Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4603/05.9TTLSB.L1-4
Relator: HERMÍNIA MARQUES
Descritores: CRÉDITO DE HORAS NA ACTIVIDADE SINDICAL
FALTAS JUSTIFICADAS
PRÉMIO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/07/2009
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I – O tempo de ausência no posto de trabalho dos dirigentes e delegados sindicais, para o exercício das funções sindicais, dentro do crédito legal de horas, conta como tempo de serviço efectivo para todos os efeitos, inclusive remuneratórios, tudo se passando como se esses trabalhadores tivessem estado, durante esse tempo, no seu posto de trabalho exercendo as suas funções para a entidade patronal.
Assim, não pode o empregador efectuar quaisquer descontos referentes a esse tempo de ausência.

II – Viola o princípio constitucional da igualdade, o empregador que procede a descontos em montantes auferidos pelos dirigentes e delegados sindicais, com base nas ausência para o exercício das funções sindicais dentro do crédito legal de horas e não procede ao mesmo tipo de descontos nos montantes auferidos pelos membros da Comissão de Trabalhadores relativamente às ausências destes para o exercício das suas inerentes funções, também dentro do crédito legal de horas.

(sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
SINDICATO A…, instaurou no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção declarativa com processo comum, contra
B…, LDA., pedindo que seja declarado que o tempo de uso dos créditos de horas dos dirigentes e delegados do Sindicato autor, conta como tempo de serviço efectivo para todos os efeitos, nomeadamente os de processamento do cálculo da componente "Presentismo" do Prémio Trimestral a que se refere a "Síntese de Acordo” e, consequentemente, que a R. seja condenada a proceder ao apuramento e pagamento, aos seus trabalhadores que, desde 01/01/2000, tenham exercido cargos de dirigentes e/ou de delegados do Sindicato autor e, nessa qualidade, tenham feito uso dos respectivos créditos de horas, das importâncias correspondentes às diferenças entre os valores recebidos a título da componente "presentismo" do prémio trimestral e os que receberiam se as suas ausências dos respectivos postos de trabalho devidas ao uso daqueles créditos de horas, fossem contadas como tempo efectivo de trabalho.
Para tanto alegou, em síntese, que é uma associação sindical que representa os trabalhadores filiados que exerçam actividade profissional no sector de reparação de automóveis (além de outros sectores), no âmbito geográfico dos distritos indicados na sua denominação, sendo que a R. exerce a actividade de Comércio e Reparação de automóveis, no distrito de Lisboa e emprega cerca de 220 trabalhadores, dos quais mais de metade são associados do autor.
A retribuição paga pela R. aos seus trabalhadores compreende um "Prémio Trimestral", de valor variável, pago no trimestre seguinte àquele a que respeita e as regras que presidem à sua atribuição ou não, sempre foram gerais e abstractas, sendo aplicadas pela R. por igual a todos os trabalhadores ao seu serviço.
Em Março de 2000, a R. e a Comissão de Trabalhadores estabeleceram um novo regime no tocante à atribuição e montante daquele Prémio Trimestral.
Relativamente ao caso especifico das ausências devidas à actividade sindical dos Dirigentes e Delegados Sindicais, no âmbito dos "créditos de horas" que a lei lhes atribui, esse novo regime determina "pagamento proporcional do prémio", ou seja, redução do montante do prémio, proporcional à utilização que esses sindicalistas façam dos seus créditos de horas, não obstante as ausências devidas ao uso de "crédito de horas" dos membros da Comissão de Trabalhadores não originarem qualquer redução no montante do prémio.
Este novo regime e os casos da sua aplicação prática, são do conhecimento generalizado dos trabalhadores da R. e, por causa disso, é mais restrito o número dos trabalhadores que aceitam um mandato sindical como delegado ou como dirigente, o que dificulta e prejudica a actividade sindical do A. na empresa R..
O Prémio em causa é retribuição mas, mesmo quando não se lhe reconheça tal natureza, forçoso é convir tratar-se de um direito dos trabalhadores da Ré, já que as regras que o regem têm carácter geral e abstracto, independentemente de em cada mês ou trimestre os trabalhadores individualmente considerados preencherem os requisitos de atribuição daquela prestação pecuniária.
A noção de "crédito de horas" não se confunde com a de "Falta", ainda que "justificada", sendo o "crédito de horas" é um instituto que acautela o funcionamento da res publica nos moldes pretendidos pelo legislador. Por isso, o novo regime, na parte em discussão, é contrário à lei, e também por uma questão de igualdade, bulindo com um princípio constitucional.
Realizada a audiência de partes na qual as mesmas não lograram conciliar-se, contestou a R. nos termos de fls. 53 e segs., alegando, em síntese e no que importa em sede deste recurso, que a definição do artigo 249° do Código do Trabalho contraria a natureza retributiva do Prémio em causa e, se assim não fosse, maior a razão para a Ré não pagar, pois tal pagamento seria a contrapartida da não prestação de trabalho.
Também a greve, ou a dispensa para aleitação/amamentação, ou a licença por maternidade/parto, por exemplo, não configuram faltas e, no entanto, acarretam nos termos do regime acordado para a atribuição do prémio trimestral, uma redução do seu montante, não se vendo que em nenhuma destas situações, o A. considere ilegítima a actuação da R..
Não existe incumprimento lícito do dever de assiduidade.
A atribuição do prémio de presentismo não constitui uma "não sanção" para os não absentistas, por isso não pode, como faz o A., considerar-se que a sua não atribuição constitui uma penalização.
A noção de "presentismo" reflecte um enfoque empresarial, mas nada obrigava a R. a instituir e conceder este prémio, salvo que lhe reconheceu interesse, com vista à eficiência da sua organização produtiva.
A Lei não dispõe, nem quer dispor, sobre regimes mais favoráveis - e é o caso - que a entidade empregadora unilateralmente ou com o acordo dos trabalhadores, entende instituir.
Não foi consagrado um regime de igualdade ou paridade entre os membros das Comissões de Trabalhadores e os Delegados Sindicais, como resulta claramente dos correspondentes regimes legais.
Constitui manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprio, o trabalhador CF… vir, embora através de representante, reclamar direitos que reconheceu expressamente não ter, ao assinar livremente o acordo que consagrou o regime de prémios em vigor.
Oportunamente saneada, instruída e discutida a causa, veio a ser proferida a sentença de fls. 140 e segs., na qual se decidiu assim:
“Nos termos supra expostos, julgo a acção parcialmente procedente por provada e em consequência:
a) declaro que o tempo de uso dos créditos de horas dos Dirigentes e Delegados Sindicais do A. conta como tempo de serviço efectivo, para todos os efeitos, nomeadamente para os de processamento do cálculo da componente “Presentismo” do Prémio Trimestral a que se refere a “Síntese de Acordo Sobre o Prémio Trimestral entre a Gerência e Comissão de Trabalhadores da Renault Chelas, Ldª”;
b) declaro que as regras constantes de tal Síntese, na parte em que consideram as ausências, quando no uso dos seus créditos de horas, dos Dirigentes e Delegados do Sindicato A., dos seus postos de trabalho na Ré para efeitos de cálculo e pagamento da componente “Presentismo” do prémio trimestral proporcionalmente ao tempo de presença são contrárias à Lei e à Constituição da República Portuguesa, e que assim é desde Janeiro de 2000.
c) condeno a Ré a proceder ao apuramento e pagamento, aos seus trabalhadores que, desde 1.1.2000 tenham exercido cargos de dirigentes/e ou delegados do Sindicato A. - com excepção do trabalhador CF… - e que nessa qualidade tenham feito uso dos respectivos créditos de horas com observância das obrigações de comunicação nos moldes legalmente aplicáveis, das importâncias correspondentes às diferenças entre os valores auferidos a título da componente “Presentismo” do prémio trimestral e os que aufeririam se as suas ausências dos seus postos de trabalho, devidas a esse uso, fossem contadas como tempo efectivo de trabalho.
d) condeno a Ré em custas.”

Inconformada com esta sentença, dela veio a Ré interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
A) Analisando-se o regime de prémios instituído pela R., com o acordo da Comissão de Trabalhadores, nada permite concluir que foi sua intenção constranger os trabalhadores à não aceitação de cargos sindicais.
B) A atribuição do prémio de "presentismo", numa empresa que factura por hora de trabalho efectivo, tem como objectivo uma melhoria de resultados, um aumento de facturação que permite o pagamento de um prémio adicional.

C) Ficcionar uma presença quando ela não existe não conduz a esse resultado.
D) A diferenciação no tratamento, em relação ao prémio, dos representantes sindicais e dos membros da Comissão de Trabalhadores, não é inconstitucional, como resulta do próprio tratamento diferencial que a lei ordinária lhes dá. E justifica-se, porquanto é de presumir que os membros das comissões de trabalhadores, quando utilizam os seus créditos de horas, estão ainda a contribuir (desejavelmente) para uma melhoria da produtividade da empresa, por forma directa ou indirecta, enquanto que a relação dos representantes sindicais é com um universo consideravelmente mais alargado.

Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso e revogada a sentença recorrida, decidindo-se a absolvição da Ré/Recorrente.

O sindicato autor contra-alegou nos termos de fls. 166 e sgs., onde termina defendendo que a sentença recorrida deve ser mantida, por ter feito uma correcta aplicação do direito ao caso sub judice.
O Digno Procurador-Geral adjunto nesta Relação emitiu o seu parecer nos termos de fls. 189.
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Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II – QESTÕES A CONHECER
Definindo-se o âmbito do recurso pelas conclusões das suas alegações (artºs 684°, n°3, e 690°, n° 1, do CPC, “ex vi” do art. 1º nº 2, al. a) do CPT), a única questão que, em bom rigor, se coloca, consistem saber se é lícita a actuação da R. ao descontar na componente designada “Presentismo” do Prémio Trimestral, o montante proporcional ao tempo do crédito de horas utilizado pelos dirigentes e delegados sindicais, na sua actividade sindical.
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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na decisão recorrida considerou-se provada a seguinte factualidade, não objecto de impugnação, que aqui se acolhe:

1º O Autor é uma associação sindical, com últimos estatutos publicados no BTE, lª Série, nº 44, de 29.11.2000, a págs. 3347 e segs. (anteriores estatutos no BTE, 3a Série, nº 24, de 30.12.96, a págs. 914 e segs.).

2° Tem como âmbito pessoal a representação sindical dos trabalhadores filiados que exerçam actividade profissional no sector de reparação de automóveis (além do sector da metalurgia e outras indústrias transformadoras), e âmbito geográfico os distritos indicados na sua denominação.

3° A Ré exerce a actividade de Comércio e Reparação de automóveis, no distrito de Lisboa.
4° E emprega cerca de 220 trabalhadores, dos quais mais de metade são associados do Autor.

5° A Ré é associada da ANECRA.

6° O A. é filiado na Federação Intersindical da Metalurgia, Metalomecânica, Minas, Química, Farmacêutica, Petróleo e Gás.

7° A retribuição paga pela R. aos trabalhadores ao seu serviço compreende um "Prémio Trimestral”, de valor variável, pago no trimestre seguinte àquele a que respeita.

8° As regras que presidem à atribuição ou não-atribuição do prémio trimestral sempre foram gerais e abstractas, sendo aplicadas pela R., por igual, a todos os trabalhadores ao seu serviço.

9° Os trabalhadores da R. constituíram, nos moldes legais, uma Comissão de Trabalhadores.
10° Em Março de 2000, a R. e a Comissão de Trabalhadores estabeleceram novo regime, para substituição do que anteriormente vigorava, no tocante à atribuição e montante do Prémio Trimestral.

11° As regras, então estabelecidas, constam da "Síntese de Acordo Sobre o Prémio Trimestral entre a Gerência e Comissão de Trabalhadores da Renault Cheias, Lda.," então emitida, cuja reprodução constitui o documento nº 1 com a PI, que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

12° Desde então, a R. vem aplicando essas regras.

13° A R. tem ao seu serviço, entre outros, os trabalhadores JJ… e CF….
14° Desde Janeiro de 2004, ambos os trabalhadores referidos no número anterior fazem parte da Comissão de Trabalhadores da Ré e têm usado dos "créditos de horas" que a Lei lhes confere para essas funções.

15° Embora ambos sejam associados do Sindicato A., o JJ… não é dirigente nem delegado sindical e não dispõe de, nem utiliza, crédito de horas para funções sindicais, ao passo que o CF… é dirigente sindical e, nessa qualidade, usa do crédito de horas que a lei lhe confere para essas funções.

16° A Ré processou e pagou, aos referidos trabalhadores, prémios de presentismo com os seguintes valores, referenciados aos meses que se discriminam:
(…)

17º No ano de 2004, com excepção dos meses de Junho e Outubro, em que também faltou por doença, a diminuição sofrida pelo trabalhador CF… no cálculo dos prémios de presentismo deve-se à circunstancia de ter utilizado, em maior ou menor grau, os créditos de horas de que dispõe para a sua actividade sindical.

18° CF… usou, em 2004, um total de 162,7 horas do "crédito" de que dispunha para funções no âmbito da C.T.; e usou um total de 150,30 horas do crédito de que dispunha para funções de Dirigente Sindical, conforme resulta das Fichas de Absentismo que constituem os docs. 11 a 20 com a PI, aqui dados por integralmente reproduzidos.

19° Os dois valores são semelhantes mas essa semelhança acentua precisamente o facto de que a diferença de tratamento entre o uso de um crédito e outro crédito não radica em aspectos quantitativos, objectivos, mas em aspectos qualitativos: a actividade da CT goza de tratamento diferente do que é dado à actividade sindical.

20° No ano de 2004 o trabalhador JJ… usou do "crédito de horas" de que dispunha como membro da CT, em moldes análogos aos seguidos pelo CF….

21° mas tal não determinou diminuição nos prémios por si auferidos: as pequenas diminuições ocorridas nos processamentos dos meses de Março, Abril e Novembro devem-se a outras incidências (adesão a greve, outras ausências).

22° As regras da “Síntese de Acordo sobre o Prémio Trimestral entre a Gerência e a Comissão de Trabalhadores da Renault Chelas Ldª” e a respectiva praxis são do conhecimento generalizado dos trabalhadores da R.

23° Quem for eleito dirigente, ou delegado sindical, se tiver o espírito cívico de cumprir o seu mandato como deve ser, necessita de usar o "crédito"; e se o fizer, é diminuído no "prémio"; já se estiver em causa mandato na CT, a diminuição no "prémio de presentismo" não ocorrerá.

24º O acordo subscrito em 17 de Março de 2000 - e que constitui o doc. nº 1 junto com a p.i. - foi subscrito, em representação da Comissão de Trabalhadores, precisamente pelo trabalhador CF…, simultaneamente dirigente sindical.

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III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como supra referimos, a questão que se coloca nesta apelação, consiste em saber se é lícita a actuação da R. ao descontar na componente “presentismo” do prémio trimestral, o montante proporcional ao tempo do crédito de horas utilizado pelos seus trabalhadores que são dirigentes e delegados sindicais, na sua actividade sindical.
Vejamos:
Os descontos efectuados pela R. naquele prémio tiveram por fundamento as ausências do local de trabalho, nos períodos de exercício das funções de dirigentes e delegados sindicais.
O exercício da actividade sindical por parte dos trabalhadores por conta de outrem, era anteriormente regulado pela designada Lei Sindical – Lei nº 215/B/75 de 30 de Abril, ainda aplicável a estes autos atenta a data dos factos que decorrem desde Março de 2000 (facto 9º e segs.).
O art. 22º dessa Lei, estabelecia o seguinte:
“1. As faltas dadas pelos membros da direcção das associações sindicais para desempenho das suas funções consideram-se faltas justificadas e contam para todos os efeitos, menos o da remuneração, como tempo de serviço efectivo.
2. Para o exercício das suas funções cada membro da direcção beneficia do crédito de quatro dias por mês, mantendo o direito à retribuição.
3. (…).”
Esta “Lei Sindical” foi expressamente revogada pelo art. 21º, nº 2, al. a) da Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto, que aprovou o CT de 2003, passando aquela matéria a ser regulada nos arts. 451º e seguintes desse código.
Concretamente as faltas dos trabalhadores para o exercício de funções sindicais, são previstas no art. 455º desse código, que no seu nº 1 estabelece:
“As ausências dos trabalhadores eleitos para as estruturas de representação colectiva no desempenho das suas funções e que excedam o crédito de horas consideram-se faltas justificadas e contam, salvo para efeitos de remuneração, como tempo de serviço efectivo”.

Enquanto naquele primeiro diploma legal se falava em faltas, no segundo fala-se em ausências.
No mais, a redacção daqueles dois preceitos é bastante idêntica.
De ambos os preceitos resulta que, uma coisa é o tempo de não permanência do trabalhador no seu posto de trabalho por estar a desempenhar as suas funções sindicais, dentro do crédito de horas que a lei lhe concede, e outra coisa é a ausência para além desse crédito legal de horas, para desempenhar funções sindicais.
O que resulta daqueles preceitos é que o tempo de ausência compreendido no crédito de horas conta como tempo de serviço efectivo para todos os efeitos, inclusive para efeitos de retribuição.
Já as ausências que excedam esse crédito de horas, embora se considerem faltas justificadas e contem como tempo de serviço efectivo, não contam para efeitos de retribuição, pois a própria lei assim estabelece.
Portanto, para efeitos remuneratórios, há que ter em conta, em cada caso concreto, se o tempo de ausência está ou não dentro do crédito de horas legalmente concedido para o exercício da actividade sindical.
Se está compreendido nesse crédito de horas, a entidade patronal tem que remunerar o trabalhador nos precisos termos em que o faria se a ausência nunca tivesse ocorrido.
Consequentemente, não pode descontar-lhe quaisquer montantes, por virtude dessa ausência.
É isso que igualmente resulta do preceituado no nº 2 do art. 454º do CT, onde se estabelece: ”O crédito de horas é referido ao período normal de trabalho e conta como tempo de serviço efectivo”.
A redacção desse preceito do CT é muito semelhante à redacção do nº 2 art. 32º da Lei Sindical que dizia “O crédito de horas atribuído no número anterior é referido ao período normal de trabalho e conta, para todos os efeitos, como tempo de serviço efectivo”.
Estes dois últimos preceitos acentuam que, desde que esteja compreendido dentro do crédito de horas legalmente concedido, o tempo gasto no exercício das funções sindicais, conta, para todos os efeitos, como tempo de serviço efectivo.
Assim, o saber se o prémio em questão neste processo, integra o conceito de retribuição, realçado pela recorrente na primeira instância, acaba por ser uma falsa questão, pois não é isso que está em causa.
O que se retira dos preceitos legais supra citados, quer no âmbito de vigência da Lei Sindical, quer já no âmbito de vigência do CT de 2003, é que, desde que as funções sindicais sejam exercidas dentro do crédito legal de horas (a R. nunca pôs isso em causa no caso destes autos), elas podem ter lugar durante o período normal de trabalho e o tempo gasto, conta como tempo de serviço efectivo, para todos os efeitos, inclusive para efeitos remuneratórios, ou seja, tudo se passa como se o trabalhador estivesse, durante aquele período de tempo, a exercer funções no seu posto de trabalho, para a sua entidade patronal.
Ora, se assim é, a entidade patronal não pode efectuar qualquer desconto nos montantes auferidos pelo trabalhador, seja a que título for, com o argumento de que ele esteve ausente do serviço durante aqueles períodos de exercício da actividade sindical.
Embora o trabalhador não esteja fisicamente no seu posto de trabalho nesses períodos de tempo, por força daqueles preceitos legais, tais períodos contam como tempo de serviço efectivo para todos os efeitos, inclusive remuneratórios.
Assim e por força dos supra citados preceitos legais, o trabalhador tem direito a receber tudo aquilo que receberia se durante esse tempo tivesse estado no seu posto de trabalho, exercendo as suas funções laborais para a entidade patronal.
E isto bem se compreende. Na verdade, entre os princípios basilares das relações contratuais laborais, avulta o da proibição de descriminação, consagrado nos arts. 23º e 453º do CT de 2003, nomeadamente em função da filiação sindical, tendo este também consagração constitucional, como resulta do art. 55º da CRP, em cujo nº 2, al. d), se estabelece que no exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer descriminação, designadamente, o direito ao exercício de actividade sindical na empresa.
Para assegurar o exercício desse direito, sem quaisquer constrangimentos, a lei ordinária estabelece uma especial protecção aos trabalhadores com funções sindicais.
É nesse âmbito que se inserem as normas referentes à concessão de um crédito de horas para o exercício das funções sindicais – arts. 22º nº 2 e nº 1 do art. 32º da Lei Sindical e o arts. 454º, 504º e 505º do CT de 2003.
E é também esse objectivo que preside aos supra citados nº 2 do art. 23º da Lei Sindical e nº 2 do art. 454º do CT de 2003, ao estabelecerem que aquele crédito de horas se refere ao período normal de trabalho e conta como tempo de serviço efectivo.
Ora, se é tempo de serviço efectivo, o trabalhador tem direito a receber integralmente tudo o que receberia se tivesse estado, efectivamente, a desempenhar as suas funções para a entidade patronal durante aquele período, não podendo esta descontar-lhe seja o que for, com a alegação de que ele esteve ausente do serviço.
Feito este enquadramento daquela questão em apreço, analisemos agora o caso concreto destes autos.
Está assente que a R. paga aos seus trabalhadores um prémio trimestral, de valor variável, com uma componente designada “Presentismo”, pago no trimestre seguinte àquele a que respeita, sendo que as regras que presidem à atribuição desse prémio sempre foram gerais e abstractas, ou seja, a R. sempre as aplicou de forma igual a todos os seus trabalhadores.
Está igualmente assente que, em Março de 2000 foi constituída na empresa ré uma Comissão de Trabalhadores e esta estabeleceu com a R. um novo regime, para substituição do que até aí vigorava, no tocante à atribuição e montante daquele prémio trimestral.
Esse novo regime, que a R. vem aplicando desde então, consta da "Síntese de Acordo Sobre o Prémio Trimestral entre a Gerência e Comissão de Trabalhadores da B…, Lda.," que integra o documento nº 1, junto a fls. 21 destes autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
Nesse documento descrevem-se os tipos de ausências no posto de trabalho que não dão lugar ao desconto proporcional naquele prémio e as que dão lugar a esse desconto.
Entre as primeiras conta-se o tempo gasto pelos membros das Comissões e Sub-Comissões de Trabalhadores, dentro do seu crédito legal de horas e entre as segundas conta-se o tempo gasto pelos dirigentes e delegados sindicais dentro do crédito legal de horas (fls. 22 dos autos).
Ou seja:
Na sequência daquele acordo com a comissão de trabalhadores, a R. passou a descontar na componente “Presentismo” do prémio em causa, o montante proporcional ao tempo de ausência dos trabalhadores dirigentes e delegados sindicais, dentro do crédito de horas legalmente concedido, utilizado pelos mesmos nas suas actividades sindicais, ao passo que o não desconta aos membros da Comissão e Sub-Comissão de trabalhadores.
Na primeira instância, defendeu a R. que podia efectuar aquele desconto relativamente aos dirigentes e delegados sindicais, em virtude de o prémio “presentismo” não fazer parte da retribuição, sendo antes uma simples atribuição sua, com enfoque empresarial para aumentar a produtividade.
Na sentença recorrida não se entendeu assim e, pelas razões nela expendidas, concluiu-se que aquele prémio tem a natureza de retribuição, integrando um direito dos trabalhadores e aplicando-se-lhe todas as regras relativas à retribuição, nomeadamente, o princípio constitucional da igualdade, com manifesto reflexo no princípio “a trabalho igual, salário igual” ou, neste caso, a condições de trabalho igual salário igual.
Nesta apelação a R. “deixou cair” a questão de aquele prémio não integrar a retribuição, pois não veio pôr em causa aquele entendimento vazado na sentença recorrida, pelo que não cabe, aqui e agora, tecermos maiores considerações sobre esse aspecto.
O que a R. vem dizer em sede de recurso, é que:
- do regime instituído por si e pela comissão de trabalhadores no acordo em causa, nada permite concluir que foi sua intenção constranger os trabalhadores a não aceitarem cargos sindicais;
- a atribuição do prémio “presentismo”, numa empresa que factura por hora de trabalho efectivo, tem como objectivo uma melhoria de resultados e um aumento de facturação e o ficcionar uma presença quando ela não existe não conduz a esse resultado;
- a diferença de tratamento dos representantes sindicais e dos membros da comissão de trabalhadores, relativamente ao pagamento daquele prémio não é inconstitucional como resulta do tratamento diferencial que a lei ordinária lhes dá e justifica-se porquanto é de presumir que os membros das comissões de trabalhadores, quando utilizam o seu crédito de horas, estão ainda a contribuir para uma melhoria da produtividade da empresa, enquanto que a relação dos representantes sindicais é com um universo consideravelmente mais alargado.

Relativamente ao primeiro daqueles aspectos, não importa que a R. haja ou não tido a intenção de constranger os trabalhadores a não aceitarem cargos sindicais.
Com intenção ou sem ela, fácil é de compreender que, ao descontar no prémio em questão, o montante correspondente ao tempo de ausência dos dirigentes e delegados sindicais, para o exercício da actividade sindical dentro do crédito de horas que a lei lhes concede, a R. não está a incentivar a aceitação daqueles cargos, tanto mais quanto é certo, que não procede a esse tipo de desconto relativamente às ausência dos membros da Comissão de Trabalhadores em idênticas circunstâncias.
Há que ter em conta que a própria C.R.P. estabelece no seu art. 54º, nº 4 que os membros das comissões gozam da protecção legal reconhecida aos delegados sindicais e o art. 55º, nº 6 dispõe que “Os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à (…) protecção legal adequada contra qualquer formas de condicionamento ou limitação do exercício legítimo das suas funções”
Seja como for, o que importa é saber se a R. podia efectuar aquele desconto no prémio em causa relativamente aos dirigentes e delegados sindicais.
Não colocando já a tónica na questão de aquele prémio integrar ou não a retribuição (o que sempre seria uma falsa questão como já acima fizemos referência pelas razões apontadas), diz a recorrente que tal prémio tem como objectivo a melhoria dos resultados da empresa e o aumento da sua facturação e que o ficcionar uma presença quando ela não existe, não conduz a esse resultado.
Ora, uma coisa são os objectivos que a empresa se propõe e outra, bem diversa, são os direitos dos trabalhadores que não podem ser sacrificados a esses objectivos da entidade patronal.
E a verdade é que é a própria lei que ficciona como presença, determinado tipo de ausências.
Entre essas situações conta-se, precisamente, a dos representantes dos trabalhadores, estabelecendo o art. 454º do CT de 2003, já supra citado que:
“1 – Beneficiam de crédito de horas, nos termos previstos neste Código, os trabalhadores eleitos para as estruturas de representação colectiva.
2 – O crédito de horas é referido ao período normal de trabalho e conta como tempo de serviço efectivo.”

Assim, satisfaçam ou não os objectivos da empresa, aquelas ausências contam, por força da lei, como tempo de serviço efectivo, sem qualquer dúvida.
Aliás, a própria R., no acordo que fez em 2000 com a Comissão de Trabalhadores, (doc de fls. 21), ficcionou como presenças determinada ausência, ao dizer que, para efeitos de pagamento daquele prémio presentismo “… não se consideram as seguintes ausências no posto de trabalho:”, enumerando depois diversas situações como sejam formação profissional, férias, participação em plenários, tolerância de ponto, tempo gasto pelas CT e Sub-CT nas reuniões com ROC’s, actividade dos elementos das CT e Sub-CT’s dentro dos limites legais, etc.
Ora, se nesses casos a própria R. ficciona como presenças aquelas ausências para efeitos de atribuição integral daquele prémio trimestral, cai pela base o argumento de que isso não pode ser feito relativamente aos dirigentes e delegados sindicais. Efectivamente, nenhum daquele tipo de ausências contribui, claro está, para a melhoria dos resultados da empresa, ou para o aumento da facturação.
Mas, se naqueles outros casos isso não impede a atribuição da totalidade do prémio, por que razão havia de impedir no caso dos dirigentes e delegados sindicais?
A questão é tanto mais chocante quanto a situação de ausência dos delegados e dirigentes sindicais é em tudo idêntica à ausência dos membros da Comissão de Trabalhadores, quando uns e outros utilizem os seus créditos de horas para o exercícios das funções inerentes aqueles respectivos cargos.
Ora, se a R. não desconta no prémio em causa, as ausências dos membros da Comissão de Trabalhadores, por que razão há-de descontar as ausências dos dirigentes e delegados sindicais?
Na sentença recorrida entendeu-se e bem, que esta prática da R. viola o princípio constitucional da igualdade, concretamente, o princípio de a trabalhão igual, salário igual ou, mais rigorosamente, a condições de trabalho igual, salário igual.
Vem a recorrente dizer na conclusão D) que a diferença de tratamento por si concedida aos membros da Comissão de Trabalhadores por um lado e aos dirigentes e delegados sindicais por outro, não é inconstitucional porque a lei ordinário lhes dá um tratamento diferenciado.
Acontece que isto integra uma afirmação meramente conclusiva já que a recorrente não a fundamenta, ou seja, não refere as normas da lei ordinária que, em seu entender, tratam diferentemente os membros das CT e os delegados e dirigentes sindicais para os efeitos em questão nestes autos, de modo a justificar aquela diferença de tratamento praticada pela R..
E a verdade é que em diversos preceitos já supra citados, v. g. os arts. 454º e 455º do CT, a lei ordinária, no aspecto que ora nos ocupa, trata aquelas realidade de forma igual, sendo que as especificidades que a lei estabelece noutros aspectos, não justificam aquela conduta discriminatória da R..
E a própria Constituição da República reconhece serem idênticas aquelas situações ao estabelece no seu art. 54º nº 4, que “Os membros das comissões gozam da protecção legal reconhecida aos delegados sindicais.”
Diz a recorrente ainda naquela mesma conclusão D), que o diferente tratamento que confere aos membros da CT e aos delegados e dirigentes sindicais, relativamente ao pagamento do prémio em questão “… justifica-se porquanto é de presumir que os membros das comissões de trabalhadores, quando utilizam os seus créditos de horas, estão ainda a contribuir (desejavelmente) para uma melhoria da produtividade da empresa, por forma directa ou indirecta, enquanto que a relação dos representantes sindicais é com um universo consideravelmente mais alargado”.
Salvo o devido respeito, está longe de ser claro o que a recorrente pretende dizer no parágrafo aqui transcrito.
Efectivamente, não vislumbramos em que termos é que os membros das Comissões de Trabalhadores, quando utilizam os seus créditos de horas estando ausentes dos seus postos de trabalho, contribuem para a produtividade da empresa.
Não é o facto de o universo de pessoas com quem contactam nessas alturas, ser eventualmente, menos alargado do que o dos delegados sindicais, que tem algo a ver com a produtividade da empresa.
Nem uns nem outros estão no seu posto de trabalho a exercer as suas normais funções laborais, nesses períodos de tempo em que exercem as suas funções de representantes dos trabalhadores, dentro do crédito de horas que a lei lhes concede para o efeito.
Assim, nesses períodos de tempo, nem os membros da CT, nem os delegados ou dirigentes sindicais, contribuem para a melhoria da produtividade ou para o aumento da facturação da empresa, pelo que não é por aí que a recorrente pode pretender justificar aquela sua diferente actuação.
E a verdade é que tal actuação não tem qualquer fundamento ou justificação válida, como concluímos de tudo o que supra exposto fica.

Improcedem, assim, todas as conclusões de recurso.
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IV - DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento à apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela ré/recorrente.
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Lisboa, 07/10/2009

Hermínia Marques
Isabel Tapadinhas
Natalino Bolas (vencido conforme voto que junto)

DECLARAÇÃO DE VOTO

Voto de vencido:
A questão fulcral do recurso consiste em saber, ao fim e ao cabo, se o regime sobre o direito ao prémio trimestral de “Presentismo” acordado entre a empresa e a comissão de trabalhadores em 2000 viola a lei ou a Constituição, na medida em que atribui efeitos às faltas dadas pelos delegados e dirigentes sindicais no exercício de funções sindicais – diminuindo o montante do prémio de “presentismo” na proporção da ausência – e não tem qualquer consequência nesse montante se as faltas forem dadas por membros da comissão de trabalhadores no exercício do seu mandato.
Entendo que, tratando-se de prémio que a entidade empregadora quer conceder, certamente com intuito de estimular a produção através da assiduidade, nada na lei impede que determine (no caso dos autos, acorde com a comissão de trabalhadores) os termos do direito a esse prémio.
E entendo não violar qualquer norma legal ou constitucional fazer-se a distinção, para efeitos de atribuição do prémio de “presentismo”, entre as faltas dadas por delegados ou dirigentes sindicais no exercício das suas funções, por um lado, e faltas dadas por membros da comissão de trabalhadores também no exercício das suas funções, tendo em conta que a lei atribui a estes, no exercício das suas funções, poderes vários com a finalidade de contribuir para a melhoria da actividade da empresa em causa (cfr. art.ºs 359.º e 360.º da Lei 35/2004 de 29.07, que regulamentou o Código do Trabalho de 2003).
O exercício das funções de um dirigente sindical, versus, membro da comissão de trabalhadores pode, em termos de estímulo à produção, conduzir a resultados que justifiquem plenamente o tratamento diferenciado na atribuição de prémio de presentismo a estes sem que isso viole qualquer norma constitucional – aliás, tal como a própria lei os distingue, por exemplo, quanto ao número de horas concedidas para o exercício dessas funções, sem que se ponha a questão de qualquer tratamento violador de normas constitucionais (cfr. art.º 467.º do CT de 2003 – actual 422.º - e 504.º do CT de 2003 – actual art.º 467.º);
A cláusula do acordo lavrado entre a entidade empregadora e a comissão de trabalhadores não tem como finalidade prejudicar o direito ao prémio dos delegados e dirigentes sindicais, mas, antes, premiar quem, com a sua presença, mais pode contribuir para a melhoria da produção da empresa.
Não se trata, aqui, de efectuar um “desconto” na retribuição por virtude da ausência mas, antes, “não premiar” essa ausência.
Transpomos, mutatis mutandis, para o caso dos autos, os fundamentos que Pedro Romano Martinez e outros, in “Código do Trabalho Anotado”, 2003, pág. 352, aduz no que se refere à majoração do direito a férias em relação a outras situações em que a lei determina que as ausências ao serviço são havidas como prestação efectiva de serviço.
Diz o referido autor:
“É certo que, em regra, as situações [de licenças, dispensas e ausências] são havidas como «prestação efectiva de serviço» (cfr., por exemplo, o n.º 1 do artigo 50.º e o n.º 2 do artigo 454.º). Porém, a norma em anotação trata não de prejudicar a duração das férias por causa da falta de assiduidade, mas de premiar em dias de férias um grau elevado de assiduidade. Esta consubstancia-se na comparência do trabalhador ao serviço, exigindo dele, por isso, uma prestação de facto, uma realização, para a qual não basta a equiparação jurídica da ausência à não ausência, como acontece com as dispensas que contam como se de tempo de serviço efectivo se tratasse”.
Quando a lei estabelece que as funções sindicais são tidas em conta como tempo de serviço efectivo, para todos os efeitos, quer dizer que, por via dessas funções, os delegados ou dirigentes sindicais não podem ser prejudicados pelas ausências, mas não lhes permite reivindicar prémios que dependam da presença na empresa, fazendo uma equiparação jurídica da ausência à não ausência.
Por tais motivos, daria provimento ao recurso.

Lisboa, 07 de Outubro de 2009


NATALINO BOLAS