Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS CASTELO BRANCO | ||
Descritores: | CONFLITO DE COMPETÊNCIA VALOR DA CAUSA REDUÇÃO MANUTENÇÃO DA COMPETÊNCIA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/25/2024 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | CONFLITO DE COMPETÊNCIA | ||
Decisão: | RESOLVIDO | ||
Sumário: | 1. No caso de, da decisão do incidente do valor da causa, resultar fixado um valor inferior ao indicado pelo autor na petição inicial, o valor da ação para efeitos de aferição de competência será o indicado no requerimento inicial. 2. Tendo a autora intentado a ação no Juízo Central Cível, atento o valor que lhe atribuiu, é irrelevante no caso concreto a alteração do valor operada para efeitos de competência do tribunal, na decorrência da fixação do valor oficiosamente pelo juiz. 3. Sendo o valor e a competência diversas realidades, nos termos do disposto no nº. 3 do artigo 310º do CPC., o tribunal mantém a sua competência quando seja oficiosamente fixado à causa um valor inferior ao indicado pelo autor. 4. Assim, não obstante o Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo – Juiz “X” ter proferido decisão a fixar à causa o valor de € 34.250,16, em detrimento do valor (superior – de € 63.776,16) indicado pela autora e aceite pelos réus, aquele Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo mantém a sua competência para dirimir o litígio. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | I. 1. A autora, “A”, Lda. instaurou contra as rés, “B” UNIPESSOAL, LDA. e “C”, ação declarativa, sob a forma de processo comum, atribuindo-lhe o valor de € 63.776,16, tendo a ação sido distribuída ao Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo – Juiz “X”. 2. Citadas, as rés, deduziram contestação, na qual, entre o mais, mencionaram o seguinte: “Valor da ação: o indicado pela Autora”. 3. Em 21-03-2024, pelo Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo – Juiz “X” foi proferido o seguinte despacho: “Apesar de não impugnado o valor da acção, atento o dever de fixação ínsito nos arts. 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC notifique as partes para, em 10 dias, atento o pedido condenatório formulado, se pronunciarem quanto ao valor atribuído à acção e respectivas consequências. Notifique (…)”. 4. Os réus pronunciaram-se, por requerimento de 26-03-2024, dizendo o seguinte: “1. No pedido condenatório formulado a Autora peticiona o pagamento de € 29.526,00+IVA no valor de € 4.724,16 e, caso assim não se entenda, de forma subsidiária, o valor de € 29.526,00. 2. Estamos, pois a formulação de pedidos subsidiários, por banda da Autora, nos termos do artigo 554.º do CPC. 3. Nas acções que são deduzidos pedidos subsidiários o valor da causa é o valor correspondente à soma dos valores do pedido formulado em primeiro lugar.1 Deste modo, o valor da causa é de € 34.250,16. 4. Aqui chegados e, sem necessidade de maiores considerandos, importa dar cumprimento ao disposto no artigo 310.º n.º 1 do C.P.C e em face ao exposto, cabe verificar a excepção dilatória de incompetência relativa em função do valor desta Instância Central, nos termos do artigo 577.º, al. a), CPC, declarando a mesmo incompetente para julgar os presentes autos e, em face ao valor dos mesmos determinar, anos termos do artigo 105.º, n.º 3 do CPC ex-vi 130.º n.º 1 a) da LOTJ, determinando por isso e após transito a remessa dos mesmos para o Tribunal competente, o Tribunal de Competência Genérica de São Roque do Pico”. 5. Em 30-04-2024, pelo Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo – Juiz “X” foi proferido o seguinte despacho: “O Tribunal e internacional, material, hierárquica e territorialmente competente. (…) Da Incompetência em razão do valor (…) I. Relatório “A”, Lda., com sinais nos autos, instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra “B” Unipessoal, Lda., com sinais nos autos, e contra “C”, com sinais nos autos, tudo nos termos e com os fundamentos constantes da Petição Inicial, com a RE 5459735, peticionando, a título principal, pagamento de remuneração no valor de € 29.526,00, acrescidos de € 4.724,16 de IVA e de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, e, subsidiariamente, o pagamento do valor de € 29.526,00, por violação do contrato de mediação imobiliária, acrescidos de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento. (…) Notificadas as partes para se pronunciarem quanto ao valor atribuído à acção e respectivas consequências, vieram, apenas, os Réus, com a RE 5650869 sustentar que o valor a fixar à acção é de € 34.250,16 e invocar a incompetência deste Tribunal e a competência do Juízo de Competência Genérica de São Roque do Pico. (…)II. Fixação do valor da acção Considerando o valor peticionado a título principal (no sentido de que, conforme resulta expressamente do disposto no art. 297.º, n.º 3, do CPC, é o valor do pedido principal a ser tido em conta em caso de formulação de pedidos subsidiários, cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/03/2015, relatado pelo Ex.mo Senhor Desembargador JORGE TEIXEIRA, processo n.º 1822/10.0TBBCL-B.G1, in www.dgsi.pt), nos termos do disposto nos arts. 296.º, 297.º, n.ºs 1, 2 e 3, 299.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1, do CPC, fixa-se à presente acção o valor de € 34.250,16 (trinta e quatro mil, duzentos e cinquenta euros e dezasseis cêntimos). (…) II. Enquadramento Jurídico Tendo sido suscitada a questão da competência em razão do valor para o presente processo, ponderemos sobre a mesma. O que está em causa, no caso dos autos, é uma acção declarativa de condenação à qual foi estabelecido o valor de € 34.250,16. Ora, conforme resulta do art. 117.º, n.º 1, al. a), da LOSJ, o juízo central só tem competência para acções declarativas de valor superior a € 50.000,00, ficando a competência para as de valor igual ou inferior a tal valor, acometidas ao juízo local (art. 130.º, n.º 1, da LOSJ). Em face do que antecede, atento o valor da causa, este Juízo Central de Angra do Heroísmo é incompetente para a presente acção em razão do valor. E, nos termos do n.º 2, do art. 104.º, do Código de Processo Civil, a incompetência em causa é relativa (art. 102.º, do Código de Processo Civil), e de conhecimento oficioso, tendo, não obstante sido suscitada. Nesta conformidade, estamos, nos termos sobreditos, perante uma situação de incompetência em razão do valor, que é uma incompetência relativa (art. 102.º, do Código de Processo Civil), consubstanciando uma excepção dilatória (art. 577.º, al. a), do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso (art. 104.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) e motivadora da remessa do processo ao tribunal competente (arts. 105.º, n.º 3, e 310.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), pois foi suscitada pela parte (art. 310.º, n.º 3, a contrario do CPC) que, nos termos do art. 71.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPC, é o Juízo de Competência Genérica de São Roque do Pico do Tribunal da Comarca dos Açores. (…) III. Decisão Pelo exposto, ao abrigo das supra mencionadas disposições legais, julga-se verificada a excepção dilatória, de conhecimento oficioso, da incompetência em razão do valor do Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo e, em consequência, determina-se a remessa, após trânsito, dos presentes autos, ao Juízo de Competência Genérica de São Roque do Pico do Tribunal da Comarca dos Açores. Custas pelos Autores, com taxa de justiça que se fixa no mínimo legal (art. 7.º, n.ºs 4 e 8 do RCP, e Tabela II). Notifique, incluindo o Ministério Público (art. 252.º, n.º 1, do CPC). Registe”. 6. Remetidos os autos ao Juízo de Competência Genérica de São Roque do Pico, em 25-06-2024, aí foi proferida a seguinte decisão: “(…) A 30.04.2024, após conferido o contraditório, o Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo fixou o valor da causa em € 34.250,16 (trinta e quatro mil, duzentos e cinquenta euros e dezasseis cêntimos) e após declarou-se incompetente para tramitar os ulteriores termos do processo, determinando a remessa dos autos a este Juízo. (…) Cumpre, pois, indagar da competência em razão do valor deste Juízo. Nos termos do artigo 37.º da Lei de Organização Judiciária, na ordem jurídica interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território. No que à competência em razão do valor diz respeito, o artigo 117.º, n.º 1, alínea a) da Lei de Organização do Sistema Judiciário estabelece que compete aos juízos centrais cíveis a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000,00. Nos termos do artigo 299.º, n.º 1 do Código Processo Civil na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal, sendo que, por regra, não se atende a modificações posteriores. Em igual sentido dispõe o artigo 38.º, n.º 2 da Lei de Organização Judiciária, no qual consta que são igualmente irrelevantes as modificações de direito, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa. Mas, e sobretudo, estabelece o artigo 310.º, n.º 3 do Código Processo Civil que o tribunal mantém a sua competência quando seja oficiosamente fixado à causa um valor inferior ao indicado pelo autor. No caso dos autos, não se discorda com o valor atribuído pelo Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo, mas apenas e tão só com as consequências assacadas ao valor atribuído à causa. De facto, a Autora atribuiu à causa o valor de 63.776,16 € (sessenta e três mil, setecentos e setenta e seis euros, dezasseis cêntimos) na sua petição inicial pelo que, o facto de posteriormente vir a ser fixado oficiosamente pelo Tribunal um valor inferior à causa, não retira a competência ao Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo, nos termos dos preceitos acima assinalados. No mesmo sentido do ora pugnado, veja-se a título de exemplo o Acórdão da Relação de Coimbra de 12.10.2021, processo n.º 147/20.7T8CTB.C1, em www.dgsi.pt, no qual se escreveu que “[a] redução oficiosa do valor da acção não determina a sua remessa para o juízo local cível ou para o juízo de competência genérica da acção que tenha sido proposta num juízo central cível por ser este o competente face ao valor indicado pelo autor.” Em face do exposto, declaro este Juízo de Competência Genérica de São Roque do Pico incompetente em razão do valor para tramitar os ulteriores termos do processo, por o ser o Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo. Registe e notifique, tendo presente o disposto no artigo 252.º do Código Processo Civil. Sem custas por não ser imputável às partes. Comunique informalmente o presente despacho ao Mm. º Juiz Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo, subscritor da sentença. Após trânsito (artigo 109.º, n.º 3 do Código Processo Civil), remeta os presentes autos ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa (artigo 110.º, n.º 2 do Código Processo Civil e artigo 76.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário), a fim de este decidir o presente conflito negativo de competência (artigo 111.º, n.º 3 do Código Processo Civil).”. 7. O processo foi continuado com vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 112.º, n.º 2, do CPC, que – em 24-07-2024 – se pronunciou dizendo, nomeadamente, o seguinte: “(…) Salvo melhor interpretação, a questão a apreciar é, no caso concreto, qual o momento de fixação do valor da ação atendível para efeitos de determinação da competência em razão do valor. Ora, pese embora os argumentos aduzidos pelo Juízo Central Cível e Criminal para declinar a sua competência, cremos que a questão tem de ser dirimida à luz da interpretação e das normas ponderadas no despacho judicial proferido pelo Juízo de Competência Genérica de São Roque do Pico, mormente a prevista no artº. 310º nº. 3 do CPC. Sob a epígrafe “Consequências da decisão do incidente do valor”, dispõe o artº. 310º do CPC: “1 - Quando se apure, pela decisão definitiva do incidente de verificação do valor da causa, que o tribunal é incompetente, são os autos oficiosamente remetidos ao tribunal competente, sem prejuízo do disposto no n.º 3. 2 - Se da fixação definitiva do valor resultar ser outra a forma de processo correspondente à ação, mantendo-se a competência do tribunal, é mandada seguir a forma apropriada, sem se anular o processado anterior e corrigindo-se, se for caso disso, a distribuição efetuada. 3 - O tribunal mantém a sua competência quando seja oficiosamente fixado à causa um valor inferior ao indicado pelo autor”. A fundamentação expressa no despacho proferido pelo Juízo de Competência Genérica de São Roque do Pico, expõe com clareza os argumentos de facto e de direito que levam a concluir pela atribuição de competência ao Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo. Subscrevendo esse entendimento, somos do parecer de dever concluir-se ser competente para a ulterior tramitação dos autos, o Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo. – Juiz “X””. * II. Mostram-se apurados, em função dos elementos constantes dos autos, os factos enunciados no relatório, com pertinência para a apreciação do presente conflito de competência. * III. Nos termos do n.º 2 do artigo 109.º do CPC, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão. Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (cfr. artigo 109.º, n.º 3, do CPC). Quando o tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir (cfr. artigo 111.º, n.º 1, do CPC). * IV. No presente conflito está em causa, aquilatar qual o tribunal competente para a tramitação dos autos, atento o valor da ação em apreço. Nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 296.º do CPC., a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido. Por seu turno, dispõe o n.º 1 do artigo 297.º do CPC que, se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em concreto; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício. Como alude o nº. 1 do artigo 299.º do CPC., na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal. E face ao disposto no n.º 1 do artigo 259.º do CPC., a instância inicia-se pela proposição da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respetiva petição inicial. Com efeito, a lei define o momento relevante para determinar o valor, ou seja, quando a ação é proposta, sendo irrelevantes as modificações posteriores, tais como, a ampliação, redução ou alteração do pedido. Assim, em regra, o circunstancialismo relevante para o apuramento da competência do tribunal fixa-se no momento em que a ação é proposta. Como escreve Salvador da Costa (Os Incidentes da Instância, Almedina, p. 33), “o valor processual da causa consubstancia a sua utilidade económica, configurada na petição inicial, independentemente de depois disso algum facto a haver alterado. Assim, as partes, ao indicarem o valor processual da causa ou ao impugná-lo, bem como o tribunal ao fixá-lo, devem considerar a situação existente ao tempo da propositura da acção”. Esta regra geral comporta exceções, as quais se reportam a uma modificação objetiva (no caso de dedução de pedido reconvencional) ou a uma modificação subjetiva (no caso de intervenção principal). Como aludem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil. Os Artigos da Reforma, Vol. I, Almedina, p. 264), “(…) a excepção ao princípio da estabilidade da instância, permitindo-se que o seu vértice seja alterado, só deve ser autorizada para dar satisfação a um outro princípio: o acesso (pela contraparte) ao direito ao julgamento mais garantístico realizado por uma grande instância cível (na terminologia adotada na reforma da organização judiciária). Se não estiver em causa uma preterição do direito ao julgamento por instância de categoria superior, o princípio da estabilidade da instância não pode ser violado – a satisfação de qualquer outro princípio não o justifica ou cauciona, não determinando a alteração do valor da causa a alteração do tribunal competente”. * V. No caso vertente, não foi deduzido pedido reconvencional, nem requerida intervenção principal, não se tendo operado qualquer modificação objetiva ou subjetiva da instância que impusesse aumento de valor à causa. Assim, o valor da ação será o atribuído pela autora na petição inicial, sendo que, nos termos do nº. 2 do art. 296º do CPC., se atende a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal. “Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal. A esse valor se atenderá para determinar a competência do tribunal, a forma do processo comum e a relação da causa com a alçada do tribunal” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-07-2020, Pº 559/17.3T8PFR.P1, rel. CARLOS PORTELA). A autora, na sua petição inicial, atribuiu à ação, o valor de € 63.776,16. Com esse valor concordaram os réus. Contudo, o Tribunal oficiosamente fixou valor diverso. Com efeito, conforme deriva do disposto no artigo 306.º do CPC, “compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes” (n.º 1), sendo o valor fixado no despacho saneador, salvo se se tratar dos processos a que se refere o n.º 4 do artigo 299.º do CPC (processos de liquidação e outros em que a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação) e naqueles em que não haja, na respetiva tramitação legal, lugar a despacho saneador, caso em que será fixado na sentença (n.º 2). Sobre as consequências da decisão do incidente do valor da causa, estatui o artigo 310.º do CPC, determinando, no seu n.º 1, que “quando se apure, pela decisão definitiva do incidente de verificação do valor da causa, que o tribunal é incompetente, são os autos oficiosamente remetidos ao tribunal competente, sem prejuízo do n.º 3”. Ora, o n.º 3 do artigo 310.º do CPC prescreve que “o tribunal mantém a sua competência quando seja oficiosamente fixado à causa um valor inferior ao indicado pelo autor”. Explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 399, em anotação ao artigo 310.º) que, “se ação tiver sido instaurada num juízo central cível, por ser este o competente face ao valor indicado pelo autor, ou seja, por esse valor ser superior a € 50.000,00, a redução oficiosa já não determina a remessa para o juízo local cível (ou para o juízo de competência genérica)”. Dito de outro modo: “A redução oficiosa do valor da acção não determina a sua remessa para o juízo local cível ou para o juízo de competência genérica da acção que tenha sido proposta num juízo central cível por ser este o competente face ao valor indicado pelo autor” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-10-2021, Pº 147/20.7T8CTB.C1, rel. MARIA JOÃO AREIAS). Da conjugação dos n.ºs. 1 e 3 do artigo 310.º do CPC, resulta que - ao invés do que sucede no caso de alteração para mais (aumento) pela decisão do juiz face ao valor indicado pelo autor – no caso de o valor atribuído oficiosamente pelo Tribunal, o ser em montante inferior ao indicado pelo autor, tal não justifica uma alteração da sua competência, sendo de manter o tribunal – e a respetiva competência - onde a parte intentou a ação. A razão de ser do diverso tratamento dado à situação em que é fixado à causa um valor superior ao indicado pelo autor – remessa oficiosa para o tribunal competente – e à situação em que é fixado à causa um valor inferior ao inicialmente indicado pelo autor – caso em que o tribunal mantém a sua competência –, “é a de que sendo mais garantístico o julgamento realizado na instancia central, as partes dele não devem ser privadas por o autor ter atribuído à causa um valor inferior ao real (o que não acontece no inverso)” (assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ªed., p. 606, nota 3 ao art. 310.º). Assim, no caso de, da decisão do incidente do valor da causa resultar fixado um valor inferior ao indicado pelo autor na petição inicial, o valor da ação para efeitos de aferição de competência será o indicado no requerimento inicial. Com efeito, uma coisa é o valor da causa e outra diversa, a competência do tribunal. Tendo a autora intentado a ação no Juízo Central Cível, atento o valor que lhe atribuiu, é irrelevante no caso concreto a alteração do valor operada para efeitos de competência do tribunal, na decorrência da fixação do valor oficiosamente pelo juiz. Ora, face ao constante da alínea a) do nº. 1 do art. 117º da Lei nº. 62/2013, de 26 de agosto, compete aos juízos centrais cíveis, a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000,00. E nos termos do nº. 1 do art. 130º da mesma lei, os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada. Porém, sendo o valor e a competência diversas realidades, nos termos do disposto no nº. 3 do artigo 310º do CPC., o tribunal mantém a sua competência quando seja oficiosamente fixado à causa um valor inferior ao indicado pelo autor. Assim, não obstante o Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo – Juiz “X” ter proferido decisão a fixar à causa o valor de € 34.250,16, em detrimento do valor (superior – de € 63.776,16) indicado pela autora e aceite pelos réus, aquele Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo mantém a sua competência para dirimir o litígio. * VI. Pelo exposto, decido este conflito, declarando competente para a apreciação dos autos, o Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo – Juiz “X” Sem custas. Notifique (cfr. artigo 113.º, n.º 3, do CPC). Baixem os autos. Lisboa, 25-07-2024, Carlos Castelo Branco (Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho 2577/2024, de 16-02-2024, D.R., 2.ª Série, n.º 51/2024, de 12 de março). |