Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
959/15.3T8ALM.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: RETRIBUIÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANO DE NATUREZA NÃO PATRIMONIAL
DANO PATRIMONIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE ALTERADA
Sumário: I–Configurando-se situação em que, ainda que lograsse obter procedência a impugnação da matéria factual, na vertente do reclamado aditamento, e tal matéria passasse a figurar como provada, esta revelar-se-ia totalmente irrelevante e inócua para a sorte da pretensão recursória apresentada, aquela reapreciação da matéria de facto traduzir-se-ia na prática de uma acto absolutamente inútil e, como tal, legalmente proibido – cf., artº. 130º, do Cód. de Processo Civil -, claramente contrário á observância dos princípios da economia e celeridade processuais ;

II–o que justifica e impõe decisão de não conhecimento da impugnação da matéria de facto apresentada em sede recursória ;

III– a retribuição traduz-se no conjunto de valores (em pecunia ou espécie) pagos pela entidade empregadora ao trabalhador, de forma regular e periódica, em contrapartida da actividade ou trabalho pelo mesmo prestado, ou da mera disponibilidade da força de trabalho pelo mesmo oferecida ;

IV–pelo que não deve integrar tal conceito as prestações de índole patrimonial, ainda que regulares ou periódicas, atribuídas pelo empregador, que não constituam contraprestação pelo trabalho prestado, mas antes se destinando a compensar o trabalhador por outros factores, ou seja, possuindo uma causa específica ou individualizada, distinta da remuneração do trabalho ou da mera disponibilidade para este ;

V– num primeiro momento, incumbe à entidade empregadora ilidir a presunção de carácter retributivo inscrita no nº. 3, do artº. 258º, do Cód. do Trabalho, provando ter o pagamento efectuado visado suportar os encargos do trabalhador com despesas susceptíveis de integrarem o conceito de ajudas de custo (deslocações, alojamento, alimentação) ;

VI–conforme decorre da alínea a), do nº. 1, do artº. 260º, do Código do Trabalho, funcionando como regra, as denominadas ajudas de custo (e demais prestações ali previstas), enquanto compensação ou reembolso de despesas efectuadas pelo trabalhador por força das deslocações em serviço, não integram o conceito de retribuição ;

VII–apenas devendo ser consideradas como tal, desde que resultem preenchidos três requisitos cumulativos (previstos na 2ª parte, do mesmo nº. 1, do artº. 260º, do Cód. do Trabalho):

1.-desde que as deslocações ou despesas compensadas a tal título sejam frequentes ;

2.-desde que as importâncias devidas a tal título de ajudas de custo excedam os custos normais das deslocações ou despesas ;

3.-e, na medida em que excedam tais custos normais das deslocações ou despesas, tenham sido contratualmente previstas ou devam ser consideradas pelos usos como elemento integrante de retribuição do trabalhador ;

VIII–incumbe ao trabalhador, como facto constitutivo do seu direito – cf., nº. 1, do artº. 342º, do Cód. Civil -, que pretenda fazer valer a natureza retributiva de tal prestação, o ónus probatório de estarem preenchidos tais pressupostos ou requisitos cumulativos, susceptíveis de integrarem tais valores no conceito de retribuição ;

IX–pelo que, não resultando suficientemente da factualidade provada que as importâncias devidas a título de ajudas de custo excedam os custos normais das deslocações ou despesas, hajam sido previstas no contrato ou deviam ser consideradas pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador, não podem as mesmas integrar o conceito de retribuição ;

X– não bastando, assim, a mera prova do seu pagamento regular e periódico ;

XI–O dano corporal ou dano biológico (incapacidade fisiológica ou funcional) não se confunde com o dano patrimonial, sendo que aquele está sempre presente em cada lesão da integridade físico-psíquica ou do bem saúde, enquanto que este, como dano sucessivo ou ulterior, é eventual ;

XII–considerando-se a força do trabalho um bem patrimonial, tem-se entendido que a incapacidade parcial permanente (IPP) é, consequentemente, de per si, um dano de natureza patrimonial indemnizável ;

XIII–e isto, quer determine ou acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer apenas implique um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de proventos laborais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar físico e/ou psíquico para obter o mesmo resultado ;

XIV–pois, neste caso, trata-se de indemnizar, a se, o dano corporal sofrido, e não qualquer perda efectiva de rendimento ;

XV–assim, caso a lesão origine, no futuro, durante o período activo do lesado, ou da sua vida, uma perda de capacidade de ganho ou um esforço acrescido no seu desempenho profissional, o ressarcimento deve operar-se em sede patrimonial ;

XVI–em contraponto, estando em causa a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e energia, decorrente de uma maior fragilidade adquirida, a nível somático ou psíquico, sem rebate profissional, a compensação deve operar-se em sede não patrimonial.

Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte (1)


I – RELATÓRIO


1– ANTÓNIO……., e
M.,
ambos residentes na Rua …………..,
M., LDA., com sede na …………,
intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra SEGUROS, S.A. (presentemente, …………. SEGUROS …… PORTUGAL), com sede na Avª ... ... ..., nº. ...,. ...º, Lisboa,
deduzindo petitório no sentido da Ré ser condenada a pagar-lhes:
a)-ao Autor ANTÓNIO……. 411.000.00 euros (quatrocentos e onze mil euros) ;
b)-à Autora M……… 20.475.00 euros (vinte mil quatrocentos e setenta e cinco euros) ;
c)-à Autora M………….. LDA 175.000.00 euros (cento e setenta e cinco mil euros) ;
d)-juros de mora à taxa legal até integral e efectivo pagamento sobre os valores mencionados.

Para tanto, alegaram, em resumo, o seguinte:
o Autor António… foi vítima de acidente de viação, cuja responsabilidade pela produção se deveu ao segurado na Ré ;
na decorrência de tal acidente, o Autor sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais que devem ser ressarcidos ;
por sua vez, a Autora M., por força do acidente de viação sofrido pelo seu marido, ora Autor, reflexamente sofreu danos, os quais devem ser devidamente indemnizados ;
nomeadamente, danos não patrimoniais reflexos, de natureza sexual ;
bem como danos patrimoniais referentes a despesas de refeições que teve de suportar quando esteve deslocada em Lisboa em acompanhamento do marido ;
a Autora M……….., Lda. também sofreu danos decorrentes da ausência do Autor António ao trabalho devido ao acidente que vitimou este seu trabalhador ;
o que se reflectiu numa diminuição da sua facturação, pois o mesmo era um elemento chave, que foi impossível substituir ;
pretendendo-se, assim, o ressarcimento dos seguintes danos:
a)-Ao Autor António ……………., a título de:
Dano Patrimonial Emergente, a quantia no valor de 13.500,00€;
Dano Patrimonial Futuro (Lucro Cessante), a quantia no valor de 300.000,00€;
Dano Não Patrimonial (quantum doloris) presente e futuro, a quantia no valor de 60.000,00€ ;
Dano Não Patrimonial - Estético Permanente, a quantia no valor de 7.500,00€ ;
Dano Não Patrimonial - Prejuízo de Afirmação Pessoal, a quantia no valor de 10.000,00€ ;
Dano Não Patrimonial - Dano Sexual, a quantia no valor de 20.000,00€,
Total: 411.000,00€
b)-A Autora M., a título de:
Dano Não Patrimonial - Dano Sexual, a quantia no valor de 20.000,00€ ;
Dano Patrimonial Emergente – Despesas – a quantia no valor de 475,44€ ;
Total: 20.475,44€
c)-A Autora M………… Lda., a título de Dano Patrimonial Emergente, decorrente da ausência ou ausência parcial do Autor ……., que se deve contabilizar:
Prejuízo do ano 2012 – 40.000,00 € ;
Prejuízo do ano 2013 – 30.000,00 € ;
Obras que deixaram de ser adjudicadas – 25.000,00 € ;
Obra de Angola inacabada – 80.000,00 €,
Total: 175.000,00 €.
2–Devidamente citada, veio a Ré apresentar contestação, alegando, em súmula, que:
-Por excepção, serem as Autoras M… e M., Lda. partes ilegítimas nos presentes autos, não tendo interesse directo em demandá-la, pelo que deve ser absolvida da instância ;
-Por impugnação, aceitando a responsabilidade culposa do condutor do veículo seguro, mas impugnando parte das sequelas e períodos e graus de incapacidade alegados ;
-Bem como reportando como exagerados os valores apresentados.
3–Conforme despacho de fls. 384 foi dispensada a audiência prévia e determinada a notificação dos Autores para, querendo, responderem, por escrito, à excepção de ilegitimidade activa deduzida.
4–Os Autores vieram pronunciar-se, conforme fls. 389 a 391, pugnando no sentido das 2ª e 3ª Autoras serem consideradas partes legítimas.
5 –Conforme despacho de fls. 392 a 400:
Foi fixado o valor da causa ;
Foi proferido saneador stricto sensu ;
Foi julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa das Autoras ;
Foram fixados o objecto do litígio e os temas da prova ;
Foram apreciados os requerimentos probatórios.
6–Após realização da prova pericial, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, em três sessões, conforme actas de fls. 663 a 668 e 715 a 717, com observância do formalismo legal.

7–Posteriormente, foi proferida sentença – cf., fls. 718 a 758 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos:
IV – DECISÃO
Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a)- condeno a Ré … Seguros, S.A. a pagar ao Autor António….:
1.–€200.700,00 (duzentos mil e setecentos euros) a título de dano patrimonial (perda de rendimentos de trabalho), acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, a contar desde a data de citação da Ré e até efectivo e integral pagamento.;
2.– €90.000,00 (noventa mil euros) a título de indemnização pelo “dano biológico”, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, a contar desde a prolação da presente decisão;
3.–€55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, a contra desde da prolação da presente sentença.
b) condeno a Ré … Seguros, S.A. a pagar à Autora M………….:
1.–€5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, a contra desde a prolação da presente decisão.
c) absolvo a Ré …………….. Seguros, S.A. de todos os restantes pedidos contra ela deduzidos.
As custas da acção ficarão a cargo dos Autores e da Ré na proporção dos respectivos decaimentos, dispensando-se desde já Autores e Ré, atenta a sua conduta processual, do pagamento do remanescente da taxa de justiça – artigo 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique”.

8–Inconformada com o decidido, interpôs recurso de apelação, por referência à sentença prolatada, a Ré …….. SEGUROS .PORTUGAL, apresentando, em conformidade, as seguintes CONCLUSÕES:
1– nos termos do disposto no artº 662, nº 1 do Código de Processo Civil, e exercitando os poderes que aí são conferidos ao tribunal da Relação, devem ser aditados aos provados os seguintes factos:
- FFFF – terminado o período de incapacidade absoluta para o trabalho, o A. retomou em pleno, o cargo de diretor comercial da M…….
- GGGG – cargo esse que só pelo A. vinha sendo exercido até à data do acidente
- HHHH – e só pelo A. continuou e continua a ser exercido até à data da audiência
- IIII – desde que, após a alta da situação de incapacidade em que ficou em consequência do acidente, o A. regressou ao seu trabalho de único diretor comercial da M……., esta evoluiu a ponto de ser hoje em dia uma empresa muito diferente, para melhor, muito maior.
2.Uma vez que, a partir da alta o A. retomou o seu trabalho continuando a auferir o mesmo salário que auferia antes do acidente…, não resultou para o mesmo (após a alta) qualquer perda salarial suscetível de ser ressarcível, pelo que a douta sentença sob recurso carece de fundamento ou pressuposto de facto que permita ao julgador arbitrar indemnização a pagar pela Ré ao A. a título de ressarcimento de danos patrimoniais passados, presentes e futuros.
3.Ao assim não ter decidido a douta sentença sob recurso é nula nos termos do artº. 615, nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil e, para além disso viola o disposto nos artºs 562 e 566, nº 2 do Código Civil.
4.Sem conceder e para o caso de vir a ser entendido que a parte do valor médio mensal de €900 que ao A. era processada a título de ajudas de custo, tem a natureza de remuneração do trabalho, o que se admite sem conceder, sempre se dirá que, deveria o A. ter liquidado, até ao dia do encerramento da discussão da causa em 1ª instância (cfr. artº 265, nº 2 do Código de Processo Civil), o exato montante entretanto a tal título vencido, o que manifestamente não fez, pelo que não dispunha a Mma. Juíza “a quo”, de comprovado fundamento de facto quanto ao montante que até à supra referida data teria o A. sofrido de perda;
5.ao assim não ter decidido a douta sentença sob recurso violou o disposto nos artºs 564, nº 2 do Código Civil e artº 265, nº 2 do Código de Processo Civil, devendo por isso, ser substituída por outra que condene a Ré a pagar ao A. montante a liquidar por este em momento posterior, correspondente à perda patrimonial futura, contada da data do encerramento da discussão em 1º instância a título de ajudas de custo que a Mundimat eventualmente lhe pagava e que pretensamente terá deixado de receber;
6.Sem conceder, mas para o caso de não serem atendidas as conclusões anteriores, sempre a Ma. Juíza “a quo” deveria ter reduzido em 25% o montante de €200.700 que arbitrou para ressarcimento de pretensas perdas remuneratórias do A., redução essa correspondente ao correspondente custo fiscal que o A. não suportou mas que devia ter suportado, sendo para além disso certo que as indemnizações arbitradas ao abrigo de responsabilidade civil por facto ilícito estão isentas de IRS;
7.Nessa medida o montante arbitrado devia ter sido nesse caso e para ressarcimento desse dano, o de €120.000, sob pena de o A., não só beneficiar por via de decisão judicial, de uma benesse da qual os cidadãos honestos e cumpridores não beneficiam – o que põe em causa a equidade a que o julgador deve ater-se – mas também de ficar enriquecido à custa da Ré ora recorrente.
8.Ao assim não ter decidido, a douta decisão sob recurso violou o disposto nos artºs 566, nºs 2 e 3 e 473 do Código Civil.
9 A douta sentença sob recurso, ao ter arbitrado quantia superior a €50.000 para o ressarcimento do dano biológico do A. e quantia superior a €30.000 para compensação dos danos de natureza não patrimonial por este sofridos, violou o disposto no artº 496, nº 4 do Código Civil, pelo que deve ser substituída por outra que condene a Ré ora Recorrente nos montantes a tal título agora referidos nesta conclusão.

9–O Autor Apelado ANTÓNIO ……………. veio apresentar contra-alegações, nas quais formulou as seguintes Conclusões:
I- O Douto Tribunal da Relação não tem como função, apreciar a lógica da formação da convicção do julgador do Tribunal da Primeira instância e essa lógica afere-se em função da dinâmica do próprio julgamento.
II- Também não pode formar uma nova convicção, no sentido da alteração da decisão de facto pretendida pela Recorrente considerando uma ínfima parte dos depoimentos testemunhais, porque essa ínfima parte assim considerada desvirtua por completo o sentido e a perceção completa depoimento.
III- O Douto Tribunal da Relação não se transforma em Tribunal de 1ª Instância, alterando a convicção do Juiz de 1ª Instância.
IV-Os montantes das indemnizações arbitradas pelo Douto Tribunal foram fixados equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, o disposto nos artigos 494º, 496º, 562º, 564 nº 1 e 2 e 566º nº 3 e 4 e ainda o artigo 8º nº 3 todos do Código Civil.
V-É justa, equilibrada e equitativa a indemnização pelo dano patrimonial propriamente dito (lucro cessante) dano biológico e pelos danos não patrimoniais de 200.700,00 euros, 90.000,00 euros e 55.000,00 euros, respetivamente.
VI-A indemnização a arbitrar pelos danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital mas “o recebimento de uma só vez do montante indemnizatório não releva atualmente como em tempos não muito recuados já relevou, tendo em conta que a taxa de juro remuneratório dos depósitos pago pelas entidades bancárias é muito reduzido (cerca de 0,5%), o que implica, por si só, a elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento, e, por outro, a dramática situação em que a Autora ficou em que avulta a privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente em razão das graves sequelas que a afetam, bem como no esforço acrescido que o relevante grau de incapacidade irá envolver para o desempenho de quaisquer tarefas por banda daquela... (Acórdão do STJ de 19 de abril de 2018 – Processo nº 196/11.6TCGMR.G2.S1)
VII-Relativamente ao dano biológico na sua vertente de “dano patrimonial”, conexionado com as relevantes limitações decorrentes das sequelas das lesões sofridas pelo recorrido e o rebate funcional que a atingiu, o Douto Tribunal da 1ª instância, tomando como referência a remuneração recebida e a remuneração pedida em virtude do acidente, fixou a indemnização justa.
VIII-Esta indemnização está alicerçada nas limitações funcionais bem relevantes e sequelas físicas que serão perpetuadas em toda a vida do recorrido e corresponde às reais perdas de capacidades mesmo que se considere que não está perfeitamente refletida no nível do seu rendimento e o capital encontrado reflete a justeza do seu arbitramento.
IX-Para que surja a obrigação de indemnizar por este tipo de dano “não se torna necessário que o lesado tenha sofrido ou venha a sofrer de uma incapacidade profissional que desenvolvia ou que possa vir a desenvolver no futuro, mas tão só que as lesões sofridas sejam limitadoras e incapacitantes de uma atividade funcional normal enquanto pessoa”(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de julho de 2017 (processo nº 4861/11.0TAMTS.P1.S1)
X-Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física.
XI-A indemnização fixada na quantia de 55.000,00 euros não é excessiva, pecando até por defeito para ressarcir os danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido, tendo em atenção as graves lesões, sequelas e demais factos da matéria de facto provada.
XII-O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum doloris; o “dano estético”; o “prejuízo de afirmação social”, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; (cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, dgsi.pt, p. 1632/01.5SILSB.S1.)
XIII-A recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal vem reconhecendo que se torna necessário elevar o nível dos montantes dos danos morais, perante o condicionalismo económico do momento, e o maior valor que hoje se atribui à vida, integridade física e dignidade humanas.
XIV-Na valoração dos danos não patrimoniais do recorrido o Douto Tribunal a quo fez uma correta apreciação sobre matéria de direito, nomeadamente, a equidade, tendo em conta a afetação profunda dos valores ou interesses da personalidade física e moral, em concreto, medindo-se essa gravidade por um padrão objetivo, sempre tendo em conta as circunstâncias do caso concreto”.
Conclui, no sentido da improcedência do recurso da Recorrente, com consequente manutenção da sentença recorrida.
10-O recurso foi admitido por despacho de fls. 795, como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
11-Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir

***

II–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1– o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2– Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a)- As normas jurídicas violadas ;
b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c)- Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Ré Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Pelo que, no sopesar das alegações e conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina, prima facie, o conhecimento das seguintes questões:
1.-DA NULIDADE DE SENTENÇA, por violação do disposto na alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil – Conclusão 3 ;
2.-seguidamente, aferir da alegada IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO, o que implica a eventual reapreciação da prova produzida, estando em equação o reclamado aditamento à factualidade provada dos seguintes factos:
GGGG)- “terminado o período de incapacidade absoluta para o trabalho, o Autor retomou o cargo de director comercial da M…………” ;
HHHH)- “cargo esse que só pelo Autor vinha sendo exercido até à data do acidente” ;
IIII)- “e só pelo Autor continuou e continua a ser exercido até à data da audiência” ;
JJJJ)- “desde que, após a alta da situação de incapacidade em que ficou em consequência do acidente, o Autor regressou ao seu trabalho de único director comercial da M., esta evoluiu a ponto de ser hoje em dia uma empresa muito diferente, para melhor, muito maior”Conclusão 1 e Conclusões contra-alegacionais I a III ;

3.-por fim, aferir acerca do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA, no âmbito do qual se apreciarão as seguintes questões:
A)-Da inexistência de fundamento ou pressuposto factual que permita arbitrar indemnização a título de ressarcimento de danos patrimoniais (passados, presentes e futuros) - Conclusão 2 e Conclusão contra-alegacional V ;
B)-Caso assim não se entenda, e se considere que parte dos 900,00 € tem natureza remuneratória:
Deveria o Autor provar qual o montante que auferia com carácter de regularidade, como ajudas de custo, liquidando-o até ao dia do encerramento da discussão da causa em 1ª instância (artº. 265º, nº. 2, do CPC), o que não fez ;
– Donde, o montante a liquidar em momento posterior, corresponde à perda patrimonial futura, só contada da data do encerramento da discussão em 1^instância, a título de ajudas de custo que eram pagas, e que alegadamente terá deixado de receber – Conclusões 4 e 5 ;
C)-Caso ainda assim não se considere, e se mantenha o entendimento de que tal montante tem a natureza de uma remuneração de trabalho, a necessidade de, pelo menos:
–Subtrair a tal “ganho” o custo fiscal correspondente, em sede de IRS, nunca inferior a, pelo menos, 25% dos 900,00 €, o que conduziria a uma indemnização nunca superior a 150.525,00 € (75% do montante de 200.700,00 €) ;
–Considerar a antecipada entrega do capital ao lesado, apesar das taxas de juros remuneratórios do capital serem efectivamente baixas, devendo tal antecipação de entrega ser relevada em termos de equidade, determinando que a indemnização não deva ser fixada em montante superior a 120.000,00 € - Conclusões 6 a 8 ;
D)-Da inadequação do quantum arbitrado a título de dano biológico e de dano de natureza não patrimonial, os quais devem ser quantificados em montantes não superiores, respectivamente, a 50.000,00 € e 30.000,00 € - Conclusão 9 e Conclusões contra-alegacionais VII a XIV.


***

III–FUNDAMENTAÇÃO

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida/apelada, foi considerado como PROVADO o seguinte (rectificam-se os lapsos de redacção):

A.- No dia 28 de Julho de 2012, pelas 17H20, na Avª. ...., em A...., Freguesia da C... C..., Concelho de Almada, ocorreu um acidente de viação, no qual intervieram: a) O veículo ligeiro de passageiros, de marca Mercedes-Benz, com matricula ..………., propriedade de Z. ……………… e conduzido por Maria ….. – doravante, veículo nº 1; b) O motociclo, de marca Yamaha, com matricula xx-xx-xx, na altura, propriedade da Yamaha Motor Portugal SA e conduzido pelo Autor António ……….. – doravante, veiculo nº 2.
B.- No local do acidente existe um cruzamento de vias, a) Sentido Herdade da A... / A... b) Sentido F... T... / B....
C.- Ambas as vias de trânsito têm traçado recto com perfil em patamar e sem número de polícia.
D.- O tempo estava bom, o acidente ocorreu em pleno dia e a visibilidade era boa para ambos os condutores.
E.- A condutora do veículo nº 1 circulava no sentido Herdade da A... / A....
F.- O Autor, condutor do veículo nº 2 circulava no sentido F... da T... /B....
G.- No sentido em que circulava a condutora do veículo nº 1, antes do cruzamento, existia e existe, ainda, um sinal de STOP.
H.-Ao entrar no cruzamento a condutora do veículo nº 1 não parou no STOP.
I.- Invadiu a faixa de rodagem no sentido em que, na altura, circulava o Autor, condutor do veículo nº 2.
J.- O embate da moto no veículo automóvel foi inevitável.
K.-O embate da moto dá-se na lateral esquerda do veículo automóvel (guarda lama da roda esquerda e porta esquerda).
L.- O Autor foi projectado após o embate e ficou caído no chão.
M.- Por Contrato de Seguro a Demandada aceitou o risco relativo à responsabilidade civil emergente de acidentes de viação da viatura de matrícula ............... (veículo nº 1) conforme Apólice nº 01485846, conforme cópia de fls. 340 e 341.
N.- No decurso da tramitação do processo de sinistro aberto em consequência da participação do acidente de viação, a Demandada informou por carta datada de 07 de Setembro de 2012 que assumia a responsabilidade civil decorrente do referido acidente.
O.- Em consequência do embate, o Autor António ……………… foi projectado da moto e caiu na estrada do lado contrário, tendo em conta o seu sentido de marcha.
P.- Transportado de ambulância para o Hospital Garcia da Horta em Almada, deu aí entrada, no serviço de urgência, pelas 18 horas e 30 minutos.
Q.- O Autor …. entrou no Hospital poli – traumatizado tendo-lhe sido diagnosticado as seguintes lesões: a) Traumatismo crânio encefálico; b) Traumatismo torácico, com fractura de vários arcos costais à direita, com hemopneumotorax; c) Fractura da bacia em “Open book” e disrupção pélvica; d) Fractura da extremidade distal do rádio esquerdo; e) Orquiepididimite.
R.- De imediato, o Autor António …….. foi intervencionado tendo o processo cirúrgico terminado pelas 02:00 horas do dia seguinte ao acidente.
S.- Após a intervenção cirúrgica o Autor António ………. ficou em situação de pós - operatório ligado a máquinas e tubos de drenar com fixador externo na bacia (armação com 4 ferros com altura de 15 centímetros).
T.-Foi submetido a drenagem Torácica direita durante o internamento.
U.- Foi sujeito a exames TAC e RX.
V.- Esteve imóvel e deitado durante vários dias.
W.- Em 01.08.2012 o Autor saiu dos cuidados intensivos e no dia 06.08.2012 foi informado de que poderia regressar a casa com permanência de total repouso e deitado.
X.-Essa informação – regressar a casa – foi recusada, inequivocamente, uma vez que o Autor António …………… não se podia mexer: permanecia na situação de deitado e não conseguia, sozinho, colocar-se sentado.
Y.-Permanecendo no hospital em face dessa situação, não conseguia dormir com dores e mau estar, e por isso, foi sujeito a medicação de calmantes.
Z.- Durante a sua estadia no Hospital Garcia da Horta, nunca se levantou da cama.
AA.- No dia 10 de Agosto de 2012, o Autor António …………… foi transferido para os serviços clínicos contratados pela Demandada - Clínica de Todos os Santos.
BB.- Na Clínica de Todos os Santos o Autor António……………. continuou em tratamentos com vista à sua recuperação, em especial, sujeitando-se a sessões diárias de terapia e fisioterapia.
CC.- No dia 25 de Agosto de 2012 o Autor António ………………. foi transportado de ambulância para sua casa, com indicação de repouso no leito em cama especial articulada e com indicação de deslocações no interior da casa em somente em cadeira de rodas.
DD.- Teve uma visita diária de terceira pessoa, durante 45 dias, para lhe prestar assistência especializada, com as despesas inerentes pagas pela Demandada.
EE.- Durante o seu internamento na Clínica de Todos os Santos, o Autor ……. começou a ser treinado a passar sozinho para uma cadeira de rodas fornecida pela Demandada.
FF.- Uma semana após circular em cadeira de rodas o Autor António …………………. começou a sentir dores insuportáveis na região da bacia, uma vez que, o fixador externo de fixação deslocou-se da sua posição original e estava a espetar-se, progressivamente, nos tecidos moles.
GG.- Em consequência dessa anomalia, deu entrada, novamente, nos serviços de urgência da Clínica Todos os Santos (03.09.2012) onde foi sujeito a exames e aí permaneceu imobilizado e medicado devido as dores insuportáveis que padecia, até proceder à retirada do referido fixador externo.
HH.- Nessa data foi-lhe diagnosticado: a) Infecção no local dos pinos; b) Staphilococus.
II.- No dia 10 de Setembro era a data de aniversário da sua outra filha, mas, desta vez, não foi possível deslocar-se a casa, uma vez que continuava acamado na Clínica de Todos os Santos.
JJ.- No dia 19 de Setembro de 2012 o Autor António …………. teve alta hospitalar e regressou a casa, onde teve várias sessões fisioterapia e hidroterapia, em recuperação lenta e prolongada, sempre com dores e sempre com ajuda e movimentação em cadeira de rodas.
KK.- Em consequência da recuperação, a partir de 16.10.2012 começou a ter treino de marcha parcial com ajuda de duas muletas de apoio auxiliar, situação que se manteve até 15.11.2012.
LL.- Retirou a imobilização antebraquipalmar esquerda após 4 semanas do acidente.
MM.- O Autor António …………….. foi assistido em Urologia (DR. VS) desde 29.10.2012 até 20.06.2013, devido as seguintes sequelas: a) Disfunção Eréctil b) Ejaculação retrógrada.
NN.- Fez EMG dos membros inferiores que revelou “lesão do nervo femoral direito acima da virilha, com redução da velocidade de condução e lesão do quadricípite e lesão traumática da inserção dos adutores e do recto abdominal” e RMN da bacia, pelo que em 14.12.2012 teve consulta com o Neurocirurgião Dr. MM..
OO.- O Autor António ………………. devido às lesões físicas sofridas teve, e tem, enorme sofrimento doloroso e sequelas, entre as quais se destacam: a) Dor na região sagrada; b) Dor na virilha direita c) Dor com desvio e encurtamento radial e dificuldade funcional do punho esquerdo d) Dificuldade funcional da anca direita com tremor e depressão na região adutora e) Disfunção eréctil f) Dificuldade em ficar sentado por tempo prolongado g) Cicatrizes operatórias: uma no hemitorax direito com 3 cm, quatro cicatrizes na bacia à direita e à esquerda com 2m cada e todas retraídas.
PP.- À data do acidente o Autor exercia as funções de responsável de toda a área comercial da firma M. ……Lda., nomeadamente, na vertente de obras e manutenção e auferia uma remuneração mensal, composta por uma retribuição fixa de €1.200,00 mensais e de uma retribuição variável regular e permanente designada por “deslocações”/ajudas de custo de €900,00 de média mensal.
QQ.- A Ré pagou ao Autor a título de perdas salariais por incapacidade temporária e absoluta para o trabalho a quantia total de €20.496,09, tendo em conta apenas a retribuição base auferida pelo Autor no valor mensal de €1.200,00.
RR.- O exercício da actividade profissional pelo Autor, antes do acidente, implicava, deslocações constantes, no país e no estrangeiro, umas vezes de carro, outras vezes de avião; em média, o Autor deslocava-se, semanalmente, uma vez.
SS.- Depois do acidente, o Autor ……., deixou de fazer essas deslocações e, aquelas que efectua, raramente, só o consegue com enorme dificuldade.
TT.- O Autor ……. era saudável, trabalhador, desportista e tinha esperança de viver e desenvolver a sua actividade económica, durante muito tempo.
UU.- O Autor desde que retomou o trabalho, nunca mais recebeu o valor mensal médio de €900,00 relativo a “deslocações”.

VV.- Por força do acidente de viação, o Autor padece das seguintes sequelas:
- Tórax 1 – cicatriz de ferida contusa na porção média do manubium esternal, com homoenxerto cutâneo, com vestígios de ponto de sutura, de contorno arboriforme;
- Abdómen: 1 – A nível da cintura pélvica: 4 cicatrizes na anca – 2 sobre as cristas iliacas antero-superiores e 2 sobre as regiões troncantericas;
- Membro superior direito: 1 – cicatriz de zona dadora de enxerto cutâneo, na porção superior da região deltoideia à direita com uma área de 4cm x 2cm;
- Membro superior esquerdo: 1 – ligeira atrofia da porção superior do tricipede braquial e porção média do deltóide; 2 – desvio radial do braço; 3 – sem contudo alterações da cinética osteoarticular;
- Membro inferior direito: 1 – amiotrofia do vasto medial (com depressão visível da sua área de inserção; 2 – limitação moderada da abdução da coxo femural; 3 – limitação ligeira da adução da coxo femural;
- Membro inferior esquerdo: 1 – cicatriz na face anterior do joelho e porção contigua da face medial da pena.

XX.- A data de consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor Arnaldo é fixável em 24 de Dezembro de 2013.

ZZ.- O Autor …………. padeceu e padece dos seguintes défices:
- Período de défice funcional temporário total – 84 dias – entre 28/07/2012 e 19/10/2012;
- Período de défice funcional temporário parcial – 431 dias – entre 20/10/2012 e 24/12/2013;
- Período de repercussão Temporária na actividade profissional total – 515 dias – entre 28/07/2012 e 24/12/2012;
- Quantum doloris – 5/7;
- Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica: 27 pontos – que já engloba a repercussão permanente na actividade sexual do Autor;
- Repercussão permanente na actividade profissional: as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares;
- Dano estético permanente é fixável no grau 4/7;
- Ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas.

AAA.- O Autor ……… sofreu dores intensas, no período da sua cura clínica – até à sua alta médica e continuou a padecer de dores intensas após essa data.
BBB.- O Autor demonstra impaciência e preocupação por tomar consciência da gravidade das lesões e saber que não mais seria a pessoa que era antes do acidente.
CCC.- O Autor sofreu dores intensas no período pós-operatório, esteve acamado durante vários meses sem se poder movimentar, precisou de ajuda de terceiros, para proceder as mais elementares tarefas do ser humano, tais como higiene, alimentação, vestir-se e despir-se.
DDD.- O Autor deslocou-se durante muito tempo em cadeiras de rodas e sofreu esse desconforto e mais tarde, para se deslocar, suportou o incómodo de muletas.
EEE.- O Autor é uma pessoa triste e nunca se conformou com a situação de enfermo, nem com as suas sequelas.
FFF.- O Autor tem momentos de grande irritabilidade, depressão e ansiedade.
GGG.-O Autor ……. durante toda a sua vida vai sentir dores, desconforto e vai ter de ser medicado com medicamentos.
HHH.-O Autor ……….. antes do acidente era um desportista nato, apaixonado pela prática de desporto, cultivava a forma física, o desporto para ele era uma actividade essencial, como estilo de vida, escape para o stresse do dia-a-dia.
III.-O Autor jogava futebol, praticava Windsurf, bicicleta, participando em algumas provas amadoras.
JJJ.-O Autor ………….ficou com limitações a nível de desempenho / gratificação de natureza sexual, decorrente das sequelas físicas e psíquicas.
LLL.- O Autor ……….. toma “Cialis” para poder ter relações sexuais, mesmo assim, com muita dificuldade mantém uma erecção, considerando-se incapaz e impotente, o que lhe causa complexos, retracção e abalo psicológico.
MMM.-Antes do acidente o Autor …….. era um homem sexualmente activo com a sua esposa.
NNN.- A vida sexual do Autor nunca mais foi a mesma
OOO.- A Autora M. e o Autor … contraíram matrimónio no dia 24 de Setembro de 2005 e até ao dia do acidente eram um casal feliz; do casal nasceram três filhas e sempre, na vida conjugal, houve amor e felicidade.
PPP.- O Acidente de que foi vítima o Autor ….. fez com que a vida do casal não fosse a mesma, dado que a Autora esteve e está sujeita às maiores tristezas e irritação do Autor, vivenciando e sofrendo também com as disfunções erécteis do seu marido.
QQQ.- O Autor ………. foi sócio fundador da firma M. Lda.
RRR.- A Autora M., Lda. exerce a sua actividade na elaboração de estudos técnicos de materiais de construção civil e sua comercialização, importação e exportação de materiais para a construção civil, construção civil e obras públicas.
SSS.- Em 21 de Julho de 2011 o Autor .. alienou a sua participação social, mas continuou na empresa a exercer funções de responsável pela área comercial e consultor da gestão para essa área.
TTT.- A sua continuidade na empresa teve como pressuposto as relações pessoais e conhecimento que adquiriu ao longo dos anos como dono da empresa.
UUU.- Sendo o Autor ……. responsável por toda a área comercial da empresa, principalmente, na vertente das obras e manutenção era ele que mantinha uma ligação estreita com todos os clientes, sendo a empresa ora Autora conhecida no mercado pela competência sempre demonstrada pelo Autor Arnaldo, mas principalmente, pela confiança depositada na sua pessoa.
VVV.- Fazia parte das funções do Autor ……., entre outras, angariar obras e fazer o seu acompanhamento integral e mesmo quando os novos clientes ao procurar os serviços da empresa, faziam-no, tendo como referência o Autor ……., tendo em conta as suas boas referências comerciais, conhecimentos técnicos e resultados conseguidos.
XXX.- Na altura do acidente a firma ora Autora tinha como principais clientes: Lidl, Negril e Ditecento, entre outros.
ZZZ.- Após o Autor ….. ter sido vítima do acidente de viação, a empresa ressentiu-se em quebras.
AAAA.-Após o acidente, nos seis meses seguintes, a Autora M., Lda. teve uma facturação média mensal de 227.499,54 euros, sendo que a facturação decresceu, mensalmente, em média: €121.355,48.
BBBB.-A diminuição média mensal a que alude a alínea AAAA. coincide com a ausência total do Autor ……., no exercício das suas funções.
CCCC.-No ano de 2013, nos cinco meses seguintes o volume de facturação continuou a diminuir coincidindo ainda com a ausência total do Autor …….., no exercício das suas funções, com uma facturação media mensal de €188.897,93.
DDDD.-No ano de 2013, já com o Autor …….. a trabalhar, o volume de facturação subiu apresentando-se com uma média mensal de €222.836,68.
EEEE.-A Autora M., Lda. deixou de receber o valor de €80.000.00 relativo a uma obra específica em Angola já negociada e com trabalhos executados que devia ser acompanhada pelo Autor ……, mas que devido à impossibilidade de acompanhamento pelo Sr. ., foi entregue a um subempreiteiro contratado especificamente para a execução dessa obra, criando um custo não previsto.
FFFF.- O Autor nasceu no dia 22 de Outubro de 1964.

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Na mesma sentença foram considerados como NÃO PROVADOS os seguintes factos:

1-O embate e queda no solo provocaram ao Autor perda de conhecimento.
2-Para além do constante na alínea V), o Autor também não conseguia falar.
3-O Autor mantém tratamento de hidroterapia e piscina, regularmente, até à data de entrada da petição inicial em Tribunal.
4-O Autor evita deslocar-se e quando se desloca, tem fortes dores; de avião não consegue manter-se estável no seu assento durante muito tempo; de carro, tem dificuldade em manter-se sentado na posição correcta de condutor, tem de parar constantemente e tem enorme dificuldade em caminhar após essas deslocações.
5-O Autor .. coxeia e evita pegar em pesos.
6-Antes do acidente, o Autor …………. no seu dia-a-dia de trabalho era um trabalhador ágil, subia e descia escadas depressa e devagar, sentava-se e levantava-se sem qualquer limitação, participava em reuniões durante o tempo que fosse necessário e efectuava todas as deslocações.
7-Actualmente, o Autor …………. tem muita dificuldade em subir escadas, não conseguindo subir um lanço de 10 escadas sem parar: tem de ter apoio e não pode subir e descer escadas sem fazer pausa utilizando na subida e descida mais força sobre uma das pernas.
8-O Autor não consegue permanecer sentado em reuniões, durante muito tempo e tem muita dificuldade em deslocar-se rápido.
9-Antes do acidente o Autor …. dobrava-se sem limitações e agora, não consegue fazê-lo, de seguida e sem dor.
10-O Autor não consegue pegar em pesos como antes do acidente devido a dor e dificuldade funcional do punho esquerdo e sequela na bacia.
11-O Autor não trabalha tantas horas seguidas como acontecia antes do acidente.
12-O Autor ainda mantém piscina e tratamentos de hidroterapia, bem como ainda tem dificuldades em dormir.
13-O Autor por vezes ainda recorre a muletas.
14-Durante o período de incapacidade temporária o Autor foi diversas vezes assistido por psicólogo, teve insónias, ficando noites sem dormir e só o conseguindo com recurso a medicação.
15-O Autor …….. teve, após embate, perda de conhecimento.
16-O Autor ………. apresenta, na sua marcha, claudicação à direita.
17-O Autor sente vergonha, constrangimentos quanto às cicatrizes com que ficou procurando evitar que se notem.
18-O Autor …….. vai ter de se submeter ainda a tratamentos de urologia e de fisioterapia.
19-O Autor ………. antes do acidente praticava futebol no clube Amora, interveio em vários campeonatos de Windsurf, no Karting conquistou vários troféus, nomeadamente uma taça de Portugal, chegando mesmo a ser internacional na modalidade.
20-O Autor participava todas as semanas em itinerários BTT ou estrada bem como Triatlo.
21-O Autor não consegue fazer uma simples corrida a pé de vários metros, bem como não consegue fazer uma simples brincadeira de praia, com os filhos (arremesso de bola ou argola).
22-O Autor ... após ter tido alta clínica, passados três meses, tentou ter relações sexuais, mas não conseguiu, tendo-se submetido a tratamentos específicos, o que conduziu ainda à existência de problemas no casal.
23-O Autor tinha muitas dores a nível dos órgãos sexuais.
24-O Autor A... chegou a afirmar que já não gostava dele no desempenho sexual, inventava desculpas e mais desculpas e começou a ter, perante o seu cônjuge, sintomas de desconfiança, não aceitando que ela saísse de casa sem a sua presença.
25-Para o Autor … foi muito complicado ter de falar desses problemas sexuais com o médico.
26- O Autor continua a ter dores quando ejacula, ou seja, deixou de ter prazer nas relações sexuais, e em contrapartida sente dores.
27- A Autora M. despendeu a quantia de €475,44 em refeições quando se encontrava deslocada em Lisboa em acompanhamento do marido.
28-Na altura do acidente a firma ora Autora tinha como principais clientes: Warwenow, Caixiwordl, Metalário, DPZ, Activewordl, Jonitetos, Consdep e Civicor.
29-A substituição do Autor na firma M., Lda. tornou-se, de todo, impossível.
30-A diminuição média mensal a que alude a alínea AAAA. teve como causa a ausência do Autor no desempenho das suas funções profissionais.
31-Na altura do acidente existiam negociações a decorrer de obras que não foram concluídas e consultas de obra às quais nunca foram dadas respostas, devido a ausência do Autor….. e da falta de apoio técnico inerente.
32-Durante a ausência do Autor ………. esteve em risco a viabilidade e sobrevivência da Autora M., Lda.
33-Do volume de orçamentos que foram entregues (€1.645.814,60) com hipótese de serem adjudicados haveria uma margem de resultado ilíquido esperado de €458.351,30, o que não sucedeu em virtude da Autora M., Lda. não ter podido dispor em termos efectivos do Autor ……..


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B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


I)–Da NULIDADE da SENTENÇA RECORRIDA – a alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil

Reclama a Ré Apelante o acrescento à factualidade provada de novos quatro factos, os quais, tendo sido adquiridos processualmente em sede da audiência de julgamento, com base em prova que especifica, devem ser considerados relevantes para a formação de um juízo crítico da prova, “tendo em vista a determinação do montante da indemnização a arbitrar ao A. por perdas de natureza patrimonial e até quanto às de natureza não patrimonial”.
Assim, questiona e critica o facto do Tribunal a quo ter efectuado o cálculo do montante de 200.700,00 €, a título de indemnização por alegadas perdas salariais passadas, presentes e futuras, tendo por “base e referência o montante médio de € 900 que a M. entregava ao A. a título de reembolso de despesas por este efectuadas quando ao serviço (externo) daquela”.
Considera, deste modo, que tal valor – 900,00 € - não entra, nem pode entrar, na “equação” a efectuar para o cálculo de tal hipotético dano patrimonial passado, presente e futuro, pois o Autor nunca deixou de receber, por inteiro, a remuneração do seu trabalho, no valor de 1.200,00 € (paga pela Ré durante o período de baixa e, após, aquando do regresso ao trabalho, sem qualquer diminuição, pela entidade patronal) e, no que concerne aos 900,00 € mensais médios, valemcomo reembolso de despesas e não como qualquer «lucro» ou acréscimo de rendimento da actividade do A. como director comercial.
Desta forma, acrescenta, não ser aceitável que o Tribunal a quo tenha utilizado como base ou pressuposto, para o cálculo de uma indemnização por perdas salariais, um valor documentalmente classificado, não como um rendimento (ou ganho), mas como uma despesa, não parecendo à Ré legítimo extrapolar para lá do valor documental dos recibos de salário do A., por forma a «transformar» em salário (rendimento), ainda que informal, o que aí está classificado como reembolso de despesas…de deslocações.
Pelo que, continuando o Autor a auferir o mesmo salário que auferia antes do acidente, após a alta deixou de ter qualquer perda salarial, pelo que não existe fundamento ou pressuposto de facto que permita ao julgador arbitrar indemnização a pagar pela Ré ao A. a título de ressarcimento de danos patrimoniais passados, presentes e futuros”.
E, ao não ter assim decidido, é nula a sentença, nos termos do artº. 615º, nº. 1, alín. c), do CPC, para além de violar o prescrito no nº. 2, do artº. 566º, do Cód. Civil.

Decidindo:

Enunciando as causas de nulidade da sentença, prescreve a alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, ser “nula a sentença quando:
c)- os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)(2) ,(3)
Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades”(4)
A diferença ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.
A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente” (5)
As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”.

No que concerne à causa de nulidade equacionada pela transcrita alínea c), refere Ferreira de Almeida(6) tratar-se na presente causa de nulidade de “uma «construção viciosa», ou seja, de um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão ; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional”.
Por outro lado, acrescenta, a sentença padece de ambiguidade “quando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão”, sendo que este fundamento de nulidade da 2ª parte da alínea c) apenas ocorre “se tais vícios tornarem a «decisão ininteligível» ou incompreensível”.
Na presente causa de nulidade da sentença não está em equação “um problema de viciação da pronúncia de facto”, mas antes “uma contradição entre o segmento decisório final e a fundamentação – podendo esta ser, incluindo a decisão de facto, intrinsecamente coerente.
A fonte do vício (obscuridade ou ambiguidade) situa-se na fundamentação, na sua ambiguidade ou na sua obscuridade, vindo depois a contaminar a decisão, tornando-a ininteligível. A fundamentação assume aqui o papel de elemento de interpretação extrínseco (hoc sensu), auxiliando o destinatário na interpretação da decisão, dela se extraindo que não é seguro que a decisão tenha o sentido unívoco que aparentava ter, sendo, sim, ininteligível”.
Pelo que “o elemento viciador em causa tanto pode situar-se nos fundamentos, como no segmento decisório da sentença”, sendo que o “vício oriundo da fundamentação só é relevante quando comprometa inquestionavelmente a decisão: a ambiguidade ou obscuridade pontual da fundamentação são irrelevantes, neste contexto, quando não provoquem a ininteligibilidade da decisão(7)

Analisada a decisão apelada, e de forma liminar, não se constata, minimamente, que a mesma seja contraditória entre os fundamentos e a decisão, ou seja, que exista uma construção viciosa ou um vício lógico de raciocínio, capaz de a inquinar.
Efectivamente, ponderada a fundamentação apresentada, e independentemente da sua pertinência ou acerto, não é legítimo concluir que a mesma contradiga ou esteja em distonia com a decisão proferida, isto é, que da mera e imediata análise da fundamentação aduzida fosse expectável ou legítimo concluir por diferenciada decisão. Inexiste, efectivamente, qualquer erro lógico-discursivo, no sentido de que a decisão proferida não encontre qualquer lastro ou conforto no juízo seguido na fundamentação exarada, ou seja, que a decisão, no iter de interpretação da fundamentação exarada, e mediante uma análise de lógica dedução, tivesse surgido de forma surpreendente ou inesperada.
Por outro lado, também não se pode afirmar que a decisão recorrida, nas vertentes equacionadas no fundamento recursório, seja ambígua, de forma a torná-la ininteligível ou incompreensível.
Efectivamente, não é possível afirmar, de forma pertinente, que da fundamentação da mesma resulte, ainda que parcialmente, diferenciadas interpretações, com multiplicidade de sentidos, susceptível de a inquinar nos termos descritos. Ou seja, que da interpretação feita constar seja possível extrair uma multiplicidade de sentidos, afastando-a de um sentido unívoco, susceptível de afectar a decisão ao ponto de a inquinar de ininteligibilidade ou incompreensibilidade.
Ademais, não se olvide, conforme supra exarado, que o vício a existir, radicado na fundamentação, apenas teria relevância em termos de mácula legalmente acolhida, caso comprometesse, de forma inquestionável, a decisão (ou seja, provocasse a sua ininteligibilidade), sendo totalmente irrelevantes as situações de pontual ambiguidade da fundamentação. Que, consigne-se, também não se reconhecem in casu.
Por fim sempre se diga e reconheça, que a Apelante Ré também não especifica ou questiona quaisquer contradições, sendo inclusive totalmente omissa na precisa e concreta indicação dos motivos ou argumentos conducentes ao vício que invoca. Que não fundamenta, sustém ou alicerça, radicando antes a sua discórdia, não na mácula invocada, mas antes perante a decisão questionada, em confronto com a prova que alega ter sido produzida.
Ou seja, o que a Ré questiona é que o Autor tenha sofrido uma qualquer perda salarial justificativa da indemnização arbitrada a título de perdas de rendimento de trabalho, pois, desde logo, discorda da qualificação como retribuição ou salário do valor que o mesmo deixou de auferir, antes defendendo tratar-se de um montante correspondente ao reembolso de despesas de deslocações.
O que, reconheça-se, é, manifestamente, questão distinta e diferenciada da aludida nulidade, a ponderar infra, na análise que efectuaremos relativamente à relevância da factualidade provada em concatenação com os enunciados fundamentos recursórios a apreciar em sede de enquadramento jurídico.

O que determina, necessariamente, e sem outras delongas, improcedência da invocada nulidade da sentença, com legal inscrição na alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil e, consequentemente, juízo de improcedência, nesta parte, da apelação em apreciação.

II)–Da REAPRECIAÇÃO da PROVA, inclusive GRAVADA, decorrente da impugnação da matéria de facto

Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
1- A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2- A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a)-Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b)-Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c)-Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d)-Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:
1.-Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b)Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c)A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2.-No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a)-Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b)-Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3- O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.

No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada. E, tendo a Recorrente/Apelante dado cumprimento (pelo menos de forma parcial, efectuando duas muito limitadas transcrições e sem indicar, com a mínima exactidão, e para além da parca transcrição, as passagens da gravação a valorar no que concerne ao depoimento da testemunha Paulo………………) ao preceituado no supra referido artigo 640º, nº. 2, alín. a), do Cód. de Processo Civil, nada obstará, prima facie, a que o presente Tribunal proceda à reapreciação da matéria factual fixada, operando-se, assim, à devida audição da indicada prova, bem como à leitura dos parcos excertos transcritos.

Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado”(8)
Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.
Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.
Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.
Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados(9) (sublinhado nosso).

Conforme já supra expusemos, sem questionar a matéria factual considerada provada e não provada, reivindica a Ré Impugnante o aditamento à elencagem factual provada de quatro novos factos, com a seguinte redacção:
GGGG) “terminado o período de incapacidade absoluta para o trabalho, o Autor retomou o cargo de director comercial da M. ” ;
HHHH) “cargo esse que só pelo Autor vinha sendo exercido até à data do acidente” ;
IIII) e só pelo Autor continuou e continua a ser exercido até à data da audiência;
JJJJ) desde que, após a alta da situação de incapacidade em que ficou em consequência do acidente, o Autor regressou ao seu trabalho de único director comercial da M……., esta evoluiu a ponto de ser hoje em dia uma empresa muito diferente, para melhor, muito maior”.

Tal factualidade reporta-se, no essencial, às funções desempenhadas pelo Autor enquanto director comercial da empresa M….. (também Autora), exclusividade em tal desempenho e alegada evolução dimensional da mesma empresa.
Como já reportámos a propósito do conhecimento da invocada nulidade, tal pretensão de aditamento funda-se na sua alegada relevância para a formação de um juízo crítico da prova, “tendo em vista a determinação do montante da indemnização a arbitrar ao A. por perdas de natureza patrimonial e até quanto às de natureza não patrimonial”.
Concretizando, considera que o cálculo do montante de 200.700,00 €, arbitrado a título de indemnização por alegadas perdas salariais, não podendo ser calculado com base na remuneração mensal de 1.200,00 €, proveniente do seu trabalho de director comercial da M., que continuou a ser integralmente recebida por inteiro (não sofrendo qualquer perda), foi calculada tendo por base ou referência o montante médio de 900,00 € que a entidade patronal entregava ao Autor a título de reembolso de despesas por este efectuadas quando ao serviço (externo) daquela”.
E, replicando-se o então exposto, acrescenta que tal valor – 900,00 € - não entra, nem pode entrar, na “equação” a efectuar para o cálculo de tal hipotético dano patrimonial passado, presente e futuro, pois o Autor nunca deixou de receber, por inteiro, a remuneração do seu trabalho, no valor de 1.200,00 € (paga pela Ré durante o período de baixa e, após, aquando do regresso ao trabalho, sem qualquer diminuição, pela entidade patronal) e, no que concerne aos 900,00 € mensais médios, valem como reembolso de despesas e não como qualquer «lucro» ou acréscimo de rendimento da actividade do A. como director comercial”.
Desta forma, acrescenta, não ser aceitável que o Tribunal a quo tenha utilizado como base ou pressuposto, para o cálculo de uma indemnização por perdas salariais, um valor documentalmente classificado, não como um rendimento (ou ganho), mas como uma despesa, não parecendo à Ré legítimo extrapolar para lá do valor documental dos recibos de salário do A., por forma a «transformar» em salário (rendimento), ainda que informal, o que aí está classificado como reembolso de despesas…de deslocações.
Pelo que, continuando o Autor a auferir o mesmo salário que auferia antes do acidente, após a alta deixou de ter qualquer perda salarial, pelo que não existe fundamento ou pressuposto de facto que permita ao julgador arbitrar indemnização a pagar pela Ré ao A. a título de ressarcimento de danos patrimoniais passados, presentes e futuros”.
Ou seja, e se bem entendemos a pretensão da Recorrente, o aditamento factual traduziria a plena percepção de que, terminado o período de incapacidade absoluta para o trabalho, o Autor retomou plenamente o cargo de director comercial da Mundimat, em exclusividade, tal como até aí sucedia, e que, após tal regresso, existiu uma evolução da empresa, que presentemente é melhor e maior.
E, por outro lado, conforme argumentação da Recorrente, tal acrescento teria, aparentemente, relevância, na pretendida não consideração daquele montante médio mensal de 900,00 € como sendo parte da remuneração ou retribuição do trabalho do Autor, mas antes como reembolso de despesas efectuadas, quando ao serviço daquela (ajudas de custo).

Vejamos.

Resultou provado que à data do acidente o Autor exercia as funções de responsável de toda a área comercial da firma M. Lda., nomeadamente, na vertente de obras e manutenção e auferia uma remuneração mensal, composta por uma retribuição fixa de €1.200,00 mensais e de uma retribuição variável regular e permanente designada por “deslocações”/ajudas de custo de €900,00 de média mensal”. E que a Ré “pagou ao Autor a título de perdas salariais por incapacidade temporária e absoluta para o trabalho a quantia total de €20.496,09, tendo em conta apenas a retribuição base auferida pelo Autor no valor mensal de €1.200,00– factos PP. e QQ..
Provou-se, ainda, conforme factos RR. e SS., que o exercício da “actividade profissional pelo Autor, antes do acidente, implicava, deslocações constantes, no país e no estrangeiro, umas vezes de carro, outras vezes de avião; em média, o Autor deslocava-se, semanalmente, uma vez”, sendo que, depois do acidente, o Autor “deixou de fazer essas deslocações e, aquelas que efectua, raramente, só o consegue com enorme dificuldade”.
Por fim, conforme facto UU., provou-se que desde que retomou o trabalho o Autor nunca mais recebeu o valor mensal médio de 900,00 € relativo a «deslocações»”.
Ora, tendo por base tal factualidade apurada, e não questionada, qual a relevância da matéria factual ora pretendida aditar ?

Analisemos.

Conforme expressamente referenciado em aresto desta Relação de 24/04/2019 (10) “na decisão da matéria de facto, o Tribunal apenas pode considerar os factos essenciais que integram a causa de pedir (ou as exceções), bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, e os factos notórios e de que tem conhecimento por via do exercício das suas funções (art. 5.º do CPC), estando-lhe vedado, por força do princípio da limitação dos atos consagrado no art. 130.º do CPC, conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito. São manifestações do princípio dispositivo e do princípio da economia processual que se impõem ao juiz da 1.ª instância aquando da seleção da matéria de facto provada/não provada na sentença, mas também na 2.ª instância, no que concerne à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto”.
Acrescenta-se, então, citando Acórdão desta Relação de 27/11/2018 (11) que a jurisprudência dos Tribunais Superiores vem reconhecendo que a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesmaa reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC)” (sublinhado nosso) (12)
Em consonância, refere-se expressamente no douto Acórdão do STJ de 17/05/2017 (13) que “o princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo”, tratando-se de uma das “manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Acrescenta, nada impedir “que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis”.
Pelo que, conclui, “para se aferir da utilidade da apreciação da impugnação da decisão fáctica importa considerar se os pontos de facto questionados se não apresentam de todo irrelevantes, se a eventual demonstração dos mesmos é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de direito, se é passível de influenciar e, porventura, alterar a decisão de mérito no quadro das soluções plausíveis da questão de direito (sublinhado nosso).

Ora, tendo por pressuposto tal entendimento, afigura-se-nos resultar indubitavelmente o seguinte:
- conforme evidenciámos, a impugnação da matéria de facto apresentada, na vertente do reclamado aditamento, tem um âmbito ou balizamento limitado e preciso, traduzido no efectivo desempenho do Autor, em exclusividade, do cargo de director comercial da empresa M………., e alegada evolução desta ;
- da factualidade apurada e considerada provada, já se evidencia aquele desempenho – facto PP. -, que não surge questionado, sendo que a evolução, de dimensão e qualidade, da empresa não se configura, pelo menos numa primeira abordagem, com relevância para conhecer acerca do pedido em controvérsia ;
- por outro lado, o reclamado aditamento é configurado por relação ao arbitrado dano patrimonial (perda de rendimentos de trabalho), com enfoque na circunstância do Tribunal apelado ter utilizado como base ou referência um valor médio mensal de 900,00 €, que, apesar da sua rotulagem nos recibos de vencimento como “deslocações”, integrou ou configurou como efectiva e real retribuição ;
- e não como valor arredado de tal conceito, nomeadamente como ajudas de custo, atribuídas em reembolso de despesas de deslocações ;
- assim, o que a Impugnante Ré verdadeiramente questiona, também nesta vertente, é o arbitramento daquele hipotético dano, e a rotulagem de retribuição que foi conferida ao montante médio mensal de 900,00 € que era atribuído ao Autor como despesas de deslocações ;
- e não propriamente, pois não o contestou ou impugnou, que tal valor tivesse sido deixado de ser percepcionado pelo Autor, após retomar o trabalho, com tal designação de “deslocações”, conforme resulta do facto provado UU. ;
- ora, a configuração ou percepção daquele montante como efectiva e real retribuição do Autor, ainda que encapotada sob a designação de “deslocações”, é matéria reportada ao enquadramento jurídico e juízo de julgamento efectuado (conforme melhor apreciaremos infra), e não propriamente a qualquer modificação do lastro factual que impusesse diferenciado juízo ;
- concretizando, ainda que tal factualidade, partindo do princípio que possuía lastro probatório, pudesse vir a ser considerada, como factos instrumentais resultantes da instrução da causa, com legal inscrição na alínea a), do nº. 2, do artº. 5º, do Cód. de Processo Civil, não resulta que da mesma pudesse resultar uma qualquer alteração daquele juízo configurador do montante como retribuição e sua aludida perda futura ;
- donde, a sua putativa prova não releva nos presentes autos, nomeadamente para o conhecimento da controvérsia em equação, tendo em consideração a projectada solução de direito, pois esta não possui qualquer conexão com a mesma factualidade ora pretendida aditar ;
- por outro lado, relativamente a eventuais reflexos de tal matéria factual nas perdas de natureza não patrimonial, não logra a Impugnante efectuar qualquer concretização ou especificação, limitando-se a formular um juízo genérico de afectação, sem minimamente detalhar ou explicitar de que forma aquela teria ressonância na fixação operada na sentença em sindicância ;
- pelo que, conhecer acerca da impugnação da matéria de facto apresentada na presente sede recursória, configurar-se-ia como a prática de um acto inútil, legalmente sancionado pelo artº. 130º, do Cód. de Processo Civil ;
- ou seja, ainda que lograsse obter procedência tal impugnação da matéria factual, na vertente do reclamado aditamento, e tal matéria passasse a figurar como provada, esta revelar-se-ia totalmente irrelevante e inócua para a sorte da pretensão recursória apresentada, nos termos expostos pela Recorrente, pelo que aquela reapreciação da matéria de facto traduzir-se-ia na prática de uma acto absolutamente inútil, claramente contrário á observância dos princípios da economia e celeridade processuais ;
- pelo que, na decorrência de tal juízo, decide-se não conhecer da impugnação da matéria de facto apresentada no presente recurso.

III)–DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS

- Da inexistência de fundamento ou pressuposto factual que permita arbitrar indemnização a título de ressarcimento de danos patrimoniais (passados, presentes e futuros)

Nos termos já consignados, que nos dispensamos de repetir, entende a Ré apelante que após ter tido alta o Autor deixou de ter qualquer perda salarial, inexistindo, assim, fundamento ou pressuposto de facto que justifique o arbitramento de indemnização a título de ressarcimento de danos patrimoniais passados, presentes ou futuros.
Questiona, deste modo, a vertente condenatória que determinou o pagamento ao Autor da quantia de 200.700,00 €, a título de dano patrimonial (perda de rendimentos de trabalho), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação da Ré e até efectivo e integral pagamento.
O argumento recursório da Apelante cinge-se, essencialmente, na discórdia relativamente á tipificação do aludido montante médio mensal de 900,00 € como retribuição, antes pugnando pela sua qualificação como reembolso de despesas e não como qualquer «lucro» ou acréscimo de rendimento da actividade do A. como director comercial”, ou seja, como prestação excluída daquele conceito.
Pelo que, aduz, tendo-lhe a entidade patronal continuado a pagar o salário que auferia antes do acidente, sem qualquer diminuição, inexiste, assim, perda salarial valorável, injustificando-se aquela indemnização, por que destituída de lastro factual que a justifique.

Na resposta apresentada, o Apelado pugna pela manutenção de tal valor indemnizatório, que tipifica como justo, tendo em conta essa remuneração integrada com todas as suas componentes retributivas.

Na decisão impugnada entendeu-se, no apelo ao estatuído nos artigos 258º e 260º, nº. 1, ambos do Cód. do Trabalho, que aquele valor médio mensal de 900,00 €, relativo a “deslocações”, integra o conceito de retribuição que o Autor deixou de auferir quando retomou o exercício da sua actividade profissional, contabilizando-o, por um lado, como dano patrimonial e, por outro, como dano patrimonial futuro, a título de lucro cessante.
Entendeu-se, ainda, que integrando o conceito de retribuição, tem o Autor o direito a havê-la em tais termos, ou seja, como parte da retribuição que auferia, e como tal sujeita aos impostos legais, incluindo os descontos legais para efeitos de reforma”. E, acrescenta, se até ao momento o mesmo montante não era sujeito aos impostos e descontos legais, conclui-se que se tratava de uma prática ilegal e fraudulenta, não aceitável.
Considerou-se, então, ser tal montante devido até à idade de reforma, que se fixou nos 66 anos e 5 meses e, procedendo-se ao devido cálculo, chegou-se ao valor total de 200.700,00 €, correspondente ao período entre Setembro de 2012 a Março e 2031 (ambos inclusive).
Valor que, tendo em atenção que a rentabilização de tal quantia só ocorreria passado um ano (o que implicaria retirar o valor de 10.800,00 €, correspondente a 12 meses x 900,00 €, que seria necessário despender, determinando que o valor a ponderar seria de 189.900,00 €) e que as actuais aplicações financeiras não permitem uma rentabilidade anual superior a 1%, entendeu-se não dever ser objecto de qualquer redução.

Conhecendo:

Conforme aduzimos, no presente ponto recursório está fundamentalmente em equação a qualificação ou rotulagem daquela quantia média de 900,00 €, mensalmente auferida pelo Autor, nomeadamente se a mesma deve ou não integrar o conceito de retribuição legalmente equacionado.

Prevendo acerca dos princípios gerais sobre a retribuição, dispõem os nºs. 1 a 3, do artº. 258º, do Código do Trabalho – aprovado pela Lei nº. 07/2009, de 12/02 -, que:
1- Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2- A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3- Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador” (sublinhado nosso).
Por sua vez, o artº. 260º, do mesmo diploma, equacionando acerca das prestações incluídas ou excluídas da retribuição, aduz que:
1- Não se consideram retribuição:
a)- As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador;
b)- As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa;
c)- As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido;
d)- A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho.
2- O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição.
3- O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica:
a)- Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele;
b)- Às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respectivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante” (sublinhado nosso).
Vejamos, de forma exemplificativa, qual o entendimento jurisprudencial que tem sido adoptado na definição do conceito de retribuição, em contraponto com outras prestações excluídas de tal conceito, nomeadamente as ajudas de custo ou deslocações.
- sumariou-se no douto Acórdão do STJ de 03/11/2016 (14) , que:
1-A retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou em espécie) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador como contrapartida da atividade por ele desenvolvida, dela se excluindo as prestações patrimoniais do empregador que não sejam a contraprestação do trabalho prestado.
2- Considera-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos de cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorra todos os meses de atividade do ano (onze meses).
3- Face ao cariz sinalagmático do contrato de trabalho, a regularidade e periodicidade não constitui o único critério a considerar, sendo ainda necessário que a atribuição patrimonial constitua uma contrapartida do trabalho e não se destine a compensar o trabalhador por quaisquer outros fatores (sublinhado nosso) ;
- sumariou-se no douto aresto da RC de 30/06/2017 (15), que a “retribuição do trabalho é o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desenvolvida ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida, integrando a mesma não só a remuneração de base como ainda outras prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente, com as quais o trabalhador conta para satisfação das necessidades pessoais do trabalhador e da sua família. III Tendo a trabalhadora auferido durante anos uma prestação pecuniária regular e periódica designada por retribuição adicional e que a empregadora alterou para designação de compensação de desempenho, muito embora a mesma não estivesse condicionada ou dependente do desempenho e mérito profissionais da trabalhadora, tal prestação constitui uma componente da sua retribuição em sentido estrito, estando, como tal, abrangida pelo princípio da irredutibilidade da retribuição” ;
- no douto Acórdão do STJ de 21/09/2017 (16), consta do sumário elaborado que o “princípio reitor na definição da retribuição (stricto sensu), visto o carácter sinalagmático que informa o contrato de trabalho, é a exigência da contrapartida do trabalho, pois só se considera retribuição aquilo a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2.-As atribuições patrimoniais conferidas ao trabalhador só integram o conceito de retribuição quando o seu pagamento ocorrer em todos os meses do ano (onze meses), pelo que só nestas circunstâncias será de as considerar para efeitos de cálculo de retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal.
3.-Mesmo provadas a regularidade e a periodicidade no pagamento de remunerações complementares, as mesmas não assumem carácter retributivo se tiveram uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este.
4.-Não integram o apontado conceito de retribuição, pela falência do elemento constitutivo da contrapartida da prestação, os suplementos remuneratórios recebidos pelo trabalhador a título de «Abono/subsídio de Prevenção», pois é pago para estar disponível para uma eventual chamada, fora das horas normais de serviço.
5.- Não integra o conceito de retribuição o subsídio de condução que é pago ao trabalhador, que não sendo motorista tem que conduzir em exercício de funções e por causa destas, pois visa compensar a especial penosidade e o risco decorrente da condução de veículos, tendo assim uma justificação individualizável, diversa da contrapartida pelo trabalho prestado.
6.- Constituindo o prémio de assiduidade um incentivo pecuniário que visa combater o absentismo e premiar a assiduidade do trabalhador, a sua atribuição reveste natureza notoriamente aleatória e ocasional, não podendo por isso integrar o conceito de retribuição para efeitos de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal” (sublinhado nosso) ;
- ainda no douto aresto da RE de 29/11/2018 (17), exarou-se no sumário que “tendo o trabalhador sinistrado demonstrado que durante a vigência do contrato de trabalho até ocorrência do acidente, que não perfez um ano, auferiu, mensalmente, valores pecuniários pela prestação de trabalho suplementar, funciona a presunção prevista no n.º 3 do artigo 258.º do Código do Trabalho, pelo que, não tendo a entidade responsável logrado provar factos que, pelo menos, suscitassem dúvidas sobre a continuidade de tal atribuição patrimonial, ou, sobre a verificação de excecionais e esporádicas circunstâncias durante a vigência do contrato até data do acidente, que tenham originado a prestação (não habitual) de trabalho suplementar, que permitissem ilidir a referida presunção, o trabalho suplementar pago integra a retribuição a considerar para efeitos de cálculo das prestações devidas no âmbito do direito de reparação ao acidente de trabalho” ;
- no douto Acórdão desta Relação de 12/03/2009 (18), sumariou-se que “as prestações regulares e periódicas pagas pelo empregador ao trabalhador, independentemente da designação que lhes seja atribuída no contrato ou no recibo, só não serão consideradas parte integrante da retribuição se tiverem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho.
2.-Compete ao empregador provar que as quantias que paga mensalmente ao trabalhador, a título de ajudas de custo, constituem verdadeiras ajudas de custo, ou seja, se destinam a ressarcir o trabalhador de despesas efectuadas ao serviço ou no interesse da empresa.
3.- Se conseguir provar que o pagamento dessas quantias tinha aquele destino ou tinha uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho, tais importâncias não podem considerar-se parte integrante da retribuição, a não ser que o trabalhador consiga provar que as mesmas excediam as despesas por ele realmente efectuadas e a medida em que excediam, bem como que essas importâncias tinham sido previstas no contrato e devem considerar-se (na parte respeitante a esses excedentes) pelos usos da empresa como elemento integrante da sua retribuição.
4.- Se o empregador não conseguir fazer essa prova, tais importâncias devem considerar-se parte integrante da retribuição e a média anual dessas quantias deve ser incluída, no cálculo da retribuição de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal, até à data da entrada em vigor do CT” (sublinhado nosso) ;
- no douto Acórdão do STJ de 12/11/2020 (19), questionou-se, com nítida relevância para o caso sub júdice, se as ajudas de custo devem ser consideradas como retribuição para efeitos do cálculo da indemnização dos danos patrimoniais futuros e se, em consequência, deve atribuir-se ao Autor uma indemnização por perdas salariais.
Entendeu-se prever a citada alínea a), do nº. 1, do artº. 260º, do Código do Trabalho, “uma regra e uma excepção — a regra é a de que as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, como a título de subsídio de alimentação ou de refeição, não devem ser consideradas como retribuição e a excepção é a de que devem ser consideradas como retribuição, desde que estejam preenchidos três requisitos cumulativos: em primeiro lugar, desde que as deslocações ou despesas compensadas com as ajudas de custo sejam frequentes; em segundo lugar, desde que as importâncias devidas a título de ajudas de custo excedam os custos normais das deslocações ou despesas; em terceiro lugar, desde que, na medida em que excedam os custos normais das deslocações ou despesas, hajam sido previstas no contrato ou devam ser consideradas pelos usos como elemento integrante de retribuição do trabalhador”.
Acrescenta-se que “face à regra e à excepção, o trabalhador tem o ónus da prova de que estão preenchidos os pressupostos da segunda parte do art. 260.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho”.
Citando o sumariado no aresto recorrido, aduz que “as "ajudas de custo" em sentido próprio (enquanto compensação ou reembolso de despesas feitas por força de deslocações em serviço) não integram o conceito de retribuição, apenas como tal podendo ser considerada a importância abonada que exceda a efectiva cobertura das despesas realizadas, v. g., advindas das deslocações no estrangeiro ou fora da área de laboração em território nacional (art.ºs 260º, n.ºs 1, alínea a) e 2 do Código do Trabalho e 71º, n.º 2 da Lei dos Acidentes de Trabalho)”, sendo que é ao “A./sinistrado, “colaborador, sócio e gerente” da entidade empregadora e que pretendeu fazer valer a natureza retributiva dessa prestação, cabia o ónus de provar o que com ela estava efectivamente a ser pago e em que medida (art.º 342º, n.º 1 do Código Civil)” (sublinhado nosso).
Assim, na situação em que a factualidade provada não seja suficiente ou bastante “para que se dê como provado que as importâncias devidas a título de ajudas de custo excedam os custos normais das deslocações ou despesas, haviam sido previstas no contrato ou deviam ser consideradas pelos usos como elemento integrante de retribuição do trabalhador”, não podem as mesmas integrar o conceito de retribuição.
Donde, o juízo exposto no sumário elaborado, no sentido de que, em regra, “as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, como a título de subsídio de alimentação ou de refeição, não devem ser consideradas como retribuição, com excepção da situação “em que estejam preenchidos três requisitos cumulativos: em que as deslocações ou despesas compensadas com as ajudas de custo sejam frequentes; em que as importâncias devidas a título de ajudas de custo excedam os custos normais das deslocações ou despesas; e em que, na medida em que excedam os custos normais das deslocações ou despesas, hajam sido previstas no contrato ou devam ser consideradas pelos usos como elemento integrante de retribuição do trabalhador”, incidindo sob este o ónus probatório “de que estão preenchidos os pressupostos da segunda parte do art. 260.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho(sublinhado nosso) ;
- por fim, no douto aresto do STJ de 21/03/2019 (20), defende-se, após transcrição da alínea a), do nº. 1, do artº. 260º, do Cód. do Trabalho, que para as importâncias ali referenciadas integrarem a retribuição - ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador -, “devia o Autor alegar e provar, como é seu ónus, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, por serem factos constitutivos do seu direito, que tais prestações excedem os respetivos montantes normais ou que se devam considerar pelos seus usos como elementos integrantes da sua retribuição”.
Concluiu-se, então, na situação em apreciação que as “ajudas de custo, o subsídio de deslocação e o subsídio de refeição não integram a retribuição do Autor pois, apesar de serem pagas regular e periodicamente, a Ré ilidiu a presunção do seu carácter retributivo dado ter provado que, com o seu pagamento, visou suportar os encargos do Autor com alojamento, deslocações e alimentação, não tendo, ainda, o Autor provado, “como lhe competia, que as quantias que lhe foram pagas a título de ajudas de custo, de subsídio de deslocação e de subsídio de refeição, excederam os respetivos montantes normais ou que se devam tais prestações considerar pelos seus usos como elementos integrantes da sua retribuição”(21).

Doutrinariamente, referencia Sónia Kietzmann Lopes (22) serem três os elementos constitutivos da noção de retribuição:
- por um lado, “corresponde à contrapartida da actividade do trabalhador” ;
- por outro, “pressupõe o pagamento de prestações de forma regular e periódica” ;
- por fim, tal prestação “tem de ser feita em dinheiro ou em espécie, ou seja, tem de traduzir-se numa prestação com valor patrimonial”.
Relativamente ao conceito de regularidade, citando Bernardo Lobo Xavier(23) aduz pretender a lei significar “uma remuneração não arbitrária mas que segue uma regra permanente, sendo, portanto, constante. Por outro lado, exigindo um carácter “periódico”, a lei considera que ela deve ser relativa a períodos certos no tempo (ou aproximadamente certos), de modo a integrar-se na própria ideia de periodicidade e de repetência ínsita no contrato de trabalho e nas necessidades recíprocas dos dois contraentes que este contrato se destina a servir”.
Por sua vez, não devem integrar o conceito de retribuição, nos termos legalmente transcritos, “as ajudas de custo, os abonos de viagem, as despesas de transporte e os abonos de instalação”, salvo se, conforme resulta do nº. 1, alín. a), in fine, do citado artº. 260º:
- “as deslocações ou despesas forem frequentes ; e
- as importâncias tenham sido previstas no contrato; ou
- as importâncias devam considerar-se, pelos usos, elemento integrante da retribuição”.
Ressalvando-se, todavia, que “ainda que estejam reunidos ambos os pressupostos desta excepção, apenas é considerada retribuição a parte dessas importâncias que exceda os respectivos montantes normais”.
No que se reporta ao ónus probatório da verificação dos pressupostos condicionantes da atribuição de natureza retributiva a qualquer prestação pecuniária paga pelo empregador ao trabalhador, aduz a mesma Autora consagrar a lei “um regime favorável aos trabalhadores, preceituando, no n.º 3 do art. 258.º do Código do Trabalho, que se presume constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade empregadora ao trabalhador”.
Pelo que, desta forma, cabe ao trabalhador “somente provar a percepção das prestações pecuniárias, não tendo de provar que as mesmas são contrapartida do seu trabalho” e, estando-se perante uma presunção iuris tantum, é admitido ao empregador provar “que as prestações pecuniárias percebidas pelo trabalhador não revestem carácter de retribuição (art. 350.º n.º 2, 1.ª parte do Código Civil)”.
E, respondendo a questão com relevância para o caso sub júdice, referente à forma de conciliar a presunção de existência de retribuição, inscrita no nº. 3, do artº. 258º, do Cód. do Trabalho, com a exclusão das ajudas de custo e abonos de viagem (entre outras prestações), do conceito de retribuição, conforme a alínea a), do nº. 1, do artº. 260º, do mesmo diploma, referencia caber à entidade empregadora “provar, nos termos dos art.s 344.º n.º 1 e 350.º n.º 1, ambos do Código Civil, que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo ou abonos de viagem, etc., sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art. 260.º do Código do Trabalho e valer a presunção do art. 258.º n.º 3 do Código do Trabalho, de que se está perante prestação com natureza retributiva”.
Ou seja, concretizando, “demonstrado que tenha sido pela entidade empregadora que determinada prestação assume a natureza de ajudas de custo ou, em geral, que a mesma tem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho, não opera a presunção do art. 258.º n.º 3 do Código do Trabalho (sublinhado nosso).
Por outro lado, no que concerne ao valor probatório dos recibos de vencimento, aduz (24) citando aresto do STJ de 23/01/2008 (25) “o entendimento de que os recibos de remunerações emitidos pelo empregador, fazem prova plena quanto às declarações deles constantes, nomeadamente sobre as verbas neles mencionadas, nos termos dos artigos 374.º n.º 1 e 376.º n.º 1, ambos do CC). Todavia, isso não impediria que, através do recurso a outros meios de prova, incluindo a testemunhal e por confissão, se procedesse à interpretação do contexto do documento (art. 393.º n.º 3 do Código Civil) e se apurasse qual a natureza das concretas prestações ou retribuições laborais a que se destinaram os pagamentos inseridos na rubrica em causa (sublinhado nosso).
Referencia, ainda, António Monteiro Fernandes (26) que tem “sido corrente o entendimento de que todas as referências à “retribuição”, em regimes legais ou convencionais, independentemente dos específicos efeitos visados, devem implicar a consideração da totalidade das prestações obrigatórias, regulares e periódicas, e correspectivas da prestação de trabalho, feitas pelo empregador ao trabalhador no desenvolvimento das relações de trabalho”.
Pelo que, a “indiscriminada utilização de tal critério ignora a diversidade dos problemas em que se joga com “conceitos” ou “composições” da retribuição; assim, a orientação dominante na jurisprudência não chega a deter-se nesta diversidade de utilizações da referência à “retribuição”, nem coloca qualquer dúvida acerca da viabilidade de uma mesma e só resposta para o problema da determinação do alvo ou objecto de cada uma delas”.
Donde resulta que com a codificação, “tornou-se claro que a qualificação decorrente do critério omnicompreensivo se destina apenas, na economia do regime legal, a desenhar o perímetro dentro do qual actuam os “regimes de garantia e de tutela dos créditos retributivos” estabelecidos pelo próprio Código”. E, paralelamente, “o legislador do Código tornou claro que o critério “geral” da retribuição, constante dos n.os 1 e 2 do art. 249.º daquele Código (e actualmente dos n.os 1 e 2 do art. 258.º do Código de 2009), não serve para identificar os elementos da base de cálculo de quaisquer prestações retributivas complementares ou derivadas, fornecendo para este efeito, a título supletivo, uma outra solução: “retribuição” quer dizer “base mais diuturnidades””.
Ainda em termos doutrinais, referencia Manuel Pereira da Silva (27) que a ““definição” de retribuição prevista no artigo 258.º do CT apenas nos fornece alguns indícios daqueles que são os seus elementos constitutivos, correspondendo à contrapartida da actividade do trabalhador, e pressupondo o pagamento de prestações de forma regular e periódica e com valor patrimonial”.
E que, “em caso de dúvida, consagra-se a presunção de que qualquer prestação que a entidade patronal pague ao trabalhador constitui retribuição, ficando a cargo daquela o ónus de demonstrar o contrário”, podendo aludir-se ao conceito “de remuneração em sentido amplo ou em sentido restrito ou técnico-jurídico”.
Assim, “em sentido amplo, a retribuição contempla as variadas prestações remuneratórias de que o trabalhador beneficia pelo que, “no âmbito de outros ramos do Direito – como o direito fiscal e a segurança social – determinadas vantagens auferidas pelo trabalhador podem ser consideradas remuneração, apesar de não integrarem o conceito de retribuição em direito do trabalho”, ou seja, a retribuição pode ser considerada como o elemento mais relevante da relação jurídica laboral, na medida em que representa para o trabalhador o elemento essencial e primordial do contrato de trabalho, que assegura a sua subsistência e da família e ainda por criar legítimas expectativas jurídicas em relação ao recebimento de tais valores ou prestações. Na verdade, a retribuição constitui o único suporte financeiro da economia familiar e pessoal do trabalhador.
Em sentido restrito ou técnico-jurídico a retribuição compreende a denominada “retribuição base” – correspondente à parcela retributiva contratualmente devida que condiz com o exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido (art. 262.º n.º 2 alínea a) do CT) – as “diuturnidades” (art. 262.º n.º 2 alínea b) do CT), assim como as demais prestações pecuniárias pagas regularmente como contrapartida da actividade”.

Efectuado o presente excurso, definamos os princípios gerais a considerar na definição do conceito de retribuição, em contraponto com as demais prestações auferidas pelo trabalhador susceptíveis de integrarem, ou não, aquele conceito:
- a retribuição traduz-se no conjunto de valores (em pecunia ou espécie) pagos pela entidade empregadora ao trabalhador, de forma regular e periódica, em contrapartida da actividade ou trabalho pelo mesmo prestado, ou da mera disponibilidade da força de trabalho pelo mesmo oferecida ;
- pelo que não deve integrar tal conceito as prestações de índole patrimonial, ainda que regulares ou periódicas, atribuídas pelo empregador que não constituam contraprestação pelo trabalho prestado, mas antes se destinando a compensar o trabalhador por outros factores, ou seja, possuindo uma causa específica ou individualizada, distinta da remuneração do trabalho ou da mera disponibilidade para este ;
- num primeiro momento, incumbe à entidade empregadora ilidir a presunção de carácter retributivo inscrita no nº. 3, do artº. 258º, do Cód. do Trabalho, provando ter o pagamento efectuado visado suportar os encargos do trabalhador com despesas susceptíveis de integrarem o conceito de ajudas de custo (deslocações, alojamento, alimentação) ;
- conforme decorre da alínea a), do nº. 1, do artº. 260º, do Código do Trabalho, funcionando como regra, as denominadas ajudas de custo (e demais prestações ali previstas), enquanto compensação ou reembolso de despesas efectuadas pelo trabalhador por força das deslocações em serviço, não integram o conceito de retribuição ;
- apenas devendo ser consideradas como tal, desde que se verifiquem preenchidos três requisitos cumulativos (previstos na 2ª parte, do mesmo nº. 1, do artº. 260º, do Cód. do Trabalho):
4.-desde que as deslocações ou despesas compensadas a tal título sejam frequentes ;
5.-desde que as importâncias devidas a tal título de ajudas de custo excedam os custos normais das deslocações ou despesas ;
6.-e, na medida em que excedam tais custos normais das deslocações ou despesas, tenham sido contratualmente previstas ou devam ser consideradas pelos usos como elemento integrante de retribuição do trabalhador ;
- incumbe ao trabalhador, como facto constitutivo do seu direito – cf., nº. 1, do artº. 342º, do Cód. Civil -, que pretenda fazer valer a natureza retributiva de tal prestação, o ónus probatório de estarem preenchidos tais pressupostos ou requisitos cumulativos, susceptíveis de integrarem tais valores no conceito de retribuição ;
-pelo que, não resultando suficientemente da factualidade provada que as importâncias devidas a título de ajudas de custo excedam os custos normais das deslocações ou despesas, hajam sido previstas no contrato ou deviam ser consideradas pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador, não podem as mesmas integrar o conceito de retribuição ;
- não bastando, assim, a mera prova do seu pagamento regular e periódico.

Aqui chegados, é tempo de retornar ao caso concreto.
Poder-se-á qualificar a prestação média de 900,00 €, mensalmente auferida pelo Autor, como efectiva retribuição, nos termos defendidos na sentença em sindicância ?
Ou dever-se-á, antes, qualificar a mesma, identificada nos recibos de vencimento do Autor com a menção de “deslocações”, como prestação de natureza distinta, excluída de carácter retributivo, conforme reclamado pela Ré apelante ?

A factualidade provada a ponderar é a seguinte:
À data do acidente o Autor exercia as funções de responsável de toda a área comercial da firma M. Lda., nomeadamente, na vertente de obras e manutenção e auferia uma remuneração mensal, composta por uma retribuição fixa de €1.200,00 mensais e de uma retribuição variável regular e permanente designada por “deslocações”/ajudas de custo de €900,00 de média mensal – facto PP..
A Ré pagou ao Autor a título de perdas salariais por incapacidade temporária e absoluta para o trabalho a quantia total de €20.496,09, tendo em conta apenas a retribuição base auferida pelo Autor no valor mensal de €1.200,00 – Facto QQ..
O exercício da actividade profissional pelo Autor, antes do acidente, implicava, deslocações constantes, no país e no estrangeiro, umas vezes de carro, outras vezes de avião; em média, o Autor deslocava-se, semanalmente, uma vez – facto RR..
Depois do acidente, o Autor A......, deixou de fazer essas deslocações e, aquelas que efectua, raramente, só o consegue com enorme dificuldade – facto SS..
O Autor desde que retomou o trabalho, nunca mais recebeu o valor mensal médio de €900,00 relativo a “deslocações” – facto UU..
Sendo o Autor …. responsável por toda a área comercial da empresa, principalmente, na vertente das obras e manutenção era ele que mantinha uma ligação estreita com todos os clientes, sendo a empresa ora Autora conhecida no mercado pela competência sempre demonstrada pelo Autor ……….., mas principalmente, pela confiança depositada na sua pessoa – facto UUU..
Fazia parte das funções do Autor ………., entre outras, angariar obras e fazer o seu acompanhamento integral e mesmo quando os novos clientes ao procurar os serviços da empresa, faziam-no, tendo como referência o Autor Arnaldo, tendo em conta as suas boas referências comerciais, conhecimentos técnicos e resultados conseguidos – facto VVV..

Consta da fundamentação/motivação da factualidade provada sob as alíneas PP. e UU. o seguinte:
“O Tribunal teve como provados os factos constantes das alíneas PP) e UU) com fundamento na conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas Anabela…. e Paulo….. e no teor dos documentos juntos a folhas 80 a 86, 92 a 98 e 100 a 111 dos autos.
Da conjugação destes meios probatórios ficou o Tribunal convicto que o Autor António à data do acidente auferia mensalmente uma quantia média de €900,00, quantia essa que deixou de auferir depois do acidente, pois apenas manteve apenas a retribuição base de €1.200,00. Mais ficou convicto que a quantia média mensal de €900,00 apesar de ser discriminada nos recibos de vencimento como “deslocações”, correspondia a uma retribuição mensal variável e não a quantias inerentes a deslocações efectuadas/ajudas de custo”.

E, mais adiante, já em pleno enquadramento jurídico de tal factualidade, consignou-se que:
“(…..) começando pelos danos de natureza patrimonial, vem demonstrado que o Autor António., à data do acidente, exercia as funções de responsável de toda a área comercial da firma M. Lda., nomeadamente, na vertente de obras e manutenção e auferia uma remuneração mensal, composta por uma retribuição fixa de €1.200,00 mensais e por uma retribuição variável regular e permanente designada por “deslocações”/ajudas de custo de €900,00 de média mensal, mas, desde que o Autor retomou o trabalho, nunca mais recebeu o valor mensal médio de €900,00 relativo a “deslocações”.
Mais se provou que a Ré pagou ao Autor a título de perdas salariais por incapacidade temporária e absoluta para o trabalho a quantia total de €20.496,09, tendo em conta apenas a retribuição base auferida pelo Autor no valor mensal de €1.200,00.
Autor desde que retomou o trabalho, nunca mais recebeu o valor mensal médio de €900,00 relativo a “deslocações”.
Quanto ao conceito de retribuição dispõe o artigo 258º do Código de Trabalho que:
1- Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do trabalho.
2- A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. 3- Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.(…).”
Por seu turno, determina a al. a) do nº 1 do artigo 260º do Código de Trabalho que “Não se consideram retribuição, as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.”
De modo breve, pode dizer-se da conjugação destes normativos, que a retribuição do trabalho se assumirá como o conjunto de valores, pecuniários ou não, que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada, sendo a retribuição integrada não só pela remuneração de base como ainda por outras prestações regulares e periódicas, feitas directa ou indirectamente, incluindo as remunerações por trabalho extraordinário, quando as mesmas, sendo de carácter regular e periódico, criem no trabalhador a convicção de que elas constituem um complemento do seu salário.
No caso que aqui cuidamos resulta à saciedade a regularidade e periodicidade do pagamento das designadas “deslocações” que, não obstante o seu valor variável (muito pouco variável), integram o conceito de retribuição e que o Autor António…. deixou de auferir quando retomou o exercício da sua actividade profissional após o acidente a que aludem os presentes autos.
O Autor António ……… peticiona o pagamento do valor médio mensal de €900,00 que deixou de auferir após o acidente e que contabiliza por um lado como dano patrimonial e, por outro, como dano patrimonial futuro a título de lucro cessante pelo que não irá auferir.
No que diz respeito ao dano patrimonial futuro o Tribunal entende que dispõe de todos os elementos necessários à sua fixação, pelo que irá proceder à sua fixação, não se mostrando necessário relegar o seu apuramento para subsequente incidente de liquidação de sentença.
O Autor peticiona o pagamento de €900,00 mensais por referência a 04 meses do ano de 2012.
Obtida a conclusão que a quantia média mensal paga integra retribuição, é entendimento deste Tribunal que o Autor António ….. tem direito a havê-la nos exactos termos, ou seja, como parte da retribuição que auferia, e como tal sujeita aos impostos legais, incluindo os descontos legais para efeitos de reforma.
Se até ao acidente de viação essa quantia mensal não era objecto de impostos e descontos legais, somos de concluir que se tratava de uma prática ilegal e fraudulenta, mas essa má prática e conduta ilegal não deve ser aceite e seguida pelo Tribunal”.

Ora, o supra exposto como que se assume com uma aparente dualidade de sentidos.
Por um lado, na fundamentação/motivação sobre a matéria de facto, e no que se reporta ao facto provado PP. (que, realce-se, não mereceu impugnação), pareceria necessariamente deduzir-se que o Tribunal a quo considerou que a aludida quantia média mensal de 900,00 €, apesar de ser discriminada nos recibos de vencimento como “deslocações”, correspondia a uma retribuição mensal variável e não a quantias inerentes a deslocações concretamente efectuadas/ajudas de custo.
O que justificaria que se tivesse dado como provado que, á data do acidente, o Autor auferia uma remuneração mensal, composta por uma retribuição fixa de €1.200,00 mensais e de uma retribuição variável regular e permanente designada por “deslocações”/ajudas de custo de €900,00 de média mensal” (realce ora aditado).
O que, prima facie, poderia inculcar a ideia de que logo em sede de matéria de facto se estaria a proceder á qualificação da natureza daquela prestação auferida, integrando-a no conceito de retribuição legalmente definido.
Juízo que, reconheça-se, estando-se no âmbito da fixação da matéria factual, não seria processualmente adequado, pois aquela não deve comportar ou abarcar conceitos de direito ou eivados de jurisdicidade. O que se revela especialmente premente quando estamos perante questões em controvérsia.
Efectivamente, a consideração daquele valor médio mensal auferido como efectiva e real retribuição deve resultar do enquadramento jurídico a efectuar a partir da pura factualidade provada, e não propriamente definir, conclusivamente, esta se tal montante/prestação deve ser considerado/integrado como retribuição, nos termos em que este conceito é juridicamente percepcionado.
Pelo que, deve necessariamente considerar-se a referência á noção de “retribuição variável” ali feita consignar, destituída de qualquer rotulagem ou consideração jurídica, ou seja, a referência expressa a “retribuição” não traduz que se esteja a enquadrá-la tecnicamente como tal, nos termos em que esta é conceptualizada na lei laboral, sendo antes este um resultado ou desiderato potencialmente extraível da factualidade provada.

Por outro lado, tal parece confirmar-se, efectivamente, pois, já em sede de enquadramento jurídico, é a própria sentença recorrida que equaciona a rotulagem de tal prestação como constituindo efectiva retribuição, nos termos legalmente previstos, não se cingindo ou limitando àquele juízo conclusivo.
Desta forma, por apelo ao prescrito nos artigos 258º e 260, nº. 1, alín. a), ambos do Cód. do Trabalho, e da conjugação de tais normativos, entendeu que a retribuição será integrada não só pela remuneração base, “como ainda por outras prestações regulares e periódicas, feitas directa ou indirectamente (…), quando as mesmas, sendo de carácter regular e periódico, criem no trabalhador a convicção de que elas constituem um complemento do seu salário”.
Pelo que, no caso concreto, considerou resultar “à saciedade a regularidade e periodicidade o pagamento das designadas «deslocações» que, não obstante o seu valor variável (muito pouco variável), integram o conceito de retribuição e que o Autor António ...... deixou de auferir quando retomou o exercício da sua actividade profissional após o acidente a que aludem os presentes autos”.
Resulta, deste modo, que o enfoque da sentença apelada para o enquadramento de tais quantias mensais centrou-se na sua periodicidade e regularidade, bem como na alegada convicção criada no trabalhador de que as mesmas constituiriam um complemento do seu salário.
Ora, atenta a factualidade provada, será pertinente tal juízo ?
Parece resultar claro da factualidade provada que tais prestações eram processadas como deslocações, o que se evidencia pelos documentos juntos aos autos que consubstanciam tal prova, nomeadamente as cópias dos recibos de vencimento juntas a fls. 80 a 86, donde contam tais deslocações com os valores variáveis de 1.008,00 € (4 meses), 972,00 €, 990,00 € e 1.152,00 €.
Resulta, ainda, da mesma factualidade, que o exercício da actividade profissional por parte do Autor, previamente ao acidente, implicava deslocações constantes, no país e no estrangeiro, quer de carro, quer de avião, o que acontecia, em média, uma vez por semana. E que, após o acidente, deixou de efectuar tais deslocações, fazendo-o apenas raramente, com enorme dificuldade, pelo que, desde que retomou o trabalho, nunca mais recebeu aquele valor médio mensal de 900,00 € relativo às aludidas “deslocações.
Ora, resulta evidente de tal factualidade a existência de verdadeiras razões ou motivação para o processamento daquele valor médio mensal a título de ajudas de custas, atentas as deslocações médias semanais efectuadas, quer em Portugal quer no estrangeiro, com as consequentes despesas destas resultantes.
Donde, parece resultar, pelo menos numa primeira abordagem, devidamente ilidida a presunção de carácter retributivo inscrita no nº. 3, do artº. 258º, do Cód. do Trabalho, pois aquela atribuição encontra respaldo justificativo no concreto desempenho profissional do Autor, traduzido nas aludidas deslocações semanais, internas e externas, quer de carro, quer de avião.
Pelo que, apesar da sua natureza regular e periódica, resulta de tal factualidade que tais prestações possuem uma causa específica, concreta ou individualizada, destinada a compensar o trabalhador Autor por factores diferenciados ou distintos da contraprestação pelo trabalho prestado, ou mera disponibilidade para este, pelo que, devendo entender-se, prima facie, como ajudas de custo, não devem integrar o conceito de retribuição.
E, só assim não se concluirá caso seja possível descortinar, na mesma factualidade provada, cujo ónus incidia sobre o Autor, o preenchimento dos aludidos três requisitos cumulativos impostos pela 2ª parte, do nº. 1, do citado artº. 260º, do Cód. do Trabalho, ou seja, que tais deslocações ou despesas compensadas a tal título sejam frequentes, que os valores estipulados a tal título excedam os custos normais das deslocações e, na medida em que o excedam, tenham sido contratualmente acordadas ou devam ser consideradas pelos usos como integrando a retribuição do trabalhador Autor.
Ora, atenta a provada periodicidade semanal média das deslocações em equação, bem como o facto de não serem apenas internas, mas igualmente para o estrangeiro, não se vislumbra, minimamente, poder concluir-se que as prestações devidas a título de ajudas de custo, como deslocações, excedam os custos normais destas. Nem, ainda, que as mesmas hajam sido contratualmente previstas ou devam ser consideradas, pelos usos, como elemento necessariamente integrante da retribuição do Autor enquanto responsável de toda a área comercial da entidade empregadora.
Donde, não tendo o Autor logrado efectuar tal prova, não sendo bastante para tal qualificação a circunstância das prestações serem pagas de forma regular e periódica, não podem as mesmas ser consideradas como elemento integrante da retribuição daquele, mas antes devendo figurar como excluídas da mesma (28).
Pelo que, nesta sede, surge como injustificado o valor arbitrado a título de dano patrimonial, por perda de rendimentos de trabalho, em virtude de não resultar provada tal perda, quer no que concerne aos aludidos montantes vencidos e não percepcionados, quer no que concerne ao aludido dano patrimonial futuro.
Determinando, nesta vertente, juízo de procedência das conclusões recursórias apresentadas, com consequente revogação da sentença apelada, na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor António ….. o montante de 200.700,00 € - nº. 1, da alínea a), da decisão condenatória – a título de dano patrimonial (perda de rendimentos de trabalho), acrescido dos juros moratórios arbitrados.
Bem como, consequentemente, e no que concerne aos fundamentos enunciados nas alíneas B) e C), do nº. 3, do enquadramento jurídico, apresentados de forma subsidiária, juízo de prejudicialidade do seu conhecimento.

- Da inadequação do quantum arbitrado a título de dano biológico e de dano de natureza não patrimonial, os quais devem ser quantificados em montantes não superiores, respectivamente, a 50.000,00 € e 30.000,00 €

Referencia a Recorrente Ré que os montantes arbitrados para compensação do dano biológico – 90.000,00 € - e para compensação dos danos não patrimoniais – 55.000,00 € -, são exagerados e desajustados da realidade e jurisprudência dos nossos tribunais superiores, pelo que, em caso algum deverão ser arbitradas, respectivamente, quantias superiores a 50.000,00 € e 30.000,00 €.
Considera, diste modo, ter sido violado o prescrito no nº. 4, do artº. 496º, do Cód. Civil, requerendo a substituição da decisão por outra que a condene nos montantes ora propostos.

Na resposta apresentada, o Autor pugna pela manutenção dos valores arbitrados, considerando, inclusive, que o montante arbitrado para ressarcir os danos não patrimoniais peca até por defeito, tendo em atenção as graves lesões e sequelas sofridas.

Relativamente aos danos em equação, a sentença apelada ajuizou nos seguintes termos:
“O Autor António ……., no caso que aqui cuidamos, não ficou, por força do acidente, incapaz para o exercício da sua actividade profissional. Com efeitos, apenas se provou que as sequelas das lesões causadas pelo sinistro são compatíveis com a actividade profissional do demandante, mas exigem deste um esforço acrescido para o seu desempenho.
Nessa medida, é entendimento deste Tribunal que não existe um dano patrimonial associado às sequelas do acidente (uma redução da capacidade de ganho com precipitação no rendimento), note-se que o Autor continua a laborar e continuará a auferir a retribuição mensal fixa (que se cifra em €1.200,00 mensais), sendo que quanto ao restante o Tribunal já tomou posição supra, mas essa laboração implicará um acréscimo de esforço ou de dificuldade na prestação laboral, a valorar como dano não patrimonial e o que se fará infra
Este dano (realização de esforços acrescidos) associa-se a outros da mesma valia igualmente provados, ingressando-se, assim, nos danos com dimensão não patrimonial.
Demonstrou-se que o mesmo Autor António ………. demonstra impaciência e preocupação por tomar consciência da gravidade das lesões e saber que não mais seria a pessoa que era antes do acidente. É uma pessoa triste e nunca se conformou com a situação de enfermo, nem com as suas sequelas e tem momentos de grande irritabilidade, depressão e ansiedade.
O Autor António ……… antes do acidente era um desportista nato, apaixonado pela prática de desporto, cultivava a forma física, o desporto para ele era uma actividade essencial, como estilo de vida, escape para o stresse do dia-a-dia. O Autor António ……….. jogava futebol, praticava Windsurf, bicicleta, participando em algumas provas amadoras.
Mais se provou que o Autor António …………… ficou com limitações a nível de desempenho / gratificação de natureza sexual, decorrente das sequelas físicas e psíquicas, toma “Cialis” para poder ter relações sexuais, mesmo assim, com muita dificuldade mantém uma erecção, considerando-se incapaz e impotente, o que lhe causa complexos, retracção e abalo psicológico.
Antes do acidente o Autor António ……….. era um homem sexualmente activo com a sua esposa, sendo que, após o acidente, a vida sexual do Autor António ………….. nunca mais foi a mesma.
Do ponto de vista sexual releva o facto do Autor António ………… pertencer ao sexo masculino ao qual normalmente a virilidade assume especial relevância. É verdade que o conceito de amor não se traduz ou se reduz a uma mera actividade sexual, mas esta actividade sexual, atenta a idade do Autor, assume relevância no homem enquanto pessoa e na sua dignidade.
Todas estas sequelas, decorrentes do acidente importam para o Autor António ……….. um défice funcional permanente para a sua integridade física e psíquica de 27 pontos.
Esse défice consubstancia o denominado “dano biológico”.
(…..)
O dano biológico não é entendido de modo uniforme, podendo acentuar-se a sua componente de prejuízo patrimonial quando se reflecte na capacidade de ganho do individuo ou a vertente não patrimonial na medida em que ele, por definição, tem repercussão no desempenho das tarefas gerais ou indiferenciadas da vida.
Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 2012 “o STJ tem vindo, maioritariamente, a considerar o dano biológico como de cariz patrimonial, indemnizável, nos termos do art. 564, nº 2, do CC. Em abono deste entendimento, a tónica é posta nas energias e nos esforços suplementares que uma limitação funcional geral implicará para o exercício das actividades profissionais do lesado, destacando-se que uma incapacidade permanente geral, sem qualquer reflexo negativo na actividade profissional do lesado e no seu efectivo ganho, se repercutirá, residualmente, em diminuição da condição e capacidade física e correspondente necessidade de um esforço suplementar para a obtenção do mesmo resultado” (Processo nº 269/06.7GARMR.E1.S1, www.dgsi.pt).
Na situação em presença é essa segunda vertente que se evidencia, uma vez que como se viu não existe uma incapacidade que importe perda de rendimento do trabalho.
No caso vertente, atenta a idade do Autor António ……., o esforço acrescido na realização da actividade profissional, o nível das sequelas de que padece e valorando como critério dentro do juízo de equidade o elevado grau de censura a dirigir ao lesante, julga-se adequada uma compensação de €90.000,00 (noventa mil euros).
Prosseguindo na análise dos danos não patrimoniais, vê-se que o Autor foi sujeito a intervenções cirúrgicas, sofreu muito mal estar permanecendo durante um largo período de cama sem se levantar, foi sujeito a sessões de terapia e fisioterapia, passou a deslocar-se em cadeira de rodas, a sua recuperação foi lenta e prolongada, após passou a circular com a ajuda de muletas, o período de incapacidade /défice temporário, as dores sofridas pelo Autor, tendo o quantum doloris sido fixado em 5/7 e o dano estético permanente fixado no grau 4/7.
Aplicando juízos de equidade e sopesando a idade do Autor António …… à data dos factos, o grau de culpa do lesante e a severidade desses danos não patrimoniais julga-se adequada uma compensação total de €55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros), a qual se entende como adequada e proporcional à natureza e gravidade dos danos sofridos pelo Autor António ……………” (sublinhado nosso).

Analisemos.

- Dos danos não patrimoniais

Poder-se-á considerar, com base na factualidade provada, o fixado valor indemnizatório/reparatório não equitativo e desconforme com os padrões jurisprudenciais adoptados ?

Vejamos..

O presente dano consiste nos prejuízos (dor física, desgosto moral, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, liberdade, beleza, perfeição física, honra, etc) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação.
No que aos presentes danos respeita, dispõe o art. 496.º, n.º 3 que o montante da indemnização será fixado equitativamente (29) e (30) pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º do mesmo diploma (o grau de culpabilidade do agente; a situação económica deste e do lesado; e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem). Dispõe este normativo que quando a indemnização se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
Esta categoria geral de danos tem sido progressivamente subdividida em danos que respeitam a diversas facetas da vida humana.
Desde logo, a dor física sofrida pelos lesados como consequência dos ferimentos e respectivos tratamentos e operações; a afectação da integridade anatómica, fisiológica ou estética (31) o dano biológico (conforme melhor veremos infra); o prejuízo de distracção ou de afirmação pessoal e a perda de expectativas de duração de vida.
Relativamente aos presentes danos, Sousa Dinis (32) refere que o julgador deverá ter em consideração, entre outros, os seguintes factores ou pressupostos: “a incapacidade, ou, se for o caso, a incapacidade temporária total geral, que diz respeito às tarefas da vida corrente, e a incapacidade temporária total especial para a actividade desenvolvida, ou seja, a projecção dessa incapacidade no exercício da actividade específica do lesado” ;
-“a graduação do quantum doloris” (....);
-“o prejuízo estético, também graduado como a dor” ;
-o prejuízo de afirmação pessoal (alegria de viver) que deve ser graduado também de acordo com a escala valorativa da quantificação da dor (....)” ;
-“ o desgosto de o lesado se ver na situação em que se encontra” ;
-“a clausura hospitalar”.
Invocando a jurisprudência do nosso Tribunal superior, refere o douto Acórdão do STJ de 25/06/2002 (33) que aquela “em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista. Como se decidiu recentemente neste STJ, a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar”. E, citando Antunes Varela (34) refere que o “montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. É este, como já foi observado por alguns autores, um dos domínios onde mais necessário se tornam o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir” (35); (36); (37)

Jurisprudencialmente, vejamos, de forma exemplificativa, quais os valores que vêem sendo recentemente fixados ao nível do nosso mais Alto Tribunal – Supremo Tribunal de Justiça – pelos seguintes doutos arestos, todos disponíveis em www.dgsi.pt :
- de 08/02/2018 – Relator: Nuno Gomes da Silva, Processo nº. 245/12.0TAGMT.G1.S1 -, no qual se sumariou ser “adequada e proporcional a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em €65.000,00 quando o quadro factual evidencia uma vida arruinada, com a lesada a suportar uma verdadeira “via crucis” em consequência de lesões múltiplas e gravíssimas em vários órgãos que vão perdurar e que têm tradução na atribuição de uma incapacidade permanente geral de 77,9 pontos, com um período de internamento de 10 meses, intervenções cirúrgicas várias, bem como tratamentos, sofrimento físico e psicológico intensos e constantes, este acentuado pela incapacidade de fazer vida autónoma e de estar incapacitada para o trabalho. Tudo contribuindo para um desgosto e uma penosidade muito acrescidos no suportar do normal quotidiano, decorrente da manifesta perda de qualidade de vida, e inevitavelmente das relações interpessoais. Isto numa pessoa que tinha ainda uma esperança de vida prolongada pois completara 60 anos à data do acidente.
V - São consideráveis na avaliação desde dano o pretium doloris, o pretium pulchritudinis, o “dano distracção ou passatempo” (em francês dommage d’agrément) o “dano existencial ou de afirmação pessoal” e o dano da saúde geral, constituído pelas funestas incidências na duração da vida normal da lesado decorrentes das graves lesões” ;
- de 17/06/2018 – Relatora: Rosa Tching, Processo nº. 418/13.9TVCDV.L1.S1 -, onde se sumariou que “resultando dos factos provados que o autor, à data do acidente de viação, tinha 30 anos de idade e era uma pessoa saudável e cheio de vida e que, em consequência do acidente, sofreu várias fracturas; esteve internado durante 14 dias, tendo sido submetido a diversas intervenções e tratamentos médicos durante cerca de 4 meses; teve um período global de cerca de 2 anos e 2 meses de gravidade decrescente de incapacidade, 9 meses dos quais com incapacidade absoluta e a necessitar de ajuda de terceira pessoa; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%; teve dores quantificáveis em 4 numa escala de gravidade crescente até 7; ficou com dificuldades de ereção no relacionamento sexual; deixou de poder praticar atividades desportivas e de lazer; perdeu um ano escolar e continua a necessitar, pontualmente, de tomar medicação anti-álgica, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50 000,00” ;
- de 19/04/2018 – Relator: António Joaquim Piçarra, Processo nº. 196/11.6TCGMR.G2.S1 -, no qual se defendeu que “ponderando este quadro factual, em especial, as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa da Autora), a extrema gravidade das lesões sofridas por esta, os dolorosos tratamentos a que foi sujeita, com destaque para as duas intervenções cirúrgicas, com anestesia geral, o longo período de clausura hospitalar e de tratamentos, as deslocações que teve que realizar para curativos e consultas, quer ao Porto quer a Vizela, a enorme incomodidade daí resultante, as graves e extensas sequelas anátomo-funcionais decorrentes do acidente, que se traduzem num deficit funcional permanente de elevado grau (26 pontos), correspondente a uma IPP de 49,2495% e a um dano estético de grau 4, numa escala de 1 a 7, as intensas dores sofridas (de grau 5, numa escala de 1 a 7), o desgosto e amargura de, com 43 anos de idade, se ver fisicamente limitada e sem perspectivas futuras, em termos laborais, consideramos que, não obstante a apontada limitação deste Tribunal, no que concerne à sindicância de indemnização com recurso à equidade, a indemnização de €45.000,00, a título de dano não patrimonial, foi fixada prudencialmente pelas instâncias e apresenta-se como razoável, ajustada, equilibrada e adequada às circunstâncias concretas do caso vertente” ;
- de 12/07/2018 – Relatora: Rosa Tching, Processo nº. 1842/15.8STR.E1.S1 -, no qual é fixada a indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de 60.000,00 €, num quadro de lesões e sequelas traduzido em repercussão nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 3/7, repercussão na actividade sexual fixável em grau 3/7, num quantum doloris fixável no grau 6/7, em que o lesado ficou portador de perturbação persistente do humor, sequelas a nível da ráquis, abdómen, membro superior direito e membro inferior esquerdo, tendo ainda sido sujeito a intervenção cirúrgica para encerramento da colostomia e reconstituição do trânsito intestinal ;
- de 05/05/2020 – Relator: José Rainho, Processo nº. 224/13.0T2AND.P1.S1 -, no qual se considerou como justa e adequada “a indemnização de €35.000,00 fixada pela Relação, ademais também com referência implícita a 2013, a título de dano não patrimonial dentro do seguinte enquadramento factual nuclear, decorrente de acidente de viação: - (i) o lesado, que tinha a idade de 37 anos à data do acidente, sofreu traumatismo da coluna vertebral, na região cervical e crânio-encefálica, com perda (momentânea) de consciência; (ii) foi conduzido para o hospital, onde ficou em observação (tendo, porém, alta no mesmo dia); (iii) padeceu de cefaleias, náuseas, tonturas e parestesias das mãos; (iv) teve que ser submetido a consultas médicas e a TAC crânio-encefálico e da coluna cervical; (v) foi forçado a usar colar cervical durante cerca de 6 meses; (vi) apresenta sequelas ao nível da coluna cervical; (vii) apresenta um quadro neuropsiquiátrico caracterizado por sintomatologia angodepressiva, humor triste e depressivo, cefaleias, tonturas, desequilíbrios, irritabilidade fácil, tendência de isolamento, labilidade de atenção, sensação de prejuízos mnésicos e alteração do padrão normal do sono; (viii) teve e tem dores, valoradas no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente; (ix) teve de se submeter a várias consultas e exames médicos, bem como a sessões de fisioterapia, que lhe causaram dores; (x) ficou a sofrer de ansiedade na condução” ;
- de 04/06/2020 – Relator: Tomé Gomes, processo nº. 2732/17.5T8VCT.G1.S1 -, aí se ajuizando que “perante um quadro de circunstâncias, integrado pelo tipo de lesões sofridas, internamentos sucessivos e intervenções cirúrgicas várias, tratamentos diversos, período de convalescença, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 31 pontos, com sequelas compatíveis com a atividade profissional habitual, acarretando esforços acrescidos, quantum doloris e dano estética de nível 4, numa escala de 1 a 7, é de concluir que a A. teve um sofrimento físico e psíquico, com afetação da sua vivência pessoal, social e de desempenho, acima do nível médio, mostrando-se adequada, à luz dos parâmetros seguidos pela jurisprudência no tipo de dano em referência, a compensação de € 50.000,00” ;
- de 23/04/2020 – Relatora: Catarina Serra, Processo nº. 5/17.2T8VFR.P1.S1 -, o qual confirmou a decisão do Tribunal da Relação do Porto que, fixou no montante de 127.000,00 € a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, com base, essencialmente, no seguinte quadro factual:
“101.- O Quantum doloris sofrido pelo Autor durante o período de incapacidade foi de 6 numa escala de 0 a 7.
110.- O Autor deixou de poder praticar ciclismo o que fazia há mais de 20 anos com um grupo de amigos com uma frequência de pelo menos quatro vezes por semana.
111.- Antes do acidente, o Autor formava com a sua namorada um casal com muito afecto e carinho, viviam muito bem na sua intimidade, projectando ter filhos e construir uma vida em comum
112.- Por força das sequelas descritas em 96 a) a relação de namoro com projecto de casamento que o Autor então mantinha terminou.
113.- O Autor sofre de ansiedade, com fortes sentimentos de profunda menos valia e descontrolo impulsivo de pendor agressivo tendo-se tornado uma pessoa facilmente irritável e irascível.
114.- Antes do acidente o Autor era uma pessoa alegre e bem disposta.
115.- O Autor temeu pela sua vida e suportou um grande choque e abalo.
116.- Muito lhe custou o tempo de clausura hospital, o tempo em que ficou retido no leito sem se poder mexer.
117.- Lamenta-se bastante com o que lhe sucedeu, falando do acidente muitas vezes.
118.- O Autor passou, por via de todo o exposto anteriormente, a apresentar um comportamento apático, triste e de indiferença perante a vida.
119.- Tem dificuldades acrescidas na vida de relação, refugiando-se não raras vezes no seu quarto a chorar em virtude de não poder levar a vida que levava antes do sinistro.
120.- Sente-se um fardo para os seus familiares, sem qualquer préstimo.
121.- Apresenta distúrbios do sono traduzidos em insónias.
122.- Sofre de uma grande dificuldade de suportar ruídos”.

Obtidos tais parâmetros actualizados, in casu, com relevância para a determinação do quantum a arbitrar, e a acrescer à factualidade já supra enunciada, ponderada na sentença apelada - o Autor foi sujeito a intervenções cirúrgicas, sofreu muito mal estar permanecendo durante um largo período de cama sem se levantar, foi sujeito a sessões de terapia e fisioterapia, passou a deslocar-se em cadeira de rodas, a sua recuperação foi lenta e prolongada, após passou a circular com a ajuda de muletas, o período de incapacidade /défice temporário, as dores sofridas pelo Autor, tendo o quantum doloris sido fixado em 5/7 e o dano estético permanente fixado no grau 4/7 - , urge, igualmente, ponderar o seguinte:
- a culpabilidade da demandada e responsável civil não pode deixar de valorar-se como de acrescida intensidade, atenta a circunstância de, apesar da existência do sinal de STOP no cruzamento, não parou no mesmo, invadindo a faixa de rodagem no sentido em que circulava o Autor ;
- as fracturas, traumatismos e ferimentos sofridos pelo Autor não podem deixar de ser qualificados como relevantes, conforme facto provado Q. ;
- o internamento hospitalar sofrido, o facto de ter ficado em situação de pós-operatório ligado a máquinas e tubos de drenar, com fixador externo na bacia, tendo sido submetido a drenagem torácica e á necessidade de estar imóvel e deitado durante vários dias, conforme factos provados S. a V. ;
- a impossibilidade de dormir com as dores e mal-estar, o que o sujeitou a medicação de calmantes – cf., facto provado Y. ;
- as sequelas decorrentes do acidente, nomeadamente as várias cicatrizes ao nível do tórax, abdómen, membros superiores e inferiores – c f., facto provado VV. ;
- a circunstância da data de consolidação médico-legal das lesões apenas ter ocorrido sensivelmente um ano e meio depois do acidente (24/12/2013), bem como os prolongados períodos de défice funcional temporário total e parcial (84 e 431 dias, respectivamente) – cf., factos provados XX. E ZZ. ;
-a tristeza e preocupação sentidas pelo Autor por tomar consciência da gravidade das lesões, sabendo que não mais seria a mesma pessoa, sendo uma pessoa triste, não conformada nem com a situação de enfermo, nem com as sequelas, o que lhe causa grande irritabilidade, depressão e ansiedade – cf., factos provados BBB), EEE) e FFF) ;
- a dependência de terceiros durante longo período, mesmo para as mais elementares tarefas do dia a dia, tais como higiene, alimentação, vestir-se e despir-se, bem como o facto de toda a sua vida ir sentir dores, desconforto e necessidade de ser medicado – cf., factos provados CCC. e GGG. ;
- a circunstância do Autor ser anteriormente uma pessoa saudável, trabalhador, desportista nato, cultivando a forma física e tendo no desporto uma actividade essencial, como estilo de vida e escape para o stress diário, pois jogava futebol, praticava Windsurf, bicicleta, participando em algumas provas amadoras – cf., factos provados TT., HHH. e III. ;
- o facto do Autor ter ficado com limitações a nível de desempenho / gratificação de natureza sexual, decorrente das sequelas físicas e psíquicas, tomando “Cialis” para poder ter relações sexuais, sendo que, mesmo assim, com muita dificuldade mantém uma erecção, considerando-se incapaz e impotente, o que lhe causa complexos, retracção e abalo psicológico, em virtude da sua vida sexual nunca mais ter sido a mesma. Enquanto que, antes do acidente, era um homem sexualmente activo com a sua esposa – cf., factos provados JJJ. a NNN.
Ora, ponderando tal factualidade e, fundamentalmente, a extensão das lesões, sequelas e sofrimento suportado pelo Autor, bem como a sua repercussão nas várias áreas da sua vivência e nas limitações para a sua vida diária decorrentes das lesões e sequelas sofridas, afigura-se-nos que a fixada quantia de 55,000,00 € traduz um valor de reparação pertinente e totalmente observador das exigências de equidade, tendo-se em atenção os parâmetros que vêm sendo jurisprudencialmente adoptados, pelo que se decide pela sua manutenção, por que justo e equilibrado (38).
Improcedendo, consequentemente, neste segmento, a pretensão recursória apresentada.

- Do dano biológico

Se bem percepcionamos a sentença recorrida, o presente dano foi avaliado na sua vertente ou perspectiva não patrimonial, em virtude de se ter provado que as sequelas das lesões causadas pelo sinistro “são compatíveis com a actividade profissional do demandante, mas exigem deste um esforço acrescido para o seu desempenho”.
Entende, assim, a mesma decisão inexistir “um dano patrimonial associado às sequelas do acidente (uma redução da capacidade de ganho com precipitação no rendimento)”, pois o Autor continuou a laborar e a auferir a mesma retribuição mensal fixa, mas que tal laboração “implicará um acréscimo de esforço ou de dificuldade na prestação laboral, a valorar como dano não patrimonial”, ou seja, ingressam ou integram-se “nos danos com dimensão não patrimonial”.
E, citando douto aresto do STJ de 11/12/2012, que parece perfilhar entendimento divergente do que veio a adoptar, consigna que a incapacidade permanente geral não teve qualquer reflexo negativo na actividade profissional do lesado e no seu efectivo ganho (39) repercutindo-se, residualmente, numa denominada diminuição da capacidade física e consequente necessidade de um esforço suplementar para a obtenção do mesmo resultado, o que justificaria tal ressarcimento em sede não patrimonial.
Adiantamos que tal valoração em sede não patrimonial não se nos afigura, in casu, como a mais adequada ou pertinente, conforme melhor explicitaremos infra, tendo em consideração a repercussão do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, valorado em 27 pontos, na actividade profissional do Autor, ou seja, sendo as sequelas sofridas compatíveis com o exercício da actividade habitual, implicam, todavia, esforços suplementares.

Ora, pode considerar-se a ponderação efectuada devidamente justificada e conforme os critérios valorativos inscritos nos artigos 564º e 566º, ambos do Cód. Civil ?
Vejamos.
Com maior realce na presente aferição, revelam-se os seguintes factos relativos ao Autor:
- mesmo após o acidente, e recuperando deste, o Autor retomou as funções de responsável de toda a área comercial da firma M., Lda., mantendo a remuneração mensal que até aí auferia, apenas deixando de auferir a quantia que lhe era paga a título de “deslocações” – factos PP. e UU. ;
- o Autor foi sócio fundador de tal empresa, tendo alienado a sua participação social em 2011, mas continuou na empresa no exercício das funções de responsável pela área comercial e consultor da gestão para essa área, tendo por pressuposto as relações pessoais e conhecimento que adquiriu ao longo dos anos como dono da empresa – factos QQQ., SSS. e TTT. ;
- O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 27 pontos – traduzido numa incapacidade permanente geral de 27 pontos em 100 ;
- Em termos de repercussão permanente na actividade profissional, tais sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares – facto ZZ. ;
- nasceu em 22/10/1964 – facto FFFF..

Vejamos, então, de que forma se equaciona e legalmente prevê a ressarcibilidade e concreta valorização ou avaliação do dano de natureza futura ou dano futuro.
Na fixação da indemnização deve o tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis. É previsível a capacidade de adquirir. O princípio base a obedecer neste concreto é que a indemnização, correspondente ao cálculo da frustração de ganho, deverá conduzir a um capital que considere a produção de um rendimento durante todo o tempo de vida activa da vítima, adequado ao que auferiria se não fora a lesão correspondente ao grau de incapacidade e adequado a repor a perda sofrida.
Tal cálculo é uma operação sempre difícil, devendo o tribunal quando não possa apurar o seu exacto valor, julgar segundo a equidade – cf., art. 566º, n.º 3.
A ressarcibilidade dos danos futuros encontra-se expressamente prevista no art.º 564º, n.º 2 nos seguintes termos: na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
Descodificando este preceito legal, Sousa Dinis (40) refere que o mesmo significa, logo à partida, “que os danos futuros, para serem passíveis de indemnização, têm de ser previsíveis. Se, para além desta previsibilidade, forem ainda determináveis, o tribunal pode, desde logo, atender a eles”.
Com o intuito de harmonizar as indemnizações fixadas por danos futuros, especialmente os relacionados com incapacidades permanentes, de que é maior expoente a derivada da própria morte, têm sido criados, ou adaptados, pela jurisprudência diversos critérios orientadores (41).
Um primeiro critério foi avançado no Ac. STJ de 8 de Março de 1979. Partia da utilização das regras existentes na lei laboral para o cálculo de pensões devidas pelas incapacidades permanentes de trabalho e sua remissão. Todavia, desde logo tal critério foi colocado em causa, pois não permitia, com segurança, uma adequada e justa medida de ressarcimento. Nas palavras do Acórdão do STJ de 04/02/93 (42) tal resultava da circunstância de que, “na avaliação dos prejuízos verificados, o juiz tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso e que o tornarão sempre único e diferente”.
Um outro critério jurisprudencialmente adoptado, nomeadamente a partir do Acórdão do STJ de 09/01/79 (43), no que respeita aos danos futuros, determinava que a indemnização a pagar ao lesado deve “representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho”.
A partir do Acórdão do STJ de 19/05/81 (44), adoptou-se um outro critério tendo por base a utilização das tabelas financeiras (não já do foro laboral) usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente a dada taxa de juro anual. Visa-se que a indemnização seja calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação existente e a actual até ao final desse período (45) ; (46)
Parte-se do princípio de que o cálculo da frustração de ganho deverá conduzir a um capital que considere a produção de um rendimento durante todo o tempo de vida activa da vítima, adequado ao que auferiria se não fora a lesão, correspondente ao grau de incapacidade e adequado a repor a perda sofrida. Só assim se consegue, na verdade, cumprir a exigência legal de “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, conforme estatuído no citado art.º 562º.
Daqui se retira que deve ser tido em conta, na efectivação do cálculo, a idade da vítima ao tempo do acidente, o prazo de vida activa previsível, os rendimentos auferidos ao longo desta, os encargos e o grau de incapacidade.
Verifica-se, assim, nas palavras do Ilustre Conselheiro Sousa Dinis, uma tendência “dos nossos tribunais para falar de critérios e lançar mão deles, com o objectivo de tornar o mais possível justas, actuais e minimamente discrepantes as indemnizações, designadamente no que toca a danos resultantes de morte e incapacidade total ou parcial”. Acrescenta que o julgador não deve deixar de lado a equidade (o que analisaremos melhor infra) mas, “sem se escravizar ao rigor matemático, nada impede que não se possa tentar encontrar um menor múltiplo comum, isto é, algum factor que seja mais ou menos constante para a determinação da indemnização, em termos de se chegar a um certo parâmetro, a partir do qual se possa «sintonizar» a indemnização que for julgada mais adequada, intervindo então o juízo de equidade, alterando a quantia encontrada para mais ou para menos, de acordo com factores de ordem subjectiva, como a idade, a progressão na carreira, etc.”(47) .
Efectivamente, a adopção de tais mecanismos tem por base ou pressuposto o reconhecimento das dificuldades com que os Tribunais se deparavam, a circunstância de serem adoptados critérios eivados de elevada subjectividade, e a percepção da necessidade de objectivar, concretizar, de adoptar critérios que permitissem a concretização de uma justiça relativa. Na procura de tal desiderato, adoptou-se em Espanha as “medidas de baremación, nos termos da Ley n.º 30/1995, de 08-11, vinculativas para os tribunais. Ainda que sem o mesmo valor vinculativo, é um tal sistema assente em barèmes que se encontra implantado em França, integrado numa Convenção destinada a regularizar sinistros de circulação automóvel adoptada depois da publicação da Loi n.º 85-677, de 5 de Julho de 1985, também apelidada de Loi Badinter.
Envolvendo a generalidade dos danos emergentes de acidentes de viação, esses sistemas revelam circunstâncias diversificadas, por forma a integrar a generalidade dos sinistros, sendo os valores antecipada e objectivamente fixados, sem embargo da ponderação de situações particulares”(48) e (49).
Finalmente, cabe salientar a existência de uma ‘contracorrente’, que afasta o uso destas tabelas – ainda que como meros instrumentos de trabalho -, optando antes por ajuizar de acordo com a equidade, nos termos do art.º 566º.
Sempre se dirá, no entanto, numa visão pertinentemente temperada e equilibrada, que o recurso aos aludidos critérios e tabelas não afasta a aplicação da equidade, que sempre funciona em sede de ponderação final ajuizadora da (des)razoabilidade do valor alcançado.
Nas ajuizadas palavras do douto Acórdão do STJ de 25/06/2002 (50), devem ser afastadas as “fórmulas puristas que levem a determinar matematicamente, e de forma abstracta e mecânica, os montantes indemnizatórios”, não se podendo, deste modo, “dispensar o recurso à equidade”, a qual surge, assim, com uma função ou intervenção temperadora.
Deste modo, deverá a equidade ter sempre a última e derradeira palavra na conformação da indemnização a fixar, como valor último e modo “adequado de conformação dos valores legais às características do caso concreto”. Mas, por outro lado, não pode tal critério postergar ou ignorar a adopção de um juízo de cálculo abstracto, de um método de cálculo meramente auxiliar, de que são exemplo as citadas tabelas financeiras. Tal exigência advém da circunstância de não se poder prescindir “do que normalmente acontece (id quod plerumque accidit), no respeitante à duração da vida (a expectativa de vida dos homens no nosso País), à progressão profissional de um trabalhador (....)”, constituindo tais tabelas financeiras, como qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, “um método de cálculo de valor meramente auxiliar”. Pelo que, sendo “a fixação da indemnização a atribuir o resultado, como se disse, do julgamento de equidade, os resultados a que conduzir a aplicação das tabelas financeiras deverão ser corrigidos se o julgador os considerar desajustados relativamente ao caso concreto submetido a julgamento”, ou seja, inexistindo métodos tradutores de critérios abstractos que se mostrem infalíveis, “devem eles ser tratados como meros instrumentos de trabalho com vista à obtenção da justa indemnização, pelo que o seu uso deve ser temperado por um juízo de equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566º” (51) e (52)

Aqui chegados, e no intuito de respondermos à enunciada questão, façamos uma breve resenha jurisprudencial.
O já supra enunciado douto aresto do STJ de 23/10/2008 defende que a mais esclarecida jurisprudência em matéria de avaliação de danos corporais – a italiana -, tem distinguido, “dentro do chamado dano corporal, o dano corporal em sentido estrito (o dano biológico), o dano patrimonial e o dano moral.
E, ao contrário do dano biológico, que é um dano base ou um dano central, um verdadeiro dano primário, sempre presente em cada lesão da integridade físico-psíquica, sempre lesivo do bem saúde, o dano patrimonial é um dano sucessivo ou ulterior e eventual, um dano consequência, entendendo-se em tal contexto, não todas as consequências da lesão mas só as perdas económicas, danos emergentes e lucros cessantes, causadas pela lesão.
Assim, quem pretenda obter uma indemnização a título de lucros cessantes, em consequência de lesão sofrida, terá de fazer prova do pressuposto médico-legal sem o qual não há lugar a lucro cessante, isto é, provar que da lesão resultou um determinado período de incapacidade durante o qual o lesado não esteve em condições – total ou parcialmente – de trabalhar, e, alem disso, se tal for o caso, a subsistência de sequelas permanentes que se repercutem negativamente sobre a sua capacidade de trabalho – Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, p. 271 e ss.”
Acrescenta o mesmo douto aresto constituir entendimento corrente a nível de tal Tribunal Superior que ficando o lesado “a padecer de determinada incapacidade parcial permanente (IPP) – sendo a força de trabalho um bem patrimonial, uma vez que propicia rendimentos, a incapacidade permanente parcial é, consequentemente, um dano patrimonial - tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis – art. 564º, nº 2 do CC.
Sendo os danos previsíveis a que a lei se reporta, essencialmente os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso da perda da capacidade produtiva por banda de quem trabalha ou o maior esforço que, por via da lesão e das suas sequelas, terá que passar a desenvolver para obter os mesmos resultados.
Sendo, pois, a incapacidade permanente, de per si, um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços.
Sendo, assim, indemnizável, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado” (sublinhado nosso).
Deste modo, aduz, os critérios a ponderar na indemnização em apreço são os seguintes:
a)- A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no período provável da sua vida;
b)-No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, implicando o relevo devido às regras de experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
c)-As tabelas financeiras por vezes utilizadas para o alcance da indemnização devida terão sempre mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a devida ponderação judicial com base na equidade;
d)-Deve sempre ponderar-se que a indemnização será sempre paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, e, assim, considerando-se esses proveitos, deverá introduzir-se um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento abusivo do lesado à custa de outrem (o que estará contra a finalidade da indemnização arbitrada);
e)- Deve ter-se preferencialmente em conta a esperança média de vida da vítima, atingindo actualmente a das mulheres os 80 anos”.

O douto aresto do mesmo Supremo Tribunal de 14/09/2010 (53) menciona que a Portaria nº. 377/2008, de 26/05, veio, no nº. 1 do seu artigo 1º, fixar “os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal»., estabelecendo no seu anexo IV umas tabelas “de compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica – dano biológico”. Tais tabelas, inspiradas nas denominadas barémes do direito francês, destinam-se mais “às fases pré ou extrajudiciais e às relações internas entre as vítimas e as empresas seguradoras (fases de negociação) - em ordem a prevenir e limitar o mais possível a pura discricionariedade em tal domínio e ao objectivo declarado de prevenção dos litígios, por isso mesmo não vinculativa em processos judiciais. O que não significa que, sem abdicarem do seu poder soberano e da sua liberdade de julgamento, não possam os tribunais servir-se de tais tabelas insertas, como critério orientador e aferidor preferencial, face ao seu grau de racionalidade, razoabilidade e actualização.
De realçar que a jurisprudência se vinha, desde há muito, debruçando sobre o modo mais equilibrado de encontrar as indemnizações, servindo-se de tabelas ou fórmulas de carácter matemático ou estatístico nem sempre coincidentes, mas todas com vista a prevenir que o arbítrio atingisse proporções irrazoáveis e, outrossim, a conseguir critérios o mais possível conformes com os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade. Mas no entendimento – sempre reiterado por este Supremo Tribunal – de que o recurso tais fórmulas matemáticas ou de cálculo financeiro para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes não poderia substituir o prudente arbítrio do julgador, ou seja, a utilização de sãos critérios de equidade, tudo em obediência ao comando do n.º 3 do art.º 566.º do CC (cfr., neste sentido, v.g., o acórdão de 14-2-2008, in www.dgsi.pt.)
Como finalidade última, propunham-se tais critérios - não obstante meramente referenciais e indiciários - propiciar a atribuição de uma indemnização adequada a ressarcir a perda (total ou parcialmente significativa) da vida útil do lesado ou vítima, através da fixação do capital necessário para permitir o levantamento de uma “pensão ao longo dos anos em que o mesmo poderia previsivelmente trabalhar, esgotando-se tal auferição no final do período. E, por outro lado, assegurar que o montante a arbitrar nunca pudesse ser o resultado de um negócio lucrativo emergente de facto ilícito.
O n.º 1 do art.º 566.º, do CC, assegurando o princípio da ressarcibilidade dos danos futuros, condiciona, contudo, a sua atendibilidade e a fixação da correspondente indemnização à respectiva previsibilidade. O dano futuro mais típico prende-se exactamente com os casos de perda ou diminuição da capacidade de trabalho ou da perda ou diminuição da capacidade de ganho”.
Acrescenta o mesmo douto aresto que a Incapacidade Permanente Parcial pode centrar-se “na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro. É precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo que deve radicar-se (também e, por vezes, sobretudo) o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros. O que logo nos poderia remeter para a querela doutrinária acerca da distinção entre incapacidade fisiológica ou funcional, por um lado, vulgarmente designada por «deficiência» («handicap») e a incapacidade para o trabalho ou incapacidade laboral por outro. Isto apesar de uma e outra serem igualmente dignas de valorização e consequente indemnização, não obstante a chamada teoria da diferença se ajustar mais facilmente às situações em que a lesão sofrida haja sido causa de uma efectiva privação da capacidade de ganho.
Assim, a incapacidade permanente parcial (IPP) determina consequências negativas, ao nível da actividade geral do lesado, que justificam a sua contemplação, no plano dos danos patrimoniais, para além e, independentemente, de uma autónoma valoração que dela se justifique fazer-se, em sede de dano de natureza não patrimonial”.
Adrede, apelando a juízo sufragado pelo mesmo relator em decisão antecedente, acrescenta continuar a entender-se que “na incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente designada por "handicap", a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade.
Trata-se, em suma, de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido,quantificado por referência ao índice 100 - integridade psicossomática plena -, que não particularmente qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos” (sic)
Também no acórdão de 27-5-2004, in Proc. 1720/04 – 2.ª Sec., se concluiu que «a indemnização por (perda de) lucros cessantes ou danos futuros se justifica ou porque a IPP provoca uma diminuição concreta dos proventos do lesado, ou uma sobrecarga de esforço físico daquele, que se reflecte na sua capacidade de ente produtivo. Tudo sendo certo que, face aos critérios indemnizatórios civilísticos, a atribuição da indemnização nenhum apelo faz - nem tem que fazer - às repercussões do sinistro no dia a dia profissional (laboral) do lesado . Do que se trata é antes de actividade do lesado como pessoa e não como trabalhador, podendo ocorrer - o que não é raro - que determinada lesão produza uma incapacidade fisiológica significativa sem qualquer repercussão ou sequela de ordem laboral.
No sentido de que o lesado tem direito a ser indemnizado por danos patrimoniais futuros resultantes de incapacidade permanente advinda de acidente de viação - prove-se ou não que, em consequência dessa incapacidade, haja resultado diminuição dos seus proventos do trabalho – vejam-se, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 16-12-99 , in Proc 808/99 – 1.ª Sec , de 27-9-01, in Proc 1979/01- 7.ª Sec e de 15-5-01 , in Proc 1365/01-6.ª Sec” (sublinhado nosso).

Por sua vez, o douto Acórdão do mesmo Alto Tribunal de 07/10/2010 (54), após defender a indemnizabilidade da IPP, quer exista quer não exista diminuição dos proventos do trabalho, acrescenta que o montante a que se chegue deverá depois ser corrigido, para mais ou para menos, de acordo com um juízo de equidade, e através da ponderação de outros factores, “entre os quais assumem, com frequência, relevância o da perda efectiva ou não dos proventos, o relativo às vantagens em receber, de imediato, o capital e, bem assim, o que resulta da normal previsibilidade quanto à evolução da taxa de juros e à inflação” (sublinhado nosso).

Adrede, o douto aresto do STJ de 07/10/2010 (55), relativamente aos danos futuros de natureza patrimonial, refere que se é verdade que se não demonstrou que o autor tenha sofrido qualquer perda concreta no seu ordenado mensal, decorrente do exercício da sua actividade profissional, não se pode esquecer, por outro lado, que o mesmo realiza um esforço, físico e psíquico, suplementar, em relação ao que acontecia antes do acidente, para lograr obter, hipoteticamente, o mesmo resultado produtivo do seu trabalho, e, também, idêntica remuneração profissional.
E, se é certo que se não demonstrou qual a percentagem desse esforço complementar, físico e psíquico, que executa, encontra-se provado, por seu turno, que o autor é portador de uma incapacidade permanente geral parcial de 8%, elevável, no futuro, até 13%, que lhe acarreta uma diminuição, em grau moderado, do seu nível de eficiência pessoal ou profissional.
Assim sendo, é razoável concluir que o autor, por força da aludida incapacidade permanente geral parcial, tem de desenvolver um esforço, físico e psíquico, acrescido de 8%, elevável, no futuro, até 13%, para atingir o mesmo resultado produtivo da actividade mecânica que pratica e poder auferir, pelo menos, a remuneração mensal correspondente à sua categoria profissional.
Efectivamente, se o autor desenvolve um acréscimo de esforço, físico e psíquico, de mais 8%, elevável, no futuro, até 13%, do que acontecia antes do acidente, para alcançar os mesmos resultados, profissionais e remuneratórios, é inequívoco que o seu quotidiano se tornou mais absorvente e menor a sua disponibilidade para realizar outras actividades, profissionais ou não.

Por isso, é possível sustentar que a incapacidade permanente parcial, ou seja, a diminuição da capacidade de trabalho, constitui, em si mesmo, um dano patrimonial indemnizável, independentemente da perda imediata da sua retribuição salarial.
Finalmente, acrescente-se que é de todo compreensível que assim seja, porquanto, na incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente, designada por “handicap”, a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade.
E é, exactamente, neste agravamento da penosidade, de carácter fisiológico, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização, por danos patrimoniais futuros. Há, pois, lugar ao estabelecimento de indemnização, por danos patrimoniais, independentemente de não se ter provado que o autor, por força de uma IPP de 8% que sofreu, elevável, no futuro, até 13%, tenha vindo ou venha a suportar qualquer diminuição dos seus proventos conjecturais futuros, isto é, uma diminuição da sua capacidade geral de ganho profissional”.
Por fim, reafirmando o já supra aludido no douto aresto de 14/09/2010, acrescenta tratar-se, “em suma, de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 [integridade psicossomática plena], e não qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos” (sublinhado nosso).

Prosseguindo o nosso périplo pela jurisprudência do nosso Tribunal Superior, o douto aresto de 16/11/2010 (56) , pugnando acerca da ressarcibilidade do dano biológico, a título de dano futuro, ainda que tal não traduza a perda de rendimentos profissionais ou não imponha um acréscimo de estrito esforço físico, aduz que basta ao lesado alegar e provar “que sofreu uma concreta IPP para, sem mais, ver assegurado o seu direito a uma indemnização, não lhe sendo, por isso, exigível a alegação e consequente prova da perda de rendimentos do trabalho desenvolvidos por si.
Com efeito, é sabido que as incapacidades parciais permanentes nem sempre acarretam perda de diminuição nos rendimentos profissionais do lesado que, não obstante, continuará a ter direito a uma indemnização pelo chamado dano biológico, decorrente da afectação funcional que a incapacidade sempre lhe trará, exigindo-lhe esforços acrescidos no desempenho das suas normais actividades”.
Acrescenta que o mesmo Tribunal, relativamente à fixação do montante devido pelo ressarcimento do dano biológico, tem vindo a considerar e ponderar o seguinte:
“1.-O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
2.- A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional ( 10% de IPP genérica) - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional actual, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido.
3.- O juízo de equidade das instâncias, concretizador do montante a arbitrar a título de dano biológico, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” (sublinhado nosso).
Assim, através do ressarcimento do dano biológico, e como integrantes deste, pretende-se abranger as situações de inferiorização de ordem funcional e de potencial perda de oportunidades, que vão para além do mero ressarcimento de natureza ou ordem não patrimonial.
Pelo que, não é apenas a perda de rendimentos ou o estrito acrescido esforço físico utilizado no desempenho de uma actividade que se inserem nesta incapacidade; nela se integram ainda a perda de aptidões para o exercício de actividades profissionais designadamente aquelas - e são inúmeras - em que releva a presença, o porte, o gesto, a atitude, o semblante, o que vai implicar para o autor um esforço acrescido para conseguir um desempenho positivo, esforço esse de que não careceria antes de ficar a padecer das mencionadas notórias deformidades físicas. E, para além disto, há que contar igualmente com a já mencionada perda de oportunidades de que é flagrante exemplo a actividade que vinha exercendo, mas valendo igualmente para todas as actividades em que a apresentação e o porte humano sejam factores relevantes de admissibilidade e de permanência”.

Prevendo a ressarcibilidade do dano biológico mais na sua vertente patrimonial, aduz o douto aresto do STJ de 16/12/2010 (57) que o dano biológico deve ser perspectivado ou entendido como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado ”com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre - e, portanto, sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
No caso dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico do lesado - consubstanciado em limitação funcional ao nível dos movimentos do membro inferior - deverá compensá-lo também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido.
É que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionaismesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais – e sendo naturalmente tais restrições e limitações particularmente relevantes em jovem de 16 anos, cujas perspectivas de emprego e remuneração podem ficar plausivelmente afectadas pelas irremediáveis sequelas das lesões sofridas.
E, assim sendo, entende-se que nenhuma censura merece o acórdão recorrido, ao outorgar ao lesado uma indemnização global por danos patrimoniais de €50.000, em que estão contemplados, não apenas os rendimentos futuros perdidos como directa e imediata consequência da perda de capacidade de ganho, calculada em função das remunerações percebidas à data do acidente, mas também o «dano biológico» associado a uma IPG de 10%, envolvendo restrição ao futuro exercício de actividades profissionais que envolvam esforços físicos acentuados e um acréscimo inevitável do esforço ou penosidade na realização pelo lesado das actividades da vida corrente, pessoal e profissional” (sublinhado nosso).

O douto aresto do STJ de 23/11/2010 (58), começou por invocar a crescente afirmação do dano corporal, também designado ou denominado por dano à saúde ou por dano biológico, em nítida diferenciação relativamente à dicotomia até aí reconhecível de dano patrimonial/dano moral.
Acrescenta que o dano corporal “refere-se tanto à actividade laboral como à actividade extra-laboral, compreendendo-se nesta última a actividade através da qual se realiza e afirma a personalidade do indivíduo.
Assim sendo, começou a ganhar força a distinção entre o dano não patrimonial, em sentido lato [dano extra-patrimonial] e o dano não patrimonial, em sentido estrito [dano moral].
Neste enquadramento, surgiu o dano corporal, como um «tertium genus», ao lado do dano patrimonial e do dano moral, distinguindo-se o dano biológico e o dano moral subjectivo, assentes na estrutura do facto gerador da diminuição da integridade bio-psíquica, constituindo o dano biológico o evento do facto lesivo da saúde e o dano moral subjectivo, tal como o dano patrimonial, o dano-consequência, em sentido estrito.
A trilogia considerada refere-se ao dano biológico ou dano-evento, consistente no compromisso do bem saúde, constitucionalmente, protegido, que se traduz na diminuição psico-somática do indivíduo, provocada pelo facto ilícito, com natural repercussão na vida de quem o sofre, e que é um dano primário e sempre, autonomamente, reparável, ao dano patrimonial ou dano-consequência, que é um dano secundário e eventual, ressarcível quando ocorra, e, finalmente, ao dano moral, igualmente, secundário e eventual, consistente na mera transitória perturbação subjectiva.
Assim sendo, a afectação da integridade físico-psíquica da vítima, transformada em patologia, constitui-se com o evento lesivo, é o dano corporal ou dano-evento, que existe independentemente das consequências de ordem patrimonial sobrevindas, ou seja, do dano-consequência, sempre que haja lesão da integridade físico-psíquica, e, uma vez reconhecida a sua existência como dano-evento, deverá sempre ser reparado.
Deste modo, o dano corporal não depende da existência e prova dos efeitos patrimoniais, estes é que se apresentam como consequência posterior do primeiro, devendo ser considerado reparável ainda que não incida na capacidade de produzir rendimentos e, também, independentemente desta última (sublinhado nosso).
O reconhecimento da autonomia do desenhado dano-evento, dano corporal ou dano biológico, e da configuração deste como lesão da saúde, “à integridade físico-psíquica do ser humano, em toda a sua dimensão, ou seja, da sua qualificação como dano-evento, objectivamente antijurídico, violador de direitos fundamentais, constitucionalmente, protegidos, resulta, como consequência, a atribuição da sua natureza não patrimonial.
Enquanto dano inerente à integridade da pessoa, goza de autonomia categorial e conceitual, face ao dano patrimonial e ao dano moral, em cujo âmbito, num fenómeno de absorção ainda em curso de numerosas vertentes reparatórias de danos, passou a compreender-se o dano estético, o dano sexual, o dano existencial, o dano psíquico, o dano à vida de relação, o dano à capacidade laboral genérica e a dor, crónica e intensa, produtora de consequências, ao nível da capacidade de trabalho, ou de prejuízos para as actividades lúdicas, sociais e de tempos livres, em geral.
Verificando-se o dano biológico, deverá o mesmo ser reparado e, eventualmente, deverá ser ressarcido, também, o dano patrimonial resultante da redução da capacidade laboral, caso se demonstre a sua existência e o nexo de causalidade com o dano biológico.
Deste modo, o responsável pelo dano biológico, porque incidente sobre o valor humano, em toda a sua dimensão, em que o bem saúde é objecto de um autónomo direito básico absoluto, deve repará-lo, em qualquer caso, mesmo que se prove que a vítima não desenvolvia qualquer actividade produtora de rendimento.
E com isto se entende que o dano corporal não deve considerar-se confinado ao âmbito dos danos não patrimoniais, gozando de autonomia, quer face a estes, quer face aos danos patrimoniais.
Mas, tratando-se o dano biológico de um dano, importa proceder à sua integração, ou na categoria do dano patrimonial, ou na classe dos danos não patrimoniais.
A concepção que considera o dano biológico de cariz patrimonial entende que, mesmo não havendo uma repercussão negativa no salário ou na actividade profissional do lesado, não se estando perante uma incapacidade para a sua actividade profissional concreta, pode verificar-se uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis, o que integra um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute.
O entendimento que defende que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito, em sede de dano não patrimonial, considera, desde logo, que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso com o decorrer dos anos e o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia, agravando-se ou potenciando-se estes condicionalismos naturais, em consequência de uma maior fragilidade adquirida, a nível somático ou psíquico.
Assim sendo, desde que este agravamento se não repercuta, directa ou indirectamente, no estatuto remuneratório profissional ou na carreira, em si mesma, e não se traduza, necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, por parte do lesado, traduzir-se-á num dano moral.
Deste modo, o chamado dano biológico, tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado, a título de dano moral, devendo a situação ser apreciada, casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.
Ora, não parece oferecer grandes dúvidas o entendimento de que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia traduz mais um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial” (sublinhado nosso).
Por fim, no douto Acórdão do mesmo Alto Tribunal de 05/07/2017 (59), sumariou-se assumir o dano biológico “relativamente aos tradicionais e correntes tipos de danos patrimoniais e extra patrimoniais, uma feição de dano autónomo, atribuindo-lhe a doutrina e a jurisprudência uma função reparadora ao nível da perda de capacidade do lesado em manter um exercício funcional idêntico ou com a mesma amplitude e desenvoltura que faria se não tivesse sofrido a lesão corporal que determina a obrigação de indemnizar.
III- Para que surja a obrigação de indemnizar por este tipo de dano não se torna necessário que o lesado tenha sofrido ou venha a sofrer de uma incapacidade permanente geral para o trabalho ou, o que vale dizer para a actividade profissional que desenvolvia ou que possa vir a desenvolver no futuro, mas tão só que as lesões sofridas sejam limitadoras e incapacitantes de uma actividade funcional normal enquanto pessoa.
IV- Estando em causa projecções de perda de rendimentos no futuro, é prudente que o tribunal, à míngua de elementos seguros, fiáveis e sustentáveis lance mão de regras e critérios com assento nas técnicas de probabilidade e de cálculo matemático, com vista a minorar os defeitos de uma operação meramente aleatória e a esmo, sem o mínimo de suporte em critérios ou factores raciocínio lógico-matemático, porém, tal recurso terá de ser temperado através do recurso à equidade, que com a ponderação de variantes dinâmicas que escapam ao referido cálculo objectivo (ex. evolução provável na situação profissional do lesado, melhoria expectável das condições de vida e do rendimento disponível, inflação provável ao longo do período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização, o aumento da vida activa para se atingir a reforma), em parte mitigadas pelo benefício decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos ao longo de muitos anos, naturalmente desempenha um papel corrector e de ajustamento do montante indemnizatório às circunstâncias específicas do caso” (sublinhado nosso).

Já vai longa a resenha jurisprudencial a que nos propusemos, podendo-se assentar resultarem da mesma os seguintes princípios, ditames ou directivas:
- O dano corporal ou dano biológico (incapacidade fisiológica ou funcional) não se confunde com o dano patrimonial, sendo que aquele está sempre presente em cada lesão da integridade físico-psíquica ou do bem saúde, enquanto que este, como dano sucessivo ou ulterior, é eventual ;
- Considerando-se a força do trabalho um bem patrimonial, tem-se entendido que a incapacidade permanente geral (IPG) é, consequentemente, um dano de natureza patrimonial ;
- Pelo que a incapacidade permanente (IPG) é, de per si, um dano patrimonial indemnizável ;
- E isto, quer determine ou acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer apenas implique um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de proventos laborais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar físico e/ou psíquico para obter o mesmo resultado ;
-Trata-se de indemnizar, a se, o dano corporal sofrido, e não qualquer perda efectiva de rendimento ;
-A incapacidade fisiológica ou funcional é, assim, diferenciada da incapacidade laboral ou para o trabalho, sendo ambas indemnizáveis ;
-Aquela incapacidade – fisiológica ou funcional -, vulgarmente designada por handicap, tem por objectivo indemnizar o dano corporal sofrido, tendo por referência a integridade psicossomática plena, que não particularmente qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação deste ;
-O dano biológico é assim, ressarcível, ainda que não se traduza numa perda de rendimentos profissionais ou não imponha um acréscimo de estrito esforço físico ;
-E a sua ressarcibilidade é sempre como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial ;
-Integrando ainda tal dano biológico a inferiorização de ordem funcional ou perda de capacidades e a potencial perda de oportunidades, a acrescer, e para além, do dano não patrimonial ;
-Assim, o dano biológico ou dano corporal é um dano-evento ou dano primário, enquanto o dano patrimonial ou dano moral são danos secundários ou eventuais ;
-Apesar de, num determinado entendimento, ao dano biológico ser atribuída uma natureza não patrimonial, este pode ser ressarcido em sede patrimonial ou compensado em sede não patrimonial, a título de dano patrimonial ou como dano moral ;
-Assim, caso a lesão origine, no futuro, durante o período activo do lesado, ou da sua vida, uma perda de capacidade de ganho ou um esforço acrescido no seu desempenho profissional, o ressarcimento deve operar-se em sede patrimonial ;
-Em contraponto, estando em causa a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e energia, decorrente de uma maior fragilidade adquirida, a nível somático ou psíquico, sem rebate profissional, a compensação deve operar-se em sede não patrimonial ;
-O que não pode é ser ressarcido, simultaneamente, nas duas mencionadas vertentes, sendo casuisticamente apreciado o modo de enquadramento pertinente.

Aqui chegados, a resposta à pergunta enunciada é clara e precisa: o dano resultante do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, ou seja, da IPP (ou incapacidade permanente geral parcial – IPGP) é valorável ou ressarcível, ainda que não resulte que tal IPP tenha causado ao lesado qualquer redução da sua capacidade de ganho, podendo, inclusive, auferir presentemente a mesma quantia, ou superior, à que auferia antes do acidente.
Ora, tendo resultado provado que as lesões sofridas pelo Autor, e as sequelas daí decorrentes, sendo compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, implicam, todavia, esforços suplementares, o ressarcimento do dano biológico, bem como da incapacidade funcional permanente de que ficou a padecer, sempre seria de operar em sede patrimonial.
Contrariamente ao entendimento sufragado na decisão apelada, que o considerou ressarcível a título de dano não patrimonial.
Com efeito, e in casu, não está em equação apenas um mero dispêndio de energia ou esforço, fruto ou consequência de uma maior fragilidade adquirida, a nível físico ou somático, destituída de quaisquer efeitos profissionais.
E, conforme aduzimos, a força do trabalho constitui um bem patrimonial, pelo que a incapacidade permanente suportada sempre constituiria um dano de natureza patrimonial susceptível de indemnização.

Em súmula, e especialmente, resulta do exposto que, em consequência das lesões causadas pelo evento lesivo provado, o Autor ficou com um défice ou incapacidade funcional permanente da sua integridade físico-psíquica fixável em 27 pontos, designada por incapacidade permanente geral (IPG), sendo que esta incapacidade acaba por ter rebate profissional, ao exigir-lhe esforços suplementares no exercício da sua actividade habitual.
Temos, assim, decorrente da IPG sofrida pelo Autor um dano biológico, dano à saúde ou dano corporal em sentido estrito, que funciona como dano-base ou dano central, e que, decorrente da provada limitação funcional geral, integra um dano futuro previsível (no sentido de que se repercutirá na qualidade da vida), o qual sempre deveria ser ressarcido, in casu, em sede de dano patrimonial.

Todavia, aqui chegados, como proceder ao cálculo indemnizatório do dano em equação ?
Já supra constatámos a evolução histórica, doutrinária e jurisprudencial, da ressarcibilidade do presente dano futuro, quer reconhecendo primazia á aplicabilidade de critérios matemáticos ou financeiros, quer acentuando a nota do primado da equidade, quer utilizando ambas as metodologias ou directrizes.

Começando-se por recorrer às tabelas ou fórmulas de carácter matemático ou estatístico, e apelando ao primeiro método abstracto e matemático referenciado no citado Acórdão do STJ de 25/06/2002, tendo por base a provada incapacidade de 27 pontos, temos que:

a)- o rendimento anual líquido do seu trabalho é de 11.246,00 € - (14 meses (x) 1.200,00 €)(=) 16.800,00(-)0,33 (60) (=) 11.246,00 € ;
b)- pelo que, sendo a sua incapacidade permanente geral parcial de 27% (27 pontos), a perda salarial anual corresponde ao valor de 3.036,42 € (11.246,00 € X 0.27) ;
c)- multiplicando tal valor pelos anos de vida activa - 23 anos (61) --- 3.036,42 € X 23, chega-se ao valor de 69.837,66 Euros.

Utilizando, agora, a regra de três simples defendida pelo Ilustre Conselheiro Sousa Dinis (62), e tendo por base uma taxa de juro de 2%, urge determinar qual o capital necessário para, ao indicado juro, se obter o rendimento anual.

Pelo que teremos a seguinte equação:
100 ................2
x ....................11.246,00 € (rendimento anual)
O que determina 11.246,00 € X 100 : 2 = 562.300.00 €.
E, considerando que a incapacidade a ponderar é de 27% (1/3,703), alcançar-se-á o valor de 151.821,00 Euros.
Todavia, tal valor deve merecer um primeiro ajustamento, “uma vez que a vítima vai receber de uma só vez aquilo que em princípio, deveria receber em fracções anuais. Para evitar uma situação de injustificado enriquecimento á custa alheia, há que proceder a um desconto”(63), destinando-se este a evitar “que o lesado fique colocado numa situação em que receba os juros mantendo-se o capital intacto” (64) .
Mas quanto descontar ?
Este “vai depender do nível de vida no país, do custo de vida e até da sensibilidade do próprio juiz que genericamente, terá de calcular quando é que o capital estará totalmente amortizado” (65). Ora, seguindo o exemplo da jurisprudência Francesa citado pelo mesmo autor, afigura-se-nos ser de descontar 1/3, ou seja, 50.607,00 €, pelo que encontramos o capital de 101.214,00 Euros.

Já utilizámos dois métodos de aferição diferenciados, afigurando-se o segundo como mais elaborado. Todavia, aqui chegados, e apesar dos valores diferenciados, urge ter em atenção que o “juiz já tem uma «sintonia» aproximada da indemnização. Sobre ela vai recair um juízo de equidade, de modo a encontrar a indemnização que melhor se adeqúe ao caso concreto, tendo em conta a idade do lesado, a progressão na carreira e outros factores subjectivos que, eventualmente se provem. Convém não esquecer que o recurso à regra de três apontada é apenas uma «bússola» norteadora do julgador, para evitar grandes disparidades” (66) .

Mas, vamos ainda mais longe. Utilizemos uma outra fórmula matemática, mais elaborada, que nos permitirá igualmente calcular qual a verba necessária que permita ressarcir, durante a vida laboralmente útil do lesado (no caso, durante a esperança média de vida do Autor), a perda sofrida, devendo tal quantia mostrar-se esgotada no fim do período considerado. Ou seja, permite determinar qual o capital que será necessário deter no ano inicial para obter em cada um dos anos seguintes uma prestação constante, considerando que é possível fazer uma aplicação financeira á taxa anual líquida. Deste modo, o capital será o estritamente necessário para permitir o levantamento da prestação constante ao longo de cada um dos anos, esgotando-se totalmente no final.
Mediante recurso à formula proposta no douto acórdão da Relação de Coimbra de 04.04.1995 In CJ II, p. 23 e ss. e considerando que a esperança de vida activa do lesado é de 22 anos, que a inflação a longo prazo rondará os 1% (68), e que auferia o vencimento mensal líquido de 937,17 € (descontando o valor de 11% de taxa social única, e 22,5 % a título de IRS, conforme supra justificámos, e fazendo o cálculo ao valor anual líquido reportado a 14 meses), temos:
C = capital a depositar no primeiro ano
P = prestação a pagar no primeiro ano
i = taxa de juro
r = taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras
k = taxa anual de crescimento de P
Considera-se que ‘r’ corresponde a um valor de 2% e que ‘k’ corresponde a um valor de 1% (69). Enquanto que 3,703 corresponde á incapacidade de 27% (1:0,27).








Resolvida a equação, mediante substituição das variáveis pelos valores indicados, obtém-se o resultado (‘C’) de 72.742,32 Euros.

Todavia, apreciemos ainda uma outra fórmula ou tabela matemática, exposta no já citado douto Acórdão do STJ de 04/12/2007 (70), que refere ter a mesma como base ou suporte a “aplicação do programa informático Excell á fórmula utilizada pelo STJ no Acórdão de 1994.05.05, e que foi construída tendo por referência a atribuição de 3% ao factor aí indicado como taxa de juro previsível no médio e longo prazo, taxa essa que, apesar dos anos, tem vindo a confirmar-se dada a estabilidade do euro”. Ou seja, tal fórmula tem por base aquela que acabámos de utilizar, partindo-se de uma tabela, resultado da mencionada aplicação informática, onde, de um lado, se indica a idade que ainda falta para ser atingido o fim previsível da idade de reforma e, do outro, o factor índice. E, acrescenta, “no caso de haver concorrência de culpas entre lesante e lesado, haverá no entanto que dividir as responsabilidades consoante a respectiva proporção” (71).
Assim, a aferição do montante indemnizatório parte da determinação do factor índice, com recurso à tabela, o qual deve ser multiplicado pelo rendimento anualmente auferido á data do acidente, e novamente multiplicado pela percentagem de IPP.

Assim, no nosso caso concreto temos que:
- idade do Autor à data do acidente: 47 anos – facto FFFF. ;
- anos de vida activa útil (até atingir a reforma): 23 anos (70 – 47) ;
- rendimento anual auferido à data do acidente: 11.246,00 € =» (14 meses(x)1.200,00 €)(=)16.800,00(-)0,33 (=) 11.246,00 € ;
- taxa de IPP: 27%
- grau de concorrência da vítima para a lesão: inexistente.
Pelo que, 11.246,00 x 16,44361 x 27% = 49.929,70 €.
E, aduz ainda o mesmo douto aresto, que na determinação do valor “há que atender a todos os outros factores que as ditas fórmulas não contemplam, e que se repercutirão, previsivelmente, em termos de perdas patrimoniais, e que são extremamente relevantes, indicando-se a título exemplificativo:
- o prolongamento da IPP para além da idade de reforma; (sendo importante sublinhar que entrando na base de cálculo a referência à idade de reforma aos 65 anos não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter actividade depois dela);
- o de ela não contemplar a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade e do próprio aumento de produtividade;
- o de não ter em consideração a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma nem o aumento da própria longevidade.;
- o de não contar com a inflação;
- o de não contemplar as despesas que o próprio lesado terá de suportar por tarefas que, se não fosse o acidente, ele mesmo desempenharia;
- e o facto de todo o cálculo ser feito na base de que o trabalhador ficaria sempre a auferir aquele salário e que não teria progressão na carreira, ou seja, num completo congelamento da progressão profissional.
Daí que, como dissemos, a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o “minus” indemnizatório”.
A utilização destes cálculos assume-se, reafirmamos, como simples instrumento de trabalho e já não, obviamente, como valor vinculativo da decisão a proferir quanto a esta questão.

No caso concreto afigura-se-nos ser de valorar e ponderar ainda o seguinte, em conjugação com o primaz juízo equitativo
- para além dos 70 anos de idade, limite apontado como de esperança de vida activa (73) e (74), sempre resta, por vezes, um período de actividade profissional que não se deve descurar, muitas vezes coincidente com a própria esperança média de vida

Ora, aqui chegados, concluamos, na articulação dos critérios supra expostos, o seguinte:
a)-consideramos que, numa primeira abordagem, o momento e o limite a considerar é o correspondente ao de esperança de vida activa, o qual cremos ainda dever situar-se nos 70 anos de idade ;
b)-sem prejuízo de, nos termos supra expostos, em sede de juízo de ponderação equitativa, se dever ter em atenção o factor de esperança média de vida que, à data dos factos, e no que aos homens concerne, se situava nos 76,9 anos ;
c)-pois, conforme supra exposto, em muitos casos tais momentos coincidem e, por outro lado, é mesmo após o cessar da vida profissional activa que mais se sente a carência de tutela às necessidades básicas do lesado, decorrentes do avançar da idade e dos efeitos deste avançar nas sequelas e limitações sofridas ;
d)-conforme supra exposto, o apelo aos vários mecanismos matemáticos ou tabelas financeiras, que devem ser encaradas como um instrumento de trabalho, permitem a obtenção de um valor indicativo, de uma aproximação, capaz de garantir uma justiça relativa e salvaguardar alguma objectividade, susceptível de melhor sindicância, na fixação do quantum indemnizatório ;
e)-de acordo com os indicados modelos ou factores, os valores equacionados foram, respectivamente, de 69.837,66 Euros, 101.214,00 Euros, 72.742,32 Euros e 49.929,70 € ;
f)-donde resulta que, na ponderação dos referenciados juízos lógicos de probabilidade, assentes no princípio id quod plerumque accidit, priorizando o enunciado critério da equidade, mas partindo necessariamente da ponderação dos valores atribuídos pelos cálculos matemáticos efectuados, entende-se que o valor fixado pelo Tribunal recorrido – 90.000,00 € -, ainda corresponde àquele que se afigura como adequado e pertinente, na ponderação, ainda, do mesmo já conter o devido cálculo actualizador ;
g)-decidindo-se, consequentemente, pela manutenção do mesmo, que se nos afigura como adequado, equitativo e susceptível de garantir o devido ressarcimento pelo dano biológico em consideração ;
h)-o que determina, nesta sede e segmento recursório, improcedência das conclusões da Ré Apelante, e consequente manutenção da sentença recorrida nos termos consignados.

Donde, em guisa conclusiva, decide-se o seguinte:
I)-pela parcial procedência do recurso interposto pela Apelante/Recorrente/Ré ……… SEGUROS, S.A. (presentemente, ……………SEGUROS …………. em PORTUGAL) e, consequentemente, determinar a seguinte alteração à sentença recorrida/apelada:
a) - a revogação da sentença apelada, na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor António ………… o montante de 200.700,00 € - nº. 1, da alínea a), da decisão condenatória – a título de dano patrimonial (perda de rendimentos de trabalho), acrescido dos juros moratórios arbitrados ;
II)-pelo que, com excepção de tal alteração, confirma-se, no demais, a sentença apelada.

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Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas da presente apelação ficam a cargo da Recorrente/Apelante/Ré e Recorrido/Apelado/Autor António………, na proporção, respectivamente, de 24,5% e 75,5%.

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IV. DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
I) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Apelante/Recorrente/Ré ……….. SEGUROS, S.A. (presentemente, …………. SEGUROS ….. PORTUGAL) e, consequentemente, determinar a seguinte alteração à sentença recorrida/apelada:
a.-a revogação da sentença apelada, na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor António ………… o montante de 200.700,00 € - nº. 1, da alínea a), da decisão condenatória – a título de dano patrimonial (perda de rendimentos de trabalho), acrescido dos juros moratórios arbitrados ;
II) com excepção de tal alteração, confirma-se, no demais, a sentença apelada/recorrida ;
III) as custas da presente apelação ficam a cargo da Recorrente/Apelante/Ré e Recorrido/Apelado/Autor António …….., na proporção, respectivamente, de 24,5% e 75,5%.


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Lisboa, 09 de Setembro de 2021



Arlindo Crua –Relator
António Moreira –1º Adjunto
Carlos Gabriel Castelo Branco –2º Adjunto

(assinado electronicamente)


(1)A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original
(2)Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599.
(3)Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368..
(4)Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102.
(5)Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601..
(6)Ob. cit., pág. 370 e 371.
(7)Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit., pág. 604 e 605. .
(8)Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 285..
(9)Idem, pág. 285 a 287.
(10)Relatora: Laurinda Gemas, Processo nº. 5585/15.4T8FNC-A.L1, no qual o ora Relator figurou como Adjunto.,
(11)Processo nº. 1660/14.0T8OER-E.L1.,
(12)Em idêntico sentido, citam-se ainda, entre outros, os doutos acórdãos da Relação de Guimarães de 10-09-2015, no processo 639/13.4TTBRG.G1, e 11-07-2017, no processo n.º 5527/16.0T8GMR.G1, da Relação do Porto de 01-06-2017, no processo n.º 35/16.1T8AMT-A.P1, e do STJ de 13-07-2017, no processo 442/15.7T8PVZ.P1.S1, todos in www.dgsi.pt ..
(13)Relatora: Fernanda Isabel Pereira, Processo nº. 4111/13.4TBBRG.G1.S1, in www.dgsi.pt .
(14)Relator: Ribeiro Cardoso, Processo nº. 3921/13.7TTKSB.L1.S1, in www.dgsi.pt .
(15)Relatora: Paula do Paço, Processo nº. 3974/16.6T8CBR.C1, in www.dgsi.pt .
(16)Relator: Gonçalves Rocha, Processo nº. 393/16.8T8VIS.C1.S1, in www.dgsi.pt .
(17)Relatora: Paula do Paço, Processo nº. 423/16.3T8LRA.E1, in www.dgsi.pt .
(18)Relator: Ferreira Marques, Processo nº. 2195/05.8TTLSB-4, in www.dgsi.pt .
(19)Relator: Nuno Pinto Oliveira, Processo nº. 4212/18.2T8CBR.C1.S1, in www.dgsi.pt .,
(20)Relator: Ferreira Pinto, Processo nº. 721/17.9T8PNF.P1.S1, in www.dgsi.pt .
(21)Cf., ainda, o sumariado nos seguintes doutos Acórdãos do STJ:
- de 13.05.2011, Processo n.º 216/07.9TTCBR.C1.S1, in www.dgsi.pt., consignando-se que “as ajudas de custo não visam, em regra, pagar o trabalho ou a disponibilidade para o trabalho, antes se destinam a compensar as despesas realizadas pelo trabalhador por ocasião da prestação do trabalho ou por causa dele”;
“Só assim não será quando estas compensações excedem as despesas suportadas, pois conforme resulta da parte final do artigo 260º nº 1 do CT/2003, a parte excedente dessas despesas deverá considerar-se retribuição, no caso de se tratar de deslocações frequentes” ;
- de 08.10.2008, Processo n.º 08S1984, in www.dgsi.pt, , onde se referenciou caber “à entidade empregadora, nos termos dos art.ºs 344.º, n.º 1 e 350.º do CC, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, ou seja, que as respetivas importâncias foram devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas ao serviço dela, empregadora, sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art.º 260.º do CT e de valer a presunção do n.º 3 do art.º 249.º do CT, de que se está perante prestação com natureza retributiva ;
Feita esta prova, pode entrar em aplicação a ressalva contida na norma especial da 2.ª parte do n.º 1 do art.º 260.º do CT que estabelece em que termos e medida as ajudas de custo revestem natureza retributiva”..
(22)A retribuição e outras atribuições patrimoniais, Cadernos do CEJ, Maio de 2013, pág. 15 a 20.
(23)in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., pág. 382.,
(24)Idem, pág. 28.,
(25)Processo n.º 07S2888, disponível em http://www.dgsi.pt. ,
(26)A noção de retribuição no regime do contrato de trabalho: uma revisão da matéria,
https://revistas.ucp.pt › index.php › article › view, pág. 324.
(27)O Conceito de Retribuição visto no Direito Português e de Angola, https://www.cidp.pt › revistas › rjlb, pág. 864 e 912.
(28)Ainda que qualificando tal item remuneratório como “retribuição complementar, regular e permanente”, é o próprio Autor, em sede de articulado inicial, a reconhecer estarmos perante “ajudas de custo em deslocações”, e valor “relativo a deslocações inerentes às funções que desempenhava e que já não desempenha” – cf., artºs. 61 e 91 de tal articulado..
(29)A equidade constitui assim fonte, mediata, de direito - art. 4.º do C. Civil..
(30)O recurso à equidade justifica-se, desde logo, por ser difícil, se não mesmo por vezes impossível, a prova do montante de tais danos, assim se afastando “a estrita aplicabilidade das regras porque se rege a obrigação de indemnização” – Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, 1, pág. 491 e segs..
(31)O dano estético, no entanto, poderá também ser avaliado enquanto dano patrimonial, se tiver reflexo económico na vida da pessoa afectada, como seria, p. ex., o caso de um modelo ou actor.;
(32)O Dano Corporal em Acidentes de Viação, in CJSTJ, Ano IX, Tomo 1, 2001, pág. 7.
(33)In CJSTJ, Ano X, Tomo 2, pág. 134.
(34)Ob. Cit., págs. 599-600, nota 4.,
(35)Refere o Acórdão do STJ de 23/09/98 – Processo n.º 553/98, 1ª Secção -, que “o julgador ao atribuir esta compensação não está subordinado a critérios normativos fixados na lei. O que aqui tem força são razões de conveniência, de oportunidade, de justiça concreta em que a equidade se funda”.
(36)O douto Acórdão do STJ de 05/07/2007 – Doc. nº SJ200707050017346, Relator: Nuno Cameira, in http://www.dgsi.pt/jstj - elenca 5 critérios ou ponderações a aplicar na avaliação dos danos não patrimoniais, que enunciamos resumidamente:
Primeiro: definitivamente ultrapassado o tempo das indemnizações insignificantes, excessivamente baixas, verifica-se que os tribunais estão hoje sensibilizados para a quantificação credível dos danos não patrimoniais – credível para o lesado e credível para a sociedade, respeitando a dignidade e o primado dos valores do ser, como acon­tece com a integridade física e a saúde, que o Estado garante a todos os cidadãos (art.ºs 9º, b), e 25º, nº 1, da Constitui­ção; cfr, neste exacto sentido, o acórdão deste Tribunal de 20.2.01- Revista nº 204/01-6ª); e este “movimento” contra indemnizações meramente simbólicas não deixa de estar relacionado muito directamente, além do mais, com o aumento continuado e regular dos prémios de seguro que tem ocorrido no nosso país por imposição das directivas comunitárias, aumento esse cujo objectivo fulcral (pelo menos no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil por acidentes de viação) não é o de garantir às companhias seguradoras lucros desproporcionados, mas antes o de, em primeira linha, assegurar aos lesados indemnizações adequadas.
Segundo: As indemnizações adequadas passam com cada vez maior frequência por uma valorização mais acentuada dos bens da personalidade física, espiritual e moral atingidos pelo facto danoso, bens estes que, incindivelmente ligados à afirmação pessoal, social e profissional do indivíduo, “valem” hoje mais do que ontem; e assim, à medida que com o progresso económico e social e a globalização crescem e se tornam mais próximos toda a sorte de riscos – riscos de acidentes os mais diversos, mas também, concomitantemente, riscos de lesão do núcleo de direitos que integram o último reduto da liberdade individual, - os tribunais tendem a interpretar extensivamente as normas que tutelam os direitos de personalidade, parti­cularmente a do art.º 70º do Código Civil.
Terceiro: É necessário, em todo o caso, agir cautelosamente; e o Supremo Tribunal, nesta matéria, tem uma responsabilidade acrescida, dada a função que lhe está cometida de contribuir para a uniformização da jurisprudência; não é conveniente, por isso, alterar de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos; não deve perder-se de vista a realidade económica e social do país; e é vantajoso que o trajecto no sentido duma progressiva actualização das indemnizações se faça de forma gra­dual, sem rupturas e sem desconsiderar (muito pelo contrário) as decisões precedentes acerca de casos seme­lhantes. Isto porque os tribunais não podem nem devem contribuir para alimentar a noção de que neste domínio as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. A justiça tem ínsita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade; é tudo isto que no seu conjunto origina o sentimento de segurança, componente essencial duma sociedade assente em bases sólidas (uma das quais é justamente a do primado do direito). Ora, de certo modo os tribunais são os primeiros responsáveis e sobretudo os principais garantes da afirmação de tais valores: cabe-lhes contrariar com firmeza a ideia de que os factos danosos geradores de responsabilidade civil, muitas vezes tragédias pessoais e familiares de enorme dimensão material e moral, possam ser transformados em negócios altamente rendosos para pessoas menos escrupulosas.
Quarto: A indemnização prevista no art.º 496º, nº 1, do CC, mais do que uma indemnização, é uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de pro­porcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos e não o de o recolocar “matematica­mente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e, nessa exacta medida, irreparáveis, é uma reparação indirecta).
Quinto: Os componentes mais importantes do dano não patrimonial, de har­mo­nia com a síntese feita num acórdão deste Tribunal de 15.1.02 (Revª 4048/01-2ª) são os seguintes: o “dano estético” - que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação social” - dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissio­nal, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade” - em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar, e que valo­riza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e o corte na expectativa de vida; e o “pretium juventutis” - que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida; e o “pretium doloris” - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária”.
(37)Conforme refere o já citado douto aresto do STJ de 23/10/2008, nos parâmetros gerais a ter em conta merecem ser destacados “a progressiva melhoria da situação económica individual e global (mesmo considerando a crise sócio-económica que hoje grassa), a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente á União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito á integridade física e á qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se leve também repercutir no aumento das indemnizações”. .
(38)Nas palavras do já enunciado douto Acórdão do STJ de 07/10/2010, o critério de reparação dos danos não patrimoniais adoptado “sem fazer tábua rasa dos princípios hedonistas, geralmente aceites, fortalece a ideia de compensação moral do sofrimento da vítima, independentemente da classe social de que é oriunda, mas sem deixar de lhe atribuir um montante pecuniário que lhe proporcione prazeres e distracções capazes de neutralizar, tanto quanto possível, os danos não patrimoniais que suportou”. .
(39)O que, anote-se, sempre parece contraditar o juízo antecedente de qualificar o enunciado valor médio mensal de 900,00 €, atribuído a título de deslocações (ajudas de custo) como integrante do conceito de retribuição.,
(40)O Dano Corporal em Acidentes de Viação, in CJSTJ, Ano IX, Tomo 1, 2001, pág. 8, estudo que voltaremos a referenciar infra.
(41)Refere expressamente o supra citado douto Acórdão do STJ de 18/12/2003 que tratando-se, na espécie, de um “dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora com inerente dificuldade de cálculo, naturalmente com a utilização intensa de juízos de equidade” ; por sua vez, o já citado douto Acórdão do STJ de 17/06/2008, fala de “um pedido de réditos futuros pela privação da respectiva fonte”, apelando á utilização de “critérios de probabilidade a projectar em termos de normalidade da vida”..
(42)In CJSTJ, Ano I, Tomo 1, pág. 129.,
(43)BMJ, n.º 283, pág. 260.,
(44)BMJ, n.º 307, pág. 242.,
(45)Acerca da evolução histórica jurisprudencial para a determinação dos danos futuros, cf.., Sousa Dinis, Ob. Cit., págs. 8 e 9 ; e, ainda, de forma extremamente elucidativa, o douto Acórdão do STJ de 06/07/2000, in CJSTJ, Ano VIII, Tomo 2, pág. 146.
(46)Ou, nas palavras do douto aresto citado na nota anterior, “a indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade permanente corresponde a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, mas que (capital) se extinga no final do período provável de vida”..
(47) Ob. Cit., pág. 9..
(48)cf., o douto Acórdão da RL de 24/06/2003, Processo n.º 5146/2003-7, in http://www.dgsi.pt/jtrl.
(49)Acrescentamos nós que tal desiderato parece estar igualmente presente na solução adoptada pela Portaria nº 377/2008, de 26/05, a qual veio fixar critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de indemnização razoável para indemnização do dano corporal..
(50)In CJSTJ, Ano X, Tomo 2, pág. 132.,
(51) Idem, págs. 132 e 133.
(52) O douto Acórdão do STJ de 25/09/2008, já supra citado, refere que no quadro dos cálculos sob os juízos de equidade devem ponderar-se, entre outros, “factores tais como a idade da vítima e as suas condições de saúde ao tempo de decesso, o seu tempo provável da sua vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade.
Uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas”..
(53)Relator: Ferreira de Almeida, Processo nº. 797/05.1 TBSTS, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
(54)Relator: João Bernardo, Processo nº. 370/04.1 TBVGS, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
(55)Relator: Hélder Roque, Processo nº. 2171/07.6 TBCBR, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
(56)Relator: Salazar Casanova, Processo nº. 1612/05.1 TJVNF, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
(57)Relator: Lopes do Rego, Processo nº. 270/06.0 TBLSD, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
(58)Relator: Hélder Roque, Processo nº. 456/06.8 TBVGS, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
(59)Relator: Gabriel Catarino, Processo nº. 4861/11.0TAMTS.P1.S1, in www.dgsi.pt .
(60)Valor médio a deduzir relativamente às contribuições em sede de IRS e para a segurança social, sendo a taxa média de IRS, para o rendimento colectável em equação, a de 22,621 %. Com efeito, interessa a aferição do salário real, e não bruto – cf. o já supra citado douto Acórdão do STJ de 19/03/2002.
(61)Presumindo que a vítima se reformaria aos 70 anos de idade, conforme critério orientador previsto na alínea b) do nº 1 do art.º 6º da mesma Portaria nº 377/2008, de 26/05 ; conforme refere o já enunciado douto aresto do STJ de 14/09/2010, é jurisprudência quase uniforme nos tribunais superiores a “consideração, em termos de generalidade e de normalidade, da idade de 70 anos como data-limite da vida útil relevante dos lesados (….)”.
(62)Ob. Cit., o qual refere poder ser encontrado facilmente “o capital necessário que dê ao lesado ou aos seus herdeiros o rendimento perdido, calculado a uma certa taxa de juro, através de uma regra de três simples, não «afinando» o resultado obtido pelo recurso ás tabelas financeiras (nem sempre acessíveis nem de consulta fácil), mas fazendo intervir no fim a equidade (....)”.,
(63)Assim o citado Acórdão do STJ de 26/05/2002, referenciando o mencionado estudo de Sousa Dinis.
(64) Sousa Dinis, Ob. Cit., pág. 9. .
(65)Idem.
(66) Ibedim
(67) in CJ II, p 23 e ss.
(68)Espera-se, face à obrigação nacional de cumprir com os critérios de convergência constantes do art.º 1º do protocolo relativo ao art.º 109º-J do Tratado da União Europeia. Presentemente, tal objectivo vem sendo globalmente concretizado, ainda que recentemente se assista a um aumento da taxa de inflação média.
(69)nos termos explanados no já citado acórdão da Relação de Coimbra de 04.04.1995, actualizando-se os valores para o momento actual ; cf.., o douto Acórdão do STJ de 16/03/99, in CJSTJ, Tomo I, pág. 167, bem como o valor mais baixo ora actualizado constante do anexo III à já referenciada Portaria nº 377/2008, de 26/05.
(70)Relator: Mário Cruz, Doc. nº SJ20071204038361, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
(71)Transcrevendo-se a tabela consta que:
A) ---- B)
(anos) ---- (factor)

1 ----- 0,97087
2 ----- 1,91347
3 ----- 2,82861
4 ----- 3,71710
5 ----- 4,57971
6 ----- 5,41719
7 ----- 6,23028
8 ------ 7,01969
9 ----- 7,78611
10 ----- 8,53020
11 ----- 9,25262
12 ----- 9,95400
13 ----- 10,63496
14 ----- 11,29607
15 ----- 11,93794
16 ----- 12,56110
17 ----- 13,16612
18 ----- 13,75351
19 ----- 14,32380
20 ----- 14,87747
21 ----- 15,41502
22 ----- 15,93,692
23 ----- 16,44361
24 ----- 16,93554
25 ----- 17,41315
26 ----- 17,87684
27 ----- 18,32703
28 ----- 18,76411
29 ----- 19,18845
30 ----- 19,60044
31 ----- 20,00043
32 ----- 20,38877
33 ----- 20,76579
34 ----- 21,13184
35 ----- 21,48722
36 ----- 21,83225
37 ----- 22,16724
38 ----- 22,49246
39 ----- 22,80822
40 ----- 23,11477
41 ----- 23,41240
42 ----- 23,70136
43 ----- 23,98190
44 ----- 24,25427
45 ------ 24,51871
46 ----- 24,77545
47 ------ 25,02471
48 ----- 25,26671
49 ----- 25,50166
50 ----- 25,72976.

(72)Realçando-se o primado da equidade no cálculo dos danos futuros, sumariou-se no douto Acórdão do STJ de 10/04/2019 – Relator: Raul Borges, Processo nº. 73/15.1PTBRG.G1.S1, in www.dgsi.pt -, que:
“XXVII - Como acentuam a doutrina e a jurisprudência, o cálculo dos danos futuros é sempre uma operação delicada, de solução difícil, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro. E por isso é que tais danos devem calcular-se segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que é normal e natural acontecer, com o que em cada caso concreto, poderá vir a acontecer, pressupondo que as coisas seguem o seu curso normal, estando-se perante cálculo feito de acordo com o "id quod plerumque accidit"; e se, mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exacto, o tribunal deve julgar, segundo a equidade.
XXVIII - A função característica da equidade é "tomar na devida consideração as circunstâncias especiais do caso concreto, e não aplicar a norma geral na sua rigidez". "A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto".
XXIX - A equidade é a justiça do caso concreto, i. é, uma forma de justiça que, superando a mera justiça legal, se adequa às circunstâncias da situação singular, podendo dizer-se que é a justiça enquanto concretizada na solução de cada caso; é uma realidade essencialmente jurídica, embora translegal, que serve para a mais plena realização da justiça (e do direito). Por meio dela se consegue sortir de “la legalité pour rentrer dans le droit”.
XXX - Equidade é a expressão da justiça no caso concreto, consistindo em atender ao condicionalismo de cada caso concreto, com vista a alcançar a solução equilibrada e justa, havendo que ter presentes as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência.
XXXI - A equidade deve levar em conta as regras da prudência, ponderando as circunstâncias particulares do caso.
XXXII - O recurso à equidade, exigido pela necessidade de adequação da indemnização às circunstâncias do caso, não dispensa a necessidade de observância das exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios e a necessidade de atender, por razões de justiça relativa e para evitar soluções demasiadamente marcadas por subjectivismo, aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência, importando ter sempre em atenção as circunstâncias de cada caso, bem como as datas em que as decisões foram proferidas e o consequente decurso do tempo relativamente à decisão confrontada.:
(73)Pondera-se o presente valor em decorrência do aumento de esperança média de vida, que tem tendência para aumentar – cf., entre vários, o douto Acórdão do STJ de 06/03/2007, Doc. nº SJ20070306001896, Relator: Silva Salazar, e o já citado douto aresto do mesmo Tribunal de 07/10/2010, ambos in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf -, e nas aludidas dificuldades de financiamento do sistema de segurança social, conducente a que as pessoas, de forma a garantirem as suas reformas ou pensões tenham que trabalhar mais anos, o que foi reforçado pela introdução de outros factores de ponderação, nomeadamente o denominado índice de sustentabilidade do sistema de segurança social.
Para os homens a esperança de vida à nascença, por referência ao ano de 2019, é de 78,01 anos, sendo de 76,9 anos à data da ocorrência do evento lesivo em apreciação – cf., http://www.pordata.pt/Portugal/Esperanca+de+vida+a+nascenca+total+e+por+sexo-418 .
(74)Colocando sérias reservas à consideração de uma determinada idade como limite da vida activa, devendo-se antes ponderar a esperança média de vida pois, atingida aquela, “isso não significa que a pessoa não pudesse continuar a trabalhar, ou que, simplesmente, não continue a viver ainda por muitos anos, tendo, nessa medida, direito a perceber um rendimento como se tivesse trabalhado até àquela idade normal para a reforma”, cf.., o douto Acórdão do STJ de 19/02/2004 – Doc. n.º SJ200402190042826, in http://www.dgsi.pt/jstj.
(75)O douto aresto do STJ de 16/12/2010, já citado, defende inclusive que o factor a ter em consideração é o da esperança média de vida, e não apenas o da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade de reforma. Acrescenta justificar-se tal consideração “já que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito”.