Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA PAULA NUNES DUARTE OLIVENÇA | ||
Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO CONTRATO DE ADESÃO CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS DEVER DE COMUNICAÇÃO NULIDADE ABUSO DO DIREITO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/22/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | (elaborado pela relatora - art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil): «1. Para que se considerem correcta e legalmente cumpridos os deveres de comunicação e consequente explicação das cláusulas insertas em contrato de adesão, não basta colocar à disposição dos aderentes o conteúdo das cláusulas gerais, entregando-lhes um exemplar do contrato e esperar que estes o leiam se quiserem e coloquem dúvidas; 2. Quem recorre aos contratos de adesão e, consequentemente, ao regime das CCG saberá que, além de comunicar o respectivo conteúdo, terá de informar os aderentes do seu significado e das suas implicações, tendo em conta as especificidades de cada caso em concreto, sob pena de não se poderem ter por cumpridos tais deveres, e cabendo o ónus da prova de que assim aconteceu ao proponente. 3. É pela análise das circunstâncias do caso concreto que se poderá concluir se os executados, ao alegarem a nulidade do contrato de adesão por violação por parte da exequente do dever de entrega de um exemplar ao consumidor no momento da assinatura, ou do dever de comunicação/explicação do clausulado, estão ou não a agir em manifesto abuso de direito.» | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | 1. Relatório A e B vieram, por apenso à execução que lhes é movida por, «C-Instituição Financeira de Crédito, S.A.», deduzir EMBARGOS DE EXECUTADO, pedindo, - se declare nulo o contrato de crédito número 242032, condenando-se o Embargado a isso reconhecer, nulidade esta que acarreta o preenchimento ilegítimo da livrança, que, assim, não é exequível, declarando-se, por isso, totalmente extinta a execução, procedendo, nesta medida, os embargos; Para tanto alegam, em síntese: A livrança dada à execução teve por base um contrato de mútuo, celebrado em 25.07.2008 no valor de 12.000,00€ entre o Banco ZZ e os ora embargantes, para a aquisição de um veículo automóvel, Marca Mitsubishi modelo Carisma com a matrícula ..-..-XL, autorizando que o Banco ZZ utilizasse o crédito assim concedido para entrega, por pagamento à Entidade Vendedora (….. COMÉRCIO VEÍCULOS AUTOMÓVEIS LDA.) do bem adquirido; Quando subscreveram esse contrato, não lhes foi lido nem explicado o respectivo clausulado, nem no que respeita às condições particulares, que se encontravam por preencher nem no que respeita às condições gerais, nem lhes foi dada uma cópia. * Apresentado a juízo o requerimento inicial, foi proferida decisão a receber liminarmente os embargos exceptuando-se a apreciação da matéria dos art.ºs 1.º a 6.º da petição inicial que se entendeu relevar para efeitos da ocorrência ou não de vícios procedimentais no âmbito da acção executiva, o que, não constituindo fundamento legal de embargos de executado, deveria ser apreciado no processo executivo propriamente dito. * Devidamente citada, a embargada contestou pugnando pela improcedência dos embargos alegando que de uma simples análise dos documentos juntos aos autos, verifica-se que os embargantes subscreveram quer o contrato de mútuo, quer a livrança caução, na qualidade de subscritores, tendo assim aceite todos os termos e condições do contrato, e bem assim, assumido o cumprimento integral de todas as obrigações pecuniárias dele decorrentes. * Procedeu-se a audiência prévia no âmbito da qual se proferiu despacho saneador, se elencaram o objecto do processo e os temas da prova. * Procedeu-se a audiência final. * Veio então a ser prolatada sentença de cujo dispositivo consta: «IV. DECISÃO Com os fundamentos de facto e de Direito acima expostos, DECIDE-SE: a) JULGAR procedente a presente oposição mediante embargos de executado e, consequentemente, DETERMINAR a extinção da execução e o levantamento de todas as penhoras; e b) CONDENAR a embargada nas custas processuais dos embargos.» * Da sentença veio então a embargada recorrer alinhando as seguintes conclusões: «III – CONCLUSÕES A) O Tribunal a quo julgou procedentes os embargos de executado, por considerar que o dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais não foi cumprido. B) Tal decisão viola o princípio da liberdade contratual e o direito de crédito do aqui Recorrente, nos termos do artigo 406.º, 762.º e seguintes do Código Civil. C) Efetivamente, o Tribunal a quo considerou como provado que: a) Foi celebrado um contrato entre Recorrente e Recorridos, tendo sido entregue a viatura aos Recorridos, conforme facto 1) dos Factos Considerados provados; b) Os mesmos assinaram uma livrança em branco, conforme facto 2) dos Factos considerados provados; c) Os Recorridos efetuaram pagamento do crédito inicialmente, tendo o Tribunal a quo contabilizado os pagamentos declarados pelas partes, conforme facto 11) dos Factos considerados provados; E ainda o Tribunal a quo considerou como provadas as cláusulas contratuais assinadas como a cláusula 16.ª sob a entrega da livrança assinada em branco como garantia e a sua autorização para o seu preenchimento, a cláusula 2.ª mediante a qual se concede o direito ao Recorrente de resolver o contrato, a cláusula 6.ª em que se determina as consequências no caso de mora e ainda a declaração dos Recorridos mediante a qual os mesmos tiveram conhecimento e aceitam plenamente as condições particulares e gerais do contrato. D) Estas “Declarações do Mutuário” foram consideradas como facto 8) provado. E) Ora, face à matéria de facto considerada provada que, não se impugna no presente recurso, não se pode aceitar a decisão do Tribunal a quo que considera que o Recorrente não logrou provar que tenham sido explicadas as cláusulas aos Recorridos. F) Salvo devido respeito, não se compreende que, nos factos provados, se incluam as cláusulas do contrato, máxime a cláusula sobre as regras do preenchimento da livrança e a declaração dos Recorridos em como têm conhecimento e aceitam plenamente as condições particulares e gerais e, por outro, se considere que o Recorrente não provou que as comunicou, como é seu dever. G) Na verdade, estando esse facto considerado provado, bem como que os Recorridos adquiriram o carro através do contrato de mútuo, procederam à entrega dos valores das prestações até determinado momento e que foram interpelados pelo Recorrente para cumprimento do contrato, não se pode aceitar o entendimento mediante o qual não tenha havido a explicação das cláusulas e do funcionamento do contrato! H) Pois caso fosse verdade, como é que os Recorridos teriam pago as prestações e tendo recebido todas as cartas nada tivessem reclamado ou dito ao Recorrente, conforme também resulta do teor do facto 9) dos factos considerados provados? I) É certo que o ónus da comunicação do clausulado é do Recorrente. J) Não obstante, a prova de tal comunicação não tem de ser exaustiva, até porque muitas vezes são contratos celebrados há muitos anos (como é o caso) e não é razoável exigir ao Recorrente que vá encontrar a pessoa que celebrou o contrato e que a mesma se recorde dos Recorridos e que ateste com segurança que celebrou o contrato com eles e lhes explicou todo o clausulado. K) Essa exigência não pode ser sufragada pelo Tribunal e deve ser encarada pelas regras de experiência comum que ajudam a compreender que, na eventualidade das cláusulas não terem sido comunicadas, os Recorridos não teriam pago aquele valor de prestação, não teriam recebido aquelas cartas durante quase dois anos sem qualquer resposta ou reclamação. L) Até porque estaria a sustentar venire contra factum proprium, na medida em que os Recorridos ainda utilizam o veículo, encontram-se na sua posse, conforme consulta da CRA e foi admitido pela Recorrida em sede de audiência prévia e, só porque não concordam com o valor da dívida, invocam a mais fácil defesa:” é não me foi entregue o exemplar do contrato e não me foi explicado o contrato.” M) Dos factos considerados provados resulta que o comportamento dos Recorridos revela ter conhecimento do contrato e das duas regras. N) Assim, ao considerar como provado a celebração do contrato entre as partes, bem como algumas cláusulas reguladoras do mesmo e depois extinguir a execução por incumprimento do dever de comunicação das cláusulas, o Tribunal a quo não só dá uma decisão contraditória face aos factos provados, como viola o direito de crédito do aqui Recorrente, nomeadamente os artigos 762.º e seguintes do Código Civil e o princípio da pontualidade do cumprimento dos contratos previstos no artigo 406.º também do Código Civil. O) Por outro lado, a consequência da exclusão das cláusulas não pode ser apenas a extinção da execução, na medida em que não se pode olvidar que o Recorrente financiou a aquisição do veículo que se encontra na posse dos Recorridos e que, apesar do pagamento do valor de algumas prestações por parte dos Recorridos, o mesmo não recebeu a totalidade do valor mutuado. P) Isto porque ao se terem as cláusulas contratuais como excluídas, ou das duas uma, ou o contrato de mútuo não subsiste e as partes têm que ficar na posição que estariam caso o mesmo não fosse celebrado, com a dedução do valor pago ao valor mutuado e a devolução do veículo automóvel, ou subsistindo sem as cláusulas, ou, estando provada que foi celebrado um contrato e que foi assinada uma livrança em branco e do seu pacto de preenchimento (facto 2) e facto 3) dos factos considerados provados), sobretudo porque existentes antes da assinatura dos Recorridos, existe título executivo para o cumprimento das obrigações da parte dos Recorridos. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, e, em consequência, prosseguirem os autos os seus ulteriores termos. Decidindo em conformidade, farão Vossas Excelências Justiça!» * Notificados, apresentaram os embargantes contra-alegações concluindo como segue: «CONCLUSÕES A- O contrato celebrado entre o Recorrente e os Recorridos integra um contrato de crédito ao consumo, regulado, ao tempo, pelo Decreto-Lei nº 359/91, de 21-9 (diploma entretanto revogado pelo DL nº 133/2009, de 2-6, mas aqui aplicável, por força do previsto no artigo 34º, nº 1, conjugado com o artigo 37º, ambos deste diploma de 2009), no qual os RECORRIDOS assumiram a posição de consumidores (art.º 2º, al. b), do citado diploma de 1991). B- O nº 1 do artigo 6º do DL nº 359/91 obrigava à assinatura do contrato de crédito por ambos os contraentes, e à entrega de um exemplar ao consumidor no momento dessa assinatura. C- O que, no caso, não ocorreu, uma vez que foi a IM do Banco que enviou aos Recorridos já no curso da execução uma cópia do contrato, por email. D- A inobservância daquela obrigação é imputável ao credor – aqui Recorrente – e acarreta a nulidade do contrato (artigo 7º, nº 1 e 4 do Dec. Lei 359/91). E- Sendo que ao contrário do que foi entendimento do tribunal a quo não se encontram nos autos quaisquer factos que conduzam ao afastamento daquela presunção. F- Por esta via terá de se concluir pela nulidade do contrato. G- Sendo que à mesma conclusão se atinge por aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais (DL nº 446/85, de 25/10, alterado pelo DL nº 220/95, de 31/8 e DL nº 249/99, de 7/7). H- De acordo com o estabelecido no nº 1 do artigo 5º (das CCG), estas cláusulas devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitam a subscrevê-las ou a aceitá-las. I- Nos termos do n.º 2 do artigo 5.º (das CCG) a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência. J- O Recorrente não cumpriu contudo os deveres de comunicação e de informação previstos nos art.ºs 5 e 6 do DL 446/85. K- Não foram comunicadas e esclarecidas aos executados as condições a que estavam a aderir, nomeadamente taxa nominal de 11,87%, o “plano protecção ZZ” no valor de 1.110,48€ e “outras despesas administrativas e fiscais” no valor de 323,94€, a perfazer um valor total a pagar ao Recorrente de 20.133,96€. L- Pelo que não obstante as assinaturas apostas no contrato serem dos mesmos, fato pelo qual não as impugnaram, não tiveram, contudo, os Recorridos, verdadeiro alcance do que se encontravam a assinar. M- Não foi assim cumprido por parte do Recorrente o dever de informação do teor e alcance de todas as cláusulas resultantes do contrato de mútuo e financiamento. N- Repare-se que é o próprio Recorrente que afirma no art.º 31.º da contestação que … “Os embargantes tiveram de se dirigir a um stand, para adquirir o veículo e proceder à assinatura do contrato, onde o gerente da vendedora estava obrigado a explicar o conteúdo e alcance de todas as cláusulas resultantes do contrato e do respetivo financiamento e suas implicações o que fez.” O- Ora como é que um gerente de um stand de automóveis pode garantir a devida explicação do conteúdo de todas as cláusulas resultantes do contrato e do respetivo financiamento? P-Não pode garantir que tal tenha acontecido, sendo que é sobre o Recorrente que impende o dever dessa informação, e prova de que a mesma tenha sido cabalmente realizada, o que pelas próprias informações trazidas aos autos pelo exequente, não provou nem consegue provar, sendo sobre o mesmo que recaía tal ónus. Q- O DL 446/85, nos seus artºs 5º e 6º, impõe um especial dever de comunicação e esclarecimento, mais ainda quando os executados/consumidores não dominam a língua portuguesa, uma vez que são de nacionalidade Moldava. R- Impõe-se que, durante a fase pré-contratual, sejam não só comunicadas as condições particulares e as cláusulas pré-elaboradas, mas também prestados todos os esclarecimentos necessários ao exercício idóneo da autonomia privada, o que no caso não aconteceu. S- O ónus da prova dessa comunicação cabia ao Recorrente (artigo 5º, nº 3, do regime das CCG), o qual não logrou tal prova. T- As cláusulas não comunicadas consideram-se excluídas dos contratos (art.º 8º, nº 1, al. a), do mesmo regime). U- Por aplicação da supramencionada norma, todas as cláusulas insertas nas “Condições Gerais” ficam excluídas do contrato. W- Retirando do contrato as cláusulas que não foram objeto de comunicação, o pouco que resta não permite ao devedor precisar o que em cada prestação mensal inclui capital, juros e obrigações fiscais. X- Assim, por força do disposto no nº 2 do artigo 9º, deve ser declarada a nulidade do contrato, por se verificar uma indeterminação insuprível dos elementos essenciais do contrato. Y- Com a celebração do contrato de crédito ao consumo, foi entregue a livrança dada à execução, assinada pelos ora executados, a qual se encontrava em branco, para garantia do cumprimento das obrigações resultantes do contrato. Z- Sendo, nulo o contrato de crédito, não pode subsistir o título executivo – livrança - que tinha como causa subjacente, precisamente, o incumprimento, pelos executados do contrato. AA- A livrança dada à execução e subscrita pelos Recorridos, no âmbito e por causa do contrato de crédito é assim inexequível. BB- Sendo o contrato de crédito firmado com o Recorrente, nulo, conforme acima exposto, não pode subsistir como fundamento de legítimo preenchimento da livrança em branco, o incumprimento, pelos Recorridos, das obrigações decorrentes desse contrato, afinal nulo. CC- Resulta, assim, que a livrança em causa não pode servir de título executivo, o que deixa sem fundamento a presente execução, levando, assim, à procedência dos embargos, com o cancelamento de todas as penhoras e devolução de valores penhorados aos Recorridos. DD- O Recorrente invoca o instituto do abuso do direito, para paralisar a aplicação da nulidade do contrato. EE- Contudo a nulidade do contrato de crédito dos autos emerge do incumprimento, pelo Recorrente de obrigações que sobre o mesmo impendiam. FF- Ao prever essa nulidade, o legislador teve em vista a proteção do consumidor, contra uma parte economicamente mais forte e com uma organização que lhe permite, em princípio, cumprir os procedimentos legalmente impostos para a validade do contrato. GG- Sendo claramente em benefício do consumidor que a nulidade foi estabelecida, verifica-se que tem que haver um especial cuidado, na análise da invocação do abuso de direito, como forma de paralisação dessa nulidade, sob pena de a proteção atribuída pelo legislador constitucional ser facilmente contornada nas situações em que o consumidor não arguiu a nulidade logo no início do contrato. HH- Para além de que, para se provar o abuso de direito, outros factos teriam que estar dados como provados e, para poder invocar o abuso de direito, a predisponente das cláusulas não poderia ter dado causa à anulabilidade ou à situação que está na origem da exclusão das CCG. Termos em que deverá a Apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais. SÓ ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!» * Foram colhidos os vistos legais. * 2. Objecto do Recurso Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente, abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 684º nº 3 e 685º-A nº 1 do CPC), verifica-se que cumpre decidir: - Da nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão; - Da verificação da violação dos deveres de comunicação e informação no âmbito do contrato de adesão e suas consequências em sede de execução; - Do abuso de direito na modalidade «venire contra factum proprium»; - Da inexequibilidade do título dado à execução. * 3. Fundamentação de Facto Por não ter sido objecto do presente recurso, a matéria de facto a considerar é aquela fixada em 1ª instância, a saber: 1) Os embargantes e a embargada celebraram o contrato de mútuo nº 242032, em 25-07-2008, para a aquisição pelos embargantes à “......, Comércio Veículos Automóveis, Lda.” do veículo automóvel, da marca Mitsubishi, modelo Carisma, com matrícula ..-..-XL. 2) A livrança dada à execução foi subscrita, em branco, pelos embargantes, para garantia do cumprimento das obrigações para eles emergentes do referido contrato de mútuo. 3) Com efeito, na condição geral 16ª desse contrato, as partes consignaram que: 4) Nos termos do contrato celebrado, foram acordadas as seguintes condições particulares: 5) O contrato referido em 1) foi celebrado no stand automóvel da “......, Comércio Veículos Automóveis, Lda.”, apenas com a intervenção dos embargantes e do vendedor desse stand automóvel. 6) Na condição geral 2ª do contrato referido em 1), as partes consignaram que, em caso de não cumprimento pelos mutuários de qualquer obrigação assumida, tanto de natureza pecuniária como de outra espécie, a «ZZ tem o direito de resolver o contrato por simples declaração escrita da sua parte e, em consequência, de exigir tudo quanto constituir o seu crédito (…)», e «sendo os juros de mora calculados à taxa remuneratória em vigor à data do incumprimento, acrescida de 4%». 7) Na condição geral 6ª, nº 1, as partes consignaram que «no caso de mora no pagamento da prestação de capital e/ou juros, incidirá sobre o montante dessa prestação, e durante o tempo em que a mora se verificar, a taxa de juros fixada neste contrato, acrescida de uma sobretaxa de mora de 4% (quatro por cento) ao ano, ou de outra que estiver legalmente em vigor», e que «os juros de mora poderão ser capitalizados nos termos da lei.». 8) No campo destinado às “Declarações do(s) Mutuário(s)”, os embargantes declararam que tiveram conhecimento e aceitam plenamente as condições particulares e gerais constantes do contrato e que receberam um exemplar do mesmo. 9) Durante o período de execução do contrato os embargantes nunca pediram esclarecimentos à embargada sobre o conteúdo do contrato assinado. 10) Os embargantes são de nacionalidade Moldava e aquando da celebração do contrato referido em 1) não dominavam a língua portuguesa. 11) Os embargantes pagaram à embargada, a título de pagamento das prestações mensais acordadas, as seguintes quantias, que totalizam 7.080,06 Euros. 12) Os embargantes foram interpelados pela embargada para proceder ao pagamento das prestações mensais em mora, pelo menos, através das cartas enviadas àqueles datadas de 18-08-2009, 16-09-2009, 13-11-2009, 15-12-2009, 17-03-2010, 14-04-2010, 14-05-2010, 17-06-2010, 16-07-2010, 17-08-2010, 17-09-2010, 18-10-2010, 17-11-2010, 16-12-2010, 17-01-2011, 21-02-2011, 24-05-2011, 13-04-2011, 22-06-2011, 25-07-2011, 21-09-2011, 04-10-2011. 13) A embargada comunicou aos embargantes, por carta registada com aviso de recepção, datada de 21-10-2011, a resolução do contrato referido em 1) e o consequente preenchimento da livrança dada à execução, com data de vencimento em 16-11-2011, pelo valor de 16.541,00 Euros, juntando em anexo o extracto de conta que é do seguinte teor: Com relevância para a decisão da causa, julgam-se NÃO PROVADOS os seguintes factos: a) Que os embargantes só na pendência da acção executiva é que tiveram acesso ao contrato referido em 1), por não lhes sido entregue um exemplar do mesmo no momento da sua assinatura. b) Que os embargantes assinaram o contrato referido em 1), sem que as condições particulares estivessem preenchidas. c) Que os embargantes, quando perceberam que o contrato que assinaram, não era pelo prazo de 4 anos, conforme haviam transmitido à embargada, mas sim de 7 anos e que os fazia incorrer no pagamento de valor que ascenderia os 20.000 Euros, sentiram-se enganados e deixaram de cumprir com o pagamento das prestações. d) Que o vendedor da “......, Comércio Veículos Automóveis, Lda.”, por instruções e em nome da embargante, leu e explicou aos embargantes as condições particulares e gerais do contrato referido em 1). * 4. Fundamentação de Direito -Da nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão: Embora sem apontar expressamente o vício de nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão, prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPCivil, a verdade é que a apelante ao alegar «…não se compreende que, nos factos provados, se incluam as cláusulas do contrato, máxime a cláusula sobre as regras do preenchimento da livrança e a declaração dos Recorridos em como têm conhecimento e aceitam plenamente as condições particulares e gerais e, por outro, se considere que o Recorrente não provou que as comunicou, como é seu dever...», «… estando esse facto considerado provado, bem como que os Recorridos adquiriram o carro através do contrato de mútuo, procederam à entrega dos valores das prestações até determinado momento e que foram interpelados pelo Recorrente para cumprimento do contrato, não se pode aceitar o entendimento mediante o qual não tenha havido a explicação das cláusulas e do funcionamento do contrato…» está a alegar tal vício. Conforme se decidiu no Ac. STJ de 24.2.2022, «A nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, refere-se a um vício lógico na construção da sentença que ocorre quando os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a uma decisão diferente da que vem expressa na decisão.» No dizer de Alberto dos Reis e de Antunes Varela, este vício ocorre quando os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a uma decisão diferente da que vem expressa na sentença. Cfr. Alberto dos Reis, «Código de Processo Civil, Anotado», vol. V, pág. 141 e Antunes Varela, «Manual de Processo Civil», 1ª ed., pág. 671. Para Pais de Amaral, trata-se de um vício de raciocínio. «A sentença tem de ser entendida como um silogismo judiciário em que a premissa maior é a norma jurídica aplicada, a menor é constituída pelos factos provados, sendo a conclusão a decisão proferida. Assim sendo, a conclusão tem de estar em consonância com as premissas em que se baseou.». Pais de Amaral, «Direito Processual Civil», 15ª ed., pág.409. Já Amâncio Ferreira defende «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56). In casu, a apelante parece entender que da factualidade apurada sob o ponto 8, ou seja, que no campo destinado às «Declarações do(s) Mutuário(s)», os embargantes declararam que tiveram conhecimento e aceitam plenamente as condições particulares e gerais constantes do contrato e que receberam um exemplar do mesmo e ainda, que do facto provado de que receberam o veículo objecto do contrato de financiamento, tendo pago prestações respeitantes ao mesmo contrato, não pode logicamente concluir-se que não tenha havido a explicação das cláusulas e do funcionamento do contrato. Porém, e ao contrário do que parece pretender a apelante, nenhuma contradição se verifica, não havendo qualquer discrepância entre a conclusão e as premissas em que se baseou. O facto de se ter dado como provado que os embargantes apuseram as suas assinaturas no contrato e em seguida às declarações que do mesmo constavam como suas e, bem assim, o facto incontestado, que os embargantes cumpriram o contrato até determinado momento, não contradiz, a conclusão de que os termos das cláusulas contratuais não lhes foram cabalmente informados e explicados. Aliás, a tal se reconduz a própria alegação dos embargantes no seu requerimento inicial que apontam, para além do mais, o facto de estarem convictos que o contrato teria uma duração de quatro anos o que, afinal, não correspondia à verdade, alegando, de igual modo, não lhe terem sido comunicados diversos encargos contratuais e despesas com os quais vieram a ser confrontados. Assim se há-de concluir pela inexistência do apontado vício de oposição entre os fundamentos e a decisão. - Da verificação da violação dos deveres de comunicação e informação no âmbito do contrato de adesão e suas consequências em sede de execução: O processo de embargos de executado constitui uma contra acção do devedor à acção do credor, visando impedir a execução. Trata-se de acção declarativa enxertada na acção executiva. São dois os interesses em dissonância: o interesse do credor à pronta realização do seu direito – fim da acção executiva; o interesse do devedor de evitar o prosseguimento da execução. Considera-se que o título executivo é condição necessária da execução na medida em que os actos executivos em que se desenvolve a acção apenas podem ser praticados na presença dele. Por outro lado, diz-se que o título é condição suficiente da acção executiva, na medida em que na sua presença segue-se de imediato a execução, sem ser necessário indagar previamente sobre a real existência do direito a que se refere. Pelo título são definidos os fins e os limites da acção executiva. Nos termos do disposto no art.10º, nº5 do CPCivil, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva. Segue-se no art.º 703º a sua enumeração taxativa. Apreciemos o título executivo aqui dado à execução. Vem dada à execução uma livrança. A livrança é um título de crédito à ordem, pelo qual alguém se compromete para com outrem a pagar-lhe determinado montante em data determinada. Trata-se de promessa de pagamento que o emitente deve cumprir. No caso presente provado ficou que os embargantes subscreveram a livrança em causa nos presentes autos, comprometendo-se, assim, a proceder ao seu pagamento na data do seu vencimento. Ficou provado ficou, igualmente, que os embargantes assinaram a livrança em causa nos autos em branco. Nos termos do disposto no art.º 77º, parágrafo 2º da L.U.L.L., é admitida a livrança em branco, remetendo-se para o art.º 10º do citado diploma legal. O pacto de preenchimento é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo de vencimento, a sede de pagamento, a estipulação de juros, etc. O acordo de preenchimento poderá ser expresso ou tácito. Nos presentes autos de embargos os embargantes põem em causa a validade do contrato no âmbito do qual se celebrou o pacto de preenchimento. O embargado em sede de contestação defendeu-se alegando que preencheu o título de crédito em causa de harmonia com o acordo previamente celebrado com os embargantes. Analisada a livrança havemos de concluir que a mesma é formalmente válida. A livrança estava vencida aquando da propositura da acção em juízo mostrando-se revestida das características do título de crédito, a saber: literalidade e abstracção. Porém, apurado foi que subjacente à livrança dada à execução encontra-se o denominado contrato de crédito para aquisição de bens de consumo celebrado entre exequente e executados, que se encontra sujeito à disciplina legal do Dec.Lei nº359/91, de 21 de Setembro, que procedeu à transposição para o direito interno das Directivas do Conselho das Comunidades Europeias nº 87/102/CEE, de 22/12/1986 e 90/88/CEE, de 22/2/1990. Apreciemos, pois, as questões concretas sobre que versa o presente recurso: Invoca o recorrente que, não se compreende que, tendo sido dado como provadas as cláusulas do contrato, máxime a cláusula sobre as regras do preenchimento da livrança e a declaração dos Recorridos em como têm conhecimento e aceitam plenamente as condições particulares e gerais, por outro, se considere que o Recorrente não provou que as comunicou, como é seu dever. Mais alega que, estando esse facto considerado provado, bem como que os Recorridos adquiriram o carro através do contrato de mútuo, procederam à entrega dos valores das prestações até determinado momento e que foram interpelados pelo Recorrente para cumprimento do contrato, não se pode aceitar o entendimento mediante o qual não tenha havido a explicação das cláusulas e do funcionamento do contrato. Pretende, pois, a exequente que com a aposição da assinatura no documento consubstanciador do contrato, em seguida aos dizeres que tiveram conhecimento e aceitam plenamente as condições particulares e gerais constantes do contrato e que receberam um exemplar do mesmo, tal basta para concluir que tudo lhes foi explicado e dado a conhecer, não havendo qualquer omissão do dever de comunicação e explicação das cláusulas contratuais. Vejamos se lhe assiste razão. Nos termos do disposto no nº 1, do art.º 6º, do Dec. Lei nº359/91, de 21/9 (na versão à data em vigor) o contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura. O nº 1, do art.º 7º do mesmo diploma legal, determina que a inobservância de tal imposição importa a nulidade do contrato. Por sua vez, nos termos do nº 4, do referido art.º 7º, a inobservância dos requisitos do art.º 6º, presume-se imputável ao credor, mas a invalidade do contrato só pode ser invocada pelo consumidor. E para efeitos do referido diploma, consumidor é a «pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangidos pelo diploma, actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional», conforme resulta da al. b) do art.2º. Alegam, os embargantes que devem considerar-se excluídas do contrato celebrado as condições particulares e gerais, por violação do disposto nos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10. Não sofre dúvidas que o contrato de mútuo em causa nos autos se trata de um contrato de adesão, entendido este como «aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado». Cfr. A. Varela, «Das obrigações em geral», 7ª ed., pág.262. Conforme se anotou em Ac. STJ «O fenómeno da contratação com recurso a cláusulas contratuais gerais é, como se sabe, uma decorrência da produção e consumo em massa, que propiciaram a mudança funcional do contrato, levando ao surgimento da estandardização contratual: a existência de uma pluralidade de potenciais contratantes para uma situação comparável, promoveu o advento de um fenómeno vulgarizado em que as pessoas (singulares e/ou colectivas) realizam negócios jurídicos, em rigor, não antecedidos de qualquer etapa negocial, assim se vinculando juridicamente.». Cf. Ac. STJ, 6.6.2019, disponível in www.dgsi.pt. A este tipo de contratos aplica-se a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, -DL n.º 446/85, de 25-10, na redacção dos DL n.º 220/95, de 31-08, DL n.º 249/99, de 07-07 e DL n.º 322/2001, de 17-12. O regime da LCCG impõe a observância de determinados requisitos, formais e materiais, concordantes, com os princípios da boa fé, da proibição do abuso do direito e da protecção da parte mais fraca. Todo o regime, na verdade, assenta no princípio da boa fé que norteia e serve de critério à fixação do elenco das cláusulas proibidas. Decorre do art.º 1º, nºs 1 e 2, da LCCG que o regime aí contemplado se aplica às «cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar», bem como «às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar». Nos termos do disposto no art.º 5º da LCCG: «1– As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. 2– A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência. 3– O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.». O art.º 6º dispõe «1–O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique. 2–Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.». Deste regime resulta que o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais tem o dever de informação e comunicação sobre o conteúdo de tais cláusulas, pois que só podem ser correctamente aceites pela outra parte se desta forem conhecidas, sendo que só uma vontade esclarecida é uma vontade livre, sob pena de ocorrerem vícios na formação da vontade, nomeadamente os aludidos nos artigos 246º, 247º e 251º do Cód. Civil. Cfr. neste sent, Ac.do STJ, de 21/03/2006, in CJ, STJ, ano XIV, tomo 1, a pág. 146 e 147 (cit. pela 1ª inst.). Neste tipo de contrato em que existe uma aceitação, não particularmente negociada pelo aderente, a lei visa a sua protecção, como parte contratualmente mais frágil, assegurando de modo efectivo um “dever de informação” a cargo do proponente. No quadro da formação do contrato, os deveres de comunicação e informação radicam, evidentemente, no princípio da autonomia privada, cujo exercício efectivo pressupõe que a vontade do aderente ao contrato se encontre formada de forma livre e esclarecida o que pressupõe um prévio e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular, sob pena de não ser autêntica a sua aceitação. Cfr.neste sent. Ac. do STJ de 2/12/2013, Rel. Clara Sottomayor, disponível, in www.dgsi.pt. Há assim que cumprir os deveres pré-contratuais de comunicação das cláusulas a inserir no negócio e de informação consistente na prestação de todos os esclarecimentos, com o objectivo da formação de uma vontade livre e esclarecida por parte do consumidor. Ora, para que se considerem correcta e legalmente cumpridos tais deveres não basta colocar à disposição dos aderentes o conteúdo das cláusulas gerais, entregando-lhes um exemplar do contrato e esperar que estes o leiam se quiserem e coloquem dúvidas. Quem recorre aos contratos de adesão e, consequentemente, ao regime das CCG saberá que, além de comunicar o respectivo conteúdo, terá de informar os aderentes do seu significado e das suas implicações, tendo em conta as especificidades de cada caso em concreto, sob pena de não se poderem ter por cumpridos tais deveres, e cabendo o ónus da prova de que assim aconteceu ao proponente. Atente-se que, e como bem se anotou no tribunal a quo, cláusulas ou declarações como as que se julgou provadas na alínea 8), em que os aderentes ou embargantes declararam que tiveram conhecimento e aceitam plenamente as condições particulares e gerais constantes do contrato e que receberam um exemplar do mesmo, não substituem a necessidade de comunicação de tais cláusulas, pelo que, não se provando a comunicação e consequente explicação, tais cláusulas contratuais gerais terão de ser excluídas por força do artigo 8º, al. d) da LCCG. A não se entender assim, estaria posta em causa a defesa do consumidor, parte mais fraca cuja protecção se visou com a instituição deste regime. Almeno de Sá escreve a propósito: «exige-se, em primeiro lugar, que as condições sejam integralmente comunicadas à contraparte, impondo-se para além disso, que tal comunicação se realize de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efectivo pelo contraente que atue com a diligência comum. Com a exigência da comunicação à contraparte das condições gerais como pressuposto de inclusão no contrato singular, está em causa como que uma forma qualificada de dar conhecimento do projecto negocial. Com efeito, a comunicação não só deverá ser completa, abrangendo a globalidade das condições negociais em causa, como deverá igualmente mostrar-se idónea para a produção de um certo resultado: tornar possível o real conhecimento das cláusulas pela contraparte. Deste modo, para além de ter de dar a conhecer ou transmitir ao parceiro contratual as condições gerais que pretende inserir no contrato, o utilizador deverá ainda preocupar-se com o modo como dá cumprimento a essa exigência, pois, sendo certo que este pode variar na sua configuração concreta, e mesmo no que concerne ao momento em que é realizado, permanece como fundamental o imperativo de proporcionar à contraparte a possibilidade de, razoavelmente, tomar conhecimento do clausulado. De todo o modo, já não se exige que o cliente venha efectivamente a conhecer as cláusulas contratuais gerais que estão na base do contrato. Na verdade, a imposição ao utilizador deste ónus de comunicação tem como correlato, do lado do aderente, a necessidade de adopção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível. Tal conduta é aferida segundo o critério abstracto da diligência comum, o que nos reconduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa. Ora, bem pode suceder que o comportamento do cliente não corresponda àquele padrão de diligência, pelo que se abre a possibilidade de este não vir a ter, de facto, conhecimento real das condições negociais gerais, que vão integrar, não obstante, o conteúdo do contrato singular. A esta necessidade de comunicar as condições gerais acresce, em certas situações, uma particular exigência de informação. Com efeito, o utilizador está obrigado a informar o seu parceiro contratual, de acordo com as circunstâncias, sobre determinados aspectos compreendidos nas condições gerais cuja aclaração se justifique. Com a consagração desta específica exigência de informar, há um reforço da ideia de tentar pôr à disposição da contraparte os elementos necessários à formação de uma decisão negocial responsável. Trata-se de uma projecção particular, ainda que com especificidades, do dever pré-contratual de esclarecimento, que a boa fé faz recair, em geral, sobre os contratantes, estando, assim, em perfeita sintonia com o preceito fundamental contido no artigo 227.º do Código Civil. O que se visa aqui é que o utilizador clarifique aqueles concretos pontos do regulamento contratual predisposto que postulem, nas particulares circunstâncias do caso, uma advertência suplementar, de forma a que a contraparte tome consciência do seu significado e alcance no quadro global do programa contratual. Saber quando é que se justifica, de facto, uma aclaração de certos aspectos do conteúdo regulativo predisposto, é sempre algo, todavia, que só poderá verdadeiramente dilucidar-se face ao condicionalismo da situação contratual em causa.». Cfr. Cláusulas Contratuais Gerais E Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, Almedina, 1999, a págs.22 e 190. De tudo decorre não existir qualquer incompatibilidade entre a prova das cláusulas do contrato, designadamente, a cláusula sobre as regras do preenchimento da livrança e a aposição da assinatura dos embargantes em seguida à declaração de que têm conhecimento e aceitam plenamente as condições particulares e gerais e, a consideração que o Recorrente não provou que as comunicou, como é seu dever. Na verdade, o que decorre da prova consignada nos autos é que no campo destinado às «Declarações do(s) Mutuário(s)», os embargantes declararam que tiveram conhecimento e aceitam plenamente as condições particulares e gerais constantes do contrato e que receberam um exemplar do mesmo. Conforme não pode deixar de considerar-se vista a factualidade assente, é verdade que os embargantes apuseram as suas assinaturas nos impressos dos contratos e em seguida à declaração de que tiveram conhecimento e aceitam as cláusulas. Porém, tal reconduz-se tão só a isso mesmo: a uma aposição de assinatura que não desobriga o proponente de provar que, efectivamente, cumpriu o seu dever de informação e esclarecimento e tal, não logrou a embargada provar. A simples entrega de um exemplar às partes não basta para se considerar tais deveres cumpridos. Assim sendo, e não tendo cumprido o ónus de provar tal comunicação, bem andou a 1ª instância quando concluiu que a embargada violou o disposto nos artigos 5º e 6º da LCCG. A cominação com que a lei sanciona a violação dos referidos deveres de informação e comunicação das cláusulas contratuais gerais é a de que tais cláusulas se consideram excluídas dos contratos celebrados, nos termos do disposto no artigo 8º, al. a), da LCCG. Consequentemente, não pode a embargante prevalecer-se das cláusulas gerais do contrato de mútuo celebrado, designadamente a cláusula atinente à emissão da livrança dada à execução, que é aquela que importa aqui para a decisão da causa. * - Do abuso de direito na modalidade «venire contra factum proprium» Porém, vejamos se podemos considerar, como aflora a recorrente em sede de alegações recursórias, que pretender a nulidade do contrato pelos fundamentos alegados constitui um verdadeiro venire contra factum proprium, na medida em que os Recorridos ainda utilizam o veículo, encontrando-se na sua posse. A este propósito cita-se o que se escreveu no ac. do STJ de 30.10.2007; «Na ponderação de saber se houve abuso do direito – art.º 334.º do Código Civil – excepção material de conhecimento oficioso – o Tribunal deve actuar com prudência quando se está perante uma relação de consumo, onde é patente a desigualdade de meios entre o fornecedor dos bens ou serviços e o consumidor, sendo de equacionar se, ao actuar como actuou, a autora, prevalecendo-se de superioridade negocial em relação a quem recorreu ao seu crédito, não infringiu ela mesmo, em termos censuráveis, os deveres cooperação, de lealdade, e informação, em suma os princípios da boa-fé». Preceitua o art.º 334º do CC que: «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito». Pelo que não é suficiente que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório daqueles valores. Mas, por outro lado, não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, isto é, não é necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, bastando que, na realidade (objectivamente), esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e clara, verificando-se assim, sem dúvidas, que o nosso Direito acolhe uma concepção objectiva do abuso do direito. Como refere Antunes Varela, «Para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder». Cfr. A.Varela, “Das Obrigações em Geral”, pág. 536. Para Manuel de Andrade, é necessário concluir-se que o direito é exercido «em termos clamorosamente ofensivos da justiça». Cfr., Manuel de Andrade, «Teoria Geral das Obrigações» p. 63. A figura do abuso de direito assenta, essencialmente, no princípio geral de que «as pessoas devem ter um certo comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros». Cfr. Coutinho de Abreu, in “Abuso de Direito”, pág. 55. Um dos comportamentos que tem sido apontado como variante do abuso de direito e que se vem evidenciando nos dias que correm, por violação manifestamente excessiva dos limites impostos pelo princípio basilar da boa-fé, é o denominado “venire contra factum proprium”. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in «Código Civil Anotado», vol. I, p. 299. Pode definir-se como o exercício de uma posição jurídica contrária ao comportamento anteriormente assumido e em que fundadamente a outra parte confiou. Na proibição do “venire contra factum proprium” abrange-se o chamado «dar o dito por não dito», e radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa-fé. A proibição de comportamentos contraditórios é de aceitar quando o venire contra factum proprium atinja proporções juridicamente intoleráveis, traduzido em chocante contradição com o comportamento anteriormente adoptado pelo titular do direito. A confiança digna de tutela deve ser objectivamente motivada, e é aquela que resulta de uma apreciação objectiva do conjunto dos actos e comportamentos das partes no quadro económico e social em que se desenvolve o processo de constituição e exercício das relações jurídicas entre elas. Essa confiança deve basear-se em conduta da outra parte que, objectivamente considerada, revele intenção de se vincular a determinado modo de agir futuro, e foi com base nessa conduta concludente que a contraparte criou expectativas legítimas, nela confiando e investindo, orientando a sua vida em conformidade. Assim contraria o princípio da boa-fé que alguém exerça um direito em contradição com conduta sua anteriormente assumida, frustrando as legítimas expectativas da outra parte que adquiriu convicção fundada de que aquele não viria a adoptar conduta contrária no futuro. «A confiança digna de tutela tem de radicar em algo de objectivo: numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura». Cfr. Baptista Machado, «Tutela da Confiança e venire contra factum proprium», in RLJ 118, p. 171. O mesmo autor, in “Obra Dispersa”, vol. I, p. 415 a 418, refere que o efeito jurídico próprio do instituto só se desencadeia quando se verificam três pressupostos: 1. Uma situação objectiva de confiança: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura; 2. Investimento na confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a confiança legítima vier a ser frustrada; 3. Boa-fé da contraparte que confiou: a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando de boa fé e tenha agido com cuidado e precaução usuais no tráfico jurídico. Em suma, o “venire contra factum proprium” traduz-se de um modo geral, na pretensão de alguém extinguir certa relação subjectiva, recorrendo ao direito de anular, resolver, revogar ou denunciar o negócio que lhe serviu de fonte, depois de fazer crer à parte contrária, por acção ou por omissão, que não iria exercer tal direito. Ora, é pela análise das circunstâncias do caso em apreço nos autos à luz do que acima se deixou consignado quanto ao instituto do abuso de direito, mais precisamente na sua modalidade de “venire contra factum proprium” que se poderá concluir se os executados ao alegarem a nulidade do contrato por violação por parte da exequente do dever de entrega de um exemplar do contrato ao consumidor no momento da respectiva assinatura, imposto pelo art.º 6º nº 1 do DL 359/91, de 21.09, (factualidade que não lograram provar) e a falta de comunicação e explicação do clausulado, estão ou não a agir em manifesto abuso de direito. É certo que provado ficou que durante o período de execução do contrato os embargantes nunca pediram esclarecimentos à embargada sobre o conteúdo do contrato assinado (facto provado nº9), porém, de superior relevância ficou provado que, os embargantes são de nacionalidade moldava e aquando da celebração do contrato referido em 1) não dominavam a língua portuguesa; (facto provado nº10). Resulta incontestável que na relação contratual estabelecida, os apelados são, incontestavelmente, a parte mais fraca e a mais desprotegida no contexto negocial em apreço, pelo que não se nos afigura poder afirmar que o comportamento dos mesmos seja clamorosamente violador das regras da boa-fé. Daí que deve improceder de igual modo esta conclusão do apelante. * Da inexequibilidade do título dado à execução No caso sob decisão, o contrato de crédito ao consumo visava a aquisição de um veículo automóvel, tendo sido emitida livrança em branco como garantia de pagamento da dívida. Tratando-se de título de crédito que ficou nas relações imediatas, a nulidade do contrato de crédito ao consumo é extensível ao contrato de emissão da livrança de acordo com o disposto no art.12º do Dec.Lei nº 359/91, de 21 de Setembro, em face da evidente colaboração entre o credor e o vendedor na fase de preparação ou na conclusão do contrato de crédito. Excluídas as cláusulas gerais do contrato, nelas se incluindo a condição geral 16ª que autorizava o preenchimento da livrança exequenda, este deixa de revestir validade para dispor de força executiva, não podendo, por isso, prosseguir a execução. Nos termos do art.º 77º da LULL, tal nulidade poderá ser oponível pelos embargantes à exequente, uma vez que o próprio negócio que subjaz à emissão da livrança é nulo: Inválido o contrato garantido, inválida será a livrança que visa garanti-lo. Como se anota no ac. da RL de 8.4.2008 «estando ferido de nulidade o contrato celebrado, a nulidade é extensível ao preenchimento da livrança, pois, … ao assinar uma livrança em branco, o embargante aderiu a uma obrigação que desconhecia, ficando o pacto de preenchimento sem qualquer suporte vinculativo». Cfr. Ac. Rel. Lisboa, disponível in, www.dgsi.pt. Sendo o contrato que subjaz ao preenchimento da livrança dada à execução nulo, é evidente que a exequente não dispõe de título executivo válido e eficaz contra os executados/embargantes. Em face do exposto, na improcedência da apelação, há que manter a decisão recorrida. * 4. Decisão: Em face do exposto, acordam os juízes que compõem a 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar o presente recurso de apelação improcedente por não provado e, consequentemente, decidem manter a decisão recorrida. Custas pela apelante. * Registe e Notifique. Lisboa, 22 de junho de 2023 Ana Paula Nunes Duarte Olivença Rui Pinheiro de Oliveira Teresa Prazeres Pais |