Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ARLINDO CRUA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO DENÚNCIA DO CONTRATO LEI APLICÁVEL | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/14/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Sumário: | I - Para efeitos de determinação da lei aplicável à denúncia do contrato, enquanto forma de cessação contratual do arrendamento, afigura-se decisiva a data da sua comunicação pelo senhorio ao arrendatário, regendo-se, assim, a denúncia pela lei em vigor ao tempo da sua comunicação ao arrendatário ; II - a denúncia, enquanto forma unilateral e autónoma de cessação contratual ou de extinção dos contratos, tem o seu campo de aplicabilidade normalmente vocacionado para os contratos estabelecidos por tempo indeterminado, acabando por se traduzir numa vontade não vinculada a qualquer justa causa e, como tal, discricionária, pelo que é igualmente referenciada doutrinariamente como figura de revogação unilateral ; III - no artº. 1110º, do Cód. Civil – aplicável ao arrendamento para fins não habitacionais -, o legislador deixa ao critério das partes as regras da denúncia e da oposição à renovação, mas apenas isso, e não a faculdade de suprimirem o direito à denúncia do arrendamento, cujas regras são, inclusive, imperativas (o artº. 1080º, do Cód. Civil) ; IV - assim, no contrato de arrendamento para fins não habitacionais, o arrendatário goza do direito de denúncia, desde que o exerça nas condições contratualmente acordadas ou, na falta destas, nos termos previstos na lei, encontrando-se tal contrato de arrendamento sujeito ao princípio da, imotivada, liberdade de desvinculação ; V - nos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, nas situações em que as partes contratantes fixam expressamente o prazo de duração do contrato (ou não fixam qualquer prazo de duração do contrato), mas não prevêm qualquer antecedência mínima para a efectivação de denúncia por parte do arrendatário, é aplicável a antecedência mínima e supletiva de um ano inscrita no nº. 2, do artº. 1110º, do Cód. Civil ; VI - não sendo, em tais situações, aplicáveis os prazos de denúncia inscritos no nº. 3, do artº. 1098º, do mesmo diploma, previstos no âmbito do arrendamento urbano para habitação, mas antes prevalecendo a regra específica prevista naquele normativo (1110º, nº. 2), inexistindo razão para operar a remissão para as regras aplicáveis ao arrendamento urbano para habitação, por força do nº. 1, do mesmo artº. 1110º ; VII - a imposição legal que a denúncia não opere, nesta tipologia de arrendamento urbano para fins não habitacionais, com antecedência inferior a um ano, em nada depende do facto do contrato nada prever quanto ao seu prazo de duração, pois, a legal menção inscrita no nº. 2, do artº. 1110º - na falta de estipulação – abrange não só a falta de estipulação da duração do contrato, como ainda a concreta imperatividade na fixação de um prazo mínimo de denúncia. Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]: I – RELATÓRIO 1 – O…………, LDA., com sede na Rua ……………….., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra: - CAIXA ……….., S.A., com sede na Rua …………….., deduzindo o seguinte petitório: “ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 91.969,50 € (noventa e um mil euros, novecentos e sessenta e nove euros e cinquenta cêntimos), respeitantes a rendas vencidas e vincendas, até ao final da vigência dos contratos, pois que a duração e denúncia foram livremente estipuladas pelas partes nos termos do artigo 1110.º do Código Civil; Quando assim não se entenda, deverá então ser considerado que o prazo de denúncia dos contratos de arrendamento a respeitar e cumprir por parte da ré, é de um ano, e não 120 dias, devendo por isso ser condenada a pagar a diferença em falta para cada um dos contratos no valor de 37.102,50 € (Trinta e sete mil, cento e dois euros e cinquenta cêntimos), tudo acrescidos de juros legais, custas e demais despesas”. Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: - celebrou com o F………….. dois contratos de arrendamento não habitacional, com prazo certo de 15 anos ; - um em 07-02-2007, referente a uma loja sita em BBB..., e outro em 22-01-2008, referente a uma loja em MMM... ; - em 01 de Abril de 2011 a marca F……….. extinguiu-se, tendo sido totalmente integrada no M…………….. ; - através de cartas de 15 de Maio de 2020 a Ré denunciou os referidos contratos de arrendamento, invocando o disposto nas als. a) do n.º 3 do art. 1098.º e o n.º 1 do art. 1110.º, ambos do CC ; - a tais denúncias respondeu-lhe mediante o envio das missivas de 29-05- 2020 onde explanou o seu entendimento quanto à abrangência das rendas como sendo devidas até ao termino do contrato. 2 – Devidamente citada, veio a Ré apresentar contestação, alegando, em súmula, o seguinte: - excepciona a incompetência territorial do Tribunal ; - impugna o efeito jurídico extraído pela Autora do prazo de pré-aviso na denúncia do contrato ; - ainda que assim não se entendesse, a pretensão da Autora relativamente ao pagamento das rendas vencidas e vincendas, referentes aos contratos de arrendamento denunciados, nunca poderia proceder, face ao instituto do abuso de direito. Conclui, no sentido de procedência da excepção de incompetência relativa, com a sua consequente absolvição da instância, ou, caso assim não se entenda, deverá a acção ser julgada improcedente, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido. 3 – Tendo-se a Autora pronunciado acerca da excepção deduzida, por despacho de 18-02-2022 o Juízo Central Cível de Loures – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, veio a declarar-se incompetente, ordenando a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste. 4 – Conforme despacho datado de 16/06/2022, foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a possibilidade do Tribunal conhecer do mérito da acção em sede de despacho saneador, alegando o que tivessem por conveniente acerca de tal questão. Em resposta, vieram ambas manifestar expressa concordância quanto a tal conhecimento – cf., fls. 49 e 50. 5 – A fls. 52 a 57: - dispensou-se a realização de audiência prévia ; - foi proferido saneador stricto sensu ; - conheceu-se acerca do mérito da causa, proferindo-se saneador sentença, constando da DECISÃO o seguinte: “Face ao exposto, julgo a presente acção improcedente, por não provada, e, em consequência absolvo a Ré Caixa ………………. S.A. do pedido contra ela formulado pela Autora O……………… Lda. Custas pela Autora Notifique e registe”. 6 – Inconformada com o decidido, a Autora interpôs recurso de apelação, em 21/02/2023, por referência ao saneador sentença prolatado. Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (existem dois pontos identificados como VII): “I Autora e Ré estipularam na cláusula segunda de cada um dos contratos de arrendamento, que a denúncia dos aludidos contratos, só poderia ser efetuada no fim do prazo da sua vigência, ou numa das suas renovações. II Autora e Ré, não estipularam por isso, a possibilidade de a denúncia dos arrendamentos, poder ser feita durante o prazo de vigência inicial do contrato. III Não é nenhuma violência impor-se a uma das partes o cumprimento do contrato de arrendamento por 15 anos, se esta não quis manifestar outra vontade. IV O Tribunal a quo interpretou e decidiu erradamente a tutela para o prazo de denúncia dos contratos de arrendamento sob sua apreciação. V Com efeito, tendo as partes fixado taxativamente que o prazo para denunciar os contratos de arrendamento para fins não habitacionais só poderia ocorrer no fim do prazo inicial de 15 anos, e/ou nas renovações subsequentes, não se poderia aceitar que a tutela a aplicar para a denúncia destes contratos fosse a do artigo 1098.º do Código Civil. VI O Tribunal a quo deveria decidir que as partes fixaram livremente a possibilidade de denunciar os contratos de arrendamento apenas após o término da vigência inicial do contrato, nos termos e ao abrigo do artigo 1110.º n.º 1, parte inicial. VII E concomitantemente, seria obrigação da Ré, cumprir com o pagamento das rendas, até ao final de cada um dos contratos. VII E mesmo que se o entendimento do direito a aplicar in casu, fosse aquele que não acolhesse o referido em VII, o prazo de denuncia nunca poderia ser de 120 dias, nos termos do artigo 1098.º do Código Civil, mas sim o prazo de um ano por força do n.º 2 do artigo 1110º do Código Civil”. Conclui, no sentido de “ser revogada a decisão do Tribunal de primeira instância, que determinou a absolvição da Ré do pedido contra ela formulado, e ser proferida em sua substituição, decisão que condene a Ré a pagar à Autora as rendas vencidas até ao final da vigência dos contratos, no valor de 91.969,50 € (noventa e um mil euros, novecentos e sessenta e nove euros e cinquenta cêntimos), acrescido da penalização legal pela moratória. Quando assim não se entenda, deverá então ser considerado que o prazo de denúncia dos contratos de arrendamento a respeitar e cumprir por parte da Ré, deveria ser de um ano, e não 120 dias, devendo por isso ser condenada a pagar a diferença em falta para cada um dos contratos no valor total de 37.102,50 € (Trinta e sete mil, cento e dois euros, e cinquenta cêntimos), tudo acrescidos de juros legais, custas e demais despesas, seguindo-se os demais termos até final. Pois só assim se fará a Costuma Justiça”. 7 – A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes CONCLUSÕES (ignoram-se as notas de rodapé): “1.ª Recorrente e recorrida estabeleceram nos contratos de arrendamento em apreço: (i) a respectiva duração, pelo prazo certo inicial, de 15 anos (cf. cláusula 2ª, n.º 1); (ii) a respectiva renovação automática no fim do prazo convencionado por períodos sucessivos de um ano e as regras de denúncia durante qualquer uma das cinco primeiras renovações anuais, (cf. cláusula 2ª, n.º 2); (iii) as respectivas regras de denúncia após o decurso das cinco primeiras renovações anuais (cf. cláusula 2ª, n.º 3). 2.ª Não se pode dizer que (sic) “(...) as partes tenham fixado taxativamente que o prazo para denunciar os contratos de arrendamento para fins não habitacionais só poderia ocorrer no fim do prazo inicial de 15 anos (...)” ou que “(...) é assim inequívoco e por demais cristalino que a denúncia só poderia ocorrer por parte da arrendatária, passados quinze anos de vigência dos contratos, e não antes (...)”, porquanto o clausulado contratual não contém qualquer evidência, nem é expresso – e teria que sê-lo – quanto ao sentido sustentado pela recorrente; 3.ª O Código Civil, relativamente à interpretação e integração da declaração negocial, faz apelo franco a critérios de carácter objetivo, como são os que constam do n.º 1, do Art.º 236.º e do n.º 1, do Art.º 238. 4.ª Assim, as partes, só poderiam razoavelmente contar com a impossibilidade de denúncia durante o prazo inicial, se o contrato a proibisse expressamente, o que não é o caso. Não se pode, pois, extrair do clausulado dos contratos em apreço, interpretação contrária; 5.ª Se atentarmos que a existência de um prazo alongado (15 anos) de duração do contrato é estabelecida no interesse presumível do inquilino, visto tendencialmente com parte mais débil na relação contratual do arrendamento, a interpretação que melhor se adequa ao caso concreto, é a de que as partes não afastaram toda e qualquer possibilidade de a recorrida se poder desvincular dos contratos em apreço, denunciando-os, anteriormente ao decurso dos respectivos prazos de 15 anos, por ser a interpretação que conduz ao maior equilíbrio das prestações, constituindo inequivocamente uma violência impor ao arrendatário a manutenção do arrendamento durante um prazo de duração tão alongado contra a sua vontade e interesse; 6.ª Este sentido, é o que melhor e mais razoavelmente se adequa ao sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pode deduzir do comportamento dos declarantes ante a declaração negocial expressa nos contratos em apreço, tal como se dispõe no Art.º 236º do Código Civil; 7.ª Face à ausência de estipulação expressa das partes de regras relativas à denúncia do contrato durante o prazo certo de 15 anos de duração que se iniciou em 01 de Fevereiro de 2007, referente a uma loja sita em BBB... e em 01 de Janeiro de 2008, este referente a uma loja sita em MMM..., é aplicável à respectiva denúncia efetuada pela recorrida Caixa ………………. (como sucessora da primitiva arrendatária F………………, S.A.), o disposto no n.º 3, do Art.º 1.098º do Código Civil, por remissão do n.º 1, do Art.º 1.110º também do Código Civil; 8.ª Mercê da remissão expressa operada por aquela norma e uma vez que se encontra decorrido um terço (5 anos) do prazo de duração inicial dos referidos contratos (15 anos), a recorrida podia denunciá-los mediante comunicação à recorrente, com a antecedência mínima de 120 dias do termo pretendido do contrato, tal como fez; 9.ª Mas mesmo no caso de se entender que o clausulado contratual em questão dispõe em sentido contrário, ou seja, mesmo no caso de se entender que o clausulado contratual dispõe no sentido de os contratos de arrendamento em apreço não poderem ser denunciados pela recorrida durante o respectivo prazo certo de duração inicial – como pretende a recorrente – ainda assim, assistia à recorrida a faculdade de poder desvincular-se unilateralmente dos mesmos durante o referido prazo; 10.ª Tal como a recorrida sustentou como fundamento da sua defesa, (sic) “A possibilidade de extinção do contrato, por denúncia do arrendatário, anteriormente ao termo do prazo de duração convencionado, constitui faculdade de desvinculação unilateral daquele, em seu benefício, âmbito em que a regulação legal prevista nos art.ºs. 1.098º, nºs 3 e 4 do Código Civil assume feição imperativa, impondo-se a clausulado contratual que disponha em contrário” (cf. contestação, respectivo n.º 51), com apoio, em abono da sua posição, no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 2016-01-12, Processo n.º 758/13.7TVPRT.P1 7, do qual se extracta: “(...) a possibilidade de extinção do contrato, pelo inquilino, por denúncia, em momento anterior ao términus do prazo convencionado de duração de cinco anos – a que alude a sentença, com referência ao preceituado no art.º 1098º, nºs 3 e 4, do CCiv. – constitui uma “faculdade de desvinculação unilateral, em desvio ao princípio básico do n.º 1 do art.º 406º (...). E compreende-se bem, se atentarmos em que a exigência de um prazo alongado (5 anos) é estabelecida no interesse presumível do inquilino. Daí que a este seja reconhecida a possibilidade de renunciar a essa tutela quando, em concreto, a manutenção do arrendamento não lhe convém”; “Quer dizer, trata-se aqui de uma norma protetiva de uma das partes, o inquilino (visto, ainda, tendencialmente, como parte débil na relação contratual de arrendamento), pois que o legislador, apesar das alterações legais em matéria de arrendamento, não prescindiu, “em zona de tão grande sensibilidade social, de uma intervenção reguladora, com a finalidade, em boa medida, protetora de uma das partes...”, âmbito este em que a regulação legal, divergente dos princípios básicos da liberdade contratual e da eficácia dos contratos (art.ºs 405º e 406º do CCIv.), se assume como de cariz imperativo, impondo-se, por isso, nessa vertente, ao ponto 4. da cláusula segunda do contrato celebrado, que dispunha não poder tal contrato ser denunciado por nenhuma das partes (cfr. art.º 294º do CCiv., com repercussão apenas sobre esta parte do clausulado e somente no tocante à restrição dirigida ao inquilino, de harmonia ainda com o disposto no art.º 292.º do mesmo Cód.)” 11.ª Quer-se com isto dizer que, mesmo que se entenda que o clausulado dos contratos permite afirmar que as partes quiseram afastar a possibilidade de denúncia do contrato durante o decurso do respectivo prazo certo inicial (15 anos), ou seja, mesmo que se entenda que o clausulado contratual dispõe em contrário à interpretação do tribunal de 1ª instância, uma vez decorrido um terço da duração inicial dos contratos, a recorrente podia, como fez, denunciá-los a todo o tempo; 12.ª Esta faculdade, justifica-se por não ser possível impor, ao arrendatário, a continuação de um arrendamento que este não possa ou não queira manter, sendo injusto, na falta de gozo da coisa locada, obrigá-lo, longamente, à renda; 13.ª Assumindo, assim, esta faculdade um carácter mais próximo da “revogação” unilateral do contrato, do que da “denúncia”, facultando a lei ao arrendatário um meio ad hoc de pôr termo ao contrato dotado de um prazo longo; 14.ª Quanto ao prazo de antecedência para a denúncia, não se diga que o mesmo é de pelo menos um ano, em vez de 120 dias, como pretende a recorrente; 15.ª O n.º 2, do Art.º 1.110º do Código Civil, reporta-se exclusivamente aos casos em que não foi estipulado qualquer prazo de duração; mostrando-se estipulado nos contratos em apreço o prazo certo de duração de 15 anos, esta disposição legal não tem, naturalmente, aplicação, aplicando-se o regime supletivo que é o do arrendamento para habitação por remissão expressa do n.º 1 do mesmo preceito; 16.ª Quanto ao abuso do direito invocado, extintos os contratos e entregues as lojas (de BBB... e MMM...) à recorrente, verifica-se o caso de a recorrente dispor dos imóveis e poder colocá-los no mercado a partir da data de resolução e entrega (Setembro de 2020), cumulando as rendas dos novos arrendatários com as rendas peticionadas por via da presente ação, no caso de condenação da recorrida, o que não se afigura aceitável à luz do princípio consagrado no Art.º 334º do CC.; 17.ª Pretender receber as rendas na situação da falta do gozo da coisa locada pela R., porquanto as duas lojas locadas foram entregues pela R. à Autora desde há cerca de um ano, encontrando-se esta na respectiva posse, fruição e pleno gozo desde então, constitui abuso do direito; 18.ª Pois que, a ser com a recorrente pretende, cessados dos contratos de arrendamento em apreço, a senhoria, ora recorrente, passou a dispor livremente das lojas locadas – podendo arrendá-las, vendê-las ou dar-lhes o uso ou destino que entender conveniente – enquanto que a arrendatária, ora recorrida, teria que suportar a obrigação de pagamento das rendas correspondentes a 15 anos de duração, não obstante não dispor do respectivo gozo e fruição. Por fim, alega ainda a recorrida, 19.ª O tribunal a quo, tendo concluído pela omissão dos contratos relativamente ao regime da denúncia no decurso do prazo de duração inicial, julgou a denúncia efetuada pela recorrida válida e eficazmente efetuada por aplicação do disposto na al. a), do n.º 3, do art.º 1.098º do CC, ex vi do disposto no n.º 1 do art.º 1.110º do mesmo diploma, sem conhecer – ou seja, sem se pronunciar – quer sobre a alegada (i) possibilidade de extinção do contrato, por denúncia do arrendatário, anteriormente ao termo do prazo de duração convencionado, como faculdade de desvinculação unilateral do arrendatário, mesmo no caso de clausulado contratual que disponha em contrário, nem sobre o, também alegado, (ii) abuso do direito, a que se referem as precedentes conclusões 8ª a 14ª e 15ª a 18ª; 20.ª Em face do que, a ampliação do âmbito do presente recurso, não tem aqui aplicação, porquanto o tribunal de recurso não poderá deixar de conhecer os supra aludidos fundamentos de defesa, sem necessidade de requerimento de ampliação, se julgar improcedente o pedido tido como procedente pelo tribunal recorrido, por constituírem esses fundamentos já objecto do presente recurso; 21.ª Todavia, por mera prudência, caso assim não se entenda, requer a recorrida o conhecimento pelo tribunal de recurso de todos os fundamentos da defesa, a título meramente subsidiário, para prevenir a necessidade da sua apreciação, nos termos e para os efeitos previstos no o Art.º 636º, n.º 1, do C.P.C. Seja como for, 22.ª A denúncia a que a recorrida efetivamente procedeu, em relação a ambos os contratos, por cartas datadas de 15 de Maio de 2020, foi, pelo exposto, efetuada válida e eficazmente; 23.ª Donde, o presente recurso, não pode proceder, devendo, pois, ser proferido Douto Acórdão que, mantendo a decisão recorrida, ainda que com fundamentos diversos, sem necessidade de ampliação do âmbito do presente recurso ou no âmbito de ampliação do mesmo, nos termos do disposto no Art.º 636º, n.º 1, do CPC, se entendida como necessária, julgue improcedente a apelação”. 10 – Tal recurso foi admitido por despacho datado de 17/04/2023 – cf., fls. 79 -, como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo. 11 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. * II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas ; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões: 1. Aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA, no que concerne às seguintes questões: i.Da errada interpretação da cláusula 2ª dos contratos de arrendamento ; da não estipulação da possibilidade de denúncia dos arrendamentos poder ser efectuada durante o prazo de vigência inicial do contrato ; da não aplicabilidade do artº. 1098º, do Cód. Civil, à denúncia destes contratos, antes sendo aplicável a 1ª parte do nº. 1, do artº. 1110º, do mesmo diploma ; Caso assim não se entenda, ii.Da consideração de um prazo de denúncia de um ano, por força do nº. 2, do artº. 1110º, do Cód. Civil, e não de um prazo de denúncia de 120 dias, nos termos do artº. 1098º, do Cód. Civil. 2. Subsidiariamente, aferir acerca da ampliação do objecto do recurso Caso venha a ser julgada procedente a pretensão recursória (e procedente o pedido julgado improcedente na decisão recorrida), deve-se conhecer dos demais fundamentos da defesa não apreciados, nomeadamente: i.Da possibilidade de extinção do contrato de arrendamento, por denúncia do arrendatário, anteriormente ao termo do prazo de duração convencionado, como faculdade de desvinculação unilateral do arrendatário, mesmo no caso de clausulado que disponha em contrário ; ii.Do alegado abuso de direito. * III – FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO No saneador-sentença recorrido/apelado, foi considerado como PROVADO o seguinte: 1. Entre Autora e F………….. S.A. foram outorgados dois contratos de arrendamento não habitacional com prazo certo, onde a primeira foi outorgante na qualidade de Locadora e a segunda na qualidade de Locatária. 2. O primeiro deles, outorgado a 07 de Fevereiro de 2007, referente a uma loja sita em BBB.... 3. E o segundo, outorgado a 22 de Janeiro de 2008, referente a uma loja sita em MMM.... 4. Quanto ao contrato referente à loja de BBB... o mesmo foi outorgado pelo prazo de 15 anos, tendo início no dia 07 de Fevereiro de 2007 e estipulando-se o seu término a 31 de Janeiro de 2022. 5. Foi fixada uma renda de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) mensais, a liquidar no primeiro dia útil do mês anterior a que dissesse respeito, valor este que entretanto foi sucessivamente actualizado. 6. Por carta datada de 15 de maio de 2020, a Ré Caixa ……………………. S.A. denunciou o aludido contrato de arrendamento, alegando para o efeito o disposto nas alíneas a) do n.º 3 do artigo 1098.º e n.º 1 do artigo 1110.º, todos do Código Civil. 7. A Ré liquidou as rendas que se venceram até Setembro de 2020, tendo por referência um prazo de pré-aviso de 120 dias. 8. A esta denúncia a Autora respondeu à Ré mediante o envio de missiva datada de 29 de Maio de 2020, onde explanou o seu entendimento acerca das rendas devidas pela Ré e que seriam não só as que se vencessem nos 120 dias de pré-aviso (até Setembro de 2020), mas sim e também aquelas que se vencessem até ao término do contrato, ou seja, até 31 de Janeiro de 2022. 9. Fruto das actualizações, a renda em 2020 estava fixada em 1.758,00 €. 10. A Ré veio a pagar as rendas até Setembro de 2020. 11.A Ré entregou as chaves e desocupou o locado. 12. O contrato referente à loja de MMM... foi outorgado pelo prazo de 15 anos, tendo o seu início no dia 01 de Janeiro de 2008 e o seu término a 31 de Dezembro de 2022. 13. A renda foi fixada em 2.125,00 € (dois mil cento e vinte cinco euros) mensais, a liquidar no primeiro dia útil do mês anterior a que disser respeito, valor este que foi entretanto sucessivamente actualizado. 14. Através de carta datada de 15 de Maio de 2020, a Ré denunciou o aludido contrato de arrendamento, alegando para o efeito o disposto nas alíneas a) do n.º 3 do artigo 1098.º e n.º 1 do artigo 1110.º, todos do Código Civil. 15. A Ré liquidou as rendas que se venceram até Setembro de 2020, tendo por referência um prazo de pré aviso de 120 dias. 16. A esta denúncia a Autora respondeu à Ré mediante o envio de missiva datada de 29 de Maio de 2020, onde explanou o seu entendimento acerca das rendas devidas pela Ré e que seriam não só as que se vencessem nos 120 dias de pré-aviso (até Setembro de 2020), mas sim e também aquelas que se vencessem até ao término do contrato, ou seja, até 31 de Dezembro de 2022. 17. Fruto das actualizações, a renda em 2020 estava fixada em 2.364,50 € (dois mil, trezentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos). 18. A Ré veio, contudo, a pagar as rendas apenas até Setembro de 2020. 19. A Ré entregou as chaves e desocupou o locado. 20. Em 07-07-2016 a Autora e a Ré celebraram acordo de revogação por mútuo acordo de contrato promessa de arrendamento, nos termos constantes de fls. 18v. e ss., que aqui se dão por integralmente reproduzidos. * B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO I) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS Tendo por pressuposto o delimitado objecto da apelação, o saneador-sentença apelado ajuizou, em súmula, nos seguintes termos: - Centrou a apreciação acerca da denúncia dos contratos de arrendamento e seus efeitos ; - A Autora peticiona a condenação da Ré no pagamento das rendas vencidas até ao final da duração do contrato de arrendamento, decorrente da inaplicabilidade ao caso concreto do pré-aviso de 120 dias ou, no limite, tendo por referência um pré-aviso de 1 ano ; - A razão de ser da exigência de denúncia com antecedência não inferior a 1 ano, prevista no nº. 2 do artº. 1110º, do Cód. Civil, encontra-se exactamente na indefinição do prazo constante do contrato ; - Urge ponderar acerca do regime instituído no artº. 1110º, do Cód. Civil, na versão resultante da Lei 6/2006, para aferir-se acerca do regime aplicável à denúncia ; - Daí decorre a estatuição de que as regras da denúncia são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação ; - Assim, na falta de estipulação acerca da denúncia do contrato, valem, como normas supletivas, as regras dos arrendamentos para habitação ; - O que determina a aplicação do artº. 1098º, nºs. 2 e 3, do Cód. Civil (na versão vigente à data da celebração do contrato) ; - Urge, ainda, aferir se as partes clausularam a possibilidade/impossibilidade de denúncia do contrato durante o seu prazo inicial, ou seja, urge apurar: 1. Se nos encontramos perante uma incompletude negocial, a ser preenchida pelas regras supletivas previstas pelo legislador para a suprir ; ou, ao invés, 2. Se o silêncio do texto contratual corresponde a uma vontade das partes de excluir a possibilidade de denúncia do contrato ; - Assim, procedendo à interpretação do texto contratual, segundo os ditames do artº. 236º, do Cód. Civil, não se afigura credível, do ponto de vista do comum cidadão e do comum declaratário, que a vontade ficcionada das partes fosse, num contrato de longa duração, ainda que de duração limitada, excluir toda e qualquer possibilidade de denúncia do contrato antes do decurso do prazo desses 15 anos ; - Conclui-se, assim, pela omissão do contrato relativamente ao regime da denúncia do mesmo ; - O que determina a necessidade de recorrer ao estipulado para o arrendamento habitacional, nomeadamente o disposto no artº. 1098º, do Cód. Civil, para os arrendamentos habitacionais (na versão vigente à data da celebração do contrato) ; - Assim, é à luz deste artº. 1098º, do Cód. Civil, que cumpre avaliar da eficácia da denúncia operada pela Ré ; - Ora, independentemente (i) dos efeitos imediatos da denúncia e (ii) da entrega imediata das fracções, a Ré assegurou o pagamento das rendas referentes aos 4 meses subsequentes à denúncia, ou seja, referentes aos 120 dias de antecedência a que aludem os nºs. 2 e 3, do artº. 1098º, do Cód. Civil ; - Pelo que a Autora não pode exigir da Ré o pagamento das rendas até ao final do contrato, como se este se mantivesse em vigor, pois tal destruiria os efeitos de uma denúncia válida e eficaz ; - Determinando, assim, juízo de improcedência da acção. Nas alegações recursórias, invoca a Autora Apelante, no que ora importa, basicamente, o seguinte: - Ocorreu errada interpretação do teor da cláusula 2ª dos contratos de arrendamento ; - Efectivamente, é possível a não estipulação da possibilidade de denúncia dos arrendamentos durante o prazo de vigência inicial do contrato ; - O que decorre por força da liberdade contratual das partes prevista na 1ª parte, do nº. 1, do artº. 1110º, do Cód. Civil, inexistindo, assim, qualquer aplicabilidade do estatuído no artº. 1098º, do mesmo diploma ; Caso assim não se entenda, - Deve considerar-se um prazo de denúncia de um ano, por aplicabilidade do nº. 2, do artº. 1110º, do Cód. Civil, e não o prazo de denúncia de 120 dias, equacionado no artº. 1098, nº. 3, alín. a), do mesmo diploma. Analisemos. - Do regime legal e da sua aplicabilidade no tempo Prevendo acerca das formas de cessação dos arrendamentos de prédios urbanos, prescreve o art.º 1079º do Cód. Civil que “o arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei”. Acrescenta o normativo seguinte – 1080º -, a propósito da imperatividade, que “as normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário”. No âmbito das disposições especiais do arrendamento para habitação, prevendo acerca da oposição à renovação ou denúncia pelo arrendatário, referencia o artº. 1098º, na vigente redacção – introduzida pela Lei nº. 13/2019, de 12/02 -, que: “1 - O arrendatário pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte: a) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos; b) 90 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano; d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses. 2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação. 3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte: a) 120 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for igual ou superior a um ano; b) 60 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for inferior a um ano. 4 - Quando o senhorio impedir a renovação automática do contrato, nos termos do artigo anterior, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 30 dias do termo pretendido do contrato. 5 - A denúncia do contrato, nos termos dos n.os 3 e 4, produz efeitos no final de um mês do calendário gregoriano, a contar da comunicação. 6 - A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, exceto se resultar de desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do arrendatário ou de pessoa que com este viva em economia comum há mais de um ano”. Previa este mesmo normativo – 1098º -, na redacção conferida pela Lei nº. 06/2006, de 27/02, o seguinte: “1 - O arrendatário pode impedir a renovação automática mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 120 dias do termo do contrato. 2 - Após seis meses de duração efectiva do contrato, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 120 dias do termo pretendido do contrato, produzindo essa denúncia efeitos no final de um mês do calendário gregoriano. 3 - A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta”. Por sua vez, o artº. 1110º, nºs. 1 e 2, do mesmo diploma, previsto na subsecção relativa ao arrendamento para fins não habitacionais e equacionando acerca da duração, denúncia ou oposição à renovação, estatui, na vigente redacção – conferida pela Lei nº. 13/2019, de 12/02 -, que: “1 - As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte. 2 - Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano”. O mesmo normativo – 1110º -, na redacção conferida pela Lei nº. 06/2006, de 27/02, estatuía o seguinte: “1 - As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação. 2 - Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 10 anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano”. A consideração das duas redacções dos artigos 1098º e 1110º, teve por base a ponderação de que ambos os contratos de arrendamento não habitacional foram celebrados em 2007 e 2008, já em plena vigência do NRAU, tendo as denúncias ocorrido em 15/05/2020. Nestas circunstâncias, e desde logo, urge aferir acerca da sua potencial aplicabilidade quer por referência às datas da outorga dos contratos, quer por referência à data da operacionalidade da sua denúncia, na convocação dos critérios enunciados no artº. 12º, do Cód. Civil, o qual estatui, acerca da aplicação das leis no tempo, que: “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”. A propósito desta matéria de aplicação da lei no tempo, atente-se ao sufragado no douto aresto do STJ de 30/11/2021 – Relatora: Maria João Vaz Tomé, Processo nº. 19/20.5YLPRT.L1.S1, in www.dgsi.pt -, o qual, começando por referenciar entendimento de Baptista Machado - Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1987, p.241 -, enuncia que “o “estatuto do contrato” (da autonomia privada) é determinado perante a lei vigente ao tempo da sua celebração. Todavia, a lei nova que, inter alia, respeite à organização da economia ou vise a tutela da parte mais vulnerável, limita o domínio da autonomia da vontade e será de aplicação imediata. A Lei n.º 13/2019, ao abrigo do art. 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC, na medida em que as suas disposições se revistam de natureza imperativa, aplica-se às relações jurídico-arrendatícias que subsistam à data do seu início de vigência, porquanto dispõe sobre o seu conteúdo e o conforma abstraindo do facto que lhes deu origem” (sublinhado nosso). Acrescenta ser verdade que “muitas das disposições contidas na lei nova (Lei n.º 13/2019), tendo em vista tutelar um interesse social particularmente imperioso (ordem pública económica de proteção), se revestem de natureza imperativa”, pois dispõem “sobre o conteúdo de situações jurídicas (…), abstraindo do facto que a tais situações jurídicas deu origem, conforme o art. 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC”. Em nota de rodapé, corroborando tal entendimento, cita o Acórdão do STJ de 23/05/2002 – Relator: Ferreira de Almeida, Processo nº. 1308/02, in www.dgsi.pt -, onde se referencia que as “leis relativas às relações jurídicas de arrendamento ou locatícias são, em princípio, de aplicação imediata às relações já constituídas, por visarem, não propriamente o «estatuto contratual» das partes, mas antes o respectivo «estatuto legal», atingindo-as, desse modo, não tanto como partes contratantes, mas enquanto sujeitos de direito entre si ligados por um particular e específico vínculo contratual (…) as normas relativas ao inquilinato e arrendamento, reportam-se à estruturação básica do sistema jurídico e da ordem social, e consequentemente, ao estatuto fundamental das pessoas e das coisas, e que, por isso, são de interesse geral, exigindo a aplicação imediata da lei nova, dado que este tipo de relações se autonomiza, atento o seu estatuto legal, do seu acto criador, conforme resulta da 2ª parte do n° 2 do artº 12° do C. Civil. Isto sendo sabido que o sistema de regulamentação do arrendamento de prédios urbanos, é entre nós e desde o Decreto de 12-11-1910, marcado por um acentuado carácter de ordem pública, consubstanciado em severas limitações à liberdade contratual e por uma forte incidência de motivações de cariz político-social”. Bem como, doutrinariamente, o referenciado por Maria Olinda Garcia - Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, in Julgar Online, março de 2019, p.8 -, consignando-se que “no que respeita à aplicação da lei no tempo, tais alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, como decorre da regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil. Acresce que o legislador esclareceu expressamente que algumas alterações têm aplicação mesmo a situações constituídas antes da entrada em vigor da presente lei (artigo 14.º). Assim acontece quanto à forma do contrato, prevista no n.º 2 do artigo 1096.º, e quanto ao disposto no artigo 1041.º”. E, ainda, o defendido por Jéssica Rodrigues Ferreira - Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, in Revista Electrónica de Direito, fevereiro 2020, n.º 1, vol. 21 –, ao referenciar parecer, regra geral, que “as normas imperativas previstas na Lei 13/2019 se aplicam não apenas aos contratos futuros, mas também aos contratos celebrados em data anterior à entrada em vigor da lei, nos termos da regra geral sobre aplicação da lei no tempo prevista no n.º 2 do art. 12.º, na medida em que tais normas contendem com o conteúdo de relações jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem”. Assim, especificamente no que concerne à forma de cessação contratual do arrendamento em que se traduz a denúncia, aduz que o “facto que produz a denúncia do contrato e é, portanto, o facto extintivo do contrato de arrendamento, é a declaração de denúncia. A cessação do arrendamento é o efeito ou consequência da comunicação feita pelo senhorio ao arrendatário” Pelo que, “para efeitos de determinação da lei aplicável à denúncia do contrato, afigura-se decisiva a data da sua comunicação pelo senhorio ao arrendatário”, regendo-se, assim, a denúncia “pela lei em vigor ao tempo da sua comunicação ao arrendatário”. Donde, in casu, conclui-se no sentido de aplicação da lei vigente à data da cessação, ou seja, tendo as denúncias ocorrido em 15/05/2020, a putativa aplicabilidade dos transcritos artigos 1098º e 1110º, ambos do Cód. Civil, far-se-á nas redacções introduzidas pela Lei nº. 13/2019, de 12/02 (redacções vigentes). - Da errada interpretação da cláusula 2ª dos contratos de arrendamento Conforme supra exposto, defende a Autora Recorrente que as partes estipularam na cláusula 2ª de cada um dos contratos de arrendamento que a sua denúncia “só poderia ser efetuada no fim do prazo da sua vigência, ou numa das suas renovações”, não tendo, assim, estipulado da possibilidade da denúncia dos arrendamentos “poder ser feita durante o prazo de vigência inicial do contrato”. Acrescenta inexistir qualquer violência na imposição a uma das partes do efectivo cumprimento “do contrato de arrendamento por 15 anos, se esta não quis manifestar outra vontade”, pelo que o Tribunal a quo interpretou e decidiu de forma errada “a tutela para o prazo de denúncia dos contratos de arrendamento sob sua apreciação”. Assim, tendo as partes “fixado taxativamente que o prazo para denunciar os contratos de arrendamento para fins não habitacionais só poderia ocorrer no fim do prazo inicial de 15 anos, e/ou nas renovações subsequentes”, inexiste qualquer razão para “aceitar que a tutela a aplicar para a denúncia destes contratos fosse a do artigo 1098.º do Código Civil”. Donde, deve ser decidido que as partes fixaram livremente a possibilidade de denunciar os contratos de arrendamento apenas após o terminus da vigência inicial do contrato, o que concretizaram ao abrigo do artº. 1110º, nº. 1, parte inicial, do Cód. Civil. Pelo que, assim sendo, é obrigação da Ré arrendatária cumprir com o pagamento das rendas até ao final de cada um dos contratos. Apreciemos. Consta da cláusula 2ª dos enunciados contratos de arrendamento não habitacional com prazo certo (sendo semelhantes em ambos os contratos), na parte que ora releva, que: “1. O arrendamento é com Prazo Certo nos termos do art. 1110º do CC, pelo prazo de 15 (quinze) anos (…..). 2. No fim do prazo convencionado, o arrendamento renovar-se-á automaticamente por períodos sucessivos de um ano, ficando a SEGUNDA com a possibilidade de denunciar o presente contrato durante qualquer uma das primeiras cinco renovações anuais. 3. Após as primeiras cinco renovações anuais, ambas as Contraentes poderão denunciar o arrendamento nos termos legais”. Conhecendo acerca da pretensão da Autora, no sentido de que a Ré arrendatária estava impedida de denunciar os contratos durante o período da sua vigência inicial (15 anos) e, como tal, fazendo-o, deveria suportar o pagamento da totalidade das rendas que se venceriam naquele período, consignou-se na sentença apelada o seguinte: “A primeira questão que se coloca nos autos é a de saber se as partes clausularam a possibilidade/impossibilidade de denúncia do contrato durante o seu prazo inicial. As partes, conforme resulta da cláusula 2.ª, n.º 2, previram (i) a renovação automática do contrato no fim do prazo convencionado; e previram (ii) a possibilidade de denúncia do contrato durante qualquer uma das primeiras cinco renovações anuais. Mais previram, no n.º 3 da mesma cláusula, que após as primeiras cinco renovações anuais, ambas poderiam denunciar o arrendamento nos termos legais. Da leitura conjugada destas duas cláusulas podemos retirar que as partes não previram/estipularam a denúncia do contrato durante o prazo inicial? Ou antes que, com a redacção dada às referidas cláusulas, afastaram a possibilidade de denúncia do contrato durante do decorrer do prazo inicial? Teremos, assim, que apurar se nos encontramos perante uma incompletude negocial - a ser preenchida pelas regras supletivas previstas pelo legislador para a suprir - ou, ao invés, se o silencio do texto contratual corresponde a uma vontade das partes de excluir a possibilidade de denúncia do contrato. Este juízo exige uma atividade interpretativa do texto contratual, segundo o sentido que uns outorgantes normais, colocados na posição dos outorgantes reais, lhe dariam, face ao desconhecimento da vontade real das partes (artigo 236.º do Código Civil). Não se nos afigura crível, do ponto de vista do comum cidadão e do comum declaratário que a vontade ficcionada das partes fosse, dum contrato de longa duração, ainda que de duração limitada, fosse excluir toda e qualquer possibilidade de denúncia do contrato antes do decurso do prazo desses 15 anos. Seria uma violência para qualquer um dos contraentes, face à indefinição do futuro a médio /longo prazo, com a qual, de forma razoável, nenhum contraente se poderia conformar. Tanto mais que nem mesmo o regime garantístico do arrendamento urbano o previa de forma imperativa. Não se quer com isto dizer que as partes, querendo, não pudessem de todo afastar a possibilidade de denúncia do contrato durante o prazo inicial do contrato. Queremos apenas com isto dizer que, o clausulado no contrato não nos permite afirmar que as partes quiserem expressamente afastar a possibilidade de denúncia do contrato, reservando apenas a possibilidade de não renovação para o seu termo. Assim sendo, há que concluir pela omissão do contrato relativamente ao regime da denúncia do mesmo. E esta omissão acerca do regime da denúncia vale tanto para o prazo inicial do contrato, como ainda para a denúncia após hipotéticas renovações (sublinhado nosso). Vejamos. A denúncia, enquanto forma de cessação contratual, traduz-se numa “figura privativa dos contratos de execução duradoura (i.e., execução que se prolonga no tempo), como o contrato de arrendamento – que é também de execução continuada -, que se renovam por vontade (real ou presumida) das partes ou por determinação da lei, ou que foram celebrados por tempo indeterminado, visando satisfazer necessidades não transitórias das partes. O interesse das partes é dessa forma realizado. A denúncia consiste precisamente na declaração feita por uma das partes à outra, em regra com certa antecedência sobre o termo do período negocial em curso, de que não quer a renovação ou a continuação do contrato renovável ou fixado por tempo indeterminado. Permite, pois, fazer cessar unilateralmente um contrato de duração indeterminada, ou evitar a sua renovação automática. Extingue a relação obrigacional complexa derivada do contrato cuja renovação ou continuação impede. Denunciado o arrendamento, cessam, a partir do momento em que a declaração opera os seus efeitos, as obrigações, tanto do locador como do locatário. Em síntese, uma das partes comunica à outra que deseja pôr termo ao contrato” – assim, o citado aresto do STJ de 30/11/2021. Assim, a denúncia, enquanto forma unilateral e autónoma de cessação contratual ou de extinção dos contratos, tem o seu campo de aplicabilidade normalmente vocacionado para os contratos estabelecidos por tempo indeterminado, acabando por se traduzir numa vontade não vinculada a qualquer justa causa e, como tal, discricionária, pelo que é igualmente referenciada doutrinariamente como figura de revogação unilateral. Na definição e aferição do clausulado pelas partes urge, efectivamente, ponderar acerca do regime legal de interpretação dos negócios jurídicos, com especial enfoque no estatuído nas regras gerais inscritas nos artigos 236º a 239º, do Cód. Civil. Assim, e sem prejuízo de tais regras, “a primeira regra de interpretação até será a vontade real comum, o sentido subjetivo comum, ou seja, se há consenso das partes, do declarante e do declaratário, sobre o sentido da declaração, é de acordo com ele que a declaração deve ser interpretada”. A segunda regra interpretativa encontra-se prevista no “art. 236.º, n.º 2, do CC, segundo a qual, em caso de divergência entre o sentido subjetivo da declaração e o seu sentido objetivo, prevalece o sentido subjetivo desde que o declaratário o conheça (em conformidade com o ditame da velha máxima falsa demonstrativo non nocet)”. Por sua vez, “em caso de divergência entre o sentido subjetivo da declaração e o seu sentido objetivo, desconhecendo o declaratário a vontade real do declarante, prevalece, segundo a terceira regra, contida no art. 236.º, n.º 1, do CC, o sentido objetivo da declaração, salvo se o declarante não puder contar com ele, isto é, desde que tal sentido não colida com a expetativa razoável do autor da declaração: é a chamada teoria da impressão do destinatário” – cf., o sumariado no douto Acórdão do STJ de 27/04/2022, Relator: António Barateiro Martins, Processo nº. 2052/19.0T8BRG.G1.S1, in www.dgsi.pt . Ora, in casu, inexiste acordo das partes contratantes quanto à vontade real comum subjacente ao clausulado inserto na transcrita cláusula 2ª, sendo que nada se provou, ainda, em termos do que seria a vontade real das partes declarantes. Donde, em termos interpretativos, ficamos limitados ou circunscritos à aplicabilidade da regra contida no nº. 1, do artº. 236º, pelo que, constando do nº. 1 de tal cláusula que o arrendamento é pelo prazo de 15 anos, e sendo a mesma totalmente omissa quanto à possibilidade de denúncia de tal contrato, por parte da arrendatária, durante tal período, a sua interpretação deve ser necessariamente a que nada se clausulou, quanto à concreta possibilidade de exercício da denúncia durante tal prazo inicial do contrato. Todavia, de tal omissão ou incompletude também não é extraível que as partes contratantes tenham querido afastar a cessação contratual por denúncia da arrendatária durante tal período. E, esta conclusão não é igualmente sustentável ou argumentativamente consistente pelo facto de se ter expressamente previsto a denúncia contratual, por parte da arrendatária, durante as cinco primeiras renovações automáticas anuais (o nº. 2, de tal cláusula 2ª), ou pela senhoria e arrendatária após as mesmas cinco renovações anuais (o nº. 3, da mesma cláusula). Donde se conclui, conforme sufragado na decisão recorrida, no sentido de ter existido omissão contratual relativamente ao regime da sua denúncia durante o prazo de arrendamento inicial de 15 anos, e não que as partes, com tal omissão, tenham tido o desiderato ou a intenção de afastar a possibilidade de denúncia durante tal período, apenas reservando tal possibilidade após o termo daquele período inicial e já nos períodos anuais de automática renovação. Todavia, ainda que assim não se entendesse, e se considerasse que o labor interpretativo conduziria, necessariamente, no sentido de exclusão daquela forma de cessação contratual, durante o prazo inicial de 15 anos do contrato de arrendamento, esta putativa exclusão não era legalmente sustentável. Procuremos fundamentar esta conclusão. No douto Acórdão do STJ de 20/05/2021 – Relator: Ferreira Lopes, Processo nº. 192/19.5T8PVZ-A.P1.S1, in www.dgsi.pt – apreciou-se acerca da validade de cláusula contratual, inserta em contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais, no âmbito da qual “o arrendatário compromete-se de acordo com o estipulado no número anterior (ou seja, no prazo de 10 anos), a cumprir o contrato até 30 de Abril de 2024, obrigando-se, em caso de denúncia antecipada, a pagar ao senhorio o valor das rendas em falta pelo período contratualmente estabelecido”. Começando por citar o consignado no Acórdão recorrido, proferido pela Relação, exarou que: “A possibilidade de denúncia do contrato de arrendamento ou de oposição à prorrogação automática por parte do arrendatário, tal como acima concluímos, está abrangida pela regra da imperatividade. Nesta linha de raciocínio, considera-se que a cláusula que impõe à arrendatária, sem justificação plausível, o pagamento de uma indemnização elevada, após a denúncia do contrato, correspondente às rendas que seriam devidas até ao seu termo, é susceptível de impedir, na prática, o livre exercício do direito de denúncia do arrendamento. A cláusula em apreço na medida em que obsta, dificulta ou impede a cessação do contrato pela arrendatária, que seria obrigada, em contrapartida, a pagar à locadora, de uma só vez, as rendas vincendas, desrespeita a citada norma imperativa que consagra a denúncia e a oposição à renovação automática como formas de desvinculação da relação arrendatícia, sendo, por isso, nula (cfr. art. 294.º do CC). Como claramente discorre Fernando de Gravato Morais “A denúncia de um negócio não importa o pagamento de qualquer valor ressarcitório ao outro contraente, ainda que a cessação da relação jurídica cause a este prejuízos. (…) No entanto, as partes, ao abrigo da liberdade contratual, podem prever um dever, àquele que denuncia, de compensar o outro contraente. Há, porém, que apreciar em particular a cláusula em apreço, pois a compensação estipulada pode impedir a denúncia que se pretende livre Imagine-se a hipótese em que se permite ao arrendatário comercial a extinção do contrato com o prazo de pré-aviso tipo (o do art. 1098.ºCC, NRAU), mas se fixa, em simultâneo, uma indemnização avultada a pagar por este se tal suceder.” Na jurisprudência, esse raciocínio é seguido nos Acórdãos das Relações de Coimbra, de 22/11/2005 e de Lisboa de 04.12.2006, no domínio do similar (revogado) regime anterior, declarando-se no primeiro que “Ao agir no livre exercício de um direito que lhe é atribuído pelo nº 4 do art. 100 do RAU, o Réu não incumpriu qualquer dever: a sua hipotética responsabilidade por via de uma pena convencional equivaleria a negação daquele direito.” A nulidade da cláusula, objecto de análise, determina a absolvição das Rés no que concerne ao pedido da quantia de € 127.000,00, exigida a esse título. De qualquer modo, mesmo que assim não se entendesse, consideramos que se impunha a mesma solução, no caso concreto, pela figura do abuso de direito. Neste particular, cumpre relembrar que o contrato de arrendamento, celebrado pelo prazo de dez anos, foi denunciado pela arrendatária quando ainda faltavam seis anos para o fim da vigência do mesmo, pelo que, segundo a (inválida) cláusula, as Rés teriam de pagar à Autora quantia de €127.000,00, sem ter como contrapartida o gozo do arrendado, o qual podia e pode ser novamente dado de arrendamento pois não ficou acordado qualquer impedimento nesse sentido. A declaração em juízo de que não tencionam arrendar o locado, a não ser que esta questão não obtenha procedência, não reflecte qualquer acordo mas apenas uma mera intenção. Assim, em bom rigor, para além da compensação de € 127.000,00 nada impede que a Autora celebre novo contrato de arrendamento. E assim sendo, nestas circunstâncias específicas, afigura-se-nos que estamos perante uma actuação contrária à boa fé (art. 334.º CC) por revelar um desequilíbrio que atenta contra vetores fundamentais do sistema. Como bem referem as Recorrentes, o exercício deste direito por parte da Autora é manifestamente excessivo, pelo facto de não ter sofrido qualquer tipo de prejuízo com a denúncia antecipada da Ré, possibilitada, aliás, pela letra do contrato”. Adrede, na corroboração do juízo sufragado pela Relação, reconhece decorrer do nº. 1, do artº. 1110º, do Cód. Civil, que no arrendamento urbano para fins não habitacionais – reconduzível às situações sub judice -, os prazos do artº. 1098º, do mesmo diploma, são meramente supletivos. Todavia, ressalva, neste nº. 1, do artº. 1110º “o legislador deixa ao critério das partes as regras da denúncia e da oposição à renovação, apenas isso, não a faculdade de suprimirem o direito à resolução, ou a denúncia do arrendamento, cujas normas, aliás, são imperativas (art. 1080º do CC)”. E, voltando a citar o Acórdão recorrido, acrescenta que “uma interpretação normativa que considere admissível a impossibilidade do arrendatário, por via consensual, de denunciar ou se opor à renovação automática do contrato, pode configurar uma violação do direito constitucional de iniciativa económica privada consagrado no art. 61.º da CRP. (…) a regulamentação do exercício do direito de denúncia é uma questão distinta da proibição desse direito, por acordo das partes, direito que está abrangido pela natureza imperativa desse regime”. Desta forma, considera dever dar-se como “assente que o arrendatário no contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais goza do direito de denúncia, desde que, bem entendido, o exerça nas condições acordadas pelas partes ou, na ausência destas, nos termos previstos na lei (….)”. Donde, conclui pela ilegalidade de tal cláusula, “porque, ao fazer depender o exercício do direito de denúncia do pagamento “do valor das rendas em falta pelo período contratualmente estabelecido”, a referida cláusula, por via indirecta, limita o direito de denúncia, sendo por isso contrária à ordem pública, entendida como “o conjunto de princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico que o Estado e a sociedade estão interessados em que prevaleçam e que tem uma acuidade tão forte que prevalece sobre as convenções privadas” (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3º edição, pag. 551), estando, portanto, ferida de nulidade (art. 280º, nº 2 do Cód. Civil)”. Como lastro argumentativo de tal conclusão, enuncia, ainda, o referenciado no douto “Acórdão da Relação de Coimbra de 17.04.2012, CJ, 2º, pag. 29, relatado pelo ora Conselheiro Barateiro Martins, e citado no Acórdão deste STJ de 05.05.2016 (Salazar Casanova): “Resulta, é certo, do princípio geral pacta sunt servanda (art. 406º do CC) que as partes não podem livremente desvincular-se dos contratos celebrados, que o contrato deve ser pontualmente cumprido e que qualquer das partes, sem motivo, não pode furtar-se à realização das suas prestações; mas nos contratos de execução duradoura/continuada (de prestações permanentes ou duradouras cuja prestação não se esgota num só momento/instante) há que introduzir um princípio de não vinculação não indefinida de modo compulsório. Efectivamente, a liberdade das partes não é conciliável com a perpetuidade dos vínculos contratuais, pelo que tem sempre que se aceitar a desvinculação incondicional duma das partes num contrato de execução continuada; uma vinculação eterna ou excessivamente duradoura violaria a ordem pública, pelo que os negócios de duração indeterminada ou ilimitada só não são nulos, por força do art. 280º do CC, por se considerar que ficam sujeitos ao regime da livre denunciabilidade ad nutum.””. Donde, conclui que estando “o contrato de arrendamento sujeito ao princípio da liberdade de desvinculação, imotivada, não é possível configurar a existência de uma cláusula penal, de valor equivalente ao total das rendas pelo tempo de duração do contrato, como sanção para a denúncia antecipada do contrato” (sublinhado nosso). Do juízo exposto neste aresto, podemos enunciar, em súmula, o seguinte: - a necessária consideração do nº. 1, do artº. 1110º, do Cód. Civil e a supletividade dos prazos do artº. 1098º, do mesmo diploma, no âmbito do arrendamento urbano para fins não habitacionais ; - no artº. 1110º o legislador deixa ao critério das partes as regras da denúncia e da oposição à renovação, mas apenas isso, e não a faculdade de suprimirem o direito à denúncia do arrendamento, cujas regras são, inclusive, imperativas (o artº. 1080º, do Cód. Civil) ; - assim, no contrato de arrendamento para fins não habitacionais, o arrendatário goza do direito de denúncia, desde que o exerça nas condições contratualmente acordadas ou, na falta destas, nos termos previstos na lei ; - pelo que, tal contrato de arrendamento está, assim, sujeito ao princípio da, imotivada, liberdade de desvinculação. Por fim, no que concerne ao aresto a que vimos fazendo referência, impõe-se uma derradeira consideração: o ponto I do sumário – “nos contratos de arrendamento urbano para fim não habitacional, o arrendatário tem o direito de denunciar o contrato desde que respeite as condições previstas no nº 3 do art. 1098º do CC: decorrido um terço do prazo de duração inicial ou da sua renovação, e com aviso prévio de 120 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for igual ou superior a um ano, ou 60 dias se o prazo deste for inferior” – não possui, segundo humildemente nos parece, correspondência com o enquadramento efectuado no teor da decisão. Com efeito, este enquadramento tratou preferencialmente de outra questão e aludiu aos prazos de denúncia sem efectuar a destrinça, dentro do arrendamento urbano, entre arrendamento para habitação e para fins não habitacionais. Pelo que, a consignada aplicabilidade das condições do nº. 3, do artº. 1098º, do Cód. Civil, no âmbito da denúncia operada nos contratos de arrendamento urbano para fim não habitacional, não corresponde, com efectividade, ao labor argumentativo aposto no mesmo Acórdão. Adrede, consideremos, ainda, o sumariado no douto Acórdão do mesmo STJ de 09/02/2021 – Relator: António Magalhães, Processo nº. 119458/16.3YIPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt -, onde se exarou que a “cláusula prevista num contrato de arrendamento para fins não habitacionais pelo prazo de 5 anos, em que se prevê que “Se a Segunda Outorgante pretender cessar o contrato de arrendamento, antes de decorrido o prazo referido no número 1 da presente cláusula, constitui-se na obrigação de pagar à Primeira o montante das rendas vincendas, respeitantes ao período que medeia entre a data de cessação e a data de final do prazo contratual”, é uma cláusula penitencial, na medida em que é independente do facto de se tratar de um inadimplemento contratual e, portanto, de um facto ilícito”. Donde, “à semelhança do que sucede com as cláusulas penais, que pressupõe o incumprimento do contrato, também na cláusula referida em 2. se justifica o controlo da legitimidade do exercício do exercício do direito à pena, nos termos do art. 334º, nº 1 do Código Civil”, pelo que “existe abuso de direito, por violação dos limites impostos pela boa fé (de que o princípio da proporcionalidade é um sub-princípio), se houver desproporção grave entre o benefício do titular exercente do direito e o sacrifício por ele imposto a outrem”. Ora, “existe uma manifesta desproporcionalidade entre a vantagem auferida pela autora (que recebe 36 rendas vincendas, no montante de 68.400 euros, acrescidos de juros, sem proporcionar à arrendatária o gozo do locado) e o sacrifício imposto pela autora aos réus, sócios da arrendatária (que pagam aquelas rendas, por a arrendatária ter feito uso da denúncia prevista no contrato)”, pelo que “ em consequência do abuso, deve paralisar-se o exercício do direito da autora à pena e denegar-se a sua pretensão de pagamento das rendas vincendas após a denúncia da arrendatária” (sublinhado nosso). A consideração do juízo exposto, conduz ao seguinte raciocínio: é certo que, in casu, não estamos perante a estipulação de uma cláusula expressa da natureza da transcrita neste aresto. Todavia, caso se entendesse, fruto da interpretação da cláusula 2ª em equação nos contratos sob apreciação, que durante o período inicial de vigência daqueles (15 anos) dever-se-ia considerar como excludente a forma de cessação contratual denúncia, tal implicaria a total exigibilidade das rendas vincendas, pelo que o resultado final assemelhava-se ao decorrente da expressa cláusula apreciada no citado Acórdão. Donde, também por esta via argumentativa, sempre seria de afastar tal quadro interpretativo. E, acaso se considerasse estarmos perante uma situação de dúvida sobre o sentido da declaração expressa naquela 2ª cláusula dos contratos de arrendamento, sempre se deveria concluir pela impossibilidade daquela exigência, antes se devendo adoptar uma solução equilibradora das prestações dos contratantes – o artº. 237º, do Cód. Civil -, que não passaria certamente pela exigência do pagamento da totalidade das rendas vincendas. Por todo o exposto, e sem ulteriores delongas, soçobram, neste segmento, as conclusões recursórias. - Do considerando prazo de denúncia Fixado o sentido interpretativo da cláusula 2ª dos enunciados contratos de arrendamento não habitacional com prazo certo, afiramos qual o prazo de denúncia que deverá ser considerado, de acordo com os legais critérios. O saneador sentença apelado considerou inaplicável o prazo de 1 ano estatuído no nº. 2, do artº. 1110º, do Cód. Civil, pois entendeu que, tendo sido previsto o prazo de duração dos contratos (15 anos), não se preencheria o segmento inicial daquele normativo que alude à falta de estipulação. Nesse considerando, entendeu como aplicável o regime constante do artº. 1098º, do mesmo diploma, previsto para os arrendamentos habitacionais - por força da remissão efectuada na 2ª parte, do nº. 1, daquele mesmo artº. 1110º -, considerando, assim, um prazo de denúncia de 120 dias relativamente ao termo pretendido dos contratos (o vigente nº. 3, alín. a), de tal normativo, tendo a decisão apelada considerado o nº. 2 do mesmo normativo, mas na redacção vigente à data da outorga dos contratos que, conforme já conhecemos, não se nos afigura como a solução pertinente, ainda que sem efeitos práticos para o ora em apreciação). Questiona a Autora Apelante tal entendimento, referenciando que o prazo de denúncia nunca poderia ser de 120 dias, nos termos do artº. 1098º, do Cód. Civil, mas antes o prazo de 1 ano, por força do estatuído no nº. 2, do artº. 1110º, do mesmo diploma. Está assim em equação aferir qual o prazo legalmente exigível como de antecedência mínima para a efectivação de denúncia por parte do arrendatário, nos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, nas situações em que as partes contratantes não prevêm, pelo menos durante o prazo de duração inicial, aquela possibilidade e, consequentemente, qualquer prazo de antecedência para a sua efectivação. Apreciemos. Cronologicamente, vejamos o entendimento que sem vendo jurisprudencialmente sufragado: - o douto Acórdão da RP de 29/01/2013 – Relator: Vieira e Cunha, Processo nº. 27/11.7TBPRD.P1, in www.dgsi.pt -, após enunciação dos artigos 1098º e 1110, do Cód. Civil, e invocação de entendimento doutrinário, referencia que, tal como decorre do nº. 2, do artº. 1110º, “em matéria de denúncia ex lege, desde que nada se encontre previsto no contrato, o arrendatário só pode denunciar o contrato “com uma antecedência igual ou superior a um ano” sobre o termo pretendido do contrato. Ao contrário do prazo referido de 120 dias para o arrendamento habitacional, refere o Prof. Gravato Morais, Novo Regime do Arrendamento Comercial, 3ª ed., pg. 293, que se pretende, com o prazo mencionado igual ou superior a um ano, “tutelar os interesses do senhorio, que se encontra assim a coberto de uma cessação contratual num prazo breve ou escasso”. Ora, as partes nada estipularam no contrato em matéria de antecedência da denúncia do arrendatário. Deveria assim a Ré ter denunciado o contrato em causa com a antecedência de um ano, mantendo-se até ao final do decurso desse ano, em vigor o arrendamento, bem como a obrigação de pagamento das rendas, por parte da Ré” (sublinhado nosso). Donde, ter-se sumariado que ”no caso dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, com prazo certo, como é o caso do arrendamento dos autos, em matéria da chamada "denúncia" do contrato pelo arrendatário e na falta de estipulação das partes, aplica-se o disposto no art° 1098° n°3 CCiv, que rege quanto ao arrendamento para habitação, ex vi art° 1110° n°1”. Todavia, “tal aplicação supletiva, porém, cede em face do disposto no n°2 do art° 1110°; assim, o prazo de denúncia pelo arrendatário previsto no n°3 do art° 1098° é afastado pela disposição específica do n°2 do art° 1110°”, pelo que, “nos termos do n°2 do art° 1110° CCiv, desde que nada se encontre previsto no contrato, o arrendatário só pode denunciar o contrato de arrendamento não habitacional "com uma antecedência igual ou superior a um ano" sobre o termo pretendido do contrato” (sublinhado nosso) ; - O douto Acórdão da mesma RP de 04/07/2013 – Relator: Pedro Lima Vieira, Processo nº. 1477/12.7TJPRT.P1, in www.dgsi.pt -, após citar e anuir ao entendimento exposto no antecedente aresto da mesma Relação, aduz que “o silêncio das partes quanto ao prazo de duração do contrato tem resultados antagónicos nos arrendamentos para habitação e nos arrendamentos para fins não habitacionais: no primeiro caso, o art. 1094 nº 3 do CC faz impor a duração indeterminada e no segundo caso o art. 1110 nº 2 do CC faz impor o prazo de 10 anos. Esta divergência primária também contribui para uma interpretação integrada – ou internamente agregada – do art. 1110 nº 2 do CC, no sentido de a efectiva estipulação do prazo de duração do contrato ser quanto baste para que se tenha por legalmente suprida a ausência de estipulação quanto à antecedência mínima que o arrendatário tem de respeitar na denúncia, valendo nesse suprimento a antecedência mínima de 1 ano. De outra forma misturam-se detalhes que, à partida, a lei quer distinguir entre o regime do arrendamento para habitação e o regime do arrendamento para fins não habitacionais. No entendimento que se vem defendendo, seja qual for o prazo certo que as partes fixem no contrato para fins não habitacionais, mas com silêncio sobre a antecedência mínima para a denúncia por parte do arrendatário, vale sempre o prazo mínimo de 1 ano para a antecedência de tal denúncia” (sublinhado nosso). Donde, ter-se sumariado que “no contrato de arrendamento urbano para fim não habitacional em que as partes estabelecem prazo certo de duração do contrato mas não estabelecem a antecedência mínima que o arrendatário tem de respeitar quando pretende denunciar o contrato dentro daquele prazo de duração, vigora o disposto no art. 1110 nº 2 do Código Civil, sendo aquela antecedência mínima de 1 ano em relação ao termo pretendido para o contrato” ; - o douto Acórdão da RE de 20/10/2016 – Relator: Tomé Ramião, Processo nº. 1384/15.1T8FAR.E1, in www.dgsi.pt -, acolitado em doutrina e nos referenciados arestos da Relação do Porto, acolhe idêntico entendimento, nomeadamente por maior conformidade com a letra e espírito da lei, “segundo a qual o n.º2 do art.º 1110.º do C. Civil, ao estabelecer a antecedência mínima de 1 ano para a denúncia por parte do arrendatário, nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, é aplicável quer as partes hajam fixado expressamente prazo de duração do contrato, mas nada disseram quanto à denúncia, quer nos casos em as partes não fixaram qualquer prazo de duração do contrato” (sublinhado nosso) ; - por fim, o douto Acórdão da RG de 30/04/2020 – Relatora: Maria dos Anjos Nogueira, Processo nº. 535/18.9T8VCT.G1, in www.dgsi.pt -, citando, igualmente, os arestos da Relação do Porto, referencia que, “desde logo, como resulta do texto legal, a previsão do n.º 2, do art.º 1110.º do C. Civil, não abrange apenas os casos em que as partes não previram a duração do contrato de arrendamento, já que aí apenas se refere a “falta de estipulação”. Pois, o facto é que, não obstante se estabelecer um prazo de 5 anos de duração para o contrato, a verdade é que ele é omisso quanto à sua denúncia, pelo que é de aplicar, quanto à denúncia, o prazo supletivo indicado no n.º 2, do art.º 1110.º. Aliás, não faria sentido que o legislador fixasse esse prazo mínimo (um ano), no caso de ausência apenas para a fixação de prazo de duração do contrato, e admitisse simultaneamente a aplicação do n.º 2 (ou 3 e 5, conforme a versão aplicável) do art.º 1098.º do C. Civil, por tal conduzir a uma ilogicidade do sistema jurídico e incompreensível desigualdade de soluções jurídicas. Neste sentido, consideramos ser de acolher a orientação perfilhada pela 1.ª instância, por mais conforme com a letra e o espírito da lei, segundo a qual o n.º2 do art.º 1110.º do C. Civil, ao estabelecer a antecedência mínima de 1 ano para a denúncia por parte do arrendatário, nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, é aplicável quer as partes hajam fixado expressamente prazo de duração do contrato, mas nada disseram quanto à denúncia, quer nos casos em as partes não fixaram qualquer prazo de duração do contrato” (sublinhado nosso). Doutrinariamente, por todos, referenciemos: - o sustentado por Gravato Morais – Novo Regime do Arrendamento Comercial, 3ª Edição, pág. 293 -, no sentido de que contrariamente ao prazo de 120 dias “previsto para o arrendamento habitacional, pretende-se com o prazo referido no n.º2 do art.º 1110.º (igual ou superior a um ano), “tutelar os interesses do senhorio, que se encontra assim a coberto de uma cessação contratual num prazo breve ou escasso” ; - bem como o defendido por Maria Olinda Garcia – Arrendamento Urbano Anotado, Regime Substantivo e Processual, 3ª Edição, Coimbra Editora, Maio 2014, pág. 86 -, em anotação ao referenciado artº. 1110º, mencionando expressamente que “o prazo de denúncia previsto no nº. 3 do artigo 1098º não terá aqui aplicação, por ser afastado pela disposição específica do nº. 2 do artigo 1110º”. Aqui chegados, podemos enunciar as seguintes directrizes: - nos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, nas situações em que as partes contratantes fixam expressamente o prazo de duração do contrato (ou não fixam qualquer prazo de duração do contrato), mas não prevêm qualquer antecedência mínima para a efectivação de denúncia por parte do arrendatário, é aplicável a antecedência mínima e supletiva de um ano inscrita no nº. 2, do artº. 1110º, do Cód. Civil; - não sendo, em tais situações, aplicáveis os prazos de denúncia inscritos no nº. 3, do artº. 1098º, do mesmo diploma, previstos no âmbito do arrendamento urbano para habitação ; - efectivamente, prevalece, nestas situações, a regra específica prevista naquele normativo (1110º, nº. 2), inexistindo razão para operar a remissão para as regras aplicáveis ao arrendamento urbano para habitação, por força do nº. 1, do mesmo artº. 1110º ; - com efeito, a imposição legal que a denúncia não opere, nesta tipologia de arrendamento urbano para fins não habitacionais, com antecedência inferior a um ano, em nada depende do facto do contrato nada prever quanto ao seu prazo de duração ; - pois, a legal menção inscrita no nº. 2, do artº. 1110º - na falta de estipulação –abrange não só a falta de estipulação da duração do contrato, como ainda a concreta imperatividade na fixação de um prazo mínimo de denúncia. Pelo exposto, no que ao presente segmento recursório concerne, deve reconhecer-se pertinência nas conclusões apelatórias apresentadas, pois, nos contratos de arrendamento em equação deveria a Ré ter observado o prazo de denúncia de um ano, e não de 120 dias. Tal inobservância, não obstando à cessação dos contratos de arrendamento em equação, determina, todavia, a condenação da Ré arrendatária no pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta (8 meses) – cf., o nº. 6, do artº. 1098º, ex vi do nº. 1, do artº. 1110º, ambos do Cód. Civil. O que implica parcial revogação do saneador-sentença recorrido, que se substitui por juízo de parcial procedência do pedido subsidiário deduzido, condenando-se a Ré arrendatária a pagar à Autora senhoria as rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta (oito meses), relativamente a cada um dos contratos, no valor total de 32.980,00 (trinta e dois mil novecentos e oitenta euros), correspondente aos seguintes valores parciais: - 1.758,00 € X 8 = 14.064,00 € - 2.364,50 € X 8 = 18.916,00 €, acrescido dos respectivos juros moratórios legais, vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das rendas e até integral pagamento. O presente entendimento conclusivo impõe, ainda, duas outras considerações: - atento o supra exposto, não se tendo concluído no sentido do clausulado contratual dispor no sentido de excluir a possibilidade de denúncia dos contratos de arrendamento nos seus períodos iniciais convencionados, inexiste propriamente a necessidade de conhecer acerca do fundamento de defesa enunciado (e ora igualmente apresentado, em termos subsidiários, como ampliação do objecto do recurso), ou seja, a possibilidade de extinção do contrato, por denúncia do arrendatário, anteriormente ao termo do prazo de duração convencionado, como faculdade de desvinculação unilateral do arrendatário, mesmo no caso de clausulado que disponha em contrário (ainda que se tenha concluído, no juízo argumentativo consignado, pela admissibilidade de denúncia mesmo nessa situação) ; - por outro lado, no que concerne ao fundamento de defesa abuso de direito (igualmente apresentado, em termos subsidiários, como ampliação do objecto do recurso), a sua invocação, em termos de excepção, tinha basicamente por pressuposto uma eventual procedência do pedido acional principal, assente na sua condenação no pagamento das rendas, vencidas e vincendas, até ao final da vigência dos respectivos contratos de arrendamento. Ora, tal pretensão não obteve apelo na presente sede recursória, pelo que sempre se consideraria igualmente prejudicado o conhecimento de tal meio de defesa (e, para além, da própria oficiosidade no conhecimento de tal excepção). Todavia, acautelando uma eventual pretensão de que tal invocação tivesse por âmbito o próprio pedido subsidiário deduzido, merecedor de apelo nesta sede, sempre se dirá que a exigibilidade de observância do prazo de denúncia de um ano nos contratos de arrendamento em equação - urbanos, para fins não habitacionais – e, em caso de incumprimento, a pretensão do pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, em nada traduz qualquer abuso de direito, mas antes, e tão-somente, a mera invocação dos direitos legalmente reconhecidos ao senhorio, tutelares da sua posição contratual. Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, quer no que respeita à acção, quer no que concerne ao recurso, as custas são a cargo da Autora/Apelante e Ré/Apelada na proporção, respectivamente, de 64% e 36%. * IV. DECISÃO Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em: Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Autora/Apelante/Recorrente O………………, LDA., em que figuram como Ré/Apelada/Recorrida CAIXA …………………………….., S.A. e, consequentemente, decide-se: i.revogar parcialmente o saneador-sentença recorrido ; ii.o qual se se substitui por juízo de parcial procedência do pedido subsidiário deduzido, condenando-se a Ré arrendatária a pagar à Autora senhoria as rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta (oito meses), relativamente a cada um dos contratos, no valor total de 32.980,00 (trinta e dois mil novecentos e oitenta euros), correspondente aos seguintes valores parciais: - 1.758,00 € X 8 = 14.064,00 € - 2.364,50 € X 8 = 18.916,00 €, acrescido dos respectivos juros moratórios legais, vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das rendas e até integral pagamento ; iii.confirmar, no demais, o saneador-sentença apelado ; iv.relativamente à acção e recurso, as custas são a cargo da Autora/Apelante e Ré/Apelada na proporção, respectivamente, de 64% e 36% - cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil. Lisboa, 14 de Setembro de 2023 Arlindo Crua António Moreira Vaz Gomes [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. |