Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SANDRA OLIVEIRA PINTO | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA ERRO DE JULGAMENTO PROVA INDIRETA BURLA FALSIDADE INFORMÁTICA ACESSO ILEGÍTIMO FALSIFICAÇÃO CO-AUTORIA CONCURSO EFECTIVO RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/24/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
Sumário: | (da responsabilidade da relatora): I- O princípio da investigação ou da verdade material sofre as limitações impostas não só pelo princípio da necessidade – só são admissíveis os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para a descoberta da verdade – como da legalidade – só são admissíveis os meios de prova não proibidos por lei – e da adequação – não são admissíveis os meios de prova notoriamente irrelevantes, inadequados ou dilatórios. II- Nada na lei impõe, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do nº 1 do artigo 358º, a indicação dos meios de prova, o que bem se compreende por se tratar de factos indiciados e não factos provados, perante os quais a defesa, se assim o entender, ainda pode apresentar novos meios de prova. III- O Tribunal, ao apreciar os factos que lhe são trazidos pela acusação e pela defesa, não está, nem pode estar, vinculado à qualificação jurídica feita na acusação, podendo – e devendo – proceder à respetiva alteração, quando conclua ser desacertada, mesmo que a alteração da qualificação jurídica venha a traduzir-se na imputação de um crime punido mais gravemente do que o que constava da acusação, ou mesmo que importe a imputação de mais crimes do que os inicialmente considerados – o ponto é, sempre, que tal corresponda a uma apreciação jurídica de factos completa e adequadamente descritos. IV- No âmbito da apreciação da prova, interessa não tanto excluir qualquer possibilidade abstracta, matemática, de os factos terem decorrido de forma diversa da narrativa acusatória, mas antes ponderar as várias hipóteses factuais plausíveis, alternativas à hipótese probanda, à luz da experiência comum e do normal acontecer das coisas, de forma a ajuizar se alguma delas fica em aberto. V- Não está aqui em causa a questão do estalão (standard) da prova em processo penal, o mesmo é dizer, o limiar mínimo de certeza quanto ao facto probando para que este deva ser dado como provado − e, assim, tomado por verdadeiro − pelo tribunal de julgamento. É pacífico que esse estalão corresponde a uma convicção para além de toda a dúvida razoável, sendo por isso incompatível com a afirmação de meros indícios ou com a subsistência de qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões válidas. VI- O que se observa é uma atuação concertada dos dois arguidos (e do terceiro, não identificado), no quadro de um plano criminoso que exigiu planeamento prévio, do qual todos estavam cientes. É, assim, manifesto que os arguidos agiram em coautoria, praticando em conjunto os factos, cada um com a tarefa que lhe coube, devendo o resultado final de tal conjugação de esforços refletir-se nos dois de forma igual – que o mesmo é dizer, sendo imputável a totalidade da atuação criminosa a ambos e cada um dos arguidos, mesmo que o enriquecimento ilegítimo visado com a conduta apenas beneficiasse um terceiro, já que o tipo legal do crime de burla não exige que o agente tenha em vista o seu próprio enriquecimento, e, menos ainda, que tal enriquecimento efetivamente aconteça. VII- A concretização do que é um «tipo de crime» para efeitos do concurso de crimes faz-se por referência ao critério da identidade do bem jurídico protegido pelo tipo, corrigido pelo critério da «conexão situacional» entre diversas realizações típicas homogéneas. VIII- O artigo 490º do Código Civil traduz, no plano civilístico, um efeito essencial da comparticipação, que é a submissão dos comparticipantes ao princípio da imputação objetiva recíproca, por via do qual a participação de cada agente é imputada aos demais, respondendo todos e cada um pela totalidade do facto. IX- Do disposto no artigo 497º, nº 1 do Código Civil decorre que, em face do lesado, todos os comparticipantes estão obrigados ao ressarcimento integral, podendo este exigir de qualquer um deles o cumprimento da integralidade da obrigação de indemnizar, estando este vinculado ao cumprimento. O adimplemento dessa obrigação por um dos comparticipantes determina a extinção dos deveres dos demais consortes. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa * I. Relatório 1. No Juízo Central Criminal de Sintra (Juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foram julgados os arguidos AA, filho de BB e de CC, nascido a ........1995, natural de ..., solteiro, bancário, residente na ..., e DD, filho de EE e de FF, nascido a ........1981, natural de ..., solteiro, desempregado, residente na ..., tendo sido condenados, após comunicação de alteração não substancial dos factos e alteração da qualificação jurídica, por acórdão datado de 17.02.2023: A) O arguido AA pela prática, em coautoria material, de um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2 alínea a), em conjugação com o artigo 202º alínea b), todos do Código Penal, na pena parcial de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão; (…) pela prática, em coautoria material, de um crime de falsidade informática, previsto e punível pelo artigo 3º, nº 1 e 3 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, na pena parcial de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; (…) pela prática, em coautoria material, de um crime de acesso ilegítimo, previsto e punível pelo artigo 6º, nº 1 e 4 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, na pena parcial de 1 (um) ano e (seis) meses de prisão; (…) pela prática, em coautoria material, de um crime de falsificação documento, p. e p. pelos artigos 255º, alíneas a) e c) e 256º, nº 1 alíneas a), e) e f) e n,º 3, todos do Código Penal, na pena parcial de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado, pela prática dos 4 crimes ora identificados, na pena unitária de 5 (cinco) anos de prisão, suspendendo-se a sua execução, por igual período, nos termos previstos pelos artigos 50.º, n.º 1 e 5, 51º, nº 1 e 2, 53º e 54º do Código Penal, por igual período, com a condição de, naquele prazo, comprovar o pagamento de €15.000,00 (quinze mil euros) à assistente BANCO GG, correspondentes a parte da indemnização que ora se fixa, e à obrigação de se submeter a plano de readaptação social. B) O arguido DD pela prática, em coautoria material, de um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2 alínea a), em conjugação com o artigo 202º alínea b), todos do Código Penal, na pena parcial de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão; (…) pela prática, em coautoria material, de um crime de falsidade informática, previsto e punível pelo artigo 3º, nº 1 e 3 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, na pena parcial de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; (…) pela prática, em coautoria material, de um crime de acesso ilegítimo, previsto e punível pelo artigo 6º, nº 1 e 4 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, na pena parcial de 1 (um) ano e (seis) meses de prisão; (…) pela prática, em coautoria material, de um crime de falsificação documento, p. e p. pelos artigos 255º, alíneas a) e c) e 256º, nº 1 alíneas a), e) e f) e n,º 3, todos do Código Penal, na pena parcial de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado, pela prática dos 4 crimes ora identificados, na pena unitária de 5 (cinco) anos de prisão, suspendendo-se a sua execução, por igual período, nos termos previstos pelos artigos 50.º, n.º 1 e 5, 51º, nº 1 e 2, 53º e 54º do Código Penal, por igual período, com a condição de, naquele prazo, comprovar o pagamento de € 15 000,00 (quinze mil euros) à assistente BANCO GG, correspondentes a parte da indemnização que ora se fixa, e à obrigação de se submeter a plano de readaptação social. C) Foi ainda decidido julgar “parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido por BANCO GG e, em consequência, condena[r] os arguidos AA e DD a pagarem-lhe, a título de danos patrimoniais, no regime da solidariedade, €310.000,00 (trezentos e dez mil euros), acrescida de juros de mora legais à taxa de 4%, contabilizados desde a data da citação, bem como dos vincendos, tudo até integral pagamento, improcedendo o demais peticionado”. * 2. Inconformados com a decisão final condenatória, dela interpuseram recurso ambos os arguidos. Antes ainda, interpôs o arguido DD recurso do despacho proferido na sessão da audiência de julgamento de 10.11.2022, que indeferiu a obtenção/junção de documentos então requerida por aquele arguido. 2.1. No recurso interlocutório, pede o recorrente DD que a decisão recorrida seja revogada, e, em sua consequência, ser ordenada a prova requerida pelo arguido aqui recorrente, anulando-se, se disso for caso, todos os atos posteriores incompatíveis com a nova decisão. Extraiu desse recurso a seguinte síntese conclusiva: “I. A acusação relata que em .../.../2017, HH, dirigiu-se ao balcão de … do BANCO GG e que, junto deste, conseguiu enganar os funcionários que aí trabalhavam, fazendo-se passar por outro cliente do Banco, desta feita, II, conseguindo efetuar o levantamento de 5.000,00€ em numerário, bem como uma transferência bancária no valor de 75.000,00€ da conta bancária de II para uma conta bancária identificada na acusação com o número ... (arts 29 a 37 da acusação). II. A transferência de 75.000,00€ não foi levada avante, pois, em momento posterior à deslocação ao balcão de ... daquele que se fez passar por II, os serviços internos do banco detetaram irregularidades da documentação que este apresentou para concretizar os movimentos e foi pedido ao destinatário da transferência que a devolvesse. III. Em sede de inquérito apenas foi recolhida a informação que a conta bancária ... pertencia a uma empresa denominada .... IV. Na audiência de julgamento de 10/11/22, aquando da inquirição de JJ, gerente do BANCO GG do balcão de ..., este, pela primeira vez nos autos, referiu que o homem que se apresentou no balcão, fazendo-se passar por II, entregou junto do banco uma cópia de uma fatura emitida pela empresa ..., de forma a justificar a necessidade da transferência bancária no valor de 75.000,00€. V. Mais depôs JJ que a fatura era no valor da transferência (75.000,00€) e que respeitava a venda farinha pela empresa ...., que não se lembrava de qual o nome do adquirente aposto nesse documento, tendo ainda mencionado que ficou com uma cópia dessa fatura e que terá anexado a mesma ao expediente do banco. VI. Com relevo para este recurso, JJ, afirmou ainda que o representante legal da ..., de nome KK, em momento anterior àquele em que HH apareceu no balcão de ..., já havia contatado o gerente do balcão (o depoente) para o avisar que iria vender farinha no valor de 75.000,00€ e que alguém iria ao banco para concretizar o negócio da compra e venda da farinha. VII. O arguido aqui recorrente entendeu que é essencial para a sua defesa e para descoberta da verdade material apurar os contornos e os factos inerentes à aludida transação, mormente quem interveio junto da empresa ..., de modo a negociar a transação, e bem assim apurar como HH ou outrem, poderia vir a beneficiar da transferência bancária no valor de 75.000,00€. VIII. Salientamos que, entre outros, o arguido recorrente está acusado da prática, em coautoria, dos crimes decorrentes do levantamento em numerário de 5.000,00€ e bem assim daqueles decorrentes da transferência bancária no valor de 75.000,00€, mas que que nega a prática de tais actos. IX. Na fase final do depoimento de JJ, o mandatário do arguido aqui recorrente, requereu que o Tribunal oficiasse a testemunha, o BANCO GG e a ... para apresentarem cópia da fatura que teria sustentado essa transação no valor de 75.000,00€. (Cfr. depoimento de JJ no dia 10/11/22, minuto 28:03 até final e ata de julgamento do dia 10/11/22) X. Mais requereu que fosse oficiada a ... para vir juntar aos autos todas as comunicações, missivas, contatos, contratos referentes a esse negócio de farinha e a identificação do interlocutor deste negócio, incluindo nome completo, morada completa e número de contribuinte. XI. Com o requerimento de prova em apreço pretendia o arguido, aqui recorrente, trazer aos autos fatos essenciais para compreender o “negócio” por trás da transferência bancária no valor de 75.000,00€, nomeadamente quem foram os reais intervenientes deste negócio, o que poderia, inclusive, ter como consequência, apurar a forma e quem foram os reais envolvidos no acesso aos dados bancários de clientes do BANCO GG, incluindo de II. XII. No seguimento do resultado da produção da prova requerida, caso assim se revelasse possível, haveria que, no mínimo, interrogar em audiência de julgamento as pessoas que teriam intervindo na transação da farinha, principalmente aquelas que iriam receber a farinha e que terão negociados os termos da compra à .... XIII. O Ministério Público, em sede de audiência de julgamento, afirmou nada ter a opor ao deferimento do requerimento de prova, mas o Tribunal a quo indeferiu o requerimento de prova com o fundamento que o mesmo nada traria de relevante aos autos. XIV. A base legal para o requerimento de prova do arguido é o art. 340º do CPP e o mesmo destina-se a assegurar o contraditório do arguido aqui recorrente, é essencial à descoberta da verdade material e a assegurar a defesa do arguido que por Lei constitucional lhe é concedida. XV. A prova requerida pelo arguido requerente funda-se de forma evidente, na sua estrita necessidade e em circunstâncias ocorridas supervenientemente, pois o conhecimento dos factos que a justificam bem como a sua necessidade só surgiram após o depoimento de JJ em 10/11/22. XVI. O Tribunal a quo violou o disposto no nº 1 do art. 340º do CPP, e, ao fazê-lo, violou também o art. 32º nº 1 e n.º 4 da Constituição a República Portuguesa. Termos em que deverá a decisão recorrida ser revogada, e, em sua consequência, ser ordenada a prova requerida pelo arguido aqui recorrente, anulando-se, se disso for caso, todos ao actos posteriores incompatíveis com a nova decisão. Só desta forma poderá o arguido aqui recorrente ter a Justiça que por lei lhe devia ter sido concedida.” 2.2. No recurso interposto da decisão condenatória, o recorrente AA pede que se reconheça que “jamais a narrativa constante do Douto Acórdão proferido poderá conduzir à condenação do recorrente, pelos crimes de Burla Qualificada, de Falsidade Informática e de Falsificação Documento, substituindo o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, nos termos requeridos; Nomeadamente, pelos nulidades e vícios evidenciados, e se assim não se entender, por evidente ausência de comprovação do libelo acusatório, porquanto e além do mais, deve prevalecer o princípio in dúbio pro reu. E, em consequência, ser o Recorrente absolvida do pedido de indemnização civil formulado pelo Demandante.” Porém, “Se ainda assim se entender que deve ser por estes condenado, sempre estaríamos perante um evidente concurso aparente com o Crime de Burla, pelo que o recorrente só por este poderia ser punido, que ela seja reduzida com justeza e suspensa na sua execução e sem qualquer subordinação”. Apresentou este recorrente a seguinte síntese conclusiva: “a. Douto Tribunal a quo condenou o arguido AA, nos seguintes moldes: a) pela prática, em coautoria material, de um Crime de Burla Qualificada, previsto e punível pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2 alínea a), em conjugação com o artigo 202º alínea b), todos do Código Penal, na pena parcial de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão; b) pela prática, em coautoria material, de um crime de falsidade informática, previsto e punível pelo artigo 3º, nºs 1 e 3 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, na pena parcial de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; c) pela prática, em coautoria material, de um crime de acesso ilegítimo, previsto e punível pelo artigo 6º, nºs 1 e 4 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, na pena parcial de 1 (um) ano e (seis) meses de prisão; d) pela prática, em coautoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255º, alíneas a) e c) e 256º, nº 1 alíneas a), e) e f) e n.º 3, todos do Código Penal, na pena parcial de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; e e) Efetuado, nos termos dos artigos 77º e 78º do Código Penal, o cúmulo jurídico das penas parcelares ora aplicadas, condena o arguido AA pela prática dos 4 crimes ora identificados, na pena unitária de 5 (cinco) anos de prisão, suspendendo-se a sua execução, por igual período, nos termos previstos pelos artigos 50.º, n.ºs 1 e 5, 51º, nºs 1 e 2, 53º e 54º do Código Penal, por igual período, com a condição de, naquele prazo, comprovar o pagamento de €15.000,00 (quinze mil euros) à assistente BANCO GG, correspondentes a parte da indemnização que ora se fixa, e à obrigação de se submeter a plano de readaptação social; f) ainda, condena os arguidos AA e DD a pagarem ao BANCO GG, a título de danos patrimoniais, no regime da solidariedade, €310.000,00 (trezentos e dez mil euros), acrescida de juros de mora legais à taxa de 4%, contabilizados desde a data da citação, bem como dos vincendos, tudo até integral pagamento. b. o Recorrente, começa por invocar a nulidade do Acórdão por indevida alteração do libelo acusatório, sob a premissa de alteração não substancial dos fatos, ao abrigo do disposto no artigo 358º, n.ºs 1 e 3. Do C.P.P. c. impugna, igualmente, a alteração da qualificação jurídica, promovida quanto ao crime de falsificação de documentos d. e, por manifesta falta de exame crítico da prova, em violação do n.º 2 do artigo 374.º do C.P.P. e. Entendendo, quanto à matéria de facto, ter existido erro de julgamento da matéria de facto submetida a apreciação do Tribunal a quo – artigos 410.º, n.º 2, alíneas a) e c) do C.P.P., no que aos factos dados como provados sob os números 4, 5, 7, 10, 11, 36, 41, 42, 43, 44, 45 e 46., diz respeito. f. Finalmente, e quanto à matéria de direito – artigo 412º nºs 1 e 2 do C.P.P., recorre da Douta Decisão proferida, quanto: • à falta de verificação dos elementos dos tipos do crime de burla qualificada, do crime de falsidade informática e do crime de falsificação de documento; conformando-se o recorrente apenas com a condenação pelo crime de acesso ilegítimo, previsto e punível pelo artigo 6º, nºs 1 e 4 da Lei do Cibercrime; • à violação do Princípio in Dubio pro Reo; • à condenação do arguido, como co-autor, ao pagamento da totalidade da indemnização em violação ao artigo 497º nº 1 do Código Civil; • à violação do artigo 51º n 2º do Código Penal, respeitante ao condicionamento da suspensão da pena de prisão ao pagamento do valor de €15.000,00 (quinze mil euros) à assistente BANCO GG, correspondentes a parte da indemnização. g. Uma vez que, o Douto Acórdão sob recurso, através do julgamento da matéria que lhe foi dada a apreciar, deu por provados factos que se apresentam manifestamente inconciliáveis quer com a prova produzida em julgamento quer com a que se encontra junta nos autos. h. Desde logo porque parte do que se teve como provado está em manifesta desconformidade com o que realmente se provou e não provou em audiência de julgamento, determinando que as conclusões vertidas na decisão – factualidade dada como provada e dada como não provada – sejam ilógicas e até contraditórias entre si. i. Critica, pois, o recorrente, a forma como o Douto Tribunal a quo se socorreu da sua convicção sempre que não lhe foi possível indicar meios de prova direta e inabalável, tendo em vista fixar factos que vieram a determinar a condenação do arguido, ora recorrente. j. Desde logo, o recorrente insurge-se em face da alteração dos factos decidida pelo Douto Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 1 e n.º 3 do Código do Processo Penal e por referência aos factos descritos nos artigos 7º, 8º e 9º e o transcrito no artigo 38º da acusação. k. pela integração do seguinte facto: “Os arguidos AA e DD, ao facultar ao indivíduo não concretamente identificado os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas, bem sabiam que aquele iria servir-se de tais elementos para forjar passaportes falsos, com a aposição dos dados pessoais ficcionados e da foto e assinatura daquele indivíduo”. l. Sopesada tal alteração, com os elementos probatórios constantes dos autos, não pode o recorrente concordar com a mesma, quer porque manifestamente, não resulta indiciada nem demonstrada tal factualidade nem o elemento subjetivo aí introduzido; quer porque o Douto Tribunal Coletivo não identifica, quando tal lhe está legalmente imposto, não fundou tal alteração, no exame critico da prova, como devia, m. O recorrente não encontra fundamento factual ou probatório para a indiciação do facto introduzido no libelo acusatório. Porquanto: n. Se por um lado o arguido negou ter impresso e por qualquer forma entregue, facultado ou transmitido a DD, a HH ou a individuo não identificado - com quem comprovadamente não teve qualquer tipo de interação além das documentadas nos autos e sempre no Balcão do ... de ... onde trabalhava; o. por outro, nenhum dos funcionários do BANCO GG depôs de modo a corroborar e a confirmar tal facto, sendo certo que dos autos, e da própria decisão, resulta evidenciado que não existe qualquer prova de impressão ou de qualquer outro registo de tais informações (saldos, aos movimentos, á posição integrada, aos dados e documentos de identificação do cliente RR), nomeadamente, retirada do sistema informático e operativo do Banco (cfr. fls. 90 a 92 dos autos); p. e não existe nenhuma imagem captada pelo sistema de CCTV do ... de onde se verifique o ora recorrente a fazer qualquer registo, nomeadamente, fotográfico do ecrã onde alegadamente poderia obter tais informações, q. e não foram apreendidos aos arguidos, em nenhum suporte - documental ou informático – impressões ou downloads de resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas. r. Relativamente ao registo das consultas efetuadas pelo arguido, aos 18 e 19 de janeiro de 2018 (constantes de fls. 90 as 92 dos autos), estão os mesmos conciliados com a informação de tráfego das extensões telefónicas do ...de fls. 116 a 118 dos autos referente ao período de 18.01.2017 a 07.02.2017; s. no âmbito da qual estão registados contactos no dia 18.01.2017, de um número de telemóvel 968.354.022, sendo que relativamente aos mesmos o arguido afirmou ter sido alvo de tentativa de obtenção de informações sobre a conta titulada pelo cliente RR. t. Por seu turno, a senhora inspetora, Dra. LL fez constar do seu relatório, a fls. 28, a respeito das chamadas telefónicas recebidas no balcão ..., o seguinte: “O número de telemóvel em causa, o 968.354.022, corresponde a um indivíduo de nome MM (…) é ... no ... em Lisboa…” u. Ora, o Douto Despacho não faz a devida explicitação e concretização dos factos e meios de prova em que fundou tal alteração proposta, sendo que o acima exposto, não pode levar à inclusão do referido facto. v. Não ficou demonstrada a participação do recorrente nos actos preparatórios atinentes à falsificação de passaportes, com aposição de dados pessoais ficcionados e de fotografia e assinatura de individuo que não o titular da conta, como os que foram apresentados por HH no Balcão do ..., de … e no Balcão do ..., de ...; w. Em consequência, fica também esvaziada de sentido a alteração da qualificação jurídica, quanto aos factos integradores do crime de falsificação de documento para quatro crimes de falsificação documento, previstos e punível pelos artigos 255º, alíneas a) e c) e 256º, nº 1 alíneas a), e) e f) e 3 todos do Código Penal.” x. Esta, implica passar de uma pena de pena de prisão até três anos ou com pena de multa para uma pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias. y. Em qualquer dos casos, as alterações perpetradas pelo Tribunal a quo, em manifesto prejuízo dos arguidos, estão feridas de nulidade! z. “Haverá alteração substancial dos factos quando da alteração resulte que a razão da qualificação como ilícitos dos factos não é a mesma da qualificação dos factos apurados. Os crimes são então diversos. Haverá ainda alteração substancial dos factos quando a razão da qualificação como ilícitos dos factos acusados e apurados for a mesma, mas da alteração resultar agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis» (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Ed. Verbo, 1999, Vol. 1, pág. 361). aa. As regras dos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal, emanação directa do artigo 32º, n.º 5, da Constituição, destinam-se a garantir eficazmente o exercício do contraditório e do direito de defesa em geral, o que, a decisão ora em crise não cumpre e viola do referido normativo constitucional. bb. Advém, ainda, do juízo plasmado na Douta Decisão sob recurso, uma desconformidade com a prova produzida em audiência de julgamento e com as próprias regras da experiência. cc. No Douto Acórdão sob recurso verteram-se ilações e tiraram-se conclusões contrárias a tal prova (ou ausência de prova) as quais ficaram espelhadas, em consequência, na factualidade dada como provada, em factos totalmente arredados da verdade e excluíram-se dela outros essenciais e suficientes para atestar a inocência do recorrente. dd. Sendo certo que, a prova junta aos autos e a produzida em audiência de julgamento jamais permitiriam fundar um juízo condenatório do recorrente pela prática dos factos pelos quais acabou condenado, no que aos crimes de Burla qualificada, de falsidade informática e falsificação de documento, diz respeito. ee. O Tribunal a quo após apontar, nas páginas 31 a 72 do Acórdão recorrido as provas relativamente às quais lançou mão para dar como provada a matéria de facto onde lastreou a condenação do recorrente, fundou, em grande parte tal condenação em presunções de prova e não na prova efetivamente produzida. ff. Sendo que nenhuma testemunha - além da Senhora Inspetora LL, que depôs com base em outros elementos de prova – produzindo prova indireta e maioritariamente fundada nas suas convicções e conclusões - depôs de molde a poder convencer o Tribunal da participação do recorrente num plano criminoso. gg. Ainda, deu como provados determinados factos sem menção de qual a prova de que se terá socorrido para dar como demonstrados esses factos, nomeadamente, os factos fixados no Douto Acórdão sob os números 4, 5, 7, 10, 11, 36, 41, 42, 43, 44, 45 e 46, cfr. Fundamentação da Matéria de Facto. hh. Não especificando, por outro lado, o motivo pelo qual, em termos lógicos a prova difere, contraditando ou atestando, quanto aos factos ocorridos no balcão do ... de ..., da restante atinente à factualidade ocorrida no balcão do ... de .... ii. Efetivamente, não se encontra no Douto Acórdão sob recurso qualquer enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas no que diz respeito às circunstâncias de tempo, de forma ou de lugar, de participação ou de motivação, com base nas quais conclui que o ora recorrente tenha tido contacto com NN ou com HH ou qualquer outra pessoa não concretamente identificada; jj. E que com eles tenha atuado em comunhão de esforços e tarefas, nomeadamente efetuando a pesquisa de contas de diversos clientes do BANCO GG, para que esse indivíduo não concretamente identificado procedesse ao levantamento das contas bancárias de cidadãos angolanos com saldos elevados e, kk. E que posteriormente, receberia parte do lucro proveniente de tais levantamentos (factos n.º 4, 5, 7, 36, 42, 43, 44, 45 e 46), ll. o mesmo sucedendo quanto à conclusão plasmada na motivação conducente aos factos dados como provados de que o recorrente tenha entregado a DD “cópias dos dados informáticos e transmitiu, em suporte não concretamente apurado, o resultado das pesquisas” (facto n.º 10 e 11), mm. e ou partilhado com quem quer que fosse, “os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas cópias de dados informáticos ou resultado de pesquisas” (facto n.º 41); nn. sendo além do mais, totalmente omisso quanto aos fundamentos, elementos ou motivação em que suportou a convicção da preexistência de um plano e comunhão de esforços entre o arguido, o coarguido e terceiros para a concretização dos factos praticados por pessoa não concretamente identificada junto do ..., mas já não junto do ..., oo. Sobre as condutas do recorrente que não estivessem em conformidade com o que lhe era exigível no contacto com os clientes, colegas e departamentos a quem deveria reportar para as operações em causa nos presentes autos, o Douto Tribunal a quo, apenas refere o seguinte: “Na qualidade de funcionário bancário, o arguido AA, mesmo que se sentisse instrumentalizado e atuando por força do ascendente que o arguido DD detinha sobre si, não poderia deixar de reconhecer que não poderia fazer a pesquisa e que estava a atuar de modo a facultar o acesso de um terceiro às informações e, depois, aos depósitos do verdadeiro titular da conta.” (cfr. Motivação da Decisão de Facto, página 32). pp. Tendo, aliás, a Douta decisão sob recurso fixado como matéria provada, que (factos 95. e 96.): “Excluída a factualidade que supra se deu por assente, o arguido AA foi sempre diligente e cumpridor dos deveres a que se encontrava adstrito enquanto funcionário da instituição bancária BANCO GG, bem como dos deveres que, no exercício das respetivas funções, sobre si recaiam. Comportamento que tem mantido nas outras instituições bancárias em que passou.” qq. O que além do mais, infirma qualquer suposição ou convicção de que o ora recorrente fosse permeável ou estivesse disponível para se conluiar num plano criminoso, sendo que tal é bem diferente de ter acedido ao pedido de consultas por parte do colega por quem tinha reverência e sabia estar de baixa psiquiátrica, nem esta conduta conduz à outra, por muito que se elabore um raciocínio nesse sentido. rr. Acresce que em sede de contestação o ora recorrente apresentou requerimento de prova com o seguinte teor: “II - DA PROVA A) Requer-se de V. Exa. se digne oficiar o Assistente BANCO GG, para juntar aos autos: a) Troca de correspondência por correio eletrónico e documentos anexos, ocorridas entre o dia 27.01.2017 e os 31.01.2017 (inclusive), entre o então funcionário AA, através do endereço ... e os seus superiores hierárquicos no balcão - OO, PP e QQ - e os departamentos de Compliance, de Tesouraria, de transportes ou outros, referentes aos levantamentos de caixa concretizados em 27.01.2017, 31.01.2017 e 07.02.2017, por indivíduo que se identificou como sendo RR; b) Assim como do print do registo de todas as comunicações por telefone ocorridas entre o dia 27.01.2017 e 31.01.2017 (inclusive), entre o então funcionário AA e os departamentos de Compliance, de Tesouraria, de transportes ou outros, e ainda, entre o balcão de ... e o balcão da ..., em Lisboa, referentes aos levantamentos de caixa concretizados em 27.01.2017, 31.01.2017 e 07.02.2017, por indivíduo que se identificou como sendo RR; c) Mais se requer de V. Exa. se digne oficiar o Assistente, BANCO GG, para juntar aos autos fotocópia e/ou print comunicadas através do sistema informático do BANCO GG, pela aplicação TELE, referentes a autorizações de levantamento de numerário ou de outras operações, dos superiores hierárquicos do ora arguido AA, referentes aos levantamentos de caixa concretizados em 27.01.2017, 31.01.2017 e 07.02.2017, por indivíduo que se identificou como sendo RR …” ss. O que fez, precisamente, para demonstrar que não pretendeu em nenhuma circunstância, ocultar informação aos seus superiores e ou departamentos da Assistente, mas o Assistente, BANCO GG, nada juntou. tt. Por outro lado, a Decisão sob recurso sempre deveria a mesma abarcar a declaração expressa do elemento subjetivo da factualidade imputada, relevante para a sua tipificação jurídico-penal, o que não faz. uu. Acresce que, sobre a alegada repartição do lucro, nada é alvitrado nos presentes autos, sendo certo que foram apreendidos aos arguidos, computador, documentos, foram alvo de buscas domiciliárias e ainda sujeitos a intercepções telefónicas, de onde não resultou qualquer indício de prova, sobre este concreto tema, tão pouco sobre o alegado concluiu. vv. E como tal, o Acórdão Recorrido viola o que se encontra preceituado no n.º 2 do Artigo 374.º do Código de Processo Penal razão pela qual, atento o que dispõe a alínea a) do nº 1 do Artigo 379.º do Código de Processo Penal, está ferido de nulidade, que ora se invoca e argui. ww. O recorrente também não se conforma com o Douto Acórdão Proferido, por entender que padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº 2, alíneas a) do C.P.P., o que sucede porque, podendo fazê-lo, o tribunal não investigou toda a matéria de facto relevante. xx. os factos provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso concreto, no que diz respeito aos crimes de burla, de falsidade informática e de falsificação de documento, yy. Porquanto, e desde logo, inexiste investigação e ou prova sobre o envolvimento do recorrente na preparação e execução de um plano criminoso, sendo que no seu modesto entender, a comprovação de que fez consultas à conta bancária do cliente RR, a pedido do co-arguido DD, não podiam bastar ao Tribunal. zz. Ou seja, o Tribunal a quo nada investigou - e tão pouco dispunha de prova nos autos - a respeito de vários factos dados como provados, assim como nada sobre esses factos dados como provados resultou da audiência de discussão e julgamento. aaa. O Acórdão recorrido enferma, também, do vício do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do nº 2 do artigo 410.º do Código do Processo Penal. bbb. De facto, o processo decisório evidenciado através da motivação da decisão recorrida, não está suficientemente suportado, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção do Tribunal. ccc. Com efeito, o Acórdão recorrido padece dos invocados vícios, por ter cometido, salvo melhor opinião, uma manifesta desacertada ponderação da matéria de facto que logrou dar como assente, note-se provada, assim como da matéria de facto dada como não provada. ddd. Na verdade, o Tribunal a quo elencou, na matéria que considerou provada, factos que estão em flagrante oposição com a prova produzida (assim como a não produzida, que carece de igual relevância) em Julgamento e com toda a que se encontra entranhada nos autos, conforme explicitado no corpo do presente recurso e decorre da Motivação da Decisão de Facto, Cfr. páginas 31 a 72 do Acórdão Recorrido, para onde se remete. eee. O que resultou deste julgamento é que em qualquer dos casos a astúcia e o engano, o domínio do erro em que se centram o crime de burla e os correlacionados crimes de falsificação de documento e falsidade informática e todos os passos que determinaram a entrega do dinheiro, se bastaram com e se concentraram exclusivamente na conduta do indivíduo não concretamente identificado. fff. Salvo melhor entendimento, a prova que se produziu em Julgamento e toda aquela que se encontra junta aos Autos não permite - flagrantemente - atestar que o recorrente praticou tais factos. ggg. O que igualmente se extrai – e, necessariamente, decorre – dos meios de prova que determinaram o Douto Tribunal a quo a considerar o elenco dos factos dados como não provados. hhh. Efectivamente, escrutinados todos os depoimentos prestados em Audiência de Julgamento constata-se que nenhum facto com ressonância criminal, relacionado com planeamento e execução de um crime de burla, de um crime de falsidade informática e de um crime de falsificação de documento, resulta demonstrado ter sido praticado pelo recorrente. iii. As regras de experiência comum dizem justamente o oposto, que, em face da prova dos autos, não apenas o tal indivíduo não identificado teve acesso a elementos e dados e eventualmente coadjuvado por outros indivíduos que não os arguidos, para levar a cabo o seu plano, jjj. Como, aliás, o Douto Tribunal assim o entendeu relativamente aos factos ocorridos em outubro de 2017, no balcão do BANCO GG, em .... kkk. Em suma, a construção intelectual, feita na fundamentação do aresto recorrido, segundo a qual o recorrente cometeu os factos aí dados como provados, não passa disso mesmo – de uma construção teórica que não encontra qualquer suporte na prova produzida e nos factos efetivamente comprovados; daí que nos pareça totalmente ilegítima a extrapolação feita no acórdão recorrido segundo a qual o arguido cometeu os indicados crimes pelos quais foi condenado. lll. A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica _ Maia Gonçalves, in C.P.P. anotado, 4ª ed., 1991, pág. 221, com cit. de A. dos Reis, C. de Ferreira, Eduardo Correia e Marques Ferreira. mmm. A convicção do tribunal há de ser formada, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos._ Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.12.2015, Processo 258/13.5PBLMG.C1, in http://www.dgsi.pt. nnn. O recorrente deve ser absolvido do um Crime de Burla Qualificada, p. e. p. dos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2 alínea a), em conjugação com o artigo 202º alínea b), todos do Código Penal; ooo. O recorrente deve ser absolvido do um crime de falsidade informática, previsto e punível pelo artigo 3º, nº 1 e 3 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro; ppp. O recorrente deve ser absolvido do crime de falsificação documento, p. e p. pelos artigos 255º, alíneas a) e c) e 256º, nº 1 alíneas a), e) e f) e n, º 3, todos do Código Penal. qqq. Refere a Douta decisão sob recurso, em sede de Motivação (Página 59) que: “Os depoimentos colhidos em audiência permitem ancorar a convicção de que os arguidos AA e DD atuaram com a intenção concretizada de, em conjunto com indivíduo não concretamente identificado, lançar mão dos fundos contidos na conta do cliente RR, cientes de que enganavam o BANCO GG e demais funcionários, seus colegas, usando ou ajudando a usar documentos forjados.” rrr. O recorrente pergunta: como? Se nenhuma das testemunhas depôs sobre a concreta existência de um plano e a execução da mise em scène pelo recorrente; sss. se, apenas se demonstrou que o recorrente fez consultas ou pesquisas à conta titulada pelo Cliente RR, nada tendo sido dito e em que moldes alegadamente as entregou ao co-arguido DD … ttt. Mais: nenhuma prova – testemunhal, documental ou outra – foi produzida no sentido de ficar apurado acordo quanta a divisão de lucros, ou sequer, a verificação da obtenção do mesmo por parte do Recorrente. uuu. Pelo que, quanto mais não seja fundado no princípio in dúbio pro reu, o recorrente deve ser absolvido o recorrente dos crimes em evidência. vvv. O recorrente contesta, ainda a sua condenação no pagamento da totalidade da indemnização - violação ao artigo 497º nº 1 do Código Civil, concatenada com o fato de que não resultam provas nos autos de que o arguido tenha beneficiado de qualquer montante advindo da invocada atividade criminosa, conduzindo à fixação de uma indemnização, em valor substancialmente inferior ao fixado, o que desde já se requer. www. O recorrente, contesta, ainda, a condição da suspensão da pena de prisão ao pagamento da indemnização arbitrada na sentença no valor de 15.000,00 Euros, por o entender violador do artigo 51º do Código Penal, por que excessiva, desproporcionada e, logo, desadequada ao cumprimento das finalidades da pena uma vez que se apresenta como uma obrigação pecuniária impossível de cumprir pelo arguido, e por este motivo violadora do artigo 51º do Código Penal. Termos em que, e nos mais que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e consequentemente: Decidir que, jamais a narrativa constante do Douto Acórdão proferido poderá conduzir à condenação do recorrente, pelos crimes de Burla Qualificada, de Falsidade Informática e de Falsificação Documento, substituindo o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, nos termos requeridos; Nomeadamente, pelos nulidades e vícios evidenciados, e se assim não se entender, por evidente ausência de comprovação do libelo acusatório, porquanto e além do mais, deve prevalecer o princípio in dúbio pro reu. E, em consequência, ser o Recorrente absolvida do pedido de indemnização civil formulado pelo Demandante. Se ainda assim se entender que deve ser por estes condenado, sempre estaríamos perante um evidente concurso aparente com o Crime de Burla, pelo que o recorrente só por este poderia ser punido, que ela seja reduzida com justeza e suspensa na sua execução e sem qualquer subordinação; Deste modo, muito respeitosamente requer a V.Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, se dignem realizar uma reapreciação da Douta Decisão sob recurso, nos termos acima expostos, expostos, que determinam, salvo melhor opinião, outra, substitutiva da realizada pelo Tribunal a quo decidindo pela absolvição do ora recorrente, quanto aos crimes de Burla Qualificada, de Falsidade Informática e de Falsificação Documento. Assim se fazendo Justiça.” 2.3. No recurso interposto da decisão final, o recorrente DD pede que seja “revogada a decisão recorrida em sua substituição deverá ser proferida uma outra que absolva o recorrente dos crimes de foi condenado. Subsidiariamente deve o recorrente ser condenado apenas pela prática do crime de Acesso ilegítimo, previsto e punível pelo artigo 6º, nº 1 e 4 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, e a pena a aplicar, face ao contexto fático da situação, não poderá se afastar do limite mínimo. Subsidiariamente deve declarar-se que os crimes de Falsidade Informática, de Acesso Ilegítimo e de Falsificação Documento estão numa relação de concurso aparente com o Crime de Burla, pelo que os arguidos só por este poderiam ser punidos, e a pena a aplicar, face ao contexto fático da situação, não poderá se afastar do limite mínimo.” Apresentou o recorrente as seguintes conclusões (transcrição): “1. O Tribunal a quo condenou o arguido DD pela prática, em coautoria material, - de um Crime de Burla Qualificada, previsto e punível pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2 alínea a), em conjugação com o artigo 202º alínea b), todos do Código Penal, na pena parcial de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão; - de um crime de falsidade informática, previsto e punível pelo artigo 3º, nºs 1 e 3 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, na pena parcial de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; - de um crime de acesso ilegítimo, previsto e punível pelo artigo 6º, nº 1 e 4 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, na pena parcial de 1 (um) ano e (seis) meses de prisão; - de um crime de falsificação documento, p. e p. pelos artigos 255º, alíneas a) e c) e 256º, nº 1 alíneas a), e) e f) e n.º 3, todos do Código Penal, na pena parcial de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; 2. O Tribunal a quo efetuou, nos termos dos artigos 77º e 78º do Código Penal, o cúmulo jurídico das penas parcelares ora aplicadas, e condenou o arguido DD pela prática dos 4 crimes ora identificados, na pena unitária de 5 (cinco) anos de prisão, suspendendo-se a sua execução, por igual período, nos termos previstos pelos artigos 50.º, n.º 1 e 5, 51º, nºs 1 e 2, 53º e 54º do Código Penal, por igual período, com a condição de, naquele prazo, comprovar o pagamento de €15.000,00 (quinze mil euros) à assistente BANCO GG, correspondentes a parte da indemnização que ora se fixa, e à obrigação de se submeter a plano de readaptação social. 3. O Tribunal a quo julgou parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido por BANCO GG e, em consequência, condena os arguidos AA e DD a pagarem-lhe, a título de danos patrimoniais, no regime da solidariedade, €310.000,00 (trezentos e dez mil euros), acrescida de juros de mora legais à taxa de 4%, contabilizados desde a data da citação, bem como dos vincendos, tudo até integral pagamento, improcedendo o demais peticionado. 4. O presente recurso visa impugnar a decisão do Tribunal a quo quanto: - ao “aperfeiçoamento” da qualificação jurídica; - à admissão e à demonstração dos factos que aditou em sede de decisão definitiva; - à errada decisão da matéria de facto; - à errada decisão sobre a matéria de Direito. 5. O Tribunal em sede de acórdão condenou o arguido não só pelo art. 256 nº1 a), e) e f) do CP, mas também pelo nº3 do mesmo, o que implica passar de uma punição de pena de pena de prisão até três anos ou com pena de multa para uma pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias 6. O Tribunal adicionou à tipificação incriminatória que os factos referidos no n.º 1 do citado artigo dizem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º 7. O Tribunal, em decisão final, não pode alterar a qualificação jurídica dos factos, agravando a moldura penal na qualificação jurídica constante na acusação e pronúncio. 8. A interpretação do art. 358º nº 3 do CPP terá de ser aquela que passa por considerar que a qualificação jurídica dada aos factos na acusação fixa o limite quantitativo da pena a aplicar no processo. 9. Assim sendo, é nulo o “aperfeiçoamento” decidido pelo Tribunal acerca da qualificação jurídica que estava consagrada na acusação, o que expressamente se invoca. 10. O acórdão em recurso efetuou aquilo que denominou alteração não substancial dos factos, designadamente apostos no nº41 do elenco de factos assentes: “Os arguidos AA e DD, ao facultar ao indivíduo não concretamente identificado os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas, bem sabiam que aquele iria servir-se de tais elementos para forjar passaportes falsos, com a aposição dos dados pessoais ficcionados e da foto e assinatura daquele indivíduo” 11. Os factos acima narrados não correspondem à realidade, mas também não se tratam de alterações não substanciais. 12. A distinção resulta da previsão constante no artigo 1.º, n.º 1, f), segundo a qual se considera alteração substancial dos factos “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”. A alteração não substancial de factos define-se por exclusão de partes o que será assim toda aquela que não tiver por efeito a imputação ao arguido de crime diverso ou a agravação do limite máximo da pena aplicável. 13. Podemos definir a alteração substancial nos termos do artigo 1º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal, como uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, assim, como um conceito normativamente formatado: “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”. 13. Existe imputação ao arguido de um crime diverso, nomeadamente, quando da referida adição ou modificação dos factos naturalísticos ou do dolo atribuído ao arguido, resulte uma atuação diferente daquela que é relatada na acusação, em termos tais que se verifique um agravamento da conduta do agente. 14. A alteração que o Tribunal aditou uma factualidade essencial para a tipificação e agravamento do crime, e bem assim para a resolução criminosa, que não eram existente na redação da acusação e da pronuncia, pois aditou aos fatos descritivos da suposta conduta dos arguidos DD e AA de entrega a HH, passando a incluir não só os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, como a acusação já referia, mas também cópias do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas 15. Este passo seria sempre necessário para o outro aditamento que o Tribunal efetuou referente ao dolo do arguido, pois através da matéria aditada, o Tribunal adicionou à resolução criminosa do arguido a intenção da falsificação dos documentos que, até este momento, estava restrita a HH. 16. Esta adição traz necessariamente um agravamento da responsabilidade penal, quanto mais não seja por prever novos factos que pioram a pena concreta a fixar aos arguidos. 17. A alteração em apreço consubstancia uma aterão substancial de factos e como sempre será nula o que expressamente se invoca, e determina a nulidade do acórdão, pois em rigor afeta os elementos típicos dos crimes imputados ao recorrente. 18. A não se entender assim, sempre deverá revogar-se a decisão recorrida, e alicerçar uma outra sobre um elenco de fatos que exclua aqueles vertidos no art. 41 da decisão que determinou os fatos assentes. 19. O recorrente impugna para os efeitos do recurso amplo ou efectivo em matéria de facto, previsto no art. 412.º, nºs 3, 4 e 6 do CPP, os seguintes factos considerados assentes em sede de acórdão: “(…) 4. De modo a conseguir estes intentos, o indivíduo não concretamente identificado combinou com os aqui arguidos AA e DD, ambos empregados bancários no BANCO GG, que consigo atuaram em comunhão de esforços e tarefas, apresentar-se como titular das referidas contas bancárias. 5. E combinaram que esse indivíduo não concretamente identificado procederia ao levantamento das contas bancárias de cidadãos angolanos com saldos elevados e, posteriormente, dividiria o lucro proveniente de tais levantamentos com, pelo menos, os arguidos AA e DD. 6. Assim, em data não concretamente apurada, mas antes de janeiro de 2017, o indivíduo não concretamente identificado contactou, de forma não concretamente apurada, o arguido DD que, por seu turno, contactou com o arguido AA, seu colega, e solicitou-lhe que pesquisasse, no sistema informático do Banco GG, os dados bancários de SS, Dr. RR, II e TT. 7. Em cumprimento de tal plano, o arguido AA, que exercia funções, além do mais, de caixa, no balcão do BANCO GG da ..., entrou, com as suas chaves de acesso, no sistema informático do Banco e efetuou as pesquisas de contas bancárias e saldos das pessoas acima descritas. 10. Posteriormente, o arguido AA entregou ao arguido DD cópias dos dados informáticos e transmitiu, em suporte não concretamente apurado, o resultado das pesquisas. 11. Na posse de tais pesquisas, o indivíduo não concretamente identificado, em comunhão de esforços com os arguidos AA e DD decidiu retirar dinheiro da conta nº ..., do BANCO GG, pertencente a RR, sedeada na agência da ..., em …. 36. O indivíduo não concretamente identificado, em comunhão de esforços e divisão de tarefas com os arguidos AA e DD, decidiu retirar dinheiro da conta de RR sem o seu consentimento ou conhecimento, fazendo crer, perante terceiros e perante os demais funcionários do BANCO GG, que se tratava de um levantamento levado a cabo por este cliente. 41. Os arguidos AA e DD, ao facultar ao indivíduo não concretamente identificado, os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas, bem sabiam que aquele iria servir-se de tais elementos para forjar passaportes falsos, com a aposição dos dados pessoais ficcionados e da foto e assinatura daquele indivíduo. 44. E agiram com o propósito, conseguido, do modo descrito, de introduzir na relação bancária um passaporte forjado. 45. E bem sabiam que, com essa atuação, interferiam no tratamento de dados informáticos e induziam em erro a entidade bancária que concretizava as transferências bancárias que eram ordenadas, o que, igualmente, quiseram e conseguiram. (…)” 20. Vamos agrupar a análise e refutação da matéria constante nos pontos 4 e 5 pois refletem uma conduta complexa, mas unitária, cujos fundamentos de refutação e prova em sentido contrária são as mesmas. 21. Após a produção de prova é absolutamente omissa qualquer uma que seja suscetível de demonstrar que o recorrente, ou AA, tenham combinado com o individuo não concretamente identificado que este iria apresentar-se como titular das contas bancárias de clientes do GG 22. Conclusão semelhante se retira da alegação de que teriam combinado que esse indivíduo iria proceder ao levantamento das contas bancárias de cidadãos angolanos com saldos elevados e, posteriormente, dividiria o lucro proveniente de tais levantamentos com, pelo menos, os arguidos AA e DD, 23. Como acima referimos, o recorrente não combinou coisa alguma com o indivíduo que se apresentou como RR, tanto que este foi apresentado por NN ao arguido no dia 27/1/17. 24. Todas as conversas a respeito de RR com o recorrente ocorreram com NN, e tanto o recorrente como AA jamais pretenderam, ou sequer tiveram o conhecimento que alguém pretenderia apresentar-se como titular de contas de clientes do Banco e com o objetivo de apropriação das quantias depositadas nessas contas. 25. O Tribunal assenta o seu raciocínio numa verdadeira presunção não judicial, pois não alicerça o seu raciocínio num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351º do Cód. Civil). 26. Dos factos conhecidos é mais consentânea com as regras da experiência comum e com critérios racionais que tanto o recorrente como AA tivessem sido ludibriados, assim como foram os restantes funcionários do BANCO GG, não só daqueles do balcão de ... como do sistema de complaince da instituição bancária, como também do balcão de ..., onde o indivíduo que se apresentou como RR conseguiu o levantamento da quantia de 5.000,00€ e da transferência de 75.000,00€ para uma conta que indicou. 27. Em sentido concordante com aquele que acima defendemos, indicamos os depoimentos: - de NN inquirido no dia 10/11/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 16:04:57h e termo pelas 17:11:04h, - do recorrente DD, inquirido no dia 24/11/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 12:27:40h - do recorrente DD, inquirido no dia 27/10/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 17:22:49h; - de UU, inquirido no dia 24/11/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 12:00:59h e termo pelas 12:27:00h nomeadamente as passagens que transcrevemos a este respeito em sede de motivação que aqui consideramos reproduzidas. 28. Atento o exposto deverá ser considerada não assente a matéria constante nos pontos 4 e 5. 29. Agrupamos a análise e refutação da matéria constante nos pontos 6 e 7, sendo que, em relação a este ultimo ponto, pretendemos apenas impugnar que a ação de AA tenha sido concretizada na sequência do plano, tal como é relatado pela decisão recorrida. e que tenha pesquisado contas bancárias, pois, na realidade apenas pesquisou os saldos das pessoas em apreço. 30. Após a produção de prova é absolutamente omissa qualquer uma que seja suscetível de demonstrar que o recorrente, em data não concretamente apurada, mas antes de janeiro de 2017, tenha sido contatado pelo indivíduo não concretamente identificado, e que o Recorrente tenha solicitado a AA que pesquisasse, no sistema informático do Banco GG, os dados bancários de SS, Dr. RR, II e TT. 31. Igual conclusão retiramos em relação à afirmação que em cumprimento de tal plano o arguido AA entrou, com as suas chaves de acesso, no sistema informático do Banco e efetuou as pesquisas de contas bancárias e saldos das pessoas acima descritas. 32. O recorrente, a pedido de NN, apenas pediu a AA que acedesse ao sistema do banco para verificar se SS, Dr. RR, II e TT ainda tinham nas suas contas o dinheiro que supostamente haviam desviado da conta de RR e apenas com esse propósito. 33. Em sentido concordante com aquele que acima defendemos, indicamos o depoimento: -de NN inquirido no dia 10/11/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 16:04:57h e termo pelas 17:11:04h, -as declarações do recorrente DD, inquirido no dia 24/11/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 12:27:40h, -as declarações do recorrente DD, inquirido no dia 03/11/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 09:42:11h, « - as declarações do arguido AA, inquirido no dia 27/10/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 15:44:58h e termo pelas 15:46:02, nomeadamente as passagens que transcrevemos a este respeito em sede de motivação que aqui consideramos reproduzidas. 34. Atento o exposto deve ser revogada a matéria constante no ponto 6 e no ponto 7 na parte que refere que a ação de AA tenha sido concretizada na sequência do plano, tal como é relatado pela decisão recorrida e que tenha pesquisado contas bancárias, pois, na realidade apenas pesquisou os saldos das pessoas em apreço. 35. No que concerne Ponto 10 dos fatos assentes é falso que AA tenha entregue ao recorrente cópias dos dados informáticos e que tenha transmitido, em suporte não concretamente apurado, o resultado das pesquisas. 36. AA apenas transmitiu verbalmente ao recorrente o valor dos saldos bancárias, na sequência do pedido deste, que por sua vez, veio na sequência do pedido de NN. 37. O Tribunal assenta novamente o seu raciocínio numa presunção, mas que, na realidade, não pode ser considerada presunção não judicial, pois não alicerça o seu raciocínio num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência. 38. Dos factos conhecidos é mais consentânea com as regras da experiência comum e com critérios racionais a realidade que tanto o recorrente como AA tivessem sido ludibriados, seja apenas por aquele que se fazia passar por RR, que poderá ter enganado também NN, seja por estes dois últimos. 39. Em sentido concordante com aquele que acima defendemos, indicamos o depoimento- - de NN, inquirido no dia 10/11/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 16:04:57h e termo pelas 17:11:04h; - as declarações do recorrente DD, inquirido no dia 24/11/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 12:27:39h, - as declarações do arguido AA, inquirido no dia 27/10/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 15:44:58h e termo pelas 15:46:02, nomeadamente as passagens que transcrevemos a este respeito em sede de motivação que aqui consideramos reproduzidas. 40. Atento o exposto deve ser revogada a matéria constante no ponto 10. 41. No que concerne aos Pontos 11 e 36 dos factos provados vamos agrupar a análise e refutação da matéria neles constante pois refletem uma conduta complexa, mas unitária, cujos fundamentos de refutação e prova em sentido contrária são as mesmas. 42. Não existe qualquer prova que seja suscetível de demonstrar que na posse de tais pesquisas, o indivíduo não concretamente identificado, em comunhão de esforços com os arguidos AA e DD decidiu retirar dinheiro da conta nº ..., do BANCO GG, pertencente a RR, sedeada na agência da ..., em … 43. Não existe nos autos qualquer prova suscetível de desmontar que o indivíduo que se fez passar por RR em comunhão de esforços e divisão de tarefas com os arguidos AA e DD, decidiu retirar dinheiro da conta de RR sem o seu consentimento ou conhecimento, fazendo crer, perante terceiros e perante os demais funcionários do BANCO GG, que se tratava de um levantamento levado a cabo por este cliente. É evidente que o indivíduo não concretamente identificado, decidiu retirar dinheiro da conta nº ..., do BANCO GG, pertencente a RR, sedeada na agência da ..., em …, mas já não o é que tenha sido na posse dos elementos alegadamente entregues pelo recorrente e AA, ou que estes estivessem em comunhão de esforços no intuito acima narrado. 44. O recorrente não teve qualquer intervenção consciente ou benefício com o dinheiro que foi apropriado pelo individuo não identificado mencionado no acórdão de que se recorre, pertencentes a clientes do GG 45. Salvo o devido respeito, o Tribunal alimenta as presunções que concebe contra o recorrente com fatos que desvaloriza em relação à situação de .... 46. Em sentido concordante com aquele que acima defendemos, indicamos: -o depoimento de OO, inquirido no dia 03/11/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 11:09:52h e termo pelas 12:04:12h; -o depoimento de JJ, inquirido no dia 10/11/22, gravado na aplicação informática do Tribunal, -o depoimento de VV, inquirido no dia 10/11/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 14:34:03h e termo pelas 15:32:49h, nomeadamente as passagens que transcrevemos a este respeito em sede de motivação que aqui consideramos reproduzidas. 47. Face ao acima exposto os pontos 11 e 36 deverão ser considerados não assentes. 48. No que concerne ao Pontos 41 e 45 dos factos provados, vamos agrupar a análise e refutação da matéria neles constante, pois refletem apenas uma suposta resolução dos agentes, e constituem uma súmula de uma conduta complexa, mas unitária, cujos fundamentos de refutação e prova em sentido contrária são as mesmas. 49. Os arguidos AA e DD, facultaram a NN os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, mas os saldos bancários de SS, II e TT. 50. O recorrente pediu a AA que acedesse ao sistema do banco para verificar se SS, Dr. RR, II e TT ainda tinham nas suas contas o dinheiro que supostamente haviam desviado da conta de RR. 51. O recorrente e AA não remeteram a NN, ou a quem quer que fosse, os dados de RR, do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas, nem tão pouco tinham qualquer ideia que alguém se iria servir de quaisquer elementos para forjar passaportes falsos, com a aposição dos dados pessoais ficcionados e da foto e assinatura. 52. Os fatos em preço foram considerados assentes pelo Tribunal a quo novamente com base em presunções, todavia, como nos restantes casos supra mencionados, contudo, mediante critérios racionais e recorrendo às regras da experiência comum, dos factos conhecidos não é licito retirar os factos presumidos, pelo menos, com a segurança necessária a qualificar-se de presunção judicial. 53. OO contou em Tribunal que existiriam cabos desligados no circuito de vídeo do balcão de ..., e mais deu a entender que desligar deveria ter sido levado a cabo por AA, porém, essa fantasiosa acusação choca com o relatório da intervenção técnica a fls 114 efetuada ao equipamento de vídeo que existia no Banco. 54. O Tribunal a quo, muito embora tal documento tenha sido analisado em audiência de julgamento, não valoriza o mesmo, e prefere ir pela narrativa inverosímil de OO. 55. Acresce que o fato de ao recorrente ter sido apreendido, no seu carro habitual, os extrato de conta que foram entregues por NN, e que supostamente lhe teriam sido entregues por RR, abona em favor da inocência do arguido, e constitui uma aberração na tese da decisão recorrida (Docs a fls 286 a 289). 56. Em sentido concordante com aquele que acima defendemos indicamos: - o depoimento de OO, inquirido no dia 03/11/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 11:09:52h e termo pelas 12:04:12h; - as declarações do recorrente DD, inquirido no dia 12/07/2017, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 15:07:00h, nomeadamente as passagens que transcrevemos a este respeito em sede de motivação que aqui consideramos reproduzidas. 57. Cumpre ainda salientar um aspeto que foi descurado pelo tribunal a quo na apreciação do depoimento de LL, inspetora do BANCO GG, cuja narrativa foi muito valorizada pelo Tribunal, mas que, na realidade a nenhum facto assistiu, mas chamou a atenção para um fato muito relevante ocorreu pelo menos para uma consulta não justificada efetuada às contas de RR em junho de 2016, por parte de um funcionário do BANCO GG do balcão de ..., de nome WW, consultou as contas de RR em 23/8/2016. 58. A investigação do banco, do Ministério Público e mesmo o Tribunal a quo não manifestaram qualquer interesse no fato acima narrado. 59. Em sentido concordante com aquele que acima defendemos indicamo: - o depoimento de LL, inquirido no dia 24/11/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 09:41:36h e termo pelas 10:59:40h, nomeadamente as passagens que transcrevemos a este respeito em sede de motivação que aqui consideramos reproduzidas. 60. No que concerne ao ponto 45 importa notar que o mesmo refere “e bem sabiam que, com essa atuação, interferiam no tratamento de dados informáticos e induziam em erro a entidade bancária que concretizava as transferências bancárias que eram ordenadas, o que, igualmente, quiseram e conseguiram”, porém, nos autos em apreço não estão em causa transferências bancárias, mas apenas e tão levantamentos bancários efetuados por aquele que se apresentou como RR. 61. A única transferência que é relatada nos autos corresponde àquela que foi efetuada no balcão e ..., mas em relação à qual, o Tribunal a quo entendeu, e bem, que nada teve ver com o recorrente nem com AA. 62. Acresce que o recorrente e AA não interferiram no tratamento de dados informáticos e induziram em erro a entidade bancária, o recorrente e AA admitem que acederam ilicitamente a dados das contas bancárias de clientes do BANCO GG, designadamente aos respetivos saldos bancários, mas não quiseram, nem concretizaram interferir no tratamento de dados informáticos ou induzir em erro a entidade bancária. 63. Em sentido concordante com aquele que acima defendemos indicamos: - as declarações do recorrente DD, inquirido no dia 24/11/22, gravado na aplicação informática do Tribunal com início pelas 12:27:40h, nomeadamente as passagens que transcrevemos a este respeito em sede de motivação que aqui consideramos reproduzidas. 64. Face ao acima exposto os pontos 41 e 45 deverão ser considerados não assentes. 65. A alteração da decisão sobre a matéria de fato conduz necessariamente à absolvição do recorrente dos crimes imputados pelo Tribunal a quo, com exceção da prática de um crime de Acesso ilegítimo, previsto e punível pelo artigo 6º, nºs 1 e 4 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, pois, na realidade, o recorrente pediu a AA para aceder ás contas dos clientes do BANCO GG e para lhe transmitir os respetivos saldos. 66. A pena a aplicar ao recorrente pela prática do crime, face ao contexto fático da situação, não poderá se afastar do limite mínimo. 67. O Tribunal a quo condenou o arguido DD pela prática, em coautoria material: - de um Crime de Burla Qualificada; - de um crime de falsidade informática; - de um crime de acesso ilegítimo; - de um crime de falsificação documento. 68. In casu, verificamos que, na narrativa da decisão recorrida, são crimes-meio a falsificação, a falsidade informática, o crime de acesso ilegítimo, e o crime-fim, é a Burla Qualificada, pelo que estamos perante um concurso aparente e não real ou ideal. 69. No concurso aparente, embora o comportamento do agente preencha vários tipos de crime, o que sucede é que o conteúdo ou a substância criminosa é aqui, tão esgotantemente abarcada pela aplicação ao caso de um só dos tipos violados, que os restantes devem recuar, subordinando-se perante uma tal aplicação. 70. É o caso narrado na acusação e que teve acolhimento na decisão recorrida, pois a narrativa que aí é feita, tanto na resolução criminosa como da conduta delituosoa, temos uma prevalência dos elementos da Burla, sendo que, parcelarmente as mesmas condutas consubstanciam outros crimes, como a Falsificação e Documento, o Acesso ilegítimo e mesmo a Falsidade Informática. 71. Na realidade, os crimes de Falsidade Informática, de Acesso Ilegítimo e de Falsificação Documento estão numa relação e concurso aparente com o Crime de Burla, pelo que os arguidos só por este poderiam ser punidos. 72. Face ao exposto, mesmo contando apenas com a narrativa da decisão recorrida, jamais o recorrente poderia ser punido para além da Burla. Atento o exposto nas conclusões deverá ser revogada a decisão recorrida em sua substituição deverá ser proferida uma outra que absolva o recorrente dos crimes de foi condenado. Subsidiariamente deve o recorrente ser condenado apenas pela prática do crime de Acesso ilegítimo, previsto e punível pelo artigo 6º, nºs 1 e 4 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, e a pena a aplicar, face ao contexto fático da situação, não poderá se afastar do limite mínimo. Subsidiariamente deve declarar-se que os crimes de Falsidade Informática, de Acesso Ilegítimo e de Falsificação Documento estão numa relação de concurso aparente com o Crime de Burla, pelo que os arguidos só por este poderiam ser punidos, e a pena a aplicar, face ao contexto fático da situação, não poderá se afastar do limite mínimo.” Em articulado autónomo, declarou ainda o arguido DD pretender recorrer da condenação em indemnização civil, formulando a tal respeito as seguintes conclusões adicionais: “1. O Tribunal a quo julgou parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido por BANCO GG e, em consequência, condenou os arguidos AA e DD a pagarem-lhe, a título de danos patrimoniais, no regime da solidariedade, €310.000,00 (trezentos e dez mil euros), acrescida de juros de mora legais à taxa de 4%, contabilizados desde a data da citação, bem como dos vincendos, tudo até integral pagamento, improcedendo o demais peticionado. 2. O presente recurso visa impugnar a decisão do Tribunal a quo quanto ao deferimento parcial do Pedido de indemnização Civil 3. Por economia processual consideramos reproduzido no presente recurso toda a matéria que invocámos em sede do recurso do acórdão quanto à decisão que condenou o recorrente pela prática dos crimes acima elencados, nomeadamente, na parte em que impugnámos a decisão de facto que sustentou tanto a condenação penal como a decisão sobre o pedido civil aqui em recurso. 4. O recorrente não praticou os atos típicos dos crimes de que foi condenado, pelo que, alicerçando o Acórdão, a responsabilidade civil do recorrente na prática dos crimes acima mencionados, sendo determinada em recurso a absolvição do recorrente em relação aos mesmo deverá, forçosamente, ser determinada a absolvição em relação aos pedidos de indemnização civil. 5. Acresce que, mesmo na verificação da possibilidade da alteração da decisão sobre a matéria de fato conduzir à absolvição do recorrente dos crimes imputados pelo Tribunal a quo, com exceção da prática de um crime de Acesso ilegítimo, previsto e punível pelo artigo 6º, nº 1 e 4 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, ainda assim não existirá fundamento para a condenação do recorrente no Pedido de Indemnização Civil. 6. Os fatos realmente praticados pelo recorrente, não constituem causa adequada dos danos. 7. A par desta conclusão, chegamos ainda à conclusão de que o recorrente jamais teve a consciência de que a sua conduta teria qualquer interferência numa Fraude, pelo que sempre faltará a culpa do agente, como elemento essencial da responsabilidade civil. 8. Atento o exposto, deverá o recorrente ser absolvido do pedido de Indemnização Civil, por não verificação do previsto nos artigos 483º, nº 1, 487º, 562º e 563º, todos do C.C. Atento o exposto nas conclusões deverá ser revogada a decisão recorrida em sua substituição deverá ser proferida uma outra que absolva o recorrente do pedido de indemnização civil a que foi condenado. Só desta forma poderá o arguido aqui recorrente ter a Justiça que por lei lhe devia ter sido concedida.” 3. Os recursos dos arguidos foram admitidos por legais e tempestivos. 4. O Ministério Público apresentou respostas aos recursos interpostos, pugnando pela improcedência de todos eles, nos seguintes termos: 4.1. Quanto ao recurso interlocutório do arguido DD: “1. O art. 340.º do CPP outorga ao juiz de um poder de direcção do processo, na fase de produção de prova, que lhe permite rejeitar liminarmente as diligências probatórias notoriamente irrelevantes, supérfluas, inadequadas ou meramente dilatórias” – naturalmente, de acordo com a apreciação do juiz, susceptível de reexame, em via de recurso. 2. No vertente caso há que dizer que, ao contrário do alegado pelo Recorrente, não foi a testemunha JJ, na sequência do seu depoimento em audiência de julgamento, que aludiu, pela primeira vez nos autos, à empresa “...”. 3. De facto, já constava do documento enviado pelo Departamento de Auditoria Interna – Inspeção e Monitorização de Risco de Fraude, do BANCO GG, constante de fls. 449 a 452, uma menção a esta empresa. 4. No parágrafo 5 de fls. 451 diz-se que tal indivíduo no dia 17/10/2017tentou por diversas vezes obter informações telefónicas sobre o motivo dos fundos transferidos para a ..., aparentemente não se encontrarem disponíveis, e que após ter sido confrontado com o facto do passaporte conter erros de Português, e ter sido solicitado que fosse junto da Embaixada, ou do Consulado ... para retificar tal, nunca mais contactou o balcão de .... 5. Sendo que a testemunha em causa referiu, ainda, que foi um mês antes que foi contactado pelo dono da empresa de panificação. A factura proforma era verdadeira. O negócio existia. Fizeram a transferência e reverteu a mesma com a concordância do proprietário da empresa. O dono da panificação susteve o envio da farinha para Angola. 6. Posteriormente, a instâncias da defesa, esta mesma testemunha esclareceu que a pessoa que ali se apresentou como sendo II perguntou se aquela empresa era fiável pois iria pagar antes do envio (cfr. ficheiro áudio: 20221110143401_4529935_2871280, de 10.11.2022). 7. De acordo com o Recorrente, com o requerimento de prova em apreço pretendia trazer aos autos fatos essenciais para compreender o “negócio” por trás da transferência bancária no valor de 75.000,00€, nomeadamente quem foram os reais intervenientes deste negócio, o que poderia, inclusive, ter como consequência, apurar a forma e quem foram os reais envolvidos no acesso aos dados bancários de clientes do Banco GG, incluindo de II. 8. No entanto, como é que tais elementos poderiam contribuir para se apurar como é que HH (arguido que não está a ser julgado nestes autos por ter sido determinada a separação de processos por se desconhecer o seu paradeiro) teve acesso aos dados das contas bancárias, incluindo de II? Facto esse que, aliás, já se encontra devidamente esclarecido. 9. O acesso aos dados das contas bancárias dos ofendidos foi feito através das pesquisas/consultas àquelas contas realizadas antecipadamente pelo arguido AA, como este reconheceu, a solicitação do Recorrente e que o Recorrente não nega, não obstante apresente outros motivos para a “solicitação” de tais consultas. 10. Consultas essas que se encontram devidamente comprovadas nos autos. 11. Do negócio celebrado com a empresa ... ou da inquirição das pessoas que teriam tido intervenção na transação da farinha, nomeadamente aquelas que iriam receber tal produto não resultaria, nunca, o apuramento de quem foram os reais envolvidos no acesso aos dados bancários. 12. Pelo que há que concluir que tais elementos de prova não se revelam necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. 13. De salientar que o Ministério Público, em audiência, não se opôs ao deferimento do requerimento de prova, por reputar que a mesma era relevante para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, mas, tão somente, para não coarctar o direito de defesa do arguido. 14. Face a tudo o exposto, deverá a decisão recorrida ser mantida. No entanto, Vossas Excelências decidirão, fazendo a costumada JUSTIÇA” 4.2. Quanto ao recurso da decisão condenatória interposto pelo arguido AA: “1. O Arguido/Recorrente AA foi condenado pela prática, ◾ em coautoria material, de um Crime de Burla Qualificada, previsto e punível pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2 alínea a), em conjugação com o artigo 202º alínea b), todos do Código Penal, na pena parcial de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão; ◾ em coautoria material, de um crime de falsidade informática, previsto e punível pelo artigo 3º, nº 1 e 3 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, na pena parcial de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; ◾ em coautoria material, de um crime de acesso ilegítimo, previsto e punível pelo artigo 6º, nº 1 e 4 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, na pena parcial de 1 (um) ano e (seis) meses de prisão; ◾ em coautoria material, de um crime de falsificação documento, p. e p. pelos artigos 255º, alíneas a) e c) e 256º, nº 1 alíneas a), e) e f) e nº 3, todos do Código Penal, na pena parcial de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. ➡ Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa por igual período, com a condição de, naquele prazo, comprovar o pagamento de €15.000,00 (quinze mil euros) à assistente Banco GG, correspondentes a parte da indemnização que ora se fixa, e à obrigação de se submeter a plano de readaptação social. 2. Na fundamentação não se exige que o juiz explane todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenvolveu a dinâmica dos factos em determinada situação, e, muito menos, que o juiz equacione todas as possibilidades (muitas delas até desrazoáveis, e, mesmo, absurdas) suscitadas, ao sabor das suas conveniências, pelos diferentes sujeitos processuais. 3. Exige-se, isso sim, a enunciação, especificada, dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, a referência à credibilidade que os mesmos mereceram ao tribunal, e o exame do seu valor e relevância probatórios, permitindo-se, assim, no contexto ambiental, de espaço e de tempo dos factos delitivos em apreço, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum” (vd. Acórdão do TRE, de 19.12.2019, disponível em dgsi.pt). 4. No vertente caso verifica-se, da respectiva motivação da matéria de facto, que o tribunal a quo explicou, diga-se até, que de modo exaustivo, quais os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, a referência à credibilidade que os mesmos mereceram ao tribunal, bem como os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum. 5. Pelo que nada há a censurar. 6. O que acontece é que o Recorrente não concorda com a análise da prova feita pelo tribunal de primeira instância, discordando dos raciocínios levados a cabo por esse tribunal relativamente aos elementos de prova produzidos. 7. Dispõe o art.º 379.º, n.º 1, al. b) que é nula a sentença que por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstas nos artigos 358.º e 359.º. 8. Nestes preceitos prevêem-se três situações: ➡ alteração não substancial dos factos descritos na acusação, com relevo para a decisão (art.° 358.º, n.º 1, do CPP); ➡ alteração da qualificação jurídica (art.º 358.º, n.º 3 do CPP); ➡ alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver (art.º 359.º do CPP). 9. O Recorrente foi notificado, quer da alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia, que remeteu para a acusação, a fim de poder exercer o contraditório, bem como da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, para a qual remeteu a pronúncia. 10. Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.02.2019 (disponível em dgsi, pt) nada obsta a que o tribunal proceda à uma alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao agente, desde que essa alteração se baseie nos factos descritos na acusação -como no caso se baseou - e desde que ao arguido seja dada oportunidade de exercer o contraditório - como foi - ainda que dessa alteração venha a resultar a incriminação e condenação do arguido por crime mais grave (trata-se aqui de uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, não da alteração de factos, que com aquela não se confunde). Assim, concluindo, o arguido teve oportunidade de exercer o seu direito de defesa, quer relativamente à alteração não substancial dos factos a que o tribunal procedeu, quer relativamente à alteração da qualificação jurídica dos factos que lhe vinham imputados na acusação (no rigoroso respeito pelo art.º 358.º, n.os 1 e 3 do CPP) - alteração da qualificação jurídica que não assentou, como se vê da matéria de facto que lhe foi imputada na acusação e do despacho que a ela procedeu, em qualquer alteração substancial dos factos, entendida como aquela que tenha como efeito a imputação (com base nesses novos factos) de um crime diverso ou a agravação dos limite máximos das sanções aplicáveis (art.º 1.º, al.ª f) do CPP) - pelo que não faz qualquer sentido a pretendida aplicação do art.º 359 do CPP e, consequentemente, a nulidade do acórdão recorrido prevista no art.º 379 n.º 1 al.ª b) do CPP, por violação dos arts. 358 e 359 do mesmo código. … Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, foi consagrado, por via do aditamento do n.º 3 ao artigo 358.º do CPP, a solução da livre qualificação jurídica dos factos pelo tribunal do julgamento, com reserva da obrigatoriedade de prévia comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e da concessão, a requerimento daquele, do tempo necessário à preparação da defesa… 11. A “alteração substancial” dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Já a “alteração não substancial” constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para determinar a moldura penal (neste sentido, acórdão do TRC, de 10.11.2021 disponível em dgsi.pt). 12. Se a alteração dos factos for não substancial, isto é, não determinar uma alteração do objecto do processo, o tribunal pode investigar e integrar no processo factos que não constem da acusação ou da pronúncia e que tenham relevo para a decisão da causa, exigindo-se, porém, que ao arguido seja comunicada a alteração e que se lhe conceda, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa (n.º 1 do artigo 358.º), ressalvando-se os casos em que a alteração derive de factos alegados pela defesa (n.º 2) (Acórdão do TRC, de 14.01.2015, disponível em dgsi.pt). 13. Foi o que sucedeu no vertente caso. 14. Como se explicou no despacho de comunicação da alteração não substancial, este facto “está em conformidade com os demais imputados na acusação”. 15. Da acusação (para a qual remetia a pronúncia) já resultava a instrumentalidade entre as pesquisas feitas por AA e o aproveitamento pela pessoa ali identificada como HH, nomeadamente para o levantamento dos saldos existentes na conta de RR. 16. Bem como se imputava aos arguidos o fornecimento de elementos – no caso cópia do passaporte de RR – para forjar o passaporte que veio a ser apresentado no balcão do NB, da .... 17. Assim, a alteração proposta traduz-se, na prática, na consubstanciação, ao nível dos elementos subjetivos, do que já resultava da acusação, permitindo a ligação mais lógica, entre os factos descritos nos artigos 7º, 8º e 9º e o transcrito no artigo 38º da acusação. 18. A decisão recorrida não alterou, portanto, o objecto do processo tal como este se encontra definido na acusação/pronuncia, nem referiu factos ou circunstâncias factuais que o Recorrente desconhecesse e não tivesse logrado contraditar. 19. Consequentemente, a alteração em apreço não é nula, não determinando a nulidade do acórdão. 20. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão. 21. No que respeita ao erro notório na apreciação da prova, tal vício verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. 22. De realçar que vigora entre nós o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º do CPP, de acordo com o qual as provas são apreciadas pelo julgador segundo as regras da experiência comum e a sua livre convicção, não uma convicção subjetiva, baseada em impressões ou conjeturas de difícil objetivação, mas uma convicção racional e crítica, baseada nas regras da experiência comum, da lógica e nos critérios da normalidade da vida. 23. Também não se pode esquecer que o julgador pode recorrer a presunções naturais ou hominis no processo de formação da sua convicção, uma vez que se trata de um meio de prova admitido na lei (cf. art.º 125.º do CPP), sendo que de acordo com o disposto no art.º 349.º Código Civil, presunções são as ilações que a lei ou julgador extrai de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido. Consistem, pois, em raciocínios lógico-dedutivos, ou demonstrativos, que o julgador elabora, a partir da prova indiciária, para alcançar a verificação dos “factos juridicamente relevantes”. 24. Atenta a motivação apresentada há que concluir que a argumentação avançada pelo Recorrente mais não traduz do que a sua discordância relativamente à avaliação que o tribunal a quo fez da prova produzida, valoração esta, porém, devidamente fundamentada, e olvidando que a convicção do tribunal é a do julgador e não a das partes. 25. Efectivamente, no caso em apreço, na motivação de facto, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o tribunal a quo explicou e fundamentou a sua decisão, de forma, aliás, bastante extensa. 26. No entanto, sempre se dirá que o Recorrente, não obstante negar qualquer envolvimento no esquema levado a cabo, sempre foi referindo que deu as informações ao coarguido DD, de acordo com o que lhe havia sido solicitado por este (cfr. ficheiro áudio: 20221027154739_4529935_2871282, de 27.10.2022, início: 08:30 e fim 11:38). 27. A ideia que tinha era a que o DD lhe passou, que o cliente queria fazer investimentos em Portugal. Mas o Recorrente concordou que, hoje em dia, ninguém paga investimentos em dinheiro (cfr. mesmo ficheiro áudio, início: 30:26 e fim 31:16). 28. E para justificar ter inserido na ficha do cliente um novo número de contacto e cópia do novo passaporte, referiu que sempre o aconselharam que, relativamente a certos levantamentos de pessoas de raça negra, a tirar cópia do documento de identificação e o cliente tinha sotaque angolano (cfr. mesmo ficheiro áudio, início: 32:00 e fim 33:05). 29. Por outro lado, se não sabia que estava a colaborar com um plano previamente combinado, qual a razão de não ter falado, logo de inicio, quando confrontado com o que se tinha passado, da intervenção do coarguido DD, só o tendo feito após ter tido conhecimento que, afinal, havia gravação das imagens captados nesse dia no interior da agência em causa? 30. E qual a razão de lhe ter facultado o ecrã do seu computador no momento em que o “cliente” teve que assinar os documentos para o levantamento das quantias monetárias? 31. Só pode ter sido para permitir à pessoa que se fazia passar por RR, o verdadeiro titular das contas desfalcadas. 32. De salientar que os comportamentos levados a cabo pelo Recorrente e dados como provados foram essenciais para o bom sucesso do plano elaborado. 33. Face ao exposto, completado pela motivação da decisão de facto, verifica-se que o tribunal a quo ponderou todas as provas, segundo critérios de objectividade e à luz das regras da experiência comum e da normalidade, no pleno uso do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º do Código Processo Penal. 34. Não existindo razões para afastar o raciocínio lógico do tribunal a quo. 35. Tendo em consideração a factualidade dada como provada e atento o explanado no acórdão, na parte do enquadramento jurídico, que aqui se dá por inteiramente reproduzido por questão de economia, verifica-se estarem preenchidos quer os elementos objectivos quer os subjectivos destes tipos de crime. 36. No caso em apreço, nenhuma dúvida se suscitou ao tribunal quanto aos factos que deveria dar como provados ou não provados, tendo a prova sido reputada suficiente para a decisão da causa, isto é, foi considerada bastante e não dando margem para dúvidas quanto à autoria, por parte do arguido, do crime por cuja prática se encontrava acusado. 37. Pelo que o tribunal a quo, ao considerar que o recorrente praticou os factos em causa, não violou o princípio in dubio pro reo, uma vez que, apreciada a prova, não permanece em aberto uma qualquer hipótese factual alternativa à dada como provada na sentença sub judice. Ou seja, em face de toda a prova produzida, não teve o tribunal a quo qualquer dúvida de que o arguido praticou os factos dados como assentes no acórdão recorrido. 38. A suspensão da execução da pena de prisão condicionada ao cumprimento de deveres e regra de conduta visa reforçar os vetores da reparação do mal do crime e das suas consequências, por um lado e da socialização do delinquente por outro (cfr. F. Dias, in As Consequências do Crime, pág. 339). 39. Porém, ao impor a condição de pagamento de quantia, o juiz deve averiguar da possibilidade de cumprimento desse dever, tendo em conta a consagração do princípio da razoabilidade previsto no nº 2 do art.º 51.º do CP. 40. Ora, verifica-se do acórdão proferido que o tribunal a quo fundamentou a sua decisão, aduzindo o seguinte: Estes valores individualmente impostos, de €15.000,00 mostram-se, face à demonstração dos seus atuais rendimentos (e ao valor do salário mínimo nacional, já que a manutenção do trabalho do próprio AA não é, atenta a presente condenação, um facto futuro absoluto), possível de satisfazer dentro do prazo da suspensão. 41. Nenhum reparo merece, consequentemente, a decisão posta em causa uma vez que a mesma se encontra de acordo com o princípio da razoabilidade que deve presidir à imposição ao arguido do cumprimento de deveres como condição da suspensão da execução da pena de prisão e com a natureza e finalidades destes mesmos deveres. 42. De salientar que, em caso de incumprimento, a suspensão da execução da pena só será revogada se, tendo possibilidades de cumprir com a obrigação, o arguido o não fizer. 43. Efectivamente, haverá necessidade de verificar, em caso de incumprimento, se o mesmo é grosseiro (art.º 56.º, n.º 1, al. a) do CP) pois, só nesse caso, levará à revogação da suspensão da execução da pena. 44. Já no que respeita à violação ao art.º 497.º, n.º 1 do CC diga-se que o Recorrente não foi condenado ao pagamento do valor integral da indemnização ao Assistente, tendo sim sido condenado ao pagamento de tal montante no regime de solidariedade. 45. Face ao exposto, concorda-se inteiramente com o veredicto condenatório, por se entender que foi feita justiça e o direito bem aplicado; 46. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito. No entanto, Vossas Excelências decidirão, fazendo JUSTIÇA” 4.3. Quanto ao recurso da decisão condenatória interposto pelo arguido DD: “1.O Arguido/Recorrente DD foi condenado pela prática, ◾ em coautoria material, de um Crime de Burla Qualificada, previsto e punível pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2 alínea a), em conjugação com o artigo 202º alínea b), todos do Código Penal, na pena parcial de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão; ◾ em coautoria material, de um crime de falsidade informática, previsto e punível pelo artigo 3º, nº 1 e 3 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, na pena parcial de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; ◾ em coautoria material, de um crime de acesso ilegítimo, previsto e punível pelo artigo 6º, nº 1 e 4 da Lei do Cibercrime, aprovado pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, na pena parcial de 1 (um) ano e (seis) meses de prisão; ◾ em coautoria material, de um crime de falsificação documento, p. e p. pelos artigos 255º, alíneas a) e c) e 256º, nº 1 alíneas a), e) e f) e n.º 3, todos do Código Penal, na pena parcial de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. ➡ Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa por igual período, com a condição de, naquele prazo, comprovar o pagamento de €15.000,00 (quinze mil euros) à assistente Banco GG correspondentes a parte da indemnização que ora se fixa, e à obrigação de se submeter a plano de readaptação social. 2. Dispõe o art.º 379.º, n.º 1, al. b) que é nula a sentença que por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstas nos artigos 358.º e 359.º. 3. Nestes preceitos prevêem-se três situações: ➡ alteração não substancial dos factos descritos na acusação, com relevo para a decisão (art.° 358.º, n.º 1, do CPP); ➡ alteração da qualificação jurídica (art.º 358.º, n.º 3 do CPP); ➡ alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver (art.º 359.º do CPP). 4. O Recorrente foi notificado, quer da alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia, que remeteu para a acusação, a fim de poder exercer o contraditório, bem como da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, para a qual remeteu a pronúncia. 5. Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.02.2019 (disponível em dgsi.pt) nada obsta a que o tribunal proceda à uma alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao agente, desde que essa alteração se baseie nos factos descritos na acusação -como no caso se baseou - e desde que ao arguido seja dada oportunidade de exercer o contraditório - como foi - ainda que dessa alteração venha a resultar a incriminação e condenação do arguido por crime mais grave (trata-se aqui de uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, não da alteração de factos, que com aquela não se confunde). Assim, concluindo, o arguido teve oportunidade de exercer o seu direito de defesa, quer relativamente à alteração não substancial dos factos a que o tribunal procedeu, quer relativamente à alteração da qualificação jurídica dos factos que lhe vinham imputados na acusação (no rigoroso respeito pelo art.º 358.º, n.ºs 1 e 3 do CPP) - alteração da qualificação jurídica que não assentou, como se vê da matéria de facto que lhe foi imputada na acusação e do despacho que a ela procedeu, em qualquer alteração substancial dos factos, entendida como aquela que tenha como efeito a imputação (com base nesses novos factos) de um crime diverso ou a agravação dos limite máximos das sanções aplicáveis (art.º 1.º, al.ª f) do CPP) - pelo que não faz qualquer sentido a pretendida aplicação do art.º 359 do CPP e, consequentemente, a nulidade do acórdão recorrido prevista no art.º 379 n.º 1 al.ª b) do CPP, por violação dos arts. 358 e 359 do mesmo código. … Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, foi consagrado, por via do aditamento do n.º 3 ao artigo 358.º do CPP, a solução da livre qualificação jurídica dos factos pelo tribunal do julgamento, com reserva da obrigatoriedade de prévia comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e da concessão, a requerimento daquele, do tempo necessário à preparação da defesa… 6. Perante o exposto, não se observa a nulidade invocada pelo Recorrente. 7. Se a alteração dos factos for não substancial, isto é, não determinar uma alteração do objecto do processo, o tribunal pode investigar e integrar no processo factos que não constem da acusação ou da pronúncia e que tenham relevo para a decisão da causa, exigindo-se, porém, que ao arguido seja comunicada a alteração e que se lhe conceda, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa (n.º 1 do artigo 358.º), ressalvando-se os casos em que a alteração derive de factos alegados pela defesa (n.º 2) (Acórdão do TRC, de 14.01.2015, disponível em dgsi.pt). 8. Foi o que sucedeu no vertente caso. 9. Como foi devidamente esclarecido no despacho proferido em 17.02.2023, “o tribunal se limitou a retificar um manifesto erro de processamento informático ou erro de simpatia, em que era trocado, no despacho de acusação e no de pronúncia que para aquele remete, AA pelo arguido DD. Sendo que resultava óbvio de todo o remanescente texto da pronúncia, como os arguidos puderam, perfeitamente, inteligir, que não poderia ser o arguido DD quem realizou a pesquisa descrita no artigo 6º da douta acusação, até porque não era ele quem trabalhava no ...”. 10. Tendo sido ainda comunicado aos arguidos que a prova parecia indiciar a seguinte alteração não substancial: “Os arguidos AA e DD, ao facultar ao indivíduo não concretamente identificado os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas, bem sabiam que aquele iria servir-se de tais elementos para forjar passaportes falsos, com a aposição dos dados pessoais ficcionados e da foto e assinatura daquele indivíduo”. 11. Como se refere no referido despacho «Ora, vistos os factos imputados, constata-se que no artigo 38º se alegava que “Os arguidos AA e DD, ao facultar ao arguido HH cópia dos passaportes de RR e II, bem sabiam que o mesmo iria servir-se de tais cópias para forjar passaportes falsos, com a aposição dos dados pessoais, foto e assinatura de HH” 12. Sendo que na acusação já se podia ler: “De modo a lograr tais intentos, o arguido HH contactou com NN, referindo necessitar de pesquisar os saldos bancários de indivíduos de nacionalidade angolana, de modo a aferir se tinha em saldo elevadas quantias de dinheiro, ao que NN contactou para o efeito os arguidos AA e DD. De modo a lograr tais intentos, o arguido HH combinou com os restantes arguidos, em comunhão de esforços e tarefas, apresentar-se como titular das referidas contas bancárias, as quais seriam identificadas pelos arguidos AA, DD e NN, a quem cabiam as diligências de pesquisa de contas bancárias pertencentes a cidadãos angolanos, não residentes em Portugal, com saldos bancários com elevado valor. (…) Assim, em data não concretamente apurada, mas antes de Janeiro de 2017, o arguido HH contactou o arguido DD, que por seu turno contactou com o arguido AA, seu colega no Banco GG, e solicitou-lhe que pesquisasse, no sistema informático do Banco GG, dados bancários de SS, DR. RR, II e TT. Em cumprimento de tal plano o arguido DD, que exercia funções no balcão do ... entrou com as suas chaves de acesso no sistema informático do Banco e efectuou as pesquisas de contas bancárias e saldos das pessoas acima descritas. No dia 12-12-2016 o arguido AA entrou com as suas chaves de acesso no sistema informático do Banco e efectuou as pesquisas da conta bancária nº ..., do Banco GG, pertencente a RR, sedeada na agência da .... O arguido repetiu tais operações nos dias 13-12-2016, 03-01-2017, 18-01-2017 e 19-01-2017, nos termos acima descritos, consultando os saldos, o documento de identificação do titular RR (passaporte nº S…) e as assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas. Posteriormente, o arguido AA imprimiu o resultado das pesquisas e entregou ao arguido DD cópias dos dados informáticos referentes a extractos bancários dos referidos indivíduos. Na posse de tais pesquisas o arguido HH, em comunhão de esforços com os restantes arguidos, decidiu retirar dinheiro da conta nº ..., do BANCO GG, pertencente a RR, sedeada na agência da .... Na prossecução do seu plano o arguido HH, de modo não concretamente apurado, colocou a sua fotografia num documento em tudo semelhante a passaporte angolano, com a inscrição “...”, bem como com as seguintes inscrições: Passaporte nº N…, com o apelido “Cruz”, o nome “RR”, a data de nascimento “...”, local de nascimento “..., emitido por “...”, no dia “...”, e validade “...”. 13. Como se explicou no despacho de comunicação da alteração não substancial, este facto “está em conformidade com os demais imputados na acusação”. 14. Da acusação (para a qual remetia a pronúncia) já resultava a instrumentalidade entre as pesquisas feitas por AA e o aproveitamento pela pessoa ali identificada como HH, nomeadamente para o levantamento dos saldos existentes na conta de RR. 15. Bem como se imputava aos arguidos o fornecimento de elementos – no caso cópia do passaporte de RR – para forjar o passaporte que veio a ser apresentado no balcão do NB, da .../.... 16. Assim, a alteração proposta traduz-se, na prática, na consubstanciação, ao nível dos elementos subjetivos, do que já resultava da acusação, permitindo a ligação mais lógica, entre os factos descritos nos artigos 7º, 8º e 9º e o transcrito no artigo 38º da acusação. 17. O crime de acesso ilegítimo com o qual este facto poderá estar conectado não exige o dolo específico, pelo que não acarreta a alteração proposta qualquer alteração substancial da matéria de facto como é defendido pela defesa dos dois arguidos. 18. A intenção da falsificação dos documentos não está, ao contrário do que a defesa do arguido DD entende, restrita a HH, resultando de todo o libelo acusatório, que imputa aos arguidos atos concretos de comparticipação em factos subsumíveis ao crime de falsificação e o domínio do facto (plano comum)». 19. Pelo exposto, verifica-se que a decisão recorrida não alterou o objecto do processo tal como este se encontra definido na acusação/pronuncia, nem referiu factos ou circunstâncias factuais que o Recorrente desconhecesse e não tivesse logrado contraditar. 20. Consequentemente, a alteração em apreço não é nula, não determinando a nulidade do acórdão. 21. Verifica-se erro de julgamento quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que tivesse sido feita prova do mesmo e como tal deveria ter sido considerado como não provado; ou quando se dá como não provado um facto, que em face da prova produzida, deveria antes ter sido considerado provado. 22. De realçar que vigora entre nós o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º do CPP, de acordo com o qual as provas são apreciadas pelo julgador segundo as regras da experiência comum e a sua livre convicção, não uma convicção subjetiva, baseada em impressões ou conjeturas de difícil objetivação, mas uma convicção racional e crítica, baseada nas regras da experiência comum, da lógica e nos critérios da normalidade da vida. 23. Também não se pode esquecer que o julgador pode recorrer a presunções naturais ou hominis no processo de formação da sua convicção, uma vez que se trata de um meio de prova admitido na lei (cf. art.º 125.º do CPP), sendo que de acordo com o disposto no art.º 349.º Código Civil, presunções são as ilações que a lei ou julgador extrai de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido. Consistem, pois, em raciocínios lógico-dedutivos, ou demonstrativos, que o julgador elabora, a partir da prova indiciária, para alcançar a verificação dos “factos juridicamente relevantes”. 24. No vertente caso, há que concluir que a argumentação avançada pelo Recorrente mais não traduz do que a sua discordância relativamente à avaliação que o tribunal a quo fez da prova produzida, valoração esta porém devidamente fundamentada, e olvidando que a convicção do tribunal é a do julgador e não a das partes. 25. As provas não podem ser apreciadas uma a uma, isoladamente, de forma segmentada, devendo ser analisadas e valoradas concatenadamente, conjugando-as e estabelecendo correlações internas entre elas, confrontando-as de forma a que, ainda que de sinal contrário, daí resulte uma decisão linear, fazendo inferências ou deduções de factos conhecidos desde que tal se justifique e tendo sempre presentes as regras da lógica e as máximas da experiência. 26. Efetivamente, impõe-se que o tribunal proceda a uma análise conjugada dos meios de prova, tendo presentes as regras da experiência comum e da normalidade. Além disso, ao tribunal é permitido socorrer-se de presunções naturais para a formação da convicção sobre a factualidade provada. 27. No caso em apreço, na motivação de facto, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o tribunal a quo explicou e fundamentou a sua decisão, de forma, aliás, bastante extensa. 28. No entanto, sempre se dirá que o Recorrente, em audiência de discussão e julgamento bem como na sua motivação de recurso, negou e continua a negar a sua intervenção em toda a situação, escudando-se quer no facto de se encontrar psicologicamente abalado devido ao falecimento do seu pai, razão pela qual à data dos factos, se encontrava de baixa médica, quer remetendo toda a responsabilidade do seu envolvimento para um amigo de longa data, o qual considerava como família e que já era amigo do seu progenitor (em seu entender, até pouco envolvimento). 29. Alegando sentir-se enganado, pois não teve a percepção que estava a ser enganado e a contribuir materialmente para que terceiros se viessem a apropriar das quantias monetárias que pertenciam ao/s cliente/s do banco .... 30. Se não tinha conhecimento do plano estabelecido, qual a razão pela qual recorreu a um colega, sobre o qual sabia ter um certo ascendente, para consultar as contas de clientes daquela instituição bancária – consulta que sabia, por dever profissional, que estava impedido de fazer – e não foi o próprio, à agencia onde prestava serviço, fazê-las ou, até mesmo, solicitar a um dos seus colegas de agência, seguramente competentes para apurar os elementos pretendidos, que a realizassem? 31. Porque sabia que estes se iriam recusar. 32. Qual a razão de ter procedido dessa forma apenas “para agradar” a um amigo do amigo? 33. Mas se era, apenas, para apurar se as quantias supostamente desviadas da conta de RR pelos seus sócios ainda se encontravam nas respectivas contas, bastava ter sido consultado o saldo daquelas contas, sem necessidade de consultar todos os outros elementos, incluindo os que constavam da conta de RR. 34. E qual a razão de ter entrado na agência a acompanhar o suposto RR, mas não se ter dirigido ao balcão para o auxiliar nas transacções que o mesmo pretendia fazer, demonstrando, desse modo, que aquele não teria razão para estar desagradado (como alegou como sendo a razão de tal “auxilio”) com o serviço prestado pelo banco? 35. Alegando ter entrado apenas para o apresentar ao coarguido AA, afastando-se, de seguida, mas permanecendo no interior da agência. 36. E não se diga que, sabedor que havia câmaras a gravar o interior da agência, não compactuaria com tal situação porque, à partida, tinha conhecimento que o sistema se encontraria desligado, logo, não haveria gravação de imagens. Mas mesmo havendo-as, o Recorrente teve sempre o cuidado de não se aproximar do balcão onde se encontrava o suposto RR. 37. Prevendo todos os comparticipantes que as suas condutas nunca iriam ser descobertas pelo banco, mas assumindo tal risco. 38. E, se desconheciam as intenções do indivíduo que se identificava como RR, tendo actuado sempre de boa fé, qual a razão de, ao ser detectada a situação pelo banco, o coarguido AA não ter relatado que o Recorrente o tinha acompanhado, apenas o tendo feito quando tomou conhecimento que, afinal, havia gravações daquele dia? 39. Se não tinha conhecimento das reais intenções do indivíduo que se fazia passar por RR, e se apenas o apresentou ao coarguido AA como sendo um cliente do banco, qual a razão deste ultimo ter facilitado a falsificação da assinatura do verdadeiro titular da conta, mostrando-lhe o ecrã do computador, com a ficha de assinaturas, conforme melhor resulta das imagens captadas e do relatório efectuado pela Sra. Inspectora do Departamento de Auditoria e Inspecção, LL? 40. E se da conta já constavam dois números de contacto do seu titular, RR, qual a razão do coarguido AA (lembre-se que alega que o arguido AA apenas conheceu o indivíduo através do recorrente) ter introduzido na respectiva ficha, um novo número? 41. Isso só se explica pelo facto de, sendo de prever que o gestor da conta viesse a contactar o verdadeiro RR, para confirmar todas as transacções, o fazer através daquele novo número que seria atendido pelo indivíduo que se fazia passar por ele, como veio efectivamente, a suceder. 42. Se não sabia ao certo o que aquele indivíduo ia fazer, como afirmar que não lhe levantou qualquer suspeita o facto daquele proceder ao levantamento da quantia de €20.000. Como teve conhecimento da quantia levantada? 43. Se, como alega, foi tudo feito porque queria agradar ao “cliente”, com vista num negócio de milhões, nomeadamente a aquisição da ..., sita em ..., qual a razão de, posteriormente, designadamente através do seu amigo NN, não o ter contactado para a visitar, uma vez que o indivíduo alegou que naquele dia – da primeira visita ao banco – não o podia fazer, conforme estaria previamente combinado, pois tinha que se deslocar a ...? 44. Se fosse verdade a versão que, segundo o Recorrente, lhe foi apresentada pelo amigo NN, sobre a maneira como veio a conhecer este “investidor”, ou seja, à porta de um Centro Comercial, com a casualidade, logo de seguida, de se encontrarem de novo na zona de restauração e iniciarem logo uma conversa de negócios de milhões de euros, em que, também por acaso, veio à baila o banco com o qual trabalharia e que, também, por acaso, era onde o Recorrente trabalhava e o seu nome ter sido, igualmente, referido, não teria desconfiado logo de tantas coincidências? 45. E, conhecedor do saldo da conta de RR, como poderia acreditar que este se poderia envolver num negócio de milhões de euros? 46. De todos os factos apurados há que concluir que toda a actuação dos arguidos foi previamente concertada (estamos em crer que também como NN, não obstante este ter sido despronunciado em sede de instrução) para lograrem retirar dinheiro da conta de RR. 47. O que conseguiram. 48. Face ao exposto, completado pela motivação da decisão de facto, verifica-se que o tribunal a quo ponderou todas as provas, segundo critérios de objectividade e à luz das regras da experiência comum e da normalidade, no pleno uso do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º do Código Processo Penal. 49. Assim, tendo em conta o alegado pelo Recorrente na motivação e conclusões do recurso, constata-se, desde logo, que o mesmo ignora, em absoluto, a explicitação do raciocínio lógico do tribunal a quo contida na motivação do acórdão recorrido, sendo que a alegação do Recorrente traduz a sua pessoa e subjectiva valoração da prova produzida. 50. Não existindo razões para afastar o raciocínio lógico do tribunal a quo. 51. Assim, analisada e avaliada em conjunto toda a prova produzida, na ponderação lógica e racional de todos os elementos probatórios, face às regras da experiência comum, não pode senão concluir-se que a argumentação e prova indicadas pelo Recorrente não impõem decisão diversa, não havendo, pois, qualquer razão para não condenar o Recorrente pela prática dos ilícitos em causa. 52. De acordo com o disposto no art.º 30º, n.º 1, do C.Penal “O número de crimes determina-se pelo número de tipo de crimes efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”. 53. Como se referiu no acórdão do STJ, de 13.10.2004 (disponível em dgsi.pt) A problemática relativa ao concurso de crimes (unidade e pluralidade de infracções), das mais complexas na teoria geral do direito penal, tem no artigo 30º do Código Penal a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. O critério determinante do concurso é, assim, no plano da indicação legislativa, o que resulta da consideração dos tipos legais violados. E efectivamente violados, o que aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico. A indicação da lei acolhe, pois, as construções teoréticas e as categorias dogmáticas que, sucessivamente elaboradas, se acolhem nas noções de concurso real e concurso ideal. Há concurso real quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções), e concurso ideal quando através de uma mesma acção se violam várias normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção). O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes «efectivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado). Ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há, com efeito, casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras. A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração - concurso impróprio, aparente ou unidade de lei. A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segunda regras de especialidade, subsidiariedade ou consunção. A razão teleológica para determinar as normas efectivamente violadas ou os crimes efectivamente cometidos, só pode, pois, encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efectivamente violados. O critério do bem jurídico como referente da natureza efectiva da violação plural é, pois, essencial. 54. No crime de burla protege-se o património. 55. No crime de falsificação de documento protege-se a verdade intrínseca do documento enquanto tal. 56. No crime de acesso ilegítimo protege-se a segurança dos sistemas informáticos. 57. O bem jurídico tutelado pelo crime de falsidade informática é a segurança e a fiabilidade dos documentos no tráfico jurídico-probatório (onde se inclui a segurança nas transações bancárias)», afectando, ainda que reflexamente, a integridade dos sistemas informáticos. 58. Verifica-se, assim, que o bem jurídico protegido é diferente em qualquer dos crimes em causa. 59. No que respeita aos crimes de burla e falsificação de documentos o S.T.J., em plenário, decidiu que: “No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla, do artigo 256º n.º 1, alínea a) e do artigo 217º, n.º 1, respectivamente, do Código Penal revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes “(vd. acórdão de 4.5.2000, no D.R. I-A n.º 123, de 27.5.00). 60. Bem como se verifica concurso real ou efectivo com os crimes de acesso ilegítimo e de falsidade informática. 61. Face ao exposto, concorda-se inteiramente com o veredicto condenatório, por se entender que foi feita justiça e o direito bem aplicado; 62. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito. No entanto, Vossas Excelências decidirão, fazendo JUSTIÇA” 5. Neste Tribunal, o Exmo Procurador-Geral Adjunto apresentou parecer, subscrevendo a posição já expressa pelo Ministério Público na 1ª instância, e aditando: “Sem necessidade de maiores considerandos, por tal dispensáveis, por redundantes que seriam, apenas deixamos breve nota corroborante da irrepreensibilidade dos doutos Despacho intercalar de 10.11.22 e Acórdão 17.02.23 Quanto à Decisão que indeferiu a junção de factura da empresa “...”, ela respaldou-se no poder selectivo que é conferido ao Julgador, através do art 340º, CPP, que não sendo arbitrário e subjectivo, antes comportando o dever motivacional (arts 205º,1, CRP, e 97º,5, CPP), se revelou, “in casu”, consolidadamente justificado, ancorando-se o Colectivo de Julgadores, na sessão respectiva, na aferição do grau de instrumentalidade que adviria dessa pretendida diligência probatória, concluindo (como logo explicitou) pela irrelevância da sugestão do arguido para a descoberta da verdade, inidónea para se fazer repercutir na boa decisão da causa (art 340º,4, b), CPP), nem sendo justo invocar-se que o MºPº, em Audiência, não se opôs, antes assentiu, porquanto o fez para não obstaculizar , “ab initio”,o amplo direito de defesa (art 32º,1, CRP), vindo, todavia, a resignar-se com as razões judiciais, irrecorendo, constatada a ausência de essencialidade da proposta da defesa (absolutamente marginal ao âmago do objecto processual). Entrando na impugnação da Deliberação condenatória, e no que tange aos aspectos comuns, ou seja, apresentados ou controvertidos por ambos os recorrentes, em linha com a Resposta respectiva do MºPº na Instância recorrida, verificamos que inexistem, ao invés do alegado, vícios decisórios e/ou de julgamento, face à exuberantemente demonstrada boa Fundamentação (art. 374º,2, CPP), que se fundeou num escrutínio rigoroso e completo dos diversos meios de prova (pessoais, documentais e periciais), habilitante dum imaculado acervo probatório (art. 355º, CPP), indissociavelmente instrumental da convicção gerada no Colégio de Julgadores. Isto é, lendo o texto recorrido, flui dele a completude da matéria fáctica para o juízo de censura ético-penal (art. 410º, 2,a), CPP), bem como a plausibilidade dessa opção, conforme às regras da normalidade, da lógica e do actual estádio do conhecimento humano e científico (arts 410º,2, c) e 127º, CPP), o mesmo é dizer, emerge indesmentível “lógica jurídica” dos termos do Acórdão, sem que se possa, concomitantemente, argumentar com “zonas de incerteza”, que, a subsistirem, só pairarão, mas inocuamente, no espírito do sujeito processual, que não do Tribunal Colectivo, que, exceptuando os “factos não provados”, superou a presunção de inocência (art. 32º,2, CRP), através da produção de prova, não remanescendo qualquer “non liquet, que urgisse decisões “ a favor rei”. Ademais, e quanto aos hipotéticos erros de julgamento, não se capta a “contra-prova” (art. 412º,3,b), CPP) imprescindível para a pretendida remoção das proposições ou premissas judiciais, o que, “in limine”, faz quedar o sucesso recursório, mais se nos afigurando um ensaio dos recorrentes sobreporem a sua lógica valorativa da prova à do órgão decisor, sem atentarem no poder legal de aferição probatória outorgada ao Julgador (art 127º, CPP), cujo judicioso exercício não lograram sustentadamente porem crise. Noutro plano, de direito, vêm invocadas nulidades de Acórdão (art 379º, 1, a) e b), CPP), traduzidas ou produzidas pela pretensa inepta fundamentação (art 374º,2, CPP) e surpresa de introdução de elementos/factos novos relativamente à Acusação e Pronúncia, acompanhada de requalificação jurídica mais gravosa da que resultava daquelas (duas) fases anteriores ao Julgamento (arts 358º e/ou 359º, CPP). Falacioso argumentário, antecipe-se, se bem analisamos a realidade processual (e é essa a decisiva, não a imaginada ou suposta). Na verdade, além de ter anunciado, em momento devido (após a produção da prova), aos sujeitos processuais, mormente à defesa, essa reconhecida alteração (“não substancial”: art. 358º,1 e 3, CPP), dando-lhes prazo e oportunidade de esgrimirem contraditório respectivo, o Tribunal “ a quo” limitou-se, nessa (então) provisória percepção modificativa, a prevenir que iria (eventualmente, como veio efectivamente a ocorrer) consubstanciar melhor, redactorialmente, a narrativa acusatória e da Pronúncia, sem brigar com o objecto processual, ou seja, sem colidir com a sua estrutura, essa imutável, jamais confrontando os arguidos com algo inovador de que não tivessem já conhecimento anterior à Audiência, enquanto lhes dava, igualmente, conhecimento de diferente enquadramento jurídico-penal das suas condutas, em função da mesmíssima factualidade, seguro que a subsunção realizada pelo MºPº (na Acusação) e pelo JI (na Pronúncia) não vinculam o julgador, obviamente detentor da liberdade de qualificação tipológica. A rematar a parte comum, os arguidos alegam que, sem prescindirem da absolvição, e portanto sem conceder, sempre o crime de burla consumiria os demais crimes por que vieram a ser condenados, pela instrumentalidade dessoutros comportamentos delitivos para o objectivo supremo de se apoderarem, ilegítima e fraudulentamente, de valores pecuniários sacados da conta bancária do ofendido. Como, com mestria e clareza, anotou a Srª Magistrada respondente, o critério legal (art 30º,CP) aponta, para determinação da unidade ou pluralidade de infracções, que se indague a natureza do bem jurídico tutelado pelas normas incriminadoras convocáveis, para, dentro dessa lógica teleológica, se definir estamos perante um concurso próprio (real) ou aparente (em que alguns dos ilícitos são “absorvidos” por outra infracção, mais abrangente na sua tutela). Nesse conspecto, é inegável a autonomia de protecções conferidas por cada crime imputado aos arguidos, inexistindo qualquer consunção na relação entre eles. Finalmente, o recorrente AA (e só ele) contesta a necessidade da imposição do dever reparador (art. 51º,1,a), CP), bastando, na sua tese, a mera e simples suspensão da execução da pena de prisão, além de que o seu “quantum” se lhe afigura excessivo, desproporcionado e irrazoável (arts 18º,2, CRP, e 51º,2, CP). Ora essa objecção esbarra na “mens legis”, e, mesmo, na sua literalidade que reputam adequado e possível o apelo a deveres (art 50º,2, e 51º,1, proémio, CP), quando sejam consentâneos e ajustados à realização dos fins últimos da punição (art. 40º,1, e 50º,2, CP), visando, complementarmente, reafirmar a validade da norma violada pelo infractor e reforçar, neste, a consciencialização do gravoso desvalor da sua acção, circunstancialismo insofismavelmente reiterado na hipótese “sub judice”, cumprindo-se uma função reparadora, a favor da vítima, onerando o agente activo da infracção equilibradamente, sem embargo da modificação dos pressupostos, se supervenientes (art 51º, 2 e 3, CP), sendo insustentável a sua dispensa “ab initio”, deixando naufragar esse fim reparador, em detrimento do ressarcimento do ofendido e da credibilidade do sistema de justiça. Somos, pois, a sugerir, a Vªs Exªs, a validação do doutamente Deliberado, “in totum”.” * II. questões a decidir Com a conformação que é dada ao objeto dos recursos pelas conclusões apresentadas, poderemos afirmar que as questões a apreciar são as seguintes: § Recurso interlocutório do recorrente DD: relevância da prova requerida e indeferida pelo Tribunal a quo. §§ Recursos da decisão final A. Recurso interposto pelo arguido AA: A.1. Nulidade do acórdão em virtude de condenação por factos diversos dos da acusação, erradamente qualificada como alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica; A.2. Nulidade do acórdão por falta de exame crítico da prova; A.3. Erro de julgamento da matéria de facto, relativo aos factos dados como provados sob os números 4, 5, 7, 10, 11, 36, 41, 42, 43, 44, 45 e 46 – artigos 410.º, n.º 2, alíneas a) e c) do C.P.P.; A.4. Em matéria de direito: A.4.1. falta de verificação (na conduta do recorrente) dos elementos dos tipos do crime de burla qualificada, do crime de falsidade informática e do crime de falsificação de documento; A.4.2. violação do princípio in dubio pro reo; A.4.3. condenação do arguido, como coautor, ao pagamento da totalidade da indemnização em violação ao artigo 497º nº 1 do Código Civil; A.4.4. violação do artigo 51º, n 2º do Código Penal, respeitante ao condicionamento da suspensão da pena de prisão ao pagamento do valor de €15.000,00 (quinze mil euros) à assistente BANCO GGS.A, correspondentes a parte da indemnização. B. Recurso interposto pelo arguido DD: B.1. Nulidade do acórdão em virtude de condenação por factos diversos dos da acusação e da pronúncia; B.2. Impugnação da matéria de facto (incorretamente julgados os pontos de facto 4 a 7, 10, 11, 36, 41, 44 e 45 dos factos provados); B.3. Existência de concurso aparente entre os crimes da falsificação, falsidade informática e acesso ilegítimo e o crime de burla qualificada; B.4. Medida da pena; B.5. Absolvição do pedido de indemnização civil, por não estarem verificados, relativamente ao recorrente, os pressupostos da responsabilidade civil. * III. Transcrição dos segmentos relevantes das decisões recorridas para apreciação dos recursos interpostos iii.1. Do despacho proferido em ata, em 10.11.2022: Na sequência de requerimento do arguido DD, que, “em súmula, requereu que, para a descoberta da verdade material, fosse junta de fatura proforma emitida pela empresa ... (cfr. ponto 30 e 31 da acusação) e todos os documentos relativos à compra da farinha”, foi proferido o seguinte despacho: “Nota-se que o fundamento apresentado para o requerimento e para justificar a interpelação destas duas sociedades para apresentar o documento (que se desconhece, se este, efetivamente, está na posse das mesmas), é “ser interessante”. Ora, o fundamento para apresentação de requerimento de prova, para mais fora do respetivo articulado, deve assentar na indispensabilidade, ou, pelo menos, relevância para a descoberta da verdade material. A exibição do documento- fatura proforma- à testemunha teve apenas o efeito de associada a conversa anterior do coadministrador da ..., reforçar a confiança daquela na pessoa que se apresentava à sua frente alegando ser cliente do GG A circunstância de estar inscrito, nessa fatura, o nome do verdadeiro cliente II ou de uma outra sociedade ou intermediário é, salvo o devido respeito, irrelevante para a decisão da presente causa, razão pela qual vai indeferida a pretensão ora apresentada – cfr. Artigo 340.º do C.P.P a contrario sensu.” iii.2. Da decisão final Tendo em consideração o objeto dos recursos interpostos, importa ter em conta os seguintes segmentos da sentença condenatória recorrida: “II – Fundamentação da Matéria de Facto: Discutida a causa, o Tribunal considera provados os seguintes factos, com relevância: 1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a fevereiro de 2017, pessoa não concretamente identificada engendrou um plano para aceder a contas bancárias de terceiros, fazendo-se passar por titular das mesmas, e desse modo, proceder ao levantamento de elevadas quantias monetárias. 2. De modo a conseguir tais intentos, esse indivíduo contactou com NN, referindo necessitar de pesquisar os saldos bancários de indivíduos de nacionalidade angolana, de modo a aferir se tinham em conta elevadas quantias de dinheiro. 3. NN contactou, para o efeito, o arguido DD. 4. De modo a conseguir estes intentos, o indivíduo não concretamente identificado combinou com os aqui arguidos AA e DD, ambos empregados bancários no BANCO GG, que consigo atuaram em comunhão de esforços e tarefas, apresentar-se como titular das referidas contas bancárias. 5. E combinaram que esse indivíduo não concretamente identificado procederia ao levantamento das contas bancárias de cidadãos angolanos com saldos elevados e, posteriormente, dividiria o lucro proveniente de tais levantamentos com, pelo menos, os arguidos AA e DD. 6. Assim, em data não concretamente apurada, mas antes de janeiro de 2017, o indivíduo não concretamente identificado contactou, de forma não concretamente apurada, o arguido DD que, por seu turno, contactou com o arguido AA, seu colega, e solicitou-lhe que pesquisasse, no sistema informático do Banco GG, os dados bancários de SS, Dr. RR, II e TT. 7. Em cumprimento de tal plano, o arguido AA, que exercia funções, além do mais, de caixa, no balcão do ..., entrou, com as suas chaves de acesso, no sistema informático do Banco e efetuou as pesquisas de contas bancárias e saldos das pessoas acima descritas. 8. Assim, no dia 12 de dezembro de 2016, o arguido AA entrou, com as suas chaves de acesso, no sistema informático do Banco e efetuou as pesquisas da conta bancária nº ..., aberta naquela instituição, da titularidade de RR, sedeada na agência da ..., em Lisboa. 9. Este arguido repetiu tais operações nos dias 13 de dezembro de 2016, 3 de janeiro de 2017, 18 de janeiro de 2017 e 19 de janeiro de 2017, nos termos acima descritos, consultando os saldos, o documento de identificação do titular RR (passaporte nº S…) e as assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas. 10. Posteriormente, o arguido AA entregou ao arguido DD cópias dos dados informáticos e transmitiu, em suporte não concretamente apurado, o resultado das pesquisas. 11. Na posse de tais pesquisas, o indivíduo não concretamente identificado, em comunhão de esforços com os arguidos AA e DD decidiu retirar dinheiro da conta nº ..., do BANCO GG, pertencente a RR, sedeada na agência da ..., em Lisboa. 12. Na prossecução do seu plano, o indivíduo não concretamente identificado, de modo não concretamente apurado, colocou a sua fotografia num documento em tudo semelhante a passaporte angolano, com a inscrição “...”, bem como as seguintes inscrições: “Passaporte nº N...”, o apelido “...”, o nome “RR”, a data de nascimento de “...”, o local de nascimento “..., emitido por “...”, no dia “...”, e a validade “...”. 13. No dia 27 de janeiro de 2017, o arguido DD e o indivíduo não concretamente identificado deslocaram-se à agência do Banco GG de ..., sita na ..., este último munido do documento em tudo semelhante a passaporte .... 14. O indivíduo não concretamente identificado dirigiu-se ao balcão, tendo sido atendido pelo arguido AA. 15. No balcão, quando atendido, esse indivíduo apresentou o documento semelhante ao passaporte angolano, declarou ser RR e disse pretender consultar os movimentos de crédito e débito da conta bancária, nº ..., bem como proceder ao levantamento da quantia de €20.000,00. 16. O arguido AA executou as operações solicitadas pelo indivíduo não concretamente identificado e entregou ao mesmo a quantia monetária de €20.000,00. 17. Após a entrega da quantia, o indivíduo não concretamente identificado disse a AA que pretendia proceder ao levantamento da quantia de €260.000,00 e que reservasse tal quantia para levantar noutro dia, após o que abandonou o local. 18. O arguido AA introduziu no sistema informático o pedido do indivíduo não concretamente identificado, como tendo sido efetuado pelo titular, para que o mesmo ficasse disponível no dia 31 de janeiro de 2017. 19. No dia 30 de janeiro de 2017, o arguido AA efetuou contacto telefónico para a Tesouraria do Banco GG, de modo a confirmar o transporte de tal quantia para a agência de ..., no dia seguinte, o que veio a ocorrer. 20. No dia 31 de janeiro de 2017, o indivíduo não concretamente identificado deslocou-se à mesma agência do BANCO GG de ... munido daquele documento em tudo semelhante a passaporte angolano e dirigiu-se ao balcão, tendo sido atendido pelo arguido AA. 21. No balcão, quando atendido, o indivíduo não concretamente identificado apresentou o documento semelhante ao passaporte angolano, afirmou ser RR e disse pretender proceder ao levantamento da quantia de €260.000,00, da conta bancária, nº ..., tal como previamente combinado. 22. O arguido AA executou as operações solicitadas pelo indivíduo não concretamente identificado e entregou ao mesmo a quantia monetária de €260.000,00. 23. Nesse ato, o indivíduo não concretamente identificado preencheu e assinou uma “Declaração de Fundos”, nº ..., preenchendo os elementos de identificação respeitantes a RR, com o nº de passaporte N…, apondo o motivo “COMPRA DE IMÓVEL” e preencheu o local da assinatura. 24. Na posse de tal quantia, o indivíduo não concretamente identificado abandonou o local. 25. No dia 7 de fevereiro de 2017 o indivíduo não concretamente identificado deslocou-se, de novo, à agência do BANCO GG de ..., munido do documento em tudo semelhante a passaporte angolano, e dirigiu-se ao balcão, tendo sido atendido pelo arguido AA. 26. No balcão, quando atendido, o indivíduo não concretamente identificado apresentou o documento semelhante a passaporte angolano, afirmou ser RR e disse pretender proceder ao levantamento da quantia de €30.000,00, da conta bancária, nº ..., tal como previamente combinado. 27. O arguido AA executou as operações solicitadas pelo indivíduo não concretamente identificado e entregou-lhe a quantia monetária de €30.000,00. 28. Na posse de tal quantia, o indivíduo não concretamente identificado abandonou o local. 29. Em data não concretamente apurada, mas anterior a outubro de 2017, o indivíduo não concretamente identificado decidiu retirar dinheiro da conta nº ..., do BANCO GG, titulada por II. 30. Na prossecução do seu plano, o indivíduo não concretamente identificado, de modo não concretamente apurado, colocou a sua fotografia num documento em tudo semelhante a passaporte angolano, com a inscrição “...”, bem como com as seguintes inscrições: “Passaporte nº ..., com o apelido “...”, o nome “II”, a data de nascimento “...”, local de nascimento “LUANDA”, emitido por “...”, no dia “...”, e validade “04NOV2021”, profissão “COMPTABILISTA”. 31. No dia ... de ... de 2017, entre as 10:40 e as 11:30, o indivíduo não concretamente identificado deslocou-se à agência do ..., sita na ..., munido do documento em tudo semelhante a um passaporte angolano, e dirigiu-se ao balcão. 32. No balcão, quando atendido, esse indivíduo apresentou este documento, afirmou ser II e disse pretender proceder ao levantamento da quantia de €5.000,00, da conta bancária, nº .... 33. Mais, solicitou a realização de transferência da quantia de €75.000,00 da referida conta bancária para a conta nº ..., o que o funcionário do balcão executou. 34. O funcionário bancário executou, ainda, as operações solicitadas por aquele e entregou-lhe a quantia monetária de €5.000,00. 35. Na posse de tal quantia, o indivíduo não concretamente identificado abandonou o local. 36. O indivíduo não concretamente identificado, em comunhão de esforços e divisão de tarefas com os arguidos AA e DD, decidiu retirar dinheiro da conta de RR sem o seu consentimento ou conhecimento, fazendo crer, perante terceiros e perante os demais funcionários do BANCO GG, que se tratava de um levantamento levado a cabo por este cliente. 37. Agindo com a intenção de se apropriar das quantias monetárias que encontrasse disponíveis na conta do cliente da assistente BANCO GG, o que efetivamente sucedeu em três ocasiões distintas, por se encontrarem os seus funcionários erroneamente convencidos de que este indivíduo era o legítimo titular daquelas quantias. 38. Este indivíduo não concretamente identificado decidiu retirar dinheiro da conta de II, sem o seu consentimento ou conhecimento, fazendo crer, perante terceiros e perante os funcionários do Banco GG que se tratava de um levantamento levado a cabo por aquele cliente, o que efetivamente conseguiu, por se encontrarem os mesmos erroneamente convencidos de que aquele era o legítimo titular daquelas quantias. 39. Com a sua conduta, esse indivíduo não concretamente identificado sabia que o passaporte que forjara, com o nome de RR, com a aposição dos seus dados pessoais, foto e assinatura, era falso, e que o mesmo não foi emitido pelas competentes autoridades angolanas e, mesmo assim, quis apresentá-lo, em três ocasiões distintas, de modo a aparentar ser RR, vantagem a que sabia não ter direito. 40. Com esta conduta, esse indivíduo não concretamente identificado sabia que o passaporte que forjara, com o nome de II, com a aposição dos seus dados pessoais, foto e assinatura, era falso, e que não foi emitido pelas competentes autoridades angolanas, e mesmo assim, quis apresentá-lo, de modo a aparentar ser II, vantagem a que sabia não ter direito. 41. Os arguidos AA e DD, ao facultar ao indivíduo não concretamente identificado, os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas, bem sabiam que aquele iria servir-se de tais elementos para forjar passaportes falsos, com a aposição dos dados pessoais ficcionados e da foto e assinatura daquele indivíduo. 42. Os arguidos AA e DD, ao aceder, da forma descrita, aos dados das pessoas identificadas em 6., contidos em sistema informático de uso exclusivo do Banco GG, fizeram-no por motivos pessoais ou particulares, bem sabendo que não o podiam fazer e que acediam a dados confidenciais protegidos por lei. 43. Os arguidos AA e DD agiram livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de intentos e esforços, cientes da natureza da instituição bancária, bem como sobre os deveres que, no exercício das respetivas funções, sobre si recaíam. 44. E agiram com o propósito, conseguido, do modo descrito, de introduzir na relação bancária um passaporte forjado. 45. E bem sabiam que, com essa atuação, interferiam no tratamento de dados informáticos e induziam em erro a entidade bancária que concretizava as transferências bancárias que eram ordenadas, o que, igualmente, quiseram e conseguiram. 46. Os arguidos atuaram livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente. * 47. Na sequência da reclamação dos clientes, que não reconheceram, nem autorizaram os levantamentos autorizados, a assistente BANCO GG procedeu ao reembolso integral dos valores retirados das contas dos mesmos. 48. Quanto ao cliente RR, a assistente, na sequência da reclamação por este apresentada, procedeu ao reembolso de € 310 000,00. 49. Assim, a assistente creditou na conta nº ..., titulada por este cliente, em 20 de março de 2017, o montante de € 135 000,00. 50. E creditou, na mesma conta, o montante remanescente, de €175.000,00, em 11 de julho de 2017. 51. Quanto ao cliente II, na sequência da sua reclamação, a assistente creditou o montante de €5.000,00 na conta deste, com o nº ..., em 23 de novembro de 2017. 52. Montantes de que a assistente jamais veio a ser ressarcida. * 53. No âmbito da formação profissional para Técnico de Operações Bancárias, no ..., o arguido AA realizou estágio profissional no ... no período compreendido entre 4 de março de 2015 e 15 de junho de 2015. 54. Foi, enquanto estagiário no balcão de ... do Assistente BANCO GG, que o arguido AA conheceu o coarguido DD, à data subgerente daquele mesmo balcão. 55. O arguido AA, por o documento de identificação digitalizado no sistema informático da assistente, em nome de RR, se encontrar caducado desde 9 de dezembro de 2014, efetuou fotocópia do documento de identificação apresentado e descrito em 12.. 56. Seguidamente, verificando que a conta tinha saldo, o arguido AA lançou o pedido de autorização, através do sistema informático do banco, ao superior hierárquico que, no momento, se encontrava no balcão e que internamente é designado como “autorizante”, a QQ. 57. Com tal pedido, o sistema informático do banco lança um alerta de pendência de pedido de autorização para o computador do funcionário autorizante, e, ao mesmo tempo, deve o funcionário que solicitou a autorização, contactar aquele, a fim de confirmar a receção do pedido. 58. O arguido AA confirmou, por via telefónica, a receção do pedido. 59. Tendo pensado que a operação estava conforme, QQ facultou ao arguido o respetivo duplicado devidamente rubricado por si. 60. Em cumprimento das instruções obtidas, o arguido AA, remeteu o pedido de levantamento de €260.000,00 por correio eletrónico para o departamento de Compliance, com conhecimento das suas superioras hierárquicas, no balcão, dando conhecimento desse pedido. 61. Como anexo desse e-mail, remeteu fotocópia do novo passaporte e o impresso com a designação interna “Diversos”, devidamente preenchido, competindo ao departamento de Compliance do Banco proceder à análise dos documentos, bem como obter informação adicional e estabelecer eventual contacto com o cliente, caso assim o entenda. 62. No dia 30 de janeiro de 2017 e uma vez que a conta de RR era domiciliada no balcão da ..., em Lisboa e que era seu gestor YY, por cortesia e, no seu entender, por dever de ofício, o arguido AA estabeleceu contacto telefónico com o mesmo, dando-lhe conta da movimentação realizada no dia 27 e da solicitação de levantamento de fundos agendada para o dia seguinte. 63. Pelo departamento de compliance foi autorizada a movimentação de €260.000,00, após o que o arguido AA solicitou contacto para a Tesouraria do BANCO GG, conforme supra assente. 64. Nas circunstâncias descritas em 20., o arguido AA formalizou o pedido de autorização e contactou a gerente do balcão OO, informando-a da presença do cliente para realização do levantamento solicitado, tendo esta dado autorização para a realização da operação, através do sistema informático. 65. Após o que OO se deslocou ao balcão onde se encontrava o arguido AA com o cliente e procedeu à verificação da identificação do indivíduo ali presente, concluindo que a fotografia aposta no documento de identificação seria da pessoa que ali se apresentava. 66. De nada desconfiando, a gerente do balcão OO deu autorização para que o arguido AA entregasse os €260.000,00 ao indivíduo, após o que lhe foi solicitado que assinasse o documento comprovativo do levantamento. 67. Após, a gerente procedeu à conferência da assinatura por comparação à constante da ficha de assinaturas associada à conta bancária (conforme fls. 10 dos autos) de nada, igualmente, desconfiando. 68. Tendo sido entregue ao indivíduo os duplicados da declaração de fundos e do comprovativo de levantamento. 69. No dia identificado em 25., a gerente OO estabeleceu contacto para o balcão sito na ..., em Lisboa, e falou com o gestor da conta, YY, o qual lhe transmitiu inexistir impedimento ou problema na realização dessa operação. 70. Pelo que OO estabelece contacto telefónico com o arguido AA, dizendo-lhe que podia prosseguir com o levantamento solicitado. 71. O arguido AA verificando que a conta bancária tinha saldo para a concretização do levantamento, fez o pedido de autorização, através do sistema informático do banco, à gerente OO, a qual deu a respetiva autorização, após o que o ora arguido procedeu à entrega do numerário e solicitou a assinatura do cliente no documento comprovativo do levantamento. 72. O arguido AA facultou-lhe o respetivo duplicado devidamente rubricado por si. * 73. O processo de socialização de AA decorreu junto dos seus pais, apesar da separação destes quando tinha dois anos de idade. 74. O arguido é o mais novo de dois filhos desse casal. 75. Cresceu num modelo educativo normativo em que os pais mantiveram uma atitude interventiva ao nível de estabelecimento de regras e em que, apesar da separação, se constituíram como figuras de referência afetiva. 76. A infância é encarada como gratificante, tendo o seu processo de crescimento decorrido num contexto económico estável, em que o pai trabalhava como delegado de informação médica e a mãe como ... do primeiro ciclo. 77. AA frequentou equipamento de ensino regular até aos 11 anos, idade em que ingressou nos ..., que frequentou até ao 10º ano de escolaridade. 78. O arguido saiu desse estabelecimento para ingressar no ..., pólo do Ensino Secundário em Lisboa, tendo completado o 12º ano aos 18 anos de idade. 79. Fez estágio no ... no balcão de .... 80. Em junho de 2015, trabalhou no Banco GG no balcão de ..., terminando o curso de Técnicas e Operações Bancárias em setembro de 2015, mantendo a sua integração laboral na mesma entidade bancária. 81. No início de 2017, o arguido residia na ..., partilhando o seu espaço habitacional com uma namorada. 82. AA encontrava-se a trabalhar no Banco GG, na ... e, após a instauração de procedimento disciplinar na sequência dos factos que se deram por assentes, mudou para o balcão da .... 83. E, em maio de 2017, cessou o contrato de trabalho a termo. 84. O arguido diligenciou pela obtenção de nova integração laboral, vindo a integrar o ... em junho de 2017, com contrato a termo até março de 2018. 85. No fim da relação de namoro, fixou a sua residência na margem sul em outubro de 2018, onde reside com a atual companheira, AAA e com o filho desta, atualmente de 8 anos idade. 86. O agregado familiar reside em habitação que é propriedade da sua companheira. 87. A nível laboral, permaneceu no banco ..., no balcão em ..., desde março de 2018 até .... 88. Seguidamente, ingressou no banco ..., no balcão de ..., de abril a setembro e 2019, data em que se despediu. 89. Paralelamente, o arguido AA, em setembro de 2019, realizou a formação, para poder exercer atividade na área do transporte de passageiros (...), numa perspetiva de empresa familiar. 90. A sua companheira é proprietária de uma empresa de estética, a .... 91. O arguido dedicou-se à atividade no transporte de passageiros (...), até março de 2020, que cessou na sequência da declaração de Pandemia (SARS COV 2). 92. Neste contexto, voltou a enviar currículos para eventual integração no sector bancário. 93. Assim, em abril de 2021, ingressou no ..., onde permanece na atualidade, mantendo-se como efetivo desde junho do 2022. 94. A instauração do presente procedimento criminal e a submissão a julgamento é do desconhecimento da entidade bancária. 95. Excluída a factualidade que supra se deu por assente, o arguido AA foi sempre diligente e cumpridor dos deveres a que se encontrava adstrito enquanto funcionário da instituição bancária BANCO GG, bem como dos deveres que, no exercício das respetivas funções, sobre si recaiam. 96. Comportamento que tem mantido nas outras instituições bancárias em que passou. * 97. O arguido DD é o filho mais velho de uma fratria de dois irmãos. 98. Os seus pais mostraram-se investidos e presentes no seu processo educativo, caraterizado pela definição de regras e limites e pela transmissão de valores. 99. Não são conhecidas privações de natureza material. 100. No plano escolar, o arguido apresenta um percurso investido, tendo terminado a licenciatura em gestão quando tinha 25 anos de idade. 101. Este arguido iniciou atividade profissional aos 24 anos de idade, em regime de tempo parcial, numa empresa vocacionada para a recuperação de crédito de uma instituição bancária. 102. Posteriormente, trabalhou na área da contabilidade numa empresa ligada da cosmética, onde permaneceu cerca de um ano. 103. Movido pelo interesse em alcançar uma situação profissional mais estável, apresentou a sua candidatura ao ..., onde foi admitido em 2005. 104. Ao longo dos cerca de 12 anos de trabalho nesta instituição, exerceu funções diversificadas, tendo sido nomeado subgerente da agência de .... 105. Na decorrência dos factos que ora se consideraram assentes, foi instaurado um processo interno que determinou o despedimento do arguido, em maio/junho de 2016. 106. No plano afetivo, manteve uma relação idêntica às dos cônjuges durante cerca de 10 anos, terminada algum tempo antes de janeiro de 2017. 107. Em janeiro de 2017, o arguido DD encontrava-se de baixa médica, iniciada em agosto de 2016, após a morte do pai, acontecimento que teve consequências na sua estabilidade psico-emocional, que são apresentadas para não desenvolver, à data, a sua atividade profissional. 108. O arguido foi acompanhado em consulta de psiquiatria, tendo-lhe sido diagnosticada depressão major. 109. Integrava, no início de 2017, como integra atualmente, o agregado familiar da mãe que, a par do seu irmão mais velho, se constituíam como o seu principal suporte afetivo e financeiro. 110. O arguido mantém-se desempregado, estando inscrito no ... 111. Desenvolve alguma atividade no setor agrícola, em terrenos propriedade da mãe, que não lhe proporcionam rendimentos suficientes para satisfazer as suas necessidades cotidianas que são asseguradas com o apoio da mãe e de outros familiares. 112. O presente processo tem tido impacto no arguido, que apresenta sentimentos de auto desvalorização. 113. O arguido e a respetiva família são respeitados no seu meio social. * 114. Os arguidos não têm qualquer condenação averbada nos seus registos criminais. * Factos não provados, com relevância para a causa: a. que nas circunstâncias descritas em 2, NN contatasse o arguido AA; b. que o tal indivíduo não concretamente identificado tivesse combinado com os arguidos AA e DD e com NN que caberia a estes as diligências de pesquisa de contas bancárias pertencentes a cidadãos angolanos, não residentes em Portugal, com saldos bancários com elevado valor; c. que os resultados das pesquisas transmitidos, conforme se deu por assente em 10, tivessem sido concretamente impressos em papel; d. que o arguido AA validasse as operações descritas em 16, 22. e 27; e. que o indivíduo não identificado tenha atuado conforme assente em 38. em comunhão de esforços e divisão de tarefas com os arguidos AA e DD; f. que os arguidos AA e DD facultassem, ao indivíduo não identificado, cópia do passaporte de II, bem sabendo que o mesmo iria servir-se de tal cópia para forjar passaportes falsos, com a aposição dos seus dados pessoais, foto e assinatura; g. que o arguido AA não conhecesse NN h. que o arguido AA atuasse, sempre, sob a alçada dos seus superiores hierárquicos no balcão de ... e dos departamentos de compliance e de tesouraria do Assistente, uma vez que estiveram em causa valores internamente considerados elevados e sujeitos a procedimentos diferenciados; i. que em dezembro de 2016, o arguido DD contactasse o arguido AA e lhe transmitisse que um amigo do seu pai lhe disse conhecer um investidor angolano que queria fazer investimentos em Portugal e que esse investidor pedira àquele amigo do pai o favor de verificar os saldos bancários das contas de pessoas que se haviam apropriado de dinheiro que era seu, tituladas no GG j. E que DD pedisse a AA que efetuasse as consultas às contas dessas pessoas que se haviam apropriado de dinheiro que era do investidor e ainda da conta do próprio investidor que identificou como sendo RR para perceber se, na realidade, este seria, de facto, um investidor com posses e credível; k. que AA anuísse em assim proceder exclusivamente por tal pedido advir do seu colega e amigo DD, aceitando a justificação para não ser o próprio a fazê-lo e não questionando a sua motivação; l. que o arguido AA desconhecesse quem fossem RR, HH ou NN apenas tendo sido contactado por DD para lhe solicitar o favor pedido pelo amigo do pai ao próprio; m. que nos dias 18 e 19 de janeiro de 2017, um indivíduo que se identificou como RR, cliente do Assistente, estabelecesse contactos telefónicos para o balcão da ..., tendo sido atendido por AA, e que aquele tentasse obter informações telefónicas sobre as entradas e saídas de numerário da conta por si titulada, cujo respetivo número forneceu; n. que, na sequência, AA, no cumprimento dos procedimentos a que estava obrigado, o informasse, em todos os contactos telefónicos, que não podia fornecer tais informações por essa via; o. e que, não obstante, o arguido consultasse a conta no dia 18 e 19 de janeiro de 2017 por mera curiosidade e em face da insistência do indivíduo; p. que, na data, o arguido AA associasse tal número de conta e o nome do respetivo titular às consultas anteriormente solicitadas pelo arguido DD e achasse estranho que tal cliente não tivesse estabelecido contacto com o Balcão da ..., onde a mesma estava domiciliada, não tendo, no entanto, daí retirado qualquer outra ilação; q. e que tal apenas acontecesse em 27 de janeiro de 2017, quando o arguido DD apareceu no balcão da ... acompanhado de um indivíduo que se identificou como RR; r. que o arguido AA concluísse, e também porque assim lhe foi apresentado nessa mesma ocasião, que o indivíduo que se identificou como RR era o investidor amigo do amigo do pai de que DD lhe havia falado; s. e que concluísse, ainda, que por essa mesma razão o estava a acompanhar naquele dia; t. que o arguido AA desconhecesse as circunstâncias de obtenção do documento que lhe foi mostrado nesse dia, nomeadamente a sua legitimidade; u. que o arguido AA verificasse a identificação do indivíduo e constatasse que a fotografia constante do documento de identificação era da pessoa que ali se apresentava; v. que QQ procedesse, na sequência do que se deu por assente em 57. à conferência da assinatura com a constante da ficha de assinaturas associadas à conta bancária; w. que o arguido AA procedesse, conforme acima exposto, em estrito e cabal cumprimento dos deveres funcionais e procedimentos a que estava adstrito para as operações em causa; x. que no contacto referido em 62., o arguido AA transmitisse estranheza relativamente ao facto de o cliente não se ter dirigido ao balcão no qual tem a sua conta domiciliada e que o respetivo gestor, YY, lhe transmitisse que tal não era de estranhar e que, por vezes, os clientes preferem dirigir-se a balcões onde não são conhecidos, não levantando qualquer questão relativamente à pretensão do cliente e à sua deslocação ao balcão da ...; y. que no dia referido em 25., o arguido AA se dirigisse ao gabinete da gerente OO, dando conta de que o mesmo indivíduo se encontrava ao balcão para realizar um novo levantamento, manifestando estranheza relativamente a novo pedido de levantamento de fundos, de valor avultado; z. que o contacto estabelecido em 69. fosse ponderado, igualmente, pelo arguido AA; aa. que os duplicados das operações fossem entregues ao indivíduo não concretamente identificado com a assinatura da gerente e da subgerente; bb. que também o arguido AA fosse erroneamente convencido que tal indivíduo era o legítimo titular daquelas quantias. cc. que o arguido DD apenas conhecesse aquele que se fazia passar por RR, no dia 27 de janeiro de 2017, no ..., tendo este sido apresentado como cliente do BANCO GG, por NN, conterrâneo do primeiro e pessoa que havia sido amigo de longa data do seu pai; dd. que NN já anteriormente tivesse contado ao arguido DD que tinha um conhecido, um investidor angolano de posses, que, era cliente do GG ee. que NN contasse ao arguido DD que havia travado conhecimento com um investidor com posses, que pretendia investir em Portugal, nomeadamente em imóveis; ff. que, no seguimento de conversa entre NN e o cidadão angolano, aquele tenha referido a este que tinha um amigo, o arguido DD, que, por virtude dos seus contactos na área comercial do Banco onde trabalhava, conhecia oportunidades de negócio de imóveis que constituíam excelentes investimentos; gg. que NN contasse a DD que tinha falado ao cidadão angolano que este arguido sabia de uma oportunidade especifica de negócio, consubstanciada na venda de uma propriedade denominada ... que tinha as características que o cidadão angolano procurava; hh. que o arguido DD tivesse referido anteriormente a NN que tinha conhecimento de que existia uma Herdade sita em ..., a acima referida ..., na qual um seu amigo de longa data era o engenheiro agrícola responsável e que teria direito a uma comissão caso conseguisse angariar um comprador; ii. que NN abordasse o arguido DD, afirmando que o seu conhecido havia manifestado interesse em ver o imóvel acima mencionado, mas que também tenha referido que, no seio de conversas entre ambos, havia dito que o arguido DD trabalhava no GG jj. que NN referisse que o nome do conhecido era RR e que lhe havia solicitado que pedisse ao arguido DD um “favor”, já que não estava contente com o seu gerente de conta e que, por conseguinte, não se encontrava satisfeito com o GG kk. que o NN mais tenha contado que esse RR tinha dito que tinha suspeitas que pessoas com quem tinha negócios haviam desviado dinheiro que era seu, e que o haviam transferido para contas abertas no GG ll. que o NN mais tenha referido ao arguido DD que RR lhe transmitira que estava decidido a instaurar procedimentos em Tribunal, com vista a recuperar esse dinheiro que a si pertencia, mas que pretendia saber se este ainda se encontrava nas contas daqueles que o haviam desviado; mm. que o NN mais tenha contado ao arguido DD que RR também se havia queixado que, para efetuar operações na sua conta no BANCO GG, era tudo muito complicado, passando por tramitações e burocracias a que não estava habituado e que não compreendia, tendo dado a entender que poderiam ter existido irregularidades por parte do BANCO GG que, de alguma forma, tinham permitido a apropriação do seu dinheiro, tanto que o dinheiro tinha ido parar na contas dos sobreditos indivíduos no GG nn. que NN transmitisse ao arguido DD que RR lhe havia pedido para lhe pedir um favor, designadamente se este podia verificar se os sobreditos indivíduos ainda tinham o dinheiro (que seria dele, RR) nas contas abertas no GG oo. que o arguido DD acreditasse na história que NN lhe contou, até porque este gozava da mais estreita confiança junto daquele. pp. que o intuito do arguido DD e de NN fosse o de ganhar a confiança de RR de forma a poder facilitar a apresentação de negócios a este, mormente aquele sito no ...; qq. que o arguido acedesse ao pedido e que NN lhe entregasse, então, os extratos bancários dos sobreditos indivíduos, de forma a poder identificar as contas e para confirmar se os saldos ainda lá estavam; rr. e que, nessa sequência, o arguido DD contasse ao arguido AA o que o NN lhe tinha contado; ss. que uma vez que o arguido DD se encontrava de baixa médica e, consequentemente, sem acesso às bases documentais do BANCO GG, pedisse ao arguido AA que efetuasse as consultas às contas daqueles que supostamente se haviam apropriado do dinheiro de RR; tt. que AA tenha consultado a conta de RR no BANCO GG mas, desta feita, apenas para se perceber se, na realidade, este seria, de facto, um investidor com posses e credível; uu. que o arguido AA transmitisse o resultado das suas averiguações, que os valores se encontravam sensivelmente nos mesmos saldos dos extratos que foram entregues ao arguido DD, e que este transmitisse esta singela informação a NN, que a retransmitiu a RR; vv. que, posteriormente, NN contactasse o arguido DD, transmitindo os agradecimentos de RR, e bem assim, o desejo deste em ir visitar o supramencionado imóvel sito no ..., pois estaria muito interessado no mesmo, assim como queria ir visitar um imóvel que também estava para venda, denominado ..., em ...; ww. que, no entanto, em janeiro de 2017, NN mencionasse que RR pretendia ir ao banco efetuar umas operações ao balcão, mas que não queria ir ao balcão da sua conta, pois que não estava satisfeito com as pessoas que com ele lidavam na agência do BANCO GG em causa; xx. que o arguido DD pedisse a NN para informar RR que o GG não era mais difícil nem mais fácil que outro Banco português, e que não se importava de o ajudar, até como forma de, na sua boa fé, fidelizar o cliente ao Banco, sua entidade patronal. yy. que o arguido DD dissesse a NN que poderiam ir ao balcão onde se encontrava AA, pois este era um funcionário competente e, certamente, poderia ajudar RR daí para a frente, desde que este passasse a conta para esse balcão do GG zz. que NN referisse ao arguido DD que RR lhe disse que, no mesmo dia em fosse ao balcão do BANCO GG fazer as operações, queria conhecer o arguido DD e que, depois poderiam ir visitar a ... e marcar uma data para, posteriormente, irem visitar o imóvel sito no ... de que lhe haviam falado, pois, segundo NN, estaria muito interessado em ver estas duas propriedades. aaa. que ficasse, então, combinado entre o arguido DD e NN, o qual referiu ter colhido o assentimento de RR nesse sentido, de que iriam encontrar-se no balcão do ...antes da hora de almoço e que, de seguida, iriam almoçar, e que, nesse mesmo dia, à tarde, iriam todos ver o imóvel denominado .... bbb. que, no dia combinado, 27 de janeiro de 2017, o arguido DD se encontrasse com NN e que fossem, os dois, ter com o conhecido deste, RR, ao balcão da ...; ccc. que pelo facto do indivíduo se ter identificado como RR, se encontrar bem vestido, com roupa de marcas caras e ser extremamente “bem falante” levasse o arguido DD a não desconfiar das intenções deste; ddd. que o arguido DD se apercebesse que a pessoa que se identificou como RR levantou dinheiro, mas que não se apercebesse, pela distância que guardou, que este pediu para agendar um levantamento de €260.000,00; eee. que por o arguido DD saber que o BANCO GG tinha e tem sistema de fiscalização e compliance apertado e pelo facto de RR se ter dirigido à agência pessoalmente, e ter logrado efetuar as operações que pretendeu, sem qualquer indício de irregularidade, cimentasse a confiança no arguido de que RR seria um empresário de posses, não lhe tendo sequer “passado pela cabeça” que o homem que lhe foi apresentado por NN não era a pessoa que afirmava ser; fff. que quando saíram da agência ..., aquele indivíduo dissesse ao arguido DD e a NN que, afinal, não tinha tempo para ir almoçar nesse dia com eles nem ir ver o imóvel à tarde, pois tinha uma viagem marcada para ..., para adquirir um imóvel aí, pois a sua filha ia estudar lá, mas que tenha agradecido imenso ao arguido DD por ter comparecido e por o ter apresentado a AA; ggg. e que esse indivíduo mais referisse que, quando regressasse de viagem, iria almoçar e iria ver os ditos imóveis. hhh. que o arguido DD jamais voltasse a ver esse indivíduo; iii. que o arguido DD não tivesse conhecimento dos levantamentos posteriores efetuados por “RR”; jjj. e que apenas tomasse conhecimento dos levantamentos posteriores no balcão … quando recebeu um telefonema de AA, através do qual, este, manifestamente perturbado, o informou que o Banco havia tido conhecimento que o homem que se apresentou como RR não era afinal quem dizia ser e que o verdadeiro RR negava ter efetuado qualquer um dos levantamentos de dinheiro; kkk. que o arguido DD entrasse em pânico e contasse a NN o que AA lhe havia relatado, tendo aquele afirmado não saber o que se passava, mas tendo-se mostrado visivelmente preocupado; lll. que o arguido DD só soubesse dos levantamentos supostamente efetuados por HH, falsamente em nome de RR, por AA, após o Banco ter dado o sinal de alarme em relação aos mesmos. mmm. que o arguido DD não tivesse qualquer intervenção ou benefício com o dinheiro de que aquele indivíduo não identificado se apropriou da conta de RR; nnn. que o arguido DD, ao deslocar-se presencialmente, naquele dia, ao balcão onde o levantamento deveria ser efetuado, soubesse que seria filmado pelas câmaras de vigilância. * Motivação da Decisão de Facto A convicção do tribunal, relativamente à matéria de facto descrita na acusação e que ora se deu por assente, estriba-se na análise crítica e concatenada das declarações dos arguidos, depoimento das testemunhas e dos documentos juntos aos autos. O AA tem declarações muito hesitantes, num discurso muito temeroso, com uma postura corporal que demonstra comprometimento. Este revela que, atualmente, trabalha no ... desde … de 2021 e que, antes, trabalhou por conta própria. Em 2016, trabalhava no GG Nesta instituição, fizera um estágio de 3 anos, no balcão de ..., presumindo-se, até pela leitura do seu currículo, que quisesse afirmar 3 meses. Depois, transitou para o ... e, finalmente, para o de .... Aí, por força do que se discute nos autos esteve suspenso durante um mês e a instituição bancária não lhe renovou o contrato. Na agência de ..., exercia as funções de assistente comercial, competindo-lhe serviço de caixa a tempo inteiro e fazer contactos comerciais com os clientes de carteira do balcão. Naquela Agência, trabalhou, quando terminou o seu serviço, com a OO como gerente e com a subgerente PP. O balcão tinha uma média de 6 colaboradores, alguns deles alternando com outro balcão. O arguido AA declara que conhece o seu coarguido DD por este ter sido seu tutor no ... o que é revelador do ascendente que este exercia sobre si. O declarante acrescenta que este arguido DD é que lhe ensinou a prática bancária. Assim, não desconhecia que o arguido DD estava de baixa, pelo menos desde novembro de 2016. O DD, em dezembro, ligou ao declarante a perguntar se seria possível fazer umas consultas a um cliente, uma vez que conhecia alguém que precisava de fazer investimentos. E esclareceu, mais à frente que se tratava de um conhecimento de um amigo seu e que queria fazer uns investimentos, não tendo recebido mais informações. Nessa altura, segundo sabe, o arguido DD estava no balcão de … ou das .... O arguido AA defende-se com o argumento de que não viu mal nenhum naquela pesquisa visto que o arguido DD também era bancário e estava sujeito a segredo profissional. Assim, deu-lhe as informações pretendidas (saldos médios, movimentos a crédito e a débito) sobre o cliente de que não se recorda o nome. Este era, indica, um cliente 360º, que tinha saldos a prazo e à ordem e que teria sido enganado por umas pessoas com quem se relacionaria comercialmente. E admite que realizou estas pesquisas com as suas credenciais. Questionado, o arguido não sabe explicar porque motivo é que o arguido DD não se dirigiu à agência onde exercia funções, mesmo estando de baixa, onde poderia reencaminhar o cliente para um colega seu de balcão. Perguntado, o arguido AA declara-se ciente de que foram apreendidos documentos na carrinha ... do arguido DD, mas assevera que nunca os viu. O arguido DD falou algumas vezes consigo ao telefone, como era hábito e, depois, o declarante atendeu o cliente que se apresentou no balcão com aquele. Na qualidade de funcionário bancário, o arguido AA, mesmo que se sentisse instrumentalizado e atuando por força do ascendente que o arguido DD detinha sobre si, não poderia deixar de reconhecer que não poderia fazer a pesquisa e que estava a atuar de modo a facultar o acesso de um terceiro às informações e, depois, aos depósitos do verdadeiro titular da conta. Comente-se que a presença do arguido DD no balcão não era indispensável à apresentação do cliente ao arguido AA que, como se visiona no registo de CCTV junto à contracapa do volume I, parecia já estar à espera do cliente. Mesmo não sendo evidente que o arguido AA já conhecia fisicamente o indivíduo que se identifica como RR, crê-se que a presença do arguido DD no balcão serviria para garantir que o plano seria executado conforme acordado entre todos. O arguido AA admite que estranhou o facto do cartão de identificação do cliente estar caducado, mas ele apresentou-lhe um passaporte que, na altura, lhe pareceu autêntico, não tendo desconfiado que fosse falso. Assim, reclama que pensou, sempre, que atendia RR, que se apresentou acompanhado do arguido DD. A pessoa que se apresentou ao balcão, e que reclama ver pela primeira vez, pediu-lhe para consultar os valores que tinha à ordem (não se recordando do montante) e a pedir um levantamento de € 20 000,00. Depois de pedir os elementos de identificação, inseriu esse pedido no sistema, saindo, como sempre, alerta para a gerência do balcão, para que esta pudesse confirmar a operação. Questionado, afirma estar em crer que, no primeiro levantamento, foi dado o “OK” pela BBB. O cliente pediu-lhe, ainda, para fazer reserva de numerário €260.000,00. Para tanto, fez o pedido à Tesouraria Central, através de e-mail, solicitando a disponibilização do montante no dia combinado. O cliente assinou uma declaração a informar que pretendia fazer um investimento e compras de imóveis. Desconhece o declarante quem validou o pedido na Tesouraria Central. Esclarece, a pergunta feita, que estava sempre à caixa, sendo apenas substituído à hora do almoço. Ainda que o visionamento das imagens pareça desmentir o arguido AA – o arguido DD apenas parece ter acompanhado o “cliente” no primeiro dia – aquele afirma que entregou os € 260 000,00 com este presente, que permaneceu junto aos sofás do estabelecimento. Este primeiro arguido afirma que quer acreditar que tanto ele como o seu coarguido foram envolvidos num esquema e declara desconhecer o que é que o arguido DD ganharia com isto. O arguido AA admite que tirou cópia do documento de identificação – do passaporte – e anexou ao pedido de levantamento, como faz parte das boas práticas bancárias. Telefonou ao gestor de conta do cliente – este era cliente da agência da ... - a dar conta do levantamento e da reserva de levantamento e este achou normal a operação, pois que é frequente os clientes irem levantar dinheiro a outras agências. E conclui, sempre defensivamente, que não lhe foi pedido nada que não pudesse ser solicitado noutro balcão. Quanto ao terceiro levantamento, reitera, também aqui, que este voltou na presença do arguido DD. Nesse dia, apresentou-se para levantar €30.000,00. Nesse momento, fez o que costuma fazer com todos os clientes - pediu a identificação do cliente e obteve a autorização da gerência (a PP ou a OO autorizaram, conclui). E afirma que não viu, no sistema, a indicação de que o gestor de conta tinha contatado o cliente e que este estaria em .... O “cliente” comentou que tinha tido uns negócios em Portugal, que tinha sido burlado e que queria saber se o dinheiro ainda estaria nas contas para tomar as necessárias providências legais. Admite, assim, que fez as consultas, pesquisando se existiam valores nas contas das pessoas indicadas no artigo 6º da acusação. E assevera que confirmou as assinaturas produzidas pelo cliente com as constantes do sistema. Assim, a fotografia constante da identificação do sistema – a do passaporte caducado – parecia-lhe a da pessoa que estava ali. Na altura em que atendeu o “cliente”, tirou uma posição integrada, mas não imprimiu extratos, afiança. Feita a exibição de fls. 12, 13 e 16, não coloca em causa tratarem-se do passaporte constante do sistema e do que lhe foi exibido. O passaporte que lhe foi exibido foi visto pela gerência do balcão quando foi assinar a documentação de comprovativo do levantamento de €20.000,00. No primeiro levantamento, foi a GBANCO GG (gerente de negócios) que deu a autorização. A gerente e a subgerente, esclarece, tinham ido almoçar. O arguido atualizou o número de contacto telefónico no sistema a pedido do “cliente” – o que não poderia deixar de lhe ter causado, observe-se, ante todas as peculiaridades do atendimento especial estranheza – para depois o informar da data em que o valor do segundo levantamento estaria disponível. Segundo o arguido AA, não existe obrigatoriedade de informar a gerente sobre o pedido de reserva de numerário. No final do dia, a gerente analisa e assina os documentos produzidos com assinatura de cliente e visa. O arguido afirma que faz parte dos procedimentos a atualização, no sistema, de documentos que estejam caducados e afirma que não sabe explicar o motivo pelo qual não conduziu o cliente para a colega GBANCO GG para que esta atualizasse tais elementos. Assim, admite que não carregou o passaporte para o sistema, limitando-se a tirar fotocópia do passaporte para instruir o pedido, desconhecendo, se esta cópia terá sido, depois, introduzida na ficha do cliente. Exibidas as imagens do sistema de videovigilância impressas a fls. 130 a 136, o arguido identifica-se como a pessoa que está atrás do balcão, bem como o arguido DD. Feita a exibição dos fotogramas de fls. 137 a 142, reconhece-se na mesma posição, ali não encontrando o arguido DD. E confrontado com os fotogramas de fls. 144 a 157, reconhece-se a si e reconhece o arguido DD na última fotografia de fls. 154. Acontece, porém, que se constata que esta fotografia é de 27 de janeiro e não de 31 de janeiro, estando, efetivamente, fora da ordem cronológica. O arguido AA esclarece que, se o levantamento tivesse sido feito no balcão onde a conta estava domiciliada, seriam feitas mais diligências para evitar o levantamento, já que os funcionários têm instruções para tentar convencer os clientes a permanecer no Banco – afirmação algo contraditória com o convencimento de que o dinheiro estava a ser movimentado para um investimento imobiliário. O arguido declara não se recordar da reação do gestor de conta quando informado do terceiro levantamento (o de € 30.000,00), mas assegura que antes de ser autorizada esta operação, que aquele foi contactado por ele ou pela OO. Questionado, o arguido AA esclarece que a hora de almoço, naquele balcão, não costumava ser movimentada. Em ... de ... de 2017, esclarece, já não estava no BANCO GG, pois já tinha saído em maio. O arguido DD tem, igualmente, declarações muito comprometidas. Afirma que o único contacto que teve com o “cliente” foi na primeira situação, conhecendo-o à porta do balcão, onde lhe foi apresentado por NN O arguido estava de baixa desde agosto (data de falecimento do pai). O NN era amigo do seu pai. Este dedica-se à agricultura numa zona onde havia muitas vendas de terrenos a Africanos. Era do conhecimento público que este tinha negócios com pessoas oriundas de países africanos. Assim, em dezembro, o arguido parou numa bomba de gasolina para almoçar com um amigo, o UU e o NN aborda-o dizendo que conhecia um investidor angolano, ligado a um grupo com muito capital, que queria investir em Portugal. Deste modo, o arguido pensou que poderia ganhar com um futuro negócio, apresentando-o UU, coincidentemente engenheiro agrícola, ligado a uma empresa que tinha, para venda, a ..., por 9 ou 10 milhões de euros. E afirma que se sentaram os três à mesa, falando, então, apenas da .... Ninguém, no entanto, falou em comissões ou percentagens, mas anteviu que poderia ganhar algum dinheiro com uma intervenção /apresentação desta Ilha no .... Uns dias mais tarde, o Senhor NN transmitiu-lhe que o Dr. RR ficou entusiasmado com o negócio. E disse-lhe que este tinha perguntado se o seu amigo era de uma imobiliária e que ele teria respondido que não, que era bancário, mostrando-se interessado em obter umas informações. Assim, o arguido ficou entusiasmado com a possibilidade de se realizar o negócio, que lhe parecia real, até porque, na sua zona, em 2016/2017, havia muitas propriedades a serem compradas por ... O ora declarante admite, a pergunta feita, que não estava autorizado a ter extratos de clientes na sua posse, mas o senhor NN disse-lhe que o senhor estava muito descontente com o seu banco, que tinha um problema muito sério no BANCO GG Segundo aquele, o senhor teria sido enganado pelos sócios e não tinha modo de confirmar se o dinheiro ainda se encontraria nas contas destes. Assim, o arguido dispôs-se a ajudar e aceitou os extratos. Pelo que os extratos encontrados no seu carro foram os entregues pelo NN em dezembro. À data, o arguido era subgerente no ...e teria permutado com a colega das ..., mas a gerência tinha-lhe pedido para voltar para …, pelo que considera, assim, que estava “entre balcões”. Decidiu-se a contactar o arguido AA, falando-lhe do tal investidor, decisão de que ora se arrepende por ter envolvido o seu colega nesta situação. Nesse contacto, falou-lhe ainda, dos 3 indivíduos contra quem ele quereria instaurar ações judiciais por considerar ter sido enganado. Na altura, não viu problema em pedir o apoio do AA. O arguido DD discorda da afirmação que o arguido AA fez, de que ele estivera a acompanhar o “cliente” na segunda e terceiras visitas ao banco, já que apenas ali esteve da primeira vez, como parece resultar, efetivamente, do registo de videovigilância da agência. E declara, igualmente, que não lhe pediu para ver os “saldos médios”, pedindo-lhe apenas para confirmar se os saldos eram “mais ou menos” aqueles. Assim, diz que perguntou ao AA para confirmar se eram esses os valores que permaneciam, mais ou menos, na conta e este confirmou-lhe que aqueles valores estavam, “mais ou menos” nas contas. Pediu ao AA que visse a conta do “RR” e dos sócios que ele queria demandar. Sem apresentar razão válida para não ter recorrido ao seu balcão, este declarante explica que queria agradar ao cliente e, daí, tê-lo apresentado ao arguido AA. Ainda que não seja suficiente para medir a intenção do arguido, a admissão de que pretendia auferir um ganho previsivelmente avultado com esta intermediação, alavancando-se num favor que presta em virtude da sua qualidade de empregado bancário, numa altura que estaria de baixa alegadamente por depressão na sequência do falecimento do seu pai, é reveladora do padrão moral revelado por DD nesta atuação. Sendo que a circunstância de ter recorrido a uma pessoa em relação à qual sentiria ascendente reverencial ou profissional é, igualmente, elucidadora desse seu caráter. O arguido DD revela que a sua intenção, ao entrar na agência, foi fazer a apresentação do “RR”. Para tanto, telefonou um ou dois dias antes para o AA e marcaram o dia em que se deslocaria à agência com o “cliente”, não tendo assistido à conversa entre este e o seu, então, colega. Foi combinada uma hora perto do almoço, até porque era suposto ir almoçar com o “RR”. O NN ficou na rua, não entrando na agência, não conseguindo precisar se este ficou dentro do carro. Este veio de ... consigo, na sua viatura. Já o “RR” veio com outro indivíduo que permaneceu dentro do carro. Quando saíram do balcão, o “RR” anunciou-lhes que não iriam almoçar porque teria de ir para ..., tendo uma viagem marcada porque a filha ia estudar para aquela cidade. Quando o arguido AA, desesperado, falou consigo no ..., o ora declarante ligou ao NN para saber o “que era aquilo”. O NN disse que o telemóvel do indivíduo estava desligado. O NN disse que conhecia o investidor, mas não lhe disse donde o conhecia, sendo que o arguido jamais o questionou antes “disto ter rebentado” por ter ficado com a perceção que este já teria negócios com ele. E acrescenta que o NN lhe disse, então, que tinha conhecido o indivíduo, numa situação ocasional, num Centro Comercial. E ainda que o NN falou deste indivíduo como tendo muito potencial e este é que foi definindo o timing dos contactos e estabeleceu, sempre, as ligações com o indivíduo. Quanto ao arguido AA, define-o como seu amigo e pessoa da sua confiança. Falavam diariamente e, para mais, o declarante via-o como imensamente competente. Questionado, declara que não se conformou com o processo de despedimento de que foi alvo, tendo impugnado o despedimento (como confirma o documento junto sob a ref.ª citius nº 22169558). Este arguido reclama que jamais recebeu o que quer que fosse por força deste contacto que teve com o indivíduo que entrou, com ele, na agência da .... A testemunha YY, Gestor de contas 360º, ao serviço do BANCO GG, assume-se como o gestor de conta de RR, no balcão da ... (5 de Outubro). O depoente confirma que, em 2017, verificou-se um movimento na conta. Em 7 de fevereiro, foi informado de que havia estes movimentos estranhos. E foi informado, uma semana ou duas semanas antes, de que o cliente estava em Portugal e que iria levantar umas verbas. Estranhou, porque quando o cliente RR vinha a Portugal procurava-o e ia ter, sempre, consigo. Foi, assim, informado pelo Balcão da ... que o cliente tinha pedido a mobilização de uma aplicação para levantamento. E esclarece que foi avisado pelo balcão no dia ou na véspera em que ia ser feito o movimento. O cliente tinha, conta, um telemóvel de Angola e outro português, pelo que o depoente telefonou, então, para um número português. Para tanto, carrega o número no sistema informático para fazer, automaticamente, a chamada e falou, então, com alguém que se identificou com o sendo o RR. O depoente ficou convencido, então, que estava a falar com o cliente pois a conversa foi muito rápida. A descontração do seu interlocutor foi, conclui-se, espantosa, pois que a testemunha esclarece que este se lhe dirigiu imediata e rapidamente, com muito familiaridade, respondendo-lhe “Olá III, como está?” e dizendo-lhe que, depois, passaria no balcão. E essa pessoa disse-lhe que estava numa reunião, mas que lhe surgira a possibilidade de um negócio. Assim, ficou convencido, naquele dia, que estava a falar com o verdadeiro cliente. Estranhou ele ter ido a outro balcão, mas entendeu que o cliente era “soberano”, tendo a liberdade de ir ao balcão que entendesse fazer a operação. O certo é que ele disse que falaria consigo e acabou por não o fazer e, uma vez que o dia 7 de fevereiro era o dia de aniversário do cliente, acabou por voltar a ligar para aquele número de telefone para lhe dar os parabéns e para saber se ele ia ter consigo, se ia querer reunir consigo. Do outro lado, atenderam e desligaram o telefone. Entretanto, insistiu mais duas vezes e desligaram em ambas as vezes. Só conseguiu contactar com o verdadeiro cliente quando contacta para o telemóvel angolano que se mantinha inserido no sistema. E veio à baila a conversa que tinham tido dias antes. O seu cliente disse-lhe, então, que ia falar consigo quando fosse a Portugal. O depoente sabia que o cliente era ... do ... e este informou-o que estava em reunião dos Bancos Centrais em .... A testemunha entrou em contacto com o balcão da ... e deu conhecimento que o cliente não estava em Portugal. Questionada, desconhece se foram tomados todos os passos na agência da .... E confirma que deve ser sempre pedida identificação ao cliente, com documento válido. A identificação, se for alterada, devia ser introduzida no sistema. O depoente, questionado, esclarece que não tem acesso aos logs de acesso ao sistema que determinou a alteração do número de telefone. Quando há uma alteração na estrutura informática a que tem acesso, apenas lhe aparece o documento que está em vigor. O depoente, quando foi inquirido na Polícia Judiciária, já sabia que o passaporte estava viciado. E, efetivamente, não tem dúvidas em afirmar que as fotos eram diferentes, “não tem nada a ver um e outro”, atalha. O depoente esclarece que o BANCO GG ressarciu o cliente quando este se deslocou a Portugal. Foi ressarcido em duas tranches, a segunda passados 3 ou 4 meses. A testemunha confirma que foi contactada pelo balcão da ... e esclarece que é um hábito o contato partir do funcionário da caixa. É habitual, diz, as entradas ou saídas significativas de recursos serem assinaladas por e-mail ou por telefone, mas não existe uma verdadeira norma ou instrução que o imponha. É uma cortesia, explica. Assim, pensa que foi informado, na véspera, da saída de dinheiro (da maior saída, de €260.000). A testemunha, segundo se recorda, não foi contactada por outro departamento, nomeadamente de Compliance ou de Tesouraria. E confirma que um movimento deste valor precisa sempre de autorização do gerente, do subgerente ou de um outro autorizador. Este autorizador verifica a conta, as condições de movimentação e a disponibilidade de fundos. Geralmente, o autorizador só no fim da operação é que verifica as assinaturas e os movimentos. Esta saída de €260.000,00 não correspondia, admite, a um movimento habitual. Neste cliente, era habitual não haver movimentação, oferecendo-se ao tribunal comentar que esse perfil não poderia deixar se ser observado pelo arguido AA nas várias pesquisas que efetuou a esta conta. A responsabilidade da declaração constante de fls. 17 era do cliente, reconhece a testemunha. Este pode escrever o que quiser, esclarece. Estes documentos vão depois, para algum departamento - departamento de compliance- e estima e que este tem o dever de o enviar às autoridades. OO, empregada bancária ao serviço do BANCO GG, colocada, neste momento, no ..., declara que, em 2017, era gerente da agência de ..., funções que assumiu no dia 30 de janeiro desse ano. Nessa altura, foi-lhe transmitido pelo arguido AA que havia um cliente que queria fazer um levantamento avultado. A testemunha questionou-o se estavam acautelados os procedimentos de segurança – comunicação ao Departamento de Compliance e ao balcão e este anuiu. No dia em que o senhor veio fazer o levantamento, o AA comunicou consigo para iniciar os procedimentos de autorização. Pela forma como o arguido falava, parecia-lhe que o “cliente” fosse uma pessoa conhecida do balcão. Da sua parte, como autorizadora, verificou a assinatura que estava colocada no formulário era semelhante à constante da ficha que constava do sistema informático. Os levantamentos de caixa independentemente do valor, esclarece, têm de ser validados por um autorizador, a quem compete conferir a identificação da pessoa e se a assinatura corresponde àquela que está no sistema. Ou seja, é necessário conferir se o documento que a pessoa exige é a da pessoa que ali está no balcão. A assinatura que o “cliente” fez à sua frente correspondia à que estava no sistema, reitera. E reconhece que viu o passaporte que o cliente exibiu no momento, confirmando ser o de fls. 16. Na altura, admite que não desconfiou. Mas esclarece que, por lhe parecer uma pessoa conhecida – era notória a confiança e familiaridade com o AA - “baixou a guarda”. No final do dia, o gerente valida os documentos processados na caixa. No entanto, a depoente admite que, no final do dia, na qualidade de gerente, já não dá tanta atenção ao documento, por já o ter visto por ter intervindo como autorizadora. Depois deste procedimento, a documentação vai para o departamento de Compliance, desconhecendo qual a continuidade que lhe é dada. No dia 7, o mesmo senhor volta à agência pela hora de almoço. E, quando chega, o AA passa com um maço de notas. O arguido AA disse-lhe que ele vinha levantar o resto do dinheiro para o investimento que ia fazer. A testemunha pediu para ele aguentar a entrega do dinheiro e falou, ela própria, com o gestor de conta do cliente. E este disse-lhe que o cliente lhe disse que queria fazer o negócio desta forma, resultando meridianamente claro do depoimento de YY os motivos que o levaram a estar convicto de que esta era a vontade do cliente. A testemunha disse então, perante esta resposta, para o AA entregar o dinheiro. Ao final do dia, o gestor ligou e disse que o senhor que levou o dinheiro não era o dono da conta, o que causou, naturalmente, grande consternação. A testemunha telefonou para a inspeção e para a direção do Banco. Os dias foram passando sem se perceber muito bem o que se tinha passado. A depoente regista que reparou, depois, que a hora dos monitores de videovigilância do banco não estava certa. A depoente pediu para fazerem o acerto da hora. O segurança comunicou-lhe que os cabos estavam desligados e a testemunha, na altura, não ligou. Todavia, os cabos foram mudados entre aqueles dias, crendo que entre o primeiro e o segundo levantamento. A circunstância dos cabos estarem desligados exigiu que fosse um técnico extrair imagens ao local, não o conseguindo fazer centralmente. Após a intervenção do técnico, foi possível visualizar o registo de videovigilância. Ao visionar as imagens do sistema de videovigilância, a testemunha percebe que há uma pessoa no balcão a estudar os movimentos e a olhar, várias vezes, para as câmaras. E verifica que existe outra pessoa que estava a ser atendida. A testemunha percebeu que o AA era um rapaz que tinha origem humilde e que teria pouco apoio dos pais. Os avós é que tomaram conta dele. Mas via-o como um “miúdo muito querido”. A testemunha assevera que, à hora a que foi pedido o dinheiro, ninguém via os e-mails. Na verdade, estava-se a operar a transição da gerência e a hora a que é tratada a vinda do dinheiro (momento em que é feita a reserva de €260.000,00) coincidiu com essa reunião de passagem de pasta, que tem um membro da direção como testemunha. E a constatação que o tribunal faz da oportunidade desta reserva é, como também conclui a testemunha, de estranheza. Questionada, a testemunha afiança que os colaboradores sabiam que esta reunião ia ter lugar. A testemunha confrontou, depois de ver as imagens, o arguido AA. Perguntou donde é que conhecia o senhor (o suposto cliente). Este negava que o conhecesse e a testemunha confrontou-o dizendo que se não conhecesse um, então conhecia o outro, o que permanece no estabelecimento e que estava a estudar os movimentos. Perguntou-lhe, depois, se os conhecia da noite. Apenas após pressionar muito o arguido para que a esclarecesse é que este admitiu que conhecia o arguido DD, chamando-a ao computador e mostrando-lhe a foto deste. A testemunha informou a inspeção, de imediato. A depoente explica que este balcão de ... era muito sossegado. Tinha poucos funcionários, mas pouco movimento, sendo, assim, pouco propício aos erros. À data, apenas o arguido e outro colega é que prestavam serviço de caixa. Quando o arguido AA se ausenta, esse outro colega assume essas funções. Quanto ao transporte de valores, este é feito em determinados momentos. Se o cliente necessitar do dinheiro, a gerência pode pedir, antecipadamente, encetando um conjunto de procedimentos internos com vista a assegurar a satisfação do valor em numerário. No dia 31, estava disponível o dinheiro que o “cliente” tinha solicitado. A testemunha esclarece que na data ainda seria possível adquirir imóveis por aquele valor em numerário e o certo é que o aditamento do artigo 63º – E ao Código Tributário, (que estabeleceu a proibição de pagar ou receber em numerário em transações de qualquer natureza que envolvam quantias iguais ou superiores a €3.000,00 ou o seu equivalente em moeda estrangeira, ou iguais ou superiores a €10.000,00, ou o seu equivalente em moeda estrangeira, sempre que o pagamento seja realizado por pessoas singulares não residentes em território português e desde que não atuem na qualidade de empresários ou comerciantes) foi feito, posteriormente, pela Lei n.º 92/2017, de 22 de agosto. OO confirma que o arguido AA era caixa/tesoureiro, competindo-lhe providenciar pelo pedido à tesouraria central. O arguido AA solicitou a declaração de destino de fundos ao cliente e fez as comunicações ao departamento de Compliance. Ao processo foi anexado o talão de levantamento e a declaração de proveniência de fundos. QQ, bancária com o cargo de gestora de negócios, no BANCO GG, declara que, em 2017, exercia funções no Balcão da ... e confirma que foi autorizadora de um movimento em numerário que o arguido AA fez, estando em crer que se tratou do montante de €30.000,00. Naquele dia e naquela hora, a testemunha era a única que estava no balcão apta a dar autorizações. Estima que, para estar sozinha, devia ser hora do almoço. O AA pediu autorização por via telefónica, através da sua extensão. Assim, a testemunha não se deslocou à caixa, limitando-se a analisar no sistema. Atuou, pois, admite, na base da confiança. O arguido disse-lhe, na altura, que aquele era o cliente titular da conta. A autorização era necessária apenas devido ao plafond, já que estava em causa um movimento superior a €5.000,00. A testemunha explica que era uma funcionária com posto móvel, fazendo mais dois balcões, pelo que apenas depois veio a saber o que ali se passara. Naquela data, era a OO a gerente, enquanto PP era a segunda responsável do balcão. A testemunha foi confrontada com fls. 7 e com fls. 9, mantendo-se em dúvida qual dos dois movimentos autorizou. A depoente esclarece que o sistema só emite estes documentos de fls. 7 e 9 se o movimento estiver autorizado por um “autorizador”. LL, atualmente … era, à data, inspetora bancária. Esta depoente tem um depoimento particularmente lúcido, objetivo e isento, revelando-se muito importante para a descoberta da verdade, quer pela capacidade que demonstra em relatar os factos que apurou no momento em que realizou a inspeção que culminou na participação disciplinar, quer pela aptidão para convencer o tribunal do acerto e bondade das conclusões que ali verteu. A testemunha, em face do que apurou, não teve qualquer dúvida em concluir que o arguido AA esteve envolvido ativamente no esquema enganoso. Efetivamente, o cliente não tinha conta ali, não havendo qualquer justificação para o arguido fazer qualquer consulta de saldos de movimentos e de saldos médios, desde 2016, daquele cliente. As consultas que apurou terem sido feitas envolveram não apenas aquela conta do cliente “burlado”, como outras contas de terceiros. Assim, confirma que foram feitas consultas à conta de II relativas ao período de 2016 e 2017, bem como dos clientes descritos no artigo 5º da douta acusação. Depois, as visitas do falso cliente ocorreram todas na hora do almoço quando, providencialmente, não estava ninguém da gerência. O arguido AA já tinha preparado o terceiro levantamento, pensa que o terceiro, contrariando uma regra interna que consiste na proibição do caixa ter o plafond na gaveta, que deveria estar na tesouraria. Depois, a depoente notou, ao visionar o registo de videovigilância, que o arguido AA contraria outra regra básica que, efetivamente, nota o tribunal, define as suas reais intenções. Em nenhuma situação, aduz, o empregado pode virar a ficha de assinatura para o cliente e isso aconteceu como se nota do registo de videovigilância apenso à contracapa. Depois, o número de contacto foi inserido, de novo, nesta ocasião. Não sendo gestor, o funcionário não poderia ter feito essa alteração e o arguido AA justificou-a para contactar o cliente, mas o certo é que, como se veio a constatar, a indicação desse número de contacto era fraudulenta e foi instrumental e decisiva para que o verdadeiro cliente não fosse alertado. A depoente apurou que o técnico que foi à agência terá mencionado no relatório que existia um problema de rede, o que impedia a gravação pela central, mas o certo é que as imagens ficaram registadas no sistema informático da agência, apesar dos cabos terem ficado desligados, como o técnico comunicou à gerente OO, como já se depreendeu do depoimento desta. As imagens puderam ser resgatadas, pelo que apenas durante a inspeção é que o arguido AA se apercebe de que as imagens vieram a ser colhidas, mudando a sua versão. Ou seja, os cabos foram efetivamente desligados e a reação do arguido, conclui também o tribunal das palavras da depoente, perante esta e perante a gerente da agência, revela, claramente, que este estava convicto que as imagens não estavam a ser recolhidas. Aliás, o relatório técnico de fls. 114, a que o arguido poderia ter tido acesso, por força da sua colocação numa agência com tão poucos colaboradores, permitia induzir essa confiança de que o registo não estava a ser feito, sendo este sentimento reforçado pela circunstância dos cabos estarem fisicamente desligados no momento em que o técnico se dirigiu à agência para recuperar as imagens. Ainda que, como se viu, as assinaturas apresentadas pelo “falso cliente” tenham induzido, igualmente, a verificadora em lapso, já se notou que esta, como a mesma afirma, “baixou a guarda” em função da forma calorosa como o arguido e aquele falavam, calculando tratar-se de pessoa conhecida de AA. Mas a testemunha cujo depoimento ora se analisa, LL, nota que apesar da validação das assinaturas pelo colaborador, estas não eram muito semelhantes, o que não poderia deixar de constituir, (conclui o tribunal) mais um alerta para este, se estivesse de boa-fé. Ainda assim, a testemunha não deixa de reconhecer que os documentos de levantamento têm algumas parecenças com a ficha de assinatura mas, para si, e recorrendo à sua experiência, pareceu-lhe que a pessoa tinha imitado visualmente a assinatura da ficha. E o certo é que, num dos levantamentos, o que contraria as normas internas, o AA vira o monitor para o “cliente”. Na verdade, em nenhuma circunstância, o funcionário poderá mostrar o monitor ao cliente pois que são documentos internos. A testemunha constatou, ainda, que houve consulta a um documento que o “cliente” trazia consigo. As imagens permitem ver, conclui a testemunha, o arguido AA a entregar um documento para assinar ao “burlão”, que o dobra parecendo ver o que será outro documento por baixo. Ou seja, a depoente ficou com a perceção clara que este estaria, no ato de assinar, a comparar a assinatura com outro documento, o que não poderia deixar de ser notado pelo arguido, caso quisesse ver. A testemunha verificou, ainda, que o “cliente” apresentou um documento diferente daquele que constava do sistema informático. Pelo que o funcionário, manifesta a testemunha, não poderia fazer a entrega de dinheiro aceitando um documento que é diferente do que está no sistema. Segundo as normas internas do banco, este apenas poderia promover a digitalização do documento e enviar para os serviços centrais. E, confirmando os depoimentos das autorizadoras, esta depoente confirma que a validação que é feita pelo autorizador é uma verificação do plafond, que não confere a regularidade da transação. Ou seja, quando o caixa faz a transação, há a autorização de plafond que tem de ser dada no sistema. Essa autorização é dada por alguém que está por detrás dele. A perceção que a testemunha tem, ao ver as imagens, é que o arguido DD controlava o que se passava, enquanto permaneceu na agência. As conclusões a que a testemunha chegou e que transmitiu em audiência e fez verter no relatório de inspeção junto aos autos a fls. 1168 e ss., que aqui se considera reproduzido e que foi aberto ao contraditório após ter sido junto em audiência, assentaram no visionamento direto das imagens internas e na análise dos documentos, que têm horas inseridas. A depoente esclarece que foi adiantada, pelo BANCO GG, aqui demandante, uma tranche ao Senhor RR, de €135.000,00, logo no dia 23/3/2017 para o seu ressarcimento, ou seja, ainda durante a pendência da inspeção. Solicitada, a testemunha esclarece que os casos são habitualmente entregues apenas a um inspetor, salvo se de especial complexidade. Esta depoente demonstra, não apenas pelo seu discurso lógico e fundamentado, mas também pelo seu percurso profissional, indubitável competência e conhecimentos das práticas bancárias. Na verdade, e por lhe ter sido perguntado, esclarece que entrou no banco como caixa, em ... e que, depois, passou para o atendimento no “atendimento privado”. Após, passou a gerir uma carteira de clientes “executive”. E confirma, ainda, que na agência estavam autorizados dois caixas, habilitados para as funções, mas que os factos ocorreram sempre na hora do almoço, quando o arguido AA era o único caixa no balcão. A certeza da testemunha sobre o envolvimento do arguido AA, que envolve e convence o tribunal, assenta, ainda, no facto de terem sido feitas várias consultas prévias àquele cliente, nos dias anteriores, de informação que não é habitual. O arguido visualizou o número interno de cliente e condições de movimentação antes da visita. A testemunha confirma que, no dia 10 de fevereiro, foi chamado um técnico para verificar a ligação, confirmando, ao reler o seu relatório e o documento de fls. 114, que também no dia 1 de fevereiro de 2017 tinha havido uma intervenção. Quanto ao conhecimento que tem da monitorização de imagens, explica que sabe que estas são reproduzidas no gabinete do gerente e que, depois, são registadas centralmente no sistema da ..., desconhecendo, na prática, como é que este registo se processa. A testemunha esclarece que não houve qualquer dia em que o balcão estivesse sem gerente. No dia 27, a LLL era a gerente mas esta ficou sem sistema disponível e não recebeu a mensagem do arguido AA nesse sistema. Assim, o arguido AA faz o pedido à gerente na altura em que ela está a passar o testemunho, o que o tribunal regista como sendo uma coincidência que não pode ter sido, em face de todo o comportamento dos arguidos, obra do mero acaso. Foi antes, conclui-se, o momento criteriosamente escolhido pelos arguidos para a visita da pessoa que se fez identificar como RR. A depoente esclarece que apurou, na análise do sistema informático, que o menu ficou “off”, no dia 27, para aquela gerente e que, no dia 30, a nova gerente foi informada de que o pedido de transporte dos €260.000 euros foi feito no dia 27. E corrobora que, em .../.../2016, houve uma consulta feita por um colaborador do Norte chamado WW. Esta tratou-se de uma consulta pontual, mas a testemunha falou com este colaborador, tendo-lhe este dito, no âmbito da inspeção, que não se recordava porque é que realizou tal consulta, mas admitia que podia ser um pedido de parecer comercial. A testemunha foi, ainda, confrontada com o documento de fls. 286, apreendido ao arguido DD e confirma que se trata da cópia de extrato que vai para casa digitalizado por programa informático. Visualizando o documento de fls. 287, confirma tratar-se de uma cópia que é entregue ao cliente. Quanto ao documento de fls 288, trata-se, igualmente, de cópia enviado para casa. E quanto a fls. 289, de uma cópia de um extrato enviado para casa. Com base na observação das consultas feitas pelo arguido AA e que detetou (remetendo para Fls. 1178 verso e para o seu relatório) a depoente conclui e atalha que ele não conseguia imprimir documentos como estes, pelo que julga o tribunal por certo que estes documentos não foram obtidos pelas consultas ao sistema feitas por aquele. Assim, este depoimento, ancorado nos passos concretos enunciados no relatório de inspeção, permite sedimentar certezas da articulação de esforços e de intentos entre o arguido AA, o arguido DD e, pelo menos, a pessoa que se apresentou ao balcão nos três dias descritos nos factos assentes. Quanto a JJ, gerente bancário do BANCO GG, do ... este explica que, em outubro de 2017, um senhor identificou-se, na sua agência, como II. Este, muito descontraído, bemfalante e palavroso, identificou-se com um passaporte com um erro ortográfico, o que o fez estranhar e entrar em contacto com os serviços centrais, de help desk, que desvalorizaram o erro. Esta pessoa ordenou que fosse feita uma transferência de “€100.000” para uma panificadora local, ..., que iria enviar farinha para ..., tal como a testemunha veio a apurar junto daquela empresa. Efetivamente, a pessoa que se apresentou no Banco vinha com uma fatura proforma emitida por essa empresa e dizia-lhe que o depoente tinha-lhe sido referenciado pela empresa de panificação. A testemunha esclarece que já tinha recebido um contacto da panificadora a dizer que ia encetar uma relação comercial com .... Ou seja, neste caso, há a criação de todo um cenário mais eficaz para enganar os funcionários do banco, que não se apresenta aos arguidos AA e DD e, mesmo assim, o que se tornou decisivo para a concretização do engodo, foi a ação inadvertida dos serviços de back office e de compliance do banco. Efetivamente, a testemunha acabou por autorizar a transferência de €75.000,00, que conseguiu, depois, anulá-la. A pessoa que se identificou como cliente, referindo que estava a pensar instalar-se na região, pediu para levantar €5.000,00 da conta de II, tendo o seu subgerente entregue o dinheiro. A este propósito, o senhor demonstrou-se muito descontraído, dizendo que, se não tivesse os €5.000,00, que não havia problemas, que podia voltar depois, noutro dia, pois que ia pedir um “visto gold” e ficar por ali. A testemunha constatou que esta pessoa que se apresentava como cliente tinha uma pessoa cá fora, numa viatura de marca ..., que seria o motorista, o que se verifica ser, observe-se, um adereço para o investimento da confiança das pessoas com quem se relacionava. Mas o depoente notou, no entanto, que o número de passaporte apresentado não era coincidente com o constante do sistema. A pessoa que se lhe apresentava à sua frente disse-lhe, então, que tinha perdido o passaporte e que teve de pedir um novo. Depois, o “cliente” assinou de forma igual à assinatura do passaporte e a testemunha alertou que as assinaturas não batiam com as que tinha na base de dados. Ele desculpou-se que eram assinaturas antigas, o que a testemunha entende ser normal, pedindo-lhe uma contra assinatura. Então, ele fez contra assinaturas muito semelhantes às da base de dados. Entrando, depois, em contacto, ao fim do dia, com os sistemas centrais de auditoria do banco, verificou-se que aquele passaporte era, efetivamente, falsificado, o que levou a que não fosse confirmada a transferência. Em contacto com o representante legal da ..., este autorizou a restituição dos fundos e a operação não se concretizou. VV, empregado bancário ao serviço do BANCO GG, atualmente em ..., confirma que, em 2017, era subgerente no balcão de ... onde também executava o serviço de caixa. Este era um balcão com apenas 4 funcionários, esclarece. O depoente confirma a sua interação com alguém que se identificou como II, mas esclarece que a sua intervenção foi mínima, tendo sido apenas executante daquilo que o gerente mandou fazer. Assim, recorda-se da pessoa que se apresentou na agência ter pedido para falar com o gerente. Essa pessoa entrou para o gabinete dele e não saiu daquele espaço. O gerente trouxe o número de passaporte e este não batia com o que estava no sistema, pelo que lhe pediu para telefonar para a linha de Help Desk. Ora, o colega do Help Desk disse ao depoente que o novo passaporte, a segunda via, poderia ter outro número. No entanto, a testemunha e o gerente detetaram um erro ortográfico e, estranhando, ligaram para os serviços do departamento jurídico, que desvalorizaram o assunto. Então, procederam ao levantamento de €5.000,00. A testemunha confirma que, ao fim do dia, o gerente falou com alguém do departamento de auditoria e chegaram à conclusão que havia fraude, tendo cativado a verba que foi ordenada transferir. Estes dois últimos depoimentos, claros e descomprometidos, permitem corroborar os factos ora assentes em 31. a 35., sem que quaisquer dúvidas se levantem sobre a lisura das respetivas atuações. Não se perspetiva, destes depoimentos ou de qualquer outro elemento carreado para o processo que os arguidos DD e AA tivessem, com as suas condutas, facilitado o comportamento da pessoa que ali se apresentou no balcão de ... o que justifica os factos que se consideraram não provados em e. e em f.. NNN, empregado bancário do departamento de auditoria do BANCO GG, assume-se como o inspetor que fez a inspeção ao Balcão de ... e permite reforçar esta convicção de que não existe qualquer possibilidade de estabelecer uma ligação entre as duas situações (ainda que seja notório que as pesquisas feitas anteriormente pelo arguido AA pudessem ter facilitado a atuação da pessoa que se apresentou naquela agência a identificar-se como II). Esta testemunha confirma que teve conhecimento, ao fim do dia, do que se tinha passado no balcão. O gerente do Banco GG falou com ele e informou-o que estava desconfiado por haver uns erros no passaporte e a testemunha concluiu que estavam perante uma fraude. O depoente confirma que foram feitos contactos junto da panificadora e que a operação de transferência acabou por ser cancelada. O Banco repôs, então, os €5.000,00 do cliente que foram levantados da conta deste. Questionado sobre os procedimentos internos, no caso de um passaporte novo ser exibido, mesmo que noutra agência, o depoente explica que é preenchido um formulário, é feito o registo e é digitalizado o documento no balcão. Depois, o sistema assinala um alarme que vai para o departamento de meios operacionais que verifica a conformidade o que acontece, geralmente, no próprio dia. Quanto à mudança da morada ou do telefone esta também é feita ao balcão, sendo que a morada tem de ser comprovada. A alteração também é enviada para o DMO. II confirma que foi debitada, da sua conta, €5.000,00, correspondente a um levantamento em numerário que não fez ao balcão de uma agência do GG E nega que tenha, alguma vez, mantido qualquer relacionamento comercial com a empresa ..., não tendo qualquer negócio de farinha ou relacionado com a farinha, já que é empresário construção civil e de serviços, gerindo uma rede de laboratórios. Na carta que enviou para o Banco, o depoente explicou que os movimentos não foram efetuados por si. Resulta manifesto do seu depoimento que a testemunha não foi a pessoa que se apresentou no balcão de Avelar. Questionado, o depoente informa que mudou de morada em 2015/2016, mas continuou a receber correspondência. Quanto ao Dr. RR, conhece-o de ..., por este ter trabalhado no ... como ... e teve uma relação profissional normal, desde 2013, contatando-o em virtude de assuntos relacionados com aquele Banco. Ou seja, sempre teve relações institucionais, tendo solicitado a emissão de cartas de crédito. Quanto a SS, TT ou NN, não os conhece. O depoente confirma que tinha uma gestora de cliente dedicada, na ... e era só com ela que falava a propósito da sua conta domiciliada no GG RR, igualmente inquirido a partir de ..., identifica-se como ... reformado. Resulta claro deste depoimento que a testemunha nada tem que ver com os arguidos ou com o esquema ardiloso que transitoriamente o empobreceu nos montantes correspondentes aos levantamentos operados no balcão da ..., onde declara nunca ter ido. Mais, à semelhança do que acontece com a testemunha que o precede, torna-se manifesto não estarmos perante a pessoa que é vista nos registos de videovigilância das agências do GG A testemunha que depôs em tribunal é, manifestamente, a que consta de fls. 83, ou seja, o verdadeiro cliente. O depoente confirma que teve conhecimento do que se passava através do telefonema do seu gestor. Este ligou no dia dos seus anos para parabeniza-lo e perguntar se estava em Lisboa, tendo-lhe respondido que estava na .... O seu gestor disse-lhe, então, o que estavam a fazer na sua conta. A testemunha declara não conhece HH e esclarece que o banco o ressarciu das quantias movimentadas. O depoente reitera que só lidava com o seu gerente de conta. Questionado por SS, declara que não o conhece. Quanto a II, conhece-o de ..., onde é uma pessoa muito conhecida. A testemunha não tem, assevera, qualquer explicação para obterem os seus dados e para terem acedido a um extrato seu. NN tem um depoimento que não merece qualquer crédito. A postura corporal da testemunha, a forma como reage quando lhe colocam as questões, o seu discurso redondo, sempre com introitos e maneirismos no falar que lhe permitem ganhar tempo na resposta, e a incoerência do discurso, permitem assentar certezas de que o seu relato não merece qualquer credibilidade. Mesmo descontado o alegado ascendente que poderia resultar da amizade que ligava esta testemunha ao arguido DD, não se compreende como é que, face à experiência de vida e profissional deste último, se podia deixar enlear no seu discurso e na perspetiva séria de poder ganhar uma comissão ou alvissara séria pela sua colaboração numa apresentação para um negócio imobiliário. E mais, não se compreende, destas explicações tão vagas sobre o interesse em investir deste indivíduo angolano, o que é que pode ter determinado o arguido DD a ficar tão deslumbrado ao ponto de ter convencido um colega seu a, reconhecidamente, praticar atos que ambos sabiam ilícitos, realizando pesquisas a contas de 4 clientes. Pelo que, mesmo considerando que o depoimento da testemunha se torna ainda mais evidentemente pouco genuíno porque fora do seu ambiente natural e numa situação em que esta se vê confrontada com a necessidade de responder com verdade a uma bateria de questões que lhe é dirigida, não se acredita que o arguido DD pudesse ter sido enganado ou seduzido pela perspetiva de um negócio real e que deste resultassem avultados ganhos para si. A testemunha apresenta-se como empresário e como titular de uma empresa ligada ao ramo agropecuária. E, de forma vaga e imprecisa diz que tem acompanhado algumas intermediações de negócios naquela zona de .... O depoente, sempre com pormenores pouco credíveis e numa explicação surreal, conta-nos, depois, a forma como terá conhecido o indivíduo que se veio a identificar como RR, na zona de restauração do ...”, há uns anos, nos fins de 2016. A forma como diz que se desenvolveu a conversa contraria as regras de normalidade, não se acreditando, pela forma como conduz a narrativa, que ali evoluísse para um ponto em que o depoente falasse do arguido DD, da ..., de ... e de outro negócio que tinha entre mãos. Efetivamente, relacionar o arguido DD com o negócio da ... não fazia, à luz do que nos é aportado pelo primeiro, qualquer sentido. A atrapalhação da testemunha é particularmente estranha quando confrontada com a razão pela qual introduziu a conversa de que o arguido DD era bancário, sendo que, à frente, no que não parece um percurso mnésico genuíno, mas uma adaptação às expetativas ou perplexidades dos entrevistadores, inverte o discurso e já afirma que não falou deste arguido nesse primeiro encontro. Sendo que esta testemunha acaba por reconhecer que a conversa ficou “toda no ar”. O depoente conta que deixou, então, o seu contacto, tendo tido um segundo contacto no parque das Nações. E nesse segundo contacto, ele disse que queria “saber se as contas dos sócios tinham sido mexidas” e entregou-lhe, então, os extratos. Mais uma vez, a explicação dada pela testemunha é especialmente vacilante, nomeadamente quando questionada com aquilo que foi concretamente dito que justificasse pensar que a pretensão de analisar as contas era legítima. O depoente disse que, então, marcou um encontro com o DD na sua zona e explicou-lhe a natureza do problema. Depois (e afirmando que ainda teve outros encontros com aquela pessoa antes de a apresentar ao DD) foi ao ...com este este arguido, para apresentar o “ao homem” sendo suposto, depois, irem almoçar os três e falarem dos negócios. E afirma que foi o arguido DD quem lhe disse que iriam à ... porque o seu amigo trabalhava naquela agência. O DD entrou no banco com o “homem” por cortesia, para “ficar ali a falar” mas quando saíram, gorou-se a possibilidade do almoço. Sendo que, pelo caminho de volta, o arguido DD lhe disse que estavam perante alguém “com poder”. Confrontada com fls. 286 e ss., afirma não ter a certeza se se tratam dos extratos que lhe foram entregues, mas admite como possível. LL, empregado bancário do ... com o cargo de responsável de zona, declara que era o gerente do balcão da ... desta Instituição Bancária, quando o arguido AA foi contratado no primeiro trimestre de 2018. O arguido era, ali, o único caixa e a testemunha apenas mais tarde veio a saber o que se tinha passado com aquele no GG O depoente teve de reportar a situação à sua hierarquia, que lhe pediu para retiar o arguido do posto de tesouraria e de caixa. Assim, o arguido foi afastado dessas funções e foi colocado em funções comerciais. A testemunha não esconde o seu desagrado pela circunstância do arguido não lhe ter revelado o que se tinha passado mais cedo, mas acaba por produzir um depoimento abonatório, explicando que, não fora isso, AA sempre cumpriu sempre as regras. Enquanto desempenhou funções de caixa, apenas lhe encontrou pequenas falhas, sendo que era um colaborador que se mostrava sempre muito pontual. O depoente ficou com a ideia, até do que lhe observou quando almoçava com ele, de que o arguido AA seria uma pessoa bem formada. ZZ, ... de empresa, assume-se como amigo do arguido DD há 20 anos. Este confirma que o pai do DD faleceu em agosto de 2016 e que aquele seria o pilar da família, o que levou a que o arguido ficasse muito abalado e entrasse em depressão. Até aí, o arguido era muito focado na vida profissional. Tirou o curso superior e veio para Lisboa para trabalhar. A testemunha afirma que o arguido lhe falou da possibilidade de fazer um negócio, pelo que o levou aos advogados da sua empresa. Explicação que nos parece vaga e imprecisa, não se compreendendo o que é que, perante a expetativa de um negócio tão indefinido, em que a mais valia do arguido DD apenas poderia traduzir-se na apresentação de duas partes, o levaria a consultar advogados. Questionado sobre NN, a própria testemunha adianta (aqui espontaneamente) que aquele é uma pessoa que vive de “expedientes”, o que é particularmente elucidador da credibilidade que poderia merecer ao arguido DD. Depois, contendo-se, corrige dizendo que é uma pessoa que apresenta várias pessoas que têm negócios (“intermédia”). SSS, empresária e prima do arguido DD, assume-se como quase sua “irmã”. Esta declara conhecer o arguido DD desde que nasceu e que este foi sempre muito focado nos seus objetivos, tendo sido o único dos primos a ir estudar para a Faculdade. Num depoimento amplamente abonatório, que não se estranha atenta a proximidade confessa com o arguido, a depoente considera que o falecimento da avó, em abril e o falecimento do pai foram muito impactantes para o arguido DD, o que conduziu à sua depressão. A inquirição de UU não é de molde a conceder crédito à versão trazida pelo arguido DD. Este confirma ser Engenheiro agrónomo de profissão e técnico comercial e amigo do arguido DD. Quanto ao NN esteve uma vez com ele, num almoço que estava a ter com o DD, julga que em dezembro de 2016. Aquele apareceu no estabelecimento onde almoçavam e o DD chamou-o à mesa. Depois, o DD disse ao depoente que o primeiro teria um investidor interessado, o que é substancialmente diferente do que é afirmado pelo arguido DD e pelo NN (que referiram que este é que anunciou, ali, que havia um investidor interessado). Na altura, a testemunha estava a trabalhar num empreendimento agrícola e que tinha um imóvel de exploração agrícola para vender. Trata-se, confirma, de uma Ilha que está localizada no .... O depoente, que manifesta não ter qualquer poder decisório ou de representação da empresa, esclarece que nada ficou definido, tendo a conversa ficado em aberto, sem serem mencionados valores, o que ajuda a percecionar que não havia qualquer perspetiva concreta de negócio (mesmo que se admita, o que não se concede, que este encontro se deu). E o certo é que, depois, desta conversa, diz a testemunha, não houve qualquer outro seguimento, jamais tendo sido contatado pelo arguido DD. A testemunha presta, igualmente, um depoimento abonatório do DD, descrevendo-o como uma pessoa que baixou muito os ombros depois do falecimento do pai (realidade que não é espelhada, é necessário contrapor, nos factos assentes e até nos que são assumidos pelo arguido). Os depoimentos colhidos em audiência permitem ancorar a convicção de que os arguidos AA e DD atuaram com a intenção concretizada de, em conjunto com indivíduo não concretamente identificado, lançar mão dos fundos contidos na conta do cliente RR, cientes de que enganavam o BANCO GG e demais funcionários, seus colegas, usando ou ajudando a usar documentos forjados. E, como assumido pelos dois, estes acederam, através do arguido AA, a informação contida em sistema informático a que não poderiam aceder, nomeadamente extratos, saldos médios e fichas de assinaturas de clientes do Banco, com a intenção de alcançar, para eles e para outrem, um benefício ou vantagem ilegítimos. Mais, violam ambos, resulta das declarações dos dois, o dever de sigilo profissional a que estão sujeitos. Os documentos juntos aos autos e que ora se analisarão permitem confirmar as operações bancárias e os movimentos a crédito e a débito que se deram por assentes, bem como as pesquisas feitas no sistema por AA. E permitem reforçar as certezas do tribunal em relação aos factos que se deram especialmente por assentes. Efetivamente, conjugados com a prova testemunhal e com as declarações produzidas pelo arguido AA, os talões de levantamentos de fls. 7 a 9 permitem corroborar a materialidade das operações descritas em 16., 22. e 27. E permitem dar por assentes os factos contantes de 56. a 59., 66 e 71 da matéria provada. Na realidade, tais comprovativos de levantamento em caixa estão confessadamente assinados pelo arguido AA, mas também pela autorizadora. Não se deixando de ter em conta que estamos perante o original do documento suporte da operação, (que se mantém em arquivo no Banco), parece linearmente evidente, até à face do que é comentado pela testemunha OO, que a cópia do cliente não continha as assinaturas da gerente e da pessoa que, com ela, ao fim do dia e do fecho de caixa, visa os documentos dessas operações de caixa. A comparação da cópia do passaporte do cliente do BANCO GG, RR, de fls. 10 a 15, com a cópia do passaporte que foi apresentado, em três ocasiões, por indivíduo não concretamente identificado, permite perceber que as fotografias apostas não são da mesma pessoa. Atenta a caducidade do passaporte original e os valores das operações a que os arguidos se propunham, torna-se manifesto que a exibição do passaporte falso, forjado por meio de reprodução mecânica, não concretamente apurado, sempre seria necessária para instruir os formulários de reserva de numerário e a autorização das operações ordenadas pelo cliente. Ao remeter a fotocópia do passaporte forjado que contém, efetivamente, flagrantes erros ortográficos, o arguido AA arrisca a deteção da falsidade pelos serviços de compliance, mas fá-lo sempre escudado na desculpa que ora apresenta – cumpriu escrupulosamente as formalidades e a coberto dos atos de supervisão dos superiores hierárquicos que atuam, por seu turno, com base na confiança naquele. O risco assumido foi, assim, acredita-se, consciente e motivado por expetativas de obtenção de lucro não concretamente apurado. E, uma vez apresentado aquele passaporte aos serviços de compliance, era de esperar que as posteriores operações de levantamento de numerário ficassem facilitadas. O documento constante de fls. 17 comprova a matéria assente em 23.. Observa-se que o texto lavrado pelo indivíduo que, no balcão, se fez passar por RR contém manifesto erro ortográfico (ainda que cingido à acentuação de uma palavra) e que a assinatura ali aposta como sendo produzida pelo cliente não tem qualquer semelhança com as apostas na ficha de assinaturas de fls. 10. O que se traduz num avolumar de situações que, dificilmente, poderiam deixar de ser descortinadas pelo arguido AA. O documento de fls. 82 – registo de entradas e saídas em Portugal de RR – reforça as certezas de que o indivíduo que se apresentou aos balcões da ... não era este cliente. Sendo que a fls. 84 se encontra fotocópia do passaporte daquele, com o nº N…, distinto do digitalizado do sistema informático do GG A fls. 90 a 93, encontra-se o registo de consultas à conta de RR desde 1 de junho de 2016, com o registo dos detalhes de consultas entre 17 e 19 de janeiro de 2017. Com base nesse documento e no de fls. 115 e na assunção, pelo arguido AA, dessas consultas que sabia não ter legitimidade para fazer, permite-se comprovar os factos que se deram por assentes em 8 e 9.. Mas a análise detalhada permite concluir que, logo no dia 12 de dezembro de 2016, pela manhã, o arguido AA acede à conta do cliente RR, voltando a fazer pesquisas no dia 13 de dezembro e nos dias 18 e 19 de janeiro de 2017. Nessa primeira consulta, o arguido consultou, como foi confirmado pela testemunha LL na sua inquirição (e no relatório de inspeção) os elementos documentais que foram entregues na abertura de conta, dos quais constaria o passaporte. Que, facilmente poderia (ante a tecnologia disponível hoje em dia), ter fotografado com o telemóvel ou outro dispositivo, ou até ter feito uma captura de tela no próprio computador e enviado às pessoas com quem age, conclui-se, conluiado. Efetivamente, a consulta de tal detalhe seria inócua para obter as informações que o arguido AA declara que lhe foram pedidas pelo arguido DD. E o arguido repete essa consulta, após o fecho do balcão ao público, no mesmo dia 12 de dezembro de 2016, pelas 16 h 48m. E mais, que nos dias 18 e 19 de janeiro, o arguido AA acede ao sistema informático com as suas credenciais e faz várias consultas, várias vezes ao dia, procedendo à análise dos vários detalhes de consulta, o que afasta a plausibilidade da explicação levada por si à sua contestação. O que se traduz nos factos que se deram por não assentes de m. a q. da matéria de facto não provada. Nenhuma outra explicação plausível pode resultar destas consultas que não seja a necessidade do arguido AA fornecer ao arguido DD e ao indivíduo não concretamente apurado os resultados das pesquisas, conforme se dá por assente em 10. e essencial à fabricação do passaporte. Efetivamente, como resulta de fls. 92, foram, especificamente, pesquisados detalhes da identificação do cliente. A fls. 116, são juntos os registos de tráfego telefónico das extensões dos funcionários do balcão da .... Estes permitem concluir que, no dia 18 de janeiro, pelas 12h42m, é recebido, no balcão do BANCO GG da ..., um telefonema do número ..., que dura, apenas, 41 segundos. Esse mesmo número volta a ligar para o balcão pelas 15h53m e não chega a ser atendido e, simultaneamente, é feita nova consulta, pelo arguido AA, da conta do cliente RR. E este número, como se permite alcançar do relatório de inspeção de fls. 1168 (com recurso à análise do sistema informático do BANCO GG) “corresponde a um indivíduo de nome MM que, além de não ser cliente BANCO GG (embora o tenha sido até 2015 em ...) e, portanto, não ter qualquer razão objetiva para ligar para um balcão, já havia ligado, no mesmo dia, cerca das 12:42h e, coincidentemente, é de raça negra, tem algumas semelhanças físicas com o suposto burlão e é ... no ... em Lisboa, podendo ser este um elo de ligação e de obtenção de documentação quer do cliente visado quer dos restantes clientes em 'observação' pelo AA”. A fls. 130 a 159, localiza-se o auto de visionamento das imagens recolhidas pelo circuito de videovigilância da ... que permite confirmar que o arguido DD apenas compareceu na agência com o indivíduo não concretamente identificado no dia em que é feito o primeiro movimento. A movimentação do arguido DD, regista-se ali, e a postura corporal é tensa, denunciando nervosismo pouco consentâneo com a versão que apresenta. E, no dia 27 de janeiro de 2017, o indivíduo não concretamente identificado é o primeiro a entrar na agência, é o primeiro a aproximar-se do balcão e o primeiro a cumprimentar AA, sendo seguido, depois, por DD. A análise das imagens permite ainda concluir que o indivíduo não concretamente identificado, em todas as ocasiões em que se dirigiu ao balcão e antes de assinar, consulta uma folha que trazia consigo, o que aumenta a perceção do tribunal de que o arguido AA já havia fornecido a assinatura que constava associada à ficha de assinatura como sendo do cliente RR. E o arguido AA, como se consegue perceber das imagens, não apenas se apercebe do gesto, como até lhe permite que ele se debruce sobre o balcão para o fazer. No dia 31 de janeiro de 2017, o comportamento do arguido AA, que se percebe no registo de videovigilância, excede qualquer explicação plausível de boa fé e é, de uma forma eficaz, descrito no relatório de inspeção da própria inspetora bancária, a testemunha LL que, ali, observa que “o suposto burlão apresentou-se sozinho no balcão, cerca das 13:15h; - ao contrário do que acontecera antes, não cumprimentou o AA e parecia nem o conhecer; - mas, após breve conversa, foi o AA que retirou de entre os seus papéis um pequeno papel branco onde estava inscrito o numero de conta do cliente que aquele usou para fazer a transação; - após consulta e impressão de movimentos, o AA processou duas transferências de €50.000,00 e €100.000,00 desmobilizando as contas a prazo nº 1 aos 1723 1059 e ... respetivamente, que o suposto burlão assinou após consulta da folha A4 que tinha, entretanto, tirado do bolso, desdobrado e colocado à sua frente em cima da pequena prateleira de mármore que existe na parte exterior do balcão e ocultado das câmaras. Os impressos subjacentes não foram encontrados em Arquivo; O que se revelou muito estranho porque nos levantamentos anteriores tanto o burlão como o colaborador tinham com eles a identificação da conta, - após identificação da conta o AA consultou os documentos anexos à mesma, sendo evidente nas imagens, que este viu as fotografias do verdadeiro titular da conta manifestamente diferentes da pessoa que tinha à sua frente; - além desta evidência, o comportamento seguinte do colaborador evidencia que não só sabia que quem estava à sua frente não era o legitimo titular da conta como já estava à espera que este viesse ao balcão, e à habitual hora de almoço do outro Caixa, estando o AA sozinho, posto que dentro da gaveta do módulo pessoal tinha diversos maços de notas para fazer o pagamento do levantamento de caixa. Talvez por não ser suficiente o montante guardado, o AA saiu do balcão, deixando o 'cliente' à espera e dirigiu-se ao back office do balcão. Quando regressou, o AA fez mais uma consulta no NPT e, sem motivo aparente, cumprimentou o cliente, com quem já estava à cerca de 6 minutos, com um 'passou bem'. Foi então que o AA fez duas desmobilizações das contas a prazo nº ... e nº ... de €18.000,00 e €12.000,00 respetivamente, transferindo o dinheiro para a conta à ordem. Os documentos de transferência foram assinados pelo suposto burlão, sendo que a assinatura utilizada, mais uma vez, foi a tentativa de imitação da que consta nos registos do banco como segunda opção. No entanto, a assinatura não é semelhante e o AA considerou-a como bem. O suposto burlão assinou, igualmente, a declaração de destino de fundos conforme exigido pelo Compliance do BANCO GG, indicando como justificação a compra de um imóvel; - o produto dessas transferências foi utilizado para o levantamento de caixa de €260.000,00 que o colaborador imprimiu e que levou com ele quando se dirigiu para o interior do balcão com o cliente para, supostamente, lhe entregar a quantia elevada; - passados breves minutos o cliente saiu diretamente para a rua portando um envelope com o dinheiro levantado; - à semelhança do que havia acontecido em 31/01/2017 o colaborador AA, logo após atender este indivíduo, saiu para gozar a hora de almoço”. A análise deste comportamento apenas permite concluir pelo comprometimento do arguido AA e, consequentemente, do arguido DD, com o esquema ardiloso que foi criado para retirar dinheiro da conta de RR. A fls. 284 e a fls. 417, encontramos o auto de busca e apreensão da viatura ... ..-HF-.., pertencente ao arguido DD e o auto de apreensão dos documentos nela encontrados, juntos a fls. 286 a 289, que este arguido admite ter entregue ao arguido AA. A observação destes documentos permite compreender que o arguido DD jamais poderia ter pensado que tinham chegado legitimamente à posse da pessoa que diz ter julgado ser RR. A mera observação do extrato de fls. 285, permite compreender que se trata da impressão de um documento informático em formato de fotografia, com a extensão “jpg.” transmitido por e-mail em 30/11/2016, mas referente a um extrato de 1 de agosto de 2016 (ou seja referente aos movimentos e saldos do mês de julho, muito antes da visita ao balcão). Pelo que o arguido DD não poderia deixar de perceber que, caso o extrato fosse remetido pelo titular da conta, este teria a capacidade de fazer chegar um elemento mais recente, já que expressava consternação e descontentamento com o que se estava a passar com a sua conta domiciliada no GG E também a parte do extrato de II, de fls. 286, foi obtida pela impressão de documento em formato jpg, com um número de ficheiro sequencial aproximado, que terá sido transmitida por mail (cfr. parte inferior do documento). Ora, também este extrato diz respeito a 1 de agosto de 2016. Também o documento suporte de transferência de USD 600.000,00 de fls. 287 diz respeito à mesma data de agosto e o extrato de fls. 288, referente a conta aberta no BANCO GG, é de 1 de agosto de 2016. O auto de visionamento de fls. 456 e ss., das imagens de videovigilância capturadas ao dia 16 de outubro, no balcão de ... permite concluir que o indivíduo não concretamente identificado que ali se visiona é o mesmo que, em três ocasiões distintas, se tinha dirigido ao balcão da .... E é a mesma pessoa que se descortina nas fotografias juntas a fls. 630 a 633, obtidas na sequência de uma operação de vigilância montada pela Polícia Judiciária. A fls. 493 a 501 perfilam-se vários documentos produzidos naquele balcão, em concreto a ordem de levantamento de €5.000,00, assinada pelo tal indivíduo não concretamente identificado, o da ordem de transferência a débito para a conta nº ..., titulada pela ..., no valor de €75.000,00, a cópia do passaporte do cliente e testemunha II (fls 457) e a cópia do passaporte apresentado pelo indivíduo que se visiona no registo de CCTV (fls. 495). Este passaporte, à semelhança do forjado com elementos de identificação de RR, apresenta erros ortográficos flagrantes. A fls. 527 e no CD junto a fls. 538, encontra-se o relatório de perícia ao computador apreendido ao arguido AA. Visto este relatório pericial, não se permite apurar qualquer relação direta entre este computador pessoal e a prática dos factos que ora se consideraram assentes. A fls. 927, visiona-se documento do Banco GG em que se autoriza o processamento da transferência do dinheiro com que esta Instituição Bancária veio a reembolsar o cliente afetado, RR e a fls. 926, constata-se documento interno que comprova a transferência do montante retirado da conta deste separado por duas tranches. Os dois movimentos a crédito alegados pela assistente descortinam-se, ainda, dos extratos de fls. 931 e 935 do cliente. A fls. 943, encontra-se documento que permite comprovar que a assistente reembolsou II dos €5.000,00 debitados da sua conta, corroborado pelo extrato do cliente, de fls. 944. A fls. 1113, encontra-se currículo do arguido AA, que já constava de ficheiro informático extraído do seu computador, e a fls. 1115, contrato de trabalho a termo certo, que o ligava ao GG A fls. 1168 e ss., foi apresentado o relatório de inspeção a que se vem aludindo, que, como já se afirmou, se considera reproduzido, acolhendo-se as demais considerações ali feitas pela inspetora, que permitem tornar mais robusta a convicção do tribunal nos factos que se dão por assentes em 4., 5., 41. a 46.. Analisaram-se, ainda, os documentos apresentados pelo arguido DD sob a referência 22169558, no dia 15 de novembro de 2022, nomeadamente os atestados médicos e certificados de baixa, declarações médicas, bulas farmacológicas, cópia da decisão de despedimento por justa causa e acórdão da Relação de Lisboa que confirma a decisão da primeira instância que negou o reconhecimento de justo impedimento invocado para a impugnação do despedimento pelo trabalhador. Estes permitem comprovar, para além da confirmação do despedimento, que o arguido beneficiou de baixas e de declarações médicas que reconheciam o estado clínico de doença por depressão, tendo sido prescrita medicação para essa patologia. Torna-se óbvio, dos elementos ora carreados para os autos e que foram sendo cotejados, que o arguido DD, com a experiência pessoal e profissional e estatuto que teria no Banco (e excluída qualquer situação de coação ou estado de necessidade), jamais iria violar tão grosseiramente o dever de sigilo profissional se não atuasse motivado pela promessa de montante assinalável, o que nos permite concluir como se fez em 5.. E concluímos que tal benefício não assentaria na mera expetativa quimérica de obtenção de uma comissão ou alvissara num negócio em que nada lhe foi concretamente proposto. Mais, a experiência que não poderia deixar de ter levaria o arguido DD a duvidar da idoneidade e credibilidade do alegado investidor que, como bem percebeu (até pelo extrato que lhe foi apresentado), teria um gestor dedicado, no balcão da ..., em Lisboa, onde estava sedeada a conta e, ainda assim, precisava da sua ajuda, como empregado bancário de baixa médica, para efetuar o levantamento de quantias que lhe pertenciam num pequeno balcão do subúrbios de Lisboa, onde não teria qualquer ligação conhecida. E isto mesmo que lhe fosse diagnosticado um síndroma depressivo maior e estivesse medicado com Sertalina e Diazepan que, em tese, poderia baixar os seus níveis de alerta (cfr. documentos juntos sob a refª sob a referência 22169558), o certo é que não se priva dos seus almoços com amigos e de porfiar um lucro que sabia não ser legítimo, não dando, em concreto, mostras de uma diminuição sensível na sua capacidade intelectual. Se as informações pretendidas se limitavam a obter informação sobre se o dinheiro ainda se encontrava nas contas dos putativos sócios, não faz sentido o arguido AA ter, tantos dias antes da presença de RR na agência, feito várias pesquisas à conta deste. Para mais, não faz qualquer sentido o arguido DD não questionar como é que esse dito investidor angolano tinha acesso aos extratos de 3 outros cidadãos, sendo que não era cotitular das suas contas e observadas as caraterísticas dos documentos a que já fizemos referência. Assim, torna-se certo que o arguido DD, mais do que estar em condições de perceber que este investidor não poderia merecer qualquer fiabilidade e de ter capacidade para perceber que o seu interlocutor, NN, também não poderia estar de boa fé, não poderia deixar de perceber que aquele estava a retirar dinheiro de conta que não lhe pertencia, identificando-se, assim, falsamente perante o banco. A sua conduta e a flutuação das suas declarações ao longo do inquérito (vide declarações produzidas em primeiro interrogatório judicial e as declarações produzidas perante magistrado de Ministério Público, reduzidas a auto a fls. 845) permite, antes sim, adquirir certezas de que atuou, sempre, ciente de todo o plano criminoso para o qual era essencial, além do mais, para apresentação de AA e para o convencimento deste, até pela ascendência reverencial que sobre ele guardava. A conduta do arguido AA, muito bem descrita e observada pela testemunha LL e pelo relatório por este elaborado, de fls. 1168 e ss., deixa transparecer a intenção dos dois arguidos, pois não se concebe que este pudesse ter iniciado, em conluio com o indivíduo que se apresentou como RR, uma atuação isolada e dissimulada do arguido DD. A atuação do arguido AA é manifestamente movida por fins fraudulentos, como se conclui da oportunidade da presença do “cliente” na agência, num momento em que os cabos do registo de videovigilância estavam desligados e no momento que estava a ocorrer a reunião de passagem de pasta da gerência do balcão, que ditaria que as mensagens enviadas à atual gerente ficassem retidas no sistema informático (“em off” como explica a testemunha LL) e transitassem, numa pasta, para a gerente que assumiria funções, não sendo lidas em tempo real. Sendo que o arguido AA, para além de não avisar a gerente LLL, ainda em funções, também não avisou PP, Assistente de Clientes II, do pedido de levantamento em valor muito superior ao que costuma ser feito naquela agência. O que permitiu reservar o levantamento de €260.000,00. O arguido AA atuou convicto de que o sistema de CCTV, que tinha os cabos desligados, não recolhia imagens. A inversão da sua posição é clara no momento em que percebeu que as imagens foram, afinal, resgatadas, o que terá motivado que apenas aí invertesse a sua posição perante a sua entidade patronal e respetivos serviços de inspeção – cfr. fls. 112. A forma como o arguido DD deambula, naquele momento, pela agência, assenta, concluímos, nesse convencimento. Aliás, como se apurou, nomeadamente junto da gerente OO, havia a convicção, por parte dos colaboradores do balcão, de que o sistema de gravação de imagens do Balcão esteve desligado até ao dia 1 de fevereiro de 2017. Convicção que durou até no dia 10 de fevereiro de 2017 (sexta feira), quando esteve presente, no balcão da ..., um técnico da ... que procedeu à recolha das imagens. Como já se aludiu, as pretéritas e constantes pesquisas à conta de RR (dias 12 e 13 de dezembro de 2016 e dias 3, 18 e 19 de janeiro de 2017) antes da pessoa que se fez passar por este se dirigir à agência, revelam a intenção do arguido AA e não se coadunam com a versão trazida pelos dois arguidos. Sendo que estas pesquisas eram indispensáveis para a execução do plano fraudulento, nomeadamente para dar a conhecer às outras pessoas e, concretamente, ao indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, os movimentos e o total depositado nas contas pesquisadas, as cópias dos documentos com assinaturas a mimetizar, bem como compreender, pela descrição dos movimentos, se os titulares das contas bancárias alvejadas se encontravam, ou não, em Portugal. O arguido permitiu que esta pessoa para a qual já havia feito pesquisas que bem sabia que não podia fazer, transmitindo, necessariamente, a informação obtida, consultasse, em todas as três ocasiões em que esteve a atendê-lo, uma folha, permitindo mimetizar a assinatura do titular da conta. E permite a introdução de novo contacto telefónico - ... – que concederia a possibilidade, a esta pessoa não concretamente identificada, com quem age conluiado, de atender qualquer telefonema do BANCO GG, em prejuízo automático de RR, o verdadeiro cliente. Nomeadamente, não poderia deixar prever que seria através desse contacto que o gestor de conta iria ligar. Impedindo, assim, o acesso do gestor de conta ao verdadeiro cliente, o arguido AA acaba por confirmar todas as operações, condicionando a validação das operações junto do balcão da ..., da respetiva gerente, do ... e do departamento de Compliance. Ao mostrar familiaridade junto do cliente, o arguido AA induz, desde logo, em erro a gerente do balcão, o que ajuda a que esta não se tenha apercebido da falsificação do passaporte. Sendo que, por motivo que não se descortina, mas que se traduz em mais uma coincidência que impede qualquer juízo de verosimilhança sobre a versão trazida pelos dois arguidos, o cliente estava caracterizado na base de dados com o número de passaporte …, emitido em ... 30/04/2008, com data de validade de 30/04/2018 e com o bilhete de identidade n°…, da ..., emitido em 23/02/2004, com data de validade de 23/02/2014. E, no entanto, o passaporte que surge como digitalizado no sistema é um segundo passaporte, n.º N… , já caducado em 2014. O arguido AA incumpre, ainda, a norma interna que proibia o pagamento de valores a clientes que se apresentem com documentos de identificação diferentes dos que constem nas bases de dados do banco. A atuação do arguido AA e do arguido DD pressupõe o conhecimento das fragilidades do sistema de compliance do Banco, nomeadamente que esse Departamento de Compliance parte do princípio que a legitimidade de quem ordena os levantamentos foi efetivamente controlada por quem os paga, fixando-se na análise da transação na ótica da justificação e destino dos fundos. E ultrapassada a barreira da gerente, o arguido AA sabia que estavam abertas as portas para o plano singrar. Pelo que a atuação dos arguidos e do terceiro indivíduo, projetada no exterior, permite ao tribunal, por tudo o que se disse, objetivar a sua motivação interior e dar por assentes os factos que se consideraram provados de 36. a 46.. A prova carreada para os autos já não permite, atento o que se disse, considerar que os arguidos AA e DD agiram com conhecimento do plano que levou o indivíduo não concretamente identificado a fazer-se passar por II no balcão do .... E não permite comprovar que os arguidos tenham chegado a beneficiar, efetivamente, da distribuição dos ganhos da atuação sobre o BANCO GG que ansiavam. Os factos relativos às condições económicas e sociais dos arguidos resultam dos relatórios sociais e das suas próprias declarações, bem como dos depoimentos abonatórios já comentados. A prova da ausência de antecedentes criminais resulta da análise dos respetivos certificados de registo criminal, de fls. 1157 e 1158. Os factos que se consideraram como não provados resultam do que se disse ou da falta de meios de prova que os comprovassem.” * IV. Fundamentação §. recurso interlocutório Recorre o arguido DD do indeferimento do requerimento que formulou em audiência de julgamento, no sentido de se determinar a terceiros (à sociedade ... e/ou ao GG) que procedessem à junção de um documento (fatura pro-forma) que teria sido apresentado por HH (arguido relativamente ao qual foi determinada a cessação da conexão processual), no dia ........2017, perante o funcionário da agência de .... Quanto à necessidade da referida diligência, considerando que a mesma não foi requerida no momento processualmente previsto para a formulação dos requerimentos de prova (no caso do arguido, com a apresentação da contestação – cf. artigo 311º-B, nº 3 do Código de Processo Penal), importa ter em consideração o disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal, que fixa os princípios gerais em matéria de produção de prova, no qual se estabelece que: “1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. 2 - Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da ata. 3 - Sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 328º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respetivo meio forem legalmente inadmissíveis. 4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que: a) (revogado); b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.” (redação dada pela Lei nº 94/2021, de 21 de dezembro). Em conjugação com o preceito citado, deve ter-se ainda em conta que, nos termos do artigo 125º do Código de Processo Penal, são admissíveis os meios de prova que não forem proibidos por lei, e que, em conformidade com a previsão constante do artigo 127º, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. E, de acordo com o disposto no artigo 323º do Código de Processo Penal, cabe ao presidente do tribunal, entre o mais, proceder a (…) quaisquer outros atos de produção da prova, mesmo que com prejuízo da ordem legalmente fixada para eles, sempre que o entender necessário à descoberta da verdade [alínea a)]; dirigir e moderar a discussão, proibindo, em especial, todos os expedientes manifestamente impertinentes ou dilatórios [alínea g)]. Das disposições legais que se deixam transcritas resulta clara a preocupação do legislador processual penal em estabelecer regras que permitam o desenrolar célere da audiência de julgamento, com vista a que uma decisão final possa ser alcançada em prazo razoável, mas, ao mesmo tempo, flexíveis o suficiente para permitir acomodar todos os imprevistos no que respeita a assegurar o regular funcionamento da audiência, tendo sempre como finalidade que toda a prova relevante para a decisão possa efetivamente ser tomada em conta pelo tribunal. Como anota Oliveira Mendes1, “A procura da verdade material, tendo em vista a realização da justiça, constitui o fim último do processo penal. O processo penal não é um processo de partes, não existindo o ónus da prova. Por isso, a lei atribui ao tribunal o poder/dever de ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova que entenda necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.” E, escreve ainda o mesmo autor, “O juízo de necessidade ou desnecessidade de produção de prova cabe ao tribunal, ou seja, aos juízes que o compõem, isto é, ao juiz ou aos juízes e jurados, consoante o tribunal que julga a causa. A decisão sobre a necessidade ou desnecessidade da prova, sobre a admissibilidade da prova, pertence naturalmente àqueles que têm de apreciar a prova e julgar a causa. A decisão do tribunal de produção ou não produção de prova, obviamente que é recorrível, designadamente com o fundamento de que foi proferida fora das condições legais, posto que a sua irrecorribilidade não está prevista – artigo 399º.” Neste mesmo sentido, ponderou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.02.20102: “Uma vez que o fim do processo penal, contido no seu objecto, é a busca da verdade material, não está submetido ao princípio dispositivo ou da iniciativa das partes próprio do processo civil. Como se refere em Direito Processual Penal – Lições do Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, coligidas por Maria João Antunes, Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, Secção de textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-9, p.21 e seg, “A realização da justiça e a descoberta da verdade material (ou mesmo só da primeira, já que também perante ela surge a descoberta da verdade como mero pressuposto) constituem, por consenso praticamente unânime, finalidade do processo penal. E assim é, por certo, logo no sentido de que o processo penal não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça e de verdade (…) Por outro lado, não obstante a descoberta da verdade material ser uma finalidade do processo penal não pode ela ser admitida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processual válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se vêem envolvidas.” Daí que possa haver actuação oficiosa do tribunal na produção de meios de prova, desde que o seu conhecimento se afigure “necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”, mesmo “não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação” – v. nº 2 do artº 340º do CPP Mas, a produção de meios de prova em audiência, nos termos do artº 340º do CPP, pode resultar também de requerimento dos sujeitos processuais. Decorre da própria teleologia do princípio da audiência, como um direito de natureza pública à concessão de justiça, alicerçado na ideia de Baur (Justizgewährungsanspruch) e integrante da Teoria do Estado, e que J. Goldschmidt já aflorara no seu tempo. (v. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, primeiro volume, Coimbra Editora, 1974, p. 155.) Como refere este Insigne Professor, nesta mesma obra, “a administração da justiça pelos tribunais não se relaciona apenas (como durante muito tempo se pensou) com a protecção de situações jurídicas substantivas, mas também e directamente com a da posição processual daqueles que sejam afectados pela decisão, e disto mesmo é expressão o direito de audiência.” E, acrescenta mais adiante: “(…) o esclarecimento da situação jurídica material em caso de conflito supõe, não só a garantia formal da preservação do direito de cada um nos processos judiciais, mas a comprovação objectiva de todas as circunstâncias, de facto e de direito, do caso concreto – comprovação inalcançável sem uma audiência esgotante de todos os participantes processuais. Isto significa que a actual compreensão do processo penal, à luz das concepções do Homem, do Direito e do Estado que nos regem, implica que a declaração do direito do caso penal concreto não seja apenas tarefa do juiz ou do tribunal (concepção «carismática» do processo) e se encontrem em situação de influir naquela declaração do direito, de acordo com a posição e função processuais que cada um assuma.(…) O direito de audiência é a expressão necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigências comunitárias inscritas no Estado-de-direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do Processo como «com-participação» de todos os interessados na criação da decisão.” Nesta ordem de ideias se compreende que, os requerimentos de prova efectuados nos termos do artº 340º do CPP, apenas são indeferidos, como resulta deste preceito: . Quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis; . Ou se for notório que: - As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; - O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, ou - O requerimento tem finalidade meramente dilatória. É certo que o princípio da investigação oficiosa em processo penal tem os seus limites previstos na lei e está condicionado, desde logo pelo princípio da necessidade (v. desde logo, acórdão deste Supremo e desta Secção de 1 de Julho de 1993 in proc. nº 43022.) (…) Na verdade, deve atender-se a que: - A norma do art.º 340º nºs 1 e 4 do CPP, não é inconstitucional, conforme respectivamente Acórdão do Tribunal Constitucional nº 137/20023, de 3 de Abril de 2002, proc. nº 363/01, Diário da República, II Série de 26 de Setembro de 2002 e, Acórdão do TC nº 171/2005 de 31 de Março, proc. nº 764/2004, Diário da República II Série, de 6 de Maio de 2005. - O tribunal – face aos princípios da verdade material e da investigação aludidos nos nºs 1 e 2 do art.º 340º do CPP -, tem o poder dever de investigar o facto sujeito a julgamento e construir por si mesmo os suportes da sua decisão, independentemente das contribuições dadas para tal efeito pelas partes em litígio, o que significa que, oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais, deve ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure essencial “à descoberta da verdade e à boa decisão da causa” – v. já Acórdão deste Supremo de 4 de Dezembro de 1996 in BMJ, 462, 286.” Como se vê, o princípio da investigação pelo Tribunal, condicionado, é certo, pelo princípio da necessidade, impõe que os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitar o julgador a uma decisão justa devam ser produzidos por determinação do tribunal na fase de julgamento, oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais, mesmo quando não constantes da prova indicada com a acusação, a pronúncia ou a contestação. Porque o cerne da questão reside no princípio da necessidade (critério justificativo enquanto delimitador da ação do juiz no apuramento da verdade material), o preceituado nos nos 3 e 4 do artigo 340º do Código de Processo Penal prevê o indeferimento de pedido de produção de prova, para além dos casos de inadmissibilidade, quando o meio de prova (i) for irrelevante ou supérfluo, (ii), for inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, e enfim, (iii) se o requerimento tiver finalidade meramente dilatória. O princípio da investigação ou da verdade material sofre, assim, as limitações impostas não só pelo princípio da necessidade – só são admissíveis os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para a descoberta da verdade – como da legalidade – só são admissíveis os meios de prova não proibidos por lei – e da adequação – não são admissíveis os meios de prova notoriamente irrelevantes, inadequados ou dilatórios. É, pois, neste quadro que deve avaliar-se a pretensão do arguido. Ora, tendo em consideração todos os elementos probatórios que já se encontravam à disposição do Tribunal (e de todos os sujeitos processuais) no momento em que foi apresentado o requerimento aqui em apreço, e, por outro lado, vista a circunstância de ter sido determinada a separação de processos relativamente ao arguido HH (cujo paradeiro é desconhecido), tem de reconhecer-se, em consonância com o juízo formulado pelo coletivo julgador de 1ª instância, que a diligência pretendida não é imprescindível para o apuramento da verdade, nem tão pouco, se mostra necessária, sendo, por isso, de qualificar como supérflua – e também dilatória, na medida em que a respetiva obtenção teria como consequência o retardamento do julgamento. Com efeito, a obtenção de documentos relativos «ao negócio da farinha» não é suscetível de introduzir qualquer alteração nos factos imputados aos arguidos, não tendo sequer sido sugerido que a pessoa que compareceu no balcão de ... fosse o verdadeiro titular da conta (II). Por outro lado, tais documentos também não são adequados a lançar qualquer luz sobre a identidade da(s) pessoa(s) que acederam aos dados bancários (e a demonstração de quem foram tais pessoas fez-se por via documental, tendo os arguidos apresentado justificações não relacionadas com o mencionado «negócio da farinha») – sendo, por outro lado, certo que na decisão recorrida não se considerou demonstrada a intervenção dos arguidos nos factos ocorridos na agência de .... Em suma, nenhuma censura merece a decisão proferida pelo Tribunal recorrido ao indeferir a diligência de prova requerida pelo arguido DD em audiência, já que a mesma não pode considerar-se relevante ou necessária, tendo em consideração o objeto do processo – e, por assim ser, não é possível afirmar que a decisão recorrida tenha importado a compressão de quaisquer direitos de defesa. Conclui-se, pois, pela improcedência do recurso interlocutório. * §§. recursos da decisão final Como acima se enunciou, os recorrentes elencaram diversos fundamentos para os seus recursos, que deverão ser apreciados segundo a ordem de precedência que legal e logicamente lhes cabe, começando-se pelos que podem determinar a anulação do julgamento e eventual reenvio (nulidades da decisão), seguidos daqueles que podem determinar a alteração da matéria de facto (erros de julgamento) e, finalmente, as questões de direito suscitadas, designadamente, no que se refere ao enquadramento jurídico dos factos e à escolha e determinação da medida das penas. Por último, apreciar-se-ão as questões relativas à responsabilidade civil dos demandados. * iv.1. nulidades da sentença previstas no artigo 379º do Código de Processo Penal iv.1.1. da nulidade por condenação por factos diversos dos descritos na acusação – artigo 379º, nº 1, alínea b) Ambos os arguidos, na motivação dos respetivos recursos vieram arguir a nulidade do acórdão condenatório, insurgindo-se o recorrente AA “em face da alteração dos factos decidida pelo Douto Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 1 e n.º 3 do Código do Processo Penal e por referência aos factos descritos nos artigos 7º, 8º e 9º e o transcrito no artigo 38º da acusação”, e pela integração do facto: “Os arguidos AA e DD, ao facultar ao indivíduo não concretamente identificado os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas, bem sabiam que aquele iria servir-se de tais elementos para forjar passaportes falsos, com a aposição dos dados pessoais ficcionados e da foto e assinatura daquele indivíduo”. Alterações para as quais, diz, inexiste qualquer suporte probatório, esvaziando de sentido a alteração da qualificação jurídica “quanto aos factos integradores do crime de falsificação de documento para quatro crimes de falsificação documento, previstos e punível pelos artigos 255º, alíneas a) e c) e 256º, nº 1 alíneas a), e) e f) e 3 todos do Código Penal.”, que “implica passar de uma pena de pena de prisão até três anos ou com pena de multa para uma pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias”. Mais adita que “o Douto Despacho não faz a devida explicitação e concretização dos factos e meios de prova em que fundou tal alteração proposta, sendo que o acima exposto, não pode levar à inclusão do referido facto”, concluindo, em face dessa ausência de comunicação dos meios de prova que sustentam a alteração proposta, pela inadmissibilidade da mesma. O recorrente DD, por seu turno, sustenta que “o Tribunal, em decisão final, não pode alterar a qualificação jurídica dos factos, agravando a moldura penal na qualificação jurídica constante na acusação e pronúnci[a]”, e que “a interpretação do art. 358º nº3 do CPP terá de ser aquela que passa por considerar que a qualificação jurídica dada aos factos na acusação fixa o limite quantitativo da pena a aplicar no processo”. Mais alega que, por via de tal alteração, o Tribunal “aditou uma factualidade essencial para a tipificação e agravamento do crime, e bem assim para a resolução criminosa, que não eram existente na redação da acusação e da pronuncia, pois aditou aos fatos descritivos da suposta conduta dos arguidos DD e AA de entrega a HH, passando a incluir não só os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, como a acusação já referia, mas também cópias do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas”, o que tem como efeito a adição à resolução criminosa do arguido da “intenção da falsificação dos documentos que, até este momento, estava restrita a HH” e importa um agravamento da sua responsabilidade penal. Pretende, em consequência, a exclusão dos factos descritos no ponto 41 da matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido. O Ministério Público, nas respostas apresentadas, pronunciou-se pela não verificação de tal nulidade, na medida em que “a alteração proposta traduz-se, na prática, na consubstanciação, ao nível dos elementos subjetivos, do que já resultava da acusação, permitindo a ligação mais lógica, entre os factos descritos nos artigos 7º, 8º e 9º e o transcrito no artigo 38º da acusação” e, por isso, não alterou “o objecto do processo tal como este se encontra definido na acusação/pronúncia, nem referiu factos ou circunstâncias factuais que o Recorrente desconhecesse e não tivesse logrado contraditar”. Cumpre apreciar. Verifica-se a nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, se na sentença se condenar o arguido “por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º”. A questão trazida pelos recorrentes a este propósito encerra duas vertentes, que devem ser abordadas separadamente: por um lado, a de saber se a comunicação efetuada pelo Tribunal recorrido (e posterior condenação com base nos factos comunicados) corresponde, efetivamente, a uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação; e, por outro lado, a de saber se o cabal cumprimento do regime legal imposto pelo artigo 358º do Código de Processo Penal exige que ao arguido sejam comunicados, não apenas os factos considerados indiciados, mas também os meios de prova em que o Tribunal prevê fazer assentar a sua convicção. A esta discussão aditam ambos os recorrentes um outro ponto: o de saber se, neste contexto, deve ser admitida uma alteração da qualificação jurídica adotada na acusação (e na pronúncia) que tem como efeito a imputação aos arguidos de crime(s) punido(s) com pena(s) mais grave(s). Comecemos pelos conceitos. Do princípio da acusação (segundo o qual é esta que define e fixa, perante o juiz, o objeto do processo), decorre logicamente um outro princípio, corolário do primeiro – o da identidade do objeto do processo, que representa a ideia de que o objeto da acusação se deve manter idêntico, desde aquela, até à sentença final. Com efeito, um processo penal de estrutura essencialmente acusatória, como é o processo penal português, implica necessariamente uma relação de correspondência entre a acusação e a decisão final em sede de julgamento, sendo que neste sentido se pode afirmar que a «definição do thema decidendum na acusação é uma consequência da estrutura acusatória do processo»4. No entanto, como, de forma esclarecedora, se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.01.20155, que acompanhamos, “Um processo penal como o nosso, de estrutura basicamente acusatória integrado por um princípio de investigação, admite que, sendo a descrição dos factos na acusação uma narração sintética, nem todos os factos ou circunstâncias factuais relativas ao crime acusado possam constar desde logo dessa peça, podendo surgir durante a discussão factos novos que traduzam alteração dos anteriormente descritos, matéria regulada nos artigos 303.º, 358.º e 359.º que distinguem entre “alteração substancial” e “alteração não substancial” dos factos descritos na acusação ou pronúncia. Para essa distinção releva a definição constante do artigo 1.º, n.º 1, f), segundo a qual se considera alteração substancial dos factos “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”. A alteração não substancial de factos define-se por exclusão de partes sendo, portanto, aquela que não tiver por efeito a imputação ao arguido de crime diverso ou a agravação do limite máximo da pena aplicável, pressuposta, evidentemente, a sua relevância para a decisão da causa. O artigo 359.º rege para a alteração substancial e determina que tal alteração da factualidade descrita na acusação não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância. Tratando-se de novos factos autonomizáveis em relação ao objecto do processo, a comunicação da alteração ao Ministério Público vale como denúncia (n.º 2), ressalvando-se a possibilidade de acordo entre o Ministério Publico, o arguido e o assistente na continuação do julgamento se o conhecimento dos factos novos não determinar a incompetência do tribunal (n.º 3), concedendo-se então ao arguido, a requerimento, um prazo para preparação da defesa não superior a 10 dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário (n.º 4). Diversamente, se a alteração dos factos for não substancial, isto é, não determinar uma alteração do objecto do processo, então o tribunal pode investigar e integrar no processo factos que não constem da acusação ou da pronúncia e que tenham relevo para a decisão da causa, exigindo-se, porém, que ao arguido seja comunicada a alteração e que se lhe conceda, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa (n.º 1 do artigo 358.º), ressalvando-se os casos em que a alteração derive de factos alegados pela defesa (n.º 2).” Não obstante, importa ter em conta que, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.12.20066, “[c]onstitui jurisprudência corrente deste STJ a orientação interpretativa dos arts. 1.º, al. f), e 358.º, n.º 1, ambos do CPP, segundo a qual inexiste alteração substancial dos factos da acusação ou da pronúncia quando na sentença melhor se concretizam os factos ali descritos, ou seja, quando os factos aditados se traduzem em meros factos concretizantes da actividade imputada sem repercussões agravativas ou diminuição das garantias de defesa do arguido.” Assim, e antes de mais, importa tornar claros os conceitos operativos aqui em causa, designadamente, a que realidades nos referimos quando falamos de «factos» e de «alteração». Frederico Isasca7, discutindo o conceito de «facto processual», escreve que: “O acontecimento histórico não é o facto naturalístico isoladamente considerado, ou exclusivamente apreciado de um ponto de vista jurídico, ou um «dado» de uma questão de direito que coloca um problema jurídico. O acontecimento histórico é «um pedaço de vida» que se destaca da realidade e como tal, isto é, como pedaço da vida social, cultural e jurídica de um sujeito, se submete à apreciação judicial8. A forma como ele é visto e compreendido, do ponto de vista social, torna-se num referente indispensável para a determinação e delimitação do conceito.” Por seu turno, a «alteração» é um conceito transitivo, implica a transformação de algo que é posto ou dado. Alterar é, portanto, modificar. Sendo relevante, para o que nos ocupa, apenas a alteração de factos, designadamente, aquela que resulte na modificação do objeto do processo, importa adotar um referencial que permita a delimitação desse objeto, de modo a tornar visíveis as situações em que o mesmo tenha efetivamente sido alterado. Socorrendo-nos, mais uma vez, da lição de Frederico Isasca9, diremos que tal centro de gravidade, polarizador da delimitação do objeto do processo, “só pode ser, no nosso entendimento, a base factual trazida pela acusação. O pedaço de vida que se submete à apreciação judicial, referenciado, não única ou exclusivamente do ponto de vista normativo, mas antes e fundamentalmente, da perspetiva da própria valoração e imagem social daquele comportamento, i.e., a forma como ele é percebido e entendido, do ponto de vista da sua valoração social10. A forma como o homem médio – porque é este o destinatário tipo do comando – vê e entende o acontecimento submetido a juízo e consequentemente a forma como sente e representa a violação da norma, provocada pela conduta do agente. Objecto do processo penal será, assim, o acontecimento histórico, o assunto ou pedaço unitário de vida vertido na acusação e imputado, como crime, a um determinado sujeito e que durante a tramitação processual se pretende reconstituir o mais fielmente possível.” Neste sentido, tal como se ponderou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.09.200911, “o tribunal não está vinculado à acusação deduzida, ou, pelo menos, essa afirmação tem de ser entendida em termos mais complexos. O tribunal está vinculado ao objecto do processo, definido pela acusação ou pela pronúncia, e o objecto do processo, como alongadamente expôs a decisão recorrida, pode ser definido, segundo uma concepção prevalecente na doutrina e na jurisprudência, «como o facto, o acontecimento global da vida, o acontecimento histórico, incluindo todos os acontecimentos com ele ligados, do qual deriva a acusação admitida» (Frederico Isasca, Alteração Substancial Dos Factos E Sua Relevância No Processo Penal Português, Almedina, 2.ª edição, p. 84). Portanto, um facto que pode ser constituído por uma multiplicidade de factos singulares que se conjugam numa unidade de sentido, permitindo apercebê-lo como um acontecimento da vida real, dotado de individualidade e de características próprias (o tal pedaço de vida), incindível enquanto formando um todo significante do ponto de vista social e do ponto de vista jurídico, na medida em que esse complexo de elementos pode ser também relevante deste último ponto de vista e, nomeadamente, do ponto de vista jurídico-penal.” Descendo ao caso dos autos, importa avaliar se as alterações comunicadas aos arguidos pelo Tribunal a quo em 09.02.2023 põem, ou não, em causa o objeto do processo tal como definido na acusação (para a qual remete o despacho de pronúncia). É do seguinte teor, o despacho que procedeu à comunicação de alteração não substancial de factos e alteração da qualificação jurídica (refª Citius 142529532): “Na sequência de deliberação do Tribunal Coletivo, entende-se que parece resultar, antes de mais das próprias declarações dos arguidos, suficientemente indiciado que, ao contrário do que é plasmado no artigo 6º da acusação, para a qual remete o despacho de pronúncia, foi o arguido AA, que exercia funções no balcão do ..., quem entrou com as suas chaves de acesso no sistema informático do Banco e efetuou as pesquisas de contas bancárias e saldos das pessoas identificadas no artigo 5º da mesma peça acusatória. Da prova carreada para os autos, nomeadamente do confronto das declarações dos arguidos com os depoimentos recolhidos aos funcionários do BANCO GG e a LL, bem como do relatório de inspeção realizado por esta, parece indiciar-se o seguinte facto que está em conformidade com os demais imputados na acusação: “Os arguidos AA e DD, ao facultar ao indivíduo não concretamente identificado os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas, bem sabiam que aquele iria servir-se de tais elementos para forjar passaportes falsos, com a aposição dos dados pessoais ficcionados e da foto e assinatura daquele indivíduo”. Assim, comunica-se à defesa dos arguidos a proposta alteração não substancial dos factos descritos na acusação/pronúncia, em conformidade com o disposto no artigo 358º, nº 1 do CPP. Acresce que a douta decisão instrutória, ancorando-se na fundamentação de direito da douta acusação, imputa aos arguidos, além do mais, quatro crime de falsificação documento, p. e p. pelos artigos 255º, alíneas a) e c) e 256º, nº 1 alíneas a), e) e f) todos do Código Penal. Ora, sem prejuízo das contingências de prova poderem levar a integrar a factualidade apurada em menor número de crimes, importa aperfeiçoar a qualificação jurídica e proceder à comunicação à defesa prevista no artigo 358º, nº 3 do CPP para que considere que a factualidade imputada poderá integrar, em abstrato, quatro crimes de falsificação documento, previstos e punível pelos artigos 255º, alíneas a) e c) e 256º, nº 1 alíneas a), e) e f) e 3 todos do Código Penal. (…)” Vemos, assim, que nessa ocasião se comunicaram três alterações distintas: - a primeira, reportada ao artigo 6º da acusação, diz respeito a um lapso de escrita: onde se escreveu “o arguido DD, que exercia funções no balcão do ...”, passou a constar “o arguido AA, que exercia funções no balcão do ...”; - a segunda alteração comunicada respeita à adição do segmento: “Os arguidos AA e DD, ao facultar ao indivíduo não concretamente identificado os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas, bem sabiam que aquele iria servir-se de tais elementos para forjar passaportes falsos, com a aposição dos dados pessoais ficcionados e da foto e assinatura daquele indivíduo”; e - a terceira alteração diz respeito ao enquadramento jurídico dos factos, alertando-se os arguidos para que “a factualidade imputada poderá integrar, em abstrato, quatro crimes de falsificação documento, previstos e punível pelos artigos 255º, alíneas a) e c) e 256º, nº 1 alíneas a), e) e f) e 3 todos do Código Penal” – ou seja, a imputação dos crimes de falsificação na sua forma agravada, por estarem em causa documentos autênticos. Quanto ao lapso de escrita, o mesmo é evidente (desde logo, porque resulta do texto da acusação que o arguido DD nunca exerceu funções no balcão do ..., sendo o arguido AA quem aí trabalhava) – sendo certo que não vem tal alteração questionada por nenhum dos recorrentes, pelo que nada mais há a dizer a respeito da mesma. No que se refere à segunda alteração comunicada, como acima se referiu, sustenta o recorrente DD que, por via da mesma, «o Tribunal aditou uma factualidade essencial para a tipificação e agravamento do crime, e bem assim para a resolução criminosa, que não eram existente na redação da acusação e da pronuncia, pois aditou aos fatos descritivos da suposta conduta dos arguidos DD e AA de entrega a HH , passando a incluir não só os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, como a acusação já referia, mas também cópias do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas», o que, em seu entender, conduz a que tal alteração não possa ser qualificada como não substancial. Já o recorrente AA, a respeito desta mesma matéria, limita-se a afirmar que a prova produzida no julgamento não suporta a afirmação proposta (e que veio a ser dada como provada). Afigura-se-nos que nenhum dos dois tem razão, porém. Quanto à objeção suscitada pelo recorrente AA, face ao que acima se referiu quanto ao conceito de alteração de factos (substancial ou não), resulta evidente que o que se discute a propósito da nulidade aqui em causa não é se os factos aditados são, ou não, suportados pela prova produzida no julgamento, mas antes se, por via da respetiva adição, a realidade (o pedaço de vida), descrita na acusação (e/ou na pronúncia) se apresenta modificada, em termos naturalísticos ou no seu significado jurídico-penal. Se a prova produzida não suportar tais factos (ou quaisquer outros que constassem já da acusação) e o Tribunal ainda assim os der como provados, o que existe é um erro de julgamento, mas não uma condenação por factos diversos dos descritos na acusação. Por seu turno, o recorrente DD dirige a sua argumentação no sentido de que, por via da mencionada alteração foram acrescentadas circunstâncias que permitiram imputar aos arguidos crimes pelos quais, face ao texto original da acusação, não poderiam ser condenados, na medida em que lhes foi atribuída intervenção na fabricação/alteração de documentos autênticos. Não é, porém, exata a afirmação que faz no sentido de não conter a acusação qualquer referência à intervenção dos arguidos na obtenção dos elementos necessários à fabricação de documentos e assinaturas, não sendo também verdade que não contivesse a mesma todos os elementos necessários à caracterização da atividade dos arguidos, nomeadamente, no plano subjetivo. Com efeito, da acusação (para a qual remeteu o despacho de pronúncia), constava, nos artigos 7º, 8º e 9º, que “No dia 12-12-2016 o arguido AA entrou com as suas chaves de acesso no sistema informático do Banco e efectuou as pesquisas da conta bancária nº ..., do BANCO GG, pertencente a RR, sedeada na agência da ...”, que “O arguido repetiu tais operações nos dias 13-12-2016, 03-01-2017, 18-01-2017 e 19-01-2017, nos termos acima descritos, consultando os saldos, o documento de identificação do titular RR (passaporte nº S…) e as assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas”, e que “Posteriormente, o arguido AA imprimiu o resultado das pesquisas e entregou ao arguido DD cópias dos dados informáticos referentes a extractos bancários dos referidos indivíduos”. E do artigo 38º da acusação constava já: “Os arguidos AA e DD, ao facultar ao arguido HH cópia dos passaportes de RR e II, bem sabiam que o mesmo iria servir-se de tais cópias para forjar passaportes falsos, com a aposição dos dados pessoais, foto e assinatura de HH”. Ora, substituir a redação do mencionado artigo 38º da acusação pela que foi proposta – e a final adotada – pelo coletivo julgador (recordamos: “Os arguidos AA e DD, ao facultar ao indivíduo não concretamente identificado os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas, bem sabiam que aquele iria servir-se de tais elementos para forjar passaportes falsos, com a aposição dos dados pessoais ficcionados e da foto e assinatura daquele indivíduo”), não representa, em substância, qualquer alteração face ao que já constava do libelo acusatório. Na verdade, como, com inteiro acerto, considerou o Tribunal recorrido no despacho proferido em 17.02.2023, no qual se apreciaram as objeções apresentadas pelos arguidos face à alteração comunicada (refª Citius 142674156): “a alteração proposta traduz-se, na prática, na consubstanciação, ao nível dos elementos subjetivos, do que já resultava da acusação, permitindo a ligação mais lógica, entre os factos descritos nos artigos 7º, 8º e 9º e o transcrito no artigo 38º da acusação. O crime de acesso ilegítimo com o qual este facto poderá estar conectado não exige o dolo específico, pelo que não acarreta a alteração proposta qualquer alteração substancial da matéria de facto como é defendido pela defesa dos dois arguidos. A intenção da falsificação dos documentos não está, ao contrário do que a defesa do arguido DD entende, restrita a HH, resultando de todo o libelo acusatório, que imputa aos arguidos atos concretos de comparticipação em factos subsumíveis ao crime de falsificação e o domínio do facto (plano comum).” Assim, ao dar como provada a matéria constante do ponto 41 dos factos provados (“Os arguidos AA e DD, ao facultar ao indivíduo não concretamente identificado, os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas, bem sabiam que aquele iria servir-se de tais elementos para forjar passaportes falsos, com a aposição dos dados pessoais ficcionados e da foto e assinatura daquele indivíduo”), o coletivo de juízes limitou-se a proceder a um «refinamento» da descrição constante da acusação, particularizando-se os elementos facultados, que permitiram a produção dos documentos posteriormente apresentados (e das assinaturas desenhadas nos documentos bancários), sem que, todavia, se impute a qualquer dos arguidos mais do que o que já constava da acusação, mesmo ao nível do elemento subjetivo. Neste sentido, poderia, na verdade, dizer-se que não existe uma alteração dos factos da acusação (enquanto realidades do mundo físico e psíquico plasmadas no texto acusatório), mas antes uma ligeiramente diversa descrição de uma mesma realidade, o que nem sequer demandaria qualquer comunicação prévia, por não existirem factos novos (no sentido de «não descritos»), atendendo a que o julgador não está vinculado às concretas palavras contidas na acusação, mas apenas à facticidade que as mesmas descrevem (a vinculação é temática e não semântica). Não obstante, não se enjeita que aos arguidos assista o direito de serem ouvidos a propósito da «articulação da estrutura da acusação», permitindo-lhes, desde logo, operar o controlo sobre a estabilidade do objeto do processo. Foi o que sucedeu no caso concreto, não merecendo censura a atuação do coletivo de juízes ao conceder aos arguidos a oportunidade de se pronunciarem sobre a redação proposta (o que estes fizeram). A diversa estruturação da descrição dos factos operada pelo Tribunal a quo não representou, para nenhum dos arguidos, a imputação de crime diverso – no sentido de que já constavam da acusação todos os elementos necessários ao enquadramento jurídico que veio a ser adotado no acórdão recorrido (mais adiante voltaremos a esta questão), pelo que não pode falar-se, no caso, de uma alteração substancial dos factos descritos na acusação. Quanto à segunda questão enunciada – a de saber se a obrigação de comunicação da alteração não substancial de factos só fica adequadamente cumprida se ao arguido forem comunicados os meios de prova em que tais factos poderão assentar – há a referir que, ao contrário do que parecem entender os recorrentes, nada na lei impõe, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do nº 1 do artigo 358º, a indicação dos meios de prova, o que bem se compreende por se tratar de factos indiciados e não factos provados, perante os quais a defesa, se assim o entender, ainda pode apresentar novos meios de prova, o que os arguidos, no caso em apreço, não fizeram12. Frederico Isasca chama justamente a atenção para a circunstância de a produção da prova ser algo que pressupõe que os factos sobre que recai façam parte do objeto do processo, o que, no caso do artigo 358º, só é possível após a comunicação ao arguido da alteração e da concessão dos direitos de defesa que o preceito impõe. Assim refere este autor, «[n]ão é, pois, correcto, neste contexto, falar-se de factos provados ou não provados. O mais que se poderá afirmar é que estão indiciados ou fortemente indiciados»13. O Tribunal Constitucional, de resto, pronunciou-se neste mesmo sentido, no Acórdão nº 216/201914, decidindo “Não julgar inconstitucional a interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos 358.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP, no sentido de que a comunicação de alteração não substancial dos factos, efetuada no decurso da audiência de julgamento, não carece de ser acompanhada de referência especificada aos meios de prova indiciária em que se fundamenta”. Ponderou, na ocasião, o Tribunal que “a não referência dos meios de prova em que se baseia a comunicação de novos factos indiciados, integrantes da categoria legal de alteração não substancial, traduz-se apenas numa não especificação dos mesmos, de entre todos os que, tendo sido produzidos ou sendo valoráveis em julgamento, se encontram na totalidade identificados. Nesta perspetiva, a omissão de menção especificada não se reflete, em bom rigor, e ao contrário do que sustenta o recorrente, numa diminuição das garantias de defesa face ao que goza o arguido perante a notificação da acusação. Desde logo porque, nos termos do artigo 283.º, também a peça de acusação não carece de relacionar especificadamente os factos imputados e os meios de prova, bastando-se com a indicação em rol das testemunhas a ouvir e a indicação de outros meios de prova, sem especificação dos concretos factos, isoladamente considerados ou agrupados segundo uma qualquer classificação, a que cada fonte probatória se reporta. O mesmo acontece com o despacho de pronúncia, ao qual são aplicáveis, nessa parte, os requisitos da acusação (artigo 308.º, n.º 2, do CPP). Mais: a comunicação a que alude o n.º 1 do artigo 358.º do CPP não incorpora um juízo, positivo ou negativo, sobre a comprovação dos factos a que se refere. Apenas exterioriza que, no estado da prova produzida em julgamento, o princípio da descoberta da verdade obriga a que o tribunal se debruce sobre uma realidade não comportada na acusação ou na pronúncia, podendo tais factos vir a ser dados como provados ou não, em função da prova que for ulteriormente produzida ou examinada. Tratam-se, pois, de factos meramente sinalizados aos sujeitos processuais, de índole precária e indiciária, porque ainda sujeitos a eventual contraprova e ao crivo da discussão contraditória em audiência. A valoração da prova produzida e a decisão sobre a verdade dos factos imputados (os factos que integram a acusação ou pronúncia, assim como os novos factos comunicados em cumprimento do n.º 1 do artigo 358.º do CPP), ocorre apenas com a emissão da sentença ou acórdão, juízo de facto sobre o qual recai uma exigência de fundamentação especificada e tanto quanto possível completa, ainda que concisa, das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (artigo 374.º, n.º 2 do CPP), com cominação de nulidade do ato judicativo (artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP). Desta forma, tendo em conta, por um lado, que, não obstante não existir uma indicação especificada dos meios de prova relevantes para o juízo de indiciação conducente à comunicação de factos prevista no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, se encontra assegurada a identificação da totalidade dos meios de prova, produzidos ou valoráveis em fase de julgamento, e, por outro lado, que os factos comunicados são apenas indiciados, conclui-se que a interpretação normativa em sindicância não fere o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido. De facto, perante a comunicação da alteração não substancial dos factos, ainda que desacompanhada da referência aos meios de prova em que se fundamenta, a possibilidade de o arguido utilizar um prazo para preparar a sua defesa, nomeadamente arrolando novos meios de prova e proferindo alegações, a final, sobre toda a prova produzida, salvaguarda o direito do mesmo a poder pronunciar-se sobre todos os factos e questões que, direta ou indiretamente, se repercutem na pretensão punitiva do Estado e da qual ele é alvo.”15 Subscrevemos, na íntegra, a clara e esclarecedora posição adotada pelo Tribunal Constitucional, mostrando-se desnecessárias maiores considerações. O substrato probatório exposto na fundamentação da decisão será, naturalmente, relevante para se avaliar se ocorre, ou não, erro de julgamento quanto à matéria em questão, mas a circunstância de não ter sido indicado antecipadamente (antes de proferida a decisão final, em 1ª instância), não torna inválida a comunicação de uma alteração não substancial (e já vimos, nos termos acima expostos, que a alteração introduzida não teve como efeito alterar a realidade fáctica que já se encontrava descrita na acusação, não podendo, em consequência, qualificar-se como substancial). Resta, pois, apreciar a terceira objeção levantada pelos recorrentes, que se prende com a admissibilidade de alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação (e/ou na pronúncia), quando a mesma tenha por efeito o aumento das sanções penais abstratamente aplicáveis. Segundo o recorrente DD, “a interpretação do art. 358º nº3 do CPP terá de ser aquela que passa por considerar que a qualificação jurídica dada aos factos na acusação fixa o limite quantitativo da pena a aplicar no processo”. Não é assim, no entanto. Na verdade, resulta do disposto no artigo 339º, nº 4 do Código de Processo Penal que “Sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos, a discussão da causa tem por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.º e 369.º” – com o evidente significado de que, como já acima se expôs, o objeto do processo se define pela descrição dos factos e não pela qualificação jurídica que para os mesmos é proposta pelo Ministério Público (ou pelo Juiz de Instrução). Por seu turno, o artigo 358º, nº 3 do Código de Processo Penal impõe a aplicação do respetivo nº 1 (ou seja, a comunicação, no decurso da audiência e a concessão de prazo para defesa, caso seja solicitado), quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia. Da conjugação destas duas disposições resulta, cremos que de forma evidente, que o Tribunal, apreciando os factos que lhe são trazidos pela acusação e pela defesa, não está, nem pode estar vinculado à qualificação jurídica feita na acusação, podendo – e devendo – proceder à respetiva alteração, quando conclua ser desacertada. Como explica Luís Lemos Triunfante16, o nº 4 do artigo 339º (aditado pela Lei nº 59/98, de 25 de agosto), “visou ainda rejeitar as teses herdeiras da teoria do fait qualifié que vinculam o objeto do processo à incriminação da acusação ou da pronúncia. O objeto do processo não é constituído pela incriminação imputada ao arguido, mas antes pelos factos que lhe são imputados. A investigação e a decisão abrangem o facto descrito na acusação e as pessoas imputadas pela acusação. Dentro destes limites estão os tribunais autorizados e obrigados a uma atividade autónoma e, em especial, eles não estão vinculados na aplicação da lei penal aos requerimentos feitos. O tribunal está apenas vinculado tematicamente pelo «facto histórico unitário», descrito na acusação, não pela qualificação jurídica dada ao facto na acusação. Em consequência, o MP, o arguido e o assistente têm o direito de discutir a qualificação jurídica dos factos sem quaisquer restrições durante a audiência e o juiz tem o dever de suscitar essa discussão, caso pondere como plausível uma qualificação jurídica dos factos distinta da que consta da acusação ou da pronúncia (Paulo Pinto de Albuquerque, 2011, p. 875).” E isto é assim mesmo que a alteração da qualificação jurídica venha a traduzir-se na imputação de um crime punido mais gravemente do que o que constava da acusação, ou mesmo que importe a imputação de mais crimes do que os inicialmente considerados – o ponto é, sempre, que tal corresponda a uma apreciação jurídica de factos completa e adequadamente descritos. É o que sucede no caso em apreço: os factos constavam integralmente da acusação – a alteração da redação, como vimos, não introduziu quaisquer elementos fácticos que não se achassem já naquela peça processual – e o Tribunal, lendo-a e analisando-a, constatou que na mesma se reportava a fabricação/alteração/utilização de documentos que a lei qualifica como autênticos, pelo que se impunha o enquadramento na previsão do nº 3 do artigo 256º do Código Penal, e, em conformidade, procedeu à respetiva comunicação, de modo a que os arguidos pudessem exercer adequadamente a sua defesa. Respondendo diretamente à alegação do recorrente, expõe, com assinalável clareza, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.11.201217: “O art. 358º, do C. Processo Penal, na redacção anterior à dada pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, regulava apenas o regime da alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia. Como já se referiu, a falta de norma expressa deu causa a uma divergência doutrinária e jurisprudencial relativamente ao tratamento a dar à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia. Assim, o Prof. Germano Marques da Silva, citado pelos recorrentes, defendia que se da alteração da qualificação jurídica resultasse para o arguido um tratamento mais gravoso, a alteração corresponderia a uma alteração substancial dos factos, a submeter ao regime do art. 359º, do C. Processo Penal (cfr. Do Processo Penal Preliminar, pág. 302). Mas a jurisprudência maioritária, e parte significativa da doutrina (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 2007, pág. 886), ia no sentido da plena liberdade da qualificação jurídica dos factos pelo tribunal, desde que ao arguido fosse assegurada a possibilidade do contraditório perante a nova qualificação [assim, os já referidos Assentos 2/93 e 3/2000 e os Acs. do T. Constitucional nºs 279/95 e 446/97]. Hoje, legem habemus. A Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, aditou ao art. 358º, do C. Processo Penal o nº 3, instituindo o regime legal da alteração da qualificação jurídica: é equiparada à alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, havendo lugar à sua comunicação ao arguido que poderá requerer prazo para a preparação da defesa. Desta forma, desde que assegurado o contraditório, o tribunal pode qualificar juridicamente os factos descritos na acusação ou na pronúncia, ainda que da alteração resulte a condenação do arguido pela prática de crime mais grave do que o ali imputado.” Neste mesmo sentido, podem ainda ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06.02.201918 e de 16.12.202119, do Tribunal da Relação do Porto de 20.11.201920 e de 07.06.202321, do Tribunal da Relação de Évora de 24.01.202322, e deste Tribunal da Relação de Lisboa de 14.09.202123 e de 23.04.202424. Face ao que fica exposto, não são necessárias maiores considerações: improcede, pois, a invocada nulidade. * iv.1.2. da nulidade por falta de exame crítico da prova - artigo 379º, nº 1, alínea a) Invoca o recorrente AA a nulidade da decisão recorrida, argumentando para o efeito que o acórdão é “totalmente omisso quanto aos fundamentos, elementos ou motivação em que suportou a convicção da preexistência de um plano e comunhão de esforços entre o arguido, o coarguido e terceiros para a concretização dos factos praticados por pessoa não concretamente identificada junto do ..., mas já não junto do ...”, e que “sobre a alegada repartição do lucro, nada é alvitrado nos presentes autos”. Sustenta, por isso, que “o Acórdão Recorrido viola o que se encontra preceituado no n.º 2 do Artigo 374.º do Código de Processo Penal razão pela qual, atento o que dispõe a alínea a) do nº 1 do Artigo 379.º do Código de Processo Penal, está ferido de nulidade”. Vejamos. Em conformidade com o disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal, é nula a sentença “Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 389º-A e 391º”. O artigo 374º do Código de Processo Penal, por seu turno, abrange uma ampla consignação de deveres que recaem sobre o julgador, em sede de fundamentação da convicção e de enquadramento jurídico, no que concerne a três instâncias decisórias, que constituem em grande medida a sentença que terá de ser proferida a final. Pese embora tais deveres se mostrem interligados (dada a sede em que têm de ser cumpridos, isto é, no texto decisório que põe termo à causa), a verdade é que se distinguem entre si. Assim, determina o artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. Tal preceito traduz a consagração legal da imposição constante do artigo 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são, sempre, fundamentadas (nos termos definidos por lei). Como tem jurisprudencialmente vindo a ser entendido, de modo pacífico, o dever de fundamentação da decisão traduz-se em assumir uma síntese intelectualmente honesta e suficientemente expressiva do resultado do exame contraditório sobre as distintas fontes de prova. Pela fundamentação decisória o juiz presta conta aos destinatários da sentença do veredicto que emana, denotando o seu verdadeiro perfil. O juiz examina a prova e depois manifesta uma opção de sentido e valor, e essa tarefa não dispensa que ao fixar os seus elementos de convicção o faça de forma clara, em vez de, materialmente, descrever, mas, antes, convencer, não «ad pompam», em puras e absurdas exibições de banal «erudição de disco duro», por isso a fundamentação decisória se reconduz a uma exposição tanto quanto possível completa , porém concisa das razões de facto e de direito – artigo 374º, nº 2 , do Código de Processo Penal - contrariada, vezes sem conta, espelhando uma alongada reprodução da matéria de facto, que exige e só um trabalho de síntese, de seleção, conexo e explicativo do processo decisório, dispensando a enumeração pontual, à exaustão das fontes em que o julgador se ancorou.25 A necessidade de fundamentação da sentença serve claros propósitos, repetidamente afirmados, como se pode ver no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.03.200526: “A fundamentação da sentença consiste, pois, na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão. As decisões judiciais, com efeito, não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz (Cfr. Germano Marques da Silva, “Curso de processo penal”, III, pág. 289). A garantia de fundamentação é indispensável para que se assegure o real respeito pelo princípio da legalidade da decisão judicial; o dever de o juiz respeitar e aplicar correctamente a lei seria afectado se fosse deixado à consciência individual e insindicável do próprio juiz. A sua observância concorre para a garantia da imparcialidade da decisão; o juiz independente e imparcial só o é se a decisão resultar fundada num apuramento objectivo dos factos da causa e numa interpretação válida e imparcial da norma de direito (cfr. Michele Taruffo, «Note sulla garanzia costituzionale della motivazione», in BFDUC, ano 1979, Vol. LV, págs. 31-32).”. O dever de fundamentação em matéria de facto mostrar-se-á cumprido quando do texto da decisão se depreenda, não apenas a matéria de facto provada e não provada (sujeita a enumeração, ou seja, com indicação dos factos um a um), mas também a expressa explicitação do porquê dessa opção (decisão) tomada, o que se alcança através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, isto é, dando-se a conhecer as razões pelas quais se valorou ou não valorou as provas e a forma como estas foram interpretadas27. A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projeção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor, e motivos que determinaram a decisão; em outra perspetiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos - para reapreciar uma decisão, o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19.12.201928. Como se escreveu neste aresto, «O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que, em tal exame crítico, estejam exteriorizadas as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. O que não se exige, na fundamentação da decisão fáctica (quer na enunciação das provas produzidas, quer no exame crítico das mesmas), é uma qualquer operação épica, em que o juiz tenha de expor, um a um, passo por passo, com inteiro detalhe, todo o seu percurso lógico dedutivo. Não se exige, pois, que o juiz explane todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenvolveu a dinâmica dos factos em determinada situação, e, muito menos, que o juiz equacione todas as possibilidades (muitas delas até desrazoáveis, e, mesmo, absurdas) suscitadas, ao sabor das suas conveniências, pelos diferentes sujeitos processuais. Também não se exige ao juiz que, de forma exaustiva e meramente descritiva, referencie e analise todas as declarações e todos os depoimentos, e, depois disso, vá ainda, facto a facto, pormenor a pormenor, circunstância a circunstância, explicar onde foi retirar a prova de cada um deles. Exige-se, isso sim (mas é coisa diferente), a enunciação, especificada, dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, a referência à credibilidade que os mesmos mereceram ao tribunal, e o exame do seu valor e relevância probatórios, permitindo-se, assim, no contexto ambiental, de espaço e de tempo dos factos delitivos em apreço, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum.» Na verdade, a motivação da decisão de facto, seja qual for o conteúdo que se lhe dê, não pode ser um substituto do princípio da oralidade e da imediação no que tange à atividade de produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe refletir nela exaustivamente todos os fatores probatórios, argumentos, intuições, etc., que fundamentam a convicção ou resultado probatório - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.06.199929. «Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respetivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão. Como se decidiu por ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.10.2007 (proc. 07P1779), a fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. A integração das noções de «exame crítico» e de “fundamentação” de facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.» - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.201630. Assim, mantendo presente o que acima se deixou dito quanto às características que deve revestir a fundamentação da matéria de facto: ou seja, uma justificação tanto quanto possível completa, mas concisa, que se cumpre num modelo de economia argumentativa onde a explicitação do juízo decisório deve ser sintética, ao invés de exaustiva, sem usar mais argumentos do que os necessários para dizer o que é essencial – espera-se, pois, uma fundamentação razoável, mas estritamente suficiente, para cumprir o parâmetro legal da concisão – importa confrontar o paradigma legal com a concreta fundamentação plasmada na decisão sob recurso. E, neste âmbito, tem de dizer-se que o acórdão recorrido cumpre, com distinção, as exigências constantes dos normativos legais: a fundamentação oferecida é exaustiva, permitindo, quer aos respetivos destinatários principais (os arguidos), quer ao Tribunal de recurso, compreender que elementos probatórios sustentam a convicção formada quanto aos factos, mais elucidando, de forma detalhada, as diversas circunstâncias que levaram o coletivo de juízes a convencer-se de que os factos se passaram pela forma dada como provada, expondo não apenas os dados concretamente apurados, mas também os raciocínios produzidos sobre os mesmos (nos termos que constam da fundamentação reproduzida supra), deixando claras as ilações extraídas do conjunto dos elementos de prova disponíveis. O coletivo de juízes expôs, de forma clara, não só os meios de prova (direta) em que fez assentar a sua convicção relativamente aos factos, mas também as ilações que deles retirou e que lhe permitiram alcançar (por via indireta) uma convicção positiva quanto à participação dos arguidos nos mencionados factos, a adesão dos mesmo ao plano posto em marcha para lograr a apropriação da quantia em causa nos autos, e o conhecimento que, inevitavelmente, detinham das circunstâncias em que atuavam e, bem assim, a vontade que os animou. O recorrente pode discordar da convicção formada pelo Tribunal, mas o que não pode, seguramente, é afirmar que não foi oferecida fundamentação para a mesma. É, pois, evidente que não se verifica a nulidade invocada pelo recorrente. * iv.2. dos recursos em matéria de facto Como se sabe, as questões relativas à matéria de facto podem ser sindicadas essencialmente por duas vias: i. Por recurso à chamada revista alargada, que se reconduz à invocação de ocorrência de qualquer um dos vícios consignados no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal; ii. Ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nrs 3, 4 e 6, do mesmo código. Trataremos separadamente de cada um destes aspetos. * iv.2.1. revista alargada – vícios do artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal O recorrente AA concluiu (nas conclusões ww) a ddd) do respetivo recurso), que o acórdão “padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº 2, alíneas a) do C.P.P., o que sucede porque, podendo fazê-lo, o tribunal não investigou toda a matéria de facto relevante”, que “os factos provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso concreto, no que diz respeito aos crimes de burla, de falsidade informática e de falsificação de documento”, e que “O Acórdão recorrido enferma, também, do vício do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do nº 2 do artigo 410.º do Código do Processo Penal”. Porém, em apoio das suas afirmações, limitou-se a referir que “inexiste investigação e ou prova sobre o envolvimento do recorrente na preparação e execução de um plano criminoso, sendo que no seu modesto entender, a comprovação de que fez consultas à conta bancária do cliente RR, a pedido do co-arguido DD, não podiam bastar ao Tribunal”, que “o processo decisório evidenciado através da motivação da decisão recorrida, não está suficientemente suportado, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção do Tribunal”, e que “o Acórdão recorrido padece dos invocados vícios, por ter cometido, salvo melhor opinião, uma manifesta desacertada ponderação da matéria de facto que logrou dar como assente, note-se provada, assim como da matéria de facto dada como não provada”, concluindo, em consequência, que “o Tribunal a quo elencou, na matéria que considerou provada, factos que estão em flagrante oposição com a prova produzida (assim como a não produzida, que carece de igual relevância) em Julgamento e com toda a que se encontra entranhada nos autos”. Ora, o artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal prevê que, “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova”. (sublinhado nosso) A indagação de tais vícios, por parte do tribunal ad quem, é uma tarefa puramente jurídica, de matéria de direito, já que mais nenhuma outra prova é necessária para que se possa concluir pela eventual existência ou não dos mesmos. Mais não constitui tal tarefa de indagação do que a aplicação da norma adjetiva em causa às circunstâncias concretas da decisão em recurso. Como anota Pereira Madeira31, “É a lei quem o inculca com clareza ao impor que o vício resulte do texto da decisão recorrida, apenas e só, eventualmente com recurso às regras de experiência comum. Por isso, fica excluída da previsão do preceito toda a tarefa de apreciação e ou valoração da prova produzida, em audiência ou fora dela, nomeadamente a valoração de depoimentos, mesmo que objecto de gravação, documentos ou outro tipo de provas, tarefa reservada para o conhecimento do recurso em matéria de facto.” Assim, a apreciação de tais questões deve incidir, exclusivamente, sobre o texto da decisão recorrida (ou seja, sem recurso a qualquer outro elemento externo – declarações, depoimentos ou documentos do processo), por si só ou conjugada com as regras de experiência comum. A «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» verifica-se quando os factos dados como assentes na decisão são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição; ou seja, quando os factos provados são insuficientes para poderem sustentar a decisão recorrida ou quando o tribunal recorrido, devendo e podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, o que determina que a matéria dada como assente não permite, dada a sua insuficiência, a aplicação do direito ao caso. Note-se, todavia, que só há insuficiência para a decisão da matéria de facto quando existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito, ou quando há uma lacuna por não se apurar o que é evidente que se podia apurar, ou quando o tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo. Assim, tal insuficiência – definida por Simas Santos e Leal-Henriques32 precisamente, como uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito” – tem de existir internamente, no âmbito da decisão, devendo aferir-se em função do objeto do processo, fixado pela acusação e/ou pronúncia, quando exista, e complementado pela defesa. Tal vício só se verificará se se concluir que o tribunal de julgamento deixou de dar resposta a um facto essencial postulado pelo referido objeto do processo, isto é, se deixou por esgotar o thema probandum. Porém, como se assinalou no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 29.03.201133, «não se deve confundir este vício decisório com a errada subsunção dos factos (devida e totalmente apurados) ao direito, o que consubstancia um caso de erro de julgamento. Nem, por outro lado, tal vício se reconduz à discordância sobre a factualidade que o tribunal, apreciando a prova com base nas “regras da experiência” e a sua “livre convicção”, nos termos do artigo 127.º do C.P.P., entendeu dar como provada. A insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão que pertence ao âmbito do princípio de livre apreciação da prova, não é sindicável caso não seja suscitada a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto.» A «contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão» só ocorre quando se verificar incompatibilidade não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão. Na clara lição de Simas Santos e Leal-Henriques34: «há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente». Como se esclarece no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.10.200735: “A contradição insanável da fundamentação, ou entre a fundamentação e a decisão, supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente, ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito. A contradição e a não conciliabilidade têm, pois, de se referir aos factos, entre si ou enquanto fundamentos, mas não a uma qualquer disfunção ou distonia que se situe unicamente no plano da argumentação ou da compreensão adjuvante ou adjacente dos factos.” Verificar-se-á igualmente o vício previsto na alínea b), do nº 2 do artigo 410º quando há contradição entre os vários pontos da matéria de facto dada como provada; entre a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada; em sede de fundamentação probatória da matéria de facto, e ainda entre a fundamentação e a decisão36. Porém, o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão não se verifica quando o resultado a que o juiz chegou na sentença advém, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu corresponder aos factos provados. Se o tribunal a quo entende que os factos provados não corporizam todos os elementos do tipo legal de crime imputado ao agente, não está em causa uma questão de facto – contradição insanável da fundamentação - mas sim uma questão de direito: erro de subsunção dos factos ao direito37. No que se refere ao «erro notório na apreciação da prova», este abrange, naturalmente, as hipótese de erro evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta; quando se retira de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável; quando se dá como assente algo patentemente errado; quando se retira de um facto provado uma conclusão arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum; quando se violam as regras da prova vinculada, as regras da experiência; as leges artis ou quando o tribunal se afasta, sem fundamento, dos juízos dos peritos. Porém, basta, para assegurar a notoriedade do erro, que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinada – e ainda que, para além das perceções do homem comum – e sopesado à luz de regras de experiência38. Ponto é que, no fim, não reste qualquer dúvida sobre a existência do vício e que a sua existência fique devidamente demonstrada pelo tribunal ad quem. Citando ainda o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 29.03.2011, «O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio - ou, talvez melhor dito (se partirmos de um critério menos restritivo, na senda do entendimento do Conselheiro José de Sousa Brito, na declaração de voto no Acórdão n.º 322/93, in www.tribunalconstitucional.pt, ou do entendimento do Acórdão do S.T.J. de 30 de Janeiro de 2002, Proc. n.º 3264/01 - 3.ª Secção, sumariado em SASTJ), ao juiz “normal”, dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, desde que seja segura a verificação da sua existência -, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, consistindo, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., p. 74; Acórdão da R. do Porto de 12/11/2003, Processo 0342994, em http://www.dgsi.pt).» Ora, vista a alegação do recorrente, facilmente se constata que não se reporta a vícios patentes no texto da decisão recorrida – portanto, não os contemplados no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal – antes pretendendo questionar a avaliação da prova feita pelo Tribunal a quo, na medida em que se limita a tecer considerações quanto à inaptidão da prova produzida para permitir dar como provados os factos consignados na decisão condenatória e quanto à existência de «contradição» entre a prova produzida e os factos dados como provados. Assim, ainda que convoque a mencionada disposição legal, resulta claro que não são os vícios na mesma contemplados que aqui pretende discutir. No mais – considerada a oficiosidade do conhecimento de tais vícios – cabe dizer que, lida atentamente a decisão recorrida, não vemos que na mesma se tenha cometido algum dos vícios contemplados no citado artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal – designadamente, que a matéria de facto provada seja insuficiente para a decisão, que seja evidente a existência de factos essenciais que tenham ficado por apurar ou que tenha sido extraída da matéria de facto qualquer conclusão patentemente errada, ilógica ou arbitrária. Na verdade, o Tribunal recorrido tomou posição sobre a totalidade do objeto do processo, tal como o mesmo foi configurado pelos sujeitos processuais, e os factos que apurou são, claramente, bastantes para permitir a decisão alcançada. Como se disse, pode discordar-se da decisão, mas essa discordância relevará já de eventual erro de julgamento (do que trataremos adiante). Improcede, pois, o recurso no que se refere à verificação de qualquer dos vícios previstos no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal no acórdão recorrido. * iv.2.2. impugnação ampla da matéria de facto – erro de julgamento Como resulta do disposto no artigo 428º, nº 1, do Código de Processo Penal, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, do que decorre que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respetivos poderes de cognição. Tal como já se apontou, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, no que se denomina de «revista alargada», cuja indagação, como referimos, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, nos 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal, caso em que a apreciação se alarga à análise da prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, só podendo alterar-se o decidido se as provas indicadas obrigarem a decisão diversa da proferida [assim não podendo fazer-se caso tais provas apenas permitam uma outra decisão, a par da decisão recorrida - neste último caso, havendo duas, ou mais, possíveis soluções de facto, face à prova produzida (o que sucede, com algum grau de frequência, nomeadamente nos casos em que os elementos de prova recolhidos são totalmente opostos ou muito contraditórios entre si), se a decisão de primeira instância se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções face às regras de experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, pois tal decisão foi proferida de acordo com as imposições previstas na lei (artigos 127º e 374º, nº 2 do Código de Processo Penal), inexistindo assim violação destes preceitos legais] – cf., por todos, o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 02.11.202139. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. A reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa40. Quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto na modalidade ampla, as conclusões do recurso, por força do estabelecido no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, têm de descriminar: a) Os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cf. artigo 430º do Código de Processo Penal). Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nos 4 e 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal), salientando-se que o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão nº 3/201241, fixou jurisprudência no sentido de que: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações». As menções feitas nas alíneas a), b) e c) dos nos 3 e 4 do referido artigo 412º estão intimamente relacionadas com a inteligibilidade da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão fáctica. Na verdade, o que decorre dos requisitos legais supra enunciados é algo simples – cabe ao recorrente enunciar qual a factualidade concreta que se mostra mal apreciada e discutir os diversos segmentos probatórios que, no seu entender, deveriam fundar uma diversa apreciação relativamente a tais pontos de facto. Efetivamente, não basta afirmar sumariamente que A. ou B. disse isto ou aquilo, que não corresponde ao que foi dado como assente; necessário se mostra que o recorrente, com base nesses elementos probatórios, os discuta face aos restantes e demonstre que o raciocínio lógico e conviccional do tribunal a quo se mostra sem suporte, na análise global a realizar da prova, enunciando concretamente as razões para tal. No fundo, exige-se que o recorrente – à semelhança do que a lei impõe ao juiz – fundamente a imperiosa existência de erro de julgamento, desmontando e refutando a argumentação expendida pelo julgador. Assim, o que é pedido ao recorrente que invoca a existência de erro de julgamento é que aponte na decisão os segmentos que impugna e que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas (se tal for o caso), quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quaisquer outros concretos e especificados elementos probatórios, demonstrando com argumentos a verificação do erro judiciário a que alude. No caso dos autos, genericamente, ambos os recorrentes reportam como incorretamente julgados os pontos 4, 5, 7, 10, 11, 36, 41, 44 e 45, a que o recorrente AA acrescenta os pontos 42, 43 e 46, e o recorrente DD adita ainda o ponto 642. Não obstante, depreende-se da respetiva alegação que aquilo de que discordam, fundamentalmente, é que possa considerar-se provado que tenha existido qualquer espécie de acordo entre eles e o terceiro não concretamente identificado que se apresentou na agência de ... do BANCO GG e aí procedeu, em três dias distintos, ao levantamento de quantias depositadas em nome de RR; que tenham tido qualquer papel na fabricação do passaporte apresentado pelo mencionado terceiro; e que, de algum modo, tenham tido conhecimento e/ou vontade de participar no plano desse terceiro, que lhe permitiu fazer sua a quantia de €310.000,00. Aceitando ambos os arguidos que, efetivamente, foram feitas as pesquisas referidas nos pontos 8 e 9 dos factos provados (e que os respetivos resultados foram comunicados – independentemente do suporte em que o possam ter sido), e que foram realizadas as operações bancárias dadas como provadas nos pontos 12 a 28 (nas quais o arguido AA assumidamente tomou parte, e admitindo o arguido DD que acompanhou o terceiro não identificado ao balcão do BANCO GG de ... e aí o apresentou ao arguido AA), o que verdadeiramente pretendem discutir são as ilações extraídas pelo Tribunal a quo, a partir da conjugação dos diversos elementos de prova, apreciados à luz das regras de experiência comum, sustentando ambos que as narrativas por si apresentadas são mais verosímeis do que aquela que constitui a matéria provada – e que o Tribunal recorrido deveria ter-se convencido de que os recorrentes foram tão ludibriados como todos os demais funcionários do banco. Assim, o que os recorrentes efetivamente se propõem por em causa é o modo como o coletivo de juízes adquiriu a sua convicção relativamente a factos que não foram confessados pelos arguidos, nem são, em si mesmos, observáveis naturalisticamente (por constituírem elementos do foro íntimo de cada um), antes sendo objeto de um raciocínio indutivo, ou seja, a chamada prova indireta. Como reflete, a propósito da aquisição da verdade processual, Perfecto Andrez Ibañez43, “Hoje sabemos bem (ainda que nem sempre pareça) que a «matéria prima» da sentença não é constituída por factos, mas antes por enunciados linguísticos44 relativos a acções que podem ou não ter ocorrido e que por isso importa saber se são verdadeiros ou falsos. Os factos objecto da referência judicial não têm existência actual e não podem aceder como tais ao processo. Se ocorreram, foi sob a forma de um acto, em princípio penalmente relevante, normalmente produtor de um resultado observável através de um conjunto de vestígios em redor da sua execução e dos traços que ficam na memória de eventuais testemunhas. Os factos, como parte do passado já não estão nem são constatáveis por alguém que, como o juiz, opera no presente e não pode experienciá-los. No entanto são esses «rastos» a que nos referimos que são susceptíveis de comprovação e é em função do resultado desta que pode obter-se alguma conclusão sobre a plausibilidade ou falta de plausibilidade da hipótese acusatória submetida à consideração do juiz. As distintas formas de entender a prova permitem individualizar elementos do julgamento que, tratados com rigor indutivo de acordo com as máximas de experiência - generalizações de saber empírico de validade socialmente aceite - tornam possível estabelecer conclusões de carácter fáctico dotadas de certeza prática. Isto é, prováveis com um alto grau de probabilidade, mas que não decorrem directamente das premissas.” É, pois, neste contexto que tem de ser encarada a prova trazida ao julgamento (toda a prova, abrangendo quer a prova por declarações, quer a prova documental e, naturalmente, as declarações dos arguidos, quando tenham sido prestadas), e é a esta luz que deve ser interpretado o esforço imposto ao julgador na fixação dos acontecimentos passados com relevância penal, em que se inclui a intencionalidade dos respetivos agentes (porquanto, se assim não fosse, o resultado seria uma ação sem intenção). Entre nós, em matéria de apreciação da prova, rege o artigo 127º, do Código de Processo Penal, que estabelece que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, sendo certo que, como decorre do disposto no artigo 125º do Código de Processo Penal, “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”. Tal livre apreciação da prova, não é livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinam uma convicção racional, objetivável e motivável. Não significando, porém, que seja totalmente objetiva pois, não pode nunca dissociar-se da pessoa do juiz que a aprecia e na qual “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais (...)”45. A livre valoração da prova não pode, pois, ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas sim valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão. Como a este respeito se escreveu no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 11.03.202146, “O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado». E convém referir que quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os recorrentes. Normalmente, os erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar.” Ambos os recorrentes criticam, no essencial, o modo como o Tribunal recorrido se convenceu da respetiva participação nos factos, acusando o coletivo de juízes de ter formulado conclusões probatórias sem apoio em meios de prova que as consentissem. Está, pois, em causa o recurso a presunções judiciais na fixação dos factos provados e a potencial violação do princípio da presunção de inocência. Como se escreveu no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 10.01.201847, “O princípio da presunção de inocência, na verdade, é um dos princípios fundamentais em que se sustenta o processo penal num Estado de Direito. Assumido como um dos princípios estruturantes no âmbito da prova, nomeadamente no domínio da questão de facto, o princípio in dubio pro reo além de ser uma garantia subjetiva «é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa» (Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, 2007, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 518-519). O que está em causa neste princípio é, na persistência de uma dúvida razoável após a produção de prova em relação a factos imputados a um suspeito, um comando dirigido ao tribunal para «atuar em sentido favorável ao arguido» (cf. Figueiredo(...), Direito Processual Penal, 1981, pp. 215).” Citando, ainda, Andrez Ibañez48, diremos que “A presunção de inocência impõe ao juiz de julgamento uma posição de neutralidade estrita no início e, nesse sentido, um esforço intelectual para se despojar e prescindir metodicamente de tudo o que possa ter sabido da causa (tanto pela comunicação social como em virtude de qualquer contacto anterior com os procedimentos). O seu posicionamento perante as hipóteses submetidas à sua consideração tende a ser a de perplexidade, expressivamente reclamada por Muratori49. Perplexidade de quem não sabe a quem aderir porque, segundo as regras, ainda não conhece. Da presunção de inocência disse-se que, na realidade e na medida em que implica restrições ao modo de actuar judicial no processo de obtenção de conhecimento, seria um obstáculo ao estabelecimento da verdade como objectivo central do processo. No entanto, essa afirmação que pode ter alguma consistência em certas ocasiões não é assim entendida, quando efectuada uma visão global do assunto. Com efeito há indubitável razão na medida em que aquela só se destrói através dos meios de prova licitamente adquirida, sendo que, por princípio deveria permanecer incólume frente à prova que tenha sido produzida através da vulnerabilidade de algum direito fundamental, substantivo ou processual. Trata-se, no entanto, de um limitado número de pressupostos, definidos através da existência de um conflito entre o interesse oficial na determinação do que efectivamente sucedeu no caso e o interesse constitucional da tutela de outros bens essenciais, dando-se preferência a este último, que é assumido como prioritário. Este princípio equivale à adopção do paradigma indiciário como critério guia, o que significa que somente deve acusar-se na presença de indícios de um delito de alguma qualidade, isto é, susceptíveis de verbalização, de consideração intersubjectiva como pressuposto da necessária e tendencial objectividade do investigador policial e judicial. Que exige também uma atitude conotada com a ausência de prejuízos, ou seja, um regime de actuação caracterizado por «jogo limpo» que neste sentido quer dizer honesto, intelectual e juridicamente regular. Assim, um modo de proceder com esta matriz impõe, por regra, o uso de uma metodologia entendida como racional na perspectiva dos usos sociais50. Desde logo, exige a consideração de todos os elementos empíricos evidenciados. A consciência clara do que vale cada um deles e dos passos que podem dar-se a partir deles: onde conduzem e porquê, isto é, sustentados em que máximas de experiência. Sabendo que a melhor hipótese é a mais rica em conteúdos empíricos e, em regra, é a mais simples a que melhor explica. Sabe-se, por último, que o que se quer alcançar através do processo judicial pertence à categoria do conhecimento provável, pois a conclusão fáctica em que se traduz não se segue logicamente às premissas, de acordo com uma qualquer lei geral universal. Não decorrendo do quadro probatório uma certeza dedutiva51 é, por isso, ineludível a exigência de fundamentação, ou seja, que as decisões sejam eficazmente motivadas em matéria de facto e de direito. Motivar, na sua aproximação mais óbvia é justificar a decisão adoptada para que possa ser controlada do exterior. Algo que seria efectuado num segundo momento apresentando de forma inteligível o iter do discurso52 que foi utilizado no tratamento da prova e levou à decisão. É necessário que todo esse processo seja eficazmente presidido pela interiorização e afirmação intelectual do dever de motivar para que se mostrem integralmente - e, portanto, numa perspectiva ex ante - as causas do que é motivável de forma a que não se decida outra coisa que não possa ser justificada53.” No que se reporta especificamente à utilização de presunções judiciais, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar em diversas ocasiões, nomeadamente no Acórdão nº 521/201854, de 17.10.2018, com referência a outras decisões daquele mesmo Tribunal, do qual citamos: “[…] no que respeita ao conceito de presunções judiciais, não existe no Código de Processo Penal qualquer menção expressa ao mesmo. A referência legal ao conceito de presunções pode ser encontrada no Código Civil, cujo artigo 349.º as define como «ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido». Vaz Serra (Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 108.º, n.º 3559, pág. 352), caracterizando esta figura, referiu que as presunções «pressupõem a existência de um facto conhecido (base das presunções), cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelos meios probatórios gerais; provado esse facto, intervém a lei (no caso de presunções legais) ou o julgador (no caso de presunções judiciais) a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se o julgador, para esse fim, de regras deduzidas da experiência de vida». Na verdade, a utilização de presunção judicial permite que perante um ou mais factos conhecidos, por um procedimento lógico de indução, se adquira ou se admita a realidade de um facto não diretamente demonstrado, na convicção, apoiada nas regras da ciência, da experiência ou da normalidade da vida, de que certos factos são a consequência de outros. E é no valor da credibilidade do id quod e na consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma direta que está o fundamento racional da presunção, residindo na medida desse valor e dessa consistência a maior ou menor validade da inferência efetuada. […] Ora, na prova por utilização de presunção judicial, a qual pode sempre ser infirmada por contraprova, na passagem do facto conhecido para a prova do facto desconhecido, intervêm juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais que permitem fundadamente afirmar, segundo as regras da normalidade, que determinado facto, que não está diretamente provado é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. Quando o valor da credibilidade do id quod e a consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma direta atinge um determinado grau que permite ao julgador inferir este último elemento, com o grau de probabilidade exigível em processo penal, a presunção de inocência resulta ilidida por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio in dubio pro reo. O que sucede é que a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do Réu. […] Acresce que a distinção entre prova direta e indireta não se baseia num predicado epistemológico – a idoneidade ou o valor do meio de prova −, mas num predicado lógico – a relação entre a prova e o facto. A distinção justifica-se, essencialmente, por razões de comodidade analítica. Possui ainda a virtude metodológica de permitir discriminar processos inferenciais de complexidade diversa, na medida em que a prova indireta implica, por natureza, uma cadeia de raciocínio entre o facto probatório e o facto probando, ao passo que a prova direta do facto probando decorre imediatamente da adesão do julgador ao facto probatório. Porém, tal distinção nada de relevante encerra sobre a força probatória dos meios de prova que através dela se classificam, como se demonstra através da comparação entre o depoimento de uma testemunha de credibilidade duvidosa no sentido de que o arguido estava em determinado local a determinada hora e a inferência de que tal não é possível porque o arguido integra a lista de passageiros de um voo que decorria a essa hora. A solidez do raciocínio probatório não é uma função da tipologia da prova, senão da verosimilhança dos factos e da validade das inferências deles extraídas. Nesta medida, só perante os contornos do caso concreto e os elementos probatórios disponíveis no processo se poderá aferir da maior ou menor força dos meios de prova diretos e indiretos que se tenham produzido, nada obstando à prevalência de uns sobre os outros e mesmo à possibilidade de uma prova indireta constituir fundamento suficiente para a demonstração judicial da verdade. Indispensável é que a prova indireta atinja o limiar de certeza exigível para uma condenação em processo penal. Refira-se ainda que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso a prova indireta em processo penal, designadamente no caso John Murray v. Reino Unido, decidido por Acórdão de 08 de fevereiro de 1996. A formulação de juízos de inferência incriminatórios encontra-se, segundo o TEDH, condicionada à verificação de determinados pressupostos: (i) a acusação deverá estabelecer previamente, através de prova direta, as circunstâncias que permitem o juízo de inferência; (ii) estas deverão permitir que nelas se apoie a conclusão inferida; e (iii) a conclusão inferida (de que se encontram provados os elementos essenciais do crime) deverá ser estabelecida para além de dúvida razoável. A estes requisitos devem acrescer garantias processuais destinadas a assegurar que o juízo de inferência seja racionalmente exposto e sindicável por via de recurso. Onde tais exigências se mostrem cumpridas – como é o caso do ordenamento processual penal português −, a prova indireta é perfeitamente admissível à luz do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.” Expostas todas estas considerações, que devem orientar a apreciação, por este Tribunal de recurso, da atividade do Tribunal a quo no que se reporta à fixação dos factos provados, revisitemos, então, as concretas questões levantadas pelos recorrentes. O recorrente AA insiste em que não existe prova da impressão ou qualquer outra forma de registo das informações obtidas por via das consultas por si efetuadas no sistema informático do BANCO GG, como também não existe prova de que tenha transmitido tais informações a terceiros (nomeadamente, ao indivíduo que se apresentou no banco e procedeu ao levantamento das quantias depositadas na conta de RR. E diz, ainda, que inexiste qualquer prova da qual possa extrair-se que tenha aderido a qualquer plano formulado com vista à apropriação de tais quantias e, menos ainda, quanto à repartição do lucro de tal atividade. Similarmente, o recorrente DD reclama a inexistência de prova que permita dar como assente que as informações consultadas pelo arguido AA tenham sido por si transmitidas a terceiros (nomeadamente, NN e/ou o indivíduo que se fez passar por RR), insistindo em que desconhecia a utilização que iria ser feita das informações obtidas, que não tomou parte em qualquer plano, nem acordou qualquer repartição dos lucros visados com tal atuação. Expõe este recorrente, de forma reiterada, que é mais verosímil a conclusão de que também ele foi ludibriado (mais argumentando que o Tribunal a quo assim considerou no que se refere aos factos sucedidos no balcão de ...BANCO GG, em que não teve por demonstrada a intervenção dos arguidos, não se compreendendo o que distingue essa situação da verificada no balcão de ...). Não têm, no entanto, razão os recorrentes. E o Tribunal recorrido expôs, de forma que cremos clara, por que motivos se convenceu da ocorrência de tais factos. Comecemos pela transmissão das informações. Nenhum dos arguidos nega que foram feitas as consultas aos elementos bancários relativos aos indivíduos identificados, designadamente, no ponto 6 dos factos provados. Não só tais consultas, efetuadas pelo arguido AA, são admitidas pelos arguidos, como as mesmas ficaram registadas no sistema informático do banco, como deu conta a testemunha LL, que analisou os dados disponibilizados por esse sistema (e, nesse sentido, o seu conhecimento dos factos é direto). E o sistema mostra, como também referiu a mencionada testemunha, que foram consultadas várias informações, designadamente, os dados de contacto, os documentos de identificação e ficha de assinaturas, e não apenas os saldos bancários (elementos esses que o arguido não teria necessidade de consultar se fosse verdadeira a hipótese probatória avançada pelos recorrentes). Como, adequadamente, se ponderou na decisão recorrida: “Nenhuma outra explicação plausível pode resultar destas consultas que não seja a necessidade do arguido AA fornecer ao arguido DD e ao indivíduo não concretamente apurado os resultados das pesquisas, conforme se dá por assente em 10. e essencial à fabricação do passaporte”. Por outro lado, que tais informações foram efetivamente transmitidas a terceiros resulta claro da circunstância de o indivíduo que se fez passar por RR se apresentar no banco com um documento de identificação «semelhante» ao que existia na base de dados daquela instituição e de ter desenhado assinaturas também «semelhantes» às que constavam da ficha de assinaturas (o que significa que teve prévio acesso a tais elementos), ao que vem aliado que os movimentos bancários que solicitou se mostravam possíveis face ao saldo das contas (demonstrando-se, assim, o prévio conhecimento desse saldo). A possibilidade de que exista uma coincidência fortuita entre a circunstância de o arguido AA ter procedido a tais consultas (confessadamente a pedido do arguido DD) e de um terceiro (estranho ao banco e de cuja atividade não existe rasto no sistema informático da instituição) ter obtido tais elementos tendo-os transmitido ao indivíduo que procedeu aos levantamentos, é claramente menos verosímil, e contrária às regras de experiência comum, do que a que foi aceite pelo Tribunal a quo, com base na conjugação de elementos de prova que detalhadamente expôs. É verdade que se provou que houve um outro funcionário do Banco GG que procedeu a consulta da conta do cliente RR. No entanto, tal atividade ocorreu em momento bastante anterior àquele em que se passaram os factos em causa nos presentes autos (as consultas efetuadas pelo arguido AA acontecem em momento temporal bem mais próximo daquele em que ocorre a presença do indivíduo que se fez passar por RR na agência) e sucedeu numa agência no norte do país, não se lhe seguindo qualquer atividade sobre a mencionada conta bancária (ao contrário do que sucedeu na agência de ...). Acresce que, mais uma vez, de acordo com o depoimento da testemunha LL, o sistema não mostra que, nessa consulta, tenham sido acedidos outros elementos (como o documento de identificação ou a ficha de assinaturas), ao contrário do que sucedeu com a consulta efetuada pelo arguido AA. Também por isso, não merece censura o raciocínio conviccional seguido pelo Tribunal a quo. E outro tanto tem de dizer-se quanto à circunstância de se ter considerado demonstrado que ambos os arguidos tomaram parte de um plano destinado a lograr a apropriação das quantias existentes na conta bancária de RR – com o fito de por essa via obter lucro – sendo conhecedores da ilicitude das respetivas condutas e, ainda assim, escolhendo adotá-las, apesar de terem a possibilidade de não o fazer. Na verdade, está provado que os arguidos praticaram atos que, objetivamente, se mostraram essenciais para que essa apropriação fosse possível: não só obtiveram os dados bancários, como o arguido DD levou o indivíduo em questão à agência onde se encontrava o arguido AA, o que foi feito à hora em que se encontravam menos trabalhadores na agência, e este último arguido acolheu esse indivíduo e disponibilizou-lhe as verbas solicitadas (em três ocasiões distintas), notando-se que lhe facilitou o preenchimento da documentação necessária para o efeito, designadamente, virando para ele o monitor do seu computador e deixando-o recorrer a elementos que lhe permitiram desenhar (na presença do arguido AA) a «assinatura» de RR. A confiança exibida entre o arguido AA e o suposto RR foi também decisiva para que as superioras hierárquicas daquele primeiro não fossem especialmente rigorosas na verificação da identidade deste último (as próprias o disseram). E foi também essencial ao êxito do plano que o arguido AA tenha introduzido no sistema informático do banco um novo número de contacto do cliente (o que não estava autorizado a fazer, atentas as funções por si desempenhadas), que levou a que o gestor de conta do cliente em questão tivesse efetuado um contacto para esse número, convencendo-se da regularidade das operações (e de que falara com o seu cliente), e bem assim, que tenha sido aproveitado o período de transmissão da gerência (com o envio de e-mails que só foram lidos a posteriori) para obter a disponibilização da quantia de € 260.000,00 – tudo como, detalhadamente, se expõe na decisão recorrida. Perante tais comportamentos, apurados de forma direta55, constitui uma consequência lógica a conclusão de que os arguidos estavam a par do plano criminoso posto em marcha e no mesmo decidiram tomar parte, sabendo que o faziam. Vale notar, a propósito, que os acontecimentos no balcão de ... não são idênticos aos que vimos analisando: aí o «suposto II» não contou com a colaboração do funcionário do banco, não lhe foi mostrada in loco a ficha de assinaturas, e inexistiu qualquer familiaridade com o funcionário que pudesse levar os responsáveis «a baixar a guardar» (e o «personagem» também não voltou lá mais duas vezes). Mas, com especial relevo, o que não foi possível estabelecer foi que os dois arguidos – pese embora as pesquisas efetuadas às contas tituladas por II – tenham tido qualquer outra intervenção nesses factos. Como se pode ver da fundamentação oferecida pelo Tribunal recorrido, o que há a este respeito é falta de prova. Por isso, mesmo que não possa excluir-se que os arguidos tenham contribuído para esses acontecimentos, a prova produzida não permite estabelecê-lo com a necessária segurança (e por isso tais factos foram, no que respeita aos arguidos, considerados não provados) – o que não sucede com os demais factos apurados. Quanto à projetada repartição do lucro, os próprios arguidos, ao exporem a sua versão alternativa – de que lhes foi apresentado um investidor angolano, pessoa de elevadas posses, a quem tencionavam propor negócios imobiliários, almejando obter por essa via compensação monetária, dispondo-se em vista disso a praticar atos que sabiam contrários aos seus deveres funcionais – deixam claro que o seu envolvimento nos factos não poderia ter outro móbil. A conclusão a este respeito alcançada pelo Tribunal a quo não é descabida, nem ilógica. Que tenham, ou não, recebido a projetada vantagem patrimonial, é facto que, efetivamente, não está demonstrado nos autos – mas tal é absolutamente irrelevante para o preenchimento dos crimes aqui em causa, como adiante se verá. Finalmente, no que se refere especificamente ao ponto 45 dos factos dados como provados, expressamente questionado pelo recorrente DD, cabe dar nota de que, como se vê da factualidade apurada sob os números 16, 18, 22, 27 (que nenhum dos recorrentes questiona), foi necessário realizar várias operações para lograr a disponibilização dos fundos, uma vez que os valores não se encontrariam todos na conta à ordem, não bastando um simples levantamento, como de resto se dá conta na fundamentação da decisão, com expressa referência aos documentos constantes dos autos. O facto em questão mostra-se, pois, assente em prova direta. Impõe-se reconhecer que a decisão recorrida apresenta uma fundamentação extensa, cuidada, congruente e formulada com apelo à conjugação de todos os meios de prova ao dispor do Tribunal, extraindo desses elementos de prova conclusões ancoradas nas regras de experiência comum, que a argumentação expendida pelos recorrentes não logrou abalar. Neste sentido, estamos claramente perante caso em que a prova indireta se mostra assente em dados conhecidos que, com toda a segurança e para além da dúvida razoável permitem ao Tribunal alcançar a certeza necessária quanto à verificação dos factos. No âmbito da apreciação da prova, interessa não tanto excluir qualquer possibilidade abstrata, matemática, de os factos terem decorrido de forma diversa da narrativa acusatória, mas antes ponderar as várias hipóteses factuais plausíveis, alternativas à hipótese probanda, à luz da experiência comum e do normal acontecer das coisas, de forma a ajuizar se alguma delas fica em aberto. Não está aqui em causa a questão do estalão (standard) da prova em processo penal, o mesmo é dizer, o limiar mínimo de certeza quanto ao facto probando para que este deva ser dado como provado − e, assim, tomado por verdadeiro − pelo tribunal de julgamento. É pacífico que esse estalão corresponde a uma convicção para além de toda a dúvida razoável, sendo por isso incompatível com a afirmação de meros indícios ou com a subsistência de qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões válidas. Assim é, por imposição do princípio da presunção de inocência, senão também como decorrência do princípio da culpa – nullum crimen sine culpa –, enquanto fundamento axiológico e limite absoluto da punição criminal (cf. Acórdão TC nº 521/2018, já citado). Como se escreveu no já referido acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 10.01.2018, “a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica. O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto, estando umbilicalmente ligado, limitando-o, ao princípio da livre apreciação – a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio in dubio pro reo impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável. De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido – cfr. acórdão do STJ de 2/5/1996, CJ/STJ, tomo II/96, pp. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspetivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.” Sublinhamos, a este respeito, que a seleção da perspetiva probatória que favorece o acusado só se impõe quando, esgotadas todas as operações de análise e confronto de toda a prova produzida perante o julgador, apreciada conjugadamente entre si e em conformidade com as máximas de experiência, a lógica geralmente aceite e o normal acontecer das coisas, subsista mais do que uma possibilidade de igual verosimilhança e razoabilidade. Ora, tal não é, manifestamente, o caso dos autos – como, de resto, resulta claro da fundamentação exposta pelo Tribunal a quo. Ao contrário do repetidamente afirmado pelos recorrentes, as versões pelos mesmos apresentadas não são mais verosímeis do que a que foi dada como provada. Pelo contrário, o que relatam56 chega a ser delirante – e, ouvida a prova gravada, nomeadamente as declarações prestadas pelos arguidos e o depoimento de NN, não temos dúvidas em secundar a avaliação efetuada pelo Tribunal a quo a tal respeito. É verdade que, quer a intenção, quer a motivação, como conclusões de direito que são, não podem fazer-se derivar, imediatamente, da prova, mas deduzir-se dela, na medida em que sejam mera consequência ou prolongamento da mesma. Trata-se de factos, que não deixam de o ser, mas que assumem uma particular especificidade, na medida em que constituem realidades do foro psíquico, logo internos do sujeito. Tais factos não se comprovam em si próprios, mas mediante ilações, retiradas face aos atos e às circunstâncias concretas do seu cometimento57. No caso, como cremos ter deixado claro, a atividade desenvolvida pelos arguidos não deixa margem para dúvidas quanto aos propósitos que os animaram. Lida a decisão (e a respetiva fundamentação), é de considerar que, de acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, é razoável o entendimento do Tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto. Não se esconde, como não o escondeu o Tribunal a quo, que houve recurso a prova indireta – como não poderia deixar de ser, já que os arguidos não confessaram os factos – no entanto, as inferências produzidas são as únicas que podem considerar-se consentâneas com os factos objetivos apurados de forma direta e com as regras de experiência comum e o normal acontecer das coisas. Nesta operação, o Tribunal a quo mais não fez do que exercitar o raciocínio lógico imposto ao julgador na conjugação dos diversos elementos probatórios, tratando de, a partir de determinados factos assentes (nomeadamente, as operações bancárias levadas a cabo, os dados introduzidos no sistema informático do banco e a interação com o suposto RR), retirar a ilação da verificação de outros, com base nas regras da experiência e nas presunções judiciais. As provas existem para a decisão tomada e não se vislumbra qualquer violação de normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica). O Tribunal a quo apreciou criticamente todas as provas produzidas conjugadas entre si e com as regras de experiência comum, conforme consta da respetiva fundamentação de facto. Os recorrentes não concordam. Porém, a fundamentação da convicção do Tribunal, em conjugação com a matéria de facto fixada, não revela que seja notoriamente errada, ilógica, contrária às regras da experiência comum – e as provas indicadas pelo recorrente DD não são, claramente, bastantes para impor uma decisão diversa daquela que foi a do Tribunal a quo (merecendo destaque a incoerência das declarações prestadas pelos arguidos e, mais ainda, a total inverosimilhança do depoimento da testemunha NN, que apenas por acaso não é arguido no processo – subscrevendo-se na íntegra a valoração exposta na decisão recorrida). Note-se que todos os elementos de prova apontados no recurso foram devidamente ponderados na decisão recorrida (não lhes sendo atribuído conteúdo diverso do reportado pelo recorrente), mas não foram reconhecidos como credíveis no confronto com a demais prova produzida – como minuciosamente se detalha na fundamentação do acórdão. Podemos, pois, concluir, que o Tribunal a quo, imbuído da imediação, explicitou as razões da sua convicção, de forma lógica e global, com o mínimo de consciência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor, alicerçar uma convicção sobre a verdade dos factos. Acresce que, para além, na dúvida razoável, tal juízo há de sempre sobrepor-se às convicções pessoais dos restantes sujeitos processuais, como corolário do princípio da livre apreciação da prova ou da liberdade do julgamento. Como sintetiza Sérgio Poças: “Se as provas credíveis se ajudam umas às outras – mutuamente se fortalecendo nesta comunicação – a prova resultado, por força deste factor de comunicação, é necessariamente maior de que a mera junção daquelas provas”.58 A apreciação da prova não é feita por segmentos isolados, estanques, opacos e incomunicáveis entre si, mas antes através da análise de todo o acervo produzido e da sua ponderação à luz dos critérios estabelecidos no artigo 127º do Código de Processo Penal. E foi o que sucedeu no caso em apreço: o Tribunal a quo expôs, de forma muito clara, os meios de que se serviu e o raciocínio que seguiu para concluir que os recorrentes efetivamente praticaram os factos dados como provados. Nenhum dos elementos de prova convocados pelo Tribunal a quo configura prova inadmissível e todos foram sujeitos ao contraditório, em audiência de julgamento. Assim, a convicção alcançada pelo Tribunal a quo mostra-se assente não apenas na prova testemunhal e documental elencada, mas também nas regras de experiência comum, na lógica e no normal suceder das coisas. A conjugação de todos os elementos probatórios recolhidos e devidamente explicitados na decisão do Tribunal a quo permite inferências suficientemente seguras no sentido da matéria dada como provada, não se vislumbrando qualquer contra-argumento suficientemente seguro que justifique e, menos ainda, imponha, solução diferente daquela a que chegou o Tribunal recorrido, cumprindo, mais uma vez, salientar que a crítica à convicção a que este chegou, sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência comum, não pode ter sucesso, se se alicerçar apenas na diferente convicção dos recorrentes sobre a prova produzida. Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha de algum modo desrespeitado os princípios que regem a livre apreciação da prova, não merecendo, por isso, qualquer censura por parte deste Tribunal de recurso. * iv.2.3. da violação do princípio «in dubio pro reo» Alegou o recorrente AA que, face à prova produzida, o Tribunal deveria ter permanecido na dúvida quanto aos factos ocorridos, o que imporia a respetiva absolvição, em obediência ao princípio in dubio pro reo. Retomando a exposição que já acima iniciámos, a propósito do princípio in dubio pro reo59, diremos, mais uma vez, que o que dele resulta é que quando o tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido, quer na instrução, quer no julgamento. Mas, para que a dúvida seja relevante para este efeito, há de ser uma dúvida razoável, uma dúvida fundada em razões adequadas e não qualquer dúvida (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, p. 205)60. A violação deste princípio tem sempre que ser aferida em concreto, porque só em concreto pode acontecer que no final da produção da prova no tribunal permaneça alguma dúvida importante e séria sobre o ato externo e a culpabilidade do arguido. Tal aferição não pode ser feita em abstrato, dizendo-se que a admissão deste ou daquele tipo de prova viola este princípio. Existem provas proibidas e provas cuja valoração é proibida, em determinadas circunstâncias, mas isso é outro problema. Se as provas levadas em conta forem legais, só em concreto se pode aferir se o tribunal ficou, ou devia ter ficado, com dúvidas relevantes. Só haverá, pois, violação do mencionado princípio quando, perante uma dúvida sobre factos essenciais para a decisão da causa, venha o julgador a decidir em desfavor do arguido. Tal não ocorreu, manifestamente, no caso dos autos, mostrando-se a factualidade julgada provada estribada em prova produzida em julgamento e em consonância com essa prova. Não vislumbramos no acórdão recorrido, quer na matéria de facto julgada provada, quer na sua fundamentação, que, ao fazer esta opção fáctica, o Tribunal a quo tivesse tido qualquer hesitação quanto à valoração da prova, não se vislumbrando também que, na concreta situação dos autos, devesse ter tido qualquer dúvida. A argumentação do recorrente a este respeito assenta, apenas, na sua convicção de que «inexiste prova» que justifique a respetiva condenação. Já vimos que não é assim – e o Tribunal recorrido, manifestamente, não ficou na dúvida quanto aos factos que considerou provados – e não se vê que devesse ter ficado. Assim, mostrando-se a opção fáctica feita pelo Tribunal a quo baseada em prova produzida em julgamento e à qual o Tribunal atribuiu credibilidade e verosimilhança, nenhum reparo merece a decisão recorrida, sendo evidente que os recorrentes não indicaram prova que obrigasse a decisão diferente da adotada. Consequentemente, inexistindo qualquer erro de julgamento ou qualquer violação do princípio in dubio pro reo, impõe-se manter a matéria de facto nos precisos termos fixados pela 1ª instância. Improcede, pois, o recurso no que toca à impugnação da matéria de facto. * iv.3. questões de direito no âmbito dos recursos interpostos pelos arguidos. Aqui chegados e perante a improcedência dos recursos interpostos no que se refere à impugnação da matéria de facto, mantidos que se mostram, em definitivo, os factos provados tal como enunciados pelo Tribunal a quo, cumpre analisar e decidir as questões suscitadas pelos recorrentes em matéria de Direito, mantendo-se presente que, com base na sobredita factualidade decidiu o Tribunal recorrido condená-los pela prática, em coautoria, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, nos 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea b), todos do Código Penal, um crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3º, nos 1 e 3 da Lei do Cibercrime, aprovada pela Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, um crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo artigo 6º, nos 1 e 4 da Lei do Cibercrime, e um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 255º, alíneas a) e c) e 256º, nº 1, alíneas a), e) e f) e nº 3, todos do Código Penal. * iv.3.1. do enquadramento jurídico-penal Não refutam os arguidos, nos respetivos recursos, que os crimes em questão tenham o recorte típico considerado na decisão recorrida ou que as condutas descritas, enquanto atribuídas ao «terceiro não identificado», preencham os referidos tipos criminais. O que se propõem discutir é, apenas, a sua intervenção nos factos e, bem assim, a verificação de concurso aparente entre os mencionados ilícitos, como veremos. A propósito da relevância criminal da factualidade apurada, sustenta o recorrente AA que: “O que resultou deste julgamento é que em qualquer dos casos a astúcia e o engano, o domínio do erro em que se centram o crime de burla e os correlacionados crimes de falsificação de documento e falsidade informática e todos os passos que determinaram a entrega do dinheiro, se bastaram com e se concentraram exclusivamente na conduta do indivíduo não concretamente identificado”, pelo que, em seu entender “nenhum facto com ressonância criminal, relacionado com planeamento e execução de um crime de burla, de um crime de falsidade informática e de um crime de falsificação de documento, resulta demonstrado ter sido praticado pelo recorrente” – em consequência, declara conformar-se apenas com a sua condenação pela prática de um crime de acesso ilegítimo. Apesar de dizer, a rematar a sua alegação, que “sempre estaríamos perante um evidente concurso aparente com o Crime de Burla, pelo que o recorrente só por este poderia ser punido”, não ofereceu, este recorrente, quaisquer argumentos em suporte de tal afirmação. O recorrente DD, por seu turno, declarando embora aceitar a sua condenação pela prática de um crime de acesso ilegítimo, sustenta que “na narrativa da decisão recorrida, são crimes-meio a falsificação, a falsidade informática, o crime de acesso ilegítimo, e o crime-fim, é a Burla Qualificada, pelo que estamos perante um concurso aparente e não real ou ideal”, pelo que, “mesmo contando apenas com a narrativa da decisão recorrida, jamais o recorrente poderia ser punido para além da Burla”. As questões suscitadas pelos recorrentes reportam-se a planos distintos de análise: por um lado, está em causa a existência de comparticipação criminosa (posto que ambos foram condenados como coautores), e, por outro lado, a verificação de concurso efetivo (ou aparente) entre os crimes imputados aos arguidos. Comecemos pela comparticipação. Quanto à coautoria na prática dos factos – que os recorrentes manifestam ter dificuldade em reconhecer, insistindo em distanciar-se dos acontecimentos que conduziram à apropriação de € 310.000,00 pertencentes a terceiro – há que ter presente quanto se dispõe no artigo 26º do Código Penal, do qual resulta que é punível como coautor quem tomar parte direta na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros. Importa ressaltar que, tal como se considerou no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20.01.201561 “para verificação de tal execução conjunta não se exige que todos os agentes intervenham em todos os actos delitivos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, destinados a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actividade de cada um dos agentes seja parcela do conjunto da acção, desde que indispensável à produção do fim e do resultado a que o acordo se destina, valendo o princípio da imputação objectiva recíproca, no sentido da imputação da totalidade do facto típico a cada um dos comparticipantes, independentemente da concreta fracção do iter delitivo que cada um haja realizado.” É este, também, o entendimento sustentado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.06.201262, no qual se refere que, “[s]em divergência a jurisprudência, teorizando sobre a coautoria, define esta como envolvendo um acordo prévio com vista à realização do facto, acordo esse que pode ser expresso ou implícito, a inferir razoavelmente dos factos materiais comprovados, ao qual se pode aderir inicial ou sucessivamente, ou seja já no desencadear da acção típica, não sendo imprescindível que o coautor tome parte na execução de todos os actos, mas que aqueles em que participa sejam essenciais à produção do resultado cfr. Acs. deste STJ de 11.4.2002, P.º n.º 485/02-5.ª, de 24.10.2002, p.º n.º 3211/02-5, de 21.10 2004, P.º n.º 04P3205 e de 08-06-2011, Proc. n.º 1584/09.3PBSNT.S1 - 3.ª Secção. Essencial no plano objectivo, ainda, que domine funcionalmente o facto, pressuposto que a doutrina alemã, de modo especial por Roxin, tem enunciado no sentido de que o co-autor tem o domínio do facto quando acordou em repartir funções; o autor não é titular do domínio exclusivo do facto, mas também não domina, apenas, a parte do facto que pessoalmente lhe cabe realizar; cada coautor é, sim, cotitular de todo o domínio funcional do facto, solução que se acha também acolhida nos estudos de Welzel, de 1939, Jescheck e Stratenwert, citados por Maria da Conceição Valdágua, in Início da Tentativa do Co-autor, pág.s 26 e 73. Na coautoria há, pois, um querer do resultado global pelo comparticipante, como próprio, com base numa decisão comum e de forças conjugadas, bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas à luz da experiência comum – Todo o colaborador é aqui, como parceiro dos mesmos direitos, co-titular da resolução comum para o efeito de realização comunitária do tipo por forma que as contribuições individuais, dos seus comparsas, completam-se em um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes, teoriza Wessels, op. cit., 121. O coautor torna-se senhor do facto, que domina globalmente, tanto pela positiva, assumindo um poder de direcção, preponderante na execução conjunta do facto, como pela negativa, podendo impedi-lo, sem que se torne necessária, para a comparticipação estabelecida, a prática de todos os factos que integram o “iter criminis” (cfr. Dr.ª Maria da Conceição Valdágua, in O Início da Tentativa do Co-Autor, 1985, Ed. Danúbio, 155/156 BMJ 341, 202 e segs.). No plano subjectivo imprescindível à comparticipação como coautor é que subsista a consciência da cooperação na acção comum – cfr., neste sentido, os Ac. deste STJ, de 19.11.2011, P.º n.º 6034/08.OTDPRT.P1.S1.” Ora, não tendo sido introduzida qualquer alteração na factualidade dada como provada, resulta claro da mesma a existência de acordo entre os arguidos e o terceiro que se fez passar por RR, tendo em vista a apropriação de valores existentes nas contas bancárias deste. E, no plano dos concretos acontecimentos, vemos que o referido terceiro (ou alguém com o mesmo concertado) forneceu ao arguido DD a indicação das contas e pessoas a pesquisar (pesquisa que abrangeu os documentos de identificação conhecidos do banco e a respetiva ficha de assinaturas), atividade que foi empreendida pelo arguido AA, transmitindo os respetivos resultados pela mesma via, obtidas as informações, o terceiro «entrou em cena», comparecendo na agência bancária onde trabalhava o arguido AA, à qual foi conduzido pelo arguido DD, desencadeando-se, então, todos os procedimentos que tornaram possível que aquele terceiro fosse entregue a quantia global de € 310.000,00 (repartida em três levantamentos realizados em dias distintos), sem que o titular da conta ou os responsáveis do banco se dessem conta do que se estava a passar. É, pois, evidente que ocorreu uma distribuição de tarefas, pelo menos entre estas três pessoas (podendo admitir-se que existissem outros envolvidos no plano criminoso), sendo claramente relevantes todos os apontados contributos para o sucesso do projeto. O que se observa, pois, é uma atuação concertada dos dois arguidos (e do terceiro, não identificado), no quadro de um plano criminoso que exigiu planeamento prévio, do qual todos estavam cientes. Note-se que, como se escreveu no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.06.2012, citando Cavaleiro de Ferreira63, “[o] plano do agente nada mais é do que o projecto do crime quanto à sua execução, que deverá finalizar com a sua consumação. E assim o dolo é incindível, abrangendo tanto o resultado final como o meio e os actos que o devem produzir.” É, assim, manifesto que os arguidos agiram em coautoria, praticando em conjunto os factos, cada um com a tarefa que lhe coube, devendo o resultado final de tal conjugação de esforços refletir-se nos dois64 de forma igual – que o mesmo é dizer, sendo imputável a totalidade da atuação criminosa a ambos e cada um dos arguidos, mesmo que o enriquecimento ilegítimo visado com a conduta apenas beneficiasse um terceiro, já que o tipo legal do crime de burla não exige que o agente tenha em vista o seu próprio enriquecimento, e, menos ainda, que tal enriquecimento efetivamente aconteça (daí a irrelevância de se apurar se aos arguidos foi, ou não, entregue alguma contrapartida pecuniária). No que tange ao dolo que os animou e à forma como foi o mesmo apurado, consignou-se na decisão recorrida que: “Os depoimentos colhidos em audiência permitem ancorar a convicção de que os arguidos AA e DD atuaram com a intenção concretizada de, em conjunto com indivíduo não concretamente identificado, lançar mão dos fundos contidos na conta do cliente RR, cientes de que enganavam o BANCO GG e demais funcionários, seus colegas, usando ou ajudando a usar documentos forjados. E, como assumido pelos dois, estes acederam, através do arguido AA, a informação contida em sistema informático a que não poderiam aceder, nomeadamente extratos, saldos médios e fichas de assinaturas de clientes do Banco, com a intenção de alcançar, para eles e para outrem, um benefício ou vantagem ilegítimos. Mais, violam ambos, resulta das declarações dos dois, o dever de sigilo profissional a que estão sujeitos.” E, mais adiante, ainda “A atuação do arguido AA e do arguido DD pressupõe o conhecimento das fragilidades do sistema de compliance do Banco, nomeadamente que esse Departamento de Compliance parte do princípio que a legitimidade de quem ordena os levantamentos foi efetivamente controlada por quem os paga, fixando-se na análise da transação na ótica da justificação e destino dos fundos. E ultrapassada a barreira da gerente, o arguido AA sabia que estavam abertas as portas para o plano singrar. Pelo que a atuação dos arguidos e do terceiro indivíduo, projetada no exterior, permite ao tribunal, por tudo o que se disse, objetivar a sua motivação interior e dar por assentes os factos que se consideraram provados de 36. a 46..” Tal raciocínio não nos merece qualquer censura, mostrando-se o processo valorativo seguido pelo Tribunal recorrido inteiramente conforme com as regras de experiência comum e a normalidade dos acontecimentos – como já tivemos ocasião de referir. Nas palavras do citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.06.2012, “[c]omo se não ignora a ideia de um dolo “in re ipsa”, que sem mais resultaria da materialidade factual, está hoje arredada do direito penal; o dolo não se presume; as presunções de culpa deixaram de persistir no direito penal; a subjectividade das condutas tem de resultar de factos de que, inequivocamente, demonstrado o processo lógico que a ele conduzem, se possa afirmar a intenção criminosa, nos termos do art.º 14.º, do CP. Dizendo respeito o dolo, a intenção criminosa, ao foro íntimo das pessoas, ao domínio do seu psiquismo, aquela só se atinge por via indirecta, pela análise da conduta material, no concretismo da situação conjugada com as regras da experiência comum dela reveladora, como teoriza o Prof. Figueiredo Dias, in RLJ, Ano 105, 125.” Com o Supremo Tribunal diremos também que o dolo deve ser expressamente invocado para ser relevado e o Coletivo afirmou que os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e na execução de um plano previamente traçado, no intuito concretizado de obter um enriquecimento ilegítimo (para os próprios e/ou para terceiro), acedendo a dados informáticos de terceiros e introduzindo alterações relevantes no sistema informático do banco, e colaborando ainda na fabricação de documento de identificação (ao fornecerem elementos que deveriam constar desses documentos forjados), sabendo que todas essas condutas lhes estavam vedadas e que agiam em prejuízo dos legítimos titulares de tais direitos, o que os não impediu de agir, querendo e conseguindo alcançar os referidos resultados. A atuação dolosa está, pois, inequivocamente demonstrada. E tanto basta para que se conclua pela plena responsabilização de ambos os arguidos por todos os factos acontecidos, atenta a coautoria em que se acham envolvidos, improcedendo os recursos, também nesta parte. É, pois, tempo de nos debruçarmos sobre o concurso de crimes, que os recorrentes pretendem ser aparente, constituindo os crimes de falsidade informática, acesso ilegítimo e falsificação de documento meio de cometimento do crime-fim: o de burla qualificada. Mais uma vez, comecemos pelos conceitos. De acordo com a previsão constante do artigo 30º, nº 1 do Código Penal, “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”. Esclarece Eduardo Correia65, que a expressão legal «tipo de crime» não se cingia para efeito do concurso de crimes ao «tipo com um bem jurídico diverso», antes abarcava um conceito plurifacetado de «tipo», que englobava três critérios cumulativos de definição da pluralidade de crimes: a diferença do bem jurídico protegido pelo tipo («se diversos valores ou bens jurídicos são negados, outros tantos crimes haverão de ser contados independentemente de, no plano naturalístico, lhes corresponder uma só actividade»), a pluralidade de resoluções criminosas do agente («Seguro é que, sempre que possa verificar-se uma pluralidade de resoluções – de resolução no sentido de determinações de vontade, de realizações do projecto criminoso -, o juízo de censura será plúrimo») e a conexão temporal dos vários momentos da conduta do agente («para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação»). Em conclusão, a concretização do que é um «tipo de crime» para efeitos do concurso de crimes faz-se por referência ao critério da identidade do bem jurídico protegido pelo tipo, corrigido pelo critério da «conexão situacional» entre diversas realizações típicas homogéneas. Trata-se, portanto, de um conceito composto, com uma componente axiológica e uma componente fáctica. Neste âmbito, convocamos, ainda, a jurisprudência exposta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.201066, no qual se pode ler: “A problemática relativa ao concurso de crimes (unidade e pluralidade de infracções), das mais complexas na teoria geral do direito penal, tem no artigo 30º do Código Penal a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. O critério determinante do concurso é, assim, no plano da indicação legislativa, o que resulta da consideração dos tipos legais violados. E efectivamente violados, o que aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico. A indicação da lei acolhe, pois, as construções teoréticas e as categorias dogmáticas que, sucessivamente elaboradas, se acolhem nas noções de concurso real e concurso ideal. Há concurso real quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções), e concurso ideal quando através de uma mesma acção se violam várias normas penais ou a mesma norma repetida vezes (unidade de acção). O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes «efectivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado). Ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há, com efeito, casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras. A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração - concurso impróprio, aparente ou unidade de lei. A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segunda regras de especialidade, subsidiariedade ou consunção. Especialmente difícil na sua caracterização é a consunção. Diz-se que há consunção quando o conteúdo de injusto de uma acção típica abrange, incluindo-o, outro tipo de modo que, de um ponto de vista jurídico, expressa de forma exaustiva o desvalor (cfr. v. g. H. H. Jescheck e Thomas Weigend, "Tratado de Derecho Penal", 5ª edição, p. 788 e ss.). A razão teleológica para determinar as normas efectivamente violadas ou os crimes efectivamente cometidos, só pode encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efectivamente violados. O critério do bem jurídico como referente da natureza efectiva da violação plural é, pois, essencial. O critério operativo de distinção entre categorias, que permite determinar se em casos de pluralidade de acções ou pluralidade de tipos realizados existe, efectivamente, unidade ou pluralidade de crimes, id. est, concurso legal ou aparente ou real ou ideal, reverte ao bem jurídico e à concreta definição que esteja subjacente relativamente a cada tipo de crime. Ao critério de bem jurídico têm de ser referidas as soluções a encontrar no plano da teoria geral do crime, sendo a matriz de toda a elaboração dogmática (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de 29/06/2006, proc. nº 1942/06-3ª).” Assente, em face do que se deixa exposto, que o critério determinante para a existência de concurso efetivo de crimes há de ser a diversidade dos bens jurídicos tutelados pelas normas jurídicas violadas, cabe reconhecer que na decisão recorrida se expôs, de forma clara e convincente, o modo como as condutas dos arguidos (e do terceiro não identificado) preenchem os quatro tipos criminais pelos quais os arguidos vieram a ser condenados – em termos que os recorrentes, verdadeiramente, não põem em causa. Aí se referiu, adicionalmente, que o crime de burla, previsto pelos artigos 217º e 218º do Código Penal, tutela, essencialmente, o património, o crime de falsidade informática, previsto pelo artigo 3º, nos 1 e 3 da Lei do Cibercrime (Lei nº 109/2009, de 15 de setembro), tutela a “integridade dos sistemas de informação” através do qual se “pretende impedir os actos praticados contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade de sistemas informáticos, de redes e dados informáticos, bem como a utilização fraudulenta desses sistemas, redes e dados”67, que o bem jurídico protegido no crime de acesso ilegítimo, previsto no artigo 6º da Lei do Cibercrime, consiste na reserva e a intimidade dos cidadãos, face às modernas ameaças à segurança dos sistemas informáticos, que põem em causa a confidencialidade e a integridade da informação neles contidos68, e que o bem jurídico que se protege com o crime de falsificação de documento, previsto no artigo 256º, nº 1, alíneas a), e) e f) e nº 3 do Código Penal, é a fé pública, traduzida na segurança e credibilidade no tráfego jurídico-probatório – ou seja, estamos perante bens jurídicos protegidos pelas mencionadas normas incriminadoras que são distintos entre si, razão pela qual o concurso é efetivo, e não aparente. É longa a discussão doutrinária e jurisprudencial, designadamente a propósito do concurso entre os crimes de burla e falsificação, na medida em que os atos suscetíveis de preencher este último constituem, bastas vezes, o artifício essencial ao cometimento do crime de burla, ou seja, a falsificação é o modo como o crime de burla é cometido. A este respeito, e não obstante a existência de opiniões dissonantes69, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 05.06.201370, fixou jurisprudência no sentido de que “A alteração introduzida pela Lei 59/2007 no tipo legal do crime de falsificação previsto no artigo 256 do Código Penal, estabelecendo um elemento subjetivo especial, não afeta a jurisprudência fixada nos acórdãos de fixação de jurisprudência de 19 de Fevereiro de 1992 e 8/2000 de 4 de Maio de 2000 e, nomeadamente, a interpretação neles constante de que, no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256º, nº 1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, do mesmo Código, se verifica um concurso real ou efetivo de crimes” Tal tomada de posição por parte do Supremo Tribunal de Justiça não pode deixar de refletir-se no caso que temos em mãos. Com efeito, como resulta do disposto no artigo 445º, nos 1 e 3 do Código de Processo Penal, a decisão que resolve o conflito pressuposto no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, tem eficácia no processo em que o recurso foi interposto e nos processos cuja tramitação tiver sido suspensa nos termos do nº 2 do artigo 441º; e, muito embora não constitua jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão, sendo que esta exigência de fundamentação é acrescida relativamente à fundamentação pressuposta em qualquer decisão judicial. Na verdade, como se ponderou no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.01.201571, muito embora as decisões do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito dos recursos para fixação de jurisprudência tenham deixado de ter força normativa geral (como sucedia com os «Assentos»), “mantêm uma particular força argumentativa, que desde logo impõe aos tribunais um dever de especial fundamentação quando divirjam da jurisprudência fixada72. Assim o determina o nº 3 do art. 445º do C.P.P. ao estabelecer que «a decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão». E porque é que dizemos que esta especial fundamentação inculca a ideia da particular força argumentativa daquelas decisões? O art. 205º da Constituição da República Portuguesa dispõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei (nº 1). O dever de fundamentação passou a ser uma obrigação geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente (o que bem se compreende uma vez que a motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito e no Estado Social de direito contra o arbítrio do poder judiciário)73. Este dever constitucionalmente tutelado está, também, plasmado na lei ordinária. Assim, nos termos do art. 97º, nº 5, do C.P.P. «os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão». Por seu turno e no que à sentença concerne, determina o nº 2 do art. 374º que esta deve conter a «fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal». Então, quando a lei, no nº 3 do art. 445º do C.P.P., determina que os tribunais que divirjam da jurisprudência fixada pelo S.T.J. devem fundamentar as divergências certamente quererá um mais em relação ao dever geral de fundamentação da decisão, que estando já previstos noutras normas não careceria de específica consagração caso o objectivo fosse o mesmo. O conteúdo desta norma foi sendo preenchido ao longo do tempo com a jurisprudência que se foi produzindo, até chegarmos ao momento presente em que se entende que quando a lei diz que as divergências com a decisão do S.T.J. que fixa jurisprudência têm que ser fundamentadas quer dizer que terão que ser usados argumentos novos, relevantes, nunca anteriormente ponderados. Donde resulta que não cumpre as exigências legais da fundamentação da divergência a invocação de argumentos já anteriormente usados e que nunca mereceram acolhimento. Mas nem só nestes casos é legítima a divergência. Para além daquelas situações, os tribunais sempre poderão perfilhar entendimento divergente desde que a doutrina e/ou a jurisprudência tenham alterado a sua posição relativamente àquela jurisprudência obrigatória ou desde que se vislumbre que o entendimento do S.T.J. mudou desde a jurisprudência fixada. A não ser nos casos acima mencionados – devidamente ponderados e fundamentados, nos termos expostos –, as instâncias devem obediência à jurisprudência fixada pelo S.T.J., mesmo que dela discordem.” Neste mesmo sentido se pronunciam Simas Santos e Leal-Henriques74, , que adiantam que as circunstâncias que justificam o reexame da jurisprudência fixada impõem que existam razões para crer que aquela jurisprudência fixada está ultrapassada – sendo estas, por isso, as únicas razões que podem levar um tribunal judicial a afastar-se da jurisprudência fixada, o que sucederá quando: - o tribunal judicial em causa tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador (no seu texto ou em eventuais votos de vencido), suscetível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada; - se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma a que, na atualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso; ou, finalmente, - a alteração da composição do Supremo Tribunal de Justiça torne claro que a maioria dos juízes das Secções Criminais deixaram de partilhar fundadamente da posição fixada. [Com interesse nesta matéria, vd., ainda, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05.12.2018, no processo nº 21/16.1PFCTB.C1 (Relator: Desembargador Orlando Gonçalves), em www.dgsi.pt, bem como a jurisprudência e doutrina aí mencionadas.] Ora, no que se reporta à matéria que temos em mãos, não se verificou qualquer inflexão relevante na jurisprudência, nem aqui foram trazidos «novos argumentos e de grande valor» que não tivessem sido ponderados na discussão que levou a que fosse adotada a jurisprudência fixada a que fizemos referência. Não pode, por isso, considerar-se que a mesma esteja ultrapassada, pelo que não vemos fundamento para dela dissentir. De resto, pronunciam-se pela existência de concurso efetivo de crimes – relativamente aos tipos legais aqui em causa – entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 01.04.202075, Tribunal da Relação do Porto de 22.03.202376, deste Tribunal da Relação de Lisboa de 09.01.202477, do Tribunal da Relação de Évora de 25.05.202178, do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.05.202379, do Tribunal da Relação de Guimarães de 18.02.201380. Concluímos, assim, que face aos factos dados como provados, está demonstrada a atuação conjunta dos dois arguidos (e do terceiro não identificado), com repartição de tarefas entre si e visando um objetivo comum – o que justifica a respetiva punição no quadro da coautoria, como foi decidido no acórdão recorrido, e, por outro lado, observa-se que as normas violadas pela atuação dos arguidos tutelam bens jurídicos distintos, pelo que o concurso de crimes é efetivo. No mais, damos aqui por reproduzidas as considerações tecidas na decisão recorrida – que subscrevemos – quanto ao preenchimento dos tipos criminais em questão pelas condutas adotadas pelos arguidos. Improcedem, pois, os recursos, quanto ao enquadramento jurídico dos factos apurados. * iv.3.2. da determinação da medida das penas Face à inalteração dos factos dados como provados, e da respetiva subsunção jurídica, seguir-se-ia a apreciação das penas impostas na decisão recorrida. Sucede que, pese embora o recorrente AA tenha referido, a concluir o seu pedido, que, perante o “evidente concurso aparente com o Crime de Burla”, apenas por este crime poderia ser punido, pedindo então “que ela seja reduzida com justeza e suspensa na sua execução e sem qualquer subordinação” (subentendendo-se que pretende referir-se à pena única em que foi condenado), a verdade é que nas conclusões do recurso pelo mesmo interposto nada se diz acerca da medida da(s) pena(s), não se imputando, neste âmbito, qualquer vício ou desconformidade à decisão recorrida – nomeadamente, que na mesma não tenham sido tomadas em conta circunstâncias relevantes para a determinação da medida das penas parcelares e/ou da pena única em que este arguido foi condenado. Já o recorrente DD, partindo do pressuposto de que apenas pode ser condenado pelo crime de acesso ilegítimo, alegou, também, que “a pena a aplicar não poderá se afastar do limite mínimo”. Não alinhou, porém, quaisquer argumentos em favor de tal pretensão. Recordamos, a propósito, que o recurso relativo à medida da pena é um recurso em matéria de direito, e por isso, em conformidade com o que se dispõe no artigo 412º, nº 2 do Código de Processo Penal, as conclusões recursivas devem conter, obrigatoriamente, a indicação das normas jurídicas violadas, do sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, e, em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada. Como claramente resulta da leitura das conclusões formuladas por qualquer dos recorrentes, apesar da significativa extensão das mesmas, delas não consta nenhum dos elementos legalmente obrigatórios. E como tais referências também não constam das motivações apresentadas, não é viável o convite ao aperfeiçoamento previsto no nº 3 do artigo 417º do Código de Processo Penal – já que este nunca poderia modificar o âmbito do(s) recurso(s) definido na respetiva motivação (cf. nº 4 do citado artigo 417º). Assim, não se divisando na decisão recorrida – no que tange à determinação da medida das penas – qualquer vício ou deficiência que deva ser conhecido oficiosamente, não cabe a este Tribunal de recurso introduzir qualquer alteração a este nível, atendendo a que, como se deixou exposto acima, deve manter-se o enquadramento jurídico-penal estabelecido pelo Tribunal a quo. * iv.3.3. da condição da suspensão da pena de prisão O recorrente AA discorda ainda da subordinação da suspensão da execução da pena de prisão à condição de proceder ao pagamento de parte da indemnização fixada na decisão, concretamente, no montante de € 15.000,00, por “entender violador do artigo 51º do Código Penal, por que excessiva, desproporcionada e, logo, desadequada ao cumprimento das finalidades da pena uma vez que se apresenta como uma obrigação pecuniária impossível de cumprir pelo arguido, e por este motivo violadora do artigo 51º do Código Penal”. Na resposta apresentada, o Ministério Público manifestou discordar de tal posição, considerando que a condição fixada “se encontra de acordo com o princípio da razoabilidade que deve presidir à imposição ao arguido do cumprimento de deveres como condição da suspensão da execução da pena de prisão e com a natureza e finalidades destes mesmos deveres”. Vejamos. Da análise do regime legal constante dos artigos 50º a 57º do Código Penal, e dos artigos 492º a 495º do Código de Processo Penal, resulta que a suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades: suspensão simples; suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta); suspensão acompanhada de regime de prova. Os deveres, visando a reparação do mal do crime, encontram-se previstos, de forma exemplificativa, no artigo 51º, nº 1, do Código Penal, enquanto as regras de conduta, tendo em vista a reintegração ou socialização do condenado, se encontram previstas, também a título exemplificativo, no artigo 52º, do mesmo diploma. Os deveres e as regras de conduta podem ser modificados até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula rebus sic stantibus (artigos 51º, nº 3, 52º, nº 4 e 54º, nº 3, todos do Código Penal). No que concerne ao incumprimento das condições da suspensão, há que distinguir duas situações, em função das respetivas consequências. Quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de reinserção, pode o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55º do Código Penal, a saber: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; prorrogar o período de suspensão. Quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada (artigo 56º, nº 1, do Código Penal). A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença. Saliente-se que, conforme assinala Figueiredo Dias, entre as condições da suspensão de execução da prisão, subjacente mesmo à chamada suspensão simples, avulta a de o condenado não cometer qualquer crime durante o período de suspensão. O cometimento de um crime no decurso do período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o juízo de prognose favorável suposto pela aplicação da pena de suspensão81. No que concerne ao crime cometido no decurso da suspensão, porque a lei não distingue, ele pode ser doloso, como pode ser negligente. Porém, nem mesmo o cometimento de crime desencadeia, de forma automática a revogação da suspensão, pois nos termos da alínea b), do nº 1, do aludido artigo 56º, mesmo a condenação por um crime cometido no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão só implica a revogação da suspensão se tal facto infirmar, de modo definitivo, o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer dizer, se revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas82. Quanto aos deveres e regras de conduta que podem condicionar a suspensão da execução da pena de prisão, aponta Figueiredo Dias que a respetiva imposição deve estar sujeita a uma dupla limitação: a de que, em geral, eles sejam compatíveis com a lei, nomeadamente, com todo o asseguramento possível dos direitos fundamentais do condenado; e a de que, além disso, o seu cumprimento seja exigível no caso concreto83 - já assim era na vigência do artigo 49º, nº 2 do Código Penal de 1982, e mantém-se face à atual redação do artigo 51º, nº 2 do Código Penal, que estabelece que “Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”. Mais assinala o Ilustre Professor, «quanto à exigibilidade de que, em concreto, devem revestir-se os deveres e regras de conduta, o critério essencial é o de que eles têm de encontrar-se numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados»84. Importa destacar, com especial relevância para o caso que nos ocupa, que o artigo 51º, nº 1, alínea a) do Código Penal, aponta como um dos deveres suscetíveis de condicionar a suspensão da execução da pena de prisão, o de “Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea”. É, pois, evidente que a imposição ao condenado do pagamento (parcial) da quantia arbitrada ao demandante a título de reparação tem acolhimento legal, inexistindo fundamento para que se considere tal imposição inexigível. Note-se que, conforme resulta da matéria de facto apurada no julgamento, o arguido AA continua a desempenhar atividade profissional no setor bancário, auferindo a correspondente remuneração, e a condição imposta – de proceder ao pagamento da quantia de €15.000,00 no prazo da suspensão, que foi fixada em 5 anos – representa, na prática, a obrigação de proceder a um pagamento anual de €3.000,00 (ou seja, €250,00 por mês). A preocupação com a razoabilidade da condição resulta, aliás, evidente na decisão recorrida, que expressamente ponderou que “Estes valores individualmente impostos, de €15.000,00 mostram-se, face à demonstração dos seus atuais rendimentos (e ao valor do salário mínimo nacional, já que a manutenção do trabalho do próprio AA não é, atenta a presente condenação, um facto futuro absoluto), possível de satisfazer dentro do prazo da suspensão”. É manifesto que tal condição não pode considerar-se de cumprimento impossível e, menos ainda, inexigível, não merecendo censura a decisão recorrida ao impor a mesma. Improcede, por isso, também este fundamento do recurso. * iv.3.4. do pedido de indemnização civil O recorrente AA insurge-se, finalmente, contra a sua condenação no pagamento, a título de indemnização civil, ao demandante BANCO GG da quantia de €310.000,00 (solidariamente com o arguido/demandado DD), acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data da notificação dos arguidos/demandados para contestarem o pedido de indemnização civil, e vincendos, até integral pagamento. Alega, para o efeito, que ocorre “violação ao artigo 497º nº 1 do Código Civil, concatenada com o fato de que não resultam provas nos autos de que o arguido tenha beneficiado de qualquer montante advindo da invocada atividade criminosa.” O recorrente DD, por seu turno, sustenta que não pode considerar-se demonstrado que tenha existido culpa da sua parte, pelo que “deverá o recorrente ser absolvido do pedido de Indemnização Civil, por não verificação do previsto nos artigos 483º, nº 1, 487º, 562º e 563º, todos do C.C.” Em fundamento do decidido, fez-se constar na decisão recorrida: “Dispõe o artº 129º do C.P. que a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulado pela lei civil. Estatui o art.º 483º, do Código Civil: “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei». Assim, importa aferir da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil. Desde logo, é evidente o carácter ilícito do comportamento dos demandados, dado que praticaram um crime de falsidade informática, um crime de burla agravada, um crime de acesso ilegítimo e um crime de falsificação de documento. Estes crimes causaram prejuízos diretamente na esfera patrimonial de um e apenas um cliente do BANCO GG, não se tendo apurado uma relação de causalidade entre a conduta dos arguidos e os movimentos a débito na conta de II. Da matéria de facto provada e da apreciação que dela foi feita no tocante à responsabilidade criminal, resultam provados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual – facto ilícito e culposo, verificando-se ainda a existência de nexo causal entre a prática dos factos e o dano, pelo que, face ao disposto nos artigos 483º, nº 1, 487º, 562º e 563º, todos do C.C., constituíram-se os dois arguidos – ora demandados – na obrigação de indemnizar a vítima daqueles crimes e daquele prejuízo. Efetivamente, toda a conduta dos arguidos causou empobrecimento naquele cliente RR, que se viu subtraído, no seu património, do valor de €310.000,000. No entanto, o BANCO GG, substituindo-se aos arguidos, seus funcionários, foi procedendo ao reembolso das quantias que lhe foram solicitadas, nesse total de €310.000,00. Cumpre, assim, aferir se esta instituição bancária tem legitimidade para, nesta ação cível enxertada, solicitar o pagamento de indemnização por danos materiais. Ora, um terceiro que cumpra a obrigação, só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver diretamente interessado na satisfação do crédito, (cfr. o disposto no artigo 592º, nº 1, do Código Civil). Nos termos do preceituado no artigo 593º do mesmo diploma legal, o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam. Assim, com a sub-rogação, o interveniente adquire a posição de credor e fica com as garantias e acessórios do seu direito, tal como se houvesse uma cessão do crédito. Sem necessidade de maior desenvolvimento, atenta-se que os bancos são civilmente responsáveis, nos termos dos artigos 165.º e 500.º do Código Civil, pelos danos sofridos pelos clientes com a atuação ilícita dos seus funcionários. Assim, era legítima a sub-rogação do banco nos direitos dos credores da indemnização por ter liquidado os danos ilicitamente sofridos pelos seus clientes em virtude da atuação dos seus funcionários bancários. Dispõe o nº 2 do artigo 566º do Código Civil, que “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”. Não fora a conduta ilícita dos dois arguidos e o cliente ora nomeado não ficaria privado destes €310.000,00. Assim, a medida do empobrecimento do cliente e que corresponde à medida da indemnização a que a demandante se pode, legitimamente, substituir na posição de credora, equivale a €310.000,00, já que não se comprovou que os arguidos tenham contribuído para o levantamento de €5.000,00 da conta de II. À quantia assim arbitrada à instituição financeira (€310.000,00), acrescerão os juros de mora legais, contabilizados desde a citação, à taxa de 4%, ao abrigo dos artigos 805º, 806º e 556º do Código Civil e da Portaria 291/2003, de 8 de Abril. A estes juros já vencidos, acrescerão os vincendos, até efetivo e integral pagamento, todos à mesma taxa de 4%.” São corretas e adequadas as considerações tecidas pelo Tribunal a quo quanto aos termos que devem balizar a decisão, designadamente, quando faz emergir a obrigação de indemnizar da prática de atos ilícitos dos quais resultaram prejuízos – no caso, para o demandante BANCO GG, na medida em que reembolsou o seu cliente do valor retirado da sua conta por via da atuação conjugada dos arguidos e de um terceiro. Como acima se referiu, os arguidos foram solidariamente condenados no pagamento ao demandante civil de indemnização pelos danos patrimoniais pelo mesmo sofridos, no montante global de €310.000,00, acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado da decisão condenatória, até efetivo e integral pagamento. O recorrente AA insurge-se contra tal condenação, por entender que, a considerar-se demonstrada a sua responsabilidade na prática dos factos criminosos, devem igualmente apurar-se “os diferentes graus de culpa dos agentes, os quais teriam que corresponder a diferentes valores de indemnização”, e, “na impossibilidade de o fazer, impõe-se pelo menos a correta aplicação do artigo 494º do Código Civil, que, concatenada com o fato de que não resultam provas nos autos de que o arguido tenha beneficiado de qualquer montante advindo da invocada atividade criminosa, conduzindo à fixação de uma indemnização, em valor substancialmente inferior ao fixado”. Não tem razão, porém. A responsabilidade civil em causa nos autos configura, como expressamente se mencionou no acórdão recorrido, responsabilidade por atos ilícitos, cujo assento legal reside no artigo 483º do Código Civil, cujo nº 1 estabelece que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Todavia, não pode perder-se de vista que os recorrentes são comparticipantes nos factos ilícitos aqui em causa – coautores, como já acima se referiu, de um crime de burla qualificada, um crime de falsidade informática, um crime de acesso ilegítimo e um crime de falsificação, nos quais ambos tomaram parte (juntamente com um terceiro), ainda que com contributos diferenciados, sendo esses os factos causadores dos danos apurados. Por assim ser, tem aplicação, no caso, o disposto no artigo 490º do Código Civil, no qual se prevê que, “se forem vários os autores, instigadores ou auxiliares do ato ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado”. Tal disposição traduz, no plano civilístico, um efeito essencial da comparticipação, que é a submissão dos comparticipantes ao princípio da imputação objetiva recíproca, por via do qual a participação de cada agente é imputada aos demais, respondendo todos e cada um pela totalidade do facto85. Por outras palavras, a comparticipação determina a unicidade da ação86. Há uma ação praticada a várias mãos, composta pelos diferentes contributos dos diversos comparticipantes. [Nesta matéria, pela sua clareza e abrangência, acompanharemos de perto o estudo da Prof. Elsa Vaz de Sequeira, “Breves Considerações Sobre a Comparticipação nos Delitos Civis”, publicado na Revista de Direito da Responsabilidade, Ano 2, 2020, págs. 221 e seguintes87] Assim: Face à redação do citado artigo 490º, constata-se, pois, que o grau de desenvolvimento e de pormenor relativo à comparticipação no plano da responsabilidade civil fica muito aquém daquela patente nos artigos 26º a 29º do Código Penal. Enquanto nestes se procede a uma descrição rigorosa da configuração jurídica de cada comparticipante e do regime que lhes é aplicável, o artigo 490º limita-se a declarar laconicamente a imputação aos comparticipantes do dano por eles provocado. Se dúvidas não há de que este preceito consagra uma norma de imputação, dela se extraindo o já mencionado princípio da imputação objetiva recíproca, o certo é que a diferenciação entre autores e participantes e, sobretudo, as consequências de regime decorrentes de semelhante contraposição não se apresentam de forma tão linear. É de considerar, porém, que a circunstância de o artigo 490º discernir estas categorias de comparticipantes é suficiente para atestar a sua autonomia. Com efeito, careceria de sentido nomear separadamente os autores, os instigadores e os cúmplices, se com esses vocábulos se quisesse referir uma e a mesma coisa. O cariz normativo destes conceitos impede a sua indiferenciação. O que significa que a simples destrinça semântica aí patente tem forçosamente de corresponder a uma simétrica separação material de papéis. Até se poderia sujeitar os vários sujeitos a um regime unitário – como parece decorrer da letra do artigo 490º –, mas já não se poderia considerar verificar-se uma identidade genética e ontológica entre esses sujeitos. Outro aspeto extremamente relevante prende-se com o âmbito do facto juridicamente relevante para fundamentar o juízo de responsabilidade. A comparticipação acarreta a um tempo a antecipação da tutela civil e a ampliação do campo da execução. Tudo reside em precisar qual o plano mais adequado para analisar o problema do nexo de causalidade: o da ação singular ou o da ação comum. Porém, como aponta a Prof. Elsa Vaz de Sequeira88, «em termos rigorosos, a questão nem se deveria levantar. A nota distintiva da comparticipação reside precisamente na circunstância de uma pluralidade de agentes praticar em conjunto um certo facto. O que denota a presença de uma multiplicidade de sujeitos, mas simultaneamente a unicidade do comportamento lesivo. Este é único, ainda que complexo, por ser composto pelos diferentes contributos individuais. A ação geradora de responsabilidade civil não é a conduta singular de cada comparticipante, mas o facto comum. Se assim é, se apenas existe uma ação, então tudo indica que a apreciação do nexo de causalidade deve ser feita por referência a essa ação. Avaliar conduta a conduta equivaleria a considerar a presença de uma pluralidade de autores singulares – autoria paralela –, desprezando a autonomia da autoria coletiva ou da participação.» Enquadrada nestes termos a questão – tendo em conta a previsão legal constante do Código Civil, a que já fizemos referência – e vistos os moldes em que resultaram definidos os factos ilícitos geradores de responsabilidade civil, e, recordamos, a conduta dos arguidos (coautores) integra a prática de quatro crimes (de burla qualificada, falsidade informática, acesso ilegítimo e falsificação), tem de considerar-se que a comparticipação criminosa se estende à responsabilidade civil emergente dos ilícitos praticados, com a consequência de todos os comparticipantes deverem ser responsabilizados pelo ressarcimento dos danos. Acresce que, em conformidade com o disposto no artigo 497º, nº 1 do Código Civil, “Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade”. Daqui decorre que, em face do lesado, todos os comparticipantes estão obrigados ao ressarcimento integral, podendo este exigir de qualquer um deles o cumprimento da integralidade da obrigação de indemnizar, estando este vinculado ao cumprimento. O adimplemento dessa obrigação por um dos comparticipantes determina a extinção dos deveres dos demais consortes. Estruturalmente, as obrigações solidárias passivas caracterizam-se pela presença de uma multiplicidade de sujeitos passivos, uma pluralidade de obrigações e pela unidade prestação. Cada devedor pode ser interpelado pelo credor comum para cumprir na íntegra a prestação – é o que decorre do disposto no artigo 512º do Código Civil. Por último, importa referir que o nº 2 do artigo 497º reconhece um direito de regresso ao devedor que prestou, embora faça depender este direito do grau de culpa de cada um e “das consequências que delas advieram”. Este preceito serve a um tempo dois propósitos. Por um lado, evidencia a natureza individual do juízo de culpa. Por outro lado, reconhece significado nas relações internas aos diferentes tipos de comparticipação, permitindo que a medida de responsabilidade de um compartícipe varie em função do respetivo grau de culpa e da dimensão do seu contributo para a produção do resultado comum89. Assim, como se vê do regime legal acabado de delinear, não merece qualquer reparo a condenação solidária de ambos os comparticipantes na reparação de todos danos gerados pela respetiva atuação coletiva. A distinção dos diferentes contributos de cada um para o facto lesivo só relevará nas relações internas entre os obrigados a indemnizar, mas já não em face do lesado. No mais, as objeções formuladas pelos recorrentes neste âmbito arrancavam do pressuposto de que os mesmos não poderiam ser responsabilizados criminalmente e, assim sendo, também não poderiam ser chamados a reparar danos civis emergentes da prática de crime. Não lhes tendo sido reconhecida razão na impugnação da matéria de facto e mantendo-se a condenação de ambos os arguidos nos precisos termos em que fora definida na 1ª instância, é evidente que também a condenação cível deve subsistir nos seus precisos termos. Face ao que fica dito, o recurso é de improceder também nesta parte. * V. Decisão Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA, e DD, mantendo a decisão condenatória recorrida nos seus precisos termos. Fixa-se a taxa de justiça devida por cada um dos arguidos recorrentes em 5 (cinco) UC. D.N. * Lisboa, 24 de setembro de 2024 (texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal) Sandra Oliveira Pinto Manuel José Ramos da Fonseca Maria José Machado (vencida, nos termos da declaração de voto junta) Voto de vencida Votei a decisão excepto na parte que manteve a condição da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido AA. A pena aplicada ao arguido é a de 5 anos de prisão suspensa por igual período de tempo, com a condição de pagar no prazo da suspensão a quantia de €15.000,00 ao BANCO GG e a obrigação de se submeter a plano de readaptação social. É já uma pena bastante significativa em termos de duração que, em função da ausência de antecedentes criminais e da boa inserção social e profissional do arguido satisfaz a meu ver, só por si e com a obrigação de se submeter a plano de readaptação social, todas as exigências de prevenção, quer na vertente da dissuasão da prática de futuros crimes (reincidência), quer de prevenção geral positiva, de manutenção e reforço da confiança da comunidade na validade e na capacidade por parte do Estado de tutela dos bens jurídicos e, assim, na defesa do ordenamento jurídico-penal. Por outro lado, apesar de o arguido trabalhar, não ficou provado qual o montante da sua remuneração nem das suas despesas a fim de se aferir quanto à razoabilidade da satisfação da condição legal imposta por parte do condenado, que não se basta com um juízo aritmético provável, sob pena de, na prática, tal significar apenas o adiamento da execução da pena. A decisão recorrida não deixa de constituir título executivo quanto ao valor da indemnização atribuída, cujo não pagamento tem um regime próprio, que não pode ser transformado em sancionamento, para efeito de revogação da suspensão da pena. Por isso votei pela revogação da decisão recorrida quanto a esse ponto. Maria José Machado _______________________________________________________ 1. Código de Processo Penal Comentado, 3ª ed. revista, Almedina, 2021, págs.1062-1063. 2. No processo nº 417/09.5YRPRT.S1, Relator: Conselheiro Pires da Graça, acessível em www.dgsi.pt. 3. Aí se considerou que «Há que partir da constatação, já feita no Acórdão nº 584/96, de que o artigo 340º, nº 1 do Código de Processo Penal é o lugar de afirmação paradigmática do princípio da investigação ou da verdade material. Este princípio significa, mesmo no quadro de um processo penal orientado pelo princípio acusatório (artigo 32º, nº 5 da Constituição), que o tribunal de julgamento tem o poder-dever de investigar por si o facto, isto é, de fazer a sua própria “instrução” sobre o facto, em audiência, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade, sem estar em absoluto vinculado pelos requerimentos e declarações das partes, com o fim de determinar a verdade material (cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, 1955, p. 49; Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 1974, p.72; Roxin, Strafverfahrensrecht, 20ª edição, 1987, p. 76). É isto mesmo que diz, por outras palavras, o nº 1 do artigo 340º, atrás transcrito.» 4. Vd. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 3ª ed. rev. atual. Lisboa: Verbo, 2009, pág. 267. 5. No processo nº 72/11.2GDSRT.C1, Relator: Desembargador Fernando Chaves, acessível em www.dgsi.pt 6. No processo nº 06P3059, Relator: Conselheiro Oliveira Mendes, sumariado em www.dgsi.pt. 7. Alteração substancial dos factos e sua relevância no processo penal português, Almedina, 1992, págs. 93-94. 8. Repare-se que este conceito permite uma autonomização do facto processual face ao conceito de facto do direito substantivo. É que, se nem todos os casos reais da vida que como facto processual se autonomizam, constituem um crime, nem por isso eles deixam de ser um facto processual, pois exactamente aquela conclusão (que o pedaço de vida que se investiga é um crime) só é possível através do processo penal. 9. Ob. cit., pág. 240. 10. “O facto em sentido processual – escreve Eberhard Schmidt (1967: p. 166) referindo-se ao conceito do facto no § 155º do StPO – não é uma acção entendida como um certo tipo legal de crime: facto só pode ser entendido como um acontecimento histórico delimitado por todas as circunstâncias que delimitam e dão um sentido social ao comportamento do arguido”. 11. No processo nº 169/07.3GCBNV.S1, Relator: Conselheiro Rodrigues da Costa, acessível em www.dgsi.pt. 12. Neste mesmo sentido, vd. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.07.2022, no processo nº 260/11.1JALRA.C1, Relator: Desembargador Paulo Guerra, acessível em www.dgsi.pt. 13. Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, Coimbra, Almedina, 1999, págs. 200 a 201, nota 2. 14. De 02.04.2019, no processo nº 558/18, de que foi relatora a Conselheira Catarina Sarmento e Castro, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190216.html 15. Reiterando esta jurisprudência, vd., ainda, o Acórdão TC nº 73/2023, de 14.03.2023, relatado pelo Conselheiro José João Abrantes, também disponível em www.tribunalconstitucional.pt. 16. Em anotação ao mencionado artigo 339º, no Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, Almedina, 2022, págs. 407-408. 17. No processo nº 4/07.2TAPNH.C1, relatado pelo, então, Desembargador Vasques Osório, acessível em www.dgsi.pt. 18. No processo nº 1074/15.5PAOLH.E1.S1, Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos, em www.dgsi.pt. 19. No processo nº 148/12.9TAACN.E1.S1, Relatora: Conselheira Adelaide Magalhães Sequeira, em www.dgsi.pt. 20. No processo nº 4887/15.4T9VNG.P1, Relator: Desembargador Francisco Mota Ribeiro, acessível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/4887-2019-189794375. 21. No processo nº 1/21.5S1LSB-B.P1, Relator: Desembargador Paulo Costa, em www.dgsi.pt. 22. No processo nº 747/21.8GBABF.E1, Relatora: Desembargadora Ana Bacelar, em www.dgsi.pt. 23. No processo nº 436/18.0T9LRS.L1-5, Relator: Desembargador Artur Vargues, em www.dgsi.pt. 24. No processo nº 2515/22.0T9SNT.L1-5, Relatora: Desembargadora Ester Pacheco dos Santos, em www.dgsi.pt. 25. cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.01.2014, proferido no processo nº 7/10.0TELSB.L1.S1, Relator: Conselheiro Armindo Monteiro, acessível em www.dgsi.pt. 26. No processo nº 05P662, Relator: Conselheiro Henriques Gaspar, igualmente acessível em www.dgsi.pt. 27. Cf. anotação de Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, 3ª ed. revista, Almedina, 2021, pág. 1144. 28. No processo nº 10/18.1GBFTR.E1, Relator: Desembargador João Amaro, acessível em www.dgsi.pt 29. No processo nº 99P285, Relator: Conselheiro Virgílio Oliveira, acessível em www.dgsi.pt 30. No processo nº 108/13.2P6PRT.G1.S1, Relator: Conselheiro Pires da Graça, disponível em www.dgsi.pt) 31. Código de Processo Penal Comentado, 3ª ed. revista, Almedina, 2021, pág. 1291. 32. Recursos Penais, 9ª ed., 2020, pág. 74. 33. No processo nº 288/09.1GBMTJ.L1-5, Relator: Desembargador Jorge Gonçalves, acessível em www.dgsi.pt. 34. Ob. cit., pág. 78. 35. No processo nº 07P1779, Relator: Conselheiro Henriques Gaspar, acessível em www.dgsi.pt 36. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pg. 340 e ss. 37. Sobre este tema e no sentido apontado, cf. os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.10.2012, no processo nº 165/10.3GDCNT.C1 e do Supremo Tribunal de Justiça de 22.02.2007, no processo nº 07P147, ambos acessíveis em www.dgsi.pt. 38. Pereira Madeira, Ob. cit., pág. 1294. 39. No processo nº 477/20.8PDAMD.L1-5, Relator: Desembargador Jorge Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt. 40. Sobre estas questões, cf. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.03.2007 (no processo nº 07P21, Relator: Conselheiro Santos Cabral), de 23.05.2007 (no processo 07P1498, Relator: Conselheiro Henriques Gaspar), de 03.07.2008 (no processo nº 08P1312, Relator: Conselheiro Simas Santos), de 29.10.2008 (no processo nº 07P1016, Relator: Conselheiro Souto de Moura) e de 20.11.2008 (no processo nº 08P3269, Relator: Conselheiro Santos Carvalho), todos disponíveis em www.dgsi.pt. 41. Publicado no Diário da República, Iª série, Nº 77, de 18 de abril de 2012. 42. A saber: “4. De modo a conseguir estes intentos, o indivíduo não concretamente identificado combinou com os aqui arguidos AA e DD, ambos empregados bancários no BANCO GG, que consigo atuaram em comunhão de esforços e tarefas, apresentar-se como titular das referidas contas bancárias. 5. E combinaram que esse indivíduo não concretamente identificado procederia ao levantamento das contas bancárias de cidadãos angolanos com saldos elevados e, posteriormente, dividiria o lucro proveniente de tais levantamentos com, pelo menos, os arguidos AA e DD. 6. Assim, em data não concretamente apurada, mas antes de janeiro de 2017, o indivíduo não concretamente identificado contactou, de forma não concretamente apurada, o arguido DD que, por seu turno, contactou com o arguido AA, seu colega, e solicitou-lhe que pesquisasse, no sistema informático do Banco GG, os dados bancários de SS, Dr. RR, II e TT. 7. Em cumprimento de tal plano, o arguido AA, que exercia funções, além do mais, de caixa, no balcão do ..., entrou, com as suas chaves de acesso, no sistema informático do Banco e efetuou as pesquisas de contas bancárias e saldos das pessoas acima descritas. (…) 10. Posteriormente, o arguido AA entregou ao arguido DD cópias dos dados informáticos e transmitiu, em suporte não concretamente apurado, o resultado das pesquisas. 11. Na posse de tais pesquisas, o indivíduo não concretamente identificado, em comunhão de esforços com os arguidos AA e DD decidiu retirar dinheiro da conta nº ..., do BANCO GG, pertencente a RR, sedeada na agência da ..., em Lisboa. (…) 36. O indivíduo não concretamente identificado, em comunhão de esforços e divisão de tarefas com os arguidos AA e DD, decidiu retirar dinheiro da conta de RR sem o seu consentimento ou conhecimento, fazendo crer, perante terceiros e perante os demais funcionários do BANCO GG, que se tratava de um levantamento levado a cabo por este cliente. (…) 41. Os arguidos AA e DD, ao facultar ao indivíduo não concretamente identificado, os resultados das pesquisas de consultas dos saldos de RR, do documento de identificação deste (passaporte nº S…) e das assinaturas digitalizadas, constantes da ficha de assinaturas, bem sabiam que aquele iria servir-se de tais elementos para forjar passaportes falsos, com a aposição dos dados pessoais ficcionados e da foto e assinatura daquele indivíduo. 42. Os arguidos AA e DD, ao aceder, da forma descrita, aos dados das pessoas identificadas em 6., contidos em sistema informático de uso exclusivo do BANCO GG, fizeram-no por motivos pessoais ou particulares, bem sabendo que não o podiam fazer e que acediam a dados confidenciais protegidos por lei. 43. Os arguidos AA e DD agiram livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de intentos e esforços, cientes da natureza da instituição bancária, bem como sobre os deveres que, no exercício das respetivas funções, sobre si recaíam. 44. E agiram com o propósito, conseguido, do modo descrito, de introduzir na relação bancária um passaporte forjado. 45. E bem sabiam que, com essa atuação, interferiam no tratamento de dados informáticos e induziam em erro a entidade bancária que concretizava as transferências bancárias que eram ordenadas, o que, igualmente, quiseram e conseguiram. 46. Os arguidos atuaram livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente.” 43. «Sobre a formação racional da convicção judicial», tradução de José Mouraz Lopes e revisão de Carlos Lopéz Keller, in Revista Julgar, Nº 13, Jan-Abril 2011, págs. 155 e ss.. 44. Assim, já em Carrara: «Por regra chama-se prova tudo o que sirva para atribuirmos certeza acerca da verdade de uma proposição» (in Programa, cit. vol. II, p. 381). Refere muito bem Taruffo: «no processo o “facto” é na realidade o que se disse acerca de um facto», (La prueba, cit. p. 114). 45. Cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pág. 205. 46. No processo nº 179/19.8JDLSB.L1-9, Relator: Desembargador Abrunhosa de Carvalho, em www.dgsi.pt. 47. No processo nº 63/07.8TELSB-3, Relator: Desembargador Nuno Coelho, acessível em www.dgsi.pt. 48. Sobre a formação racional… - cit., págs. 165-167. 49. L. A. Muratori, Defectos de la jurisprudência, trad. de V. M. de Tercilla, Imprenta de la Viuda de D. Joachin Ibarra, 1794, p. 17. 50. «Uma proposição considera-se provada se, obtida através de um método reconhecido, é objecto de uma crença fundamentada» (F. Gil, Prove, cit. p. 16). 51. Isto, não obstante, ser frequente em algumas sentenças existirem afirmações de sinal oposto onde os juízes deduzem conclusões de facto dos antecedentes probatórios. Dir-se-ia que há uma resistência inconsciente em admitir que o conhecimento judicial sobre a matéria é - com certeza provável - o que permite a inferência dedutiva, a que falta, portanto, o grau de certeza - absoluta - que parece exigir determinada concepção sacerdotal do poder judicial, com maior amplitude do que poderia supor-se. 52. Os antecedentes probatórios, as inferências realizadas na sua obtenção e as que aqueles tornam possíveis, os critérios de decisão que são empregues. É óbvio que não se trata de perder-se numa micro dimensão e muito menos no que é naturalmente óbvio, mas antes mostra todos os passos, sobretudo os passos-chave que permitam com transparência evidenciar o núcleo da decisão. Algo que o juiz que se interrogue de forma intelectualmente honesta discernirá perfeitamente. 53. F. M. Iacovello, «I criteri di valutazione della prova», in M. Bessone y R. Guatini (eds), La regola del caso. Materiali sul ragionamento giuridico, Cedam, Padova, 1995, p. 396. 54. No processo nº 321/2018, Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro, acessível em www.tribunalconstitucional.pt. 55. Registando-se o que pode ser designado como um «feixe de indícios concordantes» entre as ações admitidas pelos arguidos (v.g., as pesquisas efetuadas, o acolhimento do “suposto RR”), os comportamentos observados pelas testemunhas (nomeadamente, as interações com as superioras hierárquicas) e o rasto documental deixado pela atividade desenvolvida (como sejam, os documentos que acompanharam as transações bancárias, mas também as imagens de videovigilância recolhidas no interior da agência bancária). 56. O “deslumbre” com o magnata angolano conhecido no centro comercial, o negócio milionário envolvendo uma ilha no rio Tejo, os “sócios traidores” do referido magnata e a necessidade de, por meios ínvios, averiguar o estado das respetivas contas bancárias, a necessidade de “cair nas boas graças” de tal pessoa proporcionando-lhe informações a que não poderia aceder legalmente… 57. Cf. Manuel Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, Volume I, 1992, págs. 297 e 298. 58. Cf. Sérgio Poças “Da sentença penal – fundamentação de facto”, em Revista Julgar nº 3, pág. 38. 59. “A presunção de inocência é identificada por muitos autores como princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência.” (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, I, 5ª ed., 2008, págs. 83 e 84). 60. Sobre as possibilidades de aplicação do princípio in dubio pro reo, vd. o importante acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2009, no processo nº 09P0484, Relator: Conselheiro Raul Borges, em www.dgsi.pt. 61. No processo nº 150/12.0JAFAR.E1, relatado pelo, então, Desembargador Clemente Lima, acessível em www.dgsi.pt. 62. No processo nº 148/10.3SCLSB.L1.S1, Relator: Conselheiro Armindo Monteiro, acessível em www.dgsi.pt. 63. Lições de Direito Penal, Teoria do Crime, 1982, Ed. Verbo, pág. 406. 64. E, a seu tempo, também no terceiro «não identificado» – que, mais tarde ou mais cedo, há de ser encontrado, respondendo, então, pelos crimes cometidos. 65. Citado por Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª ed. atualizada, Universidade Católica Editora, 2021, págs. 237-238. 66. No processo nº 474/09.4PSLSB.L1.S1, Relator: Conselheiro Henriques Gaspar, disponível em www.dgsi.pt. 67. Cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.04.2013, disponível em www.dgsi.pt e CJ, 2013, T2, pág.223. 68. Citando, ainda, Garcia Marques e Lourenço Martins, em Direito da Informática, Almedina, pág. 694, quando referem estar em causa a proteção ao designado “domicilio informático” algo semelhante à introdução em casa alheia. 69. Vd., por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª ed. atualizada, Universidade Católica Editora, 2021, págs. 1008-1009. 70. No processo nº 29/04.0JDLSB-Q.S1, Relator: Conselheiro Santos Cabral, acessível em www.dgsi.pt. 71. No processo nº 14/12.8GBAGN.C1, Relatora: Desembargadora Olga Maurício, em www.dgsi.pt 72. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 1ª ed., pág. 1202. 73. Pessoa Vaz, Direito Processual Civil-do antigo ao novo código, 1998, pág. 211. 74. Ob. cit., págs. 224-228. 75. No processo nº 643/18.6PTLSB.L1.S1, Relator: Conselheiro Nuno Gonçalves, em www.dgsi.pt. 76. No processo nº 283/20.0PBVLG.P1, Relator: Desembargador Luís Coimbra, acessível em www.dgsi.pt. 77. No processo nº 335/20.6PHAMD.L1-5, Relatora: Desembargadora Mafalda Sequinho dos Santos, em www.dgsi.pt. 78. No processo nº 82/20.9PACTX-A.E1, Relator: Desembargador Martinho Cardoso, em www.dgsi.pt. 79. No processo nº 84/20.5GBPMS.C1, Relator: Desembargador Paulo Guerra, em www.dgsi.pt. 80. No processo nº 1202/11.0PBBRG.G1, Relatora: Desembargadora Teresa Baltazar, em www.dgsi.pt. 81. Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, pág. 355. 82. Neste sentido já se pronunciava Figueiredo Dias, na altura de jure condendo, ob. cit., pág. 357. 83. Ob. cit., pág. 350. 84. Ob. cit., pág. 351. Vd., também, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01.07.2015, no processo nº 129/14.8GAVLC.P1, Relatora: Desembargadora Maria Dolores da Silva e Sousa, acessível em www.dgsi.pt. 85. Vd. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português – Teoria do Crime, UCE, Lisboa, 2015, pp. 347-348. Vd. ainda Deutsch, Erwin, “Verhältnis von Mitäterschaft und Alternativtäterschaft im Zivilrecht”, Juristenzeitung, 27, 4, Tübingen, 1972, p. 106. 86. Vd. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, VIII, Almedina, 2016, p. 739. Vd. ainda MIRANDA BARBOSA, Ana Mafalda, Lições de Responsabilidade Civil, Princípia, Cascais, 2017, p. 294. 87. Que pode ser acedido on-line, no endereço eletrónico https://revistadireitoresponsabilidade.pt/2020/breves-consideracoes-sobre-a-comparticipacao-nos-delitos-civis-elsa-vaz-de-sequeira/ 88. Loc. cit., pág. 235. 89. Cf. Elsa Vaz de Sequeira, Loc. cit, pág. 244. |