Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE GONÇALVES | ||
Descritores: | JOGO DE FORTUNA E AZAR CONTRA-ORDENAÇÃO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE EXAME CRÍTICO DA PROVA DEPOIMENTO INDIRECTO PROVA TESTEMUNHAL | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/05/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIAL | ||
Sumário: | Iº O exame crítico das provas não se basta com a indicação dos meios de prova utilizados, tornando-se necessário explicitar o processo de formação da convicção do tribunal, a partir desses meios de prova, com apelo às regras de experiência e aos critérios lógicos e racionais que conduziram a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido; IIº O exame crítico deve ser aferido com critérios de razoabilidade, não indo ao ponto de exigir uma explanação fastidiosa, com escalpelização descritiva de todas as provas produzidas, o que transformaria o processo oral em escrito, pois o que importa é explicitar o porquê da decisão tomada relativamente aos factos, de modo a permitir aos destinatários da decisão e ao tribunal superior uma avaliação do processo lógico-mental que serviu de base ao respectivo conteúdo; IIIº A regra é a do testemunho directo, mas a lei não proíbe de forma absoluta a produção e valoração de depoimentos indirectos; IVº O depoimento indirecto é proibido se o juiz não chamar a depor a pessoa indicada pela testemunha como fonte do conhecimento que transmitiu ao tribunal, no entanto, esse depoimento pode ser valorado sempre que a inquirição da fonte não seja possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada; Vº Aquela impossibilidade não tem de ser absoluta, bastando-se a lei com uma impossibilidade relativa, definida como a decorrente do insucesso das diligências efectuadas para encontrar a testemunha no local onde era suposto que devia estar, insucesso esse que permite antever que só a muito custo (ou, quiçá, nem mesmo assim) ela será encontrada; VIº A lei não fixa regras de valoração do depoimento indirecto. Nos casos em que essa valoração é admissível, deve ser avaliado conjuntamente com a restante prova, conforme a livre apreciação e as regras da experiência comum, portando, sem qualquer hierarquia de valoração; VIIº Em processo penal, dado o objectivo da procura da verdade material, o tribunal não está condicionado pela produção de determinados meios de prova, não existindo impedimento a se considerar provado que alguém explora um estabelecimento comercial com base em prova testemunhal; VIIIº Como se infere do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 (Diário da República, 1.ª série — N.º 46 — 8 de Março de 2010), o critério de distinção entre o ilícito criminal e o ilícito contra-ordenacional tem que ser um critério material, imposto pelo princípio da legalidade e pela função de garantia inerente a cada tipo de crime. E assim, não obstante a formulação genérica constante do artigo 1.º, e da enunciação exemplificativa constante do artigo 4.º, n.º 1, ambos do Dec. Lei nº422/89, de 2Dez., deve entender-se que os jogos de fortuna ou azar são os que se encontram especificados no n.º1 do artigo 4.º, sem prejuízo de outros que venham a ser autorizados. Todos os demais são modalidades afins; IXº A alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º422/89, de 2Dez., na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, inclui nos jogos de fortuna ou azar não só os «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar», mas também aqueles que «apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte»; Xº Apesar de a máquina apreendida não pagar directamente prémios em dinheiro, nem desenvolver jogo próprio dos de fortuna ou azar, porque apresentava como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte, a mesma encontra-se abrangida pela previsão daquela alínea g); | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 728/06.1GBVFX, procedeu-se ao julgamento da arguida F…, melhor identificada nos autos, pela imputada prática, em autoria material, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, com referência aos artigos 1.º e 3.º do mesmo diploma legal. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «Com os fundamentos expostos, julgo procedente, por provada, a acusação e, consequentemente: 1-Condeno a arguida F…, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1, com referência aos artigos 1.º 3 3.º, todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, nas penas compósitas de 140 (cento e quarenta) dias de multa à razão diária de e 6,00 (seis euros), no total de e 840,00 (oitocentos e quarenta euros) e na pena de 5 (cinco) meses de prisão. 2.Nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º59/2007, de 04 de Setembro, decido substituir a pena de 5 (cinco) meses de prisão por 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 720,00 (setecentos e vinte euros). 3.Nestes termos, vai a arguida F…, condenada na pena materialmente cumulada 260 (duzentos e sessenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 1.560,00 (mil quinhentos e sessenta euros). (…)» 2. Inconformada, a arguida recorreu da referida sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): a) A sentença recorrida padece do vício de uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois as testemunhas limitaram-se a referir o que consta do auto de notícia; ora para além do que ali consta, nada mais acrescentaram, isto é, questionadas sobre como obtiveram conhecimento desses factos, responderam que tinha sido a recorrente a referir-lhes os elementos que do auto constam. b) Dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, da documentação gravada em CD R que se encontra junto aos autos e de acordo com o princípio da imediação previsto no art. 355.º do C. P. P., somente se pode retirar como factos que a máquina encontrava-se no estabelecimento em causa e nada mais. c) A recorrente pugna pela alteração da decisão sobre a matéria de facto, devendo julgar-se como não provados os factos descritos 1, 2, 3, 5, 7, 8, e 10. d) Nada foi esclarecido e nada foi apurado sobre a qualidade da recorrente naquele estabelecimento e o que ali fazia ou que funções desempenhava. e) O Tribunal "a quo" limitou-se a considerar urna pretensa "confissão" da recorrente em pleno inquérito (início do processo) e a transpô-la para a audiência de julgamento e sem que a recorrente sequer tivesse prestado declarações em julgamento ou existisse qualquer outra prova (documental) que a essa conclusão levasse, condenando-o por essa pretensa "confissão" no início do processo; confissão esta de factos que nem sequer foram dados como provados, como a quem pertence exploração do estabelecimento e em consequência do jogo em causa e percurso lógico dedutivo para se considerar como provado que a recorrente pretendia explorar num determinado local, que não lhe pertencia, um jogo que sabia ser de fortuna ou azar. f) Não é possível, no modesto entender da recorrente que uma decisão de facto sobre o conhecimento da recorrente do carácter ilegal da máquina e a vontade livre de praticar a exploração da mesma no estabelecimento em causa, seja fundamentada nos depoimentos das testemunhas ouvidas em julgamento, atento a que estas testemunhas elas próprias nem sequer conseguiram fazer a destrinça dos jogos de fortuna ou azar das modalidades afins de fortuna ou azar (ponto no CD R 215) e nem sequer referenciaram qualquer matéria relacionada com o elemento subjectivo do tipo do crime por que a recorrente foi condenada. As testemunhas limitaram-se a referir o local onde o jogo se encontrava e nada mais. g) O Tribunal "a quo" na sentença recorrida violou as normas constantes dos art. 127.° do C. P. P., porque socorreu-se no principio constante deste artigo, mas sem prova para livremente apreciar; violou o art. ° 355. ° do C. P. P. pois considerou para a condenação do recorrente provas que não foram produzidas em audiência de julgamento; violou o art. 133.°, n.º 1, al. a) do C. P. P. pois entendeu que as testemunhas poderiam substituir-se ao recorrente na reprodução de informações que lhe foram dadas de supostas qualidades e funções, supostamente desempenhadas pelo recorrente no estabelecimento em causa, permitindo que a recorrente na qualidade de arguido se transformasse em testemunha contra si própria. h) A sentença recorrida erra quanto à qualificação do jogo em causa, já que qualifica tal jogo como de fortuna ou azar, quando na realidade tal jogo deve ser qualificado como modalidade afim de fortuna ou azar, e neste sentido os Doutos Ac. s do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 26/10/1994, in www.dgsi.pt, do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 14/07/1999, in www.dgsi.pt, numa modalidade de jogo afim de fortuna ou azar exactamente igual à dos presentes autos, sendo este Douto Aresto muito esclarecedor acerca desta matéria; Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, nos Recursos n.º 7974/98, da 3.ª Secção, de 11710/2000, Rec. 4140/97, 3.ª Secção, de 12/11/1997, Rec. 442/96, 3.ª Secção, de 29/10/1997 e de entre muitos outros 9689/04, da 3.ª Secção, de 16/02/2005. i) Não se provou que fosse proprietária do mesmo e não se provou que obtivesse lucros com a máquina, assim como não se provou que tivesse acordado seja com quem for a colocação de tais máquinas em qualquer estabelecimento. j) Falece assim a verificação do elemento objectivo, e tal resulta tão somente da leitura e análise da sentença recorrida, por verificação do erro na apreciação da prova, por ausência absoluta de prova no que respeita à possibilidade de se considerar como provado o facto assinalado sob os n.º 1, 2, 3, 5, 7, 8 e 10. k) Na sentença recorrida verifica assim a existência do vício de erro na apreciação da prova, constituindo esta a 1.ª questão a ser apreciada em sede de recurso; l) A 2.ª questão a ser apreciada em sede de recurso é a inconstitucionalidade arguida da interpretação conferida pelo tribunal “a quo” aos art. 355.°, n.º 7 do art. 356.°, e n.º 2 do art. 357.°, todos do C. P. P., em que o tribunal "a quo " entende que são válidas as declarações prestadas pelas testemunhas em violação do direito ao silêncio da recorrente, porque as testemunhas reproduziram conversas informais, não reduzidas a escrito, que lhes foram, supostamente, transmitidas pela recorrente, à data da fiscalização, em violação do art. 32.° da C. R. P., pois em sede de julgamento não poderiam ter sido reproduzidas essas conversas, atenta a proibição da leitura de eventuais declarações da recorrente que viessem a ser reduzidas, posteriormente, a escrito. m)A recorrente formula a seguinte declaração de inconstitucionalidade, para efeitos de recurso para o Tribunal Constitucional em caso de não decisão pela não inconstitucionalidade da interpretação que a esses mencionados artigos foi conferida pelo tribunal "a quo": “Verifica-se serem inconstitucionais os art. 355.°, n.º 7 do art. 356.° e n.º 2 do art. 357, todos do C. P. P., por violarem o art. 32.° da C. R. P., quando sejam interpretados no sentido de as declarações informais do arguido ou de quem seja provável vir a ser constituído como tal, sem estarem reduzidas a auto, prestadas perante órgãos de policia criminal, sejam reproduzidas em sede de audiência de julgamento, sem consentimento do próprio arguido ou do provável arguido." n) Igualmente se verifica que foi dado como provado que a recorrente agiu livre, deliberada e tinha consciência de que a sua actuação constituía a prática de um crime (factos dados como provados sob os n.º 1, 2, 3 5, 7, 8, e 10). o) O acima concluído permite de forma clara, verificar a existência do vício previsto na al. c) do n.º 2 do art. 410.° do C. P. P., esta a 3.ª questão a apreciar em sede do presente recurso; p) A recorrente conclui que a sentença recorrida violou as normas constantes dos art. 374.°, n.º 2 do C. P. P.; 1.°, 3.°, 4.°, n.º 1, als. f) e g) e 108. ° do D. L. 422/89 na redacção do D. L. 10/95; igualmente violou o art. 127.° do C. P. P., porque utilizou as regras de experiência comum numa situação em que se encontrava vedada essa possibilidade, ou seja, através de tais regras é imputada ao recorrente a verificação do elemento subjectivo, cujos conhecimentos para essa imputação são nulos e inexistentes e esse conhecimento do tema do jogo em causa não resulta de quaisquer regras de experiência comum, assim se dando cumprimento ao disposto na al. a) do n.° 2 do art. 412.° do C. P. P.; q) A recorrente conclui ainda que foram violados os art. 355.°, n.º 7 do artigo 356.º, n.º2 do art. 357.º, todos do C.P.P. e art. 32.º da C.R.P., decorrendo da interpretação destes art. uma inconstitucionalidade já arguida em sede de alegações e cujas conclusões se encontram nas presentes motivações de recurso. r) A recorrente conclui que uma vez que os factos 1, 2, 3, 5, 7, 8, e 10 (facto provado somente pela presunção feita pelo tribunal recorrido, sem qualquer base legal e factual existente nos autos ou produzida em julgamento) deveriam ter sido dados como não provados, por ausência de prova, não existe a necessidade legal de referir que provas impõem decisão diversa da tomada, assim como que provas devem ser renovadas para que decisão de facto diversa fosse tomada. Pelo exposto, deverá ser revogada a decisão recorrida, pugnando-se pela absolvição da recorrente, assim se fazendo a costumada Justiça. 3. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, em que concluiu no sentido de que o recurso não merece provimento. 4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), emitiu o parecer de fls. 289 e segs, no qual, secundando a resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância, sustentou que o recurso não merece provimento. 5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., tendo a recorrente respondido como consta de fls. 297 e seguintes, procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma. II – Fundamentação 1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196). Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência da recorrente com a decisão impugnada, as questões colocadas no recurso são: - a nulidade da sentença; - o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto; - o vício do erro notório na apreciação da prova; - a alegada inconstitucionalidade da interpretação normativa que o tribunal recorrido teria feito dos artigos 355.°, n.º 7 do art. 356.° e n.º 2 do art. 357, todos do C. P. P., por violarem o art. 32.° da C. R. P., quando interpretados no sentido de serem válidas as declarações informais do arguido ou de quem seja provável vir a ser constituído como tal, sem estarem reduzidas a auto, prestadas perante órgãos de policia criminal, que sejam reproduzidas em sede de audiência de julgamento, sem consentimento do próprio arguido ou do provável arguido; - a falta de preenchimento dos elementos do tipo objectivo de crime. 2. Da sentença recorrida 2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: 1-A arguida, à data de 31 de Julho de 2006, explorava um estabelecimento comercial denominado “Pastelaria ….”, sito na Rua …, área desta comarca de Vila Franca de Xira. 2-No dia 31 de Julho de 2006, cerca das 16 horas e 20 minutos, a arguida possuía no interior do estabelecimento descrito em 1, em local visível e acessível ao público, uma máquina de pequena dimensão, com móvel de um só corpo, estrutura em madeira, de cor cinzenta nas paredes laterais, com a inscrição no painel frontal “Decorative Marbles”, sem qualquer referência exterior quanto à origem, fabricante, número de fabrico ou de série. Na parede lateral direita encontra-se o dispositivo de introdução de moedas de € 0,50, € 1,00 ou € 2,00. Ao centro, encontra-se um círculo onde se visualiza um número indeterminado de “leds”, que se vão iluminando, estando oito deles destacados dos outros com uma pequena circunferência e com as inscrições “1”, “50”, “2”, “100”, “5”, “20”, “200” e “10”. Ao centro do referido painel encontra-se uma janela digital onde surge a pontuação obtida no decurso das jogadas efectuadas. Do lado direito da circunferência encontra-se uma janela que regista os créditos introduzidos. Na parte frontal inferior direita da máquina, encontra-se um pequeno botão vermelho que permite ao jogador arriscar os créditos obtidos em jogadas premiadas. Na parte inferior lateral esquerda encontra-se um botão que permite ligar e desligar a máquina e, à sua direita, dois parafusos metálicos que, mediante o contacto de um objecto metálico, por exemplo, uma moeda, permitem fazer o reset (apagar) aos créditos obtidos no decurso das jogadas. A máquina funciona da seguinte forma: -após a introdução de uma moeda de € 0,50, € 1,00 ou € 2,00, automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre os vários orifícios existentes no mostrador circular, iluminando-os à sua passagem. O ponto luminoso inicia o seu movimento giratório animado de grande velocidade que perde gradualmente, até parar ao fim de várias voltas, fixando-se, aleatoriamente, num dos orifícios já mencionados, casos em que duas situações podem ocorrer: -o orifício em que pára o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números indicados no mostrador circular existente na máquina e, neste caso, o jogador teria direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200 pontos (pontos que correspondiam a um prémio monetário que lhe seria pago a um euro por cada ponto e que poderia variar entre um mínimo de 1 euro e um máximo de 200 euros; -o ponto luminoso pára num dos restantes orifícios, sem qualquer identificação e, então, o jogador nada ganhava, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo novas moedas; 3-O objectivo do jogo é o de conseguir que o ponto luminoso se imobilizasse num dos orifícios com direito a prémio, na esperança de ganhar mais dinheiro. 4-O resultado do jogo depende única e exclusivamente do factor sorte, não podendo ser controlada pelo jogador, de forma alguma, mormente, com habilidade, destreza ou experiência. 5-O estabelecimento explorado pela arguida não estava autorizado a explorar este tipo de jogo. 6-No momento da apreensão, a máquina continha, no seu interior, a quantia de € 17,50 (dezassete euros e cinquenta cêntimos), proveniente de jogadas, entretanto, efectuadas. 7-A arguida bem sabia que a máquina de jogo atrás descrita conduz a resultados que dependem exclusivamente da sorte e que os aludidos prémios com expressão pecuniária eram distribuídos de forma totalmente aleatória a quem os utilizasse. Sabia ainda que a exploração desse jogo dependia de prévia autorização das competentes autoridades administrativas, autorização essa que não possuía, facto que não a impediu de explorar tal jogo, em proveito próprio. 8-Actou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Mais se provou, com relevo para a decisão da causa, que: 9-À arguida não são conhecidos antecedentes criminais. 10-A arguida não demonstrou arrependimento pelos factos perpetrados. 2.2. Quanto a factos não provados ficou consignado na sentença recorrida (transcrição): Inexistem. 2.3. O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição): O tribunal fundou a sua convicção quanto ao circunstancialismo provado, na análise crítica da prova produzida, nomeadamente, no depoimento da testemunha R…, militar da GNR, que, de forma isenta, clara e objectiva, descreveu o episódio, de que teve conhecimento directo, por ter participado na acção de fiscalização aleatória ao estabelecimento comercial explorado pela arguida. Confirma, com segurança, que a máquina de jogo ali encontrada estava ligada, em cima do balcão, e em pleno funcionamento, pois viu umas luzes que piscam a rodar, perfeitamente visível para todos os clientes. A testemunha relatou que falou, inicialmente, com uma empregada do café, pois a patroa não estava. O militar da GNR referiu que, pouco depois, a arguida, proprietária do estabelecimento, chegou ao café, após a funcionária ter encetado contacto telefónico com aquela. O militar da GNR presenciou a chegada da arguida ao café, a qual foi identificada como sendo a proprietária do estabelecimento e exploradora da máquina, o que avulta do depoimento claro, conciso e seguro de R…, bem como do teor do auto de notícia de fls. 3 e 4 por si lavrado, onde consta cabal identificação da arguida, mormente, através da aposição do número de bilhete de identidade. A testemunha explicou, igualmente, que foi a arguida quem possuía e quem facultou as chaves da máquina, ao que a testemunha e o agente policial que o acompanhava, abriram a máquina na presença da arguida, tendo R… confirmado que, no interior da máquina, se encontrava a quantia de € 17,50 (dezassete euros e cinquenta cêntimos), sinal de que a máquina estava em pleno funcionamento, advindo tal dinheiro das jogadas, entretanto, efectuadas pelo público. Com efeito, sendo proprietária de um estabelecimento comercial, que explorava, é, pois evidente, à luz de regras de experiência comum e de juízos de normalidade, que a arguida não podia ignorar, como efectivamente, não ignorava que tal máquina de jogo dependia, exclusivamente, da sorte ou azar do jogador, que permitia prémios com expressão pecuniária, distribuídos de forma totalmente aleatória a quem os utilizasse, tendo a seu cargo a exploração da referida máquina no seu estabelecimento à disposição do público em geral, visando, por conseguinte, a obtenção de um lucro ilícito, por não lhe ser permitida a exploração de tal máquina, naquele local, o que bem sabia. Adite-se, ainda, que a testemunha R… afirmou que a funcionária do estabelecimento (identificada no auto de notícia como C…, a qual foi arrolada como testemunha de acusação) lhe disse que sabia como a máquina funcionava, o que lhe havia sido explicada pela proprietária do estabelecimento, a D.ª F…. Pese embora, nesta parte, o depoimento da testemunha R… consubstancie depoimento indirecto, o mesmo foi valorado pelo tribunal, nos termos do artigo 129.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Com efeito, tendo o depoimento do agente, resultado, nesta parte do que ouviu dizer à testemunha C…, o tribunal convocou por mais de uma vez esta a depor, inclusive, através da emissão de mandados de detenção e condução, tendo sido impossível localizá-la. Assim, nesta parte, também valorou o tribunal o depoimento do agente R…, pois a inquirição de C… não foi possível, por impossibilidade de ser encontrada, conforme melhor consta explanado nas actas das sessões de julgamento. No que respeita aos factos descritos quanto à natureza e características da máquina, o tribunal baseou-se no relatório pericial de fls. 25 a 29. O tribunal baseou, ainda, a sua convicção no CRC da arguida junto aos autos, a fls. 109, no termo de abertura da máquina, de fls. 11 e no termo de entrega de fls. 13. Não ficou demonstrado o arrependimento da arguida, o qual teria que passar, necessariamente, pela interiorização do desvalor do ilícito e do resultado perpetrado. Ora, a arguida não compareceu em julgamento e tampouco colaborou com a justiça, donde se infere não ter havido, pois, qualquer arrependimento. Não existem elementos probatórios que infirmem os supra referidos. 3. Apreciando Passamos, agora, a apreciar as questões colocadas no recurso. 3.1. A recorrente, de uma forma pouco clara, alega que a sentença recorrida é nula, por violação do disposto no artigo 374.º do C.P.P. É evidente que a recorrente incorre num equívoco quando diz que a sentença é nula por ter dado como provados factos que não se provaram: trata-se de matéria a ser enfrentada em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não se reconduzindo às nulidades da sentença a que se reporta o artigo 379.º do C.P.P. De harmonia com o disposto no artigo 374.º, n.º2, do C.P.P., ao relatório da sentença segue-se a fundamentação que consta da «enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal». Por sua vez, estabelece o artigo 379.º, n.º1, alínea a), do C.P.P., que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º2 e na alínea b) do n.º3 do referido artigo 374.º. A enumeração dos factos provados e não provados reporta-se, a nosso ver, a todos os factos submetidos à apreciação do tribunal e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, os constantes da acusação ou da pronúncia, do pedido de indemnização civil, da contestação penal e da contestação civil, quer sejam substanciais, quer circunstanciais ou instrumentais com relevo para a decisão. Acrescerá, sendo caso disso, o dever de se pronunciar quanto aos factos que resultem da discussão da causa e sejam relevantes para a decisão, no respeito do princípio da vinculação temática e sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos. A exigência de enumeração dos factos provados implica uma descrição especificada dos factos que como tal se consideram, em rigor um a um, ainda que não necessariamente subordinada a números. Quanto à enumeração dos factos não provados – factos que o sejam realmente, com relevância para a decisão -, importa, a nosso ver, que não reste qualquer dúvida de que o tribunal efectivamente os apreciou, de que o tribunal indagou e se pronunciou sobre cada um dos factos relevantes, pelo que a expressão genérica «não se provaram quaisquer outros factos» só dará cumprimento à exigência de enumeração dos factos não provados, imposta pelo n.º2 do artigo 374.º, se resultaram provados todos os factos da acusação, da contestação penal, do pedido civil e da contestação do pedido civil. No caso vertente, da sentença recorrida consta a indicação pormenorizada dos factos provados e a menção de que inexistem factos não provados. Exige-se, ainda, uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto (que, naturalmente, hão-se ser seleccionados de entre os factos provados e não provados) e de direito, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. O exame crítico da provas situa-se nos limites propostos, entre outros, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional 680/98, de 2 de Dezembro de 1998, D.R., 2ª Série, de 5 de Março de 1999, que julgou inconstitucional a norma do n.º2 do artigo 374.º do C.P.P. de 1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º1 do artigo 205.º da Constituição, bem como, quando conjugado com a norma das alíneas b) e c) do n.º2 do artigo 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º1 do artigo 32.º, também da Constituição. Não basta, por conseguinte, indicar os meios de prova utilizados, tornando-se necessário explicitar o processo de formação da convicção do tribunal, a partir desses meios de prova, com apelo às regras de experiência e aos critérios lógicos e racionais que conduziram a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido. Só assim será possível comprovar se foi seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova ou se esta se fundou num subjectivismo incomunicável que abre as portas ao arbítrio. A fundamentação, na parte que respeita à indicação e exame crítico das provas, não tem de ser uma espécie de assentada em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas inquiridas, ainda que de forma sintética. O exame crítico deve ser aferido com critérios de razoabilidade, não indo ao ponto de exigir uma explanação fastidiosa, com escalpelização descritiva de todas as provas produzidas, o que transformaria o processo oral em escrito, pois o que importa é explicitar o porquê da decisão tomada relativamente aos factos, de modo a permitir aos destinatários da decisão e ao tribunal superior uma avaliação do processo lógico-mental que serviu de base ao respectivo conteúdo (cfr., sobre esta matéria, o Acórdão do STJ, de 26 de Março de 2008, Processo: 07P4833, www.dsgi.pt; também com interesse, o texto do Desembargador Sérgio Poças, Da sentença penal – Fundamentação de facto, Revista “Julgar”, n.º3, p. 21 e segs.). No caso em análise, a leitura da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida – que atrás se transcreveu – permite concluir que o tribunal a quo esforçou-se no sentido de explicitar as razões da sua convicção, indicando as provas consideradas e expondo, de forma perceptível, as razões pelas quais, com base nas mesmas, o tribunal formou a sua convicção relativamente à factualidade provada e não provada. Tendo em vista que a prova deve ser apreciada segundo as regras da experiência, em que se incluem as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, devendo as inferências basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, p. 127, citando F. Gómez de Liaño, La Prueba en el Proceso Penal, 184), a sentença recorrida não deixou de invocar «à luz de regras de experiência comum e de juízos de normalidade, que a arguida não podia ignorar, como efectivamente, não ignorava que tal máquina de jogo dependia, exclusivamente, da sorte ou azar do jogador, que permitia prémios com expressão pecuniária, distribuídos de forma totalmente aleatória a quem os utilizasse, tendo a seu cargo a exploração da referida máquina no seu estabelecimento à disposição do público em geral, visando, por conseguinte, a obtenção de um lucro ilícito, por não lhe ser permitida a exploração de tal máquina, naquele local, o que bem sabia.» A arguida-recorrente pode dissentir do julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo, por sustentar que a prova deveria ter sido valorada de modo diverso – matéria também susceptível de ser sindicada por via de recurso -, mas não se vislumbra que a sentença careça de fundamentação bastante, designadamente no que concerne à decisão sobre a matéria de facto. Finalmente, também as razões de direito que servem para fundamentar a decisão (na apreciação dos factos considerados assentes à luz do direito vigente) devem ser especificadas na fundamentação, o que, no caso, acontece. Assim, respeitando a sentença recorrida as exigências do artigo 374.º, n.º2, do C.P.P., conclui-se que não enferma da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º1, alínea a), do mesmo diploma. Por outro lado, não tendo condenado por factos diversos dos descritos na acusação, não tendo deixado de se pronunciar sobre as questões que devia apreciar ou conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, também não se identifica qualquer nulidade das previstas nas alíneas b) e c) do n.º1 do referido artigo 379.º do C.P.P. 3.2. Dispõe o artigo 428.º, n.º 1, do C.P.P., que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito. Dado que no caso em análise houve documentação da prova produzida em audiência, com a respectiva gravação, poderia este tribunal reapreciar em termos amplos a prova, nos termos dos artigos 412.º, n.º3 e 431.º do C.P.P., ficando, todavia, o seu poder de cognição delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente. Resulta da análise da motivação que a recorrente discorda da matéria de facto dada como provada e não provada. 3.2.1. É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º3, 4 e 6, do mesmo diploma. No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do C.P. Penal. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acordãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, a consultar em www. dgsi.pt). Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P. Penal: «3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.» A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados. A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.). Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.). É nesta exigência que se justifica, materialmente, o alargamento do prazo de recurso de 20 para 30 dias, nos termos do artigo 411.º, n.º4. Para dar cumprimento a estas exigências legais tem o recorrente de especificar quais os pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, quais os segmentos dos depoimentos que impõem decisão diversa da recorrida e quais os suportes técnicos em que eles se encontram, com referência às concretas passagens gravadas. 3.2.2. Posto isto, temos que, no que concerne à modificabilidade da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, preceitua o artigo 431.º, do C.P.P., que tal decisão pode ser modificada, sem prejuízo do disposto no artigo 410.º: a) se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º3 do artigo 412.º; ou c) se tiver havido renovação da prova. No caso concreto, não estamos perante qualquer das hipóteses contempladas nas três alíneas do mencionado artigo 431.º, sendo certo que não foi suscitada a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, com cumprimento dos ónus de especificação respectivos, nos termos do artigo 412.º, n.º3, do C.P.P. Realmente, muito embora a recorrente, insurgindo-se contra os pontos de facto n.º1, 2, 3, 5, 7, 8 e 10 da factualidade provada, mencione o depoimento da testemunha R…, afigura-se-nos que a sua crítica à decisão sobre a matéria de facto situa-se no âmbito da alegação do erro notório na apreciação da prova, o que decorre, desde logo, do corpo da motivação, que não cumpre as exigências de especificação, e mais se evidencia nas conclusões, em que a recorrente claramente refere que «tal resulta tão-somente da leitura e análise da sentença recorrida (…)» [ver conclusão j)]. Assim, no que concerne à decisão da matéria de facto, importa saber se a mesma enferma de algum dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., designadamente, dos vícios da insuficiência e do erro notório na apreciação da prova. 3.2.3. O corpo do supra referido artigo 431.º excepciona o disposto no artigo 410.º do C.P.P. [o que, a nosso ver, deve ser interpretado nos termos constantes do Acórdão do S.T.J. de 30 de Janeiro de 2002, Processo 3264/01-3.ª (Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – SASTJ -, Ano 2002)]. Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do C.P.P. que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Trata-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto - vícios da decisão e não de julgamento, não confundíveis nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida -, de conhecimento oficioso, que hão-de derivar do texto da decisão recorrida por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª ed., p. 873; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121). Explicitando: trata-se de vícios decisórios que têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e cuja verificação há-de necessariamente, como resulta claramente do preceito, ser evidenciada pelo próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo que constem do processo, sendo os referidos vícios intrínsecos à decisão como peça autónoma. Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto relevante, acarretando a normal consequência de uma decisão de direito viciada por falta de suficiente base factual, ou seja, os factos dados como provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador. Dito de outra forma, este vício ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto contida no objecto do processo e com relevo para a decisão, cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos …, 6.ª ed., 2007, p. 69; Acórdão da Relação de Lisboa, de 11.11.2009, processo 346/08.0ECLSB.L1-3, em http://www.dgsi.pt). Como já se assinalou, não se deve confundir este vício decisório com a errada subsunção dos factos (devida e totalmente apurados) ao direito, o que consubstancia um caso de erro de julgamento. Nem, por outro lado, tal vício se reconduz à discordância sobre a factualidade que o tribunal, apreciando a prova com base nas “regras da experiência” e a sua “livre convicção”, nos termos do artigo 127.º do C.P.P., entendeu dar como provada. A insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão que pertence ao âmbito do princípio de livre apreciação da prova, não é sindicável caso não seja suscitada a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto. Quanto à contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação da convicção conduz a uma decisão sobre a matéria de facto provada e não provada contrária àquela que foi tomada – e assim é porque, como já se disse, todos os vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., reportam-se à decisão de facto e consubstanciam anomalias decisórias, ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., pp. 71 a 73). Finalmente, o vício do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, verificando-se, igualmente, este vício quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio - ou, talvez melhor dito (se partirmos de um critério menos restritivo, na senda do entendimento do Conselheiro José de Sousa Brito, na declaração de voto no Acórdão n.º 322/93, in www.tribunalconstitucional.pt, ou do entendimento do Acórdão do S.T.J. de 30 de Janeiro de 2002, Proc. n.º 3264/01 - 3.ª Secção, sumariado em SASTJ), ao juiz “normal”, dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, desde que seja segura a verificação da sua existência -, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, consistindo, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., p. 74; Acórdão da R. do Porto de 12/11/2003, Processo 0342994, em http://www.dgsi.pt). Analisemos se a sentença recorrida enferma de algum destes vícios. 3.2.3.1. Na conclusão a), diz a recorrente que a sentença recorrida «padece do vício de uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois as testemunhas limitaram-se a referir o que consta do auto de notícia; (…)». Porém, quando a recorrente enumera, mais adiante, as questões a decidir no recurso, não refere tal vício. Em todo o caso, é manifesto que a sentença recorrida não enferma do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porquanto os factos provados são suficientes para suportar a decisão de direito a que se chegou, independentemente da recorrente poder discordar – e, no caso, efectivamente discorda – do sentido da decisão de facto, por divergir quanto à valoração da prova. Por outro lado, visionando toda a matéria factual, não se verifica qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão, o que permite concluir que também não se verifica o vício previsto no artigo 410.º, n.º2, alínea b): a contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão. 3.2.3.2. Vejamos, agora, se a sentença recorrida patenteia a existência de erro notório na apreciação da prova, na definição que deixamos supra exposta. Para a recorrente, tal vício traduziu-se na valoração de uma pretensa «confissão» da recorrente em pleno inquérito; na valoração de provas que não foram produzidas em audiência; na valoração de depoimentos indirectos e de declarações informais. É duvidoso que a violação das regras que regulam o modo de formação da convicção integre o vício do erro notório, devendo configurar, diversamente, no pressuposto de se acolher a argumentação sustentada pela recorrente, uma proibição de prova, na modalidade de proibição de valoração da prova, Dito isto, importa indagar se no caso existia alguma proibição de produção ou de valoração do depoimento da testemunha R…, já que a recorrente alega que o tribunal firmou a sua convicção com base em provas inadmissíveis, o que podemos apreciar a partir da própria fundamentação da decisão de facto constante da sentença recorrida. No caso em análise, é evidente a essencialidade que teve o depoimento da testemunha R…, militar da GNR que levantou o auto de notícia de fls. 3 e 4. Dá conta a motivação da decisão de facto que o referido militar «descreveu o episódio, de que teve conhecimento directo, por ter participado na acção de fiscalização aleatória ao estabelecimento comercial explorado pela arguida». Diz-se, na referida motivação, a propósito do depoimento da referida testemunha, que confirmou, «com segurança, que a máquina de jogo ali encontrada estava ligada, em cima do balcão, e em pleno funcionamento, pois viu umas luzes que piscam a rodar, perfeitamente visível para todos os clientes.» A testemunha disse que falou, inicialmente, com uma empregada do café, pois a patroa não estava. Pouco depois, a arguida, proprietária do estabelecimento, chegou ao café, após a funcionária ter encetado contacto telefónico com aquela. A testemunha presenciou a chegada da arguida ao café, que foi identificada como sendo a proprietária do estabelecimento e exploradora da máquina. Explicou que era a arguida quem possuía e quem facultou as chaves da máquina, que a testemunha e o agente policial que o acompanhava abriram a máquina na presença da arguida, confirmando que, no seu interior, se encontrava a quantia de € 17,50 (dezassete euros e cinquenta cêntimos), sinal de que a máquina estava em pleno funcionamento, advindo tal dinheiro das jogadas, entretanto, efectuadas pelo público. A testemunha também afirmou que a funcionária do estabelecimento (identificada no auto de notícia como C…, arrolada como testemunha de acusação) lhe disse que sabia como a máquina funcionava, o que lhe havia sido explicado pela proprietária do estabelecimento, a D.ª F.... Pergunta-se: o tribunal recorrido, que valorou o depoimento assim sintetizado, conjuntamente com os restantes elementos de prova, terá indevidamente valorizado prova testemunhal indirecta e declarações informais? O objecto (ou tema) da prova é constituído por todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do agente e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis (artigo 124.ºdo C.P.P.). O thema corresponde aos factos a provar; as provas são os instrumentos utilizados para demonstrá-lo, segundo as regras do processo (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 4.ª ed., 2008, p. 118). O artigo 125.º dispõe que são admitidas as provas que não forem proibidas por lei. Esta regra consagra a liberdade da prova – no sentido de serem admissíveis todos os meios de prova que não forem proibidos -, mas pressupõe que existam ou possam existir meios de prova proibidos, cuja utilização não seja admitida no processo penal. No que concerne à prova testemunhal, dispõe o artigo 128.º, n.º 1, do C.P.P., que a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova. O testemunho é directo ou indirecto, consoante se reporta imediatamente aos factos a provar ou aos meios de prova destes. Como ensina Germano Marques da Silva (ob. cit., p. 180), conhecimento directo dos factos é aquele que a testemunha adquire por se ter apercebido imediatamente deles através dos seus próprios sentidos; no testemunho indirecto a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, mas não imediatamente dos próprios factos. A regra é que o testemunho indirecto só serve para indicar outro meio de prova directo. Por isso, dispõe o artigo 129.º, n.º 1: «Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.» Dos mencionados artigos 128.º e 129.º resulta, por um lado, que a regra é a do testemunho directo, mas, por outro, a lei não proíbe de forma absoluta a produção e valoração de depoimentos indirectos. O que se proíbe é a valoração de tais depoimentos se o juiz não chamar a depor a pessoa indicada pela testemunha como fonte do conhecimento que transmitiu ao tribunal. No entanto, o depoimento indirecto pode ser valorado sempre que a inquirição da fonte não seja possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada. A lei não fixa as regras de valoração do depoimento indirecto, nos casos em que essa valoração é admissível, devendo entender-se, face ao princípio geral da livre apreciação da prova estabelecido no artigo 127.º do C.P.P., que o depoimento deve ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida, incluindo o correspondente depoimento directo, quando tenha sido prestado, tudo conforme a livre apreciação e as regras da experiência comum, portanto, sem qualquer hierarquia de valoração entre um e outro (Ac. do S.T.J., de 20.11.2002, CJ, X, III, 232; Ac. da R. de Évora, de 30.01.2007, proc. n.º 2457/06-1; Ac. da R. do Porto, de 07.11.2007, Processo 0714613; Ac. da R. do Porto, de 9.02.2011, Processo 195/07.2GACNF.P1, disponíveis em www.dgsi.pt). Feitas estas breves considerações e volvendo ao caso em apreço, temos que o tribunal valorou o depoimento da testemunha R…, «militar da GNR, que, de forma isenta, clara e objectiva, descreveu o episódio, de que teve conhecimento directo, por ter participado na acção de fiscalização aleatória ao estabelecimento comercial explorado pela arguida.» Da motivação da decisão de facto resulta que a testemunha depôs sobre matéria de que tomou conhecimento no decurso de uma acção de fiscalização aleatória em que interveio. Quando a testemunha confirmou que a máquina de jogo em causa estava ligada, em cima do balcão e em pleno funcionamento, «pois viu umas luzes que piscam a rodar, perfeitamente visível para todos os clientes», limitou-se a descrever factos que directamente percepcionou. O mesmo ocorreu quando a testemunha relatou ter falado, inicialmente, com uma empregada do café e que, pouco depois, chegou ao local a arguida, que foi identificada nos termos que foram consignados no auto de notícia de fls. 3 e 4, a qual era quem possuía e lhe facultou as chaves da máquina, «ao que a testemunha e o agente policial que o acompanhava, abriram a máquina na presença da arguida, tendo R… confirmado que, no interior da máquina, se encontrava a quantia de € 17,50 (…)». Trata-se de um depoimento assente na percepção directa de factos que o depoente presenciou e de que deu conta ao tribunal. A mesma testemunha também afirmou «que a funcionária do estabelecimento (identificada no auto de notícia como C…, a qual foi arrolada como testemunha de acusação) lhe disse que sabia como a máquina funcionava, o que lhe havia sido explicada pela proprietária do estabelecimento, a D.ª F...», o que está em inteira consonância com a descrição contida no auto de notícia (com o qual a testemunha foi confrontado, como decorre da acta da audiência de julgamento relativa à sessão do dia 24 de Setembro de 2009) e com o relato de que a referida funcionária foi quem contactou telefonicamente a arguida («a patroa»), que chegou ao café pouco depois. Neste segmento, importa distinguir duas realidades distintas: quando a testemunha relata ao tribunal o que ouviu da boca de C… – que a arguida era a dona do estabelecimento e que foi a arguida quem lhe explicou o funcionamento da máquina em causa -, o depoimento é directo porque a testemunha limita-se a relatar o que percepcionou através dos seus próprios ouvidos. Porém, o facto que importa ao tribunal – o facto probando – não é a conversa com a referida empregada, mas antes conhecer a relação entre a arguida e o estabelecimento em causa, saber se a arguida era a proprietária do estabelecimento e exploradora da máquina. No que concerne a essa realidade, o relato da testemunha R…, enquanto reportado ao que lhe foi dito por C…, constitui um depoimento indirecto, já que o seu conhecimento resultou do que lhe ouviu dizer. O tribunal recorrido não iludiu a questão, referindo-se, expressamente, a esse depoimento indirecto e justificando a justeza da sua valoração. Como já se disse, o depoimento indirecto não pode ser valer como meio de prova, a menos que se verifiquem determinados condicionalismos, o que significa que a proibição da sua valoração não é absoluta. Desde logo, terá de resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, sendo que as vozes ou rumores públicos se encontram expressamente afastados pelo n.º 1 do artigo 130.º do C.P.P. Em segundo lugar, constitui conditio sine qua non para que possa ser valorado, que o juiz chame a depor a pessoa a quem a testemunha ouviu relatar os factos que transmite ao tribunal, prevendo-se, como excepção à regra, a impossibilidade de ouvir as pessoas indicadas, enquadrada numa das hipóteses taxativamente enumeradas: a morte, a anomalia psíquica ou a impossibilidade de encontrar aquelas pessoas, nos termos do artigo 129.º, n.º1. Se a verificação das duas hipóteses enumeradas em primeiro lugar não sofrerá grandes dúvidas, pois nestes casos a impossibilidade é absoluta, já o mesmo se não dirá em relação à impossibilidade de encontrar as pessoas indicadas. Quanto a esta hipótese, entende-se que a impossibilidade não terá de ser absoluta (no sentido de que, esgotadas todas as diligências tendentes a encontrá-las, nem mesmo assim foi possível determinar o seu paradeiro), bastando-se a lei com uma impossibilidade relativa, definida no Acórdão da Relação do Porto, de 13 de Dezembro de 2006, processo 0615421 (disponível em www.dgsi.pt), como a «decorrente do insucesso das diligências efectuadas para as encontrar no local onde era suposto que deviam estar, insucesso esse que permite antever que só a muito custo (ou, quiçá, nem mesmo assim) elas serão encontradas». Também Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado, 16.ª edição, p. 331) sustenta, em anotação ao artigo 129.º: «A impossibilidade de inquirição por as pessoas a inquirir não serem encontradas pode ser relativa, funcionando em cada caso o critério do juiz. Já quanto aos casos de morte e de anomalia psíquica superveniente, também previstos na parte final do n.º1, a impossibilidade é absoluta». Afigura-se-nos, pois, que uma vez efectuadas as diligências que, no caso concreto e atentos os seus condicionalismos, se apresentavam como razoáveis, a impossibilidade relativa de encontrar a testemunha-fonte preenche a hipótese indicada no n.º1 do artigo 129.º, parte final. Analisada a sentença recorrida, constata-se que o tribunal a quo valorou o depoimento de R…, militar da G.N.R. que levantou o auto de notícia, mesmo na parte do que ouviu dizer à testemunha C…, fundamentando essa decisão na impossibilidade de inquirição desta, com expressa indicação do preceituado no artigo 129.º, n.º1. A recorrente não centra a sua discordância nesta matéria, relativa ao depoimento indirecto com base no que se ouviu dizer a C…, mas antes no que considera ter sido uma indevida valoração de declarações informais por si prestadas. Em todo o caso, sempre se dirá que o tribunal recorrido envidou, efectivamente, todos os esforços razoáveis no sentido de inquirir a referida C…, nas diversas sessões da audiência de julgamento, tendo inclusivamente emitido mandados de detenção (para as duas moradas constantes dos autos), não se logrando localizar a cidadã em causa, pelas razões constantes das respectivas certidões negativas. Assim, assume-se o pressuposto de que estava o tribunal recorrido habilitado a valorar o depoimento da testemunha R… na parte em que relata o que lhe foi dado saber por intermédio da testemunha-fonte C… (e que também foi levado ao auto de notícia). Aqui chegados, convém salientar que o facto de alguém explorar ou não um estabelecimento comercial, não implica para sua demonstração a exigência de prova documental. Tal como se enunciou no Acórdão do S.T.J., de 20 de Novembro de 1996, proferido no Proc. n.º 47287, «ao invés do que acontece em processo civil, em que certos actos jurídicos somente podem ser provados em tribunal por específicos tipos de prova, em processo penal, dado o objectivo da procura da verdade material, fundamento da sua existência, é admitida a utilização de vários meios de prova para que o tribunal formule a sua convicção no aspecto factual, sem que esteja condicionada pela produção de determinados meios probatórios». O que quer significar que não existe impedimento legal para que aquele facto possa ser sustentado, nomeadamente, com base na prova testemunhal. Conclui-se, face ao exposto, que o tribunal valorou – e podia valorar – o depoimento do autuante, tido como isento, claro e objectivo, que relatou factos que directamente percepcionou – a presença da máquina em causa, que estava ligada, em cima do balcão e em pleno funcionamento; a chegada da arguida ao local, contactada telefonicamente por C…; a circunstância de a arguida ter na sua posse as chaves da máquina que facultou à testemunha, «ao que a testemunha e o agente policial que o acompanhava, abriram a máquina na presença da arguida, tendo R… confirmado que, no interior da máquina, se encontrava a quantia de € 17,50 (…)». E também valorou o mesmo depoimento na parte em que relata o teor do que lhe foi dito pela testemunha-fonte C… a propósito da arguida: ser esta a dona do estabelecimento e sua «patroa» e ter sido a arguida quem lhe explicou o funcionamento da máquina em causa. Quanto à natureza e características da máquina, o tribunal baseou-se no relatório pericial de fls. 25 a 29. Diz-se no recurso que teria havido uma indevida valoração do que se ouviu dizer à arguida. Adiante-se que a recorrente carece de razão. As únicas menções que se fazem na motivação da decisão de facto que poderiam sustentar a argumentação da recorrente consistem na afirmação de que o militar da GNR «presenciou a chegada da arguida ao café, a qual foi identificada como sendo a proprietária do estabelecimento e exploradora da máquina» e de que «foi a arguida quem possuía e quem facultou as chaves da máquina». Quanto à circunstância de ter sido a arguida «quem possuía e quem facultou as chaves da máquina» e desta ter sido aberta na sua presença, o que está documentado no «Termo de abertura de máquina» de fls. 11, assinado pela arguida, não se vislumbra qualquer reprodução de declarações informais, limitando-se o relato a reproduzir factos concretos que a testemunha presenciou. Admitamos, porém, que a recorrente se reporta à sua identificação como proprietária do estabelecimento e exploradora da máquina, na ocasião em que chegou ao estabelecimento onde estava a ser iniciada a acção de fiscalização. Determina o artigo 356.º, n.º 7, do C.P.P., que os «órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas». No caso concreto, face ao que se infere do recurso, não estaria em causa a reprodução de nada que a arguida haja afirmado em autos formais de declarações, mas o que terá dito em momentos anteriores, na fase preliminar da actividade inspectiva ou durante a sua efectivação. Ora, conhecido o debate na doutrina e na jurisprudência sobre o valor probatório a atribuir às chamadas «conversas informais», tendo em vista o disposto nos artigos 356.º, n.º7, 357.º do C.P.P., e o direito do arguido ao silêncio, certo é que a jurisprudência tem considerado a necessidade de algumas distinções nesta matéria, como fez o Acórdão do S.T.J., de 15 de Fevereiro de 2007, no Processo 06P4593 (disponível em www.dgsi.pt), onde se pode ler: «Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido. A partir da constituição do arguido enquanto tal, ele assume um estatuto próprio, com deveres e direitos, entre os quais, o de não se auto-incriminar. A partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente. Contudo, de forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia. Compete então às autoridades, nos termos do art. 249º do CPP, praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime”. Estas “providências cautelares” são fundamentais para investigar a infracção, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial devam praticá-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art. 249º, nº 1). Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo (pode até não vir a haver, como por exemplo se o crime for semi-público e não for apresentada queixa). Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito. O que o art. 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249º do CPP.» Pois bem: não só não se infere, a partir da motivação da decisão de facto, que o tribunal recorrido tenha dado como provado que a arguida era proprietária do estabelecimento e exploradora da máquina com base no depoimento da testemunha R… na parte em que relata ter sido a arguida identificada nessa qualidade, quando chegou ao estabelecimento que estava a ser fiscalizado, mas também, não se vislumbra que tal depoimento não pudesse ser valorado, já que se trata, a nosso ver, de afirmações feitas numa fase preliminar, prévia à instauração do inquérito, em que as autoridades policiais devem, nos termos do artigo 249.º do C.P.P., recolher todas as informações possíveis para assegurar os meios de prova. Na falta da impugnação ampla da matéria de facto, e como tal, da possibilidade de se escrutinar o exacto e concreto circunstancialismo em que a testemunha R… terá declarado em audiência que a arguida foi chamada telefonicamente pela sua empregada e se identificou como a responsável pela exploração da máquina e do estabelecimento, apenas poderemos adiantar que a atitude de quem, perante uma actuação policial num determinado estabelecimento, se comporta ou se identifica como responsável pela sua exploração, não traduz matéria sobre a qual exista qualquer impedimento para que possa ser perguntada ao respectivo órgão de polícia criminal. É evidente que iniciando-se uma acção de fiscalização aleatória num estabelecimento comercial, é normal e razoável que o órgão de polícia criminal procure, desde logo, um interlocutor válido com quem possa dialogar, procurando saber quem é o dono ou responsável pelo estabelecimento em causa. Nesse contexto, dizer-se que a empregada contactou com a arguida e que esta chegou pouco depois e foi identificada como proprietária do estabelecimento e exploradora da máquina, não consubstancia o relato de qualquer conversa informal que não pudesse ser reproduzida e considerada. Porém, como já se disse e queremos realçar, certo é que da motivação da decisão de facto não resulta que o tribunal recorrido tenha dado como provado que a arguida era proprietária do estabelecimento e exploradora da máquina com base no depoimento da testemunha R… na parte em que tenha relatado quaisquer conversas com a arguida, designadamente, por ter esta sido identificada ou se ter identificado nessa qualidade. Não se infere que o tribunal tenha valorado declarações extraprocessuais feitas pela arguida, mas antes o depoimento prestado em audiência pela testemunha R…, que foi quem levantou o auto de notícia, na parte em que se traduz num depoimento directo, e bem assim num depoimento indirecto, sendo testemunha-fonte C… (pelas razões supra expostas), em conjugação com a prova documental e pericial junta aos autos. O que nos leva a afirmar, com clareza que a suscitada inconstitucionalidade dos «art. 355.°, n.º 7 do art. 356.° e n.º 2 do art. 357, todos do C. P. P., por violarem o art. 32.° da C. R. P., quando sejam interpretados no sentido de as declarações informais do arguido ou de quem seja provável vir a ser constituído como tal, sem estarem reduzidas a auto, prestadas perante órgãos de policia criminal, sejam reproduzidas em sede de audiência de julgamento, sem consentimento do próprio arguido ou do provável arguido» não tem qualquer cabimento, porquanto não resulta minimamente que as normas controvertidas tenham sido aplicadas, in casu, na dimensão interpretativa que a recorrente considera inconstitucional, e que tenham constituído a ratio decidendi do juízo proferido pelo tribunal para decidir sobre a matéria de facto. Não se verifica, desta forma, a valoração de prova inadmissível, a merecer a censura do tribunal de recurso. 3.2.3.3. Como se disse, a recorrente estabelece uma ligação entre a questão da alegada valoração de declarações informais e o vício de erro notório na apreciação da prova, pelo que, nessa perspectiva, também se dirá que a sentença recorrida não enferma desse vício. Alega também a recorrente que há erro notório ao dar-se como provados os pontos de facto 7 e 8. Dizem estes pontos de facto: «7-A arguida bem sabia que a máquina de jogo atrás descrita conduz a resultados que dependem exclusivamente da sorte e que os aludidos prémios com expressão pecuniária eram distribuídos de forma totalmente aleatória a quem os utilizasse. Sabia ainda que a exploração desse jogo dependia de prévia autorização das competentes autoridades administrativas, autorização essa que não possuía, facto que não a impediu de explorar tal jogo, em proveito próprio. 8-Actou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.» Como se vê, trata-se de factualidade atinente ao tipo subjectivo do crime imputado, ao dolo. Os dois números consubstanciam o elemento intelectual do dolo, referindo-se o n.º7 à representação ou previsão do facto pelo agente, e o n.º8 à consciência do agente de que o facto é censurável. Enquanto facto pertencente à vida interior do agente, o dolo tem natureza subjectiva, razão pela qual não é susceptível de ser directamente percepcionado ou apreendido por terceiros. A sua demonstração resulta sempre de factos objectivos que o documentam, designadamente e em particular, os que preenchem o tipo objectivo do crime, retirando-se a sua verificação em cada caso através de presunções apoiadas nos princípios da normalidade e das regras da experiência comum. A arguida não compareceu na audiência de julgamento e, portanto, não prestou declarações, salientando-se, a este respeito, que o tribunal tudo fez para assegurar a presença da arguida - devidamente notificada e que faltou injustificadamente -, interrompendo sucessivamente a audiência e chegando a emitir mandados de detenção, sem que se lograsse que a arguida, que esteve sempre representada, como cabia, por advogado, comparecesse em julgamento. Não se diga, pois, que a arguida, que por desinteresse ou estratégia, não quis comparecer na audiência de julgamento, não teve a oportunidade de se defender e de exercer, em plenitude, o contraditório. Resulta da motivação de facto da sentença que o tribunal a quo valorou o relatório de fls. 25 a 29 no que respeita às características e modo de funcionamento da máquina apreendida; valorou o depoimento da testemunha R…, nos termos sobreditos, que foi confrontado com o auto de notícia que levantou, junto a fls. 3 e 4; considerou o CRC da arguida junto aos autos, a fls. 109, o termo de abertura da máquina, de fls. 11, e no termo de entrega de fls. 13. Destes elementos, concluiu depois que a arguida era a proprietária e exploradora do estabelecimento em causa, considerando demonstrados os pontos 1 a 6 dos factos provados, sendo evidente que a prova do dolo resulta da afirmação da correspondente regra da experiência comum de que, se a máquina era explorada pela arguida no estabelecimento que era seu, a mesma agiu assim porque quis, e conhecia as características do jogo desenvolvido pela máquina. O único ponto em que alguma razão assiste à recorrente respeita ao ponto 10 dos factos provados, onde se diz que «a arguida não demonstrou arrependimento pelos factos perpetrados», assente na simples circunstância de não ter comparecido em julgamento, facto que é, porém, inócuo por uma dupla razão: não determina o preenchimento (ou não) do tipo legal de crime em causa; no pressuposto do preenchimento do tipo legal de crime, afigura-se-nos que a sua desconsideração não conduz a uma pena diversa – mais benévola - da que foi imposta. Do que se infere que da sua simples supressão (pois não há que reenviar para novo julgamento), uma vez que se conclua no sentido de que o crime imputado está verificado, não há que dele retirar qualquer outra consequência. Finalmente, no tocante a uma eventual violação do princípio in dubio pro reo, como a Jurisprudência desta Relação vem sistematicamente enunciando, aquela só se verifica se da decisão sob recurso decorrer que o Tribunal «a quo» haja chegado a um estado de dúvida insanável, resistente ao crivo crítico da livre apreciação e que, perante ela, tenha acabado por acolher a tese desfavorável ao arguido. Na situação dos autos tal não se verifica: a decisão recorrida não evidencia que o tribunal a quo, ao decidir como decidiu, o tenha feito num estado de dúvida – sendo certo que a prova além de toda a dúvida razoável ou “proof beyond any reasonable doubt” constitui o parâmetro em função do qual tem de ser resolvida a questão da prova para permitir a condenação -, e bem assim também não se evidencia que o mesmo tribunal, que não teve dúvidas, as devesse ter. 3.3. Diz a recorrente que a máquina apreendida não permite a subsunção ao crime pelo qual foi condenada. O jogo é um comportamento humano que sempre atraiu a atenção do Direito, com diversas perspectivas de intervenção, que conduziram à sua actual autorização regulamentada, fundada, não na necessidade de proteger o jogador, mas na de controlar «uma actividade que constitui objecto de uma significativa reprovação social, do ponto de vista ético, tendo em conta os males e prejuízos para a própria sociedade que se considera encontrarem-se-lhe associados (…)» (Ac. T. Constitucional n.º 99/2002, de 27 de Fevereiro). A autorização regulamentada do jogo passa hoje pela distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, com a absoluta interdição do jogo clandestino. A questão que se coloca é precisamente a de qualificar, face às características do equipamento apreendido, o jogo por ele desenvolvido. De acordo com a matéria de facto provada, a máquina apreendida nos autos funciona do seguinte modo: Trata-se de «2. (…) uma máquina de pequena dimensão, com móvel de um só corpo, estrutura em madeira, de cor cinzenta nas paredes laterais, com a inscrição no painel frontal “Decorative Marbles”, sem qualquer referência exterior quanto à origem, fabricante, número de fabrico ou de série. Na parede lateral direita encontra-se o dispositivo de introdução de moedas de € 0,50, € 1,00 ou € 2,00. Ao centro, encontra-se um círculo onde se visualiza um número indeterminado de “leds”, que se vão iluminando, estando oito deles destacados dos outros com uma pequena circunferência e com as inscrições “1”, “50”, “2”, “100”, “5”, “20”, “200” e “10”. Ao centro do referido painel encontra-se uma janela digital onde surge a pontuação obtida no decurso das jogadas efectuadas. Do lado direito da circunferência encontra-se uma janela que regista os créditos introduzidos. Na parte frontal inferior direita da máquina, encontra-se um pequeno botão vermelho que permite ao jogador arriscar os créditos obtidos em jogadas premiadas. Na parte inferior lateral esquerda encontra-se um botão que permite ligar e desligar a máquina e, à sua direita, dois parafusos metálicos que, mediante o contacto de um objecto metálico, por exemplo, uma moeda, permitem fazer o reset (apagar) aos créditos obtidos no decurso das jogadas. A máquina funciona da seguinte forma: -após a introdução de uma moeda de € 0,50, € 1,00 ou € 2,00, automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre os vários orifícios existentes no mostrador circular, iluminando-os à sua passagem. O ponto luminoso inicia o seu movimento giratório animado de grande velocidade que perde gradualmente, até parar ao fim de várias voltas, fixando-se, aleatoriamente, num dos orifícios já mencionados, casos em que duas situações podem ocorrer: -o orifício em que pára o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números indicados no mostrador circular existente na máquina e, neste caso, o jogador teria direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200 pontos (pontos que correspondiam a um prémio monetário que lhe seria pago a um euro por cada ponto e que poderia variar entre um mínimo de 1 euro e um máximo de 200 euros; -o ponto luminoso pára num dos restantes orifícios, sem qualquer identificação e, então, o jogador nada ganhava, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo novas moedas; 3-O objectivo do jogo é o de conseguir que o ponto luminoso se imobilizasse num dos orifícios com direito a prémio, na esperança de ganhar mais dinheiro. 4-O resultado do jogo depende única e exclusivamente do factor sorte, não podendo ser controlada pelo jogador, de forma alguma, mormente, com habilidade, destreza ou experiência. É claro que a destreza e experiência do jogador são completamente indiferentes para o resultado do jogo que, como se vê, depende exclusivamente da sorte. O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, define os jogos de fortuna ou azar nos seguintes termos: «Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.» Em regra, a exploração e a prática de jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo legalmente criadas (artigo 3.º, n.º 1, do mesmo diploma). Não obstante a definição legal, o artigo 4.º do referido Decreto-Lei, que tem por epígrafe, «Tipos de jogos de fortuna ou azar», enuncia no seu n.º 1, a título exemplificativo – como decorre da utilização do advérbio, nomeadamente – a propósito dos jogos autorizados nos casinos, os tipos de jogos de fortuna ou azar, aqui incluindo: - Os jogos bancados [bacará, banca francesa, boule, cussec, écarté bancado, roleta francesa, roleta americana, black-jack, chucluck, trinta e quatro, bacará de banca limitada, craps e keno], alíneas a) a d); - Os jogos não bancados [bacará chemin de fer, bacará de banca aberta, écarté e bingo], alínea e); - Os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas, alínea f); - Os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, alínea g). Por seu turno, no que concerne às modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, o artigo 159.º, n.º 1, do mesmo diploma define-as nos seguintes termos: «Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.» Também aqui o legislador enunciou, de forma igualmente exemplificativa, as modalidades afins, fazendo-o no n.º 2 do mesmo artigo, como tal considerando, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos. No âmbito do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, a ilicitude criminal está apenas relacionada com a exploração a prática de jogos de fortuna ou azar (artigos 108.º a 115.º), enquanto as modalidades afins são abrangidas pelo direito de mera ordenação social (artigos 160.º a 163.º). Como se infere do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 (Diário da República, 1.ª série — N.º 46 — 8 de Março de 2010), o critério de distinção entre o ilícito criminal e o ilícito contra-ordenacional tem que ser um critério material, imposto pelo princípio da legalidade e pela função de garantia inerente a cada tipo de crime. E assim, não obstante a formulação genérica constante do artigo 1.º, e da enunciação exemplificativa constante do artigo 4.º, n.º 1, do citado diploma legal, deve entender-se que os jogos de fortuna ou azar são os que se encontram especificados no n.º 1 do artigo 4.º, sem prejuízo de outros que venham a ser autorizados. Todos os demais são modalidades afins. Importa, assim, verificar, face ao teor do n.º 1, do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, se a máquina apreendida se inclui em algumas das suas alíneas f) e g). Relativamente à alínea f), é a mesma de afastar liminarmente, na medida em que a máquina em questão não pagava directamente prémios em fichas ou em moedas. Relativamente à alínea g), como vimos já, o jogo desenvolvido pela máquina depende exclusivamente da sorte. É certo que ela não desenvolve jogo com tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, designadamente, algum dos previstos nas alíneas, a) a e), do n.º 1, citado, e também não pagava directamente prémios em fichas ou moedas. Mas, como vem provado, proporcionava o pagamento de prémios em dinheiro, e apenas em dinheiro, embora não directamente. A simples natureza do prémio – dinheiro, directa ou indirectamente, nos jogos de fortuna ou azar, e coisas com valor económico, nas modalidades afins – não é, a nosso ver, critério suficiente para proceder à qualificação. Mas o que também se provou é que o jogo desenvolvido pela máquina, independentemente da sua maior ou menor similitude com a roleta, permitia ao jogador ganhar pontos, imediatamente visualizados no mostrador existente, e acumular os respectivos créditos nas várias jogadas ganhadoras efectuadas, pontos que eram convertidos em dinheiro. Assim, porque a máquina apreendida não pagava directamente prémios em dinheiro – pagava, como vimos, indirectamente – nem desenvolvia jogo próprio dos de fortuna ou azar, mas apresentava como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte, entendemos que a mesma se encontra abrangida pela previsão da alínea g), do n.º 1, do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro. Atente-se que a máquina apreendida nos autos diverge das que estão na origem do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010, pelas características dos jogos desenvolvidos, razão pela qual aos autos não é aplicável a jurisprudência fixada pelo Acórdão citado. Concluindo: A alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, inclui nos jogos de fortuna ou azar não só os «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar», mas também aqueles que «apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte». É precisamente esta a característica do jogo desenvolvido pela máquina explorada pela arguida, que sendo jogo de fortuna ou azar só podia ser explorado e praticado nos casinos, nos casos previstos no artigo 3.º, n.º 1, e, excepcionalmente, nos casos previstos nos artigos 6.º a 8.º, todos do referido Decreto-Lei n.º 422/89. Uma vez que, face aos factos provados, a arguida explorava uma máquina que desenvolvia um jogo de fortuna ou azar, em local não autorizado por lei, querendo tal exploração e sabendo-a proibida e punível, preenchido está o tipo do crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro. Desta forma, face ao que antecede, excepto na parte em que se suprime o ponto de facto n.º 10 dos factos provados, o recurso improcede. III – Dispositivo Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em conceder provimento parcial ao recurso, suprimindo dos factos provados o ponto n.º10 e confirmando no mais a sentença recorrida. Custas a cargo da recorrente, fixando-se em 5 (cinco) UC a taxa de justiça Lisboa, 5 de Abril de 2011 Jorge Gonçalves Carlos Espírito Santo |