Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA SANTOS | ||
Descritores: | VÍCIOS DA SENTENÇA VÍCIOS DA DECISÃO DE FACTO ACORDO DE PRÉ-REFORMA COACÇÃO MORAL | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/08/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I– Os vícios da sentença não se confundem com os vícios da decisão que incide sobre a matéria de facto. Os primeiros estão contemplados no artigo 615º do CPC, e dos segundos trata o artigo 662º do mesmo diploma legal. II– O não conhecimento pela primeira instância de parte da matéria de facto alegada nos articulados é susceptível de dar lugar ao mecanismo previsto no artigo 662º do CPC, a saber, à reapreciação pelo Tribunal da Relação da matéria de facto e da prova que sobre ela incide. Não se trata aqui do vício previsto no artigo 615º nº1 d), 1ª parte, do CPC. III– A coacção moral a que alude o artigo 255º do C.Civil pressupõe que o acto que determina o receio do mal e, por consequência, a prática da declaração negocial, seja um acto ilícito. IV– A comunicação de que está pendente um procedimento de despedimento colectivo , que abrange o Autor, não constitui um acto ilícito, e o facto de o Autor estar de baixa médica, não é, em princípio, impeditivo de que possa contratar com a sua entidade patronal. (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa I–Relatório AA, intentou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma de processo comum, contra a PETROGAL, S.A., pedindo seja A)- declarado anulado/nulo e/ou sem efeito o disposto no nº1 da cláusula 2ª do acordo de pré-reforma e substituído pelo teor da correspondente cláusula constante no doc. 17-A, junto à p.i, com efeitos retroactivos, desde 31.12.2020; B)-se condene a Ré a pagar/entregar ao Autor a quantia correspondente à diferença entre o valor recebido (65% do vencimento) e o valor devido (75% do vencimento), desde a data do acordo de pré-reforma até à declaração de anulação/ nulidade parcial e integral e efectivo pagamento, e ainda todos os créditos laborais devidos e a apurar, mesmo que em liquidação/execução de sentença, e ainda €.30.000,01, a título de danos morais, bem como outras perdas remuneratórias e demais prejuízos, em quantias a apurar em liquidação ou execução de sentença. Sem prescindir, pede ainda a condenação da Ré C)-nos demais danos, lucros cessantes e danos emergentes e despesas e encargos, suportados e a suportar pelo Autor, decorrentes da conduta ilícita e abusiva da Ré; D)-e ainda juros de mora e responsabilidade por custas. Para o efeito alega, que, a Ré propôs-lhe um acordo de pré-reforma que incluía uma proposta de 75% da retribuição; após uma recusa inicial, veio a dar a sua concordância mediante a condição de que o acordo abrangesse o pagamento de prémio extraordinário; entrou de baixa médica não tendo condições para a formalização do acordo; nesse período teve conhecimento da sua inclusão em processo de despedimento coletivo, sendo que para celebração de acordo a Ré oferecia agora um valor inferior; veio a aceitar o acordo de pré-reforma com o valor reduzido devido à pressão da Ré. *** Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação. *** Citada, a Ré contestou, impugnando os factos alegados pelo Autor. *** O Autor respondeu à contestação. *** Foi dispensada a realização de audiência prévia. *** Foi elaborado despacho saneador, que conheceu da validade e regularidade da instância, relegando o conhecimento da excepção de confirmação tácita o negócio para a sentença. *** Foi dispensada a enunciação dos temas da prova. *** Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo. *** A sentença julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos. *** Inconformado, o Autor interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que “A)- O objeto do presente recurso é a Douta Sentença, que julgou a ação improcedente, por não provada e em consequência decidiu absolver a Ré dos pedidos com custas a cargo do apelante. B)- Desde logo, também no presente recurso, invoca-se a nulidade da Douta Sentença e impugna-se decisão sobre a matéria de facto – com reapreciação da prova, porquanto existe ainda erro notório na respetiva apreciação – cfr. art.º 615º, n.º 1, alínea c) do C.P.C. – que resulta do texto da decisão recorrida, por si só, e ainda conjugada com as regras da experiência comum. C)- Efetivamente, o Douto Tribunal “a quo” não apreciou, valorou e julgou todos os factos essenciais expressamente invocados na p.i., para a boa decisão da causa, seguintes: - “a conduta da R., a partir de Julho de 2020 visou sempre o afastamento do A., desgastando-o psicologicamente, não se coibindo de utilizar todos os meios para o afastar do trabalho, constrangendo-o, pressionando-o, coagindo-o” – cfr. art.º 8 - “O A. não quis acreditar no que leu, pois trabalhava para a R. há mais de 40 anos e nada tinha feito de ilegal ou ilícito, limitando-se a exercer o seu direito de outorgar aquela proposta de acordo de pré-reforma quando retomasse as funções, depois de recuperar da sua enfermidade incapacitante.” – cfr. art.º 20 - “Acontece que, sem esperar, decorrido menos de 1 mês, em Novembro de 2020, o A. tomou conhecimento, através da Comissão de Trabalhadores, que estava indicado no processo de despedimento coletivo instaurado pela R. – Vide doc. 21 e ainda respetivo ponto 65.” – cfr. art.º 21 - “O A. estupefacto, receou seriamente pelo “fantasma” de ficar desempregado aos 64 anos de idade e com perda do seguro de saúde de que beneficiava da R., sendo-lhe essencial para assegurar uma velhice minimamente tranquila, até porque já padecia de enfermidade decorrente da idade e de malformação na perna.” – cfr. art.º 23 - “Ora, aquele processo de despedimento coletivo, instaurado – de má fé – pela R. consubstanciou o culminar duma efetiva coação e pressão sobre o A., sem olhar aos meios para atingir os seus fins, que sabia ilícitos, abusivos e de má fé – para obter do A. a aceitação dum acordo de pré-reforma que a R. lhe queria impor.” – cfr. art.º 24 - “Assim, tolhido na sua vontade, desesperado, com receio do futuro, para evitar a sujeição a despedimento coletivo e perder o seguro de saúde que a R. lhe concedia, submetido àquele meio de coação,” – cfr. art.º 25 - “Na realidade, não fosse aquele meio de coação (sujeição a despedimento coletivo), o A. não aceitaria a redução do valor da proposta de acordo de pré-reforma, mas” – cfr. art.º 28 - “perante a firme e intransigente posição da R. (“ou aceitava as condições impostas para o acordo de pré-reforma ou prosseguia o processo de despedimento coletivo”), tolhido e constrangido desta forma na sua vontade, viu-se obrigado a acatar o mísero acordo de pré-reforma imposto por aquela, contra a sua (do A.) verdadeira, efetiva e real vontade, para evitar ser prejudicado com o despedimento e perda do seguro de saúde.” – cfr. art.º 29 - “Ou seja, apenas aceitou aquele acordo de pré-reforma porque foi submetido pela R. a continuada e desgastante pressão, assim como,” – cfr. art.º 30 - “perante a forte coação que a R. estava a exercer sobre o A., que se encontrava doente e em estado doloroso, visando obter o acordo de pré-reforma com redução de quantias de vencimento, perante a submissão deste a um despedimento coletivo – Vide doc. 22” – cfr. art.º 31 - “Repare-se que um mês antes (quando ainda não existia algum processo de despedimento coletivo), o A. aceitou, mas não formalizou (por motivos de doença incapacitante) o acordo de pré-reforma que lhe permitiria auferir €.1.368,75 mensais (75% do vencimento), para agora ver-se obrigado, mediante coação (sujeito ao processo de despedimento coletivo), a formalizar por muito menos – €.1.202,00 (65% do vencimento) mensais! – Vide doc. 22 a 32.” – cfr. art.º 32 - “A R., finalmente (com a pendência do processo de despedimento coletivo e aproveitando-se do estado de doença do A.), “dando o dito por não dito” conseguiu extorquir ao A. a aceitação do referido acordo de pré-reforma, de valor a pagar mais reduzido, prejudicando-o.” – cfr. art.º 33 - “Previamente à instauração da presente ação judicial, o A. invocou perante a R. a invalidade do acordo de pré-reforma e tentou a resolução amigável da questão mediante interpelação extrajudicial (carta registada com aviso de receção enviada a 22.10.2021), cfr. doc. 33, cujo conteúdo faz parte integrante da presente,” – cfr. art.º 46º - “o que é certo é que, mesmo assim, a R. recebeu aquela, mas… NADA DISSE, NÃO REGULARIZOU A SITUAÇÃO, NEM PAGOU OS CRÉDITOS LABORAIS EM DIVIDA” – cfr. art.º 47 D)- Ora, a prova produzida era, salvo o devido respeito por melhor opinião, suficiente para julgar provados os factos supra, designadamente: declarações de parte do apelante, na sessão de Julgamento de 12.05.2022, conforme gravação de 00h04m23s e final ao minuto 00h26m55s; depoimento da testemunha BB, na sessão de Julgamento de 12.05.2022, conforme gravação de 00h00m01s e final ao minuto 00h15m24s; depoimento da testemunha CC, na sessão de Julgamento de 12.05.2022, conforme gravação de 00h00m01s e final ao minuto 00h25m54s; depoimento da testemunha DD, na sessão de Julgamento de 12.05.2022, conforme gravação de 00h00m01s e final ao minuto 00h18m45s; depoimento da testemunha EE, na sessão de Julgamento de 12.05.2022, conforme gravação de 00h00m01s e final ao minuto 00h41m37s; depoimento da testemunha FF, na sessão de Julgamento de 12.05.2022, conforme gravação de 00h00m01s e final ao minuto 00h21m52s; com respetivas transcrições nas alegações supra, que aqui se avoca; E)- Ora, os factos acima, aliados à prova documental respetiva e testemunhal correspondente, supra invocados, eram essenciais e suficientes, para decidir, judicialmente e julgar procedentes: i) o pedido de declaração de invalidade do n.º 1 da cláusula 2ª do acordo de pré-reforma – Doc. 22, junto à p.i. – por ANULADO/NULO, e/ou considerado sem efeito, seja a que titulo for, pela atuação do empregador contrária ao Princípio da boa fé e nos termos do art.º 235º e 236º do Código Civil, assim como da culpa in contrahendo (art.º 227º do Código Civil) e 29º do Código do Trabalho, que se invocaram expressamente e sobre a substituição daquela cláusula pela redação anterior, constante no Doc. 17-A, junto à p.i. por ser o correspondente à vontade do apelante e proposto livremente pela apelada, com o teor seguinte: “1.– Durante o período de pré-reforma e no pressuposto do pontual cumprimento pelo(a) 2.º (ª) Contraente das suas obrigações legais e contratuais, a 1ª Contraente pagará ao(à) 2.º (ª) Contraente uma prestação mensal de pré-reforma na importância líquida de €.1.368,75 (mil trezentos e sessenta e oito euros e setenta e cinco cêntimos).”; ii) E, ainda condenar a apelada nos créditos laborais em divida, respeitantes às férias não gozadas de 2020, correspondente a 30 dias, que ainda não foram liquidadas, cfr. pedido formulado no 2º ponto da alínea b), da p.i., a fls…, dos autos. Assim, a Douta Sentença deve ser reparada em conformidade, pelo disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea d) do C.P.C. ex vi art.º 1º, n.º 1 e 2 alínea a) do C.P.T. e ainda nos termos do art.º 74º do C.P.T. Não fosse suficiente o acima, mais se invoca: F)– Os factos julgados “não provados” nos pontos 1, 2, 4 e 5 da Douta Sentença, a fls…, dos autos, devem ser considerados provados, perante o depoimento das testemunhas e prova documental, designadamente face às declarações de parte do apelante, na sessão de Julgamento de 12.05.2022, conforme gravação de 00h04m23s e final ao minuto 00h26m55s e depoimento da testemunha BB, de forma isenta e credível, na sessão de Julgamento de 12.05.2022, conforme gravação de 00h00m01s e final ao minuto 00h15m24s (conforme transcrições vertidas nas alegações supra, que aqui se avocam evitando a repetição) G)–O facto julgado “não provado” no ponto 3 da Douta Sentença, a fls…, dos autos, deve ser considerado provado, perante a prova documental (documento n.º 21 junto à p.i.) e pelas declarações de parte do apelante, na sessão de Julgamento de 12.05.2022, conforme gravação de 00h04m23s e final ao minuto 00h26m55s, de acordo com transcrição vertida nas alegações supra, que aqui se avoca para evitar a repetição. H)–Face a todo o acima, a Douta Sentença, ora em crise, padeceu ainda de erro na valoração da prova, no julgamento da matéria de facto, não tendo ainda aplicado a decisão correta. I)– E ainda, a conduta da apelada supra exposta causou – direta, necessária e exclusivamente – os graves danos morais ao apelante suprarreferidos, que aqui também se avocam, evitando a repetição, pelo que deve pagar a este uma quantia, a título indemnizatório/compensatório pelos danos morais sofridos, a que se atribuiu de, pelo menos €.30.000,01 – Trinta mil euros e um cêntimo, mas a fixar por douto e sensato arbítrio deste Douto Tribunal. J)–Por conseguinte, a prova produzida não foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, extravasando a sua liberdade de apreciação, sem análise crítica das provas – cfr. impunha o art.º 607º nº.º 3 a 4 do C.P.C. pelo que também padece de vício previsto no art.º 615º, nº 1, alíneas c) e d) do C.P.C. K)–Assim, a conjugação de todos os elementos probatórios recolhidos, não permite manter a matéria de facto dada como “não provada” acima, justificando uma solução diferente da proferida pelo Tribunal “a quo”. L)– Perante os factos supra e toda a prova produzida, referida, conclui-se, resumidamente, que: - o apelante assinou o acordo de pré-reforma alterado (depois de inicialmente aceite por aquele) com o valor remuneratório mensal reduzido, imposto unilateralmente pela apelada, quando aquele sofria de manifesta incapacidade para o trabalho (que era do conhecimento da apelada), com a vontade totalmente tolhida pela falta de liberdade e plenitude de decisão, pois ainda sujeito ao assédio do processo de despedimento coletivo. - Tendo ainda, a apelada omitido ao apelante o facto da proposta inicialmente apresentada ter um pretenso prazo de validade. M)–Perante a jurisprudência, em que é expoente o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 11-04-2013, no proc. 774/09.3TBVCD.P1.S1, aplicável, mutatis mutandis, assim como, por aplicação do art.º 29º do Código do Trabalho e dos arts.º 227º (com a melhor Doutrina, em que é expoente o Mestre Professor Douto Vaz Serra, RLJ, 110º-276), 255º, 256º e 257º, todos do Código Civil, a Sentença deve ser revogada e a apelada condenada nos pedidos formulados. N)– Em resumo, devido a erros de julgamento e da apreciação da prova (mesmo segundo as regras da experiência comum), originaram uma Sentença inquinada, com vício de violação de lei e errada aplicação do direito, pelo que, não decidiu corretamente e deve ser revogada em conformidade, ou seja, a ação deve ser julgada totalmente procedente, por provada, com as demais consequências legais. TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO DOUTAMENTE SUPRIDOS REQUER, MUITO RESPEITOSAMENTE, A V.EXAS. SE DIGNEM DECLARAR NULA E/OU REVOGAR OU ALTERAR A DOUTA SENTENÇA DO TRIBUNAL “A QUO”, FACE AO SUPRA EXPOSTO E CONDENAR A APELADA NOS PEDIDOS FORMULADOS NA P.I., INCLUINDO OS MENCIONADOS CRÉDITOS LABORAIS EM DIVIDA, COM O QUE SE FARÁ SÃ, SERENA E OBJECTIVA JUSTIÇA!” *** A Ré contra-alegou, concluindo que “1.ª O Tribunal a quo conheceu todas as questões que devia apreciar, por isso todos os pedidos formulados nos autos e a causa de pedir invocada, pelo que não se verifica nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, com esta não se confundindo a selecção dos factos relevantes para a decisão da causa e a declaração destes como assentes ou não provados. 2.ª Não se vislumbra, nem o Recorrente esclarece, a propósito de que ponto a sentença recorrida encerra contradição entre decisão e respectivos fundamentos ou se mostra ininteligível, pelo que também não se verifica essa causa de nulidade arguida. 3.ª O Apelante pretende ver consignados como assentes 14 artigos alegados na petição inicial, o que sustenta pela reprodução, em bloco, de excertos do seu próprio depoimento de parte e dos testemunhos de cinco depoentes, sem estabelecer conexão probatória entre uns e outros. 4.ª O Recorrente não observou o ónus de fundamentar aquela pretensão, não tendo indicado os concretos meios probatórios que, relativamente a cada facto que pretende ver declarado, impunham decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo. 5.ª Os elementos probatórios disponíveis nos autos e, em concreto, os documentos juntos de fls. 24 verso a 25 verso e os depoimentos de BB, CC , DD e EE prestados na audiência final, não confirmam que o Recorrente tenha permanecido imobilizado de 14 de Outubro a 23 de Dezembro de 2020, nem que padecia de doença grave, incapacitante e dolorosa que o deixava sem condições, físicas e psicológicas, para outorgar o acordo de pré-reforma que afinal subscreveu. 6.ª A mesma prova revela que o Recorrente se deslocou à sede da Apelada para celebrar o acordo de pré-reforma, na companhia de mandatário que constituiu e que o aconselhou, no acto, a assinar o documento que titulava o acordo. 7.ª Pelo que improcede a pretensão do Recorrente ver consignados os factos que o Tribunal a quo declarou não provados sob os n.ºs 1 e 2, decisão que deve manter-se. 8.ª Nenhum elemento probatório constante dos autos sustenta a alegação de que o Apelante contactou o seu superior hierárquico para “reiterar a aceitação do acordo de pré-reforma”. 9.ª Ao invés, os factos assentes sob os n.ºs 20 a 22, os n.ºs 11 a 18 – que incluem troca de correspondência electrónica entre Recorrente e Recorrida –, e os n.ºs 23 e 24, todos declarados na sentença recorrida e não impugnados, bem como, de modo enfático, o depoimento de DD prestado nos autos, evidenciam ter o Apelante rejeitado a proposta inicial de pré-reforma com atribuição de prestação no valor correspondente a 75% da retribuição, motivo por que o facto n.º 4 não se encontra provado, como se consignou na sentença recorrida. 10.ª De prova alguma produzida nos autos resulta sentir-se o Recorrente “enganado”, “ludibriado”, “humilhado” ou “enxovalhado”, nem “amargurado”, “depressivo”, “introvertido”, “desmotivado” ou “desesperado”, pelo que deve improceder a sua pretensão de ver consignado o facto que o Tribunal a quo declarou não provado sob o n.º 5. 11.ª De acordo com o depoimento de DD ao subscrever o acordo de pré-reforma, o Recorrente terá mesmo ficado “mais satisfeito do que se fosse despedido”. 12.ª A circunstância de o Apelante ser o único técnico administrativo II abrangido pela intenção de despedimento colectivo comunicada pela Recorrida é irrelevante para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de Direito, dele não resultando que aquele despedimento tenha tido o “único fito pressionar/coagir o apelante a assinar um acordo de pré-reforma nas condições impostas unilateralmente pela apelada”. 13.ª Pelo que improcede a pretensão do Recorrente ver consignado o facto que o Tribunal a quo declarou não provado sob o n.º 3, decisão que deve manter-se. 14.ª O Apelante cumpriu o acordo de pré-reforma celebrado com a Apelada, vem auferindo desta a prestação correspondente, beneficiou das demais condições nele consignadas e recebeu o prémio extraordinário previsto em aditamento ao mesmo acordo, razão por que confirmou tacitamente o contrato concluído, sanando a anulabilidade que porventura existisse. 15.ª O vício de vontade alegado pelo Apelante não pode ser circunscrito a parte do contrato celebrado –em concreto, à estipulação do valor da prestação de pré-reforma a auferir por aquele –, nem a invalidade do acordo por coacção moral ou incapacidade acidental determinaria a substituição da cláusula inválida por outra. 16.ª A estipulação escrita do montante da prestação de pré-reforma constitui formalidade ad substantiam da constituição daquela situação jurídica, pelo que não poderia ocorrer redução do acordo de pré-reforma celebrado entre Recorrente e Recorrida, subsistindo o vínculo sem a parte que o primeiro entende viciada. 17.ª Ao comunicar ao Recorrente a intenção de despedimento colectivo, a Apelada não praticou acto ilícito, mas exerceu o direito constitucional de iniciativa económica, pelo que o primeiro não foi coagido a celebrar acordo de pré-reforma. 18.ª O princípio da boa-fé, a culpa in contrahendo e as estatuições dos artigos 235.º e 236.º do Código Civil não constituem causa de invalidade do negócio jurídico, não sustentando o correspondente pedido formulado nos autos pelo Apelante. 19.ª Os autos revelam que o Recorrente, de modo consciente e informado, ponderou as soluções alternativas de que dispunha, analisando aquela que comparativamente, lhe trazia maiores vantagens ou menores prejuízos e adequou o seu comportamento em resultado desta avaliação, por isso optando pela celebração de acordo de pré-reforma quando confrontado com a intenção de despedimento colectivo. 20.ª A reconstituição do processo negocial mantido entre as partes ilustra a inexistência de causa de invalidade do acordo de pré-reforma celebrado, em qualquer das configurações expostas pelo Recorrente. Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida. *** O Exmo Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos. Cumpre apreciar e decidir. *** II–Objecto Considerando as conclusões de recurso apresentadas, que delimitam o seu objecto, cumpre apreciar e decidir - se a sentença é nula; - se o tribunal a quo errou na decisão da matéria de facto quanto aos factos impugnados; - se ocorrem as causas para anulação do acordo firmado entre Autor e Ré, invocadas por aquele – culpa in contrahendo e coacção por parte da Ré. *** III–Fundamentação A–Matéria de Facto Provada São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância 1.- A R. é uma sociedade anónima com o objeto de: “a)- A refinação de petróleo bruto e seus derivados; b)- O transporte, distribuição e comercialização de petróleo bruto e seus derivados e de gás natural; c)- A pesquisa e exploração de petróleo bruto e de gás natural; d)- A produção, transporte e distribuição de energia elétrica e térmica proveniente de sistemas de cogeração e energias renováveis, incluindo a conceção, construção e operação de sistemas ou instalações; e)- Compra e venda e fornecimento de energia, nas suas diferentes formas, e prestação de serviços e exercício de atividades direta ou indiretamente relacionados com energia; f)- Aluguer de veículos de passageiros sem condutor, com e sem motor; g)- A atividade de comércio retalhista de produtos alimentares, utilidades domésticas, presentes e artigos vários onde se incluem medicamentos não sujeitos a receita médica/MNSRM, jornais, revistas, discos, vídeos, brinquedos, serviços de restauração, cafetaria e bebidas, incluindo, tabacos, cosméticos, artigos de higiene, de viagem e acessórios para veículo; h)- A exploração direta ou indireta de postos de abastecimento de combustíveis e de áreas de serviço e atividades complementares, nomeadamente estações de serviço e oficinas de reparação e manutenção automóvel, venda de peças e acessórios para veículos motorizado; i)- Quaisquer outras atividades industriais, comerciais, de investigação ou de prestação de serviços conexas com as referidas nas alíneas anteriores, bem como a prestação de serviços de gestão e administração a outras sociedades com as quais se encontre, direta ou indiretamente, em relação de capital.” 2.- A 10.11.1980, o A. foi admitido para trabalhar sob as ordens/autoridade, direção e fiscalização da R., mediante contrato de trabalho sem termo, para exercer as funções inerentes à categoria profissional “Contínuo com menos de dois anos”. 3.- O último local de trabalho do A. foi nas instalações da R., sitas na Rua ....., n.º ..., em Lisboa. 4.- O Autor detinha a categoria de “Técnico Administrativo II”. 5.- No início de Junho de 2020, a Ré identificou 140 postos de trabalho a extinguir. 6.- O Autor ocupava posto de trabalho que a Ré identificou como a extinguir. 7.- Pelo que a Ré lhe propôs a celebração de acordo de pré-reforma. 8.- Em 23 de Julho de 2020, a Ré deu a conhecer ao Autor as condições propostas para a pré-reforma deste. 9.- Em 23.07.2020, depois de contactar o Autor telefonicamente, a representante da Ré – Dra. GG- apresentou, por mensagem eletrónica, as condições propostas para o acordo de pré-reforma, conforme comunicação junta de fls.19 e segs., que se dão aqui por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais. 10.- Constava da referida proposta uma prestação de pré-reforma ilíquida de € 1.368,75. 11.- O Autor começou por recusar a proposta da Ré. 12.- Em 03/08/2020 o Autor respondeu à Ré que estaria disposto a celebrar o acordo, com a condição de produzir efeitos a partir de 31.12.2020, com atribuição, também, do prémio extraordinário de €.7.300,00 em janeiro de 2021, conforme email junto a fls. 20 e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, do qual consta: “Olá boa noite GG. Eu pensei bem no assunto, aceito ir para a pré-reforma com as seguintes condições: Sair em 31/12/2020, mas receber o prémio extraordinário no valor de 7 300,00 euros em janeiro de 2021. Agradeço que me mande tudo por escrito s.f.f.” 13.- A Ré disponibilizou-se a celebrar o acordo escrito de pré-reforma logo em 4 de Agosto de 2020. 14.- Tendo voltado a propor ao Autor a subscrição daquele acordo, em 8 de Outubro de 2020. 15.- O Autor não respondeu às mensagens da Ré. 16.- Apenas o fazendo em 13 de Outubro de 2020, para informar encontrar-se “com baixa”. 17.- O Autor esteve de baixa médica de 14.10.2020 a 23.12.2020. 18.- No período de 14.10.2020 a 23.12.2020 a Ré, através da funcionária da Ré, Dra. GG, e o Autor trocaram as seguintes comunicações: i)- A funcionária da Ré remeteu ao Autor o email de 15/10/2020, no qual comunica: “Boa tarde, Tem forma de assinar o acordo via email? Posso enviar por email, imprime, assina e devolve pela mesma via. Da nossa parte não tem problema.”; ii)- O Autor respondeu por email do mesmo dia do qual consta: “Olá boa noite GG tomei conhecimento na sua ideia mas enquanto estiver com baixa não resolvo problema dessa natureza. Obrigado pelo seu cuidado. Os meus cumprimentos.” iii)- A funcionária da Ré remeteu ao Autor o email de 20/10/2020, no qual comunica: “Boa dia AA, Pode sff responder com a sua intenção de assinar o Acordo de Pré-reforma. Precisamos de receber o contrato assinado. Caso contrário não conseguimos garantir as condições acordadas e o processo irá transitar para a nossa área de Legal”; 19.- Em 17 de Novembro de 2020, a Ré iniciou procedimento de despedimento coletivo, com a comunicação da correspondente intenção e documentação à sua Comissão Central de Trabalhadores. 20.- A intenção de despedimento coletivo respeitou a 12 trabalhadores. 21.- Com os quais a Ré não lograra, até então, acordar a cessação dos contratos de trabalho ou o ingresso em situação de pré-reforma. 22.- O Autor foi um dos 12 trabalhadores abrangidos pela intenção de despedimento coletivo. 23.- Em 23 de Novembro de 2020, o Autor contactou a Ré, por intermédio de mandatário. 24.- O qual expressou à Ré o propósito do Autor ingressar em pré-reforma, “mas com alguma melhoria da situação aparentemente proposta pelo valor percentual sugerido pela Galp (75% do salário)” 25.- A Ré comunicou ao Autor, através do seu mandatário, que a proposta de pré-reforma apresentada em Julho de 2020 não se mantinha. 26.- Propondo a Ré novas condições para aquela e, em concreto, a fixação em € 1.186,25 do valor da prestação de pré-reforma. 27.- O Autor subscreveu o correspondente acordo de pré-reforma, em 25 de Novembro de 2020, conforme acordo junto a fls.31v e segs. 28.- Por aditamento àquele acordo, a Ré obrigou-se a pagar ao Autor prémio extraordinário no valor de € 7.300. 29.- A Ré pagou e o Autor recebeu aquele prémio. 30.- Em data anterior a 25 de Novembro de 2020 a Ré comunicou ao Autor as novas condições para o acordo de pré-reforma e, em concreto, a fixação em € 1.186,25. 31.- O Autor receou ficar desempregado aos 64 anos de idade e com perda do seguro de saúde que beneficiava da Ré. 32.- Após Novembro, de 2020 a Ré propunha como prestação de pré-reforma o valor equivalente a 65% da retribuição. 33.- O Autor encontra-se em situação de pré-reforma, na modalidade de suspensão da prestação de trabalho, desde 31 de Dezembro de 2020. 34.- Em Janeiro de 2021, o Autor auferiu e fez sua, a prestação de pré-reforma no valor de € 1.186,25, montante sujeito a impostos e taxas legais. 35.- Em Dezembro de 2021, o valor da prestação de pré-reforma foi atualizado para € 1.202,00 mensais. 36.- Montante que o Autor recebeu e fez seu. 37.- A conduta da Ré a partir de Julho de 2020 visou sempre o afastamento do Autor, por virtude da reestruturação em curso na mesma. Aditado conforme decisão infra. 38.- Pelo menos em Novembro de 2020, o Autor tomou conhecimento, através da Comissão de Trabalhadores, que estava indicado no processo de despedimento colectivo instaurado pela Ré. Aditado conforme decisão infra. *** B- Matéria de Facto Não Provada A primeira instância considerou não provados os seguintes factos 1.- O A. ficou imobilizado de 14.10.2020 a 23.12.2020. 2.- O A. estava a sofrer, com doença grave, incapacitante e dolorosa, não estando em condições físicas e psicológicas para outorgar, conscientemente, o acordo de pré-reforma. 3.- O A. era o único “Técnico Administrativo II” objeto daquele despedimento coletivo instaurado pela R. 4.- O A., apesar de estar ainda enfermo, em estado doloroso, falou com o seu superior hierárquico – Diretor - no sentido de reiterar a aceitação do acordo de pré-reforma proposto pela R. em Agosto e com o teor apresentando em Outubro de 2020, ou seja, com vencimento correspondente a 75% da remuneração mensal. 5.- Sentiu-se enganado, ludibriado, amargurado, depressivo, triste, introvertido, desmotivado, desesperado, humilhado, enxovalhado. 6.- A Ré, em 23 de Julho de 2020, tenha informado o Autor que aquelas condições apenas valeriam pelo período aproximado de um mês, após o que não seriam mantidas. 7.- Em data anterior a 17 de Novembro de 2020, a Ré enviou ao A. um acordo de pré-reforma previamente elaborado e já firmado por representantes daquela, conforme acordo junto a fls.23, e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 8.- No caso de alguns, o valor inicial da prestação de pré-reforma correspondeu a 65% do montante da respetiva retribuição. *** IV–Apreciação do Recurso 1.-O Apelante invoca a nulidade da sentença, por ocorrência do vício previsto no artigo 615º nº1 d) do CPC, alegando que o tribunal a quo não apreciou diversos factos, alegados na petição inicial, a saber, nos artigos 8º, 20º, 21º, 23º a 25º, 28º a 33º, 46º e 47º. As causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciadas no art. 615º nº 1 do CPC, onde se estabelece que é nula a sentença, para o que ao presente caso interessa, “ d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. O recorrente confunde, no entanto, os vícios da sentença com os vícios da decisão que incidiu sobre a matéria de facto, sendo certo que estes não integram qualquer das situações de nulidade da sentença, taxativamente previstas no citado artigo 615º do CPC. No que respeita à matéria de facto, o erro de julgamento, que envolve o não conhecimento de parte da matéria de facto alegada, é susceptível de dar lugar ao mecanismo previsto no artigo 662º do CPC, a saber, à reapreciação pelo Tribunal da Relação da matéria de facto e da prova que sobre ela incide.[1] Afigura-se-nos que, face ao alegado no articulado de recurso, o que o Apelante pretende é ver reapreciada a matéria de facto. Improcede, pois, a invocada nulidade. *** 2.- O Apelante expressa impugnar a matéria de facto, alegando que a primeira instância não apreciou, valorou e julgou todos os factos essenciais invocados na p.i. São os seguintes os factos que o Apelante pretende ver provados e que alega na p.i. -“a conduta da R., a partir de Julho de 2020 visou sempre o afastamento do A., desgastando-o psicologicamente, não se coibindo de utilizar todos os meios para o afastar do trabalho, constrangendo-o, pressionando-o, coagindo-o” – cfr. art.º 8 - “O A. não quis acreditar no que leu, pois trabalhava para a R. há mais de 40 anos e nada tinha feito de ilegal ou ilícito, limitando-se a exercer o seu direito de outorgar aquela proposta de acordo de pré-reforma quando retomasse as funções, depois de recuperar da sua enfermidade incapacitante.” – cfr. art.º 20 - “Acontece que, sem esperar, decorrido menos de 1 mês, em Novembro de 2020, o A. tomou conhecimento, através da Comissão de Trabalhadores, que estava indicado no processo de despedimento coletivo instaurado pela R. – vide doc. 21 e ainda respetivo ponto 65.” – cfr. art.º 21 - “O A. estupefacto, receou seriamente pelo “fantasma” de ficar desempregado aos 64 anos de idade e com perda do seguro de saúde de que beneficiava da R., sendo-lhe essencial para assegurar uma velhice minimamente tranquila, até porque já padecia de enfermidade decorrente da idade e de malformação na perna.” – cfr. art.º 23 - “Ora, aquele processo de despedimento coletivo, instaurado – de má fé – pela R. consubstanciou o culminar duma efetiva coação e pressão sobre o A., sem olhar aos meios para atingir os seus fins, que sabia ilícitos, abusivos e de má fé – para obter do A. a aceitação dum acordo de pré-reforma que a R. lhe queria impor.” – cfr. art.º 24 - “Assim, tolhido na sua vontade, desesperado, com receio do futuro, para evitar a sujeição a despedimento coletivo e perder o seguro de saúde que a R. lhe concedia, submetido àquele meio de coação,” – cfr. art.º 25 - “Na realidade, não fosse aquele meio de coação (sujeição a despedimento coletivo), o A. não aceitaria a redução do valor da proposta de acordo de pré-reforma, mas” – cfr. art.º 28 - “perante a firme e intransigente posição da R. (“ou aceitava as condições impostas para o acordo de pré-reforma ou prosseguia o processo de despedimento coletivo”), tolhido e constrangido desta forma na sua vontade, viu-se obrigado a acatar o mísero acordo de pré-reforma imposto por aquela, contra a sua (do A.) verdadeira, efetiva e real vontade, para evitar ser prejudicado com o despedimento e perda do seguro de saúde.” – cfr. art.º 29 - “Ou seja, apenas aceitou aquele acordo de pré-reforma porque foi submetido pela R. a continuada e desgastante pressão, assim como,” – cfr. art.º 30 - “perante a forte coação que a R. estava a exercer sobre o A., que se encontrava doente e em estado doloroso, visando obter o acordo de pré-reforma com redução de quantias de vencimento, perante a submissão deste a um despedimento coletivo – Vide doc. 22” – cfr. art.º 31 - “Repare-se que um mês antes (quando ainda não existia algum processo de despedimento coletivo), o A. aceitou, mas não formalizou (por motivos de doença incapacitante) o acordo de pré-reforma que lhe permitiria auferir €.1.368,75 mensais (75% do vencimento), para agora ver-se obrigado, mediante coação (sujeito ao processo de despedimento coletivo), a formalizar por muito menos – €.1.202,00 (65% do vencimento) mensais! – vide doc. 22 a 32.” – cfr. art.º 32 - “A R., finalmente (com a pendência do processo de despedimento coletivo e aproveitando-se do estado de doença do A.), “dando o dito por não dito” conseguiu extorquir ao A. a aceitação do referido acordo de pré-reforma, de valor a pagar mais reduzido, prejudicando-o.” – cfr. art.º 33 - “Previamente à instauração da presente ação judicial, o A. invocou perante a R. a invalidade do acordo de pré-reforma e tentou a resolução amigável da questão mediante interpelação extrajudicial (carta registada com aviso de receção enviada a 22.10.2021), cfr. doc. 33, cujo conteúdo faz parte integrante da presente,” – cfr. art.º 46º - “o que é certo é que, mesmo assim, a R. recebeu aquela, mas… NADA DISSE, NÃO REGULARIZOU A SITUAÇÃO, NEM PAGOU OS CRÉDITOS LABORAIS EM DIVIDA” – cfr. art.º 47. A sentença recorrida, depois de fundamentar os factos provados e não provados, refere “Não se consignaram factos meramente conclusivos ou de direito.” Na verdade, boa parte da matéria alegada e sobre a qual o recorrente pretende seja proferida decisão são asserções conclusivas pois comportam em si juízos de valor que deveriam ser extraídos de factos concretos, sendo que apenas estes podem ser objecto de prova. Nos termos do disposto no artigo 5º nº3 do CPC, compete ao juiz apreciar da correcção do alegado pelas partes, quanto ao juízo de qualificação de uma expressão como conclusiva, por tal envolver a indagação, interpretação e aplicação de regras de direito. Só os factos concretos podem ser objecto de prova, o que exclui “os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, directamente, o sentido da decisão final do litígio”[2]. Como vem afirmando a jurisprudência, “Só os factos concretos podem ser objecto de prova, pelo que as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o Tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito.”[3], e ainda (no mesmo aresto) “É assim, como se observou no Acórdão deste Supremo de 23 de Setembro de 2009, publicado em www.dgsi.pt (Processo n.º 238/06.7TTBGR. S1), «[n]ão porque tal preceito[4], expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.» Assim, a reapreciação deste tribunal centrar-se-á sobre a seguinte matéria factual - artigo 8º da p.i. – a conduta da Ré a partir de Julho de 2020 visou sempre o afastamento do Autor. Tudo o resto alegado neste artigo é matéria conclusiva. - artigo 20 da p.i. – toda a matéria é conclusiva. O facto que tem interesse é o que já consta provado sob o nº 18 dos factos provados. - artigo 21º da p.i. – em Novembro de 2020, o Autor tomou conhecimento, através da Comissão de Trabalhadores, que estava indicado no processo de despedimento colectivo instaurado pela Ré. - artigo 23º da p.i. – A matéria factual com interesse já consta do ponto 31 dos factos provados. A restante matéria é conclusiva e irrelevante. - artigo 24º da p.i. – o despedimento colectivo foi instaurado pela Ré para obter do Autor a aceitação de um acordo de pré-reforma. Toda a restante matéria é conclusiva. - artigo 25º da p.i. – parte da matéria já está contemplada no artigo 23º da p.i. A restante matéria é conclusiva. - artigo 28º da p.i. – O Autor não aceitaria a redução do valor da proposta de acordo de pré-reforma não fosse a sujeição a despedimento colectivo. A demais matéria é conclusiva. - artigo 29º da p.i. – a Ré comunicou-lhe que “ou aceitava as condições impostas para o acordo de pré-reforma ou prosseguia o processo de despedimento colectivo”, o que constrangeu a sua vontade, acatando, contra a sua vontade, o acordo de pré-reforma proposto. A demais matéria é conclusiva. - artigo 30º da p.i. - trata-se de matéria conclusiva. - artigo 31º da p.i. – trata-se de matéria conclusiva. - artigo 32º da p.i. – a matéria que interessa já consta dos pontos 12, 25 e 26 dos factos provados. A demais matéria é conclusiva. - artigo 33º da p.i. – trata-se de matéria conclusiva. - artigo 46º da p.i. – trata-se de matéria irrelevante para a decisão da causa, tal como ela está estruturada pelo Autor, no que concerne à sua causa de pedir, fundada em factos com que o Autor pretende demonstrar a existência de má-fé por parte da Ré, e coacção subjacente à subscrição do acordo. - artigo 47º da p.i. trata-se de matéria conclusiva. Este tribunal ouviu e apreciou toda a prova produzida. Relativamente à matéria do artigo 8º da p.i., não há dúvida de que a Ré pretendia o afastamento do Autor da empresa, como o de outros trabalhadores, no âmbito de uma reestruturação da própria empresa. É o que resulta, aliás, da contestação – artigos 9º a 13º - e o que resulta do depoimento de EE, economista e gestor de recursos humanos na Ré. O facto constará como provado, com a seguinte redacção “A conduta da Ré a partir de Julho de 2020 visou sempre o afastamento do Autor, por virtude da reestruturação em curso na mesma.” Quanto ao faco descrito sob o artigo 21º da p.i., desconhece-se exactamente qual foi o momento em que o Autor teve conhecimento de que estava abrangido pelo procedimento de despedimento colectivo, mas foi, pelo menos no momento ali referido. É o que resulta das declarações do próprio Autor. Também a testemunha CC declarou que soube do despedimento colectivo – que também a abrangia - em Novembro de 2020, sendo certo que a comunicação do facto à Comissão de Trabalhadores ocorreu por comunicação datada de 17 de Novembro de 2020, conforme documento 21 junto com a p.i. O facto terá a seguinte redacção - “Pelo menos, em Novembro de 2020, o Autor tomou conhecimento, através da Comissão de Trabalhadores, que estava indicado no processo de despedimento colectivo instaurado pela Ré.” Quanto à matéria factual descrita nos artigos 24º, 28º e 29º da p.i. - se o despedimento colectivo foi instaurado pela Ré para obter do Autor a aceitação de um acordo de pré-reforma; se o Autor não aceitaria a redução do valor da proposta de acordo de pré-reforma não fosse a sujeição a despedimento colectivo; se a Ré lhe comunicou que “ou aceitava as condições impostas para o acordo de pré-reforma ou prosseguia o processo de despedimento colectivo”, o que constrangeu a sua vontade, acatando, contra a sua vontade, o acordo de pré-reforma proposto. - desde já se adianta que a prova produzida não demonstra tais factos. Esses factos nem mesmo resultam das declarações do próprio Autor. O Autor disse que em 23-07-2020 falaram consigo no sentido de passar à pré-reforma, propondo-lhe 75% do salário e que devia prescindir do prémio anual, o que desde logo não prescindiu. E também não concordou com a percentagem de 75%, tendo mais tarde instruído o seu Advogado para contrapropor 95% do salário. Entrou entretanto de baixa, a 14 de Outubro, e assim ficou até 23 de Dezembro. A Ré entrou em contacto consigo para que assinasse o acordo, do qual constaria o prémio de que não prescindia, mas respondeu que não o fazia porque estava debilitado e que apenas o faria quando regressasse ao serviço. E que, entre o momento em que foi contactado pela Ré e o momento em que entrou de baixa, também se sentia doente e debilitado e, por essa razão, também nessa altura não assinou o contrato. Mais tarde soube que tinha sido integrado num procedimento de despedimento coletivo, e que, por isso, dado que não queria ficar sem o seguro de saúde de que beneficia, acabou por assinar o acordo de pré-reforma, mesmo por um valor mais baixo, de 65% do salário, pois a alternativa era ficar desempregado. Conclui que foi pressionado a assinar o acordo de pré reforma, mais desfavorável do que o primeiro que lhe foi apresentado. A testemunha BB, que foi director adjunto da Ré até 2010, estando reformado desde essa altura, nada soube esclarecer acerca dos factos, pois tudo o que sabe sobre esta matéria foi o que o próprio Autor lhe relatou. CC, que também trabalhou para a Ré, estando em situação de pré-reforma (e tem um litigio judicial com a Ré), declarou que, em Junho de 2020, lhes foi proposta a passagem à pré reforma, com 75% da retribuição, mas, não aceitando tal proposta, em Outubro, souberam que estavam integrados num procedimento de despedimento colectivo, e, ou aceitavam passar à pré-reforma com 65% do salário, ou seriam abrangidos por esse despedimento. Declarou que, sabiam que, se não aceitassem os 75% do salário, que essa percentagem baixaria para 65%, mas não sabiam quando, ou seja, não sabiam até que data exactamente teriam de decidir. Que a inserção no procedimento de despedimento colectivo foi a causa de assinarem o acordo de pré reforma pelos 65% do salário, porque, se fossem despedidos, ficavam sem o seguro de saúde. Referiu ainda que já há cerca de 2 anos que a Ré falava em “despedimento colectivo”, mas ninguém acreditou. DD, foi motorista na Ré e encontra-se na situação de pré-reforma. Também ele tem um litigio judicial com a Ré. Declarou que teve uma reunião com a testemunha GG, em Agosto ou Setembro de 2020, e foi-lhe proposto ir para a pré-reforma com 75% do salário, sendo que, se não aceitassem tal proposta, o processo seguia para o contencioso da empresa. Não acreditou que a empresa, caso não aceitassem a proposta, os remetesse para o contencioso, mas, dois meses depois, estava abrangido pelo procedimento de despedimento colectivo . EE, gestor de recurso humanos na Ré, explicou que, em meados de Junho de 2020, iniciou-se um período negocial com os trabalhadores que estavam sinalizados para sair da empresa, explicaram-lhes as condições e entregaram-lhes uma ficha de cálculo da pré-reforma, com as condições aplicáveis. Os trabalhadores sabiam, porque tal lhes foi dito, que tinham entre 7 a 10 dias para dar uma resposta , e as condições propostas mantinham-se em vigor durante 30 dias. Eram procedimentos uniformizados, dado estarem em causa muitas pessoas. Tentaram registar as aceitações até 15 de Agosto. A Autor chegou a um entendimento com a Ré sobre as condições da pré reforma. A partir de Setembro/Outubro os acordos sofriam penalização. Fizeram então um último esforço de contacto com os trabalhadores, para que quem não tivesse aceitado ou não tivesse assinado, para reponderarem, ou o processo passaria para o contencioso. Foi esta testemunha quem formalizou o acordo de pré-reforma do Autor, mas não foi quem acompanhou a fase inicial das negociações, referindo, no entanto, que não ocorreu formalização do acordo na fase inicial, por razões relacionadas com o Autor. A testemunha FF, que acompanhou o processo do Autor numa primeira fase, declarou que teve uma reunião presencial com o mesmo, explicando-lhe as condições que estavam em vigor, e ainda que tinha uma semana para se pronunciar, e contactando-o mais tarde para esse efeito, mas que ele lhe disse que estava de baixa e que não ia tratar desse tema enquanto assim estivesse. Tentou vários contactos telefónicos com o Autor, que não se concretizaram. Declarou ainda que as pessoas sabiam que as condições, na fase seguinte, eram mais gravosas, a saber, os 65% da retribuição. A testemunha, HH, não acompanhou a situação do Autor, mas confirmou as declarações de EE e FF, quanto aos procedimentos adoptados pela Ré, nesta matéria. Todas as testemunhas nos mereceram credibilidade. E, basicamente, todas disseram o mesmo. O que resulta dos depoimentos é que a Ré, decidida a reestruturar-se, propôs a alguns trabalhadores, que reuniam determinadas condições, um acordo de pré reforma, com determinadas condições. O Autor foi uma dessas pessoas. Negociou inicialmente com a Ré e esta acedeu a manter-lhe o prémio anual, estando o acordo pronto a ser formalizado. Como resulta da prova testemunhal produzida e ainda do teor das mensagens trocadas por e-mail com a Ré, e que resultam da matéria de facto provada, o Autor não se disponibilizou para assinar o acordo, quando bem sabia que tinha um prazo para o efeito. Bem sabia também que as condições, passado esse prazo de validade da primeira proposta, seriam mais desvantajosas. A Ré tem, ademais, o direito de instaurar procedimentos de despedimento colectivo. Não vemos aqui qualquer atitude de coacção do Autor ou de má-fé da Ré. O que a Ré fez foi propostas, que tinham um prazo de validade, imposto pela Ré, dentro dos seus poderes de gestão da sua própria restruturação. Aliás, a Ré esforçou-se para que o Autor não deixasse passar a oportunidade do primeiro acordo. Foi o Autor que não quis aceitar essa oportunidade, recusando-se injustificadamente - já que o facto de estar doente não o impedia de enviar o acordo assinado por via electrónica – a assinar tal acordo. Após, foi confrontado com o despedimento colectivo (não se tendo provado que este existia apenas para obter o consentimento do Autor para um acordo mais desfavorável), mas, ainda assim, com uma possibilidade de que o mesmo não se concretizasse em relação a si. Não se vislumbra aqui qualquer pressão para com o Autor da Ré, que só teria interesse, aliás, se fosse ilícita, desconhecendo-se também se o Autor, ainda que sem a existência do despedimento colectivo, teria ou não aceitado a segunda proposta de pré acordo. E, portanto, não estão demonstrados todos os referidos factos - se o despedimento colectivo foi instaurado pela Ré para obter do Autor a aceitação de um acordo de pré-reforma; se o Autor não aceitaria a redução do valor da proposta de acordo de pré-reforma não fosse a sujeição a despedimento colectivo; se a Ré lhe comunicou que “ou aceitava as condições impostas para o acordo de pré-reforma ou prosseguia o processo de despedimento colectivo”, o que constrangeu a sua vontade, acatando, contra a sua vontade, o acordo de pré-reforma proposto. Quanto aos factos não provados sob os nº 1, 2, 3, 4, e 5, a prova produzida não permite a sua demonstração. Factos 1 e 2 - 1. O A. ficou imobilizado de 14.10.2020 a 23.12.2020. 2. O A. estava a sofrer, com doença grave incapacitante e dolorosa, não estando em condições físicas e psicológicas para outorgar, conscientemente, o acordo de pré-reforma. Relativamente a estes factos, o tribunal a quo pronunciou-se da seguinte forma “O período de baixa médica não é controvertido resultando ainda dos certificados de incapacidade temporária de fls.24v e segs. Contudo, sendo controvertido que no referido período o Autor estivesse imobilizado, o Autor não logrou provar a referida imobilização. Sendo que a mera circunstância de estar incapaz para o trabalho não permite concluir pela imobilização que pressupõe uma doença grave. Nenhuma prova foi produzida quanto ao tipo ou grau de afetação de doença de que padecia o ora Autor.” Concordamos inteiramente com esta fundamentação. O Autor não fez qualquer prova de que estivesse incapacitado de outorgar, conscientemente, qualquer contrato. Factos 3 a 5 - 3. O A. era o único “Técnico Administrativo II” objeto daquele despedimento coletivo instaurado pela R. 4. O A., apesar de estar ainda enfermo, em estado doloroso, falou com o seu superior hierárquico – Diretor - no sentido de reiterar a aceitação do acordo de pré-reforma proposto pela R. em Agosto e com o teor apresentando em Outubro de 2020, ou seja, com vencimento correspondente a 75% da remuneração mensal. 5. Sentiu-se enganado, ludibriado, amargurado, depressivo, triste, introvertido, desmotivado, desesperado, humilhado, enxovalhado. Refere a primeira instância “No que respeita ao despedimento coletivo o tribunal baseou-se na comunicação de fls.26. A referida comunicação indica expressamente o nome e posto de trabalho do Autor. Contudo, da referida comunicação não é possível extrair a conclusão que o Autor é o único Técnico Administrativo II abrangido. Sendo que do elenco de doze trabalhadores abrangidos (fls.29) não consta a expressa referencia àquela categoria. No que se refere à reação do Autor o tribunal não considerou provada a alegada aceitação posterior do acordo mediante comunicação ao superior hierárquico. Por um lado, o Autor não logrou provar a referida aceitação. Por outro lado, resulta do email junto a fls.95v que, em 23 de novembro de 2020, o Autor, através do seu então mandatário, solicitou uma revisão das condições do acordo de pré-reforma do Autor. As interações entre a Ré e o Autor, através do seu mandatário, resultaram do depoimento espontâneo e credível da testemunha Dulce Rodrigues. A testemunha confirmou o envio do novo modelo de acordo de pré-reforma, o que resulta igualmente dos documentos juntos a fls.96 e 96v. O depoimento, nesta parte, relata uma versão verosímil do que terá ocorrido na interação com o Autor, considerando o envio do email de 23 de novembro por parte do mandatário do Autor e a celebração do contrato de pré-reforma a 25 de novembro.” E assim é. Não é possível da prova produzida, extrair os factos que o Autor pretende. Em face do exposto, conclui-se que o recurso sobre a matéria de facto procede parcialmente. *** 3.-Pretende o Apelante seja declarado anulado/nulo ou sem efeito o disposto na cláusula 2ª nº1 do acordo de pré-reforma, e seja o mesmo substituído pelo teor da correspondente cláusula constante do documento 17-A junto aos autos, com efeitos retroactivos desde 31-12-2020. Fundamenta a sua pretensão na violação pela Ré do princípio da boa fé, existindo culpa in contrahendo, e na existência de coação moral da Ré sobre a sua pessoa. Em sede recursiva, a pretensão do Autor tinha por substracto a alteração da matéria de facto, pretensão em que o Autor decaiu parcialmente, sendo que os factos aditados – “A conduta da Ré a partir de Julho de 2020 visou sempre o afastamento do Autor, por virtude da reestruturação em curso na mesma.”, e “Pelo menos, em Novembro de 2020, o Autor tomou conhecimento, através da Comissão de Trabalhadores, que estava indicado no processo de despedimento colectivo instaurado pela Ré.” -não têm qualquer aptidão, por si ou conjuntamente com os demais, para alterar o sentido da sentença. Relativamente à culpa in contrahendo , afirma-se na sentença, em termos que concordamos, que “não se afigura que o Autor tenha demonstrado que a Ré incumpriu os deveres de boa-fé na negociação do contrato. Dos autos resulta que a não celebração do contrato com as condições pretendidas pelo Autor não foi imputável à Ré. De facto, não logrou o Autor provar que a Ré se escusou à celebração do acordo ou que interrompeu injustificadamente as negociações. Nestes termos, o pedido terá, por esta via, de improceder.” De facto, nada resulta da matéria de facto que nos permita concluir que, em algum momento, a Ré não agiu de boa fé. A Ré cumpriu os deveres de informação que as circunstâncias exigiam, acedeu a exigências do Autor no âmbito das negociações, alertou o Autor para a necessidade de assinar o acordo que, pelo menos aparentemente ( ponto 12 da matéria de facto), o Autor já tinha aceitado, alertou-o de que, se não o fizesse, não podia continuar a garantir as mesmas condições, e comunicou a existência de um despedimento colectivo, a tempo de o Autor poder aceder à segunda proposta de pré-reforma. Foi o próprio Autor que inviabilizou a concretização do primeiro acordo. Relativamente à coacção moral, tal como referido na sentença, “Ora, no caso em apreço a pretensa ameaça será o despedimento coletivo. Contudo, o Autor não alega factos que permita classificar o exercício do direito da entidade empregadora de proceder ao despedimento como anormal ou ilícito. No contexto de redução de trabalhadores a existência de fases negociais que antecedem soluções unilaterais de cessação dos contratos de trabalho é usual e normal, e pode ser requisito de validade das soluções de despedimento. Por outro lado, o Autor alega uma conduta persecutória no período de doença, daí extraindo fundamento para a coação. Neste ponto essa alegação é contraditória com o pretendido pelo Autor na presente lide. De facto, o Autor pretende ver reconhecido como válido o valor então proposto de 75% retribuição alegando que foi coagido a aceitar o valor que pretender ver reconhecido. Inexistindo requisitos para considerar que a vontade do Autor foi inquinada por coação improcede a anulabilidade requerida.” O artigo 255º do C.Civil , no seu nº1, dispõe que “Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração.” Ou seja, o acto que determina o receio de um mal, e, por consequência, a prática da declaração negocial, tem de ser um acto ilícito. Ora, a comunicação de que está pendente um procedimento de despedimento colectivo , que abrange o Autor, não é um acto ilícito, nem, aliás, o Autor assim o alegou, como bem deu nota a sentença. E o facto de o Autor estar de baixa médica, não é impeditivo de que possa contratar com a sua entidade patronal. Não está provado que a doença de que padecia lhe tolhia o discernimento, ou a vontade, e o impedia, por conseguinte de contratar. Concluímos assim pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida. *** V – Decisão Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente o recurso interposto por AA, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Custas a cargo do apelante. Registe. Notifique. Lisboa, 8 de Novembro de 2023 ------------------------------------------------------------- (Paula de Jesus Jorge dos Santos) ------------------------------------------------------------- (1º adjunto- Sérgio Almeida) ------------------------------------------------------------- (2º adjunto – Leopoldo Soares) [1]Como, de forma particularmente esclarecedora, se refere no Ac. da Relação de Coimbra de 19-12-2012 – Proc - 31156/10.3YIPRT.C1: “O quadro dos valores negativos da sentença está nitidamente pensado para um sistema de cisão entre a decisão da matéria e aquela sentença (artºs 653 nº 2, 658 e 659 nºs 1 a 3 do CPC). Num contexto de um sistema de césure entre o julgamento da matéria de facto e a sentença, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório. Realmente a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: aquela decisão é impugnável por meio de reclamação, acto contínuo à sua publicação, e não é autonomamente recorrível, i.e., apenas pode ser impugnada no recurso que for interposto da sentença final, podendo, neste caso o controlo sobre o julgamento da matéria de facto ser feito pela Relação, nos termos gerais (artºs 653 nº 4, 2ª parte, e 712 do CPC) …. qualquer vício que afecte a decisão da matéria de facto não constitui realmente causa de nulidade da sentença. … Assim, a falta ou insuficiência da fundamentação da decisão da questão de facto, dá lugar a uma forma mitigada do uso de poderes de cassação: a Relação pode ordenar, a requerimento da parte, que o tribunal de 1ª instância fundamente a sua decisão sobre a matéria de facto, mesmo que, para isso, tenha de repetir a produção da prova (artº 712 nº 5 do CPC).” [2]Acórdão do STJ de 21-10-2009 – Processo 272/09.5YFLSB. [3]Mesmo acórdão referido na nota 1. [4]Está a referir-se ao artigo 644º do anterior CPC – “Relação entre a actividade das partes e a do juiz” – “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264º”. Este preceito corresponde ao actual artigo 5º nº3 do CPC, com a diferença de que os factos que sejam concretização dos alegados podem ser considerados oficiosamente pelo juiz. – Nota da relatora. |