Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PEDRO BRIGHTON | ||
Descritores: | PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO PRINCÍPIO DA IGUALDADE | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/08/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I-O Processo Especial de Revitalização (P.E.R.) traduz-se, num instrumento processual, sobretudo de cariz negocial, criado, e a desenvolver-se, num contexto económico difícil, passível de suportar a viabilização da empresa, assentando a estabelecida eficácia do acordo para além da esfera dos que nele intervieram, na aprovação por uma maioria qualificada, vinculando a generalidade dos credores. II-Deve ser recusada a homologação de plano de revitalização aprovado, que consubstancie desrespeito injustificado do princípio da igualdade entre credores e cause grave prejuízo a credores face à situação em que se encontrariam se não houvesse plano de revitalização. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa. I-Relatório: 1-M.P.M.A.O. veio, ao abrigo do disposto no artº 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.) intentar o presente processo especial de revitalização. 2-Após foi nomeado um administrador judicial provisório, nos termos do disposto no artº 17º-C nº 3, al. a) do C.I.R.E.). 3-O Administrador juntou lista provisória de créditos, a qual foi publicada no portal “Citius”, nos termos e para os efeitos do artº 17º-D nº 3 do C.I.R.E.. 4-Foram apresentadas impugnações à lista provisória, as quais foram julgadas procedentes (cf. fls. 168 a 173). 5-O administrador judicial provisório juntou, em 26/6/2014, o Parecer a que alude o artº 17º-G nº 4 do C.I.R.E., concluindo estar-se perante uma situação de insolvência e não face a um caso de situação económica difícil. 6-Foi proferido, em 1/7/2014, despacho a declarar o termo do processo de revitalização, nos termos do artº 17º-G do C.I.R.E.. 7-O Requerente veio aos autos arguir a nulidade de tal despacho. 8-O administrador judicial provisório apresentou requerimento a pedir que se considerasse sem efeito a junção do seu Parecer em 26/6/2014, argumentando que se tratava apenas de um projecto e que na mesma data o devedor enviou aos credores um Plano de recuperação que foi aprovado, não estando por isso aquele em situação de insolvência. Referiu ainda o administrador que “não deixa de ser estranho que o plano tenha sido aprovado por credores que abdicam de 99,9% do seu crédito”. Juntou o quadro com os resultados da votação, os votos recebidos dos credores e o Plano de Recuperação. 9- Perante o requerimento do administrador judicial provisório, o Tribunal, em 9/7/2014 proferiu despacho que declarou sem efeito a decisão que declarou o termo do processo de revitalização. Nesse mesmo despacho ordenou o Tribunal a junção de novo documento “com o resultado da votação, atestando a presença do devedor na contagem, identificando todos os credores e respectivos créditos e respectivo sentido de voto, específica e discriminadamente”. 10-Em 17/7/2014 veio o administrador judicial provisório juntar aos autos o “resultado da votação rectificado e respectivo parecer”, referindo que votaram 100% dos credores com direito a voto, dos quais 77,46% a favor e 22,54% contra”. Conclui que o devedor não se encontra em situação de insolvência, “pois consegue inclusive obter crédito (prorrogação do prazo de crédito hipotecário por 10 anos), contudo, não deixa de ser estranho que o plano tenha sido aprovado por credores que abdicam de 99,9% do seu crédito”. 11-O Tribunal notificou o devedor e os credores de tal relatório. 12-O credor“NB., S.A.”(anterior “B.E.S.”) veio requerer a não homologação do plano, invocando, em síntese, que o devedor não se encontra em situação económica difícil mas numa verdadeira situação de insolvência. Propôs-se ele pagar integralmente apenas dois credores, propondo quanto aos restantes o pagamento de 0,1% do capital em 15 anos, após um período de carência de 3 anos. Defende o referido credor que, caso esse plano seja homologado, irá ocorrer uma quase total desoneração das responsabilidades do devedor, com prejuízo para a maioria dos credores. 13-O devedor respondeu, alegando a extemporaneidade de tal requerimento e pugnando pela improcedência do mesmo. 14-Foi, então proferida decisão a declarar tempestivo o pedido do credor “NB., S.A.” e a não homologar o acordo extrajudicial, constando da sua parcela decisória : “Pelo exposto, não homologo o acordo extrajudicial apresentado por M.P.M.A.O., celebrado entre este e os seus credores Caixa Geral de Depósitos, Segurança Social e W.A.F.. Custas pelo devedor. Registe e notifique”. 15-Inconformado com tal decisão, dela recorreu o devedor M.P. M.A.O., para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões : “1. O requerimento apresentado pelo credor Banco Espírito Santo, S.A., em 31/07/2014, pedindo a não homologação do plano de recuperação do devedor, depois de ter votado desfavoravelmente o plano de recuperação em 27/06/2014 e de o Sr. Administrador Judicial Provisório ter informado os autos da aprovação do plano de recuperação no dia 16/07/2014, é claramente extemporâneo. 2. Pelo que, o requerido pelo credor B.E.S., ao abrigo do artigo 216º, nº 1, alínea a), do CIRE, não era sequer suscetível de apreciação judicial, seguindo-se também de perto o acórdão proferido em 26/11/2013 pela Relação de Coimbra no âmbito do processo nº 1785/12.7 TBTNV.C1. Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese se pondera, sem conceder, 3. O juízo de prejuízo subjacente ao artigo 216º, nº 1, alínea a), do ClRE, entre a homologação e não homologação do plano de recuperação, é concreto e efectivo: o credor tem que demonstrar que tem possibilidades de se pagar do património actual do devedor. 4. Não tendo o credor B.E.S. demonstrado as vantagens que para si resultariam da inexistência de plano de recuperação – isto é, as vantagens que para si decorreriam da declaração de insolvência e da liquidação do património do Devedor, ora Recorrente – não podia o Tribunal a quo ter decidido pela recusa de homologação do plano de recuperação do Devedor, ora Recorrente, porque o raciocínio explanado da sentença recorrida não tem aderência com a realidade à luz do actual património do Devedor e das onerações que sobre ele impendem, todas a favor da C.G.D. 5. Acresce que, a aprovação, pela maioria dos credores, de um perdão de 99,09% dos créditos – não só do credor BES, mas também de outros – não é contrário nem ao texto, nem ao espírito da lei. O perdão é, aliás, um meio de atingir aquele que é o objetivo de qualquer “Processo Especial de Revitalização”: a recuperação do devedor. 6. O plano de recuperação pode prever perdões de créditos, carências, pagamentos alongados no tempo, juros remuneratórios, constituição de garantias, entre outros, não sendo o uso de um desses meios por si só fundamento para a não aprovação e/ou não homologação do plano de recuperação. 7. O PER é um procedimento que, sem perder de vista a satisfação dos interesses dos credores, procura essencialmente a recuperação do devedor, ainda que com prejuízo para os credores: é assim um procedimento pró-recuperação e pródevedor. 8. No PER, os credores são livres de propor e aceitar ao devedor, e vice-versa, o que bem entenderem para a sua recuperação, em homenagem ao princípio da autonomia privada que não pode ser judicialmente coarctado enquanto tal. 9. O tribunal não pode recusar a homologação do plano de recuperação do devedor aprovado pela maioria legalmente necessária dos credores com fundamento (directo ou indirecto) nas opções tomadas pelos credores para votarem em determinado sentido, ou no alcance (quantitativo) dessas opções. No limite os credores poderiam perdoar todos os créditos ao devedor e o tribunal a nada poderá obstar. 10. Quer isto dizer que está legalmente vedado ao Tribunal recorrido não homologar o plano de recuperação do devedor aprovado pelos credores porque não concorda com a opção dos credores ou com a dimensão dessas opções (neste caso do perdão de créditos). 11. Ao ter actuado assim, o Tribunal recorrido acabou por violar o princípio da autonomia privada dos credores e do devedor ínsito na dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1º da CRP. Para mais, 12. São evidentes as razões que motivaram o Devedor, ora Recorrente, a propor aos seus credores o pagamento da totalidade dos créditos à C.G.D., SA: por um lado, este credor concedeu ao Devedor um crédito à habitação e tem, a seu favor constituídas, três hipotecas voluntárias sobre o único bem imóvel, propriedade do Devedor – a casa onde o mesmo habita com a sua mulher e filho menor de idade; por outro lado, este credor é garantido, o que significa que será sempre e em qualquer caso pago por aquele e único património do devedor em primeiro lugar, antes dos credores comuns, como o são os restantes bancos, nomeadamente o B.E.S. 13. É também óbvia a razão de ser da contemplação, no âmbito do plano de recuperação, do pagamento integral da dívida existente à Segurança Social: trata-se de um credor público, cujo perdão da dívida não é permitido pela lei e, como tal, é um crédito indisponível por parte do devedor. 14. A recuperação em si mesma do Devedor justifica, exige e aconselha o tratamento diferenciado conferido à C.G.D. e à Segurança Social e encontra-se suficientemente justificada no plano de recuperação conducente à revitalização do Devedor, nunca tendo sido alegado o contrário por qualquer um dos credores e, de modo particular, pelo B.E.S., porquanto essa diferenciação é também ela legalmente motivada na diferença de natureza, graduação, garantia e indisponibilidade dos créditos da C.G.D. e da Segurança Social. 15. Por todo o exposto, conclui-se que andou mal o Tribunal o quo quando determinou a não homologação do plano de recuperação do Devedor, ora Recorrente, por violação do constante dos artigos 17º-A e ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e, mais especificamente, do artigo 17º-F, nº 5 do mesmo diploma, a par do princípio da autonomia privada, ínsito na dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1º da CRP. Termos em que, e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado e, em consequência, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que homologue o plano de recuperação do Devedor, ora Recorrente, aprovado pela maioria dos credores. Só assim se fazendo Justiça”. 16- O credor “NB., S.A.” (anterior “B.E.S.”) contra-alegou, com as seguintes conclusões : “A) O requerimento de não homologação do plano, apresentado pelo aqui Apelado aos 31.07.2014, foi tempestivo; B) Em verdade, equacionando os vários cenários possíveis de ausência de plano, têm de concluir-se que „o pagamento feito aos credores comuns será sempre superior, e mais célere, àquele que resulta do plano”. C) O que o ora Recorrente pretendeu alcançar com o plano foi, inversamente, o perdão total – 99,09% – das suas dívidas; o que é absolutamente inaceitável, sob pena de se acolher a produção de um resultado que a lei não autoriza – cfr. artigo 17º-A, nº 1 do ClRE. Nestes termos, deverá ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser mantido o douto despacho recorrido, com todas as consequências legais. Só assim se decidindo, será cumprido o Direito e feita Justiça”. * * * II – Fundamentação. a) A factualidade relevante é a constante do relatório deste Acórdão, para o qual se remete, tendo ainda o Tribunal “a quo” indicado os seguintes factos provados : 1- O devedor é arquitecto, desenvolvendo essa actividade em regime de profissão liberal, auferindo uma retribuição “aleatória”, a qual é insuficiente para, no imediato, dar pagamento às suas despesas e dívidas. 2- É casado e tem um filho menor. 3- Para desenvolvimento de vários projectos profissionais, deu o seu aval em diversos contratos de mútuo, celebrados com sociedades com as quais trabalhava, nomeadamente uma sociedade de promoção imobiliária. 4- As expectativas na recuperação da sua situação económica baseiam-se na venda do seu património e no desenvolvimento de projectos, nos quais já apresentou proposta, não só em Portugal mas sobretudo no estrangeiro. 5- Foi apresentada a lista provisória de créditos, com 10 credores, ascendendo o passivo a 38.390.731,18 €. 6- O credor que subscreveu o requerimento inicial (A.J.L.S.A.)não consta da lista de credores reconhecidos. 7- O devedor subscreveu um contrato de aluguer de equipamentos na qualidade de gerente da firma “Y. – Arquitectura e Urbanismo, Ldª”. 8- O Administrador Judicial Provisório, em 26/6/2014, juntou aos autos parecer nos termos do artº 17º-G nº 4 do C.I.R.E., concluindo pela insolvência do devedor. 9- A lista definitiva ficou com 11 credores reconhecidos e um passivo de 38.397.352,23 €. 10- O devedor, em 3/7/2014, apresentou requerimento acusando a existência de acordo. 11- Na sequência de despacho judicial para esclarecimentos, foi requerido que fosse dado sem efeito o parecer do Administrador e foram juntas determinadas declarações de voto, algumas das quais foram “impugnadas” pelos credores votantes. 12- Por despacho de 9/7/2014, foi dado sem efeito o encerramento do processo sem aprovação de plano e determinada a junção de (novo) documento com o resultado da votação, o qual foi junto em 17/7/2014, fazendo referência à prorrogação do prazo do crédito hipotecário. 13- Em 21/7/2014, foi ordenada a notificação aos credores para, querendo, se pronunciarem. 14- O credor hipotecário “C.G.D., S.A.” veio afirmar que não foi prevista qualquer prorrogação do prazo. 15- O credor “B.P.I.” veio declarar que, contrariamente ao que consta do mapa, votou contra o plano. 16- O credor “B.P.P.” veio sublinhar que o plano visa tão só a libertação do devedor de todas as suas responsabilidades. 17- O credor “B.E.S., S.A.”, em 31/7/2014, veio requerer a não homologação do plano. 18- No plano apresentado o devedor afirma que “as dívidas de maior monta (…) emergem do incumprimento por parte de terceiros” e que “tem por objectivo primordial garantir o pagamento dos créditos reconhecidos”, sendo que “a não aprovação do presente plano de recuperação não permitirá aos Credores receber mais do que aqui se propõe”. 19- Afirma ainda que o seu património é constituído apenas, e em compropriedade com a sua esposa, por um imóvel sobre o qual incidem três hipotecas (da “C.G.D.”) e duas penhoras (do “B.P.I.” e da “Creditex”). 20- Dos onze credores reconhecidos, o devedor propõe-se pagar a dois (“C.G.D., S.A.” e Segurança Social) 100% e, aos nove restantes, 0,1% do capital, no prazo de 15 anos. b) Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito. Perante as conclusões da alegação do recorrente, as questões em recurso são as seguintes : -Saber se o requerimento apresentado pelo recorrido (“NB., S.A.”, ex-“B.E.S., S.A.”) pedindo a não homologação do Plano de Recuperação do Devedor é tempestivo. -Saber se o Tribunal “a quo” tinha motivos para não homologar o Plano de Recuperação. c) Vejamos a primeira das apontadas questões. O P.E.R. (Processo Especial de Revitalização) foi introduzido no nosso ordenamento jurídico pela Lei 16/2012 de 20/4 que alterou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), e dirige-se a qualquer devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas em que essa situação ainda seja susceptível de recuperação (artº 17º-A do C.I.R.E.). Trata-se sempre de um processo negocial, sob a orientação e fiscalização de um administrador judicial provisório, visando-se a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização da empresa (artº 17º-D do C.I.R.E.). A finalidade deste processo é, pois, a recuperação do devedor, em prejuízo da liquidação imediata do seu património para satisfação dos credores, em detrimento da imediata liquidação do património do devedor. A Lei nº 16/2012 de 20/4 representa uma verdadeira mudança de paradigma do regime insolvencial com vista à prossecução do interesse público de defesa da economia, e assente na filosofia de que “cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas” (cf. Proposta de Lei 39/XII da Presidência do Conselho de Ministros). Durante as negociações, os intervenientes devem respeitar os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25/10 (artº 17º-D nº 10 do C.I.R.E.), nomeadamente da cooperação e da boa fé. Concluídas as negociações com a celebração de um acordo, o qual pressupõe sempre a respectiva aprovação por uma maioria qualificada de créditos, é o mesmo sujeito a homologação judicial (artº 17º-F do C.I.R.E.), a qual, a ocorrer, torna o acordo vinculativo para a generalidade dos credores, mesmo que não hajam participado nas negociações. A homologação judicial destina-se a aferir também da conformidade legal das medidas aprovadas. À homologação ou não homologação do plano aplicam-se, com as necessárias adaptações, as regras previstas no Titulo IX, em especial nos artºs. 215º e 216º do C.I.R.E. (artº 17º-F nº 5 do C.I.R.E.). Assim, o Tribunal deve recusar a homologação, designadamente, no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do acordo (artº 215º nº 1 do C.I.R.E.), bem como em caso de violação do princípio da igualdade dos credores (artº 194º do C.I.R.E.). d) Invoca, pois, o recorrente a extemporaneidade do pedido de não homologação do Plano de Recuperação do Devedor, apresentado pelo recorrido. O artº 17º-C do C.I.R.E. exige para que se inicie o procedimento de revitalização uma manifestação de vontade, nesse sentido, por parte do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores. Após o que, incumbe ao devedor comunicar ao Tribunal que pretende dar início às negociações, devendo o Juiz nomear, de imediato, o administrador provisório (cf. artºs. 17º-C nº 3 e 17º-D nºs. 1 e 2 do C.I.R.E.). Logo que notificado desta decisão, o devedor tem de comunicar, de imediato, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração inicial, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a nelas participarem e prestando as demais informações aí referidas. Acrescenta-se no artº 17º-D nº 2 do C.I.R.E. que qualquer credor tem o prazo de 20 dias contados da publicação no “Citius” do despacho a que se refere o artº 17º-C nº 3 do C.I.R.E., para reclamar os seus créditos, devendo remeter a reclamação ao administrador provisório, que, no prazo de 5 dias, elabora uma lista provisória de créditos. Lista, esta, que, conforme dispõe o artº 17º-D nº 3 do C.I.R.E., é imediatamente apresentada na secretaria do Tribunal e publicada no portal “Citius”, podendo ser impugnada no prazo de 5 dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas. Não sendo a mesma impugnada, a referida lista provisória converte-se de imediato em definitiva (cf. artº 17º-D nº 4 do C.I.R.E.). Referindo-se, por fim, no artº 17º-D nº 5 do C.I.R.E., que findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal “Citius”. De igual forma e, no caso de conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do credor, rege o disposto no artº 17º-F do C.I.R.E., em termos de celeridade no processamento de tal pretensão, designadamente quanto ao prazo em que o Juiz o deve apreciar, a fim de o homologar ou recusar. Com efeito, nos termos do nº 5 de tal normativo, impõe-se ao Juiz que o aprecie nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores. Ou seja, de tais normas resultam duas ideias base que regem o Processo de Revitalização : A primeira é a de que as negociações a estabelecer com os credores estão subjacentes aos procedimentos e condições nelas descritos. Em segundo lugar, trata-se de um procedimento sujeito a prazos muito curtos, atenta a sua natureza de processo com carácter urgente, como resulta do disposto no artº 17º-A nº 3 do C.I.R.E., o que tem consequências directas no seu não cumprimento, designadamente, a nível da sua conclusão com ou sem aprovação do plano, como resulta dos artºs. 17º-F e 17º-G do C.I.R.E.. e) Ora, no caso em apreço verifica-se que chegou a ser apresentado pelo administrador provisório o Parecer a que alude o artº 17º-G nº 4 do C.I.R.E.. O mesmo, pelas razões acima expostas (não imputáveis aos credores) acabou por ser dado sem efeito. Então, foi junto aos autos novo Parecer e, por despacho de 21/07/2014, foi determinada a notificação dos credores para se pronunciarem e o credor, agora apelado, fê-lo defendendo a não homologação do plano. Ou seja, foi dada nova oportunidade aos credores para se pronunciarem, agora face a um Plano que não enfermava dos vícios do anterior. E aqui há que ter em atenção o disposto no artº 17º-F nº 5 do C.I.R.E., que dispõe que “o Juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º”. Por seu turno, o artº 216º nº 1 do C.I.R.E. estipula que “o juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos (…)”. Ora, nada impede, pois, que previamente à apreciação judicial do plano, o Juiz determine a audição das partes. Neste caso, o próprio Tribunal o determinou por despacho de 21/7/2014, concedendo às partes um prazo de cinco dias para se pronunciarem (certamente tendo em conta o “andamento fora do normal” dos presentes autos). Em 22/7/2014 foi enviada a carta para notificação dos credores, considerando-se os mesmos notificados em 25/7/2015. Em 31/72015, ou seja, ainda dentro do prazo de cinco dias, veio o recorrido “N.B., S.A.” pronunciar-se nos termos supra descritos. Ou seja, ainda dentro do prazo concedido para o efeito. Deste modo, não se vê que o requerimento apresentado pelo recorrido (“NB., S.A.”, ex-“B.E.S., S.A.”) pedindo a não homologação do Plano de Recuperação do Devedor seja intempestivo. Deste modo, nesta parte improcede o recurso. f) Vejamos agora se o Tribunal “a quo” tinha motivos para não homologar o Plano de Recuperação. Vimos já acima que o Tribunal decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação indicada na lei, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência, nomeadamente as previstas nos artºs. 215º e 216º do C.I.R.E. (cf. artº 17º-F nº 5 do C.I.R.E.). E não pode deixar de se fazer referência à circunstância do legislador ter estipulado expressamente no artº 17º-D/10 que “durante as negociações os intervenientes devem actuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011 de 25/10”. Esses princípios (em número de onze) são os seguintes (cf. a citada Resolução : “Primeiro princípio – O procedimento extrajudicial corresponde a um compromisso assumido entre o devedor e os credores envolvidos e (e não a um direito) e apenas deve ser iniciado quando as dificuldades financeiras do devedor possam ser ultrapassadas e haja uma forte probabilidade de este manter-se em actividade após a conclusão do acordo alcançado com os seus credores ; Segundo princípio – Durante todo o procedimento, as partes devem actuar de boa fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos ; Terceiro princípio – Deve ser garantida uma abordagem unificada por parte dos credores, que melhor sirva os interesses de todas as partes ; Quarto princípio – Os credores envolvidos devem cooperar entre si e com o devedor de modo a concederem a este um período de tempo suficiente para obter e partilhar toda a informação relevante e para elaborar e apresentar propostas para resolver os seus problemas financeiros ; Quinto princípio – Durante o período de suspensão, os credores envolvidos não devem agir contra o devedor, comprometendo-se a abster-se de intentar novas acções judiciais e a suspender as que se encontrem pendentes ; Sexto princípio – Durante o período de suspensão, o devedor compromete-se a não praticar qualquer acto que prejudique os direitos e as garantias dos credores, ou que, de algum modo, afecte negativamente as perspectivas dos credores de verem pagos os seus créditos, em comparação com a sua situação no início do período de suspensão ; Sétimo princípio – O devedor deve adoptar uma postura de absoluta transparência durante o período de suspensão, partilhando toda a informação relevante sobre a sua situação, nomeadamente a respeitante aos seus activos, passivos, transacções comerciais e previsões da evolução do negócio ; Oitavo princípio – Toda a informação partilhada pelo devedor, incluindo as propostas que efectue, deve ser transmitida a todos os credores envolvidos e reconhecida por estes como confidencial, não podendo ser usada para outros fins, excepto se estiver publicamente disponível ; Nono princípio – As propostas apresentadas e os acordos realizados durante o procedimento, incluindo aqueles que apenas envolvam os credores, devem reflectir a lei vigente e a posição relativa de cada credor ; Décimo princípio - As propostas de recuperação do devedor devem basear-se num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, que demonstre que o mesmo não é apenas um expediente para atrasar o processo judicial de insolvência, e que contenha informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros ; Décimo primeiro princípio – Se durante o período de suspensão ou no âmbito da reestruturação da dívida for concedido financiamento adicional ao devedor, o crédito resultante deve ser considerado pelas partes como garantido”. g) Defendeu-se na decisão sob recurso ter havido violação do princípio da igualdade, para efeitos de recusa da homologação do plano. Já acima referimos que o artº 17º-A nº 1 do C.I.R.E. estatui que o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização. E também acima enunciamos, com algum pormenor a tramitação deste tipo de acções. O processo especial de revitalização visa, pois, a viabilização ou recuperação do devedor, que é agora elevada a fim essencial do C.I.R.E.. Há, pois, que apurar se o Plano de Revitalização em apreço nos autos viola o princípio da igualdade dos credores previsto no artº 194º do C.I.R.E. (“1-O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas” ; “2- O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável” ; “3- É nulo qualquer acordo em que o administrador da insolvência, o devedor ou outrem confira vantagens a um credor não incluídas no plano de insolvência em contrapartida de determinado comportamento no âmbito do processo de insolvência, nomeadamente quanto ao exercício do direito de voto”). Como ensinam Luís Carvalho Fernandes e João Labareda (in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. II, pg. 45), “a razão objectiva porventura mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos em que está agora assumida, no artº 47º do Código”. “Para além disso, dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos. Mas, a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito. O que está vedado é, na falta de acordo dos credores, sujeitar a regimes diferentes credores em circunstâncias idêntica”. Como resulta do artº 192º do C.I.R.E., o que está vedado ao plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, na falta de acordo dos lesados, é nele se sujeitar a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstâncias idênticas, e sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação, sendo que, ainda que perante credores inseridos numa mesma classe, e dotados até de semelhantes garantias creditórias, nada obsta a que se estabeleçam/fixem diferenciações, exigindo-se tão só que assentem elas em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado. Essencial é ainda que, no âmbito das diferenciações adoptadas, as razões objectivas que justificam o tratamento diferenciado de determinados credores e plasmadas no plano de recuperação, neste último se encontrem com clareza e rigor devidamente concretizadas, identificadas e explicadas (cf. artº 195º do C.I.R.E.), “máxime” que do plano resulta a “ratio” que justifica, exige e aconselha (em razão sobretudo do objectivo último pretendido de, no final, se conseguir uma efectiva revitalização do devedor) o tratamento diferenciado conferido a certos credores. É que, a assim não suceder, legítimo é então concluir estar-se na presença de uma diferença de tratamento que, porque não devidamente explicada, é, em última análise, arbitrária discricionária ou discriminatória, que é o mesmo que dizer não objectivamente justificada, impondo-se portanto ao Juiz o dever de recusar oficiosamente a homologação do plano de recuperação. O principio da igualdade dos credores não obsta ou impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria e, mesmo que perante credores inseridos na mesma classe, nada impede a possibilidade de se estabelecerem diferenciações, exigindo-se tão só que a estas não presida a arbitrariedade, antes se mostre evidenciado estarem elas assentes em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado (cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 28/1/2016, consultado na “internet” em www.dgsi.pt). No caso dos autos e como bem nota o administrador provisório no Plano aprovado “não deixa de ser estranho que o plano tenha sido aprovado por credores que abdicam de 99,9% do seu crédito”. Por outro lado, verifica-se que votaram 100% dos credores com direito a voto, dos quais 77,46% a favor e 22,54% contra (sendo certo que o perdão previsto no acordo implica a extinção de 99,09% dos créditos de nove dos onze credores). De qualquer modo, teve o Plano o cuidado de prever o pagamento do crédito (privilegiado) da Segurança Social. E não deixa de causar alguma perplexidade o facto de o credor que subscreveu o requerimento inicial (A.J.L.S.A.) não constar da lista de credores (nem da definitiva nem da provisória) e bem assim o facto de o credor cujo crédito representa 42,14% e que votou favoravelmente o plano (perdoando 99,09% do seu crédito !) ser uma pessoa singular (W.A.F.). Há ainda que salientar, como se refere na decisão recorrida que “em momento algum o devedor esclarece o tipo de relação contratual que está na base de tais dívidas, sendo certo que pelos avultados montantes assumidos a título pessoal não é crível que aquele não tivesse uma ligação comercial estreita com os “terceiros” responsáveis que refere”. Por outro lado, não se vê como irá o apelante mudar a sua situação financeira : Continuará a exercer a sua profissão e o seu único património (em compropriedade) é o imóvel onde habita. Assim, perante o modo de (quase não) pagamento de algumas dívidas e não sendo demonstrado quando irão os problemas financeiros do recorrente ser ultrapassados, não se vislumbra que tenha ele actuado de boa fé, na busca de uma solução que satisfaça todos os envolvidos. Revela ainda o Plano uma grande falta de transparência, sendo omitidos alguns dados relevantes sobre a situação (Como surgiram aquelas dívidas, nomeadamente aquela em que é credor W.A.F. ? A dívida a A.J.L.S.A. foi, entretanto, liquidada ? Em caso afirmativo, como e com que verbas ? Como irá ser paga, por exemplo, a dívida do recorrido, se nada aponta para uma mudança de vida profissional por parte do recorrente, susceptível de gerar mais rendimentos ?). A isto acresce a análise exemplar feita pelo Tribunal “a quo” sobre os vários cenários possíveis em caso de não homologação do plano e que passamos a citar : “-Não é declarado insolvente e os credores executam-no, fazendo valer as penhoras registadas e outras que eventualmente possam conseguir, nomeadamente de bens móveis, caso em que os credores com garantia também não ficam prejudicados ; -É declarado insolvente e é feita a liquidação do seu património, sempre sem prejuízo para o credor com garantia sobre o mesmo ; os seus rendimentos e outros bens que possam ser apreendidos, são distribuídos por rateio ; -Se for liminarmente deferido pedido de exoneração do passivo restante, a quantia a ceder será sempre, durante o período de cessão (que só terá início após o encerramento do processo, o qual, por sua vez, só ocorre depois da liquidação), distribuída também por rateio ; -Não sendo deferido tal pedido, os créditos não pagos não se extinguem e podem aguardar “melhor sorte” do devedor”. Afigura-se-nos, assim, que o recorrente apenas quis evitar a sua declaração de insolvência à custa do perdão (praticamente imposto) da quase totalidade dos créditos comuns, “atirando para cima” dos credores o ónus de resolver uma situação por ele criada. Há que não esquecer que as obrigações foram assumidas pelo recorrente de forma consciente e a solução para a sua situação não pode traduzir-se na oneração desproporcional e desigual dos seus credores em seu benefício. E não se trata aqui, como afirma o recorrente, de uma mera discordância do Tribunal com a opção dos credores, nem se está, ao não homologar o plano, a violar o princípio da autonomia privada dos credores e do devedor. Aquilo que o recorrente pretende é obter, com este plano, um fim contrário à lei : O perdão quase generalizado das suas dívidas, prejudicando alguns credores (como é o caso do recorrido) em detrimento de outros. h) Por tudo o exposto, que se sintetiza no desrespeito injustificado do princípio da igualdade entre credores e grave prejuízo do apelado face à situação em que se encontraria se não houvesse plano de recuperação, nega-se há que negar provimento à apelação, sendo de manter a decisão recorrida nos seus precisos termos. i) Sumariando : I- O Processo Especial de Revitalização (P.E.R.) traduz-se, num instrumento processual, sobretudo de cariz negocial, criado, e a desenvolver-se, num contexto económico difícil, passível de suportar a viabilização da empresa, assentando a estabelecida eficácia do acordo para além da esfera dos que nele intervieram, na aprovação por uma maioria qualificada, vinculando a generalidade dos credores. II- Deve ser recusada a homologação de plano de revitalização aprovado, que consubstancie desrespeito injustificado do princípio da igualdade entre credores e cause grave prejuízo a credores face à situação em que se encontrariam se não houvesse plano de revitalização. * * * III – Decisão. Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida. Custas : Pelo recorrente (artº 527º do Código do Processo Civil). Lisboa, 8 de Março de 2016 (Pedro Brighton) (Teresa Sousa Henriques) (Isabel Fonseca) |