Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2305/24.6T8FNC-D.L1-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: INSOLVÊNCIA
GARANTIA REAL
LEGITIMIDADE ACTIVA
SUSPENSÃO DO PAGAMENTO
SOLVABILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/26/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O facto de o crédito do requerente beneficiar de garantias reais e de penhoras sobre imóveis não o impede de requerer a insolvência do devedor, ainda que os bens objeto daquelas garantias e penhoras tenham valor de mercado ou de liquidação superior ao valor do seu crédito.
II – A legitimidade que pelo art.º 20º do CIRE é reconhecida a qualquer credor, ainda que condicional, e qualquer que seja a natureza do seu crédito para pedir a declaração da insolvência dos seus devedores que se encontrem nessa situação, cumpre o interesse de natureza particular do credor e, simultaneamente, tutela interesses de natureza pública, de ordem social e económica, sem que imponha ao credor a excussão da ação executiva singular.
III - A demonstração da situação de insolvência não passa pela efetiva demonstração da impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a totalidade das suas obrigações; basta a demonstração de factos indiciadores que, de acordo com a valoração do legislador, constituem manifestação daquela impossibilidade.
IV - A presunção de situação de insolvência prevista pela al. a) do nº 1 do art.º 20º do CIRE pressupõe uma paralisação no cumprimento que abrange a generalidade das obrigações vencidas do devedor, o que ocorre quando abrange a diversidade de relações jurídicas que uma sociedade comercial em atividade estabelece com os seus stakeholders (trabalhadores, Estado, e fornecedores de bens, serviços e crédito).
V - A presunção de insolvência prevista pela al. b) pode bastar-se com o incumprimento/mora no cumprimento de uma só obrigação vencida, desde que acompanhado de concretas circunstâncias que revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações vencidas.
VI - A presunção de situação de insolvência prevista pela al h) não exige que a demonstração do atraso superior a 9 meses no cumprimento do dever de prestação e do depósito das contas seja acompanhado da demonstração de outros factos reveladores da impossibilidade de pagamento pontual das dívidas vencidas.
VII - Os factos índices da insolvabilidade não resultam infirmados pela existência de bens na titularidade do devedor, ainda que o seu valor seja superior ao passivo pois, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, esse facto só releva se ilustrar uma situação de viabilidade financeira, o que passa pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento.
VIII - A existência de ativo superior ao passivo não constitui pressuposto legal de solvabilidade pois, ainda que assim suceda, o devedor está insolvente se, por ausência de liquidez, estiver impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
(Da responsabilidade da relatora, cfr. art.º 663º, nº 7 do CPC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I - Relatório
1.  Ar…, SA instaurou ação especial de insolvência contra I…, S.A. matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Madeira sob o NIPC …, pedindo seja declarada insolvente.
Em fundamento do pedido alegou que: por contrato de cessão de créditos que em 02.04.2020 celebrou com o Novo Banco adquiriu os créditos por este detidos sobre a requerida emergentes de contrato de mutuo com hipoteca celebrado em 29.10.2014 pelo montante de €2.100.000,00 com hipoteca constituída sobre imóveis de A…, SA, sociedade do grupo IM…, e livrança em branco avalizada pelo presidente do conselho de administração da requerida, a reembolsar em prestações no prazo de 60 meses, mas das quais até 2018 a requerida apenas pagou 9, tendo então sido objeto de reestruturação em fevereiro de 2018, com constituição de novas hipotecas sobre frações da A… em aparthotel sito em Albufeira, cifrando-se o valor então em dívida em €2.198.392,47 (capital, juros remuneratórios, juros de mora, e imposto), acordado reembolsar em prestações entre janeiro de 2020 e 2029, mas das quais a requerida apenas pagou duas (vencidas em janeiro e fevereiro de 2020); findo o período da moratória legal, a partir de abril de 2021 e apesar das várias interpelações para pagamento das prestações de juros mensais, a requerida pagou apenas a vencida em maio, e no fim de junho de 2021, nada mais tendo pago; em abril de 2021 instaurou procedimento cautelar de arresto contra o avalista, que foi decretado por sentença de 06.10.2021, e em 01.10.2021 interpelou-o para proceder ao pagamento das quantias em dívida pela requerida sob pena do vencimento antecipado de todas as prestações, que a requerente veio a declarar por carta de 11.10.2021, com nova interpelação da requerida, do avalista e da A… para procederem ao pagamento integral da dívida; em 17.12.2021 celebrou acordo de reconhecimento de dívida e reembolso com a requerida, o avalista, a A…, e a M…, SA, sociedade do grupo IM…, pelo qual estes três últimos constituíram novas hipotecas para garantia do crédito da requerente, e a requerida e o avalista declaram reconhecer ser devedores à requerente do montante de €2.246.559,28 e acordaram no seu pagamento até ao dia 15.11.2022 acrescido de juros à taxa Euribor e de 4% ao ano até integral pagamento, data até à qual só foram pagas prestações no montante total de €226.000,00 e feito o pagamento de €171.000,00 emergente da venda do imóvel da M...; por aditamento de 16.01.2023, as partes daquele acordo alteraram para 15.05.2023 a data para reembolso final, a requerida e o avalista reconheceram ser devedores do montante de €1.946.794,08 acrescido de juros à taxa Euribor e de 4% ao ano até integral pagamento e acordaram que a falta de conclusão definitiva da venda de imóvel dado de hipoteca pelo avalista até ao dia 17.01.2023 – data para a qual estava designada a celebração de escritura de compra e venda do mesmo e que determinou que a requerente aceitasse o aditamento ao acordo de 15.11.2022 - constituiria situação de incumprimento e de vencimento antecipado da totalidade das obrigações decorrentes do acordo; aquele imóvel não foi vendido, e a requerida liquidou prestações de capital no montante total de €51.000,00; em 23.03.2023 a Polícia Judiciária comunicou a detenção de várias pessoas por suspeitas de crimes relacionados com o grupo IM... ali descritos como plano para, além do mais, ocultar a dissipação de património em prejuízo de credores, num montante total de cerca de €100M, e no âmbito do correspetivo inquérito foi decretado o arresto preventivo dos bens do avalista J., o que compromete a venda dos imóveis hipotecados a favor do crédito da requerente e inviabiliza a recuperação do seu crédito por essa via; por carta de 24.03.2023 a requerente declarou o vencimento antecipado da totalidade das obrigações decorrentes do acordo e em 06.04.2023 instaurou processo de insolvência contra a requerida e ação executiva contra a A... para execução das hipotecas e, na pendência destes processos e com vista à desistência do processo de insolvência pela requerente, a requerida propôs e em 13.07.2023 foi celebrado novo acordo de reconhecimento de dívida, reembolso e pagamento em prestações entre a requerente e A..., pelo qual esta se confessou devedora e assumiu como principal pagadora dos créditos da requerente sobre a requerida, então no montante total de €1.982.405,63, a pagar até ao dia 31.12.2024 em prestações mensais e sucessivas de €40.000,00, pelo produto da venda das 18 frações objeto da hipoteca no âmbito da execução, e pela liquidação do remanescente até àquela data (31.12.2024); a requerente apresentou desistência no processo de insolvência, que foi homologada e, no âmbito desse acordo, recebeu prestações mensais de capital até janeiro de 2024 no montante total de €280.000,00 e o pagamento de €498.750,00 obtido pela venda de imóvel da A... em setembro de 2023; em 13.02.2024 a A... não cumpriu a prestação mensal de €40.000,00 vencida nessa data, nem conseguiu vender qualquer uma das 18 frações do Hotel O… - cujo valor é insuficiente para garantia dos créditos da requerente e não desperta o interesse de compradores -, com consequente vencimento antecipado da totalidade da obrigação nos termos acordados, no montante global então de €1.203.655,64 a título de capital, a que acrescem juros de mora vincendos até integral pagamento. Concluiu que destes factos resulta que “a Requerida não só não dispunha de liquidez para cumprir as suas obrigações perante os seus credores, como também não dispunha de património para dar em garantia das suas dívidas.”, e que nem o avalista nem qualquer sociedade do grupo IM... dispõe de meios financeiros para honrar os seus compromissos financeiros.
Mais alegou que, para além do histórico de incumprimento (desde pelo menos 2018) e sucessivas reestruturações do contrato de financiamento que celebrou com o Novo Banco:
- a atividade da requerida consiste apenas na gestão de participações sociais e que das 23 sociedades participadas, 14 não têm atividade, 4 localizam-se no Brasil e é desconhecido o seu estado atual, 1 foi declarada insolvente, e as demais ou não geram resultados operacionais ou estes são negativos, e os ativos são de valor insuficiente para fazer face às responsabilidades;
- que a requerida não apresenta contas desde o exercício de 2020, e que desde a data da celebração do financiamento com o Novo Banco até à data apenas foi reembolsado €896.344,46 a título de capital, correspondente a cerca de 43% do valor do financiamento inicial, do qual €669.750,00 foi pela venda de ativos de outras sociedades objeto de hipoteca (imóveis Oh e C) e €280.000,00 pagos pela A... por ausência de liquidez da requerida para o efeito;
- a superioridade do ativo (€80M) sobre o passivo (€21M) revelada nas contas do exercício de 2020 é ilusória porque o valor daquele está sobrestimado e reduzir-se-á a cerca de €8,5M, conforme reserva do ROC feita por referência ao valor das participações financeiras e outros investimentos financeiros, ao valor de outros créditos a receber, e ainda quanto ao resultado da reavaliação livre dos imóveis em 2019, que não refletem o respetivo valor de liquidação;
- os resultados operacionais da requerida nos anos de 2019 e 2020 são negativos na ordem dos cerca de €1,4M e 2,6M e, de acordo com os valores dos fluxos de caixa operacionais gerados, seriam necessários cerca de 90 anos para a requerida pagar todo o seu passivo;
- o comunicado oficial da Polícia Judiciária de 23.03.2023 associa o presidente do conselho de administração da requerida a operações para descapitalizar o grupo IM... e evitar o pagamento aos seus credores e na investigação criminal em curso foi determinado o arresto preventivo dos respetivos bens.
Concluiu pela verificação dos pressupostos previstos pelas als. a) e b) do nº 1 do art.º 20º do CIRE[1].
Arrolou 2 testemunhas e juntou documentos.
2. Citada a requerida deduziu oposição ao pedido.
Por exceção, alegou que o processo de insolvência não é o meio processual adequado para a requerente obter a satisfação do seu crédito na medida em que a situação de incumprimento do seu crédito não coloca a requerida em situação de insolvência atual e aquela tem garantias constituídas sobre imóveis que lhe permitem liquidar o seu crédito e tem penhoras sobre imóveis registadas em execução pendente que deverá prosseguir para venda o património penhorado, sendo a dita ação executiva o meio processual adequado para satisfazer o seu crédito.
Mais alegou que:
- está a cumprir planos de pagamentos no âmbito de execuções fiscais da Autoridade Tributária e Aduaneira, no montante total de cerca de €16M, e junto da Segurança Social; não está em incumprimento no pagamento de obrigações vencidas junto de instituições financeiras, nem suspendeu de forma generalizada outras obrigações que a requerente não concretiza; a dívida à AT relativa a crédito de IRC por esta liquidado em cerca de €8M foi reduzida para cerca de €3M por sentença de 29.09.2022 do Tribunal Fiscal, pelo que o valor da penhora que incide sobre aquele imóvel - para garantia do valor de cerca de €11M – não está atualizado;
- não se verifica a insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito da requerente porque a requerida é proprietária de dois prédios avaliados em cerca de €11,8M e €4M, pelo que é positivo o balanço entre o seu valor comercial e os valores dos ónus e encargos que sobre eles incidem; a requerente beneficia de hipoteca e penhora sobre frações do prédio Hotel O... propriedade da A..., SA, cujas penhoras ascendem ao valor de cerca de €4M, sendo que o empreendimento está avaliado em cerca de €11M; a requerente mais beneficia de garantia sobre outros três imóveis, dois deles avaliados em cerca de €1M e €7M e o outro objeto de contrato promessa de compra e venda celebrado em 2022 pelo preço de €600.000,00 e que só não foi vendido por culpa do promitente comprador
- da petição inicial resulta que os demais outorgantes dos acordos ali alegados têm diligenciado por cumprir com as suas obrigações para com a requerente, vendendo o património e liquidando os valores resultantes dessas vendas à requerente, que os recebeu;
- o grupo IM...gest gera receitas superiores a €2M ano, e liberta meios para cumprir as suas obrigações, como é revelado pelo facto de em 2023 ter pago à requerente mais de €700K em 7 meses, reduzindo a dívida de cerca de €1,9M para cerca de €1,2.
- a requerente nunca apresentou avaliação para poder alegar que os ativos imobiliários da requerida têm uma liquidez muito reduzida no mercado;
- para além da gestão de participações sociais a requerida presta serviços de gestão, contabilidade e recursos humanos às empresas do grupo IM...gest, explora o edifício IM... através de contratos de arrendamentos;
- a requerida submeteu a IES e modelo 22 referente ao ano de 2021;
- em março de 2023 o Presidente do Conselho de Administração e o ROC da requerida ficaram sujeitos a medida de coação que os impediu de apresentar os documentos de prestação de contas dos anos que ficaram em falta, e desde a cessação daquela medida no início de 2024 têm diligenciado pela submissão das declarações em falta, pelo que a não apresentação de todas as contas nada tem a ver com alegada inatividade;
- entre junho de 2021 e janeiro de 2024 pagou à requerida prestações mensais dos acordos e aditamentos celebrados no montante total de cerca de €741.000,00;
- o grupo IM... tem capacidade e património para cumprir as suas obrigações, para o que importa considerar o imobiliário que, para além do Hotel O... e das receitas geradas com a sua exploração, inclui um prédio rustico com um projeto de €85M com o qual o capital acionista pode obter um prémio de 160% sobre o valor investido;
- não pode ser feita análise à situação financeira da requerida por referência a saldos de dezembro de 2020 quando estamos em junho de 2024;
- a requerente não pode afirmar que valor do ativo não corresponde à situação real porque não fez uma avaliação de todas as empresas do grupo e desconhece o valor dos ativos da requerida e das restantes empresas do grupo;
- do balanço provisório da requerida a 30.09.2023 resulta que o valor do ativo é de quase €83M e o valor do passivo de quase €24M, pelo que tem ativo superior ao passivo.
- a requerida apresentou planos de pagamentos que lhe permitia liquidar a totalidade da dívida e garantir a continuidade das empresas do grupo IM...gest, mas que a requerente recusou.
Concluiu pela não verificação de qualquer um dos pressupostos de situação de insolvência previstos pelo art.º 20º do CIRE, designadamente, nas als. a), b) e h).
Arrolou uma testemunha e juntou documentos.
3. A requerente respondeu à invocada exceção da inadequação do meio processual para o exercício do seu crédito e mais se pronunciou sobre alegações da oposição e concluiu pedindo o imediato conhecimento de mérito da causa e, assim não se entendendo, a improcedência das exceções invocadas na oposição.
4. No âmbito da audiência o tribunal a quo conheceu da adequação do meio processual utilizado pela requerente, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova, admitiu a prova junta e arrolada, e procedeu à inquirição das testemunhas.
5. Em 29.07.2024 foi proferida sentença que, concluindo pela procedência do pedido, declarou a insolvência da requerida.
6. Inconformada, a requerida recorreu da sentença requerendo a sua revogação e a prolação de acórdão que julgue a ação improcedente.
Formulou as seguintes conclusões:
I - O fim do processo de insolvência é, perante um devedor que se encontre insolvente, “a satisfação pela forma mais eficiente possível dos direitos dos credores”, como se assinala no preâmbulo do DL n.º 53/2004 de 18 de Março, acolhendo-se expressamente este entendimento no art.º 1º, n.º 1 do CIRE, ao definir a finalidade do processo de insolvência.
II - Enquanto que a acção executiva, visando a satisfação do direito do credor, se caracteriza pela penhora dos bens necessários à satisfação do crédito do exequente, cfr. art.º 735º, n.º 3 do CPC.
III - Por isso é que alguma doutrina, designa o processo de insolvência como “execução universal” em contraponto com a “execução singular” para classificar a acção executiva.
IV - Ora, ao estar pendente uma ação executiva para cobrança do crédito titulado pela Requerente, cujas penhoras ascendem ao valor de quatro milhões de euros, que ultrapassa o valor da divida, a apresentação da presente ação de insolvência corresponde a um exercício abusivo do direito por parte da Requerente, por não ter, previamente, esgotado, a cobrança do crédito,
V - Não constitui, assim, esta acção de insolvência qualquer forma acrescida de tutela do direito da Requerente,
VI - Nem tampouco, obtendo a Requerente qualquer utilidade, de forma célere, para a cobrança do seu crédito.
VII - Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter decidido que o processo de insolvência não é o meio processual adequado para a Requerente obter a satisfação do seu crédito, mas sim, através da acção executiva que já está a correr os seus termos e no âmbito da qual pode o património penhorado ser colocado à venda e ser a Requerente ressarcida do seu crédito.
VIII - O Tribunal a quo entendeu que está preenchida a al. a) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE, com a suspensão generalizada das obrigações por parte da Requerida.
IX - O facto de existirem processos executivos contra a Requerida não significa, por si só, que está a suspender de forma generalizada o pagamento das suas obrigações.
X - Até porque, a Requerida tem vindo a apresentar a sua defesa nos referidos processos, não reconhecendo ser devedora daqueles montantes, não podendo, assim, o Tribunal a quo, sem mais, considerar que se verifica o incumprimento generalizado das obrigações.
XI - Não resulta da matéria de facto provada quaisquer factos de incumprimento por parte da Requerida perante outros credores.
XII - Por “suspensão generalizada” deve-se entender a cessação de um conjunto muito amplo de obrigações do devedor; o que não se verifica quando se demonstra que em relação a uma concreta dívida o devedor deixou de cumprir, nada se demonstrando sobre a existência de outras dívidas já vencidas que também estejam em incumprimento.
XIII - O incumprimento generalizado exige a demonstração de que o incumprimento abrange já diversos créditos.
XIV - Não está, pois, demonstrado e não resulta da matéria de facto da como provada que tenha ocorrido da parte da Requerida um incumprimento das suas obrigações de cariz generalizado, o que sempre pressuporia um incumprimento alargado, com a abrangência de diversos créditos.
XV - Acresce ainda que, a Requerida não está em incumprimento generalizado, nos últimos 6 meses, de dívidas tributárias, contribuições e quotizações para a Segurança Social, rendas de locação ou de empréstimos garantidos por hipoteca.
XVI - O que se verifica é a suspensão de pagamento por parte da Requerida perante um credor individualizado - a Requerente;
XVII - Pelo que, o Tribunal a quo violou a al. a) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE e deveria ter entendido que não se verifica uma suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas por parte da Requerida.
XVIII - O Tribunal a quo entendeu estar também preenchida a al. b) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE.
XIX - Em primeiro, entre a Requerente e a Requerida existe um longo processo de negociações e a Requerente tem a seu favor bens imóveis dados de garantia e bens imóveis penhorados que a serem liquidados, voluntária ou judicialmente, são susceptíveis de satisfazer o pagamento à Requerente.
XX - No âmbito dos acordos celebrados, a Requerente tem vindo a receber valores provenientes da venda de prédios, e tem recebido prestações mensais.
XXI - A Requerida nunca se recusou a negociar e entregou bens à Requerente como garantia, o que evidencia a boa fé e a vontade em cumprir com as suas obrigações.
XXII - Na realidade e expurgando as moratórias e, tendo em conta o último acordo, foram liquidados mais de 40% da divida no último ano de 2023.
XXIII - Aliás, resulta da matéria de facto dada como provada que a Requerida fez o que estava ao seu alcance para cumprir com a obrigação, a saber: “22. No processo executivo, a A... vendeu o “Imóvel de Oh”, tendo a Requerente recebido a este título o montante de €498.750,00 em 21 de Setembro de 2023, não tendo, até à data, vendido qualquer das Frações do Hotel. (…) 26. Para garantia das obrigações decorrentes do Contrato de Financiamento foram prestadas / constituídas as seguintes garantias: (i)Livrança em branco subscrita pela Requerida e avalizada pelo Sr. J.; (ii)Hipoteca específica de primeiro grau sobre 12 frações autónomas - AF, AT, AG, BJ, CO, CP, CQ, CR, DC, DE, DF, DG - que integram um aparthotel localizado em Albufeira, designado por Hotel O..., constituídas pela A.... (…) 30. O Contrato de Reestruturação importou a constituição de hipotecas adicionais sobre as fracções – BO, BZ, CA, CF, CG e CJ – propriedade da A... integradas no aparthotel situado em Albufeira, designado por Hotel O.... (…) 33. Findo o período de carência, a Requerida efectuou o pagamento das duas primeiras prestações de capital que se venceram em janeiro e fevereiro de 2020, no valor total combinado de €23.333,32, uma vez que a Requerida beneficiou do regime legal previsto no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de Março, vendo suspensas as obrigações de pagamento de capital e juros ao abrigo do Contrato de Financiamento entre Março de 2020 e Abril de 2021. (…) 40. Na sequência do referido em 38 e 39, a Requerente, a Requerida, o Sr. J. e a A... entabularam negociações com vista a alcançar um acordo quanto aos termos e modo de pagamento dos montantes em dívida, tendo, em 17.12.2021, sido celebrado um Acordo de Reconhecimento de Dívida e Reembolso (“Acordo”), de que são partes a Requerente, a Requerida, o Sr. J., a A... e a M…, Lda. (“M…”), nos termos do qual: (i) Foi acordado um Plano de Pagamentos e (ii) foram constituídas novas hipotecas para garantia do crédito da Requerente. (…) 42. Para garantia do cumprimento das obrigações previstas ao abrigo do Acordo, foram constituídas, por escritura pública, novas hipotecas a favor da Requerente, nos seguintes termos: - Pelo avalista J.: (i)Uma hipoteca de primeiro grau sobre o Imóvel Quinta da M, no …, freguesia de ..., concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém, sob o número …, da freguesia de ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e na matriz predial rústica sob o artigo …, secção B, que tem actualmente o valor patrimonial tributário conjuntado de €133.889,92. (ii)uma hipoteca de segundo grau sobre o Imóvel Terras Novas, freguesia de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o número …, da mesma freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, que tem actualmente o valor patrimonial tributário de €395.180,10. (iii)uma hipoteca de segundo grau sobre o prédio urbano, denominado lote …, situado na Quinta da Ma, Freguesia e Concelho de Cascais, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o número …, da freguesia de Cascais e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, tendo a hipoteca a favor da Requerente sido registada nos termos do averbamento resultante da Ap. 4372 de 2022/08/23. Pela M…: (i)uma hipoteca de primeiro grau sobre prédio rústico que está situado em ... (“Imóvel C”), freguesia de União das Freguesias de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …, da freguesia de … e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, secção AA, que tem actualmente o valor patrimonial tributário de €47,27, 14 tendo a hipoteca a favor da Requerente sido registada nos termos do averbamento resultante da Ap. 3333 de 2022/02/16. Pela A...: (i) uma hipoteca de primeiro grau sobre o prédio urbano correspondente a terreno para construção situado em … (“Imóvel Oh”), freguesia de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, da freguesia de … e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, Secção U, que tem actualmente o valor patrimonial tributário de €1.020,00, tendo a hipoteca a favor da Requerente sido registada nos termos do averbamento resultante da Ap. 4713 de 2022/06/24. 43. O Imóvel C, propriedade da M..., foi vendido mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 28.09.2022, tendo a hipoteca constituída a favor da Requerente sido cancelada. 44. O imóvel de Oh foi vendido no âmbito da Acção Executiva supra identificada, mediante escritura pública outorgada em 18.09.2023, com a consequente extinção da garantia a favor da Requerente. 45. As garantias anteriormente prestadas, nomeadamente o aval pessoal do Sr. J. e a hipoteca sobre as 18 fracções autónomas que integram o aparthotel localizado em Albufeira (“Frações Hotel O...”), constituídas pela A... – Arquitectura Engenharia, S.A. mantiveram-se. (…) 47. No dia 15.11.2022, ao abrigo do Acordo, haviam sido pagas prestações mensais de capital no montante de €226.000,00, bem como, um reembolso antecipado de €171.000,00 associado à venda do Imóvel C em Setembro de 2022. (…) 51. No âmbito do Aditamento, a Requerente liquidou prestações de capital que perfazem o valor de €51.000,00. (…) 54. No âmbito do Acordo A..., a Requerente recebeu da A... prestações mensais de capital até Janeiro de 2024, no montante global de €280.000,00, bem como um reembolso antecipado de capital de €498.750,00 associado à venda do Imóvel Oh em Setembro de 2023.(…)”.
XXIV - Assim, não podia o Tribunal a quo ter decidido que a Requerida pelo montante da obrigação e pelas circunstâncias do incumprimento revela a impossibilidade de satisfazer a generalidade das suas obrigações.
XXV - O Tribunal a quo violou a al. b) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE e deveria ter julgado que a Requerida pela falta de cumprimento da obrigação não revela a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
XXVI - O Tribunal a quo julgou ainda estar preenchida a al. h) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE.
XXVII - Na fundamentação da decisão da matéria de facto dada como provada o Tribunal deu credibilidade e valorou as declarações da testemunha da Requerida, MGL, das quais resultaram que a Requerida, por contingências várias, não apresentou a informação contabilística organizada e actualizada, estando a mesma a ser tratada pela sociedade responsável pela elaboração da contabilidade.
XXVIII - O Tribunal a quo entendeu ainda que a informação contabilística referente a 2023 não foi aprovada e manifestada às Finanças.
XXIX - Ora, este entendimento não está correcto, porquanto, há que distinguir entre a aprovação de contas relativa a cada exercício fiscal e outras obrigações fiscais.
XXX - Toda a informação contabilística de obrigações mensais ou trimestrais da Requerida estão em conformidade e são da responsabilidade da empresa prestadora do serviço de contabilidade, estando apenas em falta uma parte das obrigações, a saber: as prestações de contas anuais.
XXXI - Pelo que, o Tribunal a quo violou a al. h) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE, ao entender que por a Requerida não ter aprovado, nem depositado as contas nos últimos 3 anos, está preenchido um factor índice de verificação da situação de insolvência - atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, quando a Requerida justificou e o Tribunal a quo deu como provado essa justificação.
XXXII - O Tribunal a quo considerou ainda que nas últimas contas aprovadas, o valor de “Outros créditos a receber” registado no Activo ascende a € 24.975.692,91 e inclui cerca de € 17,9 milhões a receber da TAIF, que apresenta capitais provisórios negativos desde 2007 e não gera resultado operacional desde 2006.
XXXIII - Ora, a Requerida está abrangida pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (REGTS), o qual se aplica ao grupo de sociedades, em que uma sociedade, dita dominante, detém, directa ou indirectamente, pelo menos 90% do capital de outra ou outras sociedades, ditas dominadas, sediadas residentes em território português.
XXXIV - O RETGS consiste num regime específico de "consolidação fiscal" na esfera da sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados individualmente por cada uma das sociedades desse grupo. Para tal, a sociedade dominante apresenta uma declaração de rendimentos Modelo 22 com o resultado fiscal global do grupo e é a partir desta que se produzem os efeitos de liquidação do IRC. XXXV - Continua o Tribunal a quo a defender que a Requerida apresentou a lista dos seus cinco maiores credores com um valor global de cerca de 31 milhões de Euros, não estando aí incluídos todos os credores com penhoras registadas no património da Requerida.
XXXVI - Conforme resulta da matéria de facto dada como provada e da sua fundamentação, existem credores com planos de pagamento em prestações, como é o caso da Segurança Social,
XXXVII - E, existem outros credores, cujos créditos estão a ser impugnados e sobre os quais ainda não há decisão definitiva.
XXXVIII - Reitera-se que a Requerida apenas deixou de cumprir com a obrigação que detinha para com a Requerente, ou seja, existe apenas uma suspensão do pagamento de forma individualizada, perante um único credor.
XXXIX - A Requerida juntou o Balanço provisório a 30 de Setembro de 2023, em que nesta data, o valor do activo é de € 82.883.489,29 e o valor do passivo é de € 23.940.466,16, cfr. Doc. 21 junto com a contestação.
XL - Da matéria de facto dada como provada e do Doc. 21 junto com a contestação, resulta que a Requerida tem um activo superior ao passivo, pelo que não pode ser considerada insolvente, nos termos e para os efeitos do art.º 3º do CIRE.
XLI - Também não poderia o Tribunal a quo ter entendido que o património imobiliário da Requerida não tem um valor superior às dividas vencidas, porquanto,
XLII - Resulta da matéria de facto dada como provada que: “(…) 83. A Requerida é dona e legitima proprietária do prédio urbano, sito em …, Estrada Nacional …, Rua ..., …, São Pedro de Penaferrim, Sintra, composto por cave, rés do chão e 3 pisos, composto por escritórios e estúdios de televisão, com a área total de 14.958.000 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob a descrição n.º …. e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, que continua a ser mantido e não está em situação de abandono por parte da Requerida. (…) 88. O prédio referido em 87 - Edifício IM... – foi avaliado no ano de 2019, a solicitação da Requerida, em cerca de €11.800.000,00. 89. Encontra-se registado a favor da Requerida na Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob a descrição …/20110503, freguesia de Sintra (S. Pedro de Penaferrim) e inscrito na matriz sob o artigo urbano …, terreno para construção, o qual evidencia os seguintes registos: (I) AP. 1623 de 2020/04/17 17:06:01 UTC – Usufruto a favor de L…, Lda, incidente sobre uma parte, com a área de 110 m2, correspondente a 0,72 % do prédio, área essa localizada no canto sudeste do prédio. (II) AP. 921 de 2021/03/30 12:08:38 UTC - Consignação de Rendimentos, pelo prazo de 15 anos, com início em: 2021/03/30, para garantia do valor de 2.500.000,00 Euros, a favor do Banco Bic Português, Sa e sobre B…, Lda, para Garantia do bom e integral pagamento e liquidação do contrato de mútuo celebrado em 30/03/2021, por documento particular, dos respectivos juros remuneratórios e moratórios. 90. O prédio referido em 89 foi avaliado em 2019, a solicitação da Requerida, em cerca de €4.000.000,00. (…)”.
XLIII - Conforme consta da matéria de facto dada como provada e da respectiva fundamentação, não obstante estar registado sob o imóvel a constituição de uma penhora a favor da Fazenda Nacional, no valor de € 11.574.109,85 e constar a dívida junto da Autoridade Tributária e Aduaneira em cerca de 15 milhões,
XLIV - A referida penhora data de 2012 e a Requerida apresentou processo de impugnação judicial contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, o qual correu os seus termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal sob o n.º 286/12.8BEFUN, o qual teve por fundamento impugnar o despacho proferido pelo Diretor Regional dos Assuntos Fiscais, que determinou o indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, deduzida contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2007 8310019122, no montante total de € 8.295.366,54 e, consequentemente, contra o acto de liquidação supra identificado, referente ao exercício de 2003.
XLV - Por sentença datada de 29 de Setembro de 2022 foi decidido que face ao valor global da liquidação (€ 8.295.366,54), seria de anular o valor relativo a juros compensatórios (€ 1.008.572,19) e parte do valor relativo ao apuramento da mais-valia (€ 4.256.812,89), cfr. Doc. 5 junto com a contestação.
XLVI - Ora, a sentença reduziu o valor referente à responsabilidade da Requerida e deduzindo ao valor de € 8.295.366,54, os juros compensatórios de € 1.008.572,19 e o valor das mais valias de € 4.256.812,89, cfr. Doc. 5, a responsabilidade da Requerida foi reduzida para € 3.029.981,46, estando ainda pendente recurso junto do Tribunal Central Administrativo Sul, o qual já teve despacho de subida para o Tribunal superior mas ainda sem decisão, cfr. Docs. 6 e 7 juntos com a contestação.
XLVII - Pelo que, o valor da penhora que se encontra registada em € 11.574.109,85 não está actualizado, não correspondendo à realidade da responsabilidade da Requerida e irá ser requerido o levantamento parcial da penhora em valor que se vier a apurar.
XLVIII - Sob o referido imóvel também se encontra registada uma penhora ao abrigo do processo executivo que corre termos sob o n.º 23417/20.0T8LSB.2 no Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 2, tendo a Requerida apresentado oposição à execução e penhora, em que foi alegada a inexequibilidade do título executivo, a inexigibilidade e iliquidez da obrigação, cfr. Doc. 8 junto com a contestação,
XLIX - Tendo os Embargos sido admitidos por despacho, cfr. Doc. 9 junto com a contestação, pelo que o valor que consta da ação executiva e que foi objecto de penhora ainda não está definitivamente fixado e foi impugnado pela Requerida.
L - Do exposto, existe um balanço positivo entre os valores dos ónus e encargos que incidem sobre os prédios da Requerida e o seu valor comercial.
LI - Ficou, assim, demonstrado que não existe por parte da Requerida: - Suspensão generalizada do pagamento de obrigações vencidas; - Falta de cumprimento de mais obrigações que, pelo seu montante ou circunstâncias, revelem a impossibilidade em satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; - Fuga dos administradores ou abandono do local em que esta exerce a sua actividade principal; - Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos; - Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito da Requerente em ação executiva que corre os seus termos contra a Requerida; - Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamento, previstos no CIRE; - Incumprimento generalizado, nos últimos 6 meses, de dívidas tributárias, contribuições e quotizações para a Segurança Social, rendas de locação, financeira ou outras, ou de empréstimos garantidos por hipoteca; - Manifesta superioridade do passivo sobre o activo; - O atraso superior a 9 meses na aprovação e depósito das contas, que ocorreu por vicissitudes alheias à Requerida e não por conduta culposa ou negligente da sua parte.
7. A requerente da insolvência apresentou contra-alegações, que sintetizou nas seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da Sentença proferida, a final, no âmbito dos autos supra, a qual julgou a ação intentada pela Ar…, S.A. (“Recorrida”) totalmente procedente e, consequentemente, declarou a insolvência da IM..., S.A. (Zona Franca da Madeira) (“Insolvente” ou “Recorrente”) (doravante, a “Sentença Recorrida”).
2. A decisão do Tribunal a quo radica - como se extrai da fundamentação expedida – no facto de a Recorrida [Requerente] ter logrado provar a verificação de factos-índice da situação de insolvência, não tendo a Recorrente [Requerida] ter logrado demonstrar que, ainda assim, se encontra solvente.
3. As Alegações e Conclusões de Recurso apresentadas pela Recorrente carecem de fundamento, devendo improceder, mantendo-se a decisão vertida na Sentença Recorrida, a qual fez correta aplicação do direito aos factos provados nos autos.
4. Desde logo, o processo de insolvência é o meio adequado, porquanto a Recorrente se encontra insolvente, e a Recorrida é credora da Recorrente, tendo legitimidade para pedir a declaração de insolvência;
5. Assim como a interposição da ação pela Recorrida não configura qualquer exercício abusivo do direito de ação, posto que não era exigível à Recorrida outro comportamento, designadamente, cobrar o seu crédito ou deixar esgotar a cobrança por via do processo de execução que se encontrava pendente contra terceiro;
6. Mais, no caso que nos ocupa, encontram-se preenchidos e, portanto, verificados os factos-índice da situação de insolvência vertidos nas alíneas a), b) e h) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE,
7. Primeiro, ressalta à saciedade da matéria de facto provada nos autos que a Recorrida se encontra numa situação de suspensão generalizada do pagamento de obrigações vencidas, resultando provado que além da dívida vencida perante a Recorrida, a Recorrente apresenta dívida perante vários credores, entre os quais: a Segurança Social, a Autoridade Tributária e Aduaneira e a E…, Lda. e L…,
8. Que (i) a Recorrida incumpriu o acordo de pagamento celebrado com a Segurança Social (factos provados 81 e 82 da Sentença Recorrida), (ii) não obstante a redução do montante em dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira no âmbito do processo 286/12.8BEFUN, persiste em dívida uma quantia superior a € 3.000.000,00 (cfr. factos provados 85 e 86 da Sentença Recorrida) bem assim como que (iii) a Recorrente deduziu a oposição à execução e à penhora no âmbito do processo 23417/20.0T8LSB, onde alegou a inexequibilidade do título executivo, a inexigibilidade e a liquidez da obrigação (cfr. facto provado 87 da Sentença Recorrida) – sendo evidente, em qualquer dos casos, tanto a existência da dívida vencido como a situação de incumprimento/ não pagamento,
9. Concluindo-se da factualidade provada, tal como concluiu – e bem – o Tribunal a quo, que a Recorrente tem vindo a incumprir, de forma generalizada, as suas obrigações de pagamento desde Setembro de 2022, abrangendo diversos créditos, titulados por credores distintos, públicos e privados.
10. A esta luz, outra coisa não pode concluir-se se não pelo preenchimento do facto-índice vertido na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.
11. Segundo, como resulta provado nos autos, o crédito da Recorrida emerge de um contrato de financiamento celebrado entre a Recorrente e o Novo Banco em 2014, o qual foi alvo de sucessivas reestruturações e objeto de acordos de pagamento, tudo, sucessivamente incumprido pela Recorrente até Fevereiro de 2024,
12. Devendo atender-se a que (i) a grande maioria dos montantes pagos à Recorrente tiveram origem na venda de imóveis dados em garantia por sociedades relacionadas com a Recorrente, não se tratando de imóveis da Recorrente, e no pagamento de prestações mensais pela A..., (ii) as garantias reais de que beneficiam os créditos da Recorrida e que se encontram ativas recaem sobre bens imóveis propriedade de terceiros, designadamente do garante J. e da sociedade A..., encontrando-se o património imobiliário detido pela Recorrente onerado e/ ou penhorado a favor de entidades terceiras – públicas (incluído Autoridade Tributária e Segurança Social) e privadas – por montantes muito expressivos e (iii) a dívida aos 5 maiores credores da Recorrente totaliza € 31.352.188,60, ascendendo os montantes em dívida à Autoridade Tributária a € 16.156.879,19, à Segurança Social a € 11.168.742,38,
13. Sendo absolutamente irrelevante a vontade de a Recorrente em cumprir as suas obrigações e/ou “entregar” bens de terceiros em garantia, não relevando também os pagamentos de prestações que mais recentemente a Recorrida tinha vindo a receber de entidades relacionadas com a Recorrente ao abrigo de acordos com elas celebrados (também estes incumpridos) – sendo que, daqui, apenas pode extrair-se a total incapacidade da Recorrente para cumprir as suas obrigações vencidas.
14. A esta luz, outra coisa não pode concluir-se se não pelo preenchimento do facto-índice vertido na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.
15. Terceiro, a Recorrente não demonstrou ter aprovado e depositado contas nos últimos 3 exercícios (de 2021 a 2023), antes resultando provado nos autos que a última prestação de contas depositada na Conservatória do Registo Comercial ocorreu em 5.07.2022 por referência ao exercício de 2020.
16. As contas relativas ao exercício de 2020 não refletem nem o ativo nem o passivo da Recorrente com a atualidade que se impõe.
17. Em todo o caso, conjugando-se os elementos juntos aos autos, compreende-se que o ativo da Recorrente se encontra claramente sobrevalorizado,
18. Sendo que o passivo real da Recorrente é muito superior ao passivo total registado em 2020 de € 21.089.813,54, porquanto a dívida que consta da lista dos 5 maiores credores no montante de € 31.352.188,60 é, por si só, superior ao passivo registado, e a referida lista não reflete sequer a dívida à Recorrida (superior a € 1.200.000,00) nem a dívida de todos os credores com penhoras registadas nos imóveis da Recorrente (desde logo, a penhora registada no âmbito do processo executivo iniciado pelo credor L... para garantia do valor de € 31.752.959,47).
19. Pelo exposto, outra coisa não seria de decidir pelo Tribunal a quo que não pelo preenchimento do facto-índice vertido na alínea h) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.
20. Chegados a este ponto, é com simplicidade que se conclui que o Tribunal a quo não violou qualquer das normas identificadas pela Recorrente nas Alegações e Conclusões de Recurso, ao decidir que a situação que apreciamos integra assim as circunstâncias previstas nas alíneas a), b) e h) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE estando assim verificados factores índice da verificação da situação de insolvência.
21. No mais, não se afigura relevante qualquer apreciação sobre a verificação ou não de outros factos-Índice da situação de insolvência e integrar factualmente as restantes alíneas do artigo 20.º do CIRE, posto que, como decorre da própria letra da lei, basta a verificação de algum dos factos elencados no citado preceito para que a insolvência seja declarada.
22. Por fim, basta a verificação de apenas um dos factos-índice para que opere a presunção de insolvência da Recorrente, culminando na respetiva declaração de insolvência, cabendo à Recorrente demonstrar que, ainda assim, se encontra solvente.
23. A Recorrente não logrou demonstrar a sua solvência, na medida em que (i) não demonstrou que o património imobiliário de que é titular tem na sua globalidade um valor superior às dívidas vencidas que apresenta e que resultaram demonstradas e (ii) não juntou aos autos a escrituração legalmente obrigatória que, ao abrigo do disposto no artigo 30.º, n.º 4 do CIRE, lhe permitiria demonstrar a sua solvência.
24. Verifica-se que o valor do património imobiliário da Recorrente, em face da factualidade provada nos autos, é inferior às suas dívidas vencidas perante a Recorrida, a Autoridade Tributária e Aduaneira, a Segurança Social e, bem assim, aos outros credores com penhoras registadas,
25. E, não dispondo a Recorrente de contabilidade devidamente organizada e manifestada ao serviço de finanças, a Recorrente não logrou demonstrar a sua solvência, jamais podendo entender-se que qualquer documento junto pela Recorrente aos autos possa ser considerado “contabilidade atualizada devidamente organizada e arrumada”.
26. Nesta sede, cumpre salientar que o Doc. 21 junto com a Oposição (i) é um documento provisório, não auditado, não assinado pela administração da sociedade, contem lapsos evidentes – entre os quais, a referência aos montantes serem expressos em rupias indianas (quando, na verdade, são expressos em Euros), e não refletir a dívida da Recorrente para com a Recorrida – que ascende a mais de € 1.200.000,00 – na rubrica de “Financiamentos Obtidos” que apresenta um saldo de apenas € 45.968,20; (ii) na rubrica “Participações Financeiras” e “Outros investimentos financeiros” regista um montante aproximado de € 38.000.0000,00, sendo certo que esse montante está associado a empresas do Grupo IM..., na sua maioria inativas, insolventes ou que apresentam resultados operacionais negativos – tal como resultou provado nos autos -, pelo que o documento não reflete a justa valorização de tais participações; e (iii) a rubrica do passivo “Estados e outros entes públicos” não reflete o somatório das dívidas da Requerida à Segurança Social e à Autoridade Tributária e Aduaneira, que, no melhor dos cenários, se cifram em aproximadamente € 18.000.000,00.
27. É correto o entendimento do Tribunal a quo ao decidir que a Recorrida não logrou, em qualquer fase do processo, carrear para os autos os elementos e documentos suscetíveis de fazer a necessária demonstração de que se encontra solvente, não obstante a verificação de factos presuntivos da situação de insolvência.
28. À luz do exposto, em face da factualidade dada como provada nos presentes autos – contra a qual a Recorrente não se insurge -, encontra-se verificada a situação de insolvência, devendo, por isso, ser mantida a decisão do Tribunal a quo vertida na Sentença Recorrida que declarou a insolvência da Recorrente.

II - Objeto do recurso:
Sem perder de vista que o objeto do recurso é antes de mais o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida – recurso reponderação -, é consensual que o objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, que definem e delimitam o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)), sem prejuízo das questões cuja apreciação resulte prejudicada pela solução dada às que a precedem, ou de outras cujo conhecimento oficioso se imponha nos temos do arts. 608º, nº 2, ex vi art.º 663º, nº 2, ambos do CPC, e destina-se a reapreciar e, se for o caso, a revogar, a modificar ou a anular decisões proferidas, sendo vedada a apreciação de novos pedidos e/ou de novas causas de pedir alegadas para sustentação do pedido ou da defesa.[2]  Acresce que o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos alegados pelas partes mas apenas das questões de facto ou de direito por elas suscitadas e que, contidas nos elementos essenciais da causa, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, sendo o tribunal livre na determinação e interpretação das normas jurídicas aplicáveis.
Pelas alegações de recurso vêm submetidas a apreciação as seguintes questões:
A. Se o processo de insolvência constitui o meio processual adequado para a requerente exercer o seu direito de crédito.
B. Se os factos assentes preenchem os pressupostos legais da verificação da situação de insolvência, designadamente, os previstos pelas als a), b) e h) do art.º 20º do CIRE e, na positiva.
C. Se a superioridade do ativo sobre o passivo é apta a revelar a solvabilidade do devedor.

III – Fundamentos de Facto
A. Na ausência de impugnação da matéria de facto da decisão recorrida – que não consta das alegações/conclusões de recurso, sequer invocado o art.º 640º do CPC, nem tampouco preenchidos os requisitos de que depende, previstos pelos arts. 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2 do CPC -, os factos relevantes para apreciação do recurso correspondem aos ali descritos, que aqui se reproduzem por ordem sequencial lógica e cronológica, que a decisão recorrida não adotou, mas mantendo a numeração originária de cada um deles para garantir a correção de remissões operadas e mais facilmente permitir a correspondência com a fundamentação de facto da sentença.
Assim:
1. A Requerente é uma sociedade anónima que tem como objecto a “realização de operações de titularização de créditos, mediante a sua aquisição, gestão e transmissão e a emissão de obrigações titularizadas para pagamento dos créditos adquiridos”
2. A Requerida é uma sociedade anónima que tem como objecto a “prestação de serviços a terceiros em estudos, projectos, consultadoria e organização, nestas áreas de actividade das empresas: viabilidade económica e financeira, estudos de mercado, gestão, internacionalização dos negócios, marketing, tecnologias de informação, recursos humanos, formação profissional, contabilidade; planeamento e organização de eventos próprios ou de terceiros; gestão do seu património com arrendamento ou outra forma de utilização”
3. A Requerida obriga-se pela assinatura do Presidente do Conselho de Administração, de dois Administradores ou de procurador ou mandatário da sociedade, nos termos do referido mandato.
4. J. é presidente do Conselho de Administração da Requerida desde a data da respectiva constituição em 14.12.1992 e titular de participação representativa do capital social da mesma de 99,994%, sendo o seu beneficiário efectivo.
5. A Requerida integra um grupo de sociedades, designado Grupo IM..., sendo a empresa “mãe controladora final”, detentora, directa ou indirectamente, das participações sociais das sociedades que o integram.
6. O Grupo IM... actua no sector da edição de revistas, tais como a Nova Gente, a Maria, a VIP e a TV7Dias (https://www.IM....pt/).
7. Fazem parte do Grupo IM..., além da Requerida, as sociedades A..., S.A., D…, S.A., e M..., Lda.
8. A Requerida é titular de 95,09% do capital social da D…;
9. O capital social da A..., é detido em 72,40% pela Requerida e em 27,60% pela D….
10.A D… foi declarada insolvente por sentença datada de 4.10.2022, proferida no âmbito do processo que, sob o n.º 7458/20.0T8SNT, corre termos no Juiz 3 do Juízo do Comércio de Sintra.
25. Em 29.10.2014, o Novo Banco, S.A., na qualidade de mutuante, celebrou com a Requerida, na qualidade de mutuária, com o Sr. J., na qualidade de avalista, e com a A..., na qualidade de prestadora de garantia de hipoteca, o contrato de financiamento n.º …, no montante inicial de capital de €2.100.000,00.
26. Para garantia das obrigações decorrentes do Contrato de Financiamento foram prestadas / constituídas as seguintes garantias:
(i) Livrança em branco subscrita pela Requerida e avalizada pelo Sr. J.;
(ii) Hipoteca específica de primeiro grau sobre 12 frações autónomas - AF, AT, AG, BJ, CO, CP, CQ, CR, DC, DE, DF, DG - que integram um aparthotel localizado em Albufeira, designado por Hotel O..., constituídas pela A....
27. Nos termos do Contrato de Financiamento, o capital mutuado seria reembolsado mediante o pagamento de prestações mensais e sucessivas de capital, acrescidas de juros, durante um período de 60 meses.
28. A Requerida pagou nove prestações mensais de capital entre 2014 e 2018.
29. A pedido da Requerida, em 20 de Fevereiro de 2018, o Contrato de Financiamento foi objecto de reestruturação, formalizado por meio de um contrato de reestruturação do financiamento, ao qual foi atribuído o número ROC06042/17, no qual interveio o Novo Banco, a Requerida e, bem assim, o Sr. J., na qualidade de avalista, e a A..., na qualidade de prestadora de garantia de hipoteca (Contrato de Reestruturação).
30. O Contrato de Reestruturação importou a constituição de hipotecas adicionais sobre as fracções – BO, BZ, CA, CF, CG e CJ – propriedade da A... integradas no aparthotel situado em Albufeira, designado por Hotel O....
31. A dívida decorrente do financiamento ascendia, à data de 28.02.2018, ao valor de €2.198.392,47, incluindo as seguintes quantias:
(i) €2.001.300,00 a título de capital vencido e não reembolsado;
€108.292,57 a título de juros remuneratórios vencidos e não pagos;
€81.219,43 a título de juros de mora e;
€7.580,47 a título de imposto.
32. A reestruturação acordada entre as partes, previa um período de carência de capital de cerca de 2 (dois) anos, devendo o valor mutuado ser reembolsado em prestações mensais de capital, com início em janeiro de 2020 e fim em 2029.
33. Findo o período de carência, a Requerida efectuou o pagamento das duas primeiras prestações de capital que se venceram em janeiro e fevereiro de 2020, no valor total combinado de €23.333,32,uma vez que a Requerida beneficiou do regime legal previsto no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de Março, vendo suspensas as obrigações de pagamento de capital e juros ao abrigo do Contrato de Financiamento entre Março de 2020 e Abril de 2021.
11. Por contrato de cessão de créditos e escritura pública de cessão de créditos hipotecários, ambos celebrados em 02.04.2020, a Requerente adquiriu ao Novo Banco, S.A. um conjunto de créditos de que este era titular acompanhado dos respectivos juros, garantias e acessórios, entre os quais os créditos que este detinha, sobre a Requerida.
12. A cessão foi notificada à Requerida mutuária (IM...gest) e aos garantes (J. – avalista - e A... – garante), por cartas registadas e datadas de 08.05.2020, nos termos do artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil.
13. A Requerente é possuidora e portadora da livrança, que foi transmitida com os créditos.
14.O crédito da Requerente é gerido pela sociedade R…, S.A., que actua enquanto sua representante em todos os contactos mantidos e que se mostrem necessários com a Requerida e garantes, facto do qual a Requerida foi informada.
34. Na data da cessão de créditos, ou seja, em 02.04.2020, o crédito da Requerente sobre a Requerida perfazia o valor total de €2.271.013,79, sendo, (i)€2.175.059,15 a título de capital e (ii) €95.954,64 a título de juros capitalizados durante o período da moratória de capital e juros, correspondente ao período de 29.02.2020 a 02.04.2020.
35. A partir de Abril de 2021, a Requerente interpelou a Requerida para proceder ao pagamento das prestações de juros que se venciam mensalmente, sendo que a Requerida apenas pagou a prestação que se venceu em Maio, no final de Junho de 2021.
37. Em Abril de 2021, com o intuito de proteger as garantias do seu crédito, a Requerente instaurou o Procedimento Cautelar de Arresto contra o Sr. J., o qual sob o n.º 2285/21.0T8STR correu termos junto do Juiz 4 do Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, no âmbito do qual foi determinado, por sentença proferida a 06.10.2021, o arresto de dois imóveis propriedade do Sr. J..
38. Por cartas registadas, datadas de 01.10.2021, a Requerente interpelou a Requerida, o Sr. J., na qualidade de avalista, e a A... para proceder ao pagamento das quantias em dívida, sob pena de declarar o vencimento antecipado de todas as prestações e o preencher da livrança.
39. Em 11.10.2021, mediante cartas registadas, a Requerente declarou o vencimento antecipado das quantias devidas ao abrigo do Contrato de Financiamento e interpelou a Requerida, o Sr. J. e a A..., para procederem ao pagamento da integralidade dos valores em dívida.
40. Na sequência do referido em 38 e 39, a Requerente, a Requerida, o Sr. J. e a A... entabularam negociações com vista a alcançar um acordo quanto aos termos e modo de pagamento dos montantes em dívida, tendo, em 17.12.2021, sido celebrado um Acordo de Reconhecimento de Dívida e Reembolso (“Acordo”), de que são partes a Requerente, a Requerida, o Sr. J., a A... e a M... – Hotelaria e Turismo, Lda. (“M...”), nos termos do qual: (i)Foi acordado um Plano de Pagamentos e (ii) foram constituídas novas hipotecas para garantia do crédito da Requerente.
41. Nos termos do Acordo referido em 40, a Requerida e o Sr. J. declaram e reconhecem expressamente (i) ser devedores da Requerente do montante de €2.246.559,28 (dois milhões, duzentos e quarenta e seis mil, quinhentos e cinquenta e nove euros e vinte e oito cêntimos), acrescido de juros à taxa Euribor a doze meses, acrescida de 4% ao ano até integral e efectivo pagamento; e das restantes obrigações contratualmente previstas.
42. Para garantia do cumprimento das obrigações previstas ao abrigo do Acordo, foram constituídas, por escritura pública, novas hipotecas a favor da Requerente, nos seguintes termos:
- Pelo avalista J.:
(i) Uma hipoteca de primeiro grau sobre o Imóvel Quinta da M, no …, freguesia de ..., concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém, sob o número …, da freguesia de ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e na matriz predial rústica sob o artigo … secção B, que tem actualmente o valor patrimonial tributário conjuntado de €133.889,92.
(ii) uma hipoteca de segundo grau sobre o Imóvel Terras Novas, freguesia de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o número …, da mesma freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, que tem actualmente o valor patrimonial tributário de €395.180,10.
(iii) uma hipoteca de segundo grau sobre o prédio urbano, denominado lote … situado na Quinta da Ma, Freguesia e Concelho de Cascais, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o número …, da freguesia de Cascais e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, tendo a hipoteca a favor da Requerente sido registada nos termos do averbamento resultante da Ap. 4372 de 2022/08/23.
Pela M...:
(i)uma hipoteca de primeiro grau sobre prédio rústico que está situado em ... (“Imóvel C”), freguesia de União das Freguesias de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …, da freguesia de …. e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, secção AA, que tem actualmente o valor patrimonial tributário de €47,27, 14 tendo a hipoteca a favor da Requerente sido registada nos termos do averbamento resultante da Ap. 3333 de 2022/02/16.
Pela A...:
(i)uma hipoteca de primeiro grau sobre o prédio urbano correspondente a terreno para construção situado em … ( “Imóvel Oh”), freguesia de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, da freguesia de … e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, Secção U, que tem actualmente o valor patrimonial tributário de €1.020,00, tendo a hipoteca a favor da Requerente sido registada nos termos do averbamento resultante da Ap. 4713 de 2022/06/24.
45. As garantias anteriormente prestadas, nomeadamente o aval pessoal do Sr. J. e a hipoteca sobre as 18 fracções autónomas que integram o aparthotel localizado em Albufeira (“Frações Hotel O...”), constituídas pela A... , S.A. mantiveram-se.
46. O Acordo previa o reembolso da totalidade da dívida até ao dia 15.11.2022, nos termos do plano de reembolso acordado e com recurso ao produto da venda de determinados imóveis hipotecados a favor da Requerente.
47. No dia 15.11.2022, ao abrigo do Acordo, haviam sido pagas prestações mensais de capital no montante de €226.000,00, bem como, um reembolso antecipado de €171.000,00 associado à venda do Imóvel C em Setembro de 2022.
43.O Imóvel C, propriedade da M..., foi vendido mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 28.09.2022, tendo a hipoteca constituída a favor da Requerente sido cancelada.
48. Após negociações, o Acordo foi objecto de aditamento celebrado pelas mesmas partes, em 16.01.2023, nos termos do qual foi acordado alterar a data de reembolso final para 15.05.2023, bem como, alguns termos e condições tendo a Requerida e o Sr. J. declarado e reconhecido expressamente (i) serem devedores da Requerente do montante de €1.946.794,08 (um milhão, novecentos e quarenta e seis mil, setecentos e quarenta e seis euros e oito cêntimos), acrescido de juros à taxa Euribor a doze meses, acrescida de 6.5% ao ano até integral e efectivo pagamento; (ii) bem como, das restantes obrigações contratualmente previstas, que a A... e a M... declararam expressamente conhecer e aceitar.
49. Adicionalmente, e atenta as sucessivas e malogradas tentativas de venda do Imóvel Quinta da M, associado ao facto de nunca ter sido apresentada qualquer proposta para aquisição dos restantes imóveis hipotecados a favor da Requerente, foi expressamente acordado, que a falta de conclusão definitiva da venda do Imóvel Quinta da M até ao dia 17.01.2023, constituiria uma situação de incumprimento e vencimento antecipado da totalidade das Obrigações decorrentes do referido Acordo.
50. O negócio de venda do Imóvel Quinta da M, não se concretizou.
51. No âmbito do Aditamento, a Requerente liquidou prestações de capital que perfazem o valor de €51.000,00.
52. Em 23.03.2023, a Polícia Judiciária emitiu comunicado, com o seguinte teor:
A operação em apreço visou a recolha de elementos probatórios complementares e relacionados com suspeitas de atividades criminosas fortemente indiciadoras da prática dos crimes de corrupção passiva, corrupção ativa, insolvência dolosa agravada, burla qualificada e falsificação ou contrafação de documentos. (...). Em causa está uma investigação criminal cujo objeto visa um plano criminoso traçado para, entre o mais, ocultar a dissipação de património, através da adulteração de elementos contabilísticos de diversas empresas, em claro prejuízo de diversos credores, v.g., os trabalhadores, fornecedores e o Estado, estando reconhecidos créditos num valor total de cerca de 100.000.000,00€ (cem milhões de euros).” (doc. 18 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
53. Mediante carta registada e datada de 24.03.2023 a Requerente declarou o vencimento antecipado da totalidade das obrigações decorrentes do Acordo.
15. Por requerimento inicial datado de 06.04.2023, a Requerente requereu a declaração de insolvência da Requerida junto do Juízo de Comércio do Funchal, cujo processo correu termos sob o n.º 1965/23.0T8FNC - Juiz 2.
16. A Requerente deu início a um processo executivo contra a A..., com vista à execução das hipotecas por esta constituídas em garantia dos créditos, cujo processo corre termos sob o n.º 600/23.0T8SLV, no Juiz 1 do Juízo de Execução de Silves.
17. Na pendência dos processos de insolvência da Requerida e de execução contra a A..., foi proposto pela Requerida à Requerente a celebração de um acordo que permitisse impedir a declaração de insolvência da primeira.
18. No contexto referido em 17., e admitindo a Requerida não reunir condições para proceder ao pagamento do crédito já vencido da Requerente, foi celebrado em 13.07.2023 um Acordo de Reconhecimento de Dívida, Reembolso e Pagamento em Prestações (“Acordo A...”), entre a Ar…. S.A., na qualidade de Credora e Exequente e a A... , S.A., na qualidade de Devedora, Garante Hipotecária e Executada, nos termos do qual a A..., por nisso ter interesse e em razão de relação societária com a IM...gest e pela sua qualidade de garante hipotecária, expressamente reconheceu, confessou-se devedora e assumiu-se como principal pagadora dos créditos da Requerente sobre a Requerida, à data, no montante de €1.982.405,63.
19. Na data em que foi firmado o acordo, a Requerente apresentou requerimento de desistência no âmbito do processo de insolvência, o qual foi homologado por sentença, pois a desistência do processo de insolvência era pressuposto do Acordo A....
20. Nos termos do Acordo A..., a A... comprometeu-se a reembolsar os montantes em dívida à Requerente através de 18 pagamentos mensais, iguais e sucessivos, no valor de €40.000,00 (quarenta mil euros), cada um, entre 13 de Julho de 2023 e 13 de Dezembro de 2024 e a reembolsar antecipadamente os montantes em dívida logo que fosse recebido o preço da venda dos imóveis dados em garantia, no âmbito do processo executivo, sendo o montante em dívida remanescente a liquidar integralmente até à Data Final de Reembolso, ou seja, até ao dia 31 de Dezembro de 2024.
54. No âmbito do Acordo A..., a Requerente recebeu da A... prestações mensais de capital até Janeiro de 2024, no montante global de €280.000,00, bem como um reembolso antecipado de capital de €498.750,00 associado à venda do Imóvel Oh em Setembro de 2023.
22 e 36. No processo executivo, a A... vendeu o “Imóvel de Oh”, tendo a Requerente recebido a este título o montante de €498.750,00 em 21 de Setembro de 2023[3], não tendo, até à data, vendido qualquer das Frações do Hotel ali penhoradas apesar dos esforços de venda encetados pela A....
21. Em 13 de Fevereiro de 2024, a A... não procedeu ao pagamento da prestação mensal de €40.000,00 (quarenta mil euros) vencida nessa data[4], o que constituiu situação de vencimento antecipado nos termos do disposto na Cláusula 6.1 a) e c) do Acordo A....
23. Interpelados para o efeito, a A..., a Requerida e o Sr. J. não sanaram o incumprimento.
56. Por carta registada com aviso de recepção datada de 26.02.2024, a Requerente interpelou a A... para pagamento das quantias em dívida, sob pena de o Acordo A... se considerar definitivamente incumprido e a totalidade dos montantes em dívida se considerarem imediatamente vencidos e exigíveis, tendo igualmente sido interpelados, nos mesmos termos, o avalista, Sr. J., e a Requerida.
57. O montante de capital vencido e não reembolsado, pela Requerida à Requerente, ascende ao montante total de €1.203.655,64 (um milhão, duzentos e três mil, seiscentos e cinquenta e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos).[5]
58. A última prestação de contas depositada pela Requerida na Conservatória do Registo Comercial, ocorreu em 5.07.2022 e respeita ao exercício de 2020 (não se encontram depositadas as contas relativas aos exercícios de 2021, 2022 e 2023).
59. A D…, foi declarada insolvente em 04.10.2022, e apresentava no ano de 2021, uma lista provisória de créditos, no âmbito do (terceiro) Processo Especial de Revitalização que correu termos sob o n.º 11803/21.2T8SNT no Juiz 4 do Juízo de Comércio de Sintra, com um valor total de créditos reclamados que ascendia a €67.344.993,90, incluindo créditos reclamados pela Segurança Social no montante de €11.983.68919, pela Autoridade Tributária, no valor de €1.212.153,96, garantidos por hipoteca sobre as restantes frações autónomas do aparthotel localizado em Albufeira, constituídas pela A... , S.A., cujo património se resume ao referido aparthotel, hipotecado a favor da Requerente, da Autoridade Tributária e do Instituto da Segurança Social.
60. A A... não apresenta contas desde o exercício de 2020.
61. A I…, Lda., sociedade responsável pela gestão operacional do aparthotel não apresenta contas desde o exercício de 2021.
62. A T…, Lda., que apresenta capitais próprios negativos desde 2007, não gera resultado operacional desde 2006, e, apesar de se tratar de uma sociedade gestora de participações sociais, não existe qualquer informação pública sobre as referidas participações. (Doc. 22 que ora se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
63. A T… não apresenta contas desde o exercício de 2020.
64. A A… – Tecnologias e Informação, Lda, que, apesar de ter capital próprio positivo, apresenta resultados líquidos médios de €54.706 por ano desde 2010, e os seus níveis residuais de "Caixa e equivalentes a caixa”, €727 no final de cada período contabilístico entre 2010 e 2020.
65. O objecto social da A… é a “importação, exportação e comércio de todo o equipamento e material de escritório e informática, incluído a prestação de serviços inerentes ao hardware, software e formação, e serviços conexos, podendo abranger a alocação de espaços para essa prestação” e a sociedade não apresenta contas desde o exercício de 2020.
66. Os valores de Caixa e Depósitos Bancários, com referência a 31-12-2020, ascendiam a €753,00.
67. A Requerida apresenta, com referência a 31.12.2020, um passivo de €21.089.813.54, dos quais €2.120.886,00 se referem a financiamentos obtidos.
68. O Activo contabilístico registado da sociedade ascende a €80.872.214,25, com referência a 31.12.2020. (Doc. 24 IM...gest_Relatório e Contas_2020 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
69. O valor de “Participações financeiras” e “Outros investimentos financeiros” registados no Activo ascende a €38.434.515.
70. Parte das empresas do Grupo IM... estão inactivas, insolventes, ou apresentam resultados operacionais e liquidez residuais.
71. É referido pelo Revisor de Contas, numa Reserva expressa na Certificação Legal de Contas relativa ao exercício findo em 31-12-2020, que “o Activo inclui participações financeiras e outros direitos sobre as empresas do Grupo, cujas Certificações Legais de Contas contêm Reservas e Enfases que condicionam o valor daquele.” (Doc. 25 junto com a petição inicial - Certificação Legal de Contas 2020, ujo teor se dá por integralmente reproduzido)
72. O valor de “Outros créditos a receber” registado no Activo ascende a €24.975.692,91 que inclui cerca de € 17,9 milhões a receber da T…, que apresenta capitais próprios negativos desde 2007 e não gera resultado operacional desde 2006.
73. Sobre o valor a receber da T…, refere ainda o Revisor Oficial, em Reserva expressa na mesma Certificação Legal de Contas, que o mesmo se afigura “de difícil realização” e que “(…) Atendendo a que não foi reconhecida qualquer perda por imparidade, o Ativo e os Capitais Próprios encontram-se sobrevalorizados naquele montante.” (Doc. 25 junto com a petição inicial - Certificação Legal de Contas 2020, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
74. Os “Activos Fixos Tangíveis”, registados no Activo pelo valor contabilístico de €16.950.852,91 em 31.12.2020, foram sujeitos a uma reavaliação livre em 2019 que incidiu sobre os activos “Edifício IM... – Sintra” (a Sede do Grupo IM... e onde opera a D…) e “Terreno – Morehotel – Sintra”, e que resultou num incremento do activo em cerca de €9,2 milhões de euros, conforme divulgado no Relatório e Contas 2019 e na Certificação Legal de Contas de 2020.
75. Nos anos de 2018 a 2020, os Resultados Operacionais (“Resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos”) da Requerida foram, respectivamente, de € 273.956,82, € - 1.487.857,74 e € - 2.599.468,01
76. Nos anos de 2018 a 2020 os Fluxos de Caixa Operacionais gerados (€128.549,26, €380.360,36 e €269.868,38, respectivamente) foram, na sua maioria, canalizados para actividades de investimento relacionadas com activos fixos tangíveis, com associados fluxos de caixa negativos (€ 77.130,99, € - 355.934,62 e € - 241.608,56, respectivamente).
77. Em Demonstração de Resultados provisória e não auditada referente aos exercícios de 2022 e 2021, a Requerida refere que o resultado líquido do ano de 2022 foi negativo no montante de €567.064,85 e que o resultado líquido de 2021 foi positivo no montante de €189.988,00.
78. Em Setembro de 2023, em Demonstração de Resultados provisória e não auditada, o resultado líquido da Requerida foi negativo no montante de €462.300,73
79. Corre termos sob o n.º 600/23.0T8SLV, no Juiz de Execução de Silves - Juiz 1 execução na qual figura como exequente a Requerente e executada a A... tendo sido penhorado património penhorado e garantias a favor da Requerente.
80. A Requerida celebrou um plano de pagamento em prestações com a Autoridade Tributária e Aduaneira.
81. A Requerida celebrou com a Segurança Social um acordo de pagamento em 150 prestações mensais sucessivas, o qual se iniciou em Março de 2017.
82. À data de 11.06.2024 (apresentação da contestação) o acordo referido em 81 apresentava a prestação referente ao mês de Maio com a menção em atraso e a prestação referente a Abril de 2024 com pagamento efectuado a 19.05.2024.
83. A Requerida é dona e legitima proprietária do prédio urbano, sito em …, …, Rua …, …, São Pedro de Penaferrim, Sintra, composto por cave, rés do chão e 3 pisos, composto por escritórios e estúdios de televisão, com a área total de 14.958.000 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob a descrição n.º … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 10375, que continua a ser mantido e não está em situação de abandono por parte da Requerida.
84. Sobre o prédio referido em 83 incidem os seguintes registos:
(I) “AVERB. - AP. 186 de 2012/06/14 10:02:29 UTC - Penhora
Penhora no valor de 11.574.109,85 Euros, com data de 10.05.2012, registada a favor da Fazenda Nacional - Processos de execução fiscal nº 2810200201047990 e apensos, nº 2810201001137247 e nº 2810201001151371 do 1º Serviço de Finanças do Funchal.
(II) AP. 2571 de 2015/09/08 17:38:13 UTC - Hipoteca Voluntária, a favor do IGFSS.IP - INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL para garantia da dívida à Segurança Social da Sociedade "D…, SA", NIPC …., com sede na Rua …, piso 2, sala 12.1, Abrunheira, Sintra - com Processo Especial de Revitalização (PER) com o nº 2936/14.2T8SNT, da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra, Inst. Central, Secção Comércio - J4, reclamada no referido PER a quantia de 7.385.915,42 euros, acrescida de 25% daquele valor, no montante global de 9.232.394,28 Euros.
Esta HIPOTECA abrange também 55 fracções do prédio descrito sob o nº … da freguesia de Albufeira
(III) AP. 4631 de 2022/09/15 16:28:36 UTC – Penhora a favor do I.G.F.S.S. - INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., sendo a Quantia Exequenda de 9.232.394,28 Euros, no âmbito do processo executivo nº: - 1101200401024469 e apensos - Secção de Processo Executivo de Beja.
(IV) AP. 3409 de 2023/02/07 14:12:18 UTC – Penhora a favor da E..., LDA, no âmbito do processo Processo executivo n.º: - 6032/22.0T8FNC a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira - Funchal - Juízo Execução - Juiz 1, sendo a quantia exequenda no valor de €19.902,27 Euros. O sujeito passivo usou a denominação, IM...GEST - sociedade gestora de participações
(V) AP. 4815 de 2023/10/31 16:00:48 UTC – Arresto a favor de L..., para garantia do valor de 803.792,40 Euros, no âmbito do processo 4718/23.1T8SNT - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo do Trabalho de Sintra - Juiz 3.
(VI) AP. 3049 de 2023/11/29 14:11:32 UTC – Penhora a favor de L..., para garantia do valor de 31.752.959,47 euros, no âmbito do Processo Executivo Nº 23417/20.OT8LSB.2 - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa- Juízo Trabalho - Juiz 2
85. A Requerida apresentou processo de impugnação judicial contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, o qual correu os seus termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal sob o n.º 286/12.8BEFUN, e que teve por fundamento impugnar o despacho proferido pelo Director Regional dos Assuntos Fiscais, que determinou o indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, deduzida contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.º 2007 8310019122, no montante total de €8.295.366,54 e, consequentemente, contra o acto de liquidação referente ao exercício de 2003.
86. Por sentença datada de 29 de Setembro de 2022 foi decidido que, face ao valor global da liquidação (€8.295.366,54), seria de anular o valor relativo a juros compensatórios no valor de €1.008.572,19 e parte do valor relativo ao apuramento da mais-valia no valor de €4.256.812,89.
87. A Requerida apresentou oposição à execução e penhora registada ao abrigo do processo executivo que corre termos sob o n.º 23417/20.0T8LSB.2 no Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 2., em que foi alegada a inexequibilidade do título executivo, a inexigibilidade e iliquidez da obrigação
88. O prédio referido em 87 - Edifício IM... – foi avaliado no ano de 2019, a solicitação da Requerida, em cerca de €11.800.000,00.
89. Encontra-se registado a favor da Requerida na Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob a descrição …/20110503, freguesia de Sintra (S. Pedro de Penaferrim) e inscrito na matriz sob o artigo urbano …., terreno para construção, o qual evidencia os seguintes registos:
(I) AP. 1623 de 2020/04/17 17:06:01 UTC – Usufruto a favor de L…, Lda, incidente sobre uma parte, com a área de 110 m2, correspondente a 0,72 % do prédio, área essa localizada no canto sudeste do prédio.
(II) AP. 921 de 2021/03/30 12:08:38 UTC - Consignação de Rendimentos, pelo prazo de 15 anos, com início em: 2021/03/30, para garantia do valor de 2.500.000,00 Euros, a favor do Banco Bic Português, Sa e sobre B…, Lda, para Garantia do bom e integral pagamento e liquidação do contrato de mútuo celebrado em 30/03/2021, por documento particular, dos respectivos juros remuneratórios e moratórios.
90. O prédio referido em 89 foi avaliado em 2019, a solicitação da Requerida, em cerca de €4.000.000,00.
91. A Requerente recebeu de garantia e tem penhorado a seu favor fracções autónomas do prédio urbano, denominado de “Hotel O...”, sito em Areias de S. João, Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º …, propriedade da sociedade A..., SA, cujas penhoras ascendem ao valor de €4.082.712,90.
92. O empreendimento turístico referido em 91 foi avaliado em €11.166.700,00.
93. A Requerente recebeu de garantia os seguintes bens imóveis: (i) Prédio misto, designado de Quinta da M, sito em …, Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º …, (ii) Prédio urbano, sito em Terras Novas, Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º …, avaliado em €1.157.400,00, (iii) Prédio urbano, sito na Rua Pinhal Raposo, Lote …, Quinta da Ma, Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, avaliado em cerca de €7.000.000,00.
94. J. celebrou contrato promessa de compra e venda do prédio referido em 93. em Janeiro de 2022, não se tendo concretizado a venda por parte do promitente comprador.
95. A Requerida tem prestado e desenvolvido, para além da Gestão das Participações Sociais, os seguintes serviços: Serviços de gestão, de contabilidade e de recursos humanos às várias empresas do Grupo IM...gest; Exploração do Edifício IM..., através da celebração de contratos de arrendamento, sendo ainda arrendatárias do Edifício as sociedades RCJ, Lda., A... , SA e Ac…, Lda.
96. Em Março de 2023, o Presidente do Conselho de Administração e o ROC da Requerida ficaram sujeitos à medida de coacção de não exercício de qualquer actividade em empresas do Grupo IM..., no âmbito de processo judicial.
97. Esta medida de coacção cessou no início do ano de 2024 e a Nucase, entidade responsável pela contabilidade, está a encetar diligências para que sejam submetidas todas as declarações em falta.
98. A sociedade G…, Lda. é dona e legitima proprietária do prédio rústico, com a área de 348000m2, sito em Tojeiras, Vila Nova da Barquinha, existindo um estudo de viabilidade económica e financeira para o mesmo. (Docs. 19 e 20 juntos com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
99. A sociedade Ac…, Lda. continua activa e a prestar serviços aos seus clientes.
100. Nestes autos, a Requerida indicou os seus cinco maiores credores com uma dívida no valor de €31.352.188,60, assim discriminados:
- Autoridade Tributária - €16.156.879,19
- Instituto da Gestão Financeira da Segurança Social, IP- €11.168.742,38
- RCJ – Conteúdos Editoriais, Lda - €2.765.451,61 (registado na contabilidade a 31.12.2023)
- IM..., Lda - €600.296,26 (registado na contabilidade a 31.12.2023)
- WIM....net, Lda - €660.819,16 (registado na contabilidade a 31.12.2023)

Factos Não Provados
Não resultaram provados os seguintes factos:
A. A única actividade desenvolvida pela Requerida consiste na gestão de participações sociais.
B. Quatro das sociedades que integram o Grupo IM... estão sediadas no Brasil.
C. A investigação criminal envolvendo o Sr. J., Presidente do Conselho de Administração e beneficiário efectivo da Requerida, determinou o arresto preventivo dos bens que integram o património do Sr. J., na sequência de requerimento apresentado pelo Ministério Público.
D. No âmbito da insolvência da sociedade D… (integrante do Grupo IM...), os seus trabalhadores e credores, requereram a qualificação da insolvência como culposa.
E. O Grupo IM...gest gera receitas superiores a €2.000.000,00 anuais.
F. A sociedade I…, Lda., entidade exploradora do Hotel O..., auferiu no ano de 2023 e até à data de entrada da petição em juízo, resultante da exploração, os seguintes valores (numa perspectiva de mera tesouraria):
(i) Ano 2023:

G. A Requerida submeteu a IES e o Modelo 22, referente ao ano de 2021.

B) Nos termos do art.º 662º, nº1 do CPC, por recurso à certidão permanente da recorrente (junta com a petição inicial), à publicação de ato societário junta pela requerente, e ao alegado nos arts. 16º, 24º, 25º e 28º da oposição, por pertinentes na apreciação das questões suscitadas nos autos, aditam-se os seguintes factos:
4.a) O Conselho de administração é integrado por L. e A., na qualidade de vogais.
4.b) Em 20.02.2024 a Conservatória do Registo Comercial procedeu à publicação de aviso no portal de publicações do Ministério da Justiça (https://publicações.mj.pt) nos termos do nº 1 do art.º 167º do CSC e do nº 4 do art.º 8º do RJPADLEC, dando notícia do “início oficioso de procedimento administrativo de dissolução da sociedade IM...GEST -CONSULTADORIA DE GESTÃO, S.A (ZONA FRANCA DA MADEIRA) matriculada com NIPC …, com base no disposto na alínea a) do artigo 5.º do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29 de Março, por estar em falta o registo da prestação de contas durante dois anos consecutivos (estão em falta as contas de 2021 a 2022).
86.a) A requerida tem 8 execuções fiscais contra si pendentes para cobrança das quantias de €15.967.422,10, €310,74, €22,55, e €23,02, €2.354,89, €10.675,66, €23.217,94, e €152.853,41, das quais as últimas cinco estão em situação de “Ativo” e as demais em situação de “Suspenso”. (artigo 16º da oposição)
86.b) A quantia exequenda de €15.967.422,10 inclui o imposto liquidado no montante de €8.295.366,54 aludido em 85 (arts. 24º, 25º e 28º da oposição).

IV – Fundamentos de Direito
Para contextualização das questões a apreciar procede-se a breve referência à definição e critérios legais de verificação da situação de insolvência e dos legitimados a pedir a sua declaração.
1. Conforme critérios legais de aferição e definição da situação de insolvência previstos pelo art.º 3º, nos termos do seu nº 1 “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas” – e não meramente em situação de incumprimento[6] - e, nos termos do nº 2, tratando-se de pessoas coletivas, quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo, avaliado segundo as normas contabilísticas aplicáveis, excluindo-se da valorização do ativo a rubrica do trespasse do estabelecimento. Este último critério legal, que funciona como um critério acessório de definição de insolvência restrito às pessoas coletivas, tem subjacente o seguinte raciocínio: não existindo, nestes casos, grande possibilidade de “crédito pessoal”, a superioridade manifesta do passivo sobre o activo coincide, em regra, com a impossibilidade de estas entidades cumprirem as suas dívidas.”[7]
De acordo com o primeiro e principal critério, o que essencialmente releva na caracterização da insolvência é a impossibilidade de cumprimento pontual das dívidas vencidas por falta de liquidez e/ou de crédito do devedor, impossibilidade essa que é apreciada objetivamente, independentemente da causa ou do conjunto das causas que a determinaram - a situação de insolvência do devedor é ditada pela ausência de liquidez suficiente para pagar as suas dívidas no momento em que se vencem.  A lei consagrou assim o critério do fluxo de caixa – cash flow - para avaliação da incapacidade/impossibilidade de cumprimento com que define a insolvência: em insolvência estão as entidades com fundo de maneio e tesouraria negativos, mesmo que possuam ativos valiosos mas não geradores de fluxos de caixa para honrar as suas obrigações contraídas. “De acordo com o critério do fluxo de caixa, o devedor é insolvente logo que se torne incapaz, por ausência de liquidez suficiente, de pagar as suas dívidas no momento em que estas se vencem. Para esse critério, o facto de o seu activo ser superior ao passivo é irrelevante, já que a insolvência ocorre logo que se verifica a impossibilidade de pagar as dívidas que surgem regularmente na sua actividade.”[8]  
Efetivamente, ainda que no CIRE o legislador tenha omitido a referência à pontualidade como característica essencial do cumprimento das obrigações vencidas[9], tal não pode ser entendido com o alcance de implicar o abandono do entendimento inerente à ideia de cumprimento, de realização atempada das obrigações a cumprir. “É que só dessa forma se satisfaz, na plenitude, o interesse do credor, e se concretiza integralmente o plano vinculativo a que o devedor está adstrito. Neste sentido não interessa somente que ainda se possa cumprir num momento futuro qualquer, importando igualmente que a prestação ocorra no tempo adequado e, por isso, pontualmente.”[10]
De realçar que a impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações vencidas não exige que estejam nessa situação todas as obrigações assumidas/contraídas pelo devedor. Na síntese de Manuel Requicha Ferreira, “É insolvente o que não está em situação de satisfazer regularmente as suas obrigações, e regularmente significa em conformidade com a regra, portanto prestando a «res debita» e no tempo devido. É insolvente não só o que pode pagar a alguns, deixando insatisfeitos os outros credores, mas também que pode pagar as suas obrigações só parcialmente, ou então pode pagar integralmente, mas em data posterior ao vencimento.”[11] Tão pouco exige a demonstração de pluralidade de dívidas vencidas e não pagas. Conforme acórdãos do STJ de 29.10.1918 e 11.10.1927 citados por Alberto dos Reis[12], “pode ser declarada a falência ainda que seja uma só a obrigação que o comerciante deixou de pagar”; e “não pode a priori estabelecer-se se basta a falta de pagamento duma obrigação, se é necessária a falta de pagamento de várias; há que atender às circunstâncias”. 
2. Conforme ponto 3 do diploma preambular do Decreto Lei nº 53/2004 de 18.03, A vida económica e empresarial é vida de interdependência, pelo que o incumprimento por parte de certos agentes repercute-se necessariamente na situação económica e financeira dos demais. Urge, portanto, dotar estes dos meios idóneos para fazer face à insolvência dos seus devedores, enquanto impossibilidade de pontualmente cumprir obrigações vencidas. Daí que o objetivo legal da declaração e processo de insolvência seja o de recuperar ou, se não sendo possível, de expurgar do giro económico-comercial os incumpridores geradores do chamado efeito bola de neve, sabido como é que a solvabilidade no mundo empresarial (assim como a do trabalho subordinado que o sustenta e é por ele sustentado), depende do cumprimento, em tempo útil, dos créditos e débitos comerciais gerados pela atividade dos vários parceiros comerciais e demais stakeholders. Assim, e para além do dever de apresentação à insolvência a cargo do devedor previsto no art.º 18º, qualquer credor pode requerer em juízo que o devedor seja declarado insolvente desde que, para além da justificação da qualidade em que requer, invoque como fundamento algum dos factos índice da situação de insolvência previstos pelo art.º 20º, nº 1 do CIRE. Sendo o objeto imediato pretendido pelo credor a obtenção de uma sentença judicial que declare a situação de insolvência - e no que se consubstancia o pedido que deduz e que cumpre apreciar e decidir a final -, a qualidade de credor constitui mero pressuposto processual (legitimidade ad causam) e condição de procedência da ação (legitimidade material).
Os factos previstos pelo nº 1 do art.º 20º do CIRE são doutrinária e judiciariamente designados factos-índice da situação de insolvência pelo valor presuntivo de situação de insolvência que o legislador atribuiu e/ou reconheceu a factos “tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto.”[13] [14] Factos que, como resulta do proémio do art.º 20º nº 1 (Outros legitimados), o legislador previu simultaneamente como legitimadores do pedido de declaração de insolvência apresentado por terceiro, no pressuposto de a este ser praticamente impossível demonstrar quer a ausência/insuficiência de recursos do devedor (próprios ou de terceiros) para satisfazer as suas dívidas vencidas, quer os valores do ativo e do passivo do devedor. Conforme acórdão desta Relação e secção de 20.06.2020, [c]iente desta dificuldade, a lei basta-se, nos casos de requerimento de declaração de devedor por outros legitimados, com a prova de um dos factos enunciados no art.º 20º nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, que permitem presumir a insolvência do devedor.[15]
Assim, por um lado a legitimidade ativa do credor é condicionada pela verificação de certas situações - o credor tem legitimidade para requerer em juízo que o devedor seja declarado insolvente desde que, para além da justificação da qualidade de credor, invoque como fundamento da situação de insolvência algum dos factos previstos pelo art.º 20º, nº 1 do CIRE que, conforme se referiu, para além da natureza de factos-índice e condição suficiente da declaração de insolvência (pelo valor de presunção de situação de insolvência que a lei lhes reconhece)[16], surgem como factos legitimadores do pedido de declaração de insolvência apresentado por credor[17]. No mesmo sentido refere Soveral Martins[18]: O art.º 20.º, 1, do CIRE enumera um conjunto de factos cuja verificação deve ter lugar para que os sujeitos ali referidos possam requerer a declaração de insolvência do devedor. Não se trata, na verdade, de outras tantas situações de insolvência que devam ser somadas às previstas no art.º 3.º, mas sim de meros requisitos de legitimidade e de «factos-índices» ou presuntivos da insolvência (…). Por outro lado, a demonstração da situação de insolvência não exige a demonstração da ausência de liquidez do devedor para pagamento pontual das suas dívidas vencidas; ‘basta-se’ com a prova de factos constitutivos da presunção legal de estado de insolvência, e só permite que esta seja afastada pela prova da solvência do devedor.
A. Da adequação do processo de insolvência para exercício do direito da recorrida
1. No caso, quer para sustentar a sua legitimidade, quer para fundamentar o pedido, a recorrida invocou e justificou a proveniência do seu crédito sobre a recorrente no valor de cerca de €1,2M com fundamento em contrato de cessão de créditos que celebrou com o Novo Banco pelo qual este lhe cedeu os créditos que detinha sobre a recorrente, emergentes de contrato de financiamento celebrado em 2014 pelo montante de €2,1M, assegurando assim o pressuposto processual da legitimidade ad causam para a ação nos termos em que a relação material vem por ela configurada, em conformidade com o critério legal previsto pelo art.º 30º do CPC. Em fundamento da situação de insolvência da recorrente, para além do incumprimento daquele contrato e dos acordos de reestruturação dos créditos dele emergentes, a recorrida mais alegou que a recorrente não gera fluxos nem tem resultados operacionais nem outros ativos suficientes para satisfação dos créditos emergentes daquele contrato, não presta contas desde o exercício de 2020, e o valor real dos seus ativos é inferior ao valor do seu passivo.
Na oposição que deduziu ao pedido de insolvência a recorrente não questionou a existência e o valor dos créditos, a qualidade de credora da recorrida, e a legitimidade desta para o pedido de insolvência. Para além da impugnação de alguns dos factos alegados pela requerente e da distinta valoração que para eles apresentou, a recorrente invocou a inadequação ou o abuso do recurso ao processo de insolvência para a recorrida obter a satisfação do seu crédito, que fundamentou com o facto de o crédito desta beneficiar de garantias constituídas e de penhoras inscritas sobre imóveis no âmbito de execução que tem pendente que, no seu entender, constitui o meio adequado para a recorrida obter o ressarcimento do seu crédito e que para tanto deverá prosseguir para venda do património penhorado. O tribunal recorrido conheceu dessa questão em sede de saneamento da ação sob a epigrafe “Do meio processual utilizado”, concluindo que a recorrida podia lançar mão do processo de insolvência porque o processo executivo não constitui pressuposto do processo de insolvência e esta será decretada desde que se demonstrem os respetivos pressupostos independentemente da pendência de processo de execução, considerações que retomou na prolação da sentença, mas aqui no âmbito da apreciação do pressuposto processual e material da legitimidade da recorrida para requerer a insolvência da recorrente. Em sede de alegações de recurso e sob a epígrafe “Da legitimidade do requerente para requerer a insolvência da requerida”, a recorrente retornou à questão do meio processual de que a requerente lançou mão para reiterar que o tribunal deveria ter decidido que o adequado para a recorrida obter a satisfação do seu crédito é a ação executiva singular pendente, na qual podem ser vendidas as frações urbanas da A... ali penhoradas, e não o processo de insolvência.
Nestes termos, não obstante a epigrafe sob a qual vêm alegados o que está em causa não é a legitimidade da recorrida para o pedido, mas a adequação do processo de insolvência para a recorrida exercer o seu crédito sobre a recorrente, à qual o tribunal recorrido respondeu pela positiva em sede de saneamento da ação, decisão que aqui se confirma, em síntese conclusiva, porque o facto de o crédito do requerente beneficiar de garantias reais e de penhoras sobre imóveis não o inibe de requerer a insolvência do devedor, ainda que os bens objeto daquelas garantias e penhoras tenham valor de mercado ou de liquidação superior ao valor do seu crédito.
Como se expôs, para legitimar o recurso ao processo de insolvência a lei apenas impõe que o requerente seja credor (ou responsável legal pelas dívidas do devedor) e justifique o pedido através da alegação de factos suscetíveis de integrar qualquer um dos pressupostos da situação de insolvência. Requisitos que a recorrida cumpriu, inexistindo qualquer fundamento de facto ou de direito que suporte a desconformidade formal e material do exercício do direito de instauração da presente ação com o disposto no art.º 20º, nº 1 do CIRE, norma que reconhece legitimidade a qualquer credor, ainda que condicional, e qualquer que seja a natureza do seu crédito e que, simultaneamente, cumpre os interesses de natureza pública, de ordem social e económica, que o legislador visa tutelar com a atribuição ao credor do direito de requerer a insolvência dos seus devedores, sem que lhes imponha a excussão da ação executiva singular; sendo que o que a lei não exceciona não cabe ao julgador excecionar.
O que a recorrente defende não encontra suporte na ratio legis, características e finalidades, publico-privadas, do processo de insolvência. Ao invés, colide com o interesse publico subjacente ao processo de insolvência, de expurgação do giro económico-empresarial de quem não cumpre todas as suas dívidas por ausência de recursos financeiros para o efeito e para assim atalhar ao contágio do incumprimento a outros agentes económicos – “(…) o interesse da colectividade, ou melhor, do comércio jurídico, é mais prejudicado pela importância económica do débito do que a multiplicidade de credores, sobretudo porque um incumprimento se for relativo a uma quantia avultada pode despoletar várias falências em cadeia que não se verificam nos casos em que, apesar de existirem vários credores, os montantes em dívida são relativamente insignificantes. (…). Ora, para o interesse público do “combate” à insolvência é absolutamente irrelevante se há ou não pluralidade de credores, o que releva é que haja uma situação de insolvência.[19] Preocupação logo manifestada na relevância que o legislador atribuiu à oportunidade temporal da instauração do processo de insolvência (cfr. arts. 18º e 186º, nº 3, al. b)) para, a partir desse momento, acautelar os interesses do coletivo dos credores do devedor insolvente por referência ao ativo e passivo então existentes, prevenindo a degradação do primeiro e o agravamento do segundo e, no essencial, estabilizar e otimizar a situação patrimonial do devedor em ordem à máxima satisfação do universo dos credores (seja pela via da liquidação, seja pela via da recuperação sempre que esta se mostre viável e os credores assim o entendam).
Características e finalidade que contrastam com as da execução singular, exclusivamente vocacionada para dar satisfação aos créditos do credor que a instaura e, eventualmente, dos credores com garantia real sobre os bens penhorados, que é feito com o sacrifício ou preterição dos demais credores por excluídos da afetação distributiva do produto dos bens ali penhorados e liquidados. A ação de insolvência não é uma ação de cobrança de dívida posto que não tem como finalidade a satisfação do credor que a requer – qualidade que a lei elegeu apenas a requisito de legitimidade processual e a condição de procedência da ação mas que, em abstrato, e em função dos bens que integram o património do devedor e da natureza e valor dos demais créditos que integram o passivo do devedor, pode nem vir a obter qualquer pagamento no âmbito da insolvência –, mas sim a satisfação do coletivo dos credores na medida das forças do património do devedor através de uma lógica distributiva do produto da totalidade dos bens e direitos penhoráveis de que seja titular, em função da natureza dos créditos, das preferências de pagamento que a lei consagra, e das regras concursais especialmente previstas no regime falimentar. Com relevância, nesta matéria, para as normas que preveem a extinção dos privilégios creditórios dos créditos do Estado vencidos ou constituídos para além dos 12 meses que antecedem o início do processo de insolvência (art.º 97º), medida que resulta em benefício dos demais credores que concorrem ao produto dos bens do devedor, desde logo dos credores comuns, mas também dos garantidos por hipoteca, que são beneficiados por esta regra especial falimentar comparativamente com o regime geral do concurso de credores da execução singular, judicial ou fiscal.
Acresce que os factos alegados por qualquer uma das partes não permitem sequer equacionar a possibilidade do exercício abusivo do direito de ação da recorrida por recurso ao processo de insolvência em detrimento da ação executiva posto que não viola - antes cumpre -, o fim social ou económico do direito de requerer a insolvência de devedor em alegada situação de insolvência com vista ao exercício (e eventual satisfação) do interesse particular que sobre a mesma detém. Note-se que dos imóveis oferecidos em garantia do crédito da recorrida, dois já foram vendidos pelo valor total de cerca de €670K (do ativo das participadas da recorrente), três foram objeto de arresto preventivo (do património do avalista), e os demais (18 frações de um aparthotel pertencentes a uma das participadas da recorrente) ainda não foram vendidos/convertidos em liquidez apesar de penhorados há mais de um ano no âmbito de execução instaurada em abril de 2023 pela recorrida e “dos esforços de venda encetados pela A...”,  permanecendo a recorrida sem o pagamento do seu crédito há muito vencido, agora pelo montante de cerca de €1,2M, e em situação de mora no seu cumprimento imputável à recorrente. Nessas circunstâncias, e na ausência de pagamento voluntário da dívida a partir de fevereiro do corrente ano, o processo de insolvência surge, senão o único, pelo menos o recurso processual mais célere para a requerente diligenciar proativamente pelo exercício coercivo do seu crédito através do produto dos bens e direitos patrimoniais da recorrente e, se for o caso e na medida em que o for, estancar e substituir a situação de mora por definitiva situação de cumprimento (total ou parcial) e/ou situação de crédito incobrável (total ou parcial). “[O] devedor que esteja incapacitado de cumprir uma ou mais obrigações perante um credor, deverá ser considerado em situação de insolvência para efeitos do art.º 3º, nº 1 do CIRE e permitir-se a abertura do respectivo processo e prosseguimento do mesmo, sem que a isso obste a falta de pluralidade de credores. O que a lei nunca poderia permitir é afastar a tutela jurídica adequada ao credor e, indirectamente, ao próprio comércio jurídico, face às potenciais repercussões que esse incumprimento pode ter na situação económica financeira deste.[20]
Termos em que improcedem nesta parte as alegações de recurso.
B. Da verificação dos pressupostos da situação de insolvência
Remetendo para os critérios legais de verificação da situação de insolvência acima enunciados, cumpre apreciar se ocorre erro de julgamento na valoração e subsunção do acervo factual adquirido nos autos na fattispecie pressuposta pelo critério legal previsto pelo art.º 3º, nº 1, de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas por ausência de liquidez por referência aos factos-índice presuntivos previstos pelas alíneas a), b), e h) do nº 1 do art.º 20º e considerados pela positiva pela decisão recorrida, sem prejuízo de desde já se adiantar que os factos assentes apenas permitem concluir pela verificação dos pressupostos da presunção de insolvência previstas nas als. b) e h).
B1. Da “suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas” (al. a):
De entre os factos que considerou assentes a decisão recorrida concluiu pela verificação deste facto com fundamento nos seguintes elementos: crédito da recorrida de valor superior a €1M em situação de incumprimento; atraso, à data da apresentação da contestação (em 11.06.2024), no pagamento da prestação de maio devida no âmbito de acordo que a recorrente celebrou com a Segurança Social e iniciou em março de 2017 para pagamento da dívida em prestações, e pagamento da prestação do mês de abril de 2024 apenas em 19.05.2024; penhoras e arresto inscrito sobre imóvel de que a recorrente é titular inscrita – designado edifício IM... –, uma inscrita em 15.09.2022 a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social para garantia da quantia de cerca de €9,2M, outra inscrita em 07.02.2023 em benefício de E…, Ldª para garantia de cerca de €20.000,00, um arresto inscrito em 31.10.2023 em benefício de L... para garantia de €803.792,40, e penhora inscrita em 29.11.2023 em benefício deste último para garantia da quantia de cerca de €31,7M. A respeito desta última o tribunal a quo considerou que, apesar da oposição à execução deduzida pela recorrente, neste momento essa dívida existe e em incumprimento, embora possa não se encontrar liquidada e o título ser inexequível em face da falta de liquidação.
 A recorrente opõe que o atraso de um mês no pagamento de uma prestação, a pendência de processos executivos contra si instaurados, e as penhoras no âmbito dos mesmos realizadas, não correspondem a incumprimento generalizado das suas obrigações vencidas, e não resulta incumprimento perante outros credores, nem ficou provado que esteja a incumprir com outros para além da obrigação para com a requerente. Mais opõe que dos factos provados resulta que no âmbito de impugnação judicial que deduziu contra a Autoridade Tributária foi reduzido para cerca de €3M o valor de cerca de €8,2M liquidado a título de IRC referente ao exercício de 2003 e que a decisão ainda está pendente de recurso, e que no processo à ordem do qual foi inscrita penhora para garantia do valor de cerca de €31,7M foi apresentada oposição à execução, do que resulta que não reconhece ser devedora dos montantes reclamados por estes credores.
Com efeito, a presunção de insolvência prevista pela al. a) do nº 1 do art.º 20º pressupõe a demonstração de uma paralisação no cumprimento que abrange a generalidade das obrigações vencidas do devedor, sendo que estas refletem a diversidade de relações jurídicas que uma sociedade comercial em atividade estabelece com os seus stakeholders (trabalhadores, Estado, e fornecedores de bens, serviços e crédito). Como consta do sumário do acórdão de 16.12.2021 desta secção[21]O preenchimento da al. a) do nº1 do art.º 20º do CIRE exige a prova de que a devedora suspendeu o cumprimento de todas as suas obrigações vencidas.” Cenário que sequer foi alegado na petição inicial, sendo que os únicos créditos que dos factos assentes resulta estarem em situação de incumprimento correspondem ao da recorrida e a prestação do mês de maio do plano de pagamento para regularização da dívida à Segurança, que em 11.06.2024 não estava paga, sendo certo que a consideração dos créditos garantidos pelas penhoras inscritas sobre imóvel da recorrente também não bastaria para considerar demonstrada a pressuposta paralisação da generalidade das dívidas da recorrente na medida em que nesta fase inicial os autos não revelam se aqueles correspondem ou não à totalidade (ou quase totalidade) dos credores da recorrente e/ou se no exercício da sua atividade a recorrente gera ou não novas obrigações e, na positiva, se as tem ou não vindo a cumprir. Como é referido no acórdão desta secção de 30.06.2020[22]A suspensão generalizada do pagamento de obrigações vencidas é de grande dificuldade probatória, por outrem que não o próprio devedor. Sendo este uma pessoa física singular essa dificuldade agrava-se: não há registos contabilísticos e todas as pessoas físicas celebram dezenas de negócios jurídicos por dia, que geram obrigações vencidas, até para assegurar a respetiva sobrevivência. Provar que nenhuma destas obrigações está a ser cumprida é o necessário para o preenchimento desta alínea que, de todo, no caso concreto se apurou.
B2. Da “Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (al b).
A sentença recorrida considerou este facto índice preenchido com as vicissitudes ocorridas no âmbito da execução do contrato de financiamento bancário que deu origem ao crédito da requerente, e no âmbito da execução dos vários acordos para reestruturação e pagamento dos créditos de capital e juros daquele emergente, o primeiro celebrado em 2018 com o Novo Banco e os demais celebrados em 2021 e em 2023 com a requerente na qualidade de cessionária do crédito daquele e na sequência do incumprimento do acordo anterior, com a intervenção do presidente do conselho de administração da recorrente também na qualidade de avalista e de duas sociedades do grupo (IM...) em que a recorrente se integra, aquele e estas na qualidade de proprietários de imóveis sobre os quais foram constituídas novas hipotecas.
Opõe a recorrente que dos autos não resultou demonstrado o incumprimento de outros créditos para além do crédito da requerente, e que os processos de negociações, as garantias prestadas pelas hipotecas e penhoras, e o recebimento de valores pela requerente no âmbito dos acordos e das vendas de imóveis revelam a sua boa fé e a vontade em cumprir com as suas obrigações e que “fez o que estava ao seu alcance para cumprir com a obrigação”.
Como acima se referiu, sendo a insolvência requerida por credor, a par com a alegação de pelo menos uma obrigação vencida, exige cumulativamente a alegação de factos suscetíveis de concretizar um ou mais factos índice de insolvência previstos no nº 1 do art.º 20º do CIRE que, demonstrados, e de acordo com a presunção que estes encerram, permitam concluir pela impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas. Contrariamente ao que a recorrente pressupõe, o facto índice previsto pela al. b) pode bastar-se com o incumprimento de uma só obrigação vencida, mas impõe seja acompanhado de circunstâncias que revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações vencidas. Como é referido por Menezes Leitão, “[N]este caso, a insolvência não necessita de uma cessação generalizada de pagamentos, podendo resultar apenas de algumas faltas de pagamento ou mesmo de uma só, desde que feitas em circunstâncias ou acompanhadas de actos de onde se possa inferir a impossibilidade de incumprimento das obrigações vencidas.[23] Como se referiu, para além de a lei não exigir que o montante em dívida ou as circunstâncias do incumprimento revelem a impossibilidade, definitiva e em absoluto de o devedor satisfazer a totalidade da suas obrigações - pois é suficiente que os factos indiciadores revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer tais obrigações pontualmente, isto é, ponto por ponto, conforme o acordado com os credores, no tempo e lugar próprios (art.º 406º do Código Civil) -, a lei basta-se com uma situação de mora/atraso no cumprimento desde que, pelo seu montante, no conjunto do passivo do devedor ou de quaisquer outras circunstâncias (atinentes com a concreta atividade exercida, rendimentos auferidos, e despesas a cargo), tal evidencie a impossibilidade de continuar a satisfazer os seus compromissos. Não exige também que tal situação se verifique com todas as obrigações assumidas/contraídas pelo devedor, nem tão pouco exige a demonstração de pluralidade de dívidas vencidas e não pagas. Nas palavras de Catarina Serra, “a pluralidade de credores não é um requisito [para a abertura] do processo de insolvência nem uma condição para a sua procedência”, e “[e]mbora [a insolvência] possa manifestar-se e, geralmente, se manifeste, através de uma multiplicidade de incumprimentos, pode haver insolvência quando há apenas um incumprimento e até quando não há incumprimento algum. (…) Com efeito, a única exigência legal para que se verifique a insolvência é que haja uma ou mais obrigações vencidas. Pode, portanto, tal impossibilidade revelar-se quando o devedor está meramente constituído em mora e não havendo incumprimento em sentido próprio (incumprimento definitivo).[24]
Ora, no contexto das descritas vicissitudes, que a recorrente não questiona, e sendo facto assente que volvidos mais de cinco anos sobre o prazo contratual inicial para cumprimento integral do contrato de financiamento de €2,1M mantém em dívida à requerente o montante de €1,2M, a boa fé e a vontade em cumprir com as suas obrigações que a recorrente hasteia nas alegações de recurso, se alguma relevância assumem na aferição dos pressupostos do facto índice (complexo) previsto pela al. b) é pela positiva posto que, apesar da alegada vontade em cumprir, o que naqueles termos a recorrente claramente confessa é que não tem meios para o fazer nos termos em que se obrigou através de cada acordo que sucessivamente e para o efeito celebrou, primeiro com a instituição de crédito que em 2014 a financiou - e que em 2018, face ao incumprimento da obrigação contratual da recorrente[25], lhe concedeu novo prazo de pagamento com carência de reembolso de capital de cerca de 2 anos -, e a partir de abril de 2021, com a requerente na qualidade de cessionária do crédito, o último celebrado em julho de 2023 na pendência de anterior processo de insolvência que lhe foi movido pela requerente e com a finalidade de obstar ao seu prosseguimento mediante desistência da requerente. O que a recorrente manifesta em alegações, mais do que presumir, impõe dar como confessada a atual impossibilidade de cumprir integral e pontualmente o crédito da requerente por ausência de liquidez para o efeito.
Com efeito, o montante em dívida à recorrente com origem em contrato celebrado em 2014 e a longevidade e persistência da situação de incumprimento do crédito dele emergente já anteriormente a 2018 e até ao presente, associado aos sucessivos acordos de reestruturação da dívida para pagamento em prestações com sucessiva dilação dos prazos de pagamento da totalidade do valor em dívida, e ao facto de o grosso dos pagamentos realizados a partir de 2021 terem ocorrido por recurso a meios líquidos e a ativo imobiliário de sociedades suas participadas e, ainda assim, permanecer em dívida mais de metade do valor do crédito que deveria ter sido saldado até finais de 2019 (em 60 meses), constituem circunstâncias claramente concretizadoras do facto índice da situação de insolvência do recorrente previsto pelo art.º 20º, nº 1, al. b) do CIRE por revelarem falta de cumprimento de dívida vencida por ausência de liquidez para o fazer no prazo e/ou termo para o efeito acordados. No caso, enquanto elemento de presunção da situação de insolvência, os referidos acordos e reiterados incumprimentos, mais do que uma presunção, ilustra e manifesta uma real e comprovada situação de insolvência porque, reiterando o acima citado, “não interessa somente que ainda se possa cumprir num momento futuro qualquer, importando igualmente que a prestação ocorra no tempo adequado e, por isso, pontualmente.” e, confessadamente, a recorrente não dispõe de meios para tanto. Cenário que surge agravado pela pendência de execuções para cobrança de quantias elevadíssimas, e pela oneração dos imóveis oferecidos em garantia com vários ónus, que incluem hipoteca para garantia da dívida à Segurança Social, inscrita em 2015 pelo valor de cerca de €9M sobre o edifício IM... e sobre as frações da A... (cfr. pontos 84 (II) e 91), as penhoras. É impressivo, por exemplo, a instauração e pendência de execuções fiscais para cobrança de quantias como €310,74, €22,55, €23,02, e €2.354,89, sendo certo que do extrato de execuções fiscais juntas pela recorrente para demonstração da sua atual situação perante a Autoridade Tributária, para além da cobrança da quantia de €15.967.422,10 – da qual a recorrente impugnou judicialmente ‘apenas’ o montante de cerca de €8M -, constam como ativas (por oposição a suspensas) outras execuções fiscais para cobrança das quantias de €10.675,66, €23.217,94, e €152.853,41.
Termos em que se conclui pela ostensiva verificação do facto índice de insolvência previsto pela al. b) do nº1 do art.º 20º.
B.3. Do “atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.” (al. h)
A verificação deste facto índice de insolvência não oferece qualquer dúvida interpretativa ou de valoração jurídica e integração dos factos provados nos pressupostos da norma posto que, uma vez demonstrada, como no caso resultou e a recorrente confirmou[26], não prestou contas referentes aos exercícios de 2021, 2022 e 2023, circunstância que integra o facto índice de insolvência previsto pela al. h), com o valor de presunção que se assinalou e que não exige seja acompanhada de outros factos que demonstrem a impossibilidade de pagamento pontual das dívidas vencidas, nem admite seja desqualificado como facto índice de insolvência por motivos da ordem do invocado pela recorrente – de que a não prestação de contas se deveu ao facto de o presidente do conselho de administração e o ROC terem sido judicialmente inibidos das suas funções – já que, para além de outras considerações, que no caso pecam por supérfluas, a dita inibição perdurou por período inferior a um ano (de março de 2023 até início de 2024) e durante a medida permaneceram em funções os restantes (2) elementos do Conselho de Administração (cfr. ponto 4.a).
Termos em que se conclui pela verificação de facto índice de insolvência previsto pela al. h) do nº 1 do art.º 20º.

C. Da (relevância da alegada) superioridade do ativo sobre o passivo
Como se referiu, na qualidade de pressupostos constitutivos do pedido que deduz, é sobre o credor requerente que recai o ónus de alegar e demonstrar pelo menos um dos factos indiciadores da situação de insolvência enunciados nas diversas alíneas do art.º 20º, dos quais resultam a referida presunção legal de insolvência (cf. art.º 342º do CC). Perante a prova positiva dos pressupostos de facto concretizadores de qualquer um dos critérios legais de aferição da situação de insolvência o devedor fica onerado com o ónus de ilidir a presunção de situação de insolvência que dos factos-índice decorre através da prova da sua solvência, ónus que, nos termos do art.º 30º, nº 4 do CIRE, apenas lhe é permitido exercer por recurso à escrituração obrigatória a que legalmente esteja sujeito, “devidamente organizada e arrumada.[27] Considerando que a recorrente não prestou contas relativamente aos exercícios dos últimos 3 anos (2021 a 2023), estava inelutavelmente impossibilitada de fazer prova da sua solvência.
Conclusão que, conforme flui do antes exposto, não é infirmada nem prejudicada pela superioridade do ativo sobre o passivo, facto que, de resto, a recorrente estava igualmente impossibilitada de demonstrar por não dispor de contas aprovadas dos 3 últimos exercícios.
Sem prejuízo, e como vem sendo reafirmado pela jurisprudência, reitera-se que os factos índices da insolvabilidade não resultam infirmados pela existência de bens na titularidade do devedor ainda que o seu valor seja superior ao passivo pois, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, tal fator (relação ativo/passivo) só releva se ilustrar uma situação de viabilidade financeira, passando esta pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento, o que já resultou afastado. Com efeito, a existência de ativo inferior ao passivo é legalmente apta a indiciar a situação de insolvência do devedor (pessoa coletiva) nos termos dos arts. 3º, nº 2 e 20º, nº 2, al. h) – o designado critério do balanço. Porém, o contrário já não sucede. Nas palavras de Maria do Rosário Epifânio, “Portanto, pode acontecer que o passivo seja superior ao ativo mas não exista situação de insolvência, porque há facilidade de recurso ao crédito para satisfazer as dívidas excedentárias. E, por outro lado, pode acontecer que o ativo seja superior ao passivo vencido, mas o devedor se encontre em situação de insolvência falta de liquidez do seu ativo (é dificilmente convertido em dinheiro)”[28]. Ou ainda, conforme acórdão desta secção de 12.11.2019 relatado pela ora relatora, “A existência de ativo inferior ao passivo é legalmente apta a indiciar a situação de insolvência (cfr. art.º 3º, nº 2 e 3 e 20º, nº2, al. h), porém, o contrário já não sucede, ou seja, a existência de ativo superior ao passivo não constitui pressuposto legal de solvabilidade nem sequer indício como tal legalmente previsto pois que, ainda que assim suceda, a devedora é insolvente se, não obstante, estiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas[29], como urge ser o caso. Acresce que, por essa via, é a própria recorrente quem desde logo admite que só pela via da liquidação do seu património tem possibilidade de liquidar o seu passivo, sendo que essa é a finalidade legal do processo de insolvência, a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, de acordo com as preferências legais de pagamento de que cada um deles beneficia (cfr. art.º 1º do CIRE), desde logo, para salvaguarda dos interesses dos credores que, através do processo de insolvência, passam a ‘controlar’ ou, ao menos, a fiscalizar a atividade de liquidação e, mais importante, o destino do produto com ela obtido e os termos em que o mesmo é distribuído, retirando-o assim da disponibilidade do devedor insolvente.

De todo o exposto resulta que, nas circunstâncias de facto apuradas - e confirmadas pelo recorrente -, esta encontra-se em situação de insolvência atual por ausência de liquidez suficiente e necessária para honrar pontualmente as obrigações que contraiu, designadamente, perante a requerente da insolvência.

Nada subsistindo para censurar ao juízo de insolvência formado pela decisão recorrida com fundamento nas als. b) e h) do nº 1 do art.º 20º do CIRE, a apelação improcede.

V - DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes desta secção em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Vencida na apelação, as custas do recurso são a cargo do recorrente.

Lisboa, 26.11.2024
Amélia Sofia Rebelo
Elisabete Assunção
Renata Linhares de Castro
_______________________________________________________
[1] Diploma a que pertencem todas as normas aqui citadas, salvo indicação de outro.
[2] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª ed., p. 89, nota de rodapé nº 140.
[3] O ponto 44 da decisão descreve novamente este facto (O imóvel de Oh foi vendido no âmbito da Acção Executiva infra identificada, mediante escritura pública outorgada em 18.09.2023, com a consequente extinção da garantia a favor da Requerente.) razão pela qual aqui não se faz constar.
[4] O ponto 55. da decisão descreve novamente este facto (A prestação mensal de capital de €40.000,00 que se venceu em 13.02.2024 ao abrigo do Acordo A… não foi paga.), razão pela qual aqui não se faz constar.
[5] O ponto 24. descreve novamente este facto (O crédito titulado pela Requerente sobre a Requerida, sobre o Sr. J. e sobre a A…, ascende ao montante global de €1.203.655,64 a título de capital.), razão pela qual aqui não se faz constar.
[6] Cfr. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, p. 56.
[7] Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, Uma introdução, Almedina, 4ª ed., p. 26.
[8] Luis Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2009, p. 77.
[9] Do art.º 3º, nº 1 do CPEREF constava expressa referência à impossibilidade de cumprir pontualmente.
[10] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. I, Quid Juris, 2005, pág. 69, nota 3; no mesmo sentido vd. Ac. RL de 19.06.2008, disponível no site da dgsi.pt.
[11] Em “Estado de Insolvência”, Direito da Insolvência-Estudos, Coordenação Rui Pinto, Coimbra Editora, 2011, p. 223.
[12] Processos Especiais, vol. II, pág 323.
[13] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., p. 131.
[14] Nesse sentido, Acórdãos da Relação de Coimbra de 20.11.2007, relatado por Teles Pereira, e da Relação de Lisboa, de 22.04.2010.
[15] Acórdão, não publicado, proferido no proc. nº 33/20.0T8FNC.L1, relatado por Fátima Reis Silva e subscrito como adjunta pela aqui relatora.
[16] Nesse sentido, entre outros, Catarina Serra, O Novo Regime Português do Direito da Insolvência, Uma introdução, 4ª ed., p. 104, nota 169.
[17] Afirmação que resulta demonstrada pelo disposto no art.º 30º, nº 5 do CIRE, nos termos do qual “Se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12.º e o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, e a insolvência é declarada no dia útil seguinte ao termo do prazo referido no n.º 1, se tais factos preencherem a hipótese de alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 20.(subl. nosso), e pelo art.º 35º, nº 4, que dispõe em termos semelhantes.
[18] Ob. cit., p. 67.
[19] Manuel Requicha Ferreira, ob. cit., p. 251.
[20] Manuel Requicha Ferreira, ob. cit., p 257.
[21] Relatado por Fátima Reis Silva no processo 25243/19.0T8LSB-A.L1 e subscrito como adjunta pela aqui relatora, desconhecendo-se que tenha sido objeto de publicação.
[22] Relatado por Fátima Reis Silva no processo nº 33/20.0T8FNC.L1 e subscrito como adjunta pela aqui relatora, desconhecendo-se que tenha sido objeto de publicação.
[23] Ob. cit., p. 131.
[24] Ob. cit. p. 43, e 56 e s.
[25] Note-se que, de cerca de pelo menos 38 prestações mensais vencidas, desde a celebração do financiamento até fevereiro de 2018 a recorrente apenas tinha pago 9 (factos 25 e 27 a 29).
[26] Sob a conclusão XXX a recorrente alegou que “Toda a informação contabilística de obrigações mensais ou trimestrais da Requerida estão em conformidade e são da responsabilidade da empresa prestadora do serviço de contabilidade, estando apenas em falta uma parte das obrigações, a saber: as prestações de contas anuais.
[27] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., em anotação ao art.º 20º do CIRE.
[28] Manual de Direito da Insolvência, 7ª edição, Almedina, janeiro de 2019, pg. 28.
[29] Disponível na página da dgsi.pt. No mesmo sentido, acórdão (não publicado) desta Relação de 10.11.2020, processo nº 597/20.90T8BRR-A.L1, relatado por Fátima Reis Silva e subscrito pela aqui relatora na qualidade de adjunta.