Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6918/18.7T8LRS.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: ADVOGADO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
SEGURO OBRIGATÓRIO
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL DA SEGURADORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A intervenção principal provocada pode fundar-se em preterição inicial de litisconsórcio necessário ou na verificação de uma situação de litisconsórcio voluntário.
- Se o litisconsórcio voluntário decorrer da solidariedade da obrigação, a lei possibilita o reconhecimento do direito de regresso e a condenação na sua satisfação.
- Na intervenção principal a sentença aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado, apreciação que não ocorre na intervenção acessória, constituindo a sentença caso julgado quanto o chamado apenas relativamente às questões de que dependa o direito de regresso.
- O seguro de responsabilidade civil decorrente do exercício da advocacia tem a natureza de seguro obrigatório, podendo ser directamente demandada a seguradora.
- Não se verifica litisconsórcio necessário entre o segurado e a seguradora na acção em seja pedida a condenação em indemnização por responsabilidade civil decorrente do exercício da advocacia.
- A admissibilidade da intervenção principal passiva implica que o chamado e o autor do chamamento sejam ambos sujeitos passivos da relação material controvertida configurada pelo Autor na petição.
- A convolação judicial de incidentes de intervenção de terceiros não pode ocorrer oficiosamente em sede de recurso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A  [ NELSON …… ]  veio instaurar contra B [ VANDA ……. ] , ambos com os sinais dos autos, a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 70.489,94 como segue: a) a título de danos patrimoniais a quantia de € 45.489,54; b) a título de danos não patrimoniais pelo cumprimento defeituoso do contrato de mandato, a quantia de € 25.000,00; c) juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em resumida síntese, que outorgou mandato forense à ré para a propositura de acção de indemnização, a qual aquela deixou deserta por negligência em promover os seus termos, o que lhe causou a ele, Autor, prejuízos que aquelas quantias se destinam a ressarcir.
A Ré contestou e, além do mais, deduziu incidente de intervenção da seguradora de responsabilidade civil por danos ocorridos em razão da sua actividade profissional, alegando, em resumo:
— a Ré é advogada e por efeito do exercício dessa profissão devidamente inscrita na Ordem dos Advogados Portugueses beneficia de um seguro de responsabilidade civil profissional que para o ano de 2018 se encontra assegurado através da Apólice n.° ES00013615EO18A, contratada com a seguradora XL INSURANCE COMPANY SE, Sucursal en Espana, , figurando a Corretora de Seguros AON PORTUGAL - Corretores de Seguros, S.A. como Mediador, com sede na Av da Liberdade, 249, 2° Lisboa, 1269 - 120 Lisboa.
A mencionada Apólice n.° ES00013615EO18A assegura as indemnizações decorrentes de responsabilidade profissional da Ré até ao valor de 150'000,00€ (cento e cinquenta mil euros )
Daí que:
-verificando-se que por efeito da mencionada Apólice a responsabilidade civil da Ré foi transferida para a asseguradora XL INSURANCE COMPANY SE até ao valor de 150'000,00€ (cento e cinquenta mil euros), tendo-se provocado a intervenção da mesma e verificando-se que o valor peticionado pelo Autor é no valor de 70'489,94€ (setenta mil, quatrocentos e oitenta e nove euros e noventa e quatro euros), deve a Ré de ser julgada como ilegítima na ação e absolvida da instância.
No que respeita à factualidade alegada, impugna-a.
E termina nestes termos:
"....Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve a presente Contestação de proceder, por provada, e por via dela: - Admitida a Intervenção Principal da companhia de seguros XL INSURANCE COMPANY SE, para ser Citada através da sua representante em Portugal a corretora AON PORTUGAL - Corretores de Seguros, S.A. como Mediador, com sede na Av da Liberdade, 249, 2° Lisboa, 1269-120 Lisboa, ou, acaso assim se não considere, devendo a mencionada Companhia de Seguros de ser Citada em PL. Lealtad, 4 - Primera Planta, 28014, Madrid, Espanha;
- Em função da mencionada intervenção seja verificada e declarada a ilegitimidade da Ré, por transferência da sua responsabilidade civil, sendo absolvida da instância, ou, acaso assim se não considere;
- Com o sempre mui douto suprimento de V. Exa, deverá o pedido ser apreciado, apurada a responsabilidade da R, tudo com as demais consequências legais."
O Autor foi notificado para se pronunciar, nada tendo dito.
Factos apurados
Os factos são os que constam do relatório supra e, bem assim os seguintes que resultam dos autos:
1. A Ré exerce a advocacia estando inscrita na Ordem dos Advogados.
2. A Ré apresentou texto escrito do qual consta que entre a Ordem dos Advogados como tomadora e a e XL INSURANCE COMPANY SE foi estabelecido acordo nos termos do qual, na parte pertinente, a segunda se comprometeu a assegurar o pagamento de indemnizações por danos decorrentes do exercício da advocacia por parte de advogados inscritos na tomadora, nos termos do artigo 104.° do EOA, com o limite de € 150.000,00 por sinistro.
3. Do escrito referido em 2 consta ainda, quanto ao âmbito temporal, que o segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos durante a vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal de retroatividade.
4. Refere ainda o mesmo escrito que para os fins supra indicados, entende-se por reclamação a primeira das seguintes comunicações: a) Notificação oficial por parte do sinistrado, do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, da intenção de reclamar ou de interposição de qualquer acção perante os tribunais; b) Notificação oficial do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, de uma reclamação administrativa ou investigação oficial, com origem ou fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, que haja produzido um dano indemnizável da apólice; c) Por outra via, entende-se por reclamação, qualquer facto ou circunstância concreta, conhecida prima facie pelo tomador do seguro ou segurado, da qual resulte notificação oficial ao segurador, que possa razoavelmente determinar ulterior formulação de um pedido de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.
5. No que se refere à condição especial de responsabilidade civil profissional consta do escrito em causa que esta apólice tem por objecto dar satisfação às reclamações de terceiros, com base em erro, dolo, omissão ou negligência, cometidos antes da data de efeito da presente apólice ou durante o período de seguro. A retroatividade dos efeitos desta apólice é expressamente definida nas Condições Particulares.
6. Mais se refere no mesmo escrito que se considera data retroactiva a data a partir da qual o dolo, erro, omissão ou negligência cometidos pelo segurado são abrangíveis por esta apólice, caso venha a ocorrer reclamação durante o período de seguro.
7. Nos termos do artigo 3.°, alínea a), do escrito em causa, referente a exclusões, ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações a) por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação (...).
8. Consta também do escrito referido que é expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que a presente apólice será competente exclusivamente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice: a) Contra o segurado e notificadas ao segurador, ou; b) Contra o segurador em exercício de acção directa; c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, com fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado, após a data retroativa.
9. Prevê ainda o mencionado escrito, quanto a notificação de reclamações ou incidências, que o tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador sob esta apólice, comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível: a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice; b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice; c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.
Foi, então, proferida esta decisão:
"...Veio a ré requerer a "Intervenção Provocada de Terceiros" (sic), "nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 316.° do CPC ou outro que se afigure aplicável" (sic) invocando o seguinte:
"A Ré é advogada e por efeito do exercício dessa profissão devidamente inscrita na Ordem dos Advogados Portugueses beneficia de um seguro de responsabilidade civil profissional que para o ano de 2018 se encontra assegurado através da Apólice n.° ES00013615EO18A, contratada com a seguradora XL INSURANCE COMPANY SE, Sucursal en Espana, figurando a Corretora de Seguros AON PORTUGAL - Corretores de Seguros, S.A. como Mediador, com sede na Av da Liberdade, 249, 2° Lisboa, 1269 - 120 Lisboa.
A mencionada Apólice n.° ES00013615EO18A assegura as indemnizações decorrentes de responsabilidade profissional da Ré até ao valor de 150'000,00€ (cento e cinquenta mil euros), cfr. verificável em       https://portal.oa.pt/comunicacao/noticias/2017/12/seguro-de       grupo-de-
responsabilidadecivil-profissional-2018 /.
Por conseguinte, deve a mencionada Companhia de Seguros XL INSURANCE COMPANY SE ser chamada à ação para ocupar a posição de Ré, o que se requer nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 316.° do CPC ou outro que se afigure aplicável. Para tanto devendo ser Citada através da sua representante em Portugal a corretora AON PORTUGAL - Corretores de Seguros, S.A. como Mediador, com sede na Av da Liberdade, 249, 2° Lisboa, 1269-120 Lisboa, ou, acaso assim se não considere, devendo a mencionada Companhia de Seguros de ser Citada em PL. Lealtad, 4 - Primera Planta, 28014, Madrid, Espanha".
Como se vê pelo requerimento, a ré não quer fazer intervir na ação o mencionado terceiro como seu associado. O que a ré quer é um substituto pois diz que o terceiro deve ser chamado à ação para ocupar a posição da ré. Depois não fundamenta minimamente a tese segundo a qual a intervenção do terceiro tem como consequência a ilegitimidade da ré, alegada no art° 4° da p. i..
Obviamente que quem é parte legítima na ação é a ré, pois é a ela que são imputados os danos e a respetiva atuação danosa que fundamentam o pedido. A regra de legitimidade que existe quanto ao seguro automóvel constante da al. a) do n° 1 do art. 64 do DL n° 291/2007, de 21.08, só se aplica a essa categoria de seguros (a não ser que a ré defenda a tese de que o seguro de responsabilidade civil dos advogados é assimilável ao seguro automóvel de forma a existir uma equiparação de regimes, mas, de qualquer forma, nada disso foi invocado).
No caso nem sequer existe qualquer tipo de litisconsórcio necessário, pelo que o invocado é manifestamente improcedente.
Acresce que a ré em parte alguma alega que participou em 2018 à seguradora a situação dos autos e, para além de tudo o mais, das cláusulas do contrato de seguro resulta expressamente que a situação dos autos está excluída da cobertura da apólice. Efetivamente o art° 3°, al. a) das condições especiais (fls. 82 dos autos), estabelece que ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de inicio do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação. Ora, conforme resulta da p. i., o despacho de determinou a extinção da instância por deserção na sequência da conduta imputada à ré, foi proferido em 28.04.2004 e foi nesse ano que terminou a atuação da ré no processo que fundamenta o pedido.
Deste modo e face ao exposto, o incidente de intervenção de terceiros deduzido não tem qualquer fundamento legal, pelo que vai indeferido...".
Desta decisão vem interposto o presente recurso, cujas alegações a Ré concluíram como segue:
a) O presente Recurso tem por objeto o Despacho proferido em 07.06.2019 que indeferiu o incidente apresentado pela Ré de Intervenção Provocada de Companhia de Seguros para a qual tem contratualmente transferida a responsabilidade civil decorrente do exercício da sua profissão como advogada através da Apólice ES00013615EO18A;
b) Os autos de que decorre o presente Recurso assentam num pedido de indemnização decorrente de alegados danos causados no exercício da atividade de advogada da Ré ao Autor;
c) Na sua Contestação a Ré Recorrente, em primeiro lugar, apresentou um incidente de intervenção provocada de terceiro da Companhia de Seguros para a qual tem contratualmente transferida a responsabilidade civil decorrente do exercício da sua profissão como advogada através da Apólice ES00013615EO18A;
d) A Recorrente fundamentou o seu requerimento nos termos do disposto no artigo 316.°, n.°1, quando o mesmo pressupõe uma situação de litisconsórcio necessário, salvaguardando a aplicação de dispositivo legal devidamente aplicável, como o será o disposto na alínea a) do n.° 3 do mencionado artigo 316.° do CPC, podendo e devendo o MM.° Tribunal de ter relevado o erro de identificação da norma ou convidado a Ré ao seu esclarecimento e aperfeiçoamento, pois que é claro o sentido pretendido;
e) A arguição da transferência da responsabilidade civil profissional para Companhia de Seguros permite por si só e de forma notória, fundamentar o incidente quer do ponto de vista do interesse da Ré, quer do ponto de vista da entidade a fazer intervir, porquanto, em última racio, será responsável pelo pagamento da eventual indemnização em que a Ré venha a ser condenada;
f) O MM.° Tribunal A QUO ao decidir indeferir o incidente não o fez por falta de fundamentação do interesse ou necessidade de intervenção da Companhia de Seguros, mas por falta de fundamento legal; g) O fundamento legal existe e decorre da existência do contrato de seguro identificado, bem como da lei substantiva que rege o contrato de seguro de grupo obrigatório de que beneficia e da lei processual que permite o chamamento em caso de litisconsórcio necessário e voluntário;
h) Apenas num segundo momento e depois de admitida a intervenção provocada da Companhia de Seguros, tendo o mesmo como pressuposto, pela Ré foi requerida a verificação da sua legitimidade e processual, pois o seguro contratado é um Seguro Obrigatório, com um capital superior ao valor do pedido do Autor e o regime legal aplicável até permite que o Autor intente a ação apenas contra a Companhia de Seguros;
i) O MM.° Tribunal A QUO faz uma errada interpretação dos dois momentos distintos da Contestação, o Incidente de Intervenção Provocada de Terceiro e o Requerimento formulado no pressuposto do deferimento do Primeiro, num jogo de palavras que decorre de uma errada transcrição da Contestação;
j) A Ré requereu a intervenção provocada da Companhia de Seguros para ocupar a posição de Ré, ou seja, conjuntamente com a Ré, mas em erro, o MM.° Tribunal A QUO considera que a Ré requereu que a Companhia de Seguros fosse chamada para ocupar a posição da Ré, em sua substituição, o que resulta de um erro de interpretação do Incidente apresentado e a decidir num primeiro momento;
k) O MM.° Tribunal deve decidir o Incidente de Intervenção Provocada da Companhia de Seguros para ocupar a posição de Ré, conjuntamente com a Recorrente, antes de se debruçar sobre o segundo requerimento pois que este tem o deferimento daquele por pressuposto, não podendo misturar os dois e do segundo extrair conclusões em relação ao primeiro para os decidir por atacado;
l) Ademais o MM.° Tribunal A QUO intromete-se em questões que poderiam ser apresentadas pela Companhia de Seguros depois de chamada a intervir, mas que não o tendo sido, não podem ser objecto de um juízo de prognose, intentando a argumentação a apresentar pela chamada a intervir nos autos;
m) A consideração explanada pelo MM.° Tribunal A QUO de que o disposto na alínea a) do artigo 3.° das condições especiais (fls. 82) do Seguro de Grupo Contratado pela Ordem dos Advogados, exclui a responsabilidade da mesma e por conseguinte a necessidade da sua chamada a intervir como Ré juntamente com a Recorrente, não só é indevida, porque não diz respeito ao MM.° Tribunal mas sim à própria parte que carece de o alegar, como, ainda, é errada por contrária à boa jurisprudência do Acórdão do STJ proferido em 14.12.2016 por unanimidade no processo n.° 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1;
n) O Contrato de Seguro apresentado e invocado pela Ré Recorrente, sendo um Seguro de Grupo e Obrigatório, contratado pela Ordem dos Advogados Portugueses em benefício da Ré e demais colegas de profissão, permite que em termos genéricos, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, estão abrangidos por este seguro todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador de seguro, por estarmos perante uma chamada "claims made" ("reclamação feita"), que condiciona o pagamento da indemnização apenas à apresentação da queixa de terceiros, da ação judicial, durante o prazo de validade (vigência) do contrato e que possibilita sempre a extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato, argumentação que serve de fundamento ao indeferimento do incidente requerido que assim deve ser admitido;
o) Pelo que existe fundamento legal para a pretensão da Ré Recorrente, devendo ver deferido o incidente de Intervenção Provocada da Companhia de Seguros para a qual se encontra transferida a sua responsabilidade Civil profissional, uma vez que nenhum outro vício lhe foi apontado e é a fundamentação do despacho sob recurso que carece de fundamento legal como bem esclarece o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deve o presente Recurso de proceder e em função do mesmo ser anulado o despacho proferido pelo MM.° Tribunal A QUO em 07.06.2019, proferindo-se decisão no sentido do deferimento do incidente autónomo de intervenção provocada, como requerido pela Ré Recorrente, o que se requer como postulado de serena, sã e objectiva justiça.
*
O R não contra-alegou.
Tendo em atenção as conclusões da Recorrente - artigo 635.°, n.° 3, 639.°, n° 1 e 3, com as excepções do artigo 608.°, n.° 2, in fine, ambos do CPC -, importa apreciar da admissibilidade do incidente de intervenção deduzido pela Ré.
Vejamos ...
A Ré formulou o requerimento de dedução da intervenção de terceiros, primeiramente, invocando a existência de um contrato de seguro de responsabilidade civil e diz que, com base nele, a Seguradora assegura as indemnizações decorrentes de responsabilidade profissional da Ré até ao valor de 150'000,00€.
Conclui: "...por conseguinte, deve a mencionada Companhia de Seguros XL INSURANCE COMPANY SE ser chamada à ação para ocupar a posição de Ré, o que se requer nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 316.° do CPC ou outro que se afigure aplicável.
- Em função da mencionada intervenção seja verificada e declarada a ilegitimidade da Ré, por transferência da sua responsabilidade civil, sendo absolvida da instância, ou, acaso assim se não considere. -, deverá o pedido ser apreciado, apurada a responsabilidade da R, tudo com as demais consequências legais." -
Temos assim que a Ré alega existir um contrato de seguro de que resulta ser a seguradora a responsável pelo pagamento das indemnizações que à Ré estão a ser pedidas na acção, e requer que a seguradora tome a posição de Ré na acção.
E caso seja atendida esta pretensão ,deve a R ser considerada parte ilegítima
No que à qualificação jurídica concerne, indicou o artigo 316.°, n.° 1, do CPC, ou outro que se afigure aplicável.
*
Os incidentes de intervenção de terceiros sofreram alteração de monta na Reforma processual de 1995, mantendo-se o seu quadro estável nas subsequentes intervenções do legislador processual.
Desde essa reforma o desenho legal é o de três distintos incidentes:
--a) intervenção principal, b)intervenção acessória e c)oposição, estando este último fora do horizonte do caso que nos ocupa.
No que aos demais respeita, o primeiro (intervenção principal) é caracterizado pela similitude de interesse entre o interveniente e a parte a que se associa ou a que é chamado a associar-se, assumindo a posição de Autor ou de Réu ao lado das partes primitivas; o segundo (intervenção acessória) caracteriza-se por poder resultar da decisão a proferir na causa direito de regresso do Réu contra o interveniente, para dele haver o que foi condenado a pagar, assumindo o chamado a posição de auxiliar do Réu.
Genericamente os incidentes podem ser deduzidos por terceiros não partes ou pelas partes, classificando-se, respectivamente, como espontâneos ou provocados. No caso dos autos pode excluir-se a consideração das formas espontâneas, uma vez que o incidente foi deduzido por uma das partes, a Ré.
Como resulta da consequência indicada - assumir a seguradora a posição de Ré - é pretendida a intervenção principal.
A actual intervenção principal provocada aglutinou diversos incidentes anteriores, o que ainda pode ser surpreendido na sua estrutura.
Temos assim, de um lado, a intervenção principal provocada para suprimento de preterição inicial de litisconsórcio necessário passivo ou activo (artigo 316.°, n.° 1, do CPC), e do outro , a autorizada pela verificação de uma situação de litisconsórcio voluntário passivo ou activo (artigo 316.°, n.° 2 e 3, do CPC).
Com a possibilidade acrescida, no que se refere à intervenção em situação de litisconsórcio voluntário passivo (artigo 316.°, n.° 3, alínea a)) fundada em obrigação solidária (artigo 317.°, n.° 1, do CPC), de a lei possibilitar a efectivação do direito de regresso na modalidade do seu reconhecimento e da condenação na sua satisfação.
Nesta sub-espécie do incidente, o chamado assume uma dupla qualidade: (i) de réu, face ao autor e face ao primitivo réu, enquanto este ocupa a posição de réu no confronto com o autor, (ii) de autor no confronto com o chamado. Numa situação inédita no nosso direito processual[1].
Característica essencial da intervenção principal é a de a sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa apreciar a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado - artigo 320.° do CPC.
A intervenção provocada acessória encontra-se prevista no artigo 321.°, n.° 1, do CPC, e tem como pressupostos que a) o réu tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda e que b) o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
Visa o incidente possibilitar que o interveniente auxilie o Réu na defesa, constituindo a sentença caso julgado quanto o chamado (...) relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento - artigo 323.°, n.° 4, do CPC - sem que conheça do mérito da acção quanto ao chamado.
A intervenção acessória tem em comum com a sub-modalidade de intervenção principal provocada passiva prevista no artigo 317.°, n.° 1, do CPC, a invocação da posição jurídica de regresso.
Divergem, porque na intervenção principal o chamado assume a posição de parte principal e na acessória não a pode assumir.
Ou seja, estes incidentes - intervenção principal provocada (do 317.°, n.° 1) e intervenção acessória -, têm em comum a situação de regresso, mas excluem-se mutuamente, uma vez que o primeiro pressupõe a possibilidade de o terceiro assumir a posição de parte principal e o segundo pressupõe que o terceiro não pode assumir tal posição.
Este o quadro a considerar na análise da situação dos autos.
A Ré enquadrou o pedido de intervenção no artigo 316.°, n.° 1, do CPC, ou seja, numa situação de preterição de litisconsórcio necessário passivo.
O litisconsórcio necessário consiste na situação processual que exige a intervenção de todos os interessados na relação controvertida, sob pena de ilegitimidade, activa e/ou passiva - artigo 33.°, n.° 1, do CPC.
Essa exigência pode decorrer da lei, de convenção negocial ou da natureza da relação jurídica, o que qualifica o litisconsórcio necessário como legal, convencional ou natural.
É pacífico que o acordo estabelecido entre a Ordem dos Advogados e a chamada constitui um contrato de seguro, como resulta das suas cláusulas, confrontadas com o disposto no artigol.0 do Decreto-Lei 72/2008, de 16 de Abril (Regime Jurídico do Contrato de Seguro - RJCS).
Tal contrato foi celebrado, como do próprio texto resulta, nos termos do artigo 104.° da Lei 145/2015, de 9 de Setembro (Estatuto da Ordem dos Advogados - EOA).
Estabelece essa norma:
1 - O advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional tendo em conta a natureza e âmbito dos riscos inerentes à sua atividade, por um capital de montante não inferior ao que seja fixado pelo conselho geral e que tem como limite mínimo (euro) 250 000, sem prejuízo do regime especialmente aplicável às sociedades de advogados e do disposto no artigo 38.° da Lei n.° 2/2013, de 10 de janeiro.
2 - Quando a responsabilidade civil profissional do advogado se fundar na mera culpa, o montante da indemnização tem como limite máximo o correspondente ao fixado para o seguro referido no número anterior, devendo o advogado inscrever no seu papel timbrado a expressão «responsabilidade limitada».
3 - O disposto no número anterior não se aplica sempre que o advogado não cumpra o estabelecido no n.° 1 ou declare não pretender qualquer limite para a sua responsabilidade civil profissional, caso em que beneficia sempre do seguro de responsabilidade profissional mínima de grupo de (euro) 50 000, de que são titulares todos os advogados não suspensos.
Trata-se de um seguro de grupo, uma vez que cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar - artigo 76.° do RJCS -, no caso o vínculo existente entre a Ordem dos Advogados e os seus associados.
Importa apreciar da sua natureza obrigatória, entendendo-se como seguro obrigatório aquele a que estão obrigadas certas categorias de pessoas em razão de factores definidos pela lei que consagra a obrigação de o celebrar. Em consequência, a obrigatoriedade de celebrar o seguro, derroga na mesma medida a regra geral de liberdade contratual, consagrada no artigo 405.°, n.° 1, do CC, a qual inclui a liberdade de contratar ou de não contratar. Aos seguros obrigatórios refere-se o artigo 10.° do RJCS.
A natureza obrigatória do seguro em causa nos autos resulta, no nosso entender, de um conjunto de factores, a saber, (i) da expressão deve utilizada pela lei, (ii) da inclusão desta norma no Estatuto da Ordem dos Advogados, que consagra os deveres dos advogados enquanto profissionais, (iii) da natureza do próprio Estatuto enquanto protector de relevantes interesses públicos e do público.
Quanto à utilização da expressão deve como consagrando um dever e não uma faculdade, decorre a conclusão desde logo do sentido normal daquele verbo.
Tal conclusão é reforçada pela sua inclusão no diploma que visa especificamente regular o exercício da advocacia e estabelecer os deveres próprios dos advogados, como sublinhado, em virtude de o exercício da advocacia ser essencial num Estado de Direito democrático e de, nessa medida, estar regulado também na perspectiva do interesse das pessoas que recorrem aos serviços dos advogados
O que resulta claro da exposição de motivos da Proposta de Lei n.° 309/XII que deu origem ao Estatuto vigente:
(...) honrando-se a especial missão com assento constitucional que incumbe aos advogados, e que está desde logo plasmada no artigo 20.° da Lei Fundamental, reforça-se o papel da própria Ordem dos Advogados, à qual, enquanto associação pública representativa dos profissionais que exercem a advocacia, é expressamente atribuída a natureza de pessoa coletiva de direito público, prevista na Lei n.° 2/2013, de 10 de janeiro, que não constava, porém, da norma estatutária até agora vigente, reconhecendo-se assim os importantes poderes públicos que impendem sobre a mesma no desempenho das suas atribuições.
Por outro lado, a expressa finalidade de protecção dos terceiros que recorrem aos serviços de advocacia, apenas pode ser adequadamente prosseguida pela imposição da obrigação, não pela previsão de uma faculdade, que sempre existiria nos termos da lei geral que estabelece a liberdade de contratar.
Como elemento coadjuvante da interpretação que defendemos, veja-se o disposto no artigo 87.° da lei 140/2015, de 7 de Setembro (Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas - EOROC), em que também é utilizada a mesma forma verbal - deve - para a consagração da obrigação de segurar que impende sobre estes profissionais, que se crê ser pacífica.
Em sentido contrário, há quem[2]argumente com o teor do n.° 3 da norma na parte em que refere que o disposto no número anterior não se aplica sempre que o advogado não cumpra o estabelecido no n.° 1. Quem assim argumenta fá-lo sublinhando que é a própria norma que prevê uma situação em que o advogado não tem seguro obrigatório.
Não nos parece que assim seja. A norma prevê uma situação de não celebração do seguro pela simples razão de que nem sempre os sujeitos das leis as cumprem. Nesse caso, como decorre do seu teor, tem como sanção não beneficiar da limitação máxima estabelecida para os casos de mera culpa.[3]
Dir-se-á ainda que, embora implicitamente, tal obrigatoriedade do seguro, é reconhecida pelo Parecer do Conselho Geral 12/PP/2009-G5[4] com referência à norma que antecedeu a do actual artigo 104.°.
Por tudo, entendemos que o seguro em causa é um seguro obrigatório[5].
Assim concluindo, importa saber se de tal resulta uma situação de litisconsórcio necessário legal entre o segurado e a seguradora na acção em seja pedida a condenação em indemnização por responsabilidade civil decorrente do exercício da advocacia.
A natureza obrigatória do seguro, nos termos gerais, permite que o lesado demande directamente a seguradora - artigo 146.°, n.° 1, do RJCS -, não lhe impõe que a demande conjuntamente com o segurado.
Nessa medida, nos termos gerais, é-lhe permitido demandar apenas o segurado (ou a seguradora), por nenhuma norma impor coisa diversa.
Tal não acontece com o seguro obrigatório de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação por a lei tomar expressamente posição no artigo 64.°, n.° 1, do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto. Não por se tratar de uma característica dos seguros de natureza obrigatória, mas porque, não o sendo, é necessária norma específica que o determine.
Não sendo esse o caso do seguro em causa, a sua natureza obrigatória apenas atribui ao lesado a faculdade de demandar directamente a seguradora, não lhe impõe que o faça.
Ora, para se verificar uma situação de litisconsórcio necessário era indispensável essa imposição.
Em suma, conclui-se que não existe lei que exija a presença em juízo da seguradora de responsabilidade civil profissional no caso dos autos, o que exclui a situação de litisconsórcio necessário legal.
Por outro lado , no contrato trazido aos autos não consta convenção que determine necessária a presença em juízo do segurado e do segurador nas acções em que possa estar em causa matéria regulada pelo contrato.
Não se verifica litisconsórcio necessário convencional.
A decisão de condenação do segurado ou da seguradora, em acção em que apenas uma seja demandada, em nada afecta o efeito útil normal da decisão: condenação a indemnizar.
Com o que se pode concluir não se verificar uma situação de litisconsórcio necessário natural, o que, conjugado com as anteriores conclusões, afasta a possibilidade de enquadramento no regime do artigo 316.°, n.° 1, do CPC, inicialmente invocado pela Ré.
Para além da invocação daquele regime, a Ré pronunciou-se, nomeadamente nas alegações de recurso, pela verificação dos pressupostos da norma do artigo 316.°, n.° 3, alínea a), do CPC.
Já a ela nos referimos anteriormente, enquadrando na sua previsão aquelas situações em que, para além, da Ré, existem outros sujeitos passivos da relação material controvertida.
Diz a norma:
O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este: a) mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida (nosso sublinhado).
A apreciação da admissibilidade da intervenção principal provocada passiva implica a apreciação da identidade da relação material controvertida, ou seja, importa saber se no caso de seguradora de responsabilidade civil, em caso de seguro obrigatório, esta é, com o segurado, sujeito passivo da relação material controvertida.
Qual a relação material controvertida a considerar é, em termos lógicos, a primeira questão a dilucidar: a configurada pelo Autor na petição ou aquela a que o Réu faz referência na contestação?
Entendemos que a primeira, dadas as consequências que resultam da intervenção: decisão condenatória do interveniente no peticionado pelo Autor, com efeito de caso julgado, nos termos do artigo 320.°, do CPC.
Consequências que apenas podem resultar de a relação material controvertida configurada pelo Autor as possibilitar, não podendo basear-se a condenação do interveniente nos factos aduzidos pela Ré na contestação.
Nem se invoque quanto a tal o regime do artigo 317.°, n.° 1, do CPC, enquanto atende à relação configurada pelo Réu. Na verdade, atende a essa relação, mas apenas porque permite a sua apreciação no confronto entre o Réu e o chamado. Em relação ao Autor e ao fundamento do chamamento nenhuma excepção se verifica. A possibilidade de apreciação da relação invocada pelo Réu é um plus nesta sub-espécie, que decorre da apreciação da relação estabelecida entre o Réu e o chamado e não apenas no confronto com o Autor.
Nesse caso, a identidade de relação material tal como configurada pelo Autor continua a ser um pressuposto do chamamento, nada obstando ao resultado previsto no artigo 320.°. A condenação adicional a título de regresso é especificidade que resulta do confronto com o primitivo Réu, envolvendo, naturalmente, a relação por este aduzida na contestação, na tal situação inédita no nosso direito processual.
Similar situação se verifica na sub-espécie do artigo 317.°, n.°1, do CPC, devendo ter-se em conta a relação jurídica invocada na petição pelo autor como requisito do chamamento. A diferença consiste apenas em que é admitida a formulação acrescida do pedido de reconhecimento e condenação na satisfação do direito de regresso decorrente da solidariedade passiva entre o primitivo Réu e o chamado, ou seja, vista a natureza solidária da parte passiva dessa relação jurídica é permitido ao Réu "resolver" desde logo, na acção em que é demandado, o seu direito contra o co-devedor solidário e, nessa medida, é atendido o que quanto a tal alega na contestação (porque esta desempenha a função de petição no confronto com o co- obrigado solidário).
Em suma, na intervenção principal provocada o interveniente tem de ser, como o Réu, sujeito passivo da relação jurídica configurada pelo Autor na petição. Essa qualidade tem de ser aferida face à concreta petição inicial em causa.
Concluímos assim que a relação jurídica a ter em atenção para integração da previsão do artigo 316.°, n.° 3, alínea a), do CPC, é aquela configurada pelo autor na sua petição inicial e não qualquer outra com ela relacionada, v.g., a que o Réu alega existir em sede de contestação, aduzindo novos factos de que decorra a (co- )responsabilidade do terceiro, no caso, os relativos ao contrato de seguro.
Pelas razões expostas, concluímos que a intervenção provocada passiva implica a verificação de uma situação de litisconsórcio voluntário que, justamente se caracteriza por a relação material controvertida respeitar a várias pessoas - artigo 32.° do CPC.
*
Em consequência, importa determinar se, face à concreta relação material controvertida configurada na petição inicial, poderia verificar-se uma situação de litisconsórcio voluntário ab initio.
Revertendo ao caso concreto, temos que a identidade de relação material controvertida não se verifica, face à inexistência na petição de elementos que permitam a condenação da seguradora a pagar a peticionada indemnização ao Autor, a saber, os elementos de facto relativos à transferência da responsabilidade.
Temos assim que, in casu, a relação material controvertida configurada na petição não permite a intervenção principal provocada da seguradora, por ela não ser sujeito passivo dessa relação material, requisito exigido pelo artigo 316.°, n.° 3, alínea a), do CPC.
Por tudo, conclui-se que o incidente de intervenção principal provocada passiva não é o meio processual adequado a fazer intervir a seguradora nestes autos, concordando-se com a conclusão pelo indeferimento em primeira instância.
Certo é que poderia haver lugar a apreciação da possibilidade de intervenção acessória provocada prevista no artigo 321.° do CPC. Na verdade, o juiz não está vinculado ao meio processual utilizado pelas partes, nos termos e com os limites do disposto no artigo 193.°, do CPC.
Um dos requisitos da intervenção acessória - insusceptibilidade de ser demandado a título principal - encontra-se verificado pelo que se disse antes quanto à insusceptibilidade de intervenção principal.
Decorre do próprio funcionamento do contrato de seguro que o segurado que satisfaça o pagamento de indemnização por responsabilidade que seja objecto do contrato, tem direito a havê-la da seguradora em termos gerais.
Em abstracto o incidente poderia adequar-se à situação.
No entanto, a Ré não pediu nem em primeira instância nem neste recurso que tal questão fosse objecto de apreciação, nomeadamente face ao teor do artigo 193.°, n.° 3, do CPC.
Termos em que nesta sede de recurso, não é admissível equacionar a convolação - o que seria possível em primeira instância -, por estar o objecto de apreciação delimitado pelas conclusões da Recorrente que não submetem tal matéria a apreciação desta Relação.
Uma última nota para considerar que a decisão recorrida não enquadra a sua apreciação no incidente do artigo 321.°, do CPC, mas procede a uma apreciação perfunctória da viabilidade do direito de regresso que apenas este incidente admite, nos termos do disposto no artigo 322.°, n.° 2, do mesmo Código.
Ora, a decisão ao abrigo desta norma é irrecorrível.
Não obstante, não é essa decisão que está em causa neste recurso, mas a de indeferir o incidente de intervenção principal provocada.
*
Síntese: A intervenção principal provocada pode fundar-se em preterição inicial de litisconsórcio necessário ou na verificação de uma situação de litisconsórcio voluntário.
Se o litisconsórcio voluntário decorrer da solidariedade da obrigação, a lei possibilita o reconhecimento do direito de regresso e a condenação na sua satisfação.
Na intervenção principal a sentença aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado, apreciação que não ocorre na intervenção acessória, constituindo a sentença caso julgado quanto o chamado apenas relativamente às questões de que dependa o direito de regresso.
O seguro de responsabilidade civil decorrente do exercício da advocacia tem a natureza de seguro obrigatório, podendo ser directamente demandada a seguradora.
Não se verifica litisconsórcio necessário entre o segurado e a seguradora na acção em seja pedida a condenação em indemnização por responsabilidade civil decorrente do exercício da advocacia.
A admissibilidade da intervenção principal passiva implica que o chamado e o autor do chamamento sejam ambos sujeitos passivos da relação material controvertida configurada pelo Autor na petição.
A convolação judicial de incidentes de intervenção de terceiros não pode ocorrer oficiosamente em sede de recurso.
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso e confirmam a decisão impugnada.
Custas pela apelante

Lisboa, 3 de Dezembro de 2020
Teresa Prazeres Pais
Rui Torres Vouga
Isoleta de Almeida e Costa
_______________________________________________________
[1]  Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2018, volume 1.°, p. 634.
[2] Cf. Ana Algarvio de Sousa in https://www.pra.pt/pt/communication/news/o-seguro-dos-advogados-e- obrigatorio/.
[3] Neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 proferido no processo 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1 (António Silva Gonçalves).
[4]  Todo o advogado, com inscrição em vigor na O.A., deve possuir um seguro de responsabilidade civil profissional. Esse seguro existe para fazer face aos riscos inerentes à actividade do advogado. Esta obrigação decorre do art. 99° do EOA cujo n.° 1 dispõe que "o advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional tendo em conta a natureza e âmbito dos riscos inerentes à sua actividade, por um capital de montante não inferior ao que seja fixado pelo Conselho Geral e que tem como limite mínimo 250.000 euros, sem prejuízo do regime especialmente aplicável às sociedades de advogados", consultado em https://portal.oa.pt/advogados/pareceres-da ordem/conselho-eral/2011/parecer-n%C2%BA- 12pp2009-g/.
[5]Quanto à natureza obrigatória do seguro profissional em causa, por todos, os recentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2019 proferido no processo 5992/13.7TBMAI.P2.S2 (Catarina Serra), de 11 de Julho de 2019 proferido no processo 5388/16.9T8VNG.P1.S1 (Rosa Tching) ou de 16 de Maio de 2019, proferido no processo 236/14.7TBLMG.C1.S2 (Maria da Graça Trigo)