Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
406/15.0T8AMD-A.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: OBJECTO DO RECURSO
LAPSO DE ESCRITA
PROCESSO DE INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
CONTA BANCÁRIA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
DIVÓRCIO
CUSTAS DE PARTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÕES
Decisão: IMPROCEDENTES
Sumário: SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):


I.O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões e por questões de conhecimento oficioso.

II.Havendo recurso, o erro de escrita constante da decisão recorrida pode ser corrigido pelo Tribunal recorrido enquanto o recurso não subir ao Tribunal superior ou pode este retificar tal erro se o processo já estiver, entretanto, na sua alçada.

III.Em processo de inventário, o requerido pode reclamar da relação de bens e deve fundar tal reclamação em factos concretos, bem como indicar logo as respetivas provas, sendo que o Tribunal decide uma vez cumprido o contraditório e produzida a prova que o caso justifique.

IV.Em sede de inventário por divórcio relevam, em regra, os bens, direitos e dívidas existentes à data da propositura da ação de divórcio.

V.Naquele inventário não devem ser relacionadas as custas de parte relativas à ação de divórcio àquele apensa.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I.


RELATÓRIO.


Na sequência de divórcio judicial sem consentimento, o Requerente, AM, requereu junto de Cartório Notarial o inventário para partilha de bens do ex-casal.
O Requerente foi nomeado cabeça de casal, prestou compromisso, declarações naquela qualidade e apresentou relação de bens.

Citada a Requerida, MM, veio a mesma reclamar da relação de bens, concluindo no sentido (i) da exclusão das verbas 1 a 6 da relação de bens, (ii) da alteração do valor das verbas 7 e 8 da relação de bens, (iii) da falta de relacionação de rendas inerentes ao contrato de arrendamento do imóvel indicado na verba n.º 9, (iv) da falta de relacionação do prémio de 20.000 francos suíços decorrente de lotaria, e (v) da falta de relacionação de dois veículos automóveis.

A Requerida pediu ainda que se oficiasse ao Banco de Portugal no sentido de se «obter informação acerca da identificação das entidades bancárias nas quais o cabeça de casal é titular de contas ou quaisquer aplicações financeiras, e respetivas datas de abertura (…), para com base nessa informação ser solicitado junto das respetivas entidades bancárias os respetivos extratos pormenorizados e atualizados».

Notificado daquela reclamação, o Requerente respondeu a ela, sustentando (i) a inclusão das verbas 1 a 6, (ii) nada ter a opor à requerida redução dos valores atribuídos às verbas 7 e 8, e (iii) não dever ser aditada novas verbas à relação de bens, sendo que «[c]aso assim não se entenda, (…) e caso» se «tenha entendimento que devem ser relacionadas as contas bancárias e aplicações financeiras de que o cabeça de casal e Interessada sejam titulares», requereu que se mande «oficiar o Banco de Portugal, a fim de informar os autos em que entidades bancárias a Interessada é titular de contas bancárias e/ou aplicações financeiras, após o que deverão ser essas entidades bancárias notificadas para informar os autos sobre o saldo bancário da Interessada à data da ação de divórcio, ou seja, em 12/03/2015, assim como, deverá a entidade Bancária UBS, sediada S____, em UBS – G.... ----, B____, nº.., -P.O.---..., .... – Z____– S____, ser notificada para informar os autos, se a Interessada tem conta bancária nesse banco e, em caso afirmativo, qual o saldo bancário à data da propositura da ação de divórcio, ou seja, em 12/03/2015».  
  
Após diversas vicissitudes, em 05.09.2022 a Exm.ª Sr.ª Notária onde decorria o inventário remeteu este para Tribunal e em 24.11.2023 o Juízo de Família e Menores da Amadora proferiu decisão cujo dispositivo é do seguinte teor:
«(…) decide-se julgar parcialmente procedente a reclamação à relação de bens e, consequentemente, decide-se:
a)-Determinar a eliminação da relação de bens das verbas números 1, 2, 3 e 6;
b)-Fixar o valor de cada uma das verbas números 7 e 8 em € 4.000,00, determinando-se a respetiva correção;
c)-Julgar improcedente o demais peticionado.
(…)».

Inconformado com tal decisão, o Requerente apresentou recurso no qual apresentou as seguintes conclusões:
«1–Na modesta opinião do Apelante, a parte do despacho de ora se recorre padece de diversos vícios que inquinam a sua legalidade.
Senão vejamos,
2No ponto 4. da matéria de facto dada como provada consta que: “…a interessada instaurou contra o interessado uma ação de divórcio.”, quando deveria constar:”…o interessado instaurou contra a interessada uma ação de divórcio.”, conforme resulta dos autos principais de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.
3Tal lapso consubstancia um erro material cuja retificação desde já se requer a Vossas Excelências, nos termos e para os efeitos do art.º 614.º do C. P. C..
4Parte do despacho ora recorrido considerou como não provada a matéria de facto constante no ponto n.º 1 que se reporta à verba n.º 6 do ativo da Relação de Bens, entendimento esse que não é sufragado pelo Apelante.
Posto que,
5–A Apelada não impugnou tal factualidade nem a autenticidade do documento que o comprova, junto com a Relação de Bens sob o doc. 3, o que se invoca nos termos e para os efeitos do art.º 574.º n.º 2 do C. P. C. e 373.º n.º 1, 374.º n.º 1 e 376.º n.º 1 do C. C..
6–Pelo que tal documento tem força probatória plena quanto à factualidade nele constante, devendo por via dessa circunstância dar-se como provada a matéria constante no ponto 1. Da matéria dada como não provada e, consequentemente, deverá ser mantida a verba n.º 6 constante no ativo da Relação de Bens, o que desde já se requer mui respeitosamente a Vossas Excelências.
7–Entende igualmente o Apelante que por via da aplicação do art.º 1724.º al. b) do C. C. deve revogar-se a decisão de eliminar a verba n.º 6 da Relação de Bens, o que desde já se requer mui respeitosamente a Vossas Excelências.
8–Pois a verba n.º 6 da Relação de Bens reporta-se ao valor de uma caução que foi paga pelas partes na constância do matrimónio, no âmbito do contrato de arrendamento da casa de morada de família onde a Apelada ficou a morar depois do divórcio.
9–Por via dessa circunstância, quando cessar o contrato de arrendamento, a caução será devolvida, cabendo a cada um dos ex-cônjuges o recebimento de metade da caução, proporção essa que é devida pela meação a que têm direito nos termos do art.º 1724.º e 1689.º do C. C., pelo que deverá tal verba manter-se na Relação de Bens.
10–E não se diga, como é defendido no despacho, na parte ora recorrida, que o documento de fls. 25 não tem qualquer virtualidade para provar a entrega pelas partes do montante em causa, tanto mais que”…. o terceiro alegado devedor não teve a hipótese de se pronunciar e exercer o contraditório.”
11–Isto porque não é de todo defensável pois, sendo uma matéria sobre a qual a lei exige documento escrito e tal documento de fls. 25 se enquadrar no conceito de documento particular que não foi impugnado pela Apelada, o que se invoca nos termos e para os efeitos dos arts.º 373.º n.º 1, 374.º n.º 1 e 376.º n.º 1 do C. C., tem força probatória plena, nos termos dos arts.º 352.º a 358.º e 364.º do C.C..
12–Assim, também por via dessa argumentação, entende-se que mal andou o Tribunal a quo ao ter entendido que a verba n.º 6 deveria ser eliminada da Relação de Bens.
13–Portanto, requer-se desde já a Vossas Excelências a revogação dessa decisão por outra que mantenha a verba n.º 6 no ativo da Relação de Bens.
14–O despacho, na parte ora recorrida, também teve o entendimento de que deveria ser eliminada da Relação de Bens a verba n.º 2.
15–Todavia, o Apelante não pode sufragar tal entendimento, visto que tal verba se refere a matéria de facto que se considera assente no ponto 8 e se reporta a custas de parte em que a Apelada foi condenada a pagar ao Apelante o valor de 1.359,35 €, no âmbito do processo de divórcio dos autos principais, e tem-se o entendimento de que os presentes autos são o meio processual adequado para o Apelante ser pago de tal quantia.
16–Nesse sentido têm caminhado a doutrina e jurisprudência dominantes, tanto por via do princípio da economia processual, como pelo facto do processo de inventário visar dividir os bens comuns do casal e liquidar definitivamente as responsabilidades entre os ex-cônjuges, o que se invoca nos termos e para os efeitos do art.º 1689. n.º 3 do C. P. C..
17–Acresce que nos termos do art.º 2068.º do C. C., a herança responde pelos encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido e pelo cumprimento do legado, ou seja, por despesas posteriores ao falecimento e relacionadas com o património do de cujus (nesse sentido Galvão Telles, Sucessões, 5.ª ed., 197).
18–Pelo que, para o ora Apelante, faz todo o sentido que seja relacionada nos presentes autos de inventário esta divida porque relacionada com o processo de divórcio, e no mesmo as partes devem fazer os seus acertos de contas.
19–Consequentemente, entende o Apelante que se deve manter a verba n.º 2 do ativo da Relação de Bens, requerendo desde já V. Exa. que revogue a decisão do Tribunal a quo de eliminação desta verba da mesma.
20– Através do despacho ora recorrido, o Apelante viu indeferida a sua pretensão quanto aos meios de prova que pretendia obter através do Tribunal a quo e vertidos no requerimento de resposta à Reclamação contra a Relação de Bens, a saber:
- a notificação da requerida para informar os autos do saldo das suas contas bancárias e aplicações financeiras à data da propositura de ação de divórcio e que, caso a mesma não satisfaça tal pretensão, que seja notificado o Banco de Portugal para informar se a requerida é titular de contas bancárias e ou aplicações financeiras, devendo posteriormente essas entidades ser notificadas para informar os autos sobre os saldos das mesmas à data da propositura da ação de divórcio;
- ser notificada a entidade UBS, sediada na Suíça, ara informar os autos se a interessada tem conta bancária nesse banco e, em caso afirmativo, qual o saldo bancário à data da propositura da ação de divórcio.”
21–Resulta de tal requerimento do Apelante que os mesmos pretendem obter informação sobre contas bancárias tituladas pela Apelada, as quais estão sujeitas a sigilo bancário.
22–Logo, por impedimento legal, o Apelante está impossibilitado de obter, por si, tal informação junto das entidades bancárias competentes, a qual se afigura essencial para o desempenho do seu cargo de cabeça de casal, nomeadamente, para relacionar o valor de tais contas bancárias na Relação de Bens comuns do casal, nos termos do art.º 1097. n.º 3 al c) do C. P. C.
23–Para esses casos, o art.º 7.º n.º 4 e 436.º e 6.º n.º 1 do C. P. C. prevê uma colaboração ativa do Tribunal na obtenção da documentação na posse de terceiros e que as partes, por modo próprio, estejam legalmente impedidas de obter e que se afiguram essenciais para a descoberta da verdade.
24–Face ao exposto, entende-se que o despacho ora recorrido, ao indeferir os meios de prova requeridos pelo Apelante e por este não conseguir obter tal prova sem a intervenção do Tribunal a quo, violou as disposições enunciadas e que regulam tal matéria.
25–Pelo que se requer a Vossas Excelências se dignem revogar esta decisão por outra que permita que sejam admitidos os meios de prova requeridos pelo Apelante nos termos por si articulados.
26–Resulta do supra elencado que a parte do despacho ora recorrida enferma de diversos vícios por padecer de erro material e pressupor uma deficiente apreciação da matéria de facto e deficiente aplicação do direito.
27–Nestes termos, desde já se requer mui respeitosamente a Vossas Excelências se dignem proferir decisão diversa da constante no despacho, da parte ora recorrida, o que se invoca nos termos e para efeitos do art.º 662.º n.º 1 e 639.º do C. P. C. , atendendo «in totum» os pedidos formulados pelo.
Apelante, por via da retificação e revogação do despacho na parte ora recorrida, o que desde já se requer mui respeitosamente a Vossas Excelências, nos termos e para os efeitos dos arts.º 614.º, 639.º e 640.º do C. P. C. .
28–Nestes termos e nos melhores de direito, o Apelante considera que o despacho de que parcialmente se recorre viola os artigos 334.º, 352.º a 358.º, 373.º n.º 1, 374.º n.º 1, 376.º n.º 1, 405.º, 473.º, 875.º, 1689.º n.º 1 a 3, 1714. n.º 2 e 2068.º do Código Civil e os arts.º 7.º n.º 4, 6.º n.º 1, 574.º n.º 2 e 436.º, 614.º n.º 1, 1097.º n.º 3 al. c) e d) do C. P. C..
29–Pelo que deverá o despacho na parte ora recorrida ser revogado e substituído por outro que contemple as pretensões do Apelante ora expostas.
Termos em que, Deverá ter provimento o presente recurso, Revogando-se o Despacho parcialmente recorrido a fim de se fazer a tão costumada Justiça!».

Notificada das alegações, a Requerida apresentou recurso subordinado no qual concluiu nos seguintes termos:
«1.ª– O objecto do presente recurso restringe-se à douta decisão que indeferiu os meios de prova requeridos pela Apelante e determinou a manutenção das verbas 4 e 5(PILAR) na relação de bens.
2.ª– Na sua reclamação contra a relação de bens, a ora Apelante, apresentou os seguintes requerimentos probatórios:
-se digne oficiar e diligenciar junto do Banco de Portugal, com vista a obter informações acerca da identificação das entidades bancárias nas quais o cabeça de casal é titular de contas ou quaisquer aplicações financeiras, e respectivas datas de abertura das mesmas, para com base nessa informação ser solicitado junto das respectivas bancárias os respectivos extractos pormenorizados e actualizados;
-a notificação do cabeça de casal para identificar as matrículas e modelos dos veículos automóveis, uma vez que a reclamante não consegue determinar, caso o mesmo assim não proceda, requer-se a V.Ex.ª que diligencie ofícios junto da Conservatória do Registo Automóvel para que a mesma informe se o cabeça de casal foi ou é proprietário de um veículo automóvel.
3.ª–O Tribunal a quo entende que no âmbito de um processo de inventário o Juiz não assume as vestes de investigador.
4.ª–Admite, contudo, que as partes podem requerer a colaboração do Tribunal desde que preenchidos os dois requisitos vertidos no n.º 4 do art. 7.º do CPC.
5.ªA Apelante pretende obter informação sobre contas bancárias tituladas pelo cabeça de casal, sujeitas a sigilo bancário, cujo acesso lhe é vedado.
6.ª– E a identificação de veículos automóveis, cujo modelos e matrículas não consegue identificar, até porque estão separados de facto desde 2012.
7.ª–O cumprimento deste ónus processual exige a intervenção do Tribunal na obtenção de informação quer na posse de terceiros (Bancos, Conservatórias) quer na posse das partes (cabeça de casal)-art. 436.º CPC
8.ª–O primado da verdade material, a garantia do direito à prova e ao processo equitativo, impõe a realização das diligências referidas.
9.ª–Ao indeferi-las, o douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 6.º n.º 1, 7.n.º 4 e 436.º todos do CPC.
10.ª–Pelo que se requer a V,Exas se dignem revogar esta decisão por outra que admita os meios de prova requeridos pela Apelante.
11.ª–No douto despacho recorrido foi dado como assente a seguinte factualidade:
-O cabeça-de-casal subscreveu junto da Caixa de Previdência em favor do pessoal operário da I... e C..., SA e das Empresas Afiliadas, na qualidade de beneficiário, um Plano de Pensões Profissionais e Seguro contra Acidentes, na forma de conta poupança, a qual apresentava, à data de 16 de Fevereiro de 2016, o valor de € 90.011,12;
-A interessada subscreveu junto da Caixa de Previdência em favor do pessoal operário da I... e C..., SA e das Empresas Afiliadas, na qualidade de beneficiário, um Plano de Pensões Profissionais e Seguro contra Acidentes, na forma de conta poupança”.
12.ª–Matéria que corresponde às verbas 4 e 5 vertidas na relação de bens apresentada pelo cc.
13.ª–E que foi objecto de reclamação, a saber
14.ª–Os planos de reforma concedidos pelo Estado Suíço, somente aí podem ser partilhados;
15.ª–O 2.º Pilar, correspondente ao Plano de Pensões e Seguro contra Acidentes que a interessada é beneficiária na Suíça não pode nem deve ser partilhada no presente processo, por se estar perante um bem que detém regras muito próprias e específicas na sua atribuição e concessão de benefícios do qual a nossa jurisdição não dispõe de competência internacional para proceder a qualquer partilha neste âmbito;
16.º–não deverá o mesmo fazer parte do acervo a partilhar entre ex cônjuges, por se entender que aquele bem terá de ser partilhado na Suíça, país onde tal plano foi concedido;
17.ª–Considerações válidas para o 2.º Pilar subscrito pelo cc;
18.ª–Pelo que, deverão ser excluídas da relação de bens;
19.ª–O Tribunal a quo decidiu que “No que respeita a estas verbas, a interessada não coloca em crise a natureza comum dos bens, limitando-se somente a sustentar que a partilha deve ser feita de acordo com a lei suíça. Ora, atendendo ao que se decidiu supra quanto à lei aplicável in casu, resta concluir que as verbas em análise devem ser mantidas”.
20.ª–É contra este entendimento que a ora Apelante recalcitra.
21.ª–Dúvidas não subsistem de que o 2.º PILAR (verbas 4 e 5) se enquadram no Sistema de Previdência Suíço que,
22.ª–conforme alegado supra, detém regras muito específicas de atribuição e concessão de benefícios
23.ª–Motivo pelo qual, a “ Loi fédérale sur le droit international prive (LDIP), de 18 de Dezembro de 1987 (documento junto aos autos em 30/10/2023 com a ref.ª 46963408) estatui no seu Art. 63, 1bis, o seguinte:
Pour connaître du partage de prétentions de prévoyance professionnelle envers une institution suisse de prévoyance professionnelle, la compétence des tribunaux suisses est exclusive”.
Traduzindo:
24.ª–“Para ter conhecimento da partilha de pretensões de previdência profissional em relação a uma instituição suíça de previdência profissional, a competência dos tribunais suíços é exclusiva”.
25.ª–O Tribunal Suíço arroga-se do poder de conhecer em exclusivo a questão da partilha do 2.º PILAR, por se tratar de matéria de Previdência Profissional.
26.ª–Pelo que, as verbas 4 e 5 deverão ser excluídas da relação de bens.
27.ª–Tendo entendido de forma diversa, o douto despacho violou a Lei Federal sobre Direito Internacional Privado Suíço.
28.ª–É entendimento da ora Apelante que o douto despacho de que parcialmente se recorre viola os artigos 6.º n.º 1, 7.º n.º4, 436.º todos do CPC e a Lei Federal Sobre Direito Internacional Privado Suíça que atribui aos Tribunais Suíços o poder de conhecer em exclusivo matéria atinente a Previdência Profissional.
Termos em que, e nos melhores de Direito:
a)-Deverá a douta decisão recorrida ser revogada, substituindo-se por outra que admita os meios de prova requeridos pela Apelante;
b)-Mais deverá ser a douta decisão recorrida revogada, na parte que manteve as verbas 4 e 5 na relação de bens, decidindo-se agora pela sua exclusão.
Com o que se fará inteira JUSTIÇA!»

Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.

II.

OBJETO DO RECURSO.

Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pelos Recorrentes, está em causa apreciar e decidir:
· Da retificação de erros materiais,
· Dos requerimentos probatórios indeferidos;
· Da exclusão/inclusão da verba n.º 6 da relação de bens;
· Da exclusão/inclusão da verba n.º 2 da relação de bens;
· Da exclusão/inclusão das verbas n.º 4 e 5 da relação de bens.

Na motivação do seu recurso o Requerente manifestou-se também contra a eliminação da verba n.º 1 da relação de bens, conforme respetivas páginas 9 a 14.
Contudo, tal matéria não foi levada às conclusões de recurso, pelo que, conforme referido artigo 635.º, n.º 4, do CPCivil, importa entender que o Recorrente restringiu o objeto inicial do recurso e, em consequência, importa entender que a eliminação da verba n.º 1 determinada pelo Tribunal recorrido não constitui objeto do respetivo recurso, pois o objeto deste está delimitado pelas suas conclusões e por questões de conhecimento oficioso, o que não é o caso.
Assim.

III.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
«1.–O cabeça-de-casal é natural da freguesia de A... M..., do concelho de A____.
2.–A interessada é natural da freguesia de V____ R___ (S... D...), do concelho de V____ R____.
3.–AM e MM casaram um com o outro em 30-07-1988, sem convenção antenupcial.
4.–Em 03-11-2015, a interessada instaurou contra o interessado uma ação de divórcio.
5.–Por sentença datada de 16-02-2016, foi decretado o divórcio entre os interessados e declarado dissolvido o casamento celebrado entre os mesmos.
6.–No âmbito de um acordo celebrado entre o cabeça-de-casal e a interessada, datado de 13-07-2011, consta, de entre o mais, o seguinte:
«os esposos Mateus consideram ter liquidado de forma amigável o seu regime matrimonial sob reserva de uma garagem situada em Portugal (…)
as partes concordam que AM tornar-se-á o exclusivo proprietário da garagem e pagará um montante de CHF 12´000 (doze mil francos suíços) em contrapartida a MM num prazo de 10 dias a seguir a assinatura deste acordo».
7.–O cabeça-de-casal entregou, por conta do acordo referido em 4, o valor de € 11.161,75 à interessada.
8.–A sentença referida em 5 condenou a interessada no pagamento das custas de parte, as quais ascendem ao valor de € 1.359,35.
9.–O cabeça-de-casal colocou na disponibilidade da interessada, em 19-01-2010, a quantia de €25.000,00.
10.–O cabeça-de-casal subscreveu junto da Caixa de Previdência em favor do pessoal operário da I... e C..., SA e das Empresas Afiliadas, na qualidade de beneficiário, um Pano de Pensões Profissionais e Seguro contra Acidentes, na forma de conta poupança, a qual apresentava, à data de 16 de fevereiro de 2016, o valor de € 90.011,12.
11.–A interessada subscreveu junto da Caixa de Previdência em favor do pessoal operário da I... e C..., SA e das Empresas Afiliadas, na qualidade de beneficiário, um Pano de Pensões Profissionais e Seguro contra Acidentes, na forma de conta poupança.
12.–O valor da verba n.º 7 da relação de bens cifra-se nos € 4.000,00.
13.–O valor da verba n.º 8 da relação de bens cifra-se nos € 4.000,00.
14.–Em data concretamente não apurada, o cabeça-de-casal ganhou o prémio da lotaria nacional, no valor de 20.000 francos».

IV.

DA RETIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS.

(Conclusões 1 a 3 das alegações de recurso do Requerente).
O Requerente, ora Recorrente, pretende que seja retificado o ponto 4 da matéria de facto dada como provada: onde aí consta que a Interessada instaurou contra o Interessado uma ação de divórcio deve antes constar que foi o Interessado que instaurou tal ação contra a Interessada.
A Recorrida nada disse quanto a tal.
Vejamos.
Nos termos do artigo 614.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil, «[s]e a sentença (…) contiver erros de escrita (…) pode ser corrigida (…)», sendo que «[e]m caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de ser direito no tocante à retificação».
O erro de escrito é aquele que decorre de forma evidente, de modo ostensivo, do contexto ou das circunstâncias da declaração, conforme artigo 249.º do CCivil.
Por outro lado, havendo recurso, o erro de escrita constante da decisão recorrida pode ser corrigido pelo Tribunal recorrido enquanto o recurso não subir ao Tribunal superior ou pode este retificar tal erro se o processo já estiver, entretanto, na sua alçada.
Com referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, edição de 2019, página 732, «(…) a correção é feita por simples despacho (a todo o tempo, se não houver recurso; até que ele suba ao tribunal superior, se o houver) ou pelo tribunal superior (quando só perante ele a questão seja levantada)».
In casu.
Sob o n.º 4, consta como provado da decisão recorrida que:
«4.–Em 03.11.2015, a interessada instaurou contra o interessado uma ação de divórcio».
A simples consulta dos autos principais de divórcio sem consentimento revela que os mesmos foram instaurados pelo aqui Requerente contra a aqui Requerida.
Decorre igualmente que o divórcio foi intentado em 11.03.2015 e não em «03.11.2015»
É certo que tais lapsos não decorrem de forma ostensiva da decisão recorrida e, pois, perante esta não estamos face a um erro de escrita nos termos a que alude o referido artigo 249.º do CCivil.
Contudo, face aos autos de divórcio são manifestos tais lapsos, termos em que sem demais, em nome da verdade material, importa retificar os mesmos, pelo que que o facto provado n.º 4 deve passar a ter a seguinte redação:
«4.- Em 11.03.2015, o Interessado instaurou contra a Interessada uma ação de divórcio».
Procede, pois, nesta parte a pretensão recursiva do Recorrente.

V.

DOS REQUERIMENTOS PROBATÓRIOS INDEFERIDOS.

(Conclusões 20 a 29 das alegações de recurso do Requerente e
Conclusões 1.ª a 10.ª das alegações do recurso subordinado da Requerida).
Na reclamação à relação de bens, a Requerida alegou e concluiu que:
«41.º
É ainda de referir, de que durante a constância do matrimónio entre o cabeça-de-casal e a requerida, o mesmo sempre transferiu quantias monetária para contas tituladas e sedeadas em Portugal.
42.º
Contudo, nunca o mesmo facultou à requerida qualquer elemento identificativo das mesmas, nunca deu conhecimento do n.º de conta, e muito menos a identificação da entidade bancária.
43.º
Pelo que, requer-se (…) que se digne oficiar e diligenciar junto do Banco de Portugal, com vista a obter informações acerca da identificação das entidades bancárias nas quais o cabeça-de-casal é titular de contas ou quaisquer aplicações financeiras, e respetivas datas de abertura das mesmas, para com base nessa informação ser solicitado junto das respetivas entidades bancárias os respetivos extractos pormenorizados e actualizados, sendo a data a ter em conta o ano de 2011 (data da separação do casal).
44.º
Mais acresce ainda aos bens não identificados pelo cabeça-de-casal, mas que fazem parte do acervo a partilhar, dois veículos automóveis, um sito em território português e outro na Suíça.
45.º
Pelo que se requer que seja o cabeça-de-casal notificado para identificar as matrículas e modelos dos referidos automóveis, uma vez que a reclamante não o consegue determinar, caso o mesmo assim não proceda requer-se (…) que diligencie ofícios junta da Conservatória do Registo Automóvel para que a mesma informe se o cabeça-de-casal foi ou é proprietário de um veículo automóvel.
Nestes termos e nos demais de direito, requer-se (…) :
(…)
e)-(…) que se digne oficiar e diligenciar junto do Banco de Portugal, com vista a obter informações acerca da identificação das entidades bancárias nas quais o cabeça-de-casal é titular de contas ou quaisquer aplicações financeiras, e respetivas datas de abertura das mesmas, para com base nessa informação ser solicitado junto das respetivas entidades bancárias os respetivos extractos pormenorizados e actualizados.
f)-(…) seja o cabeça-de-casal notificado para identificar as matrículas e modelos dos referidos automóveis, uma vez que a reclamante não o consegue determinar, caso o mesmo assim não proceda requer-se (…) que diligencie ofícios junta da Conservatória do Registo Automóvel para que a mesma informe se o cabeça-de-casal foi ou é proprietário de um veículo automóvel».   
Na resposta à reclamação da relação de bens, conforme respetivo artigo 69.º, o Cabeça de Casal impugnou os referidos artigos 41.º a 46.º da reclamação da relação de bens e referiu ainda que,
«caso» o Tribunal «tenha entendimento que devem ser relacionadas as contas bancárias e aplicações financeiras de que o cabeça de casal e Interessada sejam titulares, desde já se requer (…)» que o Tribunal mande «oficiar o Banco de Portugal, a fim de informar os autos em que entidades bancárias a Interessada é titular de contas bancárias e/ou aplicações financeiras, após o que deverão ser essas entidades bancárias notificadas para informar os autos sobre o saldo bancário da Interessada à data da ação de divórcio, ou seja, em 12/03/2015, assim como, deverá a entidade Bancária UBS, sediada S____, em UBS – G...____, B____, nº.., P.O.---, .... – Z____–____, ser notificada para informar os autos, se a Interessada tem conta bancária nesse banco e, em caso afirmativo, qual o saldo bancário à data da propositura da ação de divórcio, ou seja, em 12/03/2015».    
Quanto àqueles requerimentos probatórios, além do mais, consta da decisão recorrida que
As partes «fundam os mesmos [requerimento] em alegações vagas e genéricas, sem concreta identificação do bem que deve ser relacionado, pretendendo que este Tribunal investigue a existência de outros bens que devam ser relacionados (questão diferente seria se identificassem a titularidade de determinada conta e solicitassem ao Tribunal que oficiasse a respetiva instituição bancária para remeter aos autos os respetivos extratos).
Ora, conforme se referiu supra, o juiz, no processo de inventário, não assume as vestes de investigador, pelo que tais requerimentos probatórios devem ser indeferidos.
Em face do exposto, decide-se:
(…)
b)-Indeferir o (…) requerido».

Ora é da justeza de tal indeferimento que importa ora dilucidar no presente recurso.
Vejamos.    
O presente inventário destina-se à partilha dos bens comuns decorrentes do casamento das partes, o qual foi, entretanto, dissolvido por divórcio.
Atento o disposto nos artigos 1133.º, 1084.º, n.º 2, 1104.º, n.º 1, alínea d), e 1105.º, n.º 2, do CPCivil, em processo de inventário o requerido pode reclamar da relação de bens, devendo indicar logo as respetivas provas, sendo que o Tribunal decide uma vez cumprido o contraditório e produzida a prova que o caso justifique.
A reclamação deve fundar-se em factos concretos, quer no sentido de excluir da comunhão conjugal determinados bens, direitos ou dívidas arroladas pelo cabeça de casal, quer no sentido de aí deverem ser incluídos outros bens, direitos e dívidas além das arroladas.
Por força do disposto nos artigos 549.º, n.º 1, e 5.º do CPCivil, sendo o inventário judicial um processo de jurisdição contenciosa, o reclamante tem o ónus de alegar e provar a factualidade integradora da sua reclamação, cabendo-lhe alegar os factos essenciais que fundamentam a sua reclamação.

Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume II, edição de 2020, páginas 521 e 522, recai «sobre cada interessado que venha a ser convocado o ónus de deduzir todos os meios de defesa e de alegar tudo o que se revele pertinente para a tutela dos seus interesses e para o objetivo final do inventário».
«(…) Sem embargo das exceções salvaguardadas por regras gerais de processo (v.g. meios de defesa supervenientes) ou por regras específicas do inventário que permitam o diferimento (v.g. avaliação de bens, incidente de inoficiosidade), cada interessado tem o ónus de suscitar nesta ocasião, [isto é, na fase dos articulados, que engloba a fase inicial e a das oposições e verificação do passivo], com efeitos preclusivos, as questões pertinentes para o objetivo final do inventário (art. 1104º), designadamente tudo quanto respeite à admissibilidade do inventário, identificação e convocação dos interessados, relacionamento e identificação dos bens a partilhar, dívidas e encargos da herança e outras questões atinentes à divisão do acervo patrimonial. (…)».

Ora, na situação vertente, quanto às contas bancárias e aplicações financeiras alegadamente pertencentes às partes e pretensamente a relacionar nos autos, por integrarem a comunhão conjugal, as partes nada referem em concreto relativamente às mesmas.
O mesmo se diga quanto aos alegados veículos automóveis alegados pela Requerida.
Tal como o Tribunal recorrido refere na matéria, as partes limitam-se a «alegações vagas e genéricas», sem minimamente explicitarem o que está em causa, sendo que a integrarem a comunhão conjugal cumpria-lhe o ónus de contextualizar minimamente tais contas bancárias, aplicações financeiras, bem como os veículos automóveis e, assim, mesmo com referências reduzidas e esparsas, contribuir para a respetiva identificação.
De contrário, o inventário perderia a natureza de processo de jurisdição contenciosa, acabando o Tribunal por suprir o ónus de alegação das partes.
Nestes termos, improcedem as pretensões das partes nesta sede, sendo que, em razão da natureza subsidiária do pedido deduzido pelo Requerente na matéria, a improcedência da pretensão da Requerida acarretaria só por si a improcedência daquele pedido do Requerente.
Com efeito, conforme decorre do exposto, na resposta à reclamação da relação de bens o Requerente pediu as informações bancárias relativas à Requerida para o caso do Tribunal entender «que devem ser relacionadas as contas bancárias e aplicações financeiras de que o cabeça de casal e interessada sejam titulares».
Ora, sendo entendimento do Tribunal não pedir tais informações quanto ao Requerente, também por isso, haveria sempre que improceder a pretensão do mesmo na matéria ora em causa, relativamente à Requerida.   
 
VI.

DA EXCLUSÃO/INCLUSÃO DA VERBA N.º 6 DA RELAÇÃO DE BENS.

(Conclusões 4 a 13 e 26 a 29 das alegações de recurso do Requerente).
Em causa está ora a verba n.º 6 da relação de bens que a decisão recorrida determinou eliminar.
Apreciemos.
Na relação de bens consta como tal o seguinte:
«VERBA N.º 6
Caução prestada pelo dissolvido casal aquando do arrendamento da casa de morada de família, conforme documento que ora se junta e cujo conteúdo se dá aqui [por] integralmente reproduzido (doc. 3), no valor de 6.000,00 CHF, o que perfaz em euros (à taxa de câmbio do dia) o montante de 5.582,72€».

Com a relação de bens, o Requerente, aqui Recorrente, juntou um documento, documento n.º 3, intitulado:
“Compromisso de pagamento das partes sociais exigidas pela Cooperativa de Habitação «Galaxie»”, no qual se refere que os aqui Requerente e Requerida «comprometem-se a pagar as partes sociais devidas em consequência da obtenção do apartamento n.º … situado [na] Rue …, … – 1... - Les A____ – 4 assoalhadas – 2.º andar, de um valor de Frs 6’000.- e comprometem-se a pagar esta quantia segundo as seguintes modalidades:
Frs 3’000.- na data de celebração do contrato de arrendamento: 17 de março de 1998
Frs 3’000.- por mensalidade de Frs 500.-

Sendo que junto com aquele “Compromisso” encontra-se um recibo postal para pagamento do valor de Frs 3’000-, a favor do Banco COOP Ge. (…), Sociedade Cooperativa de Habitação «Galaxie», datado de 16.03.1998, e no espaço reservado ao nome do pagador está manuscrito o nome de «Mateus A».

Na reclamação da relação de bens, quanto à referida verba, a Requerida alegou que:
«31.º
Quanto à VERBA N.º 6 identificada pelo cabeça de casal, como uma caução prestada pelo dissolvido casal aquando do arrendamento da casa de morada de família, não poderá a mesma fazer parte da presente partilha, e isto porque, o cabeça de casal também viveu naquele imóvel, tal como a reclamante e os filhos do casal, logo este também beneficiou de tal arrendamento que ainda se mantém actualmente.
32.º
Para além de que, a referida quantia foi liquidada por ambos, e para usufruto do casal e dos seus filhos, pelo que é manifestamente incongruente que o cabeça de casal venha agora reclamar o pagamento de tal quantia, alegando para o efeito como sendo um dinheiro líquido a partilhar.
33.º
Destarte, deverá a Verba n.º 6 ser (…) excluída da relação de bens (…).
(…)
Nestes termos, requer-se (…) a exclusão da Relação de bens apresentada das verbas  (…) e 6».

Por sua vez, na resposta à reclamação da relação de bens, o Requerente Casal alegou que:
«E – VERBA N.º 6
 60.º-No que diz respeito ao pedido de exclusão desta verba da relação de bens a Reclamante não invoca qualquer fundamentação de facto e de direito.
61.º-Na verdade, não nega o pagamento da caução e até refere que foi “…liquidada por ambos…”, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
62.º-Assim sendo, e como o nome indica, a caução no contrato de arrendamento é paga no início do contrato e devolvida no final do mesmo.
63.º-Quer com isto dizer-se que a interessada defende que tal quantia foi paga por ambos mas, a final, quando terminar o contrato de arrendamento (como o arrendamento da então casa de morada de família lhe foi adjudicada) só ela irá receber o dinheiro, sem ter que prestar contas ao Cabeça de casal? Com que fundamentação legal e com que moralidade?
64.º-Impugna-se a matéria constante dos arts.º 31.º e 33.º, nos termos e para os efeitos do art.º 574.º do C.P.C. e, em consequência deverá manter-se relacionada a verba n.º 6».

No que respeita à referida verba n.º 6, o Tribunal recorrido deu como não provado que:
«Factos não provados
1.–Na vigência do casamento, cabeça de casal e requerida entregaram à cooperativa «Galaxie» a título de caução e no âmbito de um contrato de arrendamento da casa de morada de família, o valor de €5.582,72».
Fundamentou tal decisão de facto nos seguintes termos:
«O facto 1 resultou não provado em virtude de o documento junto a fls. 25 v. não ter qualquer virtualidade para provar a entrega pelas partes do montante em causa (trata-se simplesmente de um documento em que as partes se comprometem a entregar tal valor). Acresce que não se mostra suficiente a circunstância das partes estarem de acordo quanto ao facto de terem efetivamente procedido à entrega desse montante, uma vez que, tratando-se de um facto lhes é inteiramente favorável, a emissão de um juízo probatório positivo dependeria da apresentação de outros elementos probatórios adicionais (tanto mais que o terceiro alegado devedor não teve a hipótese de se pronunciar e exercer o contraditório)».

No recurso, fundado no alegado pela Requerida na reclamação da relação de bens, assim como no referido documento n.º 3 junto com tal relação de bens, o Requerente insurgiu-se quanto à decisão de facto recorrida, na medida em que considera provado o referido facto n.º 1 dado como não provado pelo Tribunal recorrido.

Contudo, diversamente do entendimento do Requerente, fundado nos mesmos elementos por ele indicados, este Tribunal da Relação de Lisboa entende que a matéria factual em causa deve ser dada como não provada.

Com efeito, do alegado pela Requerida na reclamação da relação de bens, bem como do indicado documento n.º 3 junto com a relação de bens não pode conferir-se a natureza de caução ao montante pecuniário em causa.

Naquela sua peça processual, a Interessada impugnou tal natureza, sustentando que a verba em causa não deveria ter sido relacionada.

Referiu que a quantia em causa foi «para usufruto» da casa de morada de família por parte do casal e dos seus filhos, sendo a mesma casa objeto de «arrendamento» e refutando tratar-se de «um dinheiro líquido a partilhar».

Por outro lado, o referido documento n.º 3 junto com a relação de bens intitula-se de “Compromisso de pagamento das partes sociais exigidas pela cooperativa de habitação «Galaxie»”, negrito da autoria dos aqui subscritores, não podendo daí retirar-se tratar-se de uma «caução» no sentido técnico-jurídico do termo, ou seja, enquanto garantia de cumprimento de uma determinada obrigação.
    
Nestes termos, desconhece-se se a quantia em causa pode/deve ser restituída no termo do alegado contrato de arrendamento, sendo certo que se tal for o caso a quantia ainda não é devida e não poderia, pois, ser relacionada nos termos que o foi, enquanto «dinheiro» e como líquida.
Em suma, improcede também nesta sede o recurso, devendo, pois, manter-se como não provada a factualidade indicada em 1 dos factos provados, pelo que bem andou o Tribunal recorrido ao excluir da partilha a verba n.º 6 da relação de bens.

VII.

DA EXCLUSÃO/INCLUSÃO DA VERBA N.º 2 DA RELAÇÃO DE BENS.

(Conclusões 14 a 19 e 26 a 29 das alegações de recurso do Requerente).
Em causa está ora saber se deve ser relacionado como crédito do Requerente sobre a Requerida a quantia por esta devida àquela a título de custas de parte no âmbito dos autos de divórcio que correram termos entre eles e aos quais estão apensos os presentes autos de inventário.
Vejamos.
Como verba n.º 2 da relação de bens, foi relacionado:
O «Direito de Crédito do Requerente sobre a meação da Requerida, a título de custas de parte devidas pela Requerida ao Requerente, no processo de divórcio n.º 406/15.0T8AMD que correu termos na 2.ª Secção de F. Men – J2 do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste – Amadora – Inst. Central, acrescido dos juros legais de 4% que se vencerem desde a data da sua notificação em 29.03.2019 até integral pagamento, conforme documento comprovativo que ora se junta e cujo conteúdo se dá integralmente como reproduzido (doc. 1 A), no valor de 1.359,35€».

A decisão recorrida deu como provado tal direito de crédito.
Com efeito, conforme factualidade dada como provado:
«4.-Em 11.03.2015, o interessado instaurou contra a interessada uma ação de divórcio[1].
5.-Por sentença datada de 16-02-2016, foi decretado o divórcio entre os interessados e declarado dissolvido o casamento celebrado entre os mesmos.
(…)
8.-A sentença referida em 5. condenou a interessada no pagamento das custas de parte, as quais ascendem ao valor de €1.359,35».

Por outro lado, em sede de «motivação jurídica», no que ora releva, da decisão recorrida consta que:
«(…) no passivo apenas se incluem as dívidas que remontem ao período que antecede a cessação das relações patrimoniais. Ora, conforme é alegado pelo cabeça de casal, o crédito respeitante às custas de parte em que a interessada foi condenada no âmbito dos autos principais constituiu-se com a prolação dessa sentença e, consequentemente, em momento posterior ao da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges (dado que os efeitos da prolação da sentença de divórcio retroagem à data da instauração da ação de divórcio), pelo que deve tal verba ser eliminada da relação de bens».

Ora, quanto à questão ora em apreço, importa considerar o disposto nos artigos 1688.º e 1789.º, n.º 1, do CCivil.
Nos termos daquelas disposições legais, na parte que aqui releva, «[a]s relações (…) patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução (…) do casamento (…)», sendo que «[o]s efeitos do divórcio produzem-se a partir da data do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retrotraem-se à data da propositura da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges».
Ou seja, em sede de inventário por divórcio relevam os bens, direitos e dívidas existentes à data da propositura da ação de divórcio.

Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume II, edição de 2020, páginas 631, «[o] cabeça de casal deve (…) relacionar os direitos de crédito exigíveis no momento da partilha, desde que remontem ao período que antecede a cessação das relações patrimoniais».
In casu.
O apurado crédito relativo a custas de parte decorre da ação de divórcio e, pois, reporta-se a período posterior àquele em que cessaram as relações patrimoniais das partes em virtude do casamento, termos em que não devem ser relacionados no inventário por divórcio entre as partes.
A invocação na matéria do princípio da economia processual configura-se despiciente em função do apontado regime legal, pois quanto às custas de parte em causa o aqui Requerente é titular de título executivo desde 2016, podendo alcançar desde então o pagamento da quantia em dívida diretamente do património exclusivo da ora Requerida, conforme artigos 626.º do CPCivil e 35.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais.
Improcede, pois, também nesta parte o recurso do Requerente.       
VIII.

DA EXCLUSÃO/INCLUSÃO DAS VERBAS N.ºs 4 e 5.

(Conclusões 11.ª a 28.ª das alegações do recurso subordinado da Requerida).
A Requerida põe em causa a inclusão das verbas n.ºs 4 e 5 na partilha a que se referem os autos.
Consideremos.
Na relação de bens apresentada pelo Cabeça de Casal constam como verbas 4 e 5 o seguinte:
«Dinheiro
Ilíquido
Verba n.º 4
2.º Pilar, Plano de Pensões Profissionais e Seguros contra acidentes que a Requerida é beneficiária na Suíça cujo valor à data do divórcio o Requerente desconhece pelo que desde já se requer a V. Exa. se digne notificar a requerida para informar os autos sobre o mesmo, a fim dessa quantia fazer parte integrante dos bens comuns do dissolvido casal»;
«Líquido
Verba n.º 5
2.º Pilar, Plano de Pensões Profissionais e Seguros contra acidentes que o Requerente é beneficiário, na Suíça, conforme documento e respetiva tradução que ora se junta e cujo conteúdo se dá integralmente como reproduzida (doc. 2), no valor de 96.766,45 CHF, o que perfaz em euros (à taxa de câmbio do dia: 1 CHF=0,93019€) o montante de 90.011,12€».

Na reclamação da relação de bens a Requerida sustentou que tais verbas não devem ser relacionadas, alegando para tal que:
«26.º
Quanto ao alegado na Verba n.º 4, o 2.º Pilar, correspondente ao plano de pensões profissionais e seguro contra acidentes que a requerida é beneficiária na Suíça, entende-se que não pode nem deve a mesma ser através do presente processo partilhado, e isto porque estamos perante a existência de um bem que detém regras muito próprias e específicas na sua atribuição e concessão de benefícios, do qual a nossa jurisdição nacional não dispõe de competência internacional para proceder a qualquer partilha neste âmbito, até porque se o fizesse as decisões ainda que judiciais deste país, não seriam reconhecidas na Suíça, sendo desprovidas de qualquer exequibilidade.
27.º
Conforme supra mencionado, no tocante a esta verba o Estado Suíço tem regras específicas de atribuição do mesmo em casos de partilha, efetuando-se um ajuste entre a pensão que cada um deles aufere, até porque o cabeça de casal já se encontra a beneficiar da sua pensão há pelo menos 20 anos a esta parte e a reclamante nunca beneficiou da mesma.
28.º
Quanto à verba n.º 5, 2.º Pilar Plano de pensões profissionais e seguro contra acidentes que o cabeça de casal diz ser beneficiária, reitera-se de igual modo o alegado nos artigos antecedentes.
29.º
Pelo que, não deverá o mesmo fazer parte do acervo a partilhar entre ex-cônjuges, por se entender que aquele bem terá [que] ser partilhado na Suíça, país onde tal plano foi concedido, sendo portanto aquele o país competente para decidir a partilha dos referidos bens, por tais planos de pensões deterem regras específicas de atribuição em casos de partilha.
30.º
Pelo que também as verbas n.ºs 4 e 5 da relação de bens apresentada deverão ser excluídas da mesma, pelos motivos supra expostos, bem como os preceitos legais invocados na questão prévia e para os quais se remete, o que se requer». 
      
Na resposta à reclamação de bens, quanto às verbas n.º 4 e 5, o Requerente alegou que:
«D – VERBA N.º 4 e 5
48.º-Quanto a esta verba reitera-se o já articulado anteriormente, nomeadamente, que a herança é uma universalidade de facto e de direito pelo que, não tem qualquer fundamentação legal a partilha parcial dos bens.
49.º-Aliás, em relação a bens situados no estrangeiro, o Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre essa matéria, no Acórdão de 21 de março de 1985, in B. M. J. 245, 355, assim sumariado:
I.- No inventário instaurado em Portugal devem ser descritos os bens do falecido situados no Brasil, cujo valor, desde que comprovado no processo, será considerado para o cálculo da legítima.
II.- Esse valor tanto pode resultar de avaliação obtida por carta rogatória, como ser conseguido de outro modo, designadamente por certidão do inventário instaurado no estrangeiro, dele comprovativo.”
50.º-Este acórdão teve o aplauso de Antunes Varela, in Revista da Legislação e Jurisprudência, ano 123.º, n.º 3793, pág. 118 e seguintes.
51.º-Assim sendo, impugna-se a matéria vertida nos arts.º 28.º a 30.º, nos termos e efeitos do art. 574.º do C. P.
C.–Devem pois manter-se relacionadas as verbas n.º 4 e 5 da Relação de Bens devendo a Interessada ser notificada para apresentar o valor do seu Plano de Pensões Profissionais e Seguro tal como fez o Cabeça de Casal, sob pena de incorrer em crime de desobediência.
52.º-Sendo certo que constando esses valores nos autos, a sua partilha não apresenta qualquer dificuldade, pois tal Plano não é mais do que uma quantia em dinheiro que tem que ser partilhada e em partes iguais pelos ex-cônjuges, porque fazem parte do património comum do dissolvido casal.
53.º-Também em relação a esta verba não se pode deixar de reparar na postura da Interessada: tudo exige e nada apresenta.
54.º-E, mais uma vez, tenta confundir V. Exa. porque bem sabe que o Cabeça de Casal se encontra a receber uma pensão por invalidez e não por reforma que em nada afecta a pensão que terá a receber em momento próprio pela sua reforma.
55.º-Pensão essa que representa para si o seu sustento, tal como representa para a Interessada o seu ordenado, do qual o Cabeça de Casal também não beneficiou.
56.º-Quanto à exequibilidade de tal decisão da sentença na Suíça não se consegue perceber em que termos se pode colocar, porque estamos a partilhar dinheiro.
57.º-E o que se vai apurar é se há tornas a pagar, por quem e em que valor e a quem fica adjudicado o bem imóvel e os outros 2 direitos de habitação periódica!
58.º-Para que efeito terão as autoridades suíças que ser chamadas ao processo??? Só se a Interessada se recusar a juntar aos autos a declaração sobre o valor do seu 2ª Pilar pois, se assim for, ter-se-á que pedir a V. Exa. que mande oficiar tal entidade, a fim de informar os autos do montante do mesmo até à data do divórcio.
59.º-Nesses termos, impugna-se a matéria constante nos arts. 26.º a 30.º, nos termos e para os efeitos do art.º 574.º do C. P. C.. e, em consequência, deverão manter-se relacionadas as verbas n.º 4 e 5 da Relação de Bens».

A decisão recorrida refere-se à matéria ora em causa nos seguintes termos:
«I-Requerimentos probatórios
Nas peças processuais apresentadas até este momento, deduziram as partes vários requerimentos probatórios em relação aos quais ainda não foi proferida decisão quanto à respetiva admissibilidade, designadamente:
a)-Com a relação de bens que apresentou, veio o cabeça-de-casal requerer a notificação da requerida para indicar o valor da verba n.º 4 que relacionou, alegando para tanto desconhecê-lo;
(…)
Cumpre apreciar e decidir.
(…)
Ora, volvendo ao caso dos autos, considerando que o cabeça-de-casal demonstrou uma dificuldade séria na obtenção dos elementos necessários à atribuição de um valor à verba n.º 4, defere-se o requerido, devendo a interessada ser notificada para vir informar aos autos, no prazo de 10 dias, o valor do capital, à data da apresentação da petição inicial nos autos principais (11-03-2015[2]), do «2º pilar, plano de pensões profissionais e seguro contra acidentes» de que é beneficiária.
(…)
Em face do exposto, decide-se:
a)- Determinar a notificação da interessada para, no prazo de 10 dias, vir informar aos autos, no prazo de 10 dias, o valor do capital, à data da apresentação da petição inicial nos autos principais (11-03-2015[3]), do «2º pilar, plano de pensões profissionais e seguro contra acidentes» de que é beneficiária (tendo por referência a verba n.º 4 da relação de bens apresentada);
(…)
III–Relatório
(…)
Motivação jurídica
(…)
Quanto às verbas números 4 e 5
No que respeita a estas verbas, a interessada não coloca em crise a natureza comum dos bens, limitando-se somente a sustentar que a partilha deve ser feita de acordo com a lei suíça. Ora, atendendo ao que se decidiu supra quanto à lei aplicável in casu, resta concluir que as verbas em análise devem ser mantidas.
(…)».
Em sede recursiva, a Interessada veio pedir a exclusão das indicadas verbas n.ºs 4 e 5 por entender, em suma, só poderem ser «partilhados na Suíça», em função das «regras muito próprias e específicas na sua atribuição e concessão de benefícios».
Ora, quanto à competência internacional dos tribunais portugueses para o presente inventário já o Tribunal recorrido se pronunciou, atribuindo-a, e na matéria não houve recurso, pelo que transitada se mostra tal matéria, sendo que na partilha relevam todo o acervo de bens, direitos e dívidas em causa e não só parte dele.
Por outro lado, em causa está o valor correspondente ao Plano de Pensões Profissionais e Seguro contra Acidentes de que as partes eram titulares em 11.03.2015, data em que foi interposta a ação de divórcio, conforme facto provado n.º 4.

Dito de outro modo, a partilha incide sobre o valor, em dinheiro, correspondente ao referido Plano de que as partes eram titulares àquela data, não estando em causa por qualquer forma apurar e decidir quanto à aplicação das respetivas regras e muito menos ainda impor a Tribunal do Estado Suíço o que quer que seja.
Em suma, sufraga-se na matéria o entendimento do Tribunal recorrido, pelo que também nesta sede improcede o recurso da Requerida, aqui Recorrente.
*

Quanto às custas dos recursos.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, na relação jurídico-processual recursiva os Recorrentes configuram-se como parte vencida quanto aos recursos que interpuseram, termos em que cada uma das partes deve suportar as custas dos respetivos recursos.

IX.DECISÃO  

Pelo exposto, julgam-se improcedentes os recursos interpostos pelo Requerente e pela Requerida, mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
As custas do recurso do Requerente são da sua exclusiva responsabilidade.
As custas do recurso da Requerida são por ela suportadas.


Lisboa, 9 de maio de 2024


Paulo Fernandes da Silva - (relator)
Laurinda Gemas - (2.ª Adjunta)
Pedro Martins - (1.º Adjunto, com voto de vencido nos seguintes termos:


Voto vencido--- quanto ao indeferimento dos requerimentos probatórios relativos às contas bancárias, aplicações financeiras e veículos automóveis:
Na relação de bens é feita referência a uma transferência de 25.000€ de uma conta bancária do cabeça-de-casal para uma conta bancária da interessada, antes do divórcio, mas não são relacionados quaisquer saldos bancários à data da propositura da acção de divórcio.
Na reclamação contra a relação de bens, a interessada quer que sejam relacionados os saldos das contas bancárias e aplicações financeiras do cabeça-de-casal.
O cabeça-de-casal na resposta diz, entre o muito mais, que “durante a constância do matrimónio, ambos tiveram sempre contas bancárias [e aplicações financeiras, face ao que diz depois] só em seu nome e com dinheiro próprio.” Apesar disto diz que não os relaciona, porque impugna os factos alegados. Mas esta impugnação é inócua, porque contraditória com a admissão.
Assim, não há dúvida que existiam contas bancárias, presumivelmente com saldos, sendo estes, presumivelmente bens comuns: o regime de bens, no caso, é o de adquiridos e os saldos bancários, bens móveis, presumem-se comuns (artigo 1725 do CC). E o mesmo vale para as aplicações financeiras.
O facto de o cabeça-de-casal dizer que nas contas está depositado dinheiro próprio, não serve, só por si, para que se esteja perante dinheiro próprio. Trata-se de matéria de excepção, já que serviria para ilidir a presunção decorrente do art. 1725 do CC (assim, apenas por exemplo, ac. do TRL de 23/01/2020, proc. 264/17.0T8FAF.G1: Para que se possa declarar que o saldo de uma conta bancária titulada por um só cônjuge casado no regime de comunhão de adquiridos é bem próprio do mesmo é necessário que este ilida a presunção de comunhão prevista no artigo 1725 do CC, visto que a titularidade de uma conta não predetermina a propriedade dos fundos nela contidos).
Sendo assim não tem interesse dizer que as partes fundam os requerimentos em alegações vagas e genéricas, sem concreta identificação dos bens que devem ser relacionados, pois o que interessa é que se sabe que existiam contas bancárias em nome dos dois, presumidamente com bens comuns, e pelo menos aplicações financeiras do cabeça-de-casal, que também se presumem comuns por nada ter sido dito por este no sentido de ilidir a presunção em causa.
O facto de não se saber quais são os valores concretos que compõem tais verbas, tem a ver com o conteúdo delas e não com a sua existência. Para a averiguação do conteúdo deviam ser feitas as diligências de prova requeridas, se não se optasse pela via mais expedida do consentimento dos dois (cabeça-de-casal e interessada) que, no caso, parece fácil de obter perante o que os dois alegam.
Se não for assim, então está errada toda a jurisprudência que tem admitido a averiguação de tais bens, nos inventários, inclusive com quebra do sigilo bancário; assim, apenas por exemplo, os acórdãos:
do TRG de 23/11/2023, proc. 299/22.1T8VVD-A.G1 [VI. Tendo sido requerido, com a dedução da reclamação à relação de bens, que se obtivessem informações sobre o saldo de contas bancárias tituladas pelo inventariado, à data da sua morte, junto de determinada instituição bancária, que veio depois informar que inexistiam junto de si, o subsequente pedido que essa mesma informação fosse obtida junto de todas as outras instituições bancárias a operar em Portugal não consubstancia um novo ou inédito meio de prova, mas apenas a reiteração do anterior (já que, tal como antes, o que exclusivamente volta a estar em causa é o apuramento dos valores titulados pelo inventariado à data da sua morte, sendo puramente acessória ou despicienda a identidade da concreta, ou das concretas, instituições bancárias onde tais valores eventualmente se encontrem).];
do TRP de 07/03/2022, proc. 1720/20.9T8PRD-A.P1 [II - Na ponderação do interesse preponderante, prevalece o interesse na administração da justiça sobre o interesse privado, o que justifica a dispensa de sigilo bancário para obter as informações solicitadas junto da entidade bancária, com vista a decidir incidente de omissão de relação de bens, em processo de inventário facultativo.];
do TRL de 23/09/2021, proc. 1172/21.6T8AMD.L1-2 [III - Para que possa ser ordenada a prestação da colaboração com quebra do dever de sigilo profissional é indispensável que tal se justifique segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, ponderando a imprescindibilidade da colaboração para o apuramento dos factos, a relevância do litígio e a necessidade de protecção de bens jurídicos, conceitos que têm sido densificados pela jurisprudência dos tribunais superiores. IV - Assim acontece no processo de inventário para separação de meações dos interessados em que foi apresentada reclamação contra a relação de bens suscitando a falta de relacionação de saldos de contas bancárias, sendo factos relevantes a apurar os atinentes à existência de contas da titularidade das partes cujos saldos devam ser considerados como bens comuns do casal à data da instauração da acção de divórcio (cf. art. 1789 do CC), até porque, mesmo perante junções documentais que as partes possam efectuar, comprovando a existência de certas contas, sempre importará uma demonstração cabal de que outras contas não existiam.]; 
do TRL de 14/09/2021, proc. 2835/20.9T8CSC.L1-7 [4–O segredo de supervisão imposto ao Banco de Portugal tem sido configurado por uns como modalidade de segredo bancário e, por outros, como modalidade autónoma de segredo profissional, tem por sujeitos passivos as pessoas que exerçam ou tenham exercido funções no BdP, bem como as que lhe prestem ou tenham prestado serviços e as autoridades, organismos e pessoas que participem na troca de informações prevista no artigo 81.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL 298/92, de 31/12 e por sujeitos activos, as instituições de crédito supervisionadas e, indirectamente, os clientes bancários dessas instituições, abrangendo o seu âmbito objectivo, informações sobre factos cujo conhecimento advenha, aos sujeitos passivos do dever, exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços no BdP, no contexto do exercício, por este Banco, das respectivas atribuições de supervisor do sistema bancário e financeiro. 5–O bem jurídico protegido pelo dever de segredo de supervisão continua a ser o direito à reserva da intimidade da vida privada, sobretudo nas zonas de sobreposição, quanto à informação abrangida, com o segredo bancário, mas também o interesse público na efectividade ou eficácia da supervisão, essencial à salvaguarda da estabilidade do sistema financeiro. 6–O dever de segredo de supervisão, tal como o sigilo bancário não é um dever absoluto, pelo que pode ceder perante a necessidade de salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos, tal como o direito de acesso à justiça e à tutela efectiva, previstos no artigo 20, n.ºs 1 e 5 da CRP. 7–A dispensa do dever de segredo no âmbito do processo civil segue a tramitação prevista no artigo 135 do CPP, de acordo com a qual, nas situações de legitimidade da escusa, não existindo autorização por parte do titular da conta, a obtenção das informações bancárias implica a ponderação dos interesses enunciados em 6-, que haverá de ser realizada pelo tribunal imediatamente superior àquele onde a escusa tiver sido invocada.];
do TRL de 02/02/2021, proc. 2450/20.7T8ALM-A.L1-7 [I - O dever de sigilo bancário não é um dever absoluto, pelo que pode ceder perante a necessidade de salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos, tal como o direito de acesso à justiça e à tutela efectiva, previstos no artigo 20º, nºs 1 e 5 da CRP. II - Sendo legítima a escusa com base no sigilo bancário, para assegurar a finalidade do processo de inventário em que se desconhece ou questione a extensão do património do inventariado, segundo os princípios da prevalência do interesse preponderante e da necessidade de protecção dos bens jurídicos em causa, deve ser dispensado o invocado sigilo.];
do TRE de 22/10/2020, proc. 2887/19.4T8FAR.E1 [II – Como condição da procedência da providência solicitada não tinha o requerente que identificar exactamente as contas bancárias, sendo certo que até procedeu à identificação de algumas que possibilitou a concretização do pretendido arrolamento de bens.];
do TRG de 31/10/2019, proc. 106/18.0T8MAC-A.G1 [II - Em processo de inventário para partilha do património comum do casal subsequente à dissolução do casamento por divórcio, tendo sido a comunhão geral o regime de bens do casamento, o segredo bancário é inoponível ao ex-cônjuge do titular das contas bancárias que pretende saber qual o saldo das mesmas, com referência à data a partir da qual cessaram as relações patrimoniais entre os cônjuges, para efeitos de apuramento do património comum.];
do TRC de 28/11/2018, proc. 1771/18.3T8PBL-B.C1 [I – Em processo de inventário os interessados não são, na relação jurídica de depósito entre banco e o de cujus, terceiros, sendo, assim, a recusa de informação impetrada ao banco, relativa a contas bancárias formalmente tituladas pelos mesmos, ilegítima.; II – Em todo o caso, o sigilo bancário não é um direito absoluto, devendo, se ao interessado na sua quebra não for possível ou razoavelmente exigível operar a prova dos factos pertinentes por outro meio probatório, ceder perante outros interesses ou direitos axiologicamente mais relevantes como seja a descoberta da verdade e a realização da justiça. III- Ocorre tal situação quando, em processo de inventário para separação de meações, está em causa apurar qual o saldo de contas bancárias tituladas em nome dos interessados, máxime do interessado que, versus o outro, se recusa a dar o seu consentimento para a informação sobre as mesmas.];
do TRP de 22/05/2017, proc. 271/13.2TMPRT-A.P1 [IV - Constitui matéria da competência do Notário solicitar as informações bancárias requeridas pelo cabeça-de-casal e notificar o titular da conta para as prestar ou notificar para autorizar que as instituições bancárias as prestem, ao abrigo do disposto no art.27º/1 RJPI. V - Perante a escusa das entidades bancárias em fornecer tais informações, pelo Notário ou a requerimento das partes, deve o processo ser remetido ao juiz competente, nos termos do art. 3º RJPI, para apreciar da legitimidade da escusa e para promover o incidente de dispensa de sigilo bancário, nos termos das disposições conjugadas do art. 16º/1, art. 417º CPC e art. 135 CPP, por remissão do art. 82 RJPI.];
do TRE de 19/05/2016, proc. 88/09.9TBGDL-A.E1 [I - O dever de sigilo profissional e o dever de sigilo bancário não são deveres absolutos, podendo consequentemente ceder perante a necessidade de salvaguardar outros direitos de entre os quais avultam os que se prendem com o direito de acesso à justiça e à tutela efectiva que o mesmo pretende acautelar, nos termos consagrados no artigo 20.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa. II - Sendo legítima a escusa com base no sigilo bancário, para assegurar a finalidade do processo de inventário em que se desconhece ou discute a extensão do património do falecido, segundo os princípios da prevalência do interesse preponderante e da necessidade de protecção dos bens jurídicos em causa, deve ser dispensado o invocado sigilo.
Neste processo, a interessada requereu a notificação do Banco para emitir extracto bancário de todas as operações efectuadas na conta do inventariado e período que indicou, bem como de outras de que o mesmo era titular à data do seu óbito, invocando o seu desconhecimento. O TRE julgou procedente o incidente e ordenou o levantamento do segredo bancário, devendo a instituição bancária, entre o mais, informar os autos sobre as contas de que o inventariado fosse titular ou co-titular e informando ainda se aquele era titular de qualquer aplicação financeira.];
do TRC de 10/03/2015, proc. 561/08.6TBTND-A.C1 [I – O segredo bancário não tem carácter absoluto, não prevalecendo sempre sobre qualquer outro dever conflituante. II - Destina-se, o dever de sigilo, a proteger os direitos pessoais, como o bom nome e reputação e a reserva da vida privada, bem como o interesse da protecção das relações de confiança entre as instituições bancárias e os seus clientes. III - O dever de colaboração com a administração da justiça tem por finalidade a satisfação de um interesse público, que é o da realização da Justiça.
Neste processo parte os interessados requereram que se solicitasse ao BdP para que este oficiasse a todos os bancos a operar em Portugal, no sentido de saber da existência ou da inexistência, na titularidade do inventariado, de contas bancárias de depósitos à ordem, a prazo, de fundos de investimento imobiliário e de outras aplicações financeiras nas referidas instituições de crédito. O BdP invocou o segredo profissional; o TRC decidiu dispensar o BdP do cumprimento desse dever de segredo que invocou e, consequentemente, determinou que o BdP preste, no âmbito do processo em causa, a colaboração e as informações que lhe foram solicitadas pelo Tribunal de 1ª Instância.];
do TRP de 21/01/2014, proc. 664/04.6TJVNF-C.P1 [I - Tendo sido solicitadas informações referentes a conta de depósitos a uma instituição bancária, esta pode escusar-se legitimamente a prestar tais informações fundamentando-se para tal no dever de segredo bancário previsto no art. 78 do DL 298/92, de 31.12; II - Sendo legítima a escusa da instituição bancária, há que desencadear, de modo a obter as informações em causa, o incidente de quebra de segredo, o qual será decidido pelo tribunal imediatamente superior àquele onde a escusa ocorreu. III - Porém, como diligência prévia, deverá neste caso, em que estamos perante um inventário destinado a separação de meações, determinar-se a notificação do cabeça-de-casal no sentido de, sendo titular da conta, prestar autorização para os efeitos do art. 79º, nº 1 do DL 298/92, de 31.12; IV - Só na falta desta autorização, se desencadeará o incidente de quebra de segredo bancário.];
do TRL de 01/03/2011, proc. 2142/08.5TMLSB-D.L1-7 [I - O dever de sigilo profissional, incluindo o sigilo bancário, não é absoluto, podendo ceder quando e na medida em que se mostre necessário para a salvaguarda de outros direitos, mormente os que se prendem com o direito de acesso à justiça e à tutela efectiva que esse direito tem em vista, nos termos do artigo 20.º, nº 1 e 5, da Constituição. II -No caso vertente, mostra-se necessário que a requerente do arrolamento conheça os movimentos bancários da conta do requerido, onde poderão ter sido depositados valores do casal, com vista a acautelar uma partilha justa do património do casal subsequente ao divórcio que pretende instaurar.];
do TRP de 07/07/2009, proc. 15/08.0TBMUR-A.P1 [I - Deve dar-se prevalência ao direito à obtenção das informações recusadas pelo banco, a fim de se aferir se as quantias monetárias relacionadas pelo cabeça-de-casal traduzem efectivamente a parte que ocupavam no património da inventariada à data da sua morte. II - E como a única forma de se lograr a obtenção dessas informações é a do levantamento/quebra do sigilo bancário, nos termos das als. d) e e) do n° 2 do art. 79º do RGICSF, não resta outra saída que não seja a de dispensar o Banco do respectivo dever. III - O facto da inventariada não ser co-titular da conta em questão, não constitui obstáculo ao que acaba de se dizer, já que o que releva é o regime de bens que vigorava entre o cabeça-de-casal e a inventariada que era o da comunhão geral, no âmbito do qual existe a presunção de que “o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges” (art. 1732 do CC), sendo indiferente que, por hipótese, o primeiro tivesse contas bancárias em seu exclusivo nome ou em conjunto com terceiros.]]
Também quanto aos veículos automóveis em nome do cabeça-de-casal, cuja falta é acusada pela interessada, o cabeça-de-casal não se pode refugiar numa impugnação genérica, visto que a existência de dois veículos automóveis, em nome dele, é um facto pessoal (art. 574/3 do CPC: Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário). Assim, considero que está admitida por falta de impugnação a existência dos dois automóveis e que se devem fazer diligências de prova necessárias para o seu relacionamento concretizado.
Pedro Martins)

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[1]Conforme retificação decorrente do ponto III. do presente acórdão.
[2]Na decisão recorrida refere-se «03-11-2015», o que constituiu um lapso de escrito nos termos expostos no ponto III. deste acórdão.
[3]Na decisão recorrida refere-se «03-11-2015», o que constituiu um lapso de escrito nos termos expostos no ponto III. deste acórdão.