Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5720/04.8TBCSC.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
PODER VINCULADO
NULIDADE
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Nos processos de jurisdição voluntária a prevalência da equidade sobre a legalidade estrita, não vai ao ponto de possibilitar ao juiz ultrapassar normas imperativas.
2. Quando a lei quer referir-se a poder vinculado faz uso de fórmulas impositivas, como acontece no art.º 179º nº 2 da OTM, onde se prescreve que depois de efectuadas diligências necessárias “é designado dia para audiência de discussão e julgamento”.
3. Nesta norma subtrai-se do Tribunal a faculdade de designar julgamento, pelo que a sua omissão constitui uma nulidade processual que influencia a decisão uma vez que são cerceados meios probatórios de que os interessados dispõem (artº 201º, 205º e 1409º do código de processo civil de 1961.
4. O inquisitório neste tipo de processos significa que o juiz pode ir além das partes e a equidade refere-se à decisão substantiva, podendo o juiz aqui optar fundamentadamente por uma solução que não respeitando o rigor do direito substantivo satisfaça mais cabalmente os interesses em jogo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

I Henrique, na qualidade de pai dos menores Sofia e Henrique, nascidos, respectivamente, a 11-05-1994 e 02-02-1998, propôs a presente acção de alteração da regulação do poder paternal demandando a mãe dos seus filhos Cristina invocando que :

- por decisão transitada em julgado foi fixada uma pensão de alimentos a prestar pelo Requerente a favor dos filhos no montante mensal de € 1.000,00;

- o Requerente não tem rendimentos que lhe permitam suportar esse valor;

- porquanto aufere na TAP o salário no montante de € 1.650,08 líquidos;

- e aufere € 437,50 proveniente de actividade independente de administrador de condomínios;

- porém este cargo é electivo pelo que não há certeza de se manter como rendimento certo permanente;

- assim, e por enquanto, o Requerente aufere mensalmente a quantia total de € 2.087,58;

- no entanto, tem avultadas despesas todos os meses;

- as quais elenca nos artºs 9º a 29º do r.i., concluindo por um total de € 1.812,33 de despesas mensais;

- houve alteração das circunstâncias não só pelo cômputo/cálculo da totalidade das despesas face aos rendimentos do Requerente como também se alteraram as necessidades dos menores;

Houve alteração para menos das despesas dos menores já que deixou de haver necessidade do transporte (no montante de € 199,52 mensais) para o Colégio porque os menores mudaram-se para junto deste e também não ocorreram as despesas de saúde alegadas inicialmente no valor de € 439,27

No período compreendido entre Novembro de 2000 e Agosto de 2001 foi o Requerente quem suportou todos os encargos do agregado familiar;

- nomeadamente as mensalidades do colégio dos filhos respeitantes aos meses de Janeiro a Junho de 2001, no total de € 3.936,14;

- tendo as despesas com o agregado familiar atingido o montante de € 8.543,28;

- razão pela qual o Requerente teve de recorrer a créditos junto de amigos e familiares;

- os quais ainda não pôde pagar;

- em virtude da Requerida não ter reembolsado o Requerente da parte que lhe pertencia;

- as possibilidades económicas dos progenitores são bastante diferentes uma vez que o Requerente aufere um rendimento inferior a metade do rendimento da Requerida (diferença esta que não existia à data da douta sentença que fixou a pensão de alimentos), mercê de uma assinalável progressão desta na sua carreira profissional, e consequente melhoria salarial, o que torna o montante da pensão de alimentos manifestamente injusto;

- por outro lado, e uma vez que os menores passaram a residir em Carcavelos, nos fins-de-semana que passam com o pai, será mais adequado que possam ser entregues à mãe pelas 21:00 horas, após o jantar, ao invés de às 19:00 (artº 56º);

- por outro lado, em vez do pai ir buscar os menores a casa da mãe dever-lhe-ia ser permitido buscá-los às respectivas escolas (artº 57º);

- quanto ao período de férias escolares dos menores deverão estes passarem metade de cada um dos períodos com cada um dos progenitores (artº 58º);

- passando o Carnaval, com cada um dos progenitores, nos anos ímpares com um e nos anos pares com outro (artº 59º);

- quanto às férias da Páscoa e do Natal, passariam os anos pares a 1ª metade com o pai e a 2ª com a mãe, invertendo-se nos anos pares (segundo artº 59º);

- na comunicação da marcação do período de férias, caso o progenitor a que isso está obrigado não o faça no período previsto, ficará o outro com a faculdade de o fazer, ficando o progenitor em falta obrigado a adaptar as suas férias ao período do outro (artº 60º);

- quanto aos feriados oficiais deverão os mesmos serem passados alternadamente com cada um dos progenitores (artº 61º);

- quanto aos jantares com os menores, a meio da semana, deverá o pai ir buscá-los à escola, na sua hora de saída, entregando-os à mãe, pelas 21:30 (artº 62º);

- nos dias em que seja o pai a ir buscar os menores, poderá este delegar tal função em pessoa da sua confiança, mediante a indicação, à mãe, da identidade da mesma (artº 63º).

Concluiu pedindo a alteração da regulação do poder paternal nos seguintes moldes:

A) Que a pensão de alimentos devida aos menores seja fixada em valor não superior a € 400,00 tendo em conta que os rendimentos do Requerente são muito inferiores aos da Requerida, sendo que as despesas com os menores, também, diminuíram;

B) Um regime de visitas mais consentâneo com os interesses e necessidades dos menores e nos termos constantes dos artigos 55º a 63º desta peça processual, e que aqui se dão por transcritos;

C) Quanto à educação dos menores, um regime que atenda às necessidades efectivas, nomeadamente quanto aos estabelecimentos de ensino a frequentar, devendo a escolha da escola ser feita de comum acordo com ambos os progenitores;

D) Que o Requerente possa, em conjunto com a Requerida, participar nas decisões sobre as vidas dos filhos, nomeadamente quanto à religião, saúde, saídas para o estrangeiro, etc.

Citada a Requerida, nos termos do artº 182º nº 3 OTM, vem a mesma apresentar as alegações que fazem fls. 152 e ss através das quais tece, em síntese, o seguinte:

Em 26-04-2002 foi proferida sentença que regulou o exercício do poder paternal tendo sido fixado ao aqui Requerente uma pensão de alimentos no valor mensal de € 1.000,00;

- o Requerente não alega qualquer circunstância superveniente que justifique nova regulação do poder paternal no tocante à prestação alimentar devida;

- o Requerente limita-se a invocar exactamente os mesmos factos que foram apreciados e julgados no processo de Lisboa;

- designadamente as suas avultadas despesas;

- despesas essas que já tinha e que o tribunal valorou, não havendo qualquer alteração superveniente nos seus rendimentos;

- pelo contrário, à data das alegações e do julgamento donde resultou a decisão que se pretende alterar, o Requerente pagava ainda o empréstimo pela aquisição do carro no valor mensal de € 102,98 bem como o empréstimo pela aquisição da casa no valor de € 547,31;

- despesas essas que hoje já não se mantêm;

- pelo que houve um decréscimo de despesas no valor de € 650,29;

- sendo certo que até ao momento o Requerente não procedeu a qualquer actualização da prestação alimentar em vigor;

- o Requerente desempenha as funções de administrador ininterruptamente há 10 anos;

- os rendimentos que aufere da TAP são pagos 14 vezes no ano;

- assim, o Requerente aufere, ao todo, um rendimento mensal líquido de € 2.356,40;

- impugna as despesas apresentadas pelo Requerente;

- as quais são bastante menores do que à data em que foi fixada a pensão de alimentos;

- quanto às despesas dos menores estas aumentaram;

- a menor Sofia continua a frequentar o mesmo colégio que frequentava ao tempo em que a pensão de alimentos foi fixada;

- o menor Henrique, que frequentava o colégio “O Botãozinho”, agora frequenta a Escola Pré-primária Inglesa que implica uma propina anual de € 6.825,00 fora as outras despesas;

- assim, a Requerida paga mensalmente só pela frequência escolar do filho Henrique um valor de € 598,33 quando, ao tempo da sentença que fixou os alimentos, as despesas escolares deste menor orçavam em € 114,22;

- os menores têm ainda despesas com a aquisição de fardas e material escolar;

- e a Sofia ainda beneficia de aulas de violino que importam em € 150,00 por trimestre;

- considerando as despesas escolares e as actividades extra-curriculares que os menores também frequentam, como equitação e ginástica, conclui-se que estes têm despesas mensais que orçam um total de € 1.579,55;

- fora as despesas que os menores têm com alimentação, produtos de limpeza, higiene, vestuário e calçado;

- que orçam em cerca de € 566,66 mensais;

- não é verdade que a maior parte das despesas de saúde dos menores seja comparticipada;

- o menor Henrique também recebe apoio pedopsiquiátrico sem qualquer comparticipação;

- a Requerida despende mensalmente em despesas de saúde dos filhos não comparticipadas o valor de € 306,00;

- a Requerida ainda paga as despesas domésticas com água, electricidade, gás, e televisão bem como actividades lúdicas, um total mensal de € 475,00;

- o que implica um dispêndio total com os menores (educação, saúde, alimentação, higiene, vestuário, calçado e outros) de € 2.927,21 mensais;

- a Requerida aufere mensalmente o montante líquido de € 2.851,13;

- sendo que também tem despesas avultadas;

- impugna a alegação do Requerente no sentido deste ter pago as despesas com o agregado familiar entre Novembro de 2000 e Agosto de 2001;

- o Requerente levantou dinheiro dos filhos de uma conta titulada por ambos os progenitores contra a vontade e sem o conhecimento da Requerida;

- não é verdade que o Requerente aufere menos de metade do que ganha a Requerida, sendo certo que as despesas que apresenta ainda o deixam com € 1.216,72;

- pelo contrário, as despesas da Requerida ultrapassam o seu vencimento sendo que só consegue fazer face aos mesmos com recurso aos seus subsídios de férias de Natal e ainda ajuda de familiares;

- pelo que só pode improceder a requerida alteração quanto à pensão de alimentos;

- quanto ao regime de visitas a Requerida não aceita as alterações pretendidas uma vez que o que releva é a residência dos menores e não as dos progenitores, pelo que é na residência dos menores que o progenitor não-guardião as deve buscar e entregar como é nessa residência que o progenitor guardião as deve entregar e receber;

Conclui pedindo a improcedência da acção.

No entanto, formula pedido de alteração ao regime de visitas atentos os factos dados por provados na sentença que regulou as responsabilidades parentais e a vontade dos menores, sendo que o Requerente continua, tal como ficara provado, a utilizar os menores para atingir a Requerida;

- as crianças revelam pânico em estar com o Requerente, têm pesadelos e são acompanhados psicologicamente;

- pelo que conclui pedindo uma restrição ao convívio dos menores com o pai.

Conclui pedindo seja alterado o regime de visitas passando estas a ser:

- meia semana no Natal;

- quarta a Domingo da Páscoa;

- uma semana no início, outra no fim nas férias do verão;

- um fim-de-semana por mês com o pai.

Designou-se dia para uma conferência de pais na qual, documentada a fls. 491, não se logrou obter qualquer acordo dos progenitores, os quais foram notificados para, querendo, alegar nos termos do art.º 178º OTM.

A Requerida veio apresentar alegações mantendo os por si já alegado aquando da sua citação e o Requerente declarou a fls. 492 dar por reproduzido tudo que já alegara no seu r.i. à excepção dos artºs 11º a 13º por entretanto já ter adquirido o imóvel que habita.

Solicitaram-se a realização de inquéritos sociais os quais estão juntos a fls. 842 e ss relativamente ao Requerente e fls. 846 e ss relativamente à Requerida.

Foram ordenadas diligências pelo Tribunal, incluindo a audição dos menores ocorrida em duas ocasiões e documentadas a fls. 922 e ss e 1046 e ss.

A fls. 1333 o Digno Magistrado do MºPº veio emitir douto parecer no qual pugna pela improcedência da acção por não haver qualquer alteração que justifique os respectivos pedidos formulados pelo Requerente.

II

Com interesse para o que se discute nos autos, dos factos provados na sentença têm interesse apenas os seguintes:

1) Henrique nasceu, 02-02-1998 e é filho de Henrique e de Cristina, respectivamente Requerente e Requerida. – assentos de nascimento de fls. 146 a 148

2) Por sentença de 26-04-2002, proferida no âmbito da acção de regulação do poder paternal, que correu termos na 1ª secção do 3º juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, sob o nº 130-B/01, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, foi o poder paternal (hoje responsabilidades parentais) em relação (à então menor Sofia) e ao Henrique regulada nos seguintes termos:

“1 – Os menores ficam entregues à guarda e aos cuidados de sua mãe, que exercerá quanto a eles o poder paternal;

2 – O pai poderá ter os filhos na sua companhia em fins-de-semana alternados, indo buscá-los junto da casa da mãe às 19 horas, de sexta-feira e entregá-los aí no domingo às 18 horas;

3 – Os menores passarão com o pai a primeira ou a última semana, no período de férias de Natal e de Páscoa, alternadamente e trinta dias nas férias de verão, avisando a mãe até final do mês de Março anterior; em caso de sobreposição de férias, este período será reduzido até ao mínimo de vinte dias;

4 – Nos dias dos respectivos aniversários os menores almoçam ou jantam com cada um dos progenitores, alternadamente;

5 – E passam com o pai o dia do aniversário deste, que os irá buscar pelas 10 horas, entregando-os às 21 horas, sem prejuízo dos seus deveres escolares nesse dia;

6 – Passam com a mãe o dia do aniversário desta, em igualdade de condições;

7 – O pai contribuirá para alimentos dos menores com a quantia mensal de € 1.000,00 (mil euros), que enviará à mãe por cheque, vale do correio ou depósito bancário até ao último dia de cada mês;

8 – Esta quantia será actualizada anualmente de acordo com o índice oficial de inflação publicado para o ano anterior.” – certidão judicial de fls. 115 e ss junta pelo Requerente com o seu r.i., sendo que a Requerida também juntou fotocópias simples da mesma sentença, com as suas alegações, a fls. 372 e ss”

5) Por acordo alcançado em sede de conferência de pais realizada no dia 22 de Janeiro de 2004, e homologado por sentença que transitou em julgado em 02-02-2004, no âmbito dos autos de incumprimento do poder paternal que correu termos no Tribunal de Família e Menores de Lisboa, com o nº 130-C/2001, instaurados pela mãe dos menores, a aqui Requerida e o aqui Requerente acordaram o seguinte:

“a) O pai pagará a pensão de alimentos devido aos seus filhos, por transferência bancária para a conta da mãe, até ao dia 5 de cada mês, com início no próximo mês de Fevereiro de 2004;

b) O requerido procederá à regularização da quantia em atraso de € 3.200 em 12 prestações de 200,00 cada. A esta quantia será acrescida duas prestações de 400,00 cada, que o requerido pagará quando receber o subsídio de Férias, pagamento a efectuar até ao dia 5 de Agosto de 2004 e ao subsídio de Natal, pagamento a efectuar até ao dia 5 de Janeiro de 2005. A estas quantias acrescerá a pensão de alimentos, vencendo a primeira em Fevereiro de 2004 e a última em Janeiro de 2005.” – certidão judicial de fls. 115 e ss junta pelo Requerente com o seu r.i., sendo que a Requerida também juntou fotocópias simples do mesmo acórdão, com as suas alegações, a fls. 462 e ss

6) Por acordo alcançado em sede de conferência de pais realizada no dia 22 de Janeiro de 2004, e homologado por sentença que transitou em julgado em 02-02-2004, no âmbito dos autos de incumprimento do poder paternal que correu termos no Tribunal de Família e Menores de Lisboa com o nº 130-D/2001, instaurados pelo pai dos menores, o aqui Requerente e a aqui Requerida acordaram o seguinte:

“a) Os menores passarão 30 dias de férias de verão com o pai, divididos em dois períodos de 15 dias. Os pais, alternadamente, comunicarão entre si qual o período de férias que pretendem gozar com os filhos, até ao dia 15 de Março, por carta registada. No corrente ano deverá o pai comunicar à mãe qual o período que mais lhe convém, devendo esta adaptar o seu período de férias com os filhos de modo a não haver sobreposição de férias. No ano seguinte (2005) deverá a mãe comunicar ao pai, até ao dia 15 de Março, qual o período de férias que quer gozar com os filhos;

b) Nos fins-de-semana que os menores passem com o pai, este passará a entregá-los em casa da mãe no Domingo às 19 horas;

c) O pai poderá jantar com os filhos às Quartas-feiras, na área de residência dos menores, indo o pai buscá-los a casa da mãe às 18h:45m e entregando-os em casa da mãe às 20h:30m. O pai avisará a mãe com 24 horas de antecedência se não puder estar com os filhos nas Quartas-feiras;

d) Nos dias de aniversário dos menores (quando for ao dia de semana), estes jantam alternadamente com o pai, indo buscá-los a casa da mãe às 18h:45m e entregando-os em casa da mãe às 21h:30m. Nos anos em que no dia aniversário dos menores estes jantem com a mãe, o pai poderá jantar com os filhos no dia a seguir.

Quando o dia de aniversário dos menores for aos fins-de-semana, estes almoçarão e jantarão com cada um dos progenitores, alternadamente. Nos anos em que os menores almocem com o pai, este vai buscá-los a casa da mãe às 11 horas e vai entregá-los a casa da mãe às 15h:30m. Nos anos em que os menores jantem com o pai, este vai buscá-los a casa da mãe às 18h:45m e vai entregá-los a casa da mãe às 21h:30m. – certidão judicial de fls. 115 e ss junta pelo Requerente com o seu r.i., sendo que a Requerida também juntou fotocópias simples do mesmo acórdão, com as suas alegações, a fls. 403 e ss

7) Por acordo alcançado em sede de conferência de pais realizada no dia 08 de Julho de 2004, e homologado por sentença, no âmbito dos autos de incumprimento do poder paternal que correu termos no Tribunal de Família e Menores de Lisboa com o nº 130-E/2001, instaurados pelo pai dos menores, o aqui Requerente e a aqui Requerida acordaram o seguinte:

“a) o pai das crianças terá férias com estas nos períodos de 16 a 30 de Julho e de 22 de Agosto a 5 de Setembro, e a mãe das crianças passará férias com estas no período de 31 de Julho a 21 de Agosto, inclusive, de férias, período este que está sujeito a aprovação da sua entidade patronal, comprometendo-se a avisar o pai se este período for alterado, pelo que:

1) o pai irá buscar os menores no dia 16 de Julho pelas 9 horas a casa da mãe entregando-as aí pelas 21 horas do dia 31 de Julho, indo buscá-los ao mesmo local pelas 9 horas do dia 22 de Agosto e aí as entregando pelas 19 horas do dia 5 de Setembro;

b) as crianças levarão sempre, quer nos fins-de-semana, quer nos períodos de férias que passem com o pai, roupas adequadas à estação e ao período de tempo que passem com este.” – certidão judicial de fls. 115 e ss junta pelo Requerente com o seu r.i.

8) Em 30 de Junho de 2004 a TAP Maintenance & Engineering declara que:

“A pedido do interessado, e para os devidos efeitos, declaramos que o Sr. Henrique é trabalhador desta Empresa – Transportes Aéreos Portugueses, S.A. – desde 02 de Novembro de 1990 e tem a categoria profissional de Engenheiro.

Mais se informa que o mesmo aufere a remuneração mensal ilíquida de 2.490,98€ (Dois mil quatrocentos e noventa euros e noventa e oito cêntimos), sendo Eur 2.290 euros do vencimento Nível 16.6 e Eur 200,98 euros de Anuidades.

Os impostos obrigatórios são: Taxa social única: 11% - Eur 274 euros e I.R.S.: 23,5% - Eur 566,09 euros.” (o que traduz um vencimento líquido de € 1.650,89) – doc. 1 junto com o r.i. a  fls. 11

73) Em Fevereiro de 2009 o Requerente auferiu na TAP o vencimento mensal líquido de € 2.248,00 e em Janeiro de 2009 esse vencimento líquido era de € 2.183,38. – doc.s de fls. 941 e 942

74) Em 27 de Fevereiro de 2009 o Banco Millennium declarou que o Requerente contraiu em 29-04-2005, empréstimo bancário à habitação no valor total de € 150.000,00 pelo prazo de 30 anos, ao qual corresponde uma prestação mensal no valor, à data, de € 867,82 a que acresce o seguro de vida no valor mensal de € 55,38. – doc. de fls. 943

75) Em 3 de Abril de 2009 a administração do Condomínio do imóvel habitado pelo Requerente, sito na Rua Amílcar Cabral, nº 15 em Lisboa, declarou que este suportará no ano de 2009 a título de quotizações do condomínio o valor anual de € 1.459,00 sendo € 209,00 o valor trimestral das quotizações ordinárias, € 242,00 correspondente a duas quotizações para obras, e € 139,00 prestação do seguro multi-riscos. – doc. de fls. 944

76) Em Fevereiro de 2009 a Requerida auferiu o vencimento mensal líquido de € 3.284,66, em Março de 2009 auferiu € 3.343,63 e em Abril de 2009 auferiu € 7.674,04 por ter recebido € 7.000,00 de prémio anual. – doc.s de fls. 980 a 982

86) A Sofia continuava a frequentar o colégio St. Julian’s no ano lectivo de 2010/2011 orçando só as propinas em € 4.635,00 por trimestre, sendo que continua com aulas de música. – doc.s de fls. 1197 e 1199

87) Em 2010 a menor Sofia continuava a frequentar o Ginásio Clube Português com as inerentes despesas. – doc.s de fls. 1202 a 1205

88) Em 2010/2011 o menor Henrique frequentava o colégio St. Julian’s orçando só as propinas no valor trimestral de € 3.923,00 e em Julho de 2010 teve aulas de ténis no valor semanal de € 50,00. – doc.s de fls. 1207 e1208

89) Em relação ao ano de 2009 o Requerente declarou às Finanças um rendimento global anual de € 46.838,76 sendo € 5.354,70 deduções específicas tendo ainda direito a um reembolso de € 4.251,35. – doc. de fls. 1234

90) Em 26 de Janeiro de 2011 a TAP declarou que o Requerente aufere a remuneração ilíquida de € 3.429,20, que não aufere subsídio de almoço e descontou 11% para a segurança social no valor de € 377,21, bem como 24,5% para IRS no valor de € 840,00, o que traduz um vencimento líquido mensal de € 2.211,99. – doc. de fls. 1235

91) Em 2009 o Requerente entregou ao Banco Millennium a título de crédito para habitação o valor total de € 5.027,00, o que traduz um valor mensal de € 418,92. – doc. de fls. 1236

92) Em 24 de Janeiro de 2011 o Banco Millennium declarou que o Requerente pagava uma prestação mensal de € 544,82 á qual acresce o seguro de vida no valor de € 63,74 por mês. – doc. de fls. 1237

93) Em Janeiro de 2011 a administração do condomínio do imóvel onde vive o Requerente declarou que este pagou em 2010 um total de € 1.906,00 referente a quotizações e encargos, o que traduz um valor mensal de € 158,83. – doc. de fls. 1238

94) Em 2010 o Requerente pagou de IMI um valor total de € 545,12. – doc. de fls. 1241

95) Em relação ao ano de 2010 a TAP declarou que o Requerente auferiu € 48.346,63 anuais, sendo € 11.617,00 o imposto retido e € 5.318,11 as contribuições obrigatórias para a segurança social. – doc. de fls. 1329

No ano lectivo de 2010/2011 as propinas (e só as propinas, fora as restantes despesas escolares) da menor Sofia já orçavam em € 4.635,00 por trimestre, o que traduz um valor mensal de € 1.545,00 (facto vertido em 86), enquanto que as propinas do menor Henrique, que entretanto também passou a frequentar o colégio St. Julian’s, passaram a ser de € 3.923,00 por trimestre o que traduz a quantia mensal de € 1.307,67 (facto vertido em 88).

Em Dezembro de 2010 (último mês mais recente constante dos autos a Requerida auferiu o vencimento mensal líquido de € 3.198,04 (facto vertido em 83).

Entendeu a sentença recorrida manter inalterada a pensão de alimentos fixada e alterar o regime de visitas, pelo seguinte modo:

“O pai poderá estar com os menores sempre e somente quando estes manifestarem esse desejo”.

Esta sentença é de 02 de Abril de 2012.

Da mesma interpôs recurso o requerente que lavrou as conclusões ao adiante: Lavrou as CONCLUSÕES ao adiante:

1 – Quando da interposição da acção, a menor Sofia tinha 10 anos e o Henrique 6 anos. À data da sentença, a Sofia tem 17 anos e o Henrique 14 anos.

2 – O Tribunal conclui, reportando-se a factos provados em sentença transitada em julgado, reportada a 2002, que as atitudes do Recorrente há dez anos atrás “são reveladores de uma personalidade que não merece tutela deste tribunal”.

3 – É claro e inequívoco que o processo demorou quase oito anos e que, ao concluir da forma assinalada na conclusão anterior, não foi respeitado o princípio da igualdade das partes, consagrado nos arts. 3º- A do C.P.C. conjugado com o art. 13º da C.R.P. É notória a violação deste princípio, ao longo de todo o processo, uma vez que o tribunal não assegurou um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades e no uso de meios de defesa.

4 – A morosidade do processo, o anormal prosseguimento dos autos, a falta da realização de diligências requeridas pelas partes é da estrita responsabilidade do tribunal, pelo que foi violado o princípio de direção do processo e princípio do inquisitório previstos nos arts.2º, nº 1 e 265º do C.P.C.

5 - A acção entrou em 17/09/04. A conferência de pais foi realizada 1 ano e 4 meses depois, em 11/01/06. Os relatórios sociais foram apresentados em 20/12/06, mas apenas foram notificados às partes 4 meses depois. Os menores foram ouvidos, pela primeira vez, em 23/04/09 (quase cinco anos depois). O processo foi suspenso por 3 meses, em 13/07/09. Apesar de requerida pelo Procurador o fim da suspensão do processo em 06/01/09 e em 17/05/10, e o Recorrente ter informado que nada estava a ser diligenciado quanto ao recurso à terapia familiar, o Tribunal nunca decretou o fim da suspensão dos autos.

6 – Não houve decisão sobre a realização de todas as perícias solicitadas (exames psicológicos aos menores, exames à personalidade dos progenitores, audição do psicólogo Dr. Pedro Strecht), nem foi ordenada a produção de prova testemunhal requerida por ambas as partes.

7 - Assim como, também nada foi decidido quanto ao requerido pelo Recorrente no que respeita à averiguação e concretização do recurso a terapeuta familiar, que originou a referida suspensão.

8 - O Estado tem o dever de disponibilizar os meios necessários para assegurar a celeridade na administração da justiça, o que não aconteceu, nos presentes autos, sendo que nos mesmos está em causa o interesse dos menores.

9 – O Tribunal conclui que a alteração do regime de visitas e do exercício do poder paternal não é exequível dado os menores não quererem estar com o pai. Foi a demora e ausência de tomada de decisão, nos presentes autos, que impediu que uma situação suscetível de ser alterada se transformasse numa situação irremediável e inexequível.

10 - Quando os menores foram ouvidos no tribunal, em 2009, disseram ainda gostar do pai. Ao não controlar as diligências estabelecidas, em tempo útil, que originaram a suspensão do processo por 3 meses e ao permitir que essa suspensão se tivesse tornado interminável, o tribunal não diligenciou pelo interesse dos menores e contribuiu para o seu afastamento do pai.

11 – No que respeita os alimentos, o Tribunal considerou que o Recorrente não apresentou despesas posteriores a 2000/2001 e, novamente, fundamenta a sua decisão em factos provados em processo transitado em julgado.

12 – Com esse fundamento, o tribunal entendeu que o Recorrente interpôs a presente acção 3 meses depois do Acórdão do STJ, que confirmou a decisão de primeira instância, apenas com o intuito de mudar essa decisão.

13 – Contudo, e contraditoriamente, o próprio tribunal considerou como provados os rendimentos e despesas apresentadas pelo Recorrente, respeitantes aos anos de 2003 e 2004, que obviamente consubstanciam o pedido de alteração dos alimentos, pois a outra sentença reporta-se a 2002, não podendo o tribunal concluir que as despesas apresentadas apenas resultam do aumento normal do custo de vida.

14 – O próprio tribunal indica que em 2004, o Recorrente aufere menos do que a Recorrida e que a partir de Abril de 2005, passou a ter o encargo do pagamento do empréstimo com a aquisição de casa para habitação e pagamento do respetivo seguro, despesa de 923,20 €, mas considera que esta circunstância em nada altera a situação financeira do Recorrente.

15 – O tribunal considerou provado, quanto aos rendimentos mensais líquidos de Recorrente e Recorrida que em 2004 o Recorrente auferiu 2.088,39€ e a Recorrida 2.851,13€ e em 2005 o Recorrente auferiu 2.182,93€ e a Recorrida: 3.918,25€. Quanto ao ano de 2006, o tribunal não apreciou a declaração de IRS junta pelo Recorrente, que indica que este auferiu 2.343,74€ e considerou provado que a Recorrida auferiu 3.769,51€.

16 – Apesar de requerido pelo Recorrente que fosse notificada a entidade patronal da Recorrida para informar quais os rendimentos e regalias desta, em 2007, 2008 e 2010, o tribunal não o ordenou. Considerou provado que em 2007 o Recorrente auferiu, mensalmente e em valor líquido 2.552,71€, em 2008, 2.697,80€ e em 2010, 2.617,63€. A falta de informação sobre os rendimentos da Recorrida deve-se à inação do tribunal.

17 - O tribunal considerou, ainda, como provado que em 2009, o Recorrente auferiu 2.248,00€ e a Recorrida: 5.254,08€. Mesmo não se sabendo, os montantes auferidos pela Recorrida no ano anterior e posterior a 2009, não seria com certeza um valor muito diferente. A Recorrida aufere mais de 3.000 € mensais líquidos do que o Recorrente.

18 – O tribunal afirma que a Recorrida “passou, ao longo destes anos, a ganhar bastante mais do que o Recorrente”. Contudo, conclui que tal facto não tem repercussão na medida dos alimentos devidos aos menores.

19 - Atento o disposto nos arts. 1411º e 663º, ambos do CC, devem ser tomadas em consideração, na sentença, as alterações que se tenham verificado no decurso da ação. Assim, o juiz “a quo” o refere na pág. 38 da sentença. Sendo que, por imperativo legal, as alterações financeiras do Recorrente e da Recorrida, plasmadas nos autos e comprovadas, terão que ter repercussão na decisão final. O que não se verificou.

20 - Conclui-se, na douta sentença, que as despesas provadas dos menores não incluem as despesas com a habitação, alimentação, vestuário e calçado (fora as fardas escolares), higiene e lazer. E também não se pronunciou sobre o mesmo tipo de despesas próprias apresentadas pelo Recorrente.

Sendo que o tribunal não permitiu às partes produção de prova sobre as despesas alegadas, pois não marcou a realização de audiência de discussão e julgamento.

21 – Não estando provadas as referidas despesas com a alimentação, vestuário, calçado, higiene e lazer dos menores, conclui que é o Recorrente quem as paga, estando a cargo da Recorrida todas as restantes despesas (com escolas, saúde, habitação e atividades-extracurriculares).

22 – E considera, ainda, o tribunal que se os menores gastam mais de 5.072,00 € mensais (“mais do quádruplo do que o pai paga a título de alimentos” – cerca de 1268,00 €), apenas com escola e atividades extracurriculares, o Recorrente é obrigado a sustentar este padrão de vida.

23 – Consta da sentença transitada em 2002 e agora referido pelo tribunal que o Recorrente apenas tinha acordado a frequência da Sofia no St. Julian’s até ao 4º ano e do Henrique no “O Botãozinho. Quando da interposição da ação, a Sofia ia iniciar o 5º ano. Apesar do Recorrente não ter que dar o seu aval para os filhos frequentarem o St. Julian´s, pode provar que não pode contribuir financeiramente para o pagamento dum colégio tão caro, o que o Recorrente provou nos presentes autos.

24 - Mesmo pela antiga lei, ao progenitor não guardião, assistia o direito de vigiar a vida dos filhos: “A este direito do progenitor sem a guarda corresponde uma obrigação de informar, a cargo do progenitor que exerce o poder paternal. Há mesmo quem defenda que o incumprimento do dever de informação pode constituir um pressuposto de abuso de direito”. In Sotto Mayor, Maria Clara “Regulação do Exercício do Poder Paternal”, 4ª edição Almedina, pág. 118.

25 - A Recorrida nunca informou o Recorrente sobre assuntos básicos da vida dos menores, tais como a classificação escolar. E o tribunal não se pronunciou sobre o requerido pelo Recorrente quanto a, no mínimo, ser informado, diretamente, pelo colégio, pois este recusou-se a informá-lo diretamente.

26 - Dado que a Recorrida tem capacidade económica para suportar essa despesa com as propinas escolares, mesmo tendo esta o exercício único do poder paternal, “a lei em momento algum estabelece que ambos os progenitores devem contribuir em igual quantia para o sustento dos filhos. A medida da contribuição dependerá dos rendimentos de cada um” In Melo, Helena Gomes de; Raposo, João Vasconcelos; Carvalho, Luís Baptista; Bargado, Manuel Do Carmo; Leal, Ana Teresa e D’Oliveira, Felicidade, “Poder Paternal e Responsabilidades Parentais”, Quid Iuris, pág. 93.

27 - O Recorrente tem que contribuir para o sustento dos menores mas, segundo o art. 2004º do CC, “os alimentos serão proporcionados aos meios de aquele que houver de prestá-los e à necessidade de aquele que houver de recebê-los”. Pelo que a pensão de alimentos que o Recorrente tem vindo a pagar há oito anos é excessiva quanto aos seus rendimentos, que diminuíram e suas despesas que aumentaram (inclusive pagando a habitação e respetivo seguro no valor de 923,20 €) e comparativamente aos rendimentos da Recorrida, que aumentaram para mais do dobro, podendo esta ter optado por manter os menores num colégio tão caro quanto o St. Julian´s.

28 – A sentença violou o disposto no art. 264º do C.P.C., não se cingindo à apreciação dos factos alegados pelas partes e reportando-se até a factos provados noutro processo já transitado em julgado para justificar a personalidade do progenitor, anos depois.

29 – Além de violar os princípios e normas enumeradas nas presentes conclusões, a sentença não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, os fundamentos estão em oposição com a decisão e o juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devia ter apreciado e conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, pelo que a sentença é nula nos termos do disposto no art. 668º, nº 1, alíneas b) c) e d) do C.P.C.

Por todas as razões expostas, no que respeita ao pedido de alteração de alimentos, deve a sentença ser revogada, nas questões ora suscitadas sendo julgado como procedente o presente recurso. No que concerne ao pedido de alteração do regime de visitas e do exercício do poder paternal, dada as nulidades invocadas, deve a sentença ser revogada e ordenada a marcação de audiência de discussão e julgamento com a produção de prova testemunhal, assim como a realização dos exames periciais solicitados e audição dos técnicos conforme requerido.

Não houve contra alegações.

Nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objecto do processo:

São as conclusões que delimitam a matéria a conhecer por este Tribunal que é de recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que cumpra apreciar, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal e 684º nº 3 e 685-A do CPC.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B358 (artº 684 e 685 -A do CPC).

A apelação coloca como questão a resolver saber se a sentença deve ser anulada e os autos prosseguirem para audiência de julgamento com a produção prova arrolada pelos interessados nas respectivas alegações.

E bem assim se a mesma sentença padece de nulidade a que respeitam as alínea b) c) e d) do CPC

III Conhecendo:

Fundamentação de facto:

Dá-se por reproduzida toda a factualidade supra.

Fundamentação de direito.

No que respeita à requerida anulação da sentença para realização da audiência de julgamento:

Releva em especial para aqui que ficou a constar como nota prévia à sentença a decisão do tribunal «à quo» com o seguinte teor:

«Dispõem os nºs 4 e 5 do artº 182º OTM o seguinte:“4. Junta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, mandará arquivar o processo, condenando em custas o requerente; no caso contrário, ordenará o prosseguimento dos autos, observando-se, na parte aplicável, o disposto no artº 175º a 180º.

5. Antes de mandar arquivar os autos ou de ordenar o seu prosseguimento, pode o juiz determinar a realização das diligências que considere necessárias.”

Estando na esfera do tribunal ordenar apenas as diligências que tenha por pertinentes, não é obrigatório a realização de uma audiência de discussão e julgamento, bem como desnecessário será – até pela penosidade que isso implicaria para os menores que devem ser salvaguardados de todo o tipo de ingerência nas suas vidas e nas suas pessoas – a realização de perícias à personalidade dos jovens ou mesmo aos pais, que, demoraria, em todo o caso, ainda meses ou mesmo anos a produzir

Não tendo os autos nascidos de qualquer denúncia por parte do Requerente da existência de alienação parental por parte da Requerida mas, antes, por motivos puramente económicos (veja-se que o Requerente despende 54º dos 63º artigos do seu requerimento inicial a discutir a sua situação económica e os fundamentos para que a pensão de alimentos deva ser reduzida, e apenas 9 artigos em defesa de uma alteração ao regime de visitas bem como da partilha das responsabilidades parentais) não se vislumbra motivos para se perpetuar os autos, com produção de prova testemunhal que nada irá acrescentar ao essencial – a rejeição por parte dos menores do pai – sendo certo que estes autos não têm como finalidade “punir quem tiver de ser punido” conforme o Requerente pretende na exposição que fez ao Venerando Conselho Superior da Magistratura há pouco tempo, exposição essa dada a conhecer à juiz signatária.

Uma coisa é a alienação parental ter sido constatada no âmbito e decurso da acção, outra, é irmos á procura dela com recurso a um julgamento cuja finalidade extravasa em muito o objecto em litígio e o peticionado pelo Requerente.

Ora, nada de objectivo resulta dos autos que leve este Tribunal a concluir, ou sequer supor, que existe ou tenha existido da parte da Requerida qualquer forma de alienação parental, sendo certo que, das vezes que o Tribunal tem constatado estar na presença de tal síndroma em outros processos, tem sido o primeiro a accionar os necessários mecanismos para salvaguardar a situação das crianças, nomeadamente criando, por apenso, um processo de promoção e protecção. Bem pelo contrário, existem elementos suficientes nos autos, aliados aos factos dados por provados na decisão do Tribunal de Família e Menores de Lisboa que primeiramente regulou as responsabilidades parentais em 2002, que permitem concluir que o Requerente tem assumido comportamentos ao longo dos anos que tem levado os filhos a rejeitarem-no.

Isto não significa que não tem havido culpa de ambos os progenitores na forma como conduziram todo o seu processo de separação e posterior convívio com os filhos mas tal não significa que haja alienação parental por parte da mãe dos menores. Assim, qualquer julgamento terá por finalidade, não a de responder ao que é efectivamente peticionado nos autos pelo Requerente, mas, procurar culpados numa busca doentia sem fim.

A Sofia e o Henrique merecem tranquilidade e descanso desta “novela processual” – perdoe-se-nos a expressão que não visa ofender as partes de forma alguma – e tal só se conseguirá se o Tribunal, já devidamente munido de todos os elementos para proferir uma decisão de mérito, der essa decisão (ainda que sujeita a recurso).  Os julgamentos visam esclarecer o Tribunal e fazer prova de factos devidamente alegados nos autos.

Ora, e salvo o devido respeito, o julgamento que o Requerente pretende seja feito não visa satisfazer nenhuma dessas situações, únicas legítimas num Estado de Direito.

O mesmo se diga em relação à audição do Sr. Dr. Pedro Strecht cujo parecer, embora respeitemos, não vincula este Tribunal, sendo certo que, não temos de procurar culpados, mas ajudar estes jovens; e o referido clínico não está impedido de ajudar os referidos jovens se estes assim o quiserem, independentemente de ser ou não ouvido por este Tribunal.  

Assim, considerando todo o acima exposto, o por nós já explanado no nosso despacho de fls. 1148 a 1152, e o facto de que os autos contêm todos os elementos para se decidir de mérito, sendo, por isso, desnecessário e mesmo inútil (por isso proibido por lei) a realização de quaisquer outras diligências, incluindo ouvir testemunhas e realização de perícias, o Tribunal, soberano, nesta conclusão, profere a seguinte sentença:”

É esta parte da decisão proferida que está em causa já que o apelante  vem sustentar a realização de audiência de discussão e julgamento e bem assim a realização de perícias já requeridas nos autos.

No que diz respeito às perícias cabe ao tribunal a oportunidade da sua realização conforme dispõe o artigo 178º nº 3 da OTM ex vi artº 182º nº 4 do mesmo diploma legal, nada havendo a censurar, à decisão que não ache pertinente a sua efectivação, quando se trata de decidir alteração de regime de visitas relativamente a menor que muito embora à data do requerimento inicial tivesse seis anos, agora, tem quatorze anos (sendo certo que na pendência desta acção foi alterado por acordo dos progenitores duas vezes, em incidentes de incumprimento, o regime de visitas que aqui também se discute).

Mas, se é assim quanto a quaisquer diligências processuais, já não se acompanha a sentença apelada quando dispensa a realização do julgamento.

É que, a tramitação do processo (apesar de se tratar de jurisdição de natureza voluntária), tem limites legais que não estão no poder discricionário do tribunal.

Há uma tramitação que constitui assim como que a linha não ultrapassável por todos quantos se relacionam com os autos.

Na verdade, jurisdição voluntária significa antes do mais jurisdição que visa realizar certos interesses públicos subordinados ao direito e mesmo que se entenda que esta tem natureza administrativa, nem por isso deixa de possuir características jurisdicionais, uma vez que se trata de autêntica função jurisdicional, cujo fim é a justacomposição de um interesse, por modo que substancialmente é equitativo e não absolutamente definitivo.

 Não está em causa que nesta jurisdição, “existe uma diferente modelação prática de certos princípios ou regras processuais conflito de interesses a compor, mas só um interesse a regular, embora podendo haver um conflito de opiniões ou representações acerca do mesmo interesse” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, p. 72) ou “um interesse fundamental tutelado pelo direito (acerca do qual podem formar-se posições divergentes), que ao juiz cumpre regular nos termos mais convenientes” (Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, p. 69). Pode existir controvérsia entre os interessados mas o essencial, nestes casos, é que haja um interesse fundamental tutelado pelo direito e ao juiz se tenha atribuído o poder de escolher a melhor forma de o gerir ou de fiscalizar o modo como se pretende satisfazê-lo. A ausência de conflito de interesses nos processos de jurisdição voluntária tem reflexos nas regras do próprio processo pois, enquanto nos processos de jurisdição contenciosa, o tribunal é chamado a decidir de acordo com a lei substantiva aplicável, nos processos de jurisdição voluntária, a função do juiz não é tanto interpretar e aplicar a lei, mas avaliar os interesses em jogo, na sua qualidade de terceiro imparcial.

Contudo, como afirmam Antunes Varela e outros (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, p. 72) “a prevalência da equidade sobre a legalidade estrita, nas providências que o tribunal tome, não vai obviamente ao ponto de se permitir a postergação de normas imperativas aplicáveis à situação”.

Com efeito, do ponto de vista da técnica legislativa, a explicitação e formulação da discricionariedade ou submissão de determinadas matérias à livre resolução do tribunal ou prudente arbítrio é feita através da utilização de expressões como “pode o juiz”, “o tribunal pode ordenar”, “como o juiz reputar mais conveniente” e “o tribunal, sempre que o entender conveniente”. Por sua vez, quando quer referir-se a poder vinculado, a técnica legislativa faz uso de fórmulas diferentes daquelas, detectando-se nestas sempre uma clara imposição ao juiz.

É o que acontece no nº 2 do artigo 179 da OTM em que se prescreve que «se os pais apresentarem alegações ou arrolarem testemunhas depois de efectuadas as diligências necessárias é designado dia para audiência de discussão e julgamento” numa clara fórmula impositiva, a excluir do tribunal em tal caso a faculdade de designar ou não julgamento, pelo que nesta previsão processual o juiz tem de designar audiência de discussão e julgamento, constituindo uma nulidade processual a sua omissão com influência na decisão uma vez que por esse modo ficam cerceados meios probatórios que os interessados dispõem, tanto mais, que se veio a proceder a alteração do regime de visitas em vigor.

Não descurando “fim essencialmente constitutivo, tendendo à constituição de relações jurídicas novas ou coopera na constituição e no desenvolvimento de relações existentes” ( A Reis, Processos Especiais II, Coimbra Editora, pp. 397-98) e bem assim considerando que são aplicáveis aos processos de jurisdição voluntária as disposições normativas constantes dos artigos 302.º a 304.º e 1409.º a 1411.º, todos do Código de Processo Civil em que existe uma conformação diferente da tramitação processual, é mais forte a presença do princípio do inquisitório, em contraposição ao princípio do dispositivo, na medida em que o julgador pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, tendo o poder de só admitir as provas que julgue necessárias (artigo 1409.º, n.º 2 do Código de Processo Civil) não é todavia de sufragar a preterição da audiência de julgamento quando os interessados apresentaram alegações e juntaram rol de testemunhas como aconteceu nestes autos.

O inquisitório aqui significa que o juiz pode ir além das partes e a equidade por seu lado, refere-se á decisão substantiva; “um julgamento pode inspirar-se em duas orientações ou em dois critérios diferentes: critério de legalidade, critério de equidade. No primeiro caso, o juiz tem de aplicar aos factos da causa o direito constituído; tem de julgar segundo as normas jurídicas que se ajustem à espécie respectiva, ainda que, em sua consciência, entenda que a verdadeira justiça exigiria outra solução. No segundo caso, o julgamento não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente; tem liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa” (A Reis, Processos Especiais II, Coimbra Editora, p. 400).

Não mais que isto.

Daí que cumpra ao tribunal, antes de ser proferida sentença, designar dia e hora para audiência de discussão e julgamento cumprindo-se o estatuído no citado artº 179º nº 2 da OTM ex vi artº 182º nº  4 do mesmo diploma legal, 201º, 205º 1409º a 1411º e 712º nº 4, estes todos do CPC.

Prejudicado, consequentemente, o conhecimento das nulidades da sentença reclamadas

Segue deliberação:

Na procedência da apelação anula-se a sentença apelada e termos subsequentes  devendo ser designado dia para julgamento (que deverá atender aos factos vigentes à data mais recente, únicos que relevam sobretudo porque nestes autos se discute uma alteração de responsabilidades parentais requerida, em 2004 e portanto totalmente desactualizada).

Sem custas.

Lisboa, 30 de Maio de 2013.

Isoleta Almeida costa 

Carla Mendes

Octávia Viegas