Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
933/11.9TVLSB-A.L1-2
Relator: JORGE VILAÇA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
DESOCUPAÇÃO
REALOJAMENTO DO INQUILINO
CAUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I – Os fundamentos da sentença não têm que ser exaustivos e, quanto à matéria de direito, o facto de se invocar a norma jurídica em que se fundamenta o decidido é suficiente para obstar à nulidade do art.º 668º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
II – Não há que conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por desnecessidade, mesmo que verificados os requisitos legais, se a alteração pedida for meramente instrumental em relação à solução jurídica pretendida por via do recurso
III - A apreciação da caducidade do contrato de arrendamento é uma questão própria de acção principal, uma vez que a providência cautelar não pode consumir o fim da decisão definitiva a proferir naquela.
IV – Na providência cautelar não especificada em que foi pedida a restituição imediata do local arrendado ao senhorio, com fundamento em caducidade do contrato de arrendamento, a decisão que ordena a desocupação do local e realojamento da inquilina mostra-se adequada e dentro dos limites legais do pedido de forma a acautelar os prejuízos decorrentes de eventual derrocada do prédio.
V – Não pode ser ordenada a prestação de caução nos termos do art.º 390º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que não tenha fundamento em prejuízo autónomo em relação ao que fundamento o realojamento.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I

Relatório

“A” - Promoção Imobiliária, S.A.
Instaurou providência cautelar não especificada, a correr termos pela 1ª Vara Cível da Comarca de Lisboa (1ª secção), contra:
“B”
Alegando, em síntese, o seguinte:
· Em 20 de Setembro de 2005, adquiriu os prédios urbanos sitos na Rua do ..., nºs ... a ..., sendo a Requerida arrendatária do R/C dos números ... e ...;
· Aquando da aquisição do imóvel, em Setembro de 2005, o mesmo encontrava-se já visivelmente degradado, não dispondo de condições mínimas de habitabilidade e de segurança estrutural, indiciando fortemente a possibilidade de ocorrer um colapso estrutural, com risco sério de provocar danos materiais e pessoais, quer aos inquilinos, quer a terceiros;
· No dia 4 de Maio de 2006 foi realizada uma nova vistoria ao prédio em causa, pela Câmara Municipal de Lisboa, a fim de atestar o seu estado de conservação, em cujo relatório se conclui que “o edifício é irrecuperável”, “deverá ser determinando o despejo imediato de pessoas e bens, e deverá proceder-se à demolição total do edifício”;
· Desde pelo menos 4 de Maio de 2006, data em que se realizou a vistoria da Câmara Municipal de Lisboa que sustentou a aprovação de demolição do imóvel objecto dos presentes autos, que o mesmo não cumpre o fim a que se destinou enquanto locado, verificando-se assim a perda da coisa locada e consequente caducidade do contrato de arrendamento titulado pela Requerida;
· O estado de conservação do imóvel coloca em perigo a integridade física da requerida, de vizinhos e terceiros circundantes daquele, e representa um perigo para os edifícios e lojas que o rodeiam, podendo a Requerente, na qualidade de proprietária, ser responsabilizada por eventuais danos causados a terceiros, tendo, por isso, a obrigação de efectuar os trabalhos necessários a evitar o colapso do imóvel, nomeadamente a demolição das estruturas em ruína e estabilização das fachadas.
· Concluiu pedindo que fosse ordenada a imediata restituição, a si própria, de um locado, sito na Rua do ..., nºs ... - ..., R/C, em Lisboa.

Citada regularmente, a requerida deduziu oposição, defendendo a improcedência do presente procedimento cautelar, indeferindo-se o respectivo pedido, ou, subsidiariamente, que seja recusado o decretamento da providência cautelar por o prejuízo para a requerida exceder consideravelmente o dano que com ela se pretende evitar, alegando, em suma, o seguinte:
· O imóvel não se encontra em estado de ruína ou de colapso, e ainda que existam espaços do prédio, nomeadamente os andares superiores, que não possuem as condições de salubridade ou de habitabilidade que permitam a residência nestes espaços de uma família, o espaço onde reside tem condições de salubridade e de habitabilidade, sendo, pois, manifesto que o contrato de arrendamento não caducou, conforme a Requerente pretende fazer crer;
· Aufere apenas uma pensão de sobrevivência de Euros 147,83, não dispondo de qualquer outro rendimento, encontrando-se actualmente desempregada, e que não tem outro imóvel onde possa residir, nem tem meios para arrendar outro imóvel, pelo que, caso a providência cautelar requerida pela Requerente seja decretada, será despejada na rua, sem ter sequer onde pernoitar ou guardar os seus haveres, concluindo que o dano que resulta do decretamento da providência cautelar excede largamente o dano que a Requerente pretende evitar.

Realizada a audiência de produção de prova, foi proferida decisão sobre a matéria de facto.
Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a providência e decidiu:
“Ordeno a desocupação imediata do espaço físico correspondente aos nºs ... e ... da Rua do ..., em Lisboa, e realojamento da requerida em habitação disponibilizada pela requerente, com área aproximada à do espaço locado e em zona próxima do espaço locado, a expensas da Requerente.
A desocupação fica condicionada à prévia prestação de caução pela requerente, no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), nos termos do disposto no art. 390º do C.P.C..”


Não se conformando com aquela sentença, dela recorreu a requerente, que nas suas alegações de recurso formulou as seguintes “CONCLUSÕES”:
– O Tribunal a quo, considerando que o prédio propriedade da Apelante encontra-se em risco de colapso, pondo em perigo a integridade física da Apelada e de terceiros que circulem junto do mesmo, determinou a desocupação imediata da habitação ocupada pela Apelada;
2ª - Contudo, defendendo que o contrato de arrendamento da Apelada não caducou – entendimento que, como veremos adiante, deverá ser revogado pois não tem apoio na matéria de facto provada – considera que a Apelada tem direito ao locado e, consequentemente, (i) determinou que a desocupação fica condicionada à prévia prestação de caução pela Apelante de €50.000,00, bem como (ii) determinou o realojamento da Apelada, em habitação disponibilizada pela Apelante, com área aproximada à do espaço locado e em zona próxima do espaço locado, a expensas da Apelante;
3ª - A respeito da prévia prestação de caução, a Sentença ora impugnada, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam tal decisão, está ferida de nulidade, por aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC;
4ª - De facto, da Sentença ora impugnada decorre unicamente que a caução servirá para “salvaguardar o ressarcimento de prejuízos causados à requerida, derivados da providência” e o seu valor é fixado em €50.000,00 “atento o valor atribuído à causa.”;
5ª - Contudo, não é invocado nenhum facto de onde resulte a possibilidade de a providência vir a originar prejuízos para a Apelada, nem a razão pela qual tais eventuais prejuízos são fixados no montante adiantado pelo Tribunal a quo;
6ª - O art. 390.º do CPC tem por epígrafe “Responsabilidade do requerente”, sendo que no seu n.º 1 estabelece que “Se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal.” e no n.º 2 que “Sempre que o julgue conveniente em face das circunstâncias, pode o juiz, mesmo sem audiência do requerido, tornar a concessão da providência dependente da prestação de caução adequada pelo requerente.”;
7ª - A caução prevista no n.º 2 do art. 390.º do CPC tem em vista o disposto no n.º 1 do mesmo artigo, i.e., visa acautelar os danos que venha a ser culposamente imputados ao requerente por força de providência que venha a ser considerada injustificada ou que venha a caducar por facto que lhe seja imputável;
8ª - A sujeição da concessão da providência à prestação prévia de caução assume carácter excepcional, a qual apenas deverá ser aplicada quando, apesar da aparente verificação dos requisitos legalmente exigidos para o decretamento da providência, o juiz detecte, pela análise do caso concreto à luz das regras da experiência, a existência de indícios de virem a surgir prejuízos para o requerido culposamente causados pelo requerente;
9ª - De facto, como ensina Abrantes Geraldes: “Os riscos inerentes ao decretamento de uma providência, assente em juízos de verosimilhança, pode servir de base à fixação judicial de uma condição suspensiva consistente na prévia prestação de caução que garanta o requerido dos prejuízos que a medida cautelar possa provocar na sua esfera se, porventura, se verificar que a providência não tinha justificação plausível ou se posteriormente o requerente não cumprir os deveres de diligência normais. A sujeição da concessão da providência à prestação de caução por parte do requerente constitui uma medida aconselhada quando, apesar da aparente verificação dos requisitos, pela análise do caso concreto à luz das regras de experiência, o juiz verifique a presença de indícios de actuações malévolas ou temerárias, embora sem a consistência necessária para impedir o deferimento da providência.”;
10ª - O Tribunal a quo, repete-se, não identificou, com base na análise do caso sub iudice, os factos que impõem a fixação da referida caução, nem quais os prejuízos a acautelar –aliás, dos factos provados não pode ser retirado qualquer indício de eventuais “actuações malévolas ou temerárias” da Apelante e/ou qualquer facto de onde possa ser retirado que a Apelante, culposamente, irá provocar prejuízos à Apelada;
11ª - Conforme consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.02.200710: “Trata-se de norma (o art. 390.º, n.º 2 do CPC) que muito raramente é aplicada, e compreende-se porquê: se o juiz tem dúvidas acerca do direito do requerente, não decreta a providência. Por outro lado, o carácter urgente da providência cautelar, ou seja, a exigência de tomada imediata de medidas que acautelem o direito do requerente, dificilmente se compadece com a sua subordinação à prévia prestação de uma caução pelo requerente. Acresce que o enfoque dado a qualquer procedimento cautelar é o da garantia do direito do requerente e não a do eventual e hipotético direito do requerido, no caso de decaimento da providência, decaimento esse que o juiz necessariamente ajuizará como pouco provável.”;
12ª - Acresce que, no tocante aos prejuízos, o Tribunal a quo limitou-se a justificar o montante a caucionar com “o valor atribuído à causa”, sem qualquer fundamentação adicional, sendo que o valor atribuído à causa pela Apelante foi de € 47.790,00, o qual corresponde ao valor patrimonial actual do prédio – fica assim por esclarecer a razão pela qual o Tribunal a quo sufragou o entendimento de que os alegados prejuízos causados à Apelada, decorrentes do decretamento da providência, correspondem ao valor patrimonial do prédio onde se insere a divisão ocupada por aquela;
13ª - A fundamentação dos actos decisórios visa, por um lado, obrigar o Tribunal a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autocontrolo e, por outro lado, permite o controlo da legalidade dos actos, na medida em que torna possível conhecer os motivos tidos em consideração para a decisão proferida;
14ª - O Tribunal a quo, ao não justificar ou fundamentar de que forma a procedência da providência em apreço poderá (i) provocar prejuízos para a Apelada e (ii) quais seriam esses prejuízos, impede a Apelante de efectuar o referido controlo da legalidade de tal decisão, o que, por aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, fere de nulidade a decisão tomada;
15ª - Caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se pondera, sem conceder, é inegável que o Tribunal a quo faz uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do art. 390.º do CPC, pois dos factos apurados não resultaram indiciariamente provadas quaisquer circunstâncias especiais que justificassem que o Tribunal a quo devesse lançar mão desse mecanismo excepcional, sobretudo tendo em consideração que a Apelante foi condenada a realojar, a suas expensas, a Apelada, o que faz com que fiquem por identificar quais os prejuízos da Apelada resultantes da desocupação do imóvel;
16ª - Sem prejuízos do acima exposto, ao nível da matéria de facto, a resposta dada pelo Tribunal a quo aos factos alegados pela Apelante nos arts. 14.º e 15.º do seu Requerimento Inicial deve ser alterada em face da prova produzida nos presentes autos;
17ª - Do alegado pela Apelante no art. 14.º do Requerimento Inicial – “Aquando da aquisição do imóvel em Setembro de 2005, o mesmo encontrava-se já visivelmente degradado e em risco sério de provocar danos materiais e pessoais, quer aos inquilinos quer a terceiros.” – o Tribunal a quo considerou “Provado apenas que aquando da aquisição do imóvel em Setembro de 2005, parte do mesmo encontrava-se visivelmente degradado em alguns dos seus elementos.”;
18ª - Por sua vez, do alegado no artigo 15.º - “De facto, contando o imóvel em causa com mais de 125 anos desde a sua construção, àquela data já não dispunha de condições mínimas de habitabilidade e de segurança estrutural, indiciando fortemente a possibilidade de ocorrer um colapso estrutural.” – o Tribunal a quo considerou “Provado que o imóvel em causa contava com mais de 125 anos desde a sua construção, e o que consta da resposta ao art. 14.º.”;
19ª - Em suma, o Tribunal a quo não considerou provado que aquando da sua aquisição pela Apelante, em Setembro de 2005, o prédio em apreço “(…) já não dispunha de condições mínimas de habitabilidade e de segurança estrutural, indiciando fortemente a possibilidade de ocorrer um colapso estrutural.”;
20ª - Porém, juntos aos autos consta o relatório da “Vistoria para avaliação das condições de segurança” efectuada em 19.10.2005 pela Câmara Municipal de Lisboa – Departamento de Planeamento e Projectos11, de acordo com o qual, não obstante terem apenas sido vistoriados o terceiro piso do prédio, concluíram que: “Estes fogos (o 3.º andar esquerdo e o 3.º andar direito) encontram-se inseridos no edifício com os números ... a ... da Rua do ..., o qual já foi objecto de vistoria, em Outubro de 2004, através da informação .../04/DIR, cuja cópia se anexa e onde já foi referido que o edifício se encontra em estado de ruína, tendo esse estado vindo a sofrer sucessivos agravamentos, devido ao tempo entretanto decorrido. Salienta-se que as paredes resistentes da caixa das escadas estão abauladas e em risco de rotura eminente.
Assim, propõe-se o envio ao DGSPH a fim de proceder ao realojamento imediato dos moradores, antes da época das chuvas, por estar comprometida a segurança dos moradores.” [bold e sublinhado nosso];
21ª - O mesmo entendimento é confirmado através do “Parecer sobre as condições actuais do imóvel sito nos N.ºs ... a ... da R. do ..., em Lisboa”, datado de 30.03.2006, o qual teve por objecto a determinação do estado actual do edifício e parecer sobre condições de segurança, de acordo com o qual “Sendo um edifício em que a sua Estrutura Resistente é apenas conferida pelas suas paredes (…) resulta do estado altamente debilitado em que as mesmas se encontram, a existência de uma situação preocupante no que respeita quer às fracas, senão mesmo inexistentes, condições de habitabilidade da quase totalidade do edifício mas, sobretudo, em relação às condições de Segurança Estrutural do imóvel, (…)este edifício apresenta fartos indícios de continuar a sofrer um processo de implosão, o qual poderá vir a acabar de forma súbita e imprevista no colapso Estrutural do edifício.”. [bold e sublinhado nosso];
22ª - Aliás, o mencionado Parecer, sobre as medidas a empreender, concluiu que “(…) e em face dos riscos associados à forte probabilidade da ocorrência do colapso do edifício desaconselhamos vivamente a continuação da sua utilização, sugerindo a concretização urgente: da desocupação de pessoas e bens, prioritariamente, os utentes do 3.º Piso; da remoção dos bens existentes nas fracções (…). Em face da evidente inviabilidade técnica de recuperação do edifício e, sobretudo dos riscos descritos, aconselha-se desde já a concretização da sua demolição integral.”;
23ª - Os factos resultantes dos mencionados documentos – que não foram colocados em causa pela restante prova produzida nos autos – demonstram claramente a falta de condições mínimas de habitabilidade e de segurança estrutural do prédio em causa e a forte possibilidade de ocorrer um colapso estrutural desde, pelo menos, a data em que a Apelante o adquiriu, situação que veio a ser confirmado através da nova vistoria efectuada em 04.05.2006, a qual concluiu que “(…) o edifício é irrecuperável”, “deverá ser determinando o despejo imediato de pessoas e bens, e deverá proceder-se à demolição total do edifício” [bold e sublinhado nosso];
24ª - Em face do acima exposto, é imperioso concluir que os factos constantes dos arts. 14.º e 15.º do Requerimento Inicial deveriam ter sido considerados integralmente provados, o que se requer;
25ª - Em sentido inverso, deverá ser revogada a decisão do Tribunal a quo relativamente ao ponto 52. da Fundamentação de Facto, quando considerou que provado que “A habitação da Requerida mantém condições de salubridade e de habitabilidade.”;
26ª - Por um lado, as “condições de salubridade e de habitabilidade da habitação da Apelada” não se tratam de verdadeiros factos mas, isso sim, meras conclusões ou ilações e, nessa medida, não deveriam constar do elenco de factos provados;
27ª - Com efeito, ao nível técnico, entende-se que a existência de condições de habitabilidade implica a satisfação de exigências essenciais de segurança (que impõem que as habitações devem assegurar condições que garantam a protecção física e psicológica relativa ao perigo, e proporcionem tranquilidade e confiança, devendo, para o efeito ter-se em consideração quatro vertentes da segurança: estrutural, contra incêndio, no uso normal, e contra a intrusão/agressão/roubo) e de saúde (que impõem que as habitações devem assegurar condições que garantam a higiene e a saúde dos moradores, devendo ter-se em consideração as vertentes da salubridade, qualidade do ar, protecção contra a humidade/estanquidade, protecção contra o ruído, conforto visual e conforto) num nível definido como mínimo absoluto, no sentido de corresponder a um nível de satisfação das necessidades dos moradores abaixo do qual a sua vida, nos aspectos físicos e mentais, podem ser seriamente prejudicada;
28ª - O Tribunal a quo não cuidou de apurar – até porque tais factos não foram alegados pela Apelada – os factos necessários e melhor descritos na Metodologia de Certificação das Condições Mínimas de Habitabilidade elaborada pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil12 para retirar tais conclusões, como por exemplo, se na habitação ocupada pela Apelada os pavimentos, as paredes e os tectos apresentam falta ou alteração dos elementos resistentes fundamentais, sinais de presença continuada de água; deterioração dos revestimentos ou outras anomalias; ou se as portas e as janelas asseguram suficiente resistência ao vento e estanquicidade à água da chuva; ou se existe uma instalação de distribuição de água fria e quente; ou se existe uma instalação eléctrica em adequadas funções de funcionamento, dotada de quadro com disjuntores diferenciais de protecção à instalação. CC)Aliás, a conclusão do Tribunal a quo está claramente em contradição com os restantes factos provados, de onde se destaca o ponto 26. da Fundamentação de Facto, de acordo com o qual “O estado do R/C habitado pela Requerida, na data da vistoria efectuada no dia 4 de Maio de 2006 e acima mencionada, era o seguinte: “Sala à frente - tecto e parede de paramento da fachada principal com manchas de humidade, vestígios de infiltrações e escorrências; paredes com salitre na zona inferior. Sala atrás – tecto e parede de paramento da fachada de tardoz com manchas de humidade, vestígios de infiltrações e escorrências; tecto e paredes com fendilhação dispersa; parede de paramento da fachada principal com rebocos abaulados. Compartimentos interiores – paredes com fendilhação dispersa e revestimentos abaulados.”;
29ª - Não se compreende como pode o Tribunal a quo atribuir condições de habitabilidade a um prédio que foi objecto de vistoria da Câmara Municipal de Lisboa, em 4 de Maio de 2006, como já se referiu atrás e está nos autos, que concluiu “(…) que o edifício é irrecuperável (…) deverá ser determinando o despejo imediato de pessoas e bens, e deverá proceder-se à demolição total do edifício (…)”, cfr. ponto 17. da Fundamentação de Facto;
30ª - Impõe-se, assim, a eliminação do ponto 52. da Fundamentação de Facto, na medida em que se trata (i) de meras conclusões, (ii) as quais nem poderia ter tomado uma vez que nos autos não foram alegados factos que as possam sustentar e (iii) que estão em clara contradição com verdadeiros factos provados nos autos;
31ª - Também sem prejuízo do acima exposto, impõe-se igualmente a revogação do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, nos termos do qual “não estão apurados factos suficientes integrantes da ocorrência de caducidade do contrato, por perda da coisa locada.”;
32ª - Face aos factos provados nos autos, dos quais se destacam: · “Aquando da aquisição do imóvel em Setembro de 2005, parte do mesmo encontrava-se visivelmente degradado [e em risco sério de provocar danos materiais e pessoais, quer aos inquilinos quer a terceiros]13.” – ponto 12. da Fundamentação de Facto; · “O imóvel em causa contava com mais de 125 anos desde a sua construção [e àquela data já não dispunha de condições mínimas de habitabilidade e de segurança estrutural, indiciando fortemente a possibilidade de ocorrer um colapso estrutural] 14.”.” – ponto 13. da Fundamentação de Facto; · “Em 18 de Outubro de 2005, a Câmara Municipal de Lisboa realizou uma vistoria ao 3º piso do prédio, salientando que “as paredes resistentes da caixa de escada estão abauladas e em risco de rotura eminente”, concluindo que a segurança dos moradores estava comprometida.” – ponto 14. da Fundamentação de Facto; · “No dia 4 de Maio de 2006 foi realizada uma nova vistoria ao prédio em causa, pela Câmara Municipal de Lisboa, a fim de atestar o estado de conservação daquele.” e “O auto referente à mencionada vistoria conclui que “o edifício é irrecuperável”, “deverá ser determinando o despejo imediato de pessoas e bens, e deverá proceder-se à demolição total do edifício.” – pontos 16. e 17. da Fundamentação de Facto; · “Nas respostas aos quesitos da vistoria, os autores da mesma concluem que o prédio tem insegurança estrutural, que existe risco de colapso (não iminente), e que na eventualidade de este ocorrer põe em causa a segurança dos prédios confinantes ou vizinhos.” – ponto 18. da Fundamentação de Facto; · “A estrutura do prédio encontra-se fragilizada e em risco de colapso por instabilidade da construção.” – ponto 24. da Fundamentação de Facto; · “O estado do R/C habitado pela Requerida, na data da vistoria efectuada no dia 4 de Maio de 2006 e acima mencionada, era o seguinte: “Sala à frente - tecto e parede de paramento da fachada principal com manchas de humidade, vestígios de infiltrações e escorrências; paredes com salitre na zona inferior. Sala atrás – tecto e parede de paramento da fachada de tardoz com manchas de humidade, vestígios de infiltrações e escorrências; tecto e paredes com fendilhação dispersa; parede de paramento da fachada principal com rebocos abaulados. Compartimentos interiores – paredes com fendilhação dispersa e revestimentos abaulados.” – ponto 26. da Fundamentação de Facto; · “Em 15 de Dezembro de 2010 a Requerente foi notificada da decisão da Câmara Municipal de Lisboa que concluiu pela viabilidade de aprovação da demolição parcial do imóvel e, consequente, despejo dos inquilinos.” - ponto 28. da Fundamentação de Facto, é forçoso concluir que, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do art. 1051.º do Código Civil, o contrato de locação da Apelada caducou por perda da coisa locada;
33ª - Há caducidade de um contrato de arrendamento quando a degradação ou ruína do imóvel arrendado é tal que inviabiliza completamente o fim do contrato, com a consequente extinção da obrigação do senhorio de assegurar o gozo da coisa locada ao arrendatário;
34ª - A caducidade do contrato de locação por perda da coisa locada opera ope legis, na medida em que a lei atribui o efeito extintivo ao evento definido, neste caso a perda da coisa – o mesmo é dizer que a caducidade opera automaticamente quando os danos sofridos pelo prédio o tornem inapto para proporcionar a finalidade do arrendamento;
35ª - Em face dos factos provados e acima descritos, o prédio melhor identificado nos autos, que tem como fim a habitação, já não cumpre o fim a que se destina, na medida em que não é possível assegurar, face ao seu estado, o direito à habitação em condições de salubridade ou habitabilidade;
36ª - Com efeito, tendo ficado provado que a estrutura do prédio onde se insere a habitação ocupada pela Apelada encontra-se fragilizada e em risco de colapso por instabilidade da construção, tendo inclusive já sido ordenada pela Câmara Municipal de Lisboa, na sequência da aprovação da demolição do referido prédio, o despejo dos inquilinos – em consonância com o determinado nas vistorias de 18.10.2005 e 04.05.2006 – é inegável a perda da coisa locada e, em consequência, é inegável a caducidade do contrato de arrendamento da Apelada;
37ª - Neste sentido, a mero título de exemplo e com base nos mesmos factos que os descritos nos presentes autos, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.05.2011 (Processo 9577/08.1TVBNVG.P1), o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.03.2004 (Processo n.º 221/2004-7), e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.07.2010 (Processo 60/10.6YFLSB e Processo 440/07.4TVPRT.S1), de 26.08.2008 (Processo 08N628), de 12.03.2009 (Processo 259/99) e de 24.05.2007 (Processo 582/2007), sendo que deste último destaca-se o seguinte: “A inexistência no locado de quaisquer condições de segurança torna inviável a habitabilidade do mesmo, já que se mostra em risco pela sua degradação, a sua sustentabilidade edificativa, com o inerente perigo de derrocada, e o consequente daí decorrente risco para a integridade física dos respectivos utentes, situação esta que afasta, desde logo, a susceptibilidade de enquadramento da situação em causa num fundamento de denúncia do contrato - art. 69.º, n.º 1, al. g), do RAU -, enquadrando-se, outrossim, no fundamento de caducidade referido na alínea e) do n.º 1 do art. 1051.º do CC, pela completa e absoluta inviabilização do locado para os fins habitacionais a que o mesmo se destina.”;
38ª - Por último, contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo, salienta-se que a caducidade do contrato de arrendamento por perda da coisa locada não necessita, para que opere validamente, de uma intimação camarária que determine o despejo – todavia, mesmo sem conceder, sempre se dirá que em Maio de 2006, já os serviços camarários consideraram que “o edifício é irrecuperável” e “deverá ser determinando o despejo imediato de pessoas e bens, e deverá proceder-se à demolição total do edifício.”;
39ª - Neste contexto, em face da matéria de facto provada, está demonstrada a caducidade do contrato de arrendamento da Apelada por perda da coisa locada, pelo que é forçoso concluir que o Tribunal a quo interpretou e aplicou indevidamente o disposto no artigo 1051.º, n.º 1, alínea e) do CC;
40ª - Como consequência, deve a decisão do Tribunal a quo ser alterada e, nessa medida, ser revogada a decisão de realojamento da Apelada, a expensas da Apelante, bem como a decisão de prestação de caução, por parte da Apelante, prévia à execução da desocupação ordenada.


II

- FACTOS
Na sentença recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:
1) A Requerente tem como actividade a promoção imobiliária, gestão de imóveis próprios e alheios, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, e prestação de serviços conexos com as referidas actividades;
2) No âmbito da sua actividade, em 20 de Setembro de 2005, por escritura outorgada pela Notária Privativa do Município de Lisboa, Ora. “C”, a Requerente adquiriu, por compra, ao Município de Lisboa diversos imóveis: entre os quais o prédio urbano sito na Rua do ..., com os números de polícia ... a ..., anteriormente descrito na 7.a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ..., da freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia do ... sob o artigo ...;
3) Com a aquisição pela Requerente de todos os imóveis descritos supra, aqueles foram objecto de anexação e nova descrição predial na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n." ...;
4) O prédio urbano sito na Rua do ..., com os números de polícia ... a ... tem uma entrada comum para acesso ao primeiro, segundo e terceiro andar, entrada essa correspondente ao número de polícia …, sendo que os números de polícia …, … e …, todos situados no R/C, têm entradas independentes;
5) A Requerida é arrendatária do R/C do mencionado prédio sito na Rua do ..., ocupando a divisão correspondente aos números de polícia ... e ...;
6) O Município de Lisboa, na qualidade de vendedor do imóvel identificado e aquando da venda do mesmo, entregou à Requerente a informação que consta do documento 4, junto a fls. 40 a 42;
7) Na página 3 de 3 do referido documento 4, sob a epígrafe "IV - Não foi possível reconhecer arrendatários para os seguintes espaços" consta a conclusão de que, relativamente ao prédio da Rua do ..., n.º ... - ..., foi celebrado um contrato de arrendamento destinado a "barbeiro e moradia" em 30.06.1926 a favor de “D”;
8) Consta, também, a menção a que, entre outros elementos/documentos, existe um atestado de residência emitido, em 16.05.1995, pela Junta de Freguesia de ..., em como a aqui Requerida “B” residia no imóvel em causa com a sua sogra desde 1971;
9) A Requerida habitava o mesmo, por ter sucedido na posição de arrendatária por morte do anterior arrendatário;
10) A Requerida sempre liquidou as rendas mensais à Requerente, no valor de €19,24, cada uma;
11) A Requerente pretende realizar no imóvel objecto dos presentes autos, em conjunto com outros imóveis sitos na Rua do ..., um projecto integrado de demolição, ampliação, construção e conservação de um edifício destinada a um equipamento hoteleiro;
12) Aquando da aquisição do imóvel em Setembro de 2005, parte do mesmo encontrava-se visivelmente degradado em alguns dos seus elementos;
13) O imóvel em causa contava com mais de 125 anos desde a sua construção;
14) Em 18 de Outubro de 2005, a Câmara Municipal de Lisboa realizou uma vistoria ao 3° piso do prédio, salientando que "as paredes resistentes da caixa de escada estão abauladas e em risco de rotura eminente", concluindo que a segurança dos moradores estava comprometida;
15) Desde o final do ano de 2005 que a Requerente encetou contactos com todos os inquilinos no sentido de desocuparem o imóvel de pessoas e bens, tendo chegado a um entendimento com todos os inquilinos, à excepção da Requerida;
16) No dia 4 de Maio de 2006 foi realizada uma nova vistoria ao prédio em causa, pela Câmara Municipal de Lisboa, a fim de atestar o estado de conservação daquele;
17) O auto referente à mencionada vistoria conclui que "o edifício é irrecuperável, "deverá ser determinando o despejo imediato de pessoas e bens, e deverá proceder-se à demolição total do edifício";
18) Nas respostas aos quesitos da vistoria, os autores da mesma concluem que o prédio tem insegurança estrutural, que existe risco de colapso (não iminente), e que na eventualidade de este ocorrer põe em causa a segurança dos prédios confinantes ou vizinhos;
19) A Requerida, até à presente data, apesar de diversos contactos e interpelações da Requerente, não entregou o imóvel em causa livre de pessoas e bens;
20) A Requerente enviou à Requerida uma carta, datada de 7 de Fevereiro de 2011, cuja cópia está junta a fls. 91 e 92 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, da qual consta designadamente "dada a referida irrecuperabilidade e inerente necessidade de demolição, o contrato de arrendamento de que é titular caducou, ao abrigo do disposto no art. 1051°, alínea e) do C.C., pelo que V. Exa. se encontra na obrigação de entregar o imóvel desocupado de pessoas e bens";
21) Existem várias zonas no prédio sem condições de habitabilidade e salubridade e a insegurança estrutural do prédio põe em perigo a integridade física da Requerida e de terceiros que por ali circulem;
22) Em 20 de Outubro de 2010, num parecer emitido pela Direcção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo consta que numa nova visita realizada ao imóvel em 13 de Agosto de 2010, na qual apenas foi verificado o exterior do edifício, este apresentava maior desagregação do reboco da fachada e a cobertura estava mais deteriorada;
23) O estado actual do mencionado imóvel é o seguinte:
a) Fachada principal e fachada a tardoz:
i) grande parte dos rebocos estão desagregados e com alvenaria escalavrada à vista, o que não impede a entrada da água da chuva e as consequentes infiltrações;
ii) o beirado apresenta-se com vegetação;
iii) os vãos, que se encontravam com vidros partidos ou em falta, foram fechados;
iv) as madeiras das janelas estão com tinta a descascar e partes apodrecidas;
v) as guardas das varandas estão muito oxidadas e com corrimãos em falta; e vi) as pedras de cantaria dos vãos apresentam-se bastante desgastadas;
b) Cobertura:
i) a estrutura de suporte em madeira encontra-se com várias zonas abauladas e muito apodrecidas;
ii) alguns dos barrotes estão muito apodrecidos nas zonas junto às paredes de fachadas; e
iii) as asnas de madeira e as trapeiras, ao nível do sótão, apresentam deslocamentos;
c) Caixa de escada: as paredes apresentam deformações elevadas, formando barrigas para o interior da caixa de escada, fendas em várias direcções e zonas com esmagamentos; tectos e paredes com fendilhação dispersa e chão algumas zonas desniveladas e abauladas;
d) Desnivelamento do chão: o pavimento nos pisos acima do R/C encontra-se desnivelado, com madeiras inclinadas no sentido da caixa de escada;
e) Paredes estruturais: as paredes da caixa de escadas apresentam grandes deformações, com fendas acentuadas e zonas de esmagamento e as paredes interiores apresentam fendas, zonas abauladas e zonas de esmagamento;
24) A estrutura do prédio encontra-se fragilizada e em risco de colapso por instabilidade da construção;
25) A inexistência de reboco nas fachadas contribui para a verificação de infiltrações no imóvel que contribuem para o apodrecimento de todas as estruturas em madeira;
26) O estado do R/C habitado pela Requerida, na data da vistoria efectuada no dia 4 de Maio de 2006 e acima mencionada, era o seguinte:
"Sala à frente - tecto e parede de paramento da fachada principal com manchas de humidade, vestígios de infiltrações e escorrências; paredes com salitre na zona inferior.
Sala atrás - tecto e parede de paramento da fachada de tardoz com manchas de humidade, vestígios de infiltrações e escorrências,' tecto e paredes com fendilhação dispersa; parede de paramento da fachada principal com rebocos abaulados. Compartimentos interiores - paredes com fendilhação dispersa e revestimentos abaulados. ";
27) Não foram realizadas quaisquer obras no prédio e/ou no R/C habitado pela Requerida desde Maio de 2006;
28) Em 15 de Dezembro de 2010 a Requerente foi notificada da decisão da Câmara Municipal de Lisboa que concluiu pela viabilidade de aprovação da demolição parcial do imóvel e, consequente, despejo dos inquilinos;
29) De acordo com um parecer conjunto do IGESPAR - Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, do Ministério da Cultura - Direcção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo e da Direcção de Serviços dos Bens Culturais, o imóvel integra um conjunto em vias de classificação e nesse contexto deve ser considerado um valor a preservar, concluindo-se pela necessidade de remoção de todos os elementos que se encontrem em ruína, com medidas imediatas de consolidação dos elementos a manter, designadamente as fachadas, de forma a travar a sua desagregação;
30) A Rua do ... localiza-se em pleno centro da cidade de Lisboa e caracteriza-se por ser uma zona quer de habitação, quer de serviços, quer de comércio;
31) Trata-se de uma via fortemente movimentada durante o dia devido à ligação que proporciona entre o Largo ... e a Avenida ..., bem como pela intersecção com importantes transversais como é o caso da Rua ... e Rua ..., todas com as já referidas características de habitação, comércio e serviços;
32) O lado oposto ao prédio objecto dos presentes autos é composto por estacionamento autorizado de veículos que se encontra constantemente ocupado;
33) Os peões transitam pela frente e debaixo das varandas do prédio;
34) Existe constante circulação de veículos, em frente do prédio, para acesso à Av. ...;
35) Nos prédios que se situam no lado oposto aos números …-… da Rua do ... funcionam lojas de comércio e serviços;
36) A Requerida sempre pagou pontualmente as rendas mensais à Requerente;
37) A Requerida, pretendendo pagar a renda, remetia mensalmente à Requerente vale postal;
38) A Requerente procedia à devolução dos respectivos vales de correio;
39) Esta situação tinha como consequência a recepção pela Requerida das 2as vias dos Vales Postais, através dos CTT;
40) Perante a recusa da Requerente em receber a renda, a Requerida viu-se forçada a proceder ao seu depósito em conta bancária titulada pela Requerente, primeiro junto da Caixa Geral de Depósitos e posteriormente junto do Barclays;
41) A Requerente, após ter adquirido o imóvel em Setembro de 2005, nunca realizou qualquer obra de reparação ou conservação;
42) Actualmente algumas telhas que se encontravam no telhado estão partidas, não tendo a Requerente procedido à sua substituição;
43) Essa situação origina infiltrações, que contribuem para o apodrecimento de todas as estruturas em madeira;
44) A Requerida realizou, no ano de 2000, obras na sua habitação, onde despendeu montante não apurado, e que consistiram no seguinte:
• construção de casa-de-banho;
• aplicação de tectos falsos;
• as paredes foram picadas, rebocadas com cimento e pintadas;
• colocação de azulejos na casa-de-banho e na cozinha;
• colocação de móveis de cozinha novos, com bancada em pedra;
• o pavimento foi arrancado, tendo sido colocada tijoleira;
• colocação de portas, interiores e exteriores, novas;
• colocação de instalação eléctrica nova;
• colocação de canalização de água nova;
• colocação de canalização de gás nova com tubagem em cobre.
45) Em Outubro de 2005 verificavam-se grandes infiltrações no 3° andar esquerdo, não tendo a Requerente realizado qualquer obra de reparação ou conservação;
46) A Requerida foi contactada pelo Senhor “E”, que se apresentou como representante da Requerente, no sentido de ser por acordo cessado o contrato de arrendamento que a Requerente tem com a Requerida;
47) No decurso dessas negociações foi pelo Senhor “E” proposto o valor de cerca de Euros 100.000,00 para Requerida desocupar o imóvel;
48) A Requerida encetou negociações para a celebração de um acordo com vista à desocupação do imóvel;
49) A Requerida não tem qualquer outra habitação para onde se mudar;
50) A requerida reside no imóvel há cerca de 40 anos;
51) A Requerente enviou à Requerida uma carta datada de 21 de Janeiro de 2011, cuja cópia está junta a fls. 205 verso e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
52) A habitação da Requerida mantém condições de salubridade e de habitabilidade;
53) A Requerida aufere uma pensão de sobrevivência de Euros 147,83, encontrando-se actualmente desempregada;
54) A Requerida tem despesas mensais com consumos da habitação (água, gás e electricidade), alimentação e higiene e demais despesas quotidianas, em montante não apurado.

III

- FUNDAMENTAÇÃO

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

Nos termos do art.º 684º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é limitado e definido pelas conclusões da alegação dos recorrentes.

Assim, no presente recurso a questões que cabe conhecer são as seguintes:
1) Nulidade de sentença;
2) Impugnação da matéria de facto;
3) Caducidade do contrato de arrendamento;
4) Fixação de caução.


1. Nulidade de sentença

A apelante invoca nulidade da sentença com fundamento em falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justifiquem a determinação de prestação de caução.

Nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 668º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando não “especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Ora, a sentença invoca o fundamento de direito em que baseou a decisão de ordenar a prestação da caução, ao invocar a disposição que a permite (art.º 390º do CPC).
Os fundamentos não têm que ser exaustivos e, quanto à matéria de direito, o facto de se invocar a norma jurídica em que se fundamenta o decidido é suficiente para obstar à nulidade do art.º 668º da lei adjectiva.

No que respeita aos fundamentos de facto, cabe antes de mais ter em conta os requisitos do art.º 390º do CPC, cujo n.º 2 dispõe que sempre “que o julgue conveniente em face das circunstâncias, pode o juiz, mesmo sem audiência do requerido, tornar a concessão da providência dependente da prestação de caução adequada pelo requerente”.
Com efeito, a sentença menciona os fundamentos de facto relativos aos prejuízos causados à requerida, derivados da providência.
Contudo tais prejuízos serviram para fundamentar a determinação de realojamento da requerida, o qual servirá para acautelar aqueles prejuízos.
Assim, faltam na sentença fundamentos de facto que justifiquem, além daquele realojamento, também a prestação de caução.
Verifica-se, portanto, nulidade de sentença quanto à prestação de caução.
Nos termos do art.º 715º do CPC, ainda que declare nula a decisão, o tribunal de recurso conhece das questões em causa, sempre que disponha dos elementos necessários.
Deste modo, apreciaremos mais adiante a questão relativa à prestação de caução aquando do conhecimento do objecto da providência cautelar.


2. Impugnação da matéria de facto

A apelante pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto no que respeita a factos alegados no seu requerimento inicial e a vários pontos constantes da fundamentação de facto da sentença recorrida, com fundamento nas provas produzidas no processo.

Nos termos do artigo 712 do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nos casos nele previstos.
Os autos contêm todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente contém a gravação dos depoimentos prestados em audiência.
Encontram-se, assim, verificados os pressupostos processuais legais para a reapreciação da prova (artºs 712º, n.º 1, alínea a) e b), e 690º-A, ambos do Código de Processo Civil).
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é efectuada com fundamento no depoimento de testemunhas e em documentos juntos aos autos.
No entanto, tendo em conta que a alteração da decisão sobre a matéria de facto é meramente instrumental em relação à solução jurídica pretendida por via do recurso, no caso presente torna-se desnecessária a apreciação da impugnação da mesma, porquanto a obter provimento nesta parte nada influiria na decisão de direito como e pelas razões que adiante se verá.
No âmbito do recurso, o tribunal ad quem terá de apreciar todas as questões que lhe sejam colocadas pelo respectivo recorrente.
Mas tais questões têm de estar numa relação directa com o aquilo que se pretende obter com o provimento do recurso, pelo que tudo o que seja espúrio e desnecessário ao efeito pretendido não pode, nem deve, ser apreciado.


3. Caducidade do contrato de arrendamento

De acordo com o disposto no art.º 381º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”.

Estabelece, também, o n.º 1 do art.º 387º, do mesmo código, que a “providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”.

Ensinava Antunes Varela que as “providências cautelares visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se desse modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica.” (cfr. Manual de Processo Civil, 1984, pág. 23).

Lebre de Freitas entende que “Dadas a provisoriedade da medida cautelar e a sua instrumentalidade perante a acção de que é dependência, bastar-lhe-á fazer prova sumária da existência do direito ameaçado (ver o n.º 2 da anotação ao art. 387); mas já não é assim no que respeita ao periculum in mora, que deve revelar-se excessivo: a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer acção; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito.” (cfr. anotação n.º 4 ao art.º 381º, in Código de Processo Civil anotado, volume 2º, 2001, pág. 6).

Por seu turno, Abrantes Geraldes defende que, relativamente à apreciação dos factos integradores do periculum in mora, “o critério de aferição não deve ser reconduzido à certeza inequívoca quanto à existência da situação de perigo dificilmente comprovada em processos com as características e objectivos dos procedimentos cautelares, bastando, por isso, que se mostre razoavelmente fundado esse pressuposto” (cfr. Temas da Reforma do Processo Civil, III volume, 3ª edição – 2004, pág. 104/105).

A apelante pretende através da presente providência cautelar não especificada o reconhecimento da caducidade do contrato de arrendamento.
A apreciação da caducidade do contrato é uma questão própria de acção principal, uma vez que a providência cautelar não pode consumir o fim da decisão definitiva a proferir naquela.
O acautelamento da ruína e o prejuízo de terceiros basta-se com a desocupação e o realojamento ordenados.
De qualquer modo, sempre de dirá que para a caducidade não basta a verificação da quase totalidade da ruína do prédio como foi invocado.
Não é possível no âmbito de uma providência cautelar obter os efeitos do despejo “tout court”.
Não se pode obter uma medida tão radical como o despejo com base numa prova meramente indiciária que pode ser revertida na acção principal caracterizada por uma maior solenidade e por maiores garantias.
A propósito afirma Teixeira de Sousa que “na acção de resolução do contrato de arrendamento não é possível adoptar uma medida determinativa da entrega antecipada do locado ao senhorio, mas tão só a adopção de providências cautelares (…)” (cfr. Acção de Despejo, pág. 49, apud António Abrantes Geraldes, ob cit, pág. 93, nota 105).
Também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-1998, relatado pelo Conselheiro Torres Paulo, se pronuncia no sentido de que “a providência cautelar não especificada não pode ser decretada se com ela se pretende cumprir a efectivação de um despejo ou produção de efeito equivalente”.

Deste modo, a providência decretada foi devidamente enquadrada de facto e de direito de modo a acautelar os interesses em presença.

No que respeita à questão do realojamento decretado, cabe referir que se trata de uma adequação da providência cautelar perante o pedido formulado face ao direito reconhecido à requerente.
Tratou-se de se conciliar os interesses naturalmente contraditórios de ambas as partes.
Veja-se a propósito o que escreve Abrantes Geraldes:
“Ainda que a providência seja apreciada sem audiência contraditória, o juiz não tem que esperar pela reacção do requerido para ajustar a medida cautelar às exigências de protecção realmente apuradas nessa altura. Desde que o juiz esteja na posse de elementos que o convençam do desajustamento entre a medida pretendida pelo requerente e a situação de periculum in mora efectivamente apurada, deve intervir, decretando a medida que seja adequada e proporcionada à concreta situação de perigo.
O texto legal do artigo 387.º não refere expressamente esta modalidade de intervenção. Por isso, numa primeira análise poderia parecer que a actuação do juiz estaria limitada ao deferimento ou ao indeferimento da providência, ficando a redução da mesma sujeita ao accionamento, pelo requerido, dos meios de defesa previstos no artigo 388.°.
Não cremos que seja esta a resposta correcta, sendo certo que a interpretação normativa não deve considerar isoladamente cada norma, antes ponderar a sua inserção sistemática e o elemento racional que está na sua génese.
Ora, entre o deferimento total da providência e a sua rejeição podem existir outras soluções adequadas ao caso concreto, devendo o tribunal, se for o caso, inscrever a medida num círculo mais restrito ou decretar outra providência que, em concreto, seja mais apropriada às circunstâncias do caso.
Esta solução é, aliás, característica do processo comum, onde, de acordo com o disposto no artigo 661.°, n.º 1, o tribunal está impedido de “condenar em quantidade superior do que se pedir”, mas nada obsta a que a decisão fique aquém daquilo que é pedido pelo interessado, desde que a matéria de facto, conjugada com o direito aplicável, conduza a outra solução de efeitos menos gravosos para o requerido.
Se a par desse preceito e considerar o que está previsto no art. 392.º, n.º 3, segundo o qual o “tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida”, facilmente se encontra no regime jurídico-processual substrato suficiente para uma medida de efeitos restritivos, mas que se mostre bastante para assegurar o direito ou prevenir os riscos de lesão.
Assim, entre a rejeição total da medida, por verificação de efeitos consideravelmente mais gravosos na esfera do requerido, e a sua total admissão, por se verificar o justo receio de lesão grave e dificilmente reparável, o princípio da proporcionalidade impõe que o juiz, uma vez na posse los necessários elementos, ajuste a providência à concreta situação de perigo.” (ob. Cit., págs. 245 e 246).

Assim, a desocupação e o realojamento decretados insere-se na devida adequação da providência pedida perante a situação de facto verificada e a de direito aplicável.
Não merece, por isso, censura a sentença recorrida, pelo menos neste parte.


4. Fixação de caução

Nos termos do art.º 390º, n.º 2, do Código de Processo Civil, sempre “que o julgue conveniente em face das circunstâncias, pode o juiz, mesmo sem audiência do requerido, tornar a concessão da providência dependente da prestação de caução adequada pelo requerente”.
Consideramos não se justificar o recurso a tal fixação.
Com efeito, não há um prejuízo autónomo face à decisão do realojamento decretado, o qual já salvaguarda o interesse da requerida que é a sua habitação.
A fixação de caução nem sequer tem qualquer substracto factual autónomo em relação do referido acautelamento do direito da requerida, ao que não será alheia a circunstância de a caução não ter sido pedida pela requerida, mas que foi fixada oficiosamente pelo tribunal.

Perante o exposto, o recurso terá de proceder em parte.

IV

Decisão

Em face de todo o exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida na parte relativa à fixação de caução, mantendo-se tudo o mais decidido.
Custas pelo apelante na proporção de vencido.

Lisboa, 14 de Março de 2013

Jorge Vilaça
Vaz Gomes
Jorge Leitão Leal