que se encontrava dentro das máquinas, a qual reverterá para a entidade mencionada no art. 117º do referido diploma legal.
Deposite.
Após trânsito, remeta boletim ao registo criminal.»

O arguido C. não aceitou esta decisão e dela recorreu (cfr. fls. 252 a 259), extraindo da motivação as seguintes conclusões:

«1. A prova produzida em Audiência é insuficiente para fundamentar o facto provado 17, uma vez que não foi o arguido nem a sociedade da qual o arguido foi sócio gerente a proceder à aprovação dos temas de jogo da máquina junto da IGJ (cfr. fls. 48 do autos).
2. Considera assim, nos termos e para os efeitos do artº 412º nº 3 al. a) do CPP que tal facto foi incorrectamente julgado.
3. Quanto à qualificação jurídica, subscrevendo o douto Acórdão proferido no âmbito do Recurso 8543/2003 – 3 da 3ª. Secção desse Venerando Tribunal, cujos excertos de transcreveram em III 2. supra, considera o recorrente que foi feita errada interpretação e aplicação dos citados artº.s do Dec. Lei 422/89.
4. “(…) o desenvolvimento de um jogo (v.g. poker) só integrará o crime do artº 108º - 1 (em concurso com a contra-ordenação do artº 163º-1) se atribuir prémios em dinheiro, pois na hipótese contrária continuamos no âmbito da modalidade afim (artigo 159º 1, in fine, punível nos termos do artº 163º 1).
5. O arguido não vem acusado de através do jogo desenvolvido pela máquina ter atribuídos prémios em dinheiro, deste modo, o arguido não cometeu o crime de que vinha acusado.
E ainda que assim não se entenda,
6. A pena concretamente aplicada ao arguido é excessiva e viola o principio “nulla poena sine culpa” plasmado no artº 40º nº 2 do Código Penal.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, assim se fazendo JUSTIÇA.»

Admitido o recurso (cfr. fls. 268), e efectuadas as necessárias notificações, apresentou resposta o Mº Pº (cfr. fls. 271 a 281), concluindo:

«1.º A douta sentença recorrida apreciou e valorou correctamente os elementos de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento (art. 127.º do Código de Processo Penal).
2.º De igual modo, fundamentou e fixou correctamente a matéria de facto dada como provada.
3.º Assim, o Ilustre Tribunal a quo julgou correctamente provado o facto sob o n.º 17, uma vez que as regras de experiência comum nos dizem que uma pessoa com a vasta experiência do arguido na área deste tipo de jogos não podia desconhecer as características dos jogos constantes da máquina, assim como que a sua exploração não era permitida por lei, ainda que a máquina haja sido adquirida a terceiros que tenham previamente procedido à aprovação dos temas de jogo junto da IGJ.
4.º O Ilustre Tribunal a quo qualificou correctamente os factos como crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art. 108.º, n.º 1 do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, porquanto o critério de distinção entre este crime e as modalidades afins dos jogos de fortuna e azar, previstas no art. 159.º do DL n.º 422/89, não reside na natureza, designadamente pecuniária, dos prémios atribuídos.
5.º Deve antes recorrer-se ao art. 4.º do mesmo diploma para efeitos de determinação do que são jogos de fortuna e azar (neste sentido, vide Acórdão da Relação de Lisboa de 26/10/05, in www.dgsi.pt).
6.º Ora, a máquina explorada pelo arguido desenvolvia temas próprios dos jogos de fortuna e azar autorizados nos casinos – “Blackjack” e “Poker” – dependendo o resultado única e exclusivamente da sorte, independentemente da perícia do jogador, pelo que se integram no art. 4.º, n.º 1, al. g), do diploma referido.
7.º Assim, expressamos a nossa inteira concordância com o Ilustre Tribunal a quo no que respeita à qualificação dos factos provados como crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art. 108.º, n.º 1 do DL n.º 422/89.
8.º Atendendo, entre outros factores, aos fortes receios em sede de prevenção especial, uma vez que o arguido já foi condenado 29 vezes pela prática deste tipo de crime, entendemos que a pena concreta aplicada não é excessiva.
9.º Não se trata de fundamentar a aplicação de uma pena com base exclusivamente no “longo passado criminal” do arguido, ora recorrente, o que seria violador do princípio “nulla poena sine culpa”, mas antes de ponderar as exigências de prevenção por via da análise dos seus antecedentes criminais, conforme exigido pelo art. 71.º, n.ºs 1 e 2, als. e) e f) do Código Penal.
10.º Assim, a concreta pena imposta mostra-se justa e adequada ao grau de ilicitude dos factos, às exigências de prevenção e à medida da culpa do arguido.
11.º A douta sentença recorrida, não violou, pois, qualquer norma legal, nomeadamente o art. 40.º, n.º 2 do Código Penal, nem padece de vícios que determinem qualquer irregularidade ou nulidade.
*
Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
V. Exas. farão a costumada Justiça!»

Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância o Exm.º Procurador-Geral Adjunto teve vista no processo (cfr. fls. 266).

Proferido o despacho preliminar e não havendo quaisquer questões a decidir em conferência, prosseguiram os autos, após os vistos dos Exm.°s Desembargadores Adjuntos, para julgamento em audiência, nos termos dos Art.ºs 419° e 421° do C.P.Penal.

Realizado o julgamento com observância do formalismo legal, cumpre agora apreciar e decidir.
*

O objecto do recurso, em face das conclusões da respectiva motivação, reporta-se:
1 - à pretensa circunstância de ter existido erro no julgamento da matéria de facto, nomeadamente no que se prende com o teor daquilo que se verteu no seu n.º 17;
2 - à eventual ocorrência de errada interpretação e aplicação da lei, por se verificar, nomeadamente, que o desenvolvimento de um jogo só integra o crime do Art.º 108º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro se atribuir prémios em dinheiro;
3 - à possível redução da dosimetria da pena concretamente aplicada.

No que ora interessa, é do seguinte teor a sentença recorrida:

«ll - FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
De relevante para a discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto:
1 - No dia 3 de Novembro de 2000, no decurso de acção de fiscalização, agentes da P.S.P. detectaram que no estabelecimento comercial de café denominado “……”, sito na Rua …………, as arguidas, então responsáveis pela exploração do mencionado estabelecimento, tinham patente, em funcionamento e acessível ao público o seguinte material:
A) um móvel de cor preto, com estrutura em madeira, possuindo à frente um écran vídeo protegido por vidro, a que se segue uma consola contendo uma fila de 6 botões em linha, todos eles vermelhos e um manípulo intercalado no meio dos botões, também este de cor vermelha, com a designação “Super Vídeo”, sem qualquer referência exterior quanto à sua origem, fabricante ou número de série;
B) um móvel de pequenas dimensões, de cor preta e azul, com um écran vídeo, encontrando-se na parte superior direita o dispositivo de introdução de moedas, munido de uma ranhura, para introdução de moedas de 100$00;
C) e uma máquina de extracção de bolas, de cor vermelha, contendo incorporado um cartão de prémios, bem como um número indeterminado de pequenas bolas com várias cores, tendo cada uma delas um pequeno orifício no centro, onde se encontra uma pequena senha;
2 - O material referido em A), que ali fora colocado por pessoa não concretamente identificada, com o consentimento das arguidas, a fim de ser explorado no referido estabelecimento, sendo os proventos económicos decorrentes de tal exploração divididos pelas arguidas e por tal pessoa, em proporção não concretamente apurada, aceita um número indeterminado de créditos, correspondendo cada moeda de 100$00 a 10 créditos, ou seja, cada crédito (ponto) vale 10$00, aceitando de 1 a 50 apostas em cada jogada;
3 - O sistema de funcionamento do referido material é do tipo Vídeo e desenvolve um jogo de fortuna ou azar semelhante ao Vídeo-Poker de cartas, funcionando da seguinte forma:
1) Ligando a máquina à corrente o écran ilumina-se e nele surge a apresentação do jogo “Bonne Chance”;
2) Na parte superior esquerda do écran, é-nos apresentado um quadro com as seguintes inscrições:
- “PARTIES”, que corresponde aos créditos introduzidos,
- “POINTS”, que corresponde aos pontos eventualmente ganhos em combinações premiadas,
- “JOUER”, que assinala o número de apostas em cada jogada;
3) Na parte superior esquerda, temos um rectângulo onde nos é mostrado o seguinte plano de prémios, disposto em coluna:
- 500, 150, 100, 50,
- 10, 7, 5,
- 3, 2, 1, tratando-se da pontuação a que correspondem as diversas combinações premiadas e para uma só aposta. Se a jogada se fizer com mais de uma aposta, aqueles números aparecem automaticamente alterados em face do número de apostas, ou seja, para duas apostas tais números aparecem multiplicados por dois e assim sucessivamente;
4) Decidido o número de apostas (points) a arriscar na jogada, pressiona-se a tecla START e após isso aparecem aleatoriamente números de 1 a 13 de quatro cores diferentes (vermelho, verde, azul e amarelo), de que resulta poderem aparecer quatro números 1, quatro números 2, e assim sucessivamente até ao número 13. O número 1 corresponde ao Ás, o 13 ao Rei, o 12 à Dama, o 11 ao Valete e os números intermédios correspondem às demais cartas do baralho. Quanto às cores – azul, vermelho, amarelo e verde – correspondem aos naipes – paus, copas, espadas e ouros.
5) O jogador pode, nesta fase do jogo e se assim o pretender, fixar alguns dos números através dos botões correspondentes, de modo a tentar obter uma sequência premiada. Quando fixa o número pretendido, aparece por baixo do mesmo a palavra STOP. Carregando novamente no botão START, dá-se prosseguimento à jogada, aparecendo novos números, em detrimento daqueles que não foram fixados. Aqui duas situações podem acontecer: a) a combinação que saiu não é premiada, neste caso o jogo termina; b) a combinação que saiu é premiada, sendo dada ao jogador a opção de decidir entre fazer a colecta dos pontos obtidos ou duplicar os créditos, ou seja fazer a dobra – cfr. relatório junto a fls. 80 a 85, cujo teor aqui se dá como reproduzido para todos os efeitos legais;
4 - O objectivo do jogo, tal como no Vídeo-Poker é o de conseguir combinações premiadas, tais como: sequência real (Ás, Rei, Valete, Dama e 10 do mesmo naipe); sequência numérica, sequência de cor, fullen, trios, pares, etc., tudo dependendo única e exclusivamente da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador;
5 - Acresce que a mencionada máquina possui dois sistemas de dissimulação e autodestruição, os quais têm por único objectivo danificar a placa de jogo por forma a impedir que se faça prova da existência de jogo de fortuna ou azar, a saber: sistema de recepção e sistema de autodestruição;
6 - A máquina referida em B) foi colocada no referido estabelecimento por pessoa não concretamente identificada, a mando do arguido C., proprietário da mesma, em data não apurada do mês de Agosto de 2000, com o consentimento das arguidas, a fim de ser explorada no referido estabelecimento e distribuídos entre as arguidas e o arguido C., na proporção de 50%, os proventos eco­nómicos decorrentes de tal exploração;
7 - O sistema de funcionamento é do tipo vídeo, com um sistema TOUCHSCREEN, ou seja, o jogador por toque de dedo faz as marcações no écran, sistema que dispensa botões, permitindo, após ligar a máquina à corrente, desenvolver vários tipos de jogos de diversão e quatro de fortuna ou azar, os quais são: o “21”; “Get 21”; “Striptease Boys”; e Striptease Girls;
8 - Os jogos denominados “21” e “Get 21” desenvolvem-se da seguinte forma:
1) No jogo denominado “21”, aparecem cinco colunas e um baralho de cartas com uma ordenação inteiramente aleatória, que mostra sempre e apenas a primeira carta, a qual o jogador coloca numa das colunas (surgindo aleatoriamente outra carta aberta no seu lugar) na tentativa de, em cada coluna, obter o valor de 21 ou, a que sendo inferior, mais se aproxime. As cartas do baralho têm um valor numérico, o Ás vale 1 ou 11; as figuras valem 10 e as restantes cartas o seu valor;
2) O jogo denominado “Get 21” é no essencial idêntico ao jogo denominado “21”, apresentando as seguintes diferenças:
- o jogo é desenvolvido apenas em 4 colunas, podendo o jogador no 1º nível queimar 5 cartas;
- sempre que é obtida a pontuação de 21 numa das colunas, essa coluna fica novamente disponível para tentar obter outra pontuação de 21, mas, quando rebenta (ultrapassa 21), a coluna respectiva desaparece;
9 - Estes dois jogos são jogos em tudo semelhantes ao jogo do “Blackjack” dos Casinos, o qual depende única e exclusivamente da sorte, independentemente da perícia do jogador;
10 - Por sua vez, os jogos denominados “Striptease Boys/Girls” desenvolvem-se da seguinte forma:
- começa-se por seleccionar um striper ou uma striper (boys ou girls), aparecendo, de seguida, no écran a striper ou o striper seleccionado;
- ao lado do striper com que estamos a jogar aparece-nos dois conjuntos de cinco cartas: um conjunto na parte superior do écran e outro na parte inferior do écran, aparecendo-nos também as palavras “hold” e “draw”;
- as cinco cartas do dealer (banca ou máquina) permanecem fechadas e as cinco cartas do jogador aparecem abertas;
- então, selecciona-se a(s) carta(s) que achar mais conveniente(s) para formar uma combinação do jogo expressamente designado Poker, como: sequência real (Ás, Rei, Valete, Dama e 10 do mesmo naipe); sequência numérica, sequência de cor, fullen, trios, pares, etc., tudo dependendo da sorte, independentemente da perícia de quem joga;
- escolhidas as cartas a reter e tocando em “draw”, as cartas são substituídas por outras e a jogada decide-se imediatamente ao serem viradas as cartas da banca (máquina) fechadas. Se a combinação obtida pelo jogador for vencedor, o striper ou a striper tira peças de roupa e são adicionados pontos ao “score”. Sempre que a combinação premiada do jogador, seja inferior à combinação obtida pela striper, esta veste novamente a peça de roupa anteriormente tirada;
- o jogador dispõe de um tempo limitado para conseguir tirar todas as peças de roupa do/da striper, terminando o jogo quando o tempo disponível se esgotar ou logo que seja tirada toda a roupa do/da striper, sendo necessário utilizar mais créditos para continuar – cfr. relatório junto a fls. 86 a 90, cujo teor aqui se dá como reproduzido para todos os efeitos legais;
11 - Os dois jogos mencionados “Striptease Girls” e “Striptease Boys” desenvolvem o mesmo tipo de jogo – o Poker praticado nos casinos portugueses – e têm como objectivo conseguir combinações premiadas, acima descritas, tudo dependendo única e exclusivamente da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador;
12 - A máquina referida em C) tem duas ranhuras na parte inferior frontal, uma para introduzir as moedas de 100$00 e outra para a saída da respectiva bola, e dois quadros, um de cada lado da ranhura onde se introduzem as moedas, com o plano de prémios a atribuir: Prémio A – bandeira da Itália; Prémio B – bandeira da Alemanha; Prémio C – bandeira da França; Prémio D – bandeira dos E.U.A.; Prémio E – bandeira da Holanda; Prémio F – bandeira da Inglaterra; Prémio G – bandeira da Bélgica; Prémio H – bandeira do Japão. As letras B, C, D, E, F e H têm como prémio isqueiros, as letras A e G têm como prémio, respectivamente, um cinzeiro e uma cigarreira e a bandeira portuguesa, não obstante não ter qualquer letra, corresponde-lhe como prémio um lápis ou uma caneta. Na parte superior frontal da máquina encontra-se um cartaz de prémios que está incorporado na própria máquina extractora, o qual é composto de vários objectos (canetas, isqueiros, lápis, etc.), os quais têm um autocolante colado com uma letra impressa, letra esta que corresponde às letras que saem nas senhas;
13 - Tal material foi colocado no mencionado estabelecimento por pessoa não concretamente identificada, com o consentimento das arguidas, a fim de ser explorado pelos mesmos e os proventos económicos decorrentes de tal exploração eram divididos entre as arguidas e tal pessoa, na proporção de 20% para as primeiras e 80% para o segundo;
14 - O sistema de funcionamento deste material é o seguinte:
- O jogador introduz uma moeda de 100$00 na ranhura existente para o efeito na máquina;
- Seguidamente, acciona o manípulo, rodando para a direita até que fique bloqueado. Imediatamente, sai uma bola, de forma automática e aleatória, do interior da máquina através da ranhura existente na parte inferior da máquina;
- Cada bola contém uma senha com um desenho de uma bandeira alusiva a um país;
- As bandeiras obtidas são depois confrontadas com as letras que lhes correspondem e estas serão confrontadas com os prémios expostos no cartaz de prémios.
15 - Aqui, há dois resultados possíveis:
a) Se a letra da senha coincidir com alguma que esteja impressa no cartaz de prémios, ganha o prémio respectivo;
b) Se a senha tiver a bandeira portuguesa corresponde-lhe um prémio que será uma caneta ou um lápis.
16 - Tal material serve para a prática de um jogo de fortuna ou azar, pois as letras impressas na senha e a respectiva combinação com as letras impressas no cartaz assenta única e exclusivamente na sorte, sem possibilidade do jogador influenciar ou condicionar essa combinação ou o prémio a sair;
17 - O arguido C. conhecia bem as características dos jogos que mandou colocar no estabelecimento das arguidas e que para a respectiva divulgação e exploração não estava autorizado, sabendo que tal conduta lhe era proibida;
18 - Agiu com vontade livre e consciente;
19 - As arguidas A. e B. conheciam, também, bem as características dos jogos que mantinham em exploração, sabendo que a mesma lhes era proibida;
20 - Agiram com vontade livre e consciente, com conhecimento da proibição e punição da sua conduta;
21 - No decurso da acção de fiscalização, os agentes da P.S.P. procederam à apreensão das quantias monetárias que se encontravam no cofre das referidas máquinas, a saber:
- Esc. 500$00 na máquina referida em A);
- Esc. 56.720$00 na máquina referida em B);
- e Esc. 1.100$00 na máquina referida em C).
A arguida A. não tem passado criminal.
A arguida A. é auxiliar de acção educativa auferindo 450 euros líquidos por mês.
É casada, mas está separada de facto do marido.
Vive com um companheiro e dois filhos de 13 e 3 anos.
O companheiro é gerente de supermercado e aufere 750 euros líquidos por mês.
Paga 400 euros de renda de casa.
Possui como habilitações escolares o 6º ano de escolaridade.
A arguida B. não tem passado criminal.
A arguida B. está desempregada.
É casada e vive com o marido e dois filhos de 17 e 10 anos de idade.
O marido é empregado de balcão auferindo 650 euros líquidos por mês.
Vive em casa própria já paga.
Possui como habilitações escolares o 9º ano de escolaridade.
O arguido C. tem o passado criminal constante do seu CRC, contando já com 29 condenações pela prática deste mesmo tipo de crime.
O arguido C. após vários problemas com a justiça devido a ser empresário de máquinas de diversão e de jogo ilegal, abandonou essa actividade e actualmente tem um infantário, do qual é gerente.
Recebe a título de vencimento 600 euros por mês.
É casado e vive com a mulher e dois filhos de 12 e 16 anos.
A mulher também trabalha no infantário e aufere 600 euros líquidos mensais.
Paga 450 euros de renda de casa.
Possui como habilitações literárias o 11º ano de escolaridade.
2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
De relevante para a discussão da causa logrou-se provar toda a matéria de facto.
3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal, no que concerne à propriedade da máquina referida em B), acordo estabelecido para a repartição dos lucros obtidos com a sua exploração, local onde se encontrava a máquina, alicerçou-se nas declarações dos arguidos, tendo o arguido C. admitido a propriedade da mesma e que efectuou o negócio, através de um seu empregado com as duas co-arguidas, tendo também referido o modo como eram repartidos os lucros da sua exploração, o que as arguidas confirmaram.
No que concerne ao material referido em A) e C), teve-se em atenção as declarações das arguidas, que afirmaram que desconheciam a quem pertenciam, pensando que pertenciam ao arguido C. porque quem as lá foi colocar identificou-se como funcionário deste. O arguido C. negou tais factos, afirmou que quando uma máquina sua fica num estabelecimento é sempre exigido ao dono do estabelecimento a assinatura de um documento em como recebeu a máquina, o que não se verificou neste caso. Além disso, afirmou que sempre trabalhou com máquinas tipo vídeo e nunca com expositores.
Assim, deu-se como provado que se desconhece quem é o dono das máquinas.
Quanto ao local onde se encontravam estas máquinas teve-se em atenção a análise crítica da prova. Assim, as arguidas afirmaram que o material referido em A) estava num armazém porque estava avariada, o que foi contrariado pelo depoimento das testemunhas D., agente da PSP, que participou na acção de fiscalização e viu a referida máquina, num local que também servia de armazém mas que era acessível ao público. Mais disse, que quando fizeram a acção de fiscalização já tinham sido informados pelos Inspectores da IGJ do local onde estava a máquina; e no depoimento da testemunha E., inspector da IGJ, que participou na fiscalização e que afirmou que todas as equipas já levavam um croquis dos locais onde se encontravam as máquinas e que tinham como instruções só considerar as máquinas que se encontrassem ligadas à corrente eléctrica.
Assim, com base nestes depoimentos deu-se como provado que a máquina estava em funcionamento e em local acessível ao público.
Quanto ao tipo de jogo desenvolvidos pelo material apreendido teve-se em atenção os relatórios de exame pericial de fls. 76 a 90.
No que respeita ao conhecimento pelas arguidas do jogo desenvolvido pelas máquinas e que este era ilegal, o tribunal teve em consideração as declarações das arguidas conjugadas com as regras da experiência comum.
Assim, as arguidas declararam que não sabiam bem que jogos as máquinas desenvolviam mas que máquinas eram de diversão porque não davam prémios em dinheiro.
Ora, não se afigura minimamente credível que as arguidas, que exploravam o estabelecimento não tenham cuidado de saber que tipo de jogos as máquinas desenvolviam, e que tipo de divertimento podiam proporcionar aos seus clientes.
Mais, em 2000 já não era novidade para ninguém que existiam no mercado máquinas que desenvolviam jogos de fortuna ou de azar e, por isso mesmo, eram proibidas.
Também se afigura inverosímil que, na eventualidade da pessoa que lá foi colocar as máquinas tivesse assegurado que as mesmas eram legais, as arguidas acreditassem numa pessoa que não conheciam antes especialmente depois deste as “alertar” que havia máquinas ilegais.
Assim, com base nas regras de experiência comum o Tribunal deu como assente que as arguidas sabiam quais os jogos desenvolvidos e que se tratavam de jogos de fortuna ou azar.
*
No que concerne, ao arguido C., o Tribunal também deu como provado que o mesmo sabia que jogos a máquina desenvolvia e que eram ilegais com base nas regras de experiência comum.
Assim, o arguido afirmou que comprou a máquina já com licença e, por isso nunca suspeitou que a mesma desenvolvesse outros jogos que não os constantes da licença e, ainda por cima ilegais.
O arguido C. já trabalhava na área de máquinas de jogo (de diversão e ilegal) há vários anos, tendo já sido inúmeras vezes condenado pela prática desse tipo de crime. Sabia como se obtinha a autorização da IGJ, sabendo que a mesma autoriza com base na descrição de jogos que o requerente afirma que a máquina tem, não tendo meios humanos para verificar cada máquina em particular. Mais, o arguido também não podia ignorar que em muitas máquinas é possível adicionar, com outra placa até, novos temas de jogo, já que tal é do conhecimento de quem nem sequer trabalha no ramo.
Acresce, que o arguido vivia dessa actividade, pelo que não é minimamente plausível que tenha comprado a máquina e não tenha verificado que tipo de jogos desenvolvia até para poder “comercializá-la” melhor.
Assim, e de acordo com as regras de experiência comum o tribunal deu como provado que o arguido sabia que jogos a máquina desenvolvia e que os mesmos eram de fortuna ou de azar.
No que respeita aos factos de natureza pessoal relativos aos arguidos, estes resultaram das declarações que prestaram quando ouvidos sobre as suas condições de vida e nos CRC junto aos autos.
4. ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA
A) ENQUADRAMENTO JURÍDICO PENAL
Sendo esta a matéria de facto provada façamos o seu enquadramento jurídico-penal.
Vêm os arguidos acusados pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108, n.º 1 do DL 422/89 de 22/12.
Vejamos, comete este tipo de ilícito previsto no art. 108º, n.º 1 “quem, por qualquer forma fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados”.
Consagra, por sua vez, o artigo 1º daquele diploma que “ jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contigente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.”
Por seu turno o art. 4º, n.º 1, al. g) estabelece que “Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, (.....) jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou de azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.”
Da matéria assente resulta que as arguidas tinham no seu estabelecimento duas máquinas e um expositor, que repartiam com os respectivos donos do material de jogo, um dos quais era o arguido C., os lucros provenientes da sua exploração e que as máquinas e o expositor desenvolvem jogos de fortuna ou azar, pois o resultado depende unicamente da sorte não sendo influenciado pela perícia, destreza ou inteligência do utilizador.
Assim, só em casinos é que tais máquinas e expositor poderiam ser exploradas.
Considerando que os arguidos tinham perfeito conhecimento da situação objectiva e que quiseram explorar o referido material de jogo visando o seu proveito pessoal, há que entender que praticaram o referido crime, pois, encontram-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de criem em apreço, tendo os arguidos agido com dolo directo.
Inexistem causas de exclusão da ilicitude e da culpa.
B) DA MEDIDA CONCRETA DA PENA
Feito da forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.
O crime de exploração ilícita de jogo é punido com prisão até dois anos e multa até 200 dias.
Na determinação da medida concreta da pena e em obediência ao disposto no art. 71º do Código Penal, há que considerar, por um lado, a culpa dos agentes que agiram com dolo directo, o facto das arguidas não terem antecedentes criminais, dos arguidos estarem social, profissional e familiarmente inseridos e o facto de as arguidas explorarem duas máquinas e um expositor e o arguido apenas de uma máquina.
Tudo ponderado, afigura-se-nos adequada a fixação da pena para as arguidas em 4 meses de prisão, que, ao abrigo do disposto no art. 44º do Código Penal, se substitui por igual tempo de multa e 50 dias de multa à taxa diária de 5 euros, atenta as suas condições económicas e o disposto no art. 47º do Código Penal.
Para o arguido C. há que considerar o seu longo passado criminal nesta área, pelo que se julga adequado fixar a pena em 20 meses de prisão e em 180 dias de multa à taxa diária de 5 euros.
Considerando que o arguido já mudou de profissão, explorando actualmente um infantário, afigura-se-nos que é de suspender a execução da pena de prisão pelo período de três anos, o que se faz ao abrigo do disposto no art. 50º do Código Penal. ...»

E, por isso, foi proferida a decisão que se deixou transcrita no início do presente acórdão.

Vejamos:

O âmbito dos recursos delimita-se pelas conclusões da motivação em que se resumem as razões do pedido. Sendo as conclusões proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação (cfr. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Edição de 1981, Pág. 359).

No que concerne à primeira questão, impõe-se salientar que qualquer recorrente tem de apresentar motivação em que enuncie especificamente os fundamentos do recurso e termine pela formulação de conclusões deduzidas por artigos em que resuma as razões do pedido, tal como é imposto pelo n.º l do Art.º 412º do C.P.Penal.
Deve, pois, habilitar o Tribunal de recurso a conhecer, com rigor, as suas discordâncias com a decisão recorrida, as suas pretensões e as razões de direito de uma e de outras, uma vez que o mesmo não pode substituir-se às partes suprindo as suas deficiências, sob pena de, ao fazê-lo, estar a interpretar de forma incorrecta o respectivo pensamento.
É que, ao contrário do que sucedia na vigência do Código de Processo Penal de 1929 que era dominado pelo princípio do conhecimento amplo, em que o Tribunal de recurso supria as insuficiências dos intervenientes processuais, “hoje a elaboração de um recurso, pelas exigências legais que sobre ele recaem, obedece a uma técnica, não diremos difícil de executar, mas exequível somente com conhecimentos e com vigilância” (Acórdão da Relação de Lisboa de 14-01-2000 da 5ª Secção Criminal proferido no Proc. 8190/99).
Tendo sido abandonado o princípio do conhecimento amplo que radicava numa concepção paternalista pouco consentânea com a preparação técnica que, actualmente, se exige aos operadores judiciários, deixou de fazer qualquer sentido a inclusão, na parte final das conclusões do recurso, a formulação tantas vezes repetida de “... que V. Ex.ªs doutamente suprirão”, impondo-se aos recorrentes a formulação das suas pretensões com rigor e clareza.
Versando o objecto do recurso matéria de facto, o recorrente deve dar cumprimento ao disposto nas alíneas a) e b) do n.º 3 do Art.º 412° do C.P.Penal, especificando os pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Ora, no caso em apreciação, verifica-se que o recorrente não obedeceu estritamente a tal comando legal.
Contudo, não seria por semelhante irregularidade que se tomaria a drástica medida de rejeição do recurso pelo mesmo deduzido.
Pretende este que, face à prova produzida em audiência, seja feita uma outra apreciação, para o que indica o modo como ele próprio a levaria a cabo.
Esquece, no entanto, que, nos termos do Art.º 127° do C.P.Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A livre apreciação da prova não pode, pois, ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, por conseguinte, imotivável.
Pelo contrário, há-de traduzir-se numa valoração racional e crítica, feita de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.
A supra aludida norma manda, pois, valorar a generalidade dos meios de prova produzidos em processo penal segundo as regras da experiência e a prudente convicção do tribunal (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional de 19-11-1996, in D.R. – II Série de 06-02-1997).
Tal como já se deixou exarado supra, ao tribunal superior não cabe fazer um segundo julgamento, mas uma reapreciação da decisão proferida em 1a instância, limitada ao exame e controle dos elementos probatórios valorados pelo tribunal a quo, a qual é feita em face das regras da experiência e da lógica.
Competindo, pois, ao Tribunal da Relação verificar a existência da prova, controlar a legalidade desta, inclusive do ponto de vista da observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório e publicidade e constatar a não adequação lógica da decisão relativamente a ela.
Importa, pois, apurar, se alguma razão assiste ao recorrente, nomeadamente face ao teor do documento de fls. 48 dos autos.
Ora, nada do que pelo mesmo foi salientado se revela susceptível de, por si só, conduzir ao desiderato por ele pretendido.
E dizemos isto, desde logo, porque, compulsada a motivação da sentença impugnada, se verifica que o tribunal recorrido não só indicou os meios de prova, como fez o respectivo exame crítico, demonstrando preocupação em esclarecer quais as razões determinantes do percurso lógico, racional e objectivo que conduziu à valoração que deles fez.
Na verdade, tal como nela expressamente se refere, o recorrente afirmou ter comprado a máquina sub judice já com licença.
Assim, esta asserção, ao contrário do sustentado, em nada contraria o que consta do sobredito documento.
É que tendo o recorrente comprado a máquina já com licença, só se pode legitimamente extrapolar, de forma efectiva, não ter sido ele quem obteve a aprovação dos temas de jogo da máquina em causa junto da I.G.J., conforme se pretende.
Todavia, aquilo que já não se pode de, forma alguma, aceitar, é que o mesmo nunca tenha suspeitado que essa máquina desenvolvesse outros jogos que não os constantes da licença e, ainda por cima, ilegais.
E dizemos isto porque, sendo certo, que o arguido já trabalhava na área de máquinas de jogo há vários anos e fazia de tal actividade o seu modo de vida, não é admissível que tenha comprado a máquina sem verificar o tipo de jogos que ela continha.
Por outro lado, como muito bem salienta o Digno Magistrado do Mº Pº em 1ª Instância, o arguido sabia que a I.G.J. autoriza com base na descrição de jogos efectuada pelo requerente, não tendo meios humanos para verificar cada máquina em particular, e que após a autorização podem ser adicionados jogos, através de uma nova placa.
O que, aliás, nem sequer se pode estranhar, atendendo até à vasta experiência e conhecimentos do ora recorrente na área deste tipo de jogos.
Tornava-se, pois, imperioso concluir, como legitimamente aconteceu, que o arguido C. conhecia bem as características dos jogos que mandou colocar no estabelecimento das arguidas e que para a respectiva divulgação e exploração não estava autorizado, sabendo que tal conduta lhe era proibida.
Inexistem, assim, dúvidas de que a convicção do tribunal resultou da análise e ponderação que, segundo as regras da lógica e as máximas da experiência da vida, fez recair sobre a globalidade do material probatório, sendo certo que se nos afigura ter sido o mesmo escrutinado, de forma clara, simples e coerente, naquilo que releva para efeito de apuramento do iter criminis.
Impõe-se, ainda, salientar que nem sempre a prova em que se baseia o tribunal é prova directa.
Não pode, contudo, deixar de ser valorada à luz da experiência comum e de forma concertada com todos os elementos de prova, designadamente no que concerne a aspectos que digam respeito ao foro íntimo das pessoas, tal como sucede com as intenções e também com a consciência da ilicitude.
E, tratando-se de processos interiores, se não forem admitidos pelos próprios, só uma avaliação alicerçada em presunções judiciais, não proibidas por lei, com base nos demais factos apurados e nas circunstâncias e contexto global em que se verificam e em dados da personalidade do agente, avaliação essa permitida se feita com respeito pelas regras da experiência comum, permite retirar tais conclusões.
Outrossim, não está vedado ao julgador estabelecer presunções desde que assentes em factos, sendo a este propósito que faz todo o sentido apelar às regras da experiência comum pois são elas o necessário elemento aglutinador da avaliação feita a partir dos meios de prova para fazer assentar em factos provados e adquiridos outros não imediatamente apreensíveis mas que se impõem ao juízo de um cidadão de medianas capacidades e conhecimentos de vida.
Nada obstava, pois, a que se tivesse dado como assente o exarado no ponto n.º 17 da matéria de facto constante da sentença recorrida.
Deste modo, falece, nesta parte, qualquer tipo de razão ao recorrente no que concerne à impugnação da matéria de facto que, assim, se dá por definitivamente assente tal como foi descrita e considerada provada pelo Tribunal de 1ª Instância.

No que se prende com a segunda questão, torna-se, desde logo, forçoso traçar uma breve resenha da evolução histórica da disciplina jurídica do jogo em Portugal.
Assim, verifica-se que o Código Penal de 1886 começou por regular a matéria, sob a epígrafe de “jogos e lotarias”, nos seus Art.ºs 264° a 272°, sancionando a prática dessas actividades, fora dos condicionalismos legais, com penas que variavam entre l mês e 6 meses de prisão e, em caso de reincidência, com prisão de 2 meses até l ano.
Por sua vez, o Decreto n.º 14.643 de 3 de Dezembro de 1927, pondo termo a uma longa tradição, veio autorizar a exploração de jogos de fortuna ou azar, em regime de concessão de exclusivo, em determinadas localidades qualificadas como zonas de jogo.
Subsequentemente, em 01-04-1969, entrou em vigor a disciplina jurídica do jogo constante do Decreto-Lei n.º 48.912 de 18 de Março de 1969, que reuniu num só diploma disposições dispersas por diversos decretos avulsos que, entretanto, haviam sido publicados.
Este diploma, no seu Art.º 1°, definia como de fortuna ou azar “os jogos cujos resultados são contingentes, por dependerem exclusivamente da sorte”.
Além disso, o Art.º 2° prescrevia que a prática de tais jogos só era permitida nos casinos existentes nas zonas de jogo e nas épocas estabelecidas para o seu funcionamento.
O Art.º 4° elencava os tipos de jogos de fortuna ou azar, cuja exploração era autorizada nos casinos das zonas de jogo, apenas compreendendo jogos bancados e jogos não bancados e, a nível de máquinas, apenas o constante do n.º 3 – máquinas automáticas (pagando directamente fichas ou moedas).
O Art.º 56°, por seu turno, estatuía que aqueles que infringissem o disposto no sobredito Art.º 2°, quer explorando jogos de fortuna ou azar, incluindo máquinas automáticas de fichas ou moedas, quer exercendo a sua actividade na respectiva exploração, eram punidos com prisão de 6 meses a 2 anos e demissão dos seus cargos se fossem funcionários do Estado ou dos corpos administrativos.
Constatava-se, ainda, que o Decreto-Lei n.º 48.912 continha já a regulamentação do que chamava, fazendo uso de uma terminologia que se sedimentaria na legislação posterior, de “modalidades afins do jogo de fortuna ou azar”, considerando como tais “as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside essencialmente na sorte” (veja-se o Art.º 43°, corpo, iniciando o capítulo VI do citado diploma, sob a epígrafe “Das modalidades afins do jogo de fortuna ou azar, incluindo a aposta mútua”), que ficaram dependentes de autorização casuística do Ministro do Interior (delegável nos governadores civis – veja-se o despacho n. ° 17/90, do Ministro da Administração Interna, publicado no D.R. n. ° 45, 2a série, de 22/02/90).
De harmonia com o § 1° da referida disposição legal, eram especialmente abrangidas pelo citado Art.º 43° “as rifas, tômbolas, sorteios, assim como quaisquer máquinas automáticas cujo funcionamento não dependa da utilização, nem origine a atribuição de fichas e para cujos resultados não influa a perícia e, ainda, os concursos de publicidade, ou outros, em que se verifique a atribuição de prémios”.
A promoção de qualquer dessas modalidades, em conformidade com a lei, consistia na prática de uma transgressão, sujeita à aplicação de multa (Art.º 59°, corpo).
Saliente-se que o Art.º 44° prescrevia que não se consideravam abrangidos na disposição anterior a instalação e exploração de aparelhos automáticos ou quaisquer dispositivos destinados unicamente à venda de artigos ou produtos, quando a importância despendida não excedesse o valor comercial dos mesmos.
Ulteriormente, o Decreto-Lei n.º 293/81 de 16 de Outubro estabeleceu o regime de registo e exploração de máquinas eléctricas de diversão.
Em 16 de Fevereiro de 1985, entraram em vigor os Decretos-Lei n.°s 21/85 e 22/85, ambos de 17 de Janeiro desse ano.
O primeiro definia o regime de exploração de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas ou electrónicas de diversão, tendo sido, posteriormente, revogado pelo Art.º 3° do Decreto-Lei n.º 316/95 de 28 de Novembro.
O segundo, por seu turno, introduziu alterações ao Decreto-Lei n.º 48.912.
Qualquer destes diplomas legais mais não visou do que corresponder à evolução dos tempos, tendo em conta a evolução tecnológica que as máquinas sofreram.
Como se acentuou no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 22/85, “são muitas e sofisticadas as modalidades de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas ou electrónicas, que, embora não pagando directamente prémios em dinheiro ou em fichas, se têm revelado meios apropriados para a prática ilegal de jogos de fortuna ou azar, na medida em que favorecem a aposta de dinheiro sobre os créditos representados nas pontuações em que se traduzem os seus resultados, dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte. A solução legal até agora adoptada, consistente na qualificação de tais máquinas como de diversão e na sua sujeição ao regime instituído para as máquinas de tipo flipper, tem-se revelado ineficaz para prevenir e reprimir o seu emprego na aludida prática de jogo ilícito”.
Acrescentando, ainda: “Justifica-se, assim, a revisão do enquadramento legal daquelas máquinas, qualificando-se as mesmas como verdadeiros jogos de fortuna ou azar e, consequentemente, restringindo-se o seu uso aos casinos das zonas de jogo autorizadas”.
Na prossecução deste propósito, o Art.º 1° do predito Decreto-Lei n.º 22/85 veio aditar o n.° 4 ao Art.º 4° do Decreto-Lei n.º 48.912 (que passou a constituir um novo tipo de jogos de fortuna ou azar, apenas autorizado nos casinos das zonas de jogo), do seguinte teor: “4) Máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas ou electrónicas que, não pagando directamente prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”.
O mesmo Decreto-Lei n.º 22/85, no seu Art.º 2°, alterou a redacção do § 1 do Art.º 43° do Decreto-Lei n.° 48.912, retirando do elenco das modalidades afins aí referidas os jogos desenvolvidos por quaisquer máquinas automáticas.
Por outro lado, o Art.º 56° do referido Decreto-Lei n.° 48.912, com a redacção introduzida pelo Art.º 3° daquele Decreto-Lei n.º 22/85, passou a punir a exploração das máquinas automáticas referidas no n.° 4 do Art.º 4°, em desconformidade com as exigências legais, com prisão de 6 meses a 2 anos.
Fora deste regime, por não favorecerem as apostas ilícitas, embora sujeitas a uma regulamentação própria, ficaram as máquinas de mera diversão, definidas no Art.º 2° do Decreto-Lei n.º 21/85 como aquelas que, não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico desenvolvessem jogos cujos resultados dependessem exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador (não importando que a este fosse concedido o prolongamento da utilização gratuita da máquina face à pontuação obtida).
Trata-se, no essencial, de uma noção reproduzida pelo Art.º 16°, n.º 1 do Decreto-Lei n. ° 316/95 de 28 de Novembro, estando a exploração destas máquinas dependente do respectivo registo e da concessão da correspondente licença de exploração emitida pelo governador civil do distrito (Art.ºs 17° e 20°).
Deste modo, pode-se, indubitavelmente, concluir que os jogos em máquinas, com pontuação exclusiva ou fundamentalmente dependente da sorte, passaram a constituir, materialmente, jogos de fortuna ou azar.
Em 01-01-1990, entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro, que no seu Art.º 1° definiu, precisamente, os jogos de fortuna ou azar como sendo “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.
Trata-se de uma noção formalmente semelhante à contida no Art.º 1° do supra mencionado Decreto-Lei n.º 48.912, com uma única diferença – dantes falava-se em jogos que dependiam “exclusivamente da sorte”, muito embora a lei já considerasse enquadrados (e contínua a considerar) nos jogos de fortuna ou azar jogos nos quais intervém uma certa dose de perícia do jogador (por ex: o black-jack/21; o bacará chemin de fer).
Por conseguinte, não estão excluídos, à partida, jogos que dependam, em certa medida, da perícia ou habilidade do jogador.
Tudo está em que o resultado (o ganhar ou perder) de tais jogos seja decidido, ou dependa em última instância, de algo que apenas a sorte pode ditar e que a perícia, a inteligência ou a habilidade do jogador não pode controlar.
Além da noção geral do Art.º 1°, o Decreto-Lei n.º 422/89 consagra, no n.° l do Art.º 4°, um enunciado, de carácter não taxativo, de tipos de jogos de fortuna ou azar, neles incluindo “jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte” (alínea g) desse normativo).
Na alínea f) da mesma disposição legal, são também considerados jogos de fortuna ou azar os “jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas”.
Prescrevendo-se, ainda, como regra geral que todos esses jogos somente podem ser explorados nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário, ou noutros locais especialmente autorizados, mediante concessão do Governo a empresas constituídas sob a forma de sociedades anónimas, já que o direito de explorar esses jogos é legalmente reservado ao Estado (Art.ºs 3°, 6º, 8° e 9°).
Assim, a nível de incriminação, dispõe o Art.º 108°, n.° l que quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias.
Contudo, este diploma não foi o último passo da evolução legislativa na disciplina jurídica do jogo, dado que o Decreto-Lei n.º 10/95 de 19 de Janeiro (que reportou os seus efeitos a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 1995), introduziu alterações em algumas das disposições do Decreto-Lei n.° 422/89, em especial sobre as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, cuja regulamentação pelo antigo Decreto-Lei n.º 48.912 havia sido deixada incólume pelo diploma de 1989 (veja-se o Art.º 160°, n. ° 2 do Decreto-Lei n.° 422/89 na sua versão originária).
Deste modo, perante o que passou a prescrever o Art.º 159°, n.º l do Decreto-Lei n.° 422/89, reformulado pelo citado Decreto-Lei n.º 10/95, “modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar” são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico”, acrescentando o n.° 2 que são abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, “rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos”.
A exploração de tais modalidades afins depende de autorização (Art.º 160°), sob pena de ser punida com coima, a título de contra-ordenação (Art.º 163°), estando vedada, em princípio, a entidades com fins lucrativos (Art.º 161°, n.º l).
Não pode deixar de se salientar que, de acordo com o que passou a estabelecer o Art.º 161°, n.º 3, as modalidades afins não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, exemplificando-se, além do mais, com os casos do póquer, roleta, dados, bingo, lotaria, totobola e totoloto.
Portanto, pode, de imediato, deixar-se expressamente consagrado que, até 16-02-1985, data em que entraram em vigor os Decretos-Lei n.°s 21/85 e 22/85, ambos de 17 de Janeiro, as máquinas automáticas que desenvolvessem jogos para cujos resultados não influísse a perícia, mas apenas a sorte, pagando directamente fichas ou moedas, integravam os jogos de fortuna ou azar, as máquinas automáticas cujo funcionamento não dependesse da utilização, nem originasse a atribuição de fichas e para cujos resultados não influísse a perícia, integravam as modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e, por último, eram de diversão as máquinas que, não pagando prémios em fichas, dinheiro ou coisas com valor económico, não assentassem os seus resultados exclusivamente na sorte, mas também no cálculo ou perícia do jogador.
Com o Decreto-Lei n.º 22/85, passaram para o âmbito dos jogos de fortuna ou azar os jogos de máquinas que. sendo até aí “modalidades afins”, se vinham revelando “meios apropriados para a prática ilegal de jogos de fortuna ou azar”, já que favoreciam a aposta de dinheiro sobre os créditos representados nas pontuações em que se traduziam os resultados, dependentes, exclusiva ou fundamentalmente, da sorte.
Dito de outro modo, com o Decreto-Lei n.º 22/85 e com o Decreto-Lei n.° 422/89, no que toca aos jogos desenvolvidos em máquinas, passaram a ser considerados de fortuna ou azar os que não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvessem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, apresentassem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Pelo que, não é elemento do tipo legal de crime de exploração de jogo de fortuna ou azar que o jogador tenha ganho ou perda de natureza económica consoante o resultado do jogo, porquanto o legislador quis prevenir o mero perigo de isso se poder verificar (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 24-05-1995).
Daí que os jogos proporcionados por máquinas com essas características – com resultados dependentes, exclusiva ou fundamentalmente, do acaso – sejam considerados de fortuna ou azar, quer paguem, quer não paguem directamente prémios em dinheiro ou em fichas, sendo o seu uso confinado às salas de jogo autorizadas.
O tratamento dualista dos jogos como sendo de fortuna ou azar, por um lado, ou suas “modalidades afins”, por outro, continua a suscitar algumas dificuldades, quando se trata de definir com rigor o respectivo elemento diferenciador.
Sendo contingente o resultado, quer na exploração de jogos de fortuna ou azar, quer nas modalidades afins, por depender, principal ou exclusivamente, da sorte, conclui-se não ser a aleatoriedade do resultado o que permite distinguir estes jogos.
O critério de “prémios previamente fixados” nas modalidades afins de jogos de fortuna ou azar e “prémios não previamente fixados” nos jogos de fortuna ou azar, podendo ser tendencialmente correcto, não é exacto.
Ora, há jogos de fortuna ou azar que não pagam prémios em fichas ou moedas e nem por isso deixam de ser classificados como tais, não se podendo, assim, falar de prémios previamente fixados, nem de prémios não previamente fixados (cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 05-02-1997 e de 09-07-1997, respectivamente, in C. J., Ano XXII - 1997, Tomo I, Págs. 249 e segs. e C. J., Ano XXII - 1997, Tomo IV, Págs. 234 e segs.).
Outrossim, o verdadeiro elemento diferenciador radica nas “operações oferecidas ao público”, existentes nas modalidades afins e inexistentes no jogo de fortuna ou azar propriamente dito. Isto é, nas modalidades afins (em cuja definição o legislador seguiu técnica análoga à dos exemplos-padrão, combinando uma cláusula geral abrangente com uma enumeração exemplificativa de modalidades que concretizam o conceito-base), “pressupõe-se sempre a procura e oferta ao público, pelas respectivas promotoras e não a mera colocação dos jogos em estabelecimentos para o efeito, em que o público aí se dirige para a respectiva prática.”
Nos casos de máquinas que desenvolvem o tema do jogo de póquer, ainda que utilizando bonecos, cores ou outros símbolos em vez de cartas, suscitaram-se, por vezes, dúvidas sobre se deveriam ser enquadradas entre os jogos de fortuna ou azar, fosse por desenvolverem temas próprios de um jogo de fortuna ou azar, fosse por apresentarem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Argumentou-se, contra o enquadramento como jogo de fortuna ou azar, com o facto de o póquer ser um jogo em que intervém a perícia e a inteligência do jogador, bem como com o teor de alguns regulamentos policiais (vejam-se: o Regulamento de Jogos do Governo Civil do Distrito de Lisboa, D.R. II, de 12 de Dezembro de 1961; o Regulamento Policial do Distrito de Santarém, aprovado por despacho ministerial, publicado no D.R., II, 304, de 31 de Dezembro 1993; o projecto, de 6 de Abril de 1994, de Regulamento Policial do Distrito de Lisboa, D.R., II, 80) que inculcariam ser o póquer um jogo de estratégia mental, não qualificado como de fortuna ou azar, cuja prática era admitida em determinadas associações e mediante prévia licença dos governos civis.
No entanto, afigura-se-nos que, no manejo das máquinas que desenvolvem o terna do jogo de póquer, poderá intervir certa dose de perícia e inteligência do jogador, concretizada no conhecimento prévio das regras e na possibilidade de escolha das cartas (ou bonecos ou pinos de diversas cores) a manter, com vista a aumentar a possibilidade de obter uma sequência premiada, a que corresponde uma certa pontuação.
Todavia, a realização dessa combinação e a obtenção da concomitante pontuação – ou de qualquer pontuação – fica dependente de algo que é de todo independente dessa perícia ou inteligência, isto é, da carta ou cartas (ou bonecos ou pinos coloridos) que a máquina aleatoriamente faz surgir: o jogador não pode prever que cartas irão surgir, nem interferir, minimamente, na sua escolha. Por mais inteligente que seja o jogador, a sorte ditará sempre o resultado final do jogo.
Além disso, com o Decreto-Lei n.º 10/95 de 19 de Janeiro, mais concretamente com a redacção que introduziu no Art.º 161°, n.° 3 do Decreto-Lei n.º 422/89 – que neste aspecto pensamos ter um verdadeiro significado interpretativo (de interpretação autêntica) – tornou-se inequívoca a qualificação do póquer como jogo de fortuna ou azar.
Definido nestes termos o quadro legal, passemos, agora, a analisar o caso sub judice.
Consagrou-se na sentença em crise que a máquina referida em B), constituída por um móvel de pequenas dimensões, de cor preta e azul, com um écran vídeo, encontrando-se na parte superior direita o dispositivo de introdução de moedas, munido de uma ranhura, para introdução de moedas de Esc. 100$00, foi colocada no estabelecimento comercial de café denominado “::::::.ª”, sito na Rua ………, por pessoa não concretamente identificada, a mando do arguido C., proprietário da mesma, em data não apurada do mês de Agosto de 2000, com o consentimento das arguidas A. e B., a fim de ser explorada no referido estabelecimento e distribuídos entre estas e aquele, na proporção de 50%, os proventos eco­nómicos decorrentes de tal exploração e que o sistema de funcionamento é do tipo vídeo, com um sistema TOUCHSCREEN, ou seja, o jogador por toque de dedo faz as marcações no écran, sistema que dispensa botões, permitindo, após ligar a máquina à corrente, desenvolver vários tipos de jogos de diversão e quatro de fortuna ou azar, os quais são: o “21”; “Get 21”; “Striptease Boys”; e Striptease Girls;
Mais ficou provado que os jogos denominados “21” e “Get 21” desenvolvem-se da seguinte forma: 1) No jogo denominado “21”, aparecem cinco colunas e um baralho de cartas com uma ordenação inteiramente aleatória, que mostra sempre e apenas a primeira carta, a qual o jogador coloca numa das colunas (surgindo aleatoriamente outra carta aberta no seu lugar) na tentativa de, em cada coluna, obter o valor de 21 ou, a que sendo inferior, mais se aproxime. As cartas do baralho têm um valor numérico, o Ás vale 1 ou 11; as figuras valem 10 e as restantes cartas o seu valor; 2) O jogo denominado “Get 21” é no essencial idêntico ao jogo denominado “21”, apresentando as seguintes diferenças: - o jogo é desenvolvido apenas em 4 colunas, podendo o jogador no 1º nível queimar 5 cartas; - sempre que é obtida a pontuação de 21 numa das colunas, essa coluna fica novamente disponível para tentar obter outra pontuação de 21, mas, quando rebenta (ultrapassa 21), a coluna respectiva desaparece e que estes dois jogos são jogos em tudo semelhantes ao jogo do “Blackjack” dos Casinos, o qual depende única e exclusivamente da sorte, independentemente da perícia do jogador;
Deu-se, ainda, como assente que, por sua vez, os jogos denominados “Striptease Boys/Girls” desenvolvem-se da seguinte forma: - começa-se por seleccionar um striper ou uma striper (boys ou girls), aparecendo, de seguida, no écran a striper ou o striper seleccionado; - ao lado do striper com que estamos a jogar aparecem-nos dois conjuntos de cinco cartas: um conjunto na parte superior do écran e outro na parte inferior do écran, aparecendo-nos também as palavras “hold” e “draw”; - as cinco cartas do dealer (banca ou máquina) permanecem fechadas e as cinco cartas do jogador aparecem abertas; - então, selecciona-se a(s) carta(s) que achar mais conveniente(s) para formar uma combinação do jogo expressamente designado Poker, como: sequência real (Ás, Rei, Valete, Dama e 10 do mesmo naipe); sequência numérica, sequência de cor, fullen, trios, pares, etc., tudo dependendo da sorte, independentemente da perícia de quem joga; - escolhidas as cartas a reter e tocando em “draw”, as cartas são substituídas por outras e a jogada decide-se imediatamente ao serem viradas as cartas da banca (máquina) fechadas. Se a combinação obtida pelo jogador for vencedor, o striper ou a striper tira peças de roupa e são adicionados pontos ao “score”. Sempre que a combinação premiada do jogador, seja inferior à combinação obtida pela striper, esta veste novamente a peça de roupa anteriormente tirada; - o jogador dispõe de um tempo limitado para conseguir tirar todas as peças de roupa do/da striper, terminando o jogo quando o tempo disponível se esgotar ou logo que seja tirada toda a roupa do/da striper, sendo necessário utilizar mais créditos para continuar e que estes dois jogos mencionados “Striptease Girls” e “Striptease Boys” desenvolvem o mesmo tipo de jogo – o Poker praticado nos casinos portugueses – e têm como objectivo conseguir combinações premiadas, acima descritas, tudo dependendo única e exclusivamente da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador.
Ora, é por demais evidente que a máquina em questão desenvolvia jogos de fortuna ou azar, tal como os mesmos se encontram definidos nos Art.ºs 1º e 4°, n.º 1, alínea g) do Decreto-Lei n.° 422/89 de 2 de Dezembro, sendo, conforme já se deixou exarado supra, irrelevante, pois, que o jogador possa obter vantagem económica, maxime prémios em dinheiro, no caso de ganhar o jogo.
Carece, portanto, o recorrente, nesta parte, de qualquer razão naquilo que sustenta.

No que concerne à última questão, defende o recorrente que a pena de prisão que lhe foi aplicada pela prática do crime de exploração ilícita de jogo foi excessiva, devendo ser substituída por outra mais baixa.
Tal infracção é punida com prisão até dois anos e multa até 200 dias (cfr. Art.º 108º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro).
Por sua vez, não restam dúvidas de que a medida concreta da pena de prisão é determinada de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do Art.º 71º do C. Penal.
Por conseguinte, tal medida deve ser determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, para o que, por força do n.º 2 desse mesmo Artigo, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando-se, aí, a título exemplificativo, alguns desses factores, nomeadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos - alínea a); a intensidade do dolo - alínea b); os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram - alínea c); as condições pessoais do agente e a sua situação económica - alínea d) e a conduta anterior e posterior ao facto - alínea e).
Há que ter, porém, em conta que, “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (cfr. Art.º 40º, n.º 2 do mesmo Código).
Importa aqui, pois, referir o exarado no Acórdão do S.T.J. de 23-10-1996, publicado no B.M.J. 460º - 410: “De acordo com estes princípios, o limite da pena é o da culpa do agente. O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios da prevenção geral, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.
A medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade. Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras da prevenção especial. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade.”
O tribunal a quo fixou ao recorrente a pena concreta em 20 meses de prisão e em 180 dias de multa.
Entende, no entanto, este que lhe deveria ter sido aplicada uma pena inferior a 6 meses de prisão e substituída por igual tempo de multa ou outra não privativa da liberdade.
Ora, constata-se que o grau de ilicitude da conduta do recorrente não é muito elevado, atendendo a que apenas explorava uma máquina.
Verifica-se, por outro lado, que o dolo com que agiu foi, todavia, directo.
Não pode, igualmente, deixar de se considerar as prementes necessidades de prevenção, especial e geral, tendo em conta, prima facie, o extenso passado criminal do recorrente, devido, sobretudo, à prática do mesmo ilícito e, depois, os propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma desrespeitada, pela frequência com que estão a ser conhecidas violações do bem jurídico em causa.
Perante isto, fraca relevância tem o tempo entretanto decorrido desde a prática dos factos, bem como a circunstância do arguido se encontrar inserido social, profissional e familiarmente, desenvolvendo já uma actividade diferente.
Deste modo, afigura-se-nos, pois, adequada, proporcional e suficiente a pena de 20 meses de prisão que foi aplicada ao mesmo, a qual, consequentemente, se mantém.
Sendo certo que, assim, mais nada nos resta afirmar senão que, in casu, se verifica ser inaplicável o estatuído no Art.º 44º do C. Penal.
E daí que, também nesta parte, improceda, sem margem para qualquer dúvida, o recurso interposto, até porque não se vislumbra, em face do que acaba de se exarar, ter sido violado qualquer preceito legal e, muito menos, o indicado na respectiva motivação.
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Pelo exposto, acordam os juizes em negar provimento ao recurso, confirmando, na sua plenitude, a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.