Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
33/01.0GBCLD.L1-3
Relator: CARLOS ALMEIDA
Descritores: PROVA PERICIAL
PROVA DOCUMENTAL
PROIBIÇÃO DE PROVA
TRIBUNAL COLECTIVO
PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUÍZES
NULIDADE INSANÁVEL
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/13/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: 1 – O Relatório Final de uma Comissão de Inquérito nomeada por um membro do Governo na sequência do desmoronamento de um viaduto que se encontrava em construção não pode ser considerado, no processo penal, como prova pericial uma vez que não se trata de um acto processual, não tendo, por isso, sido adoptado para a sua elaboração o procedimento previsto quanto a este meio de prova pelos artigos 151.º a 163.º do respectivo Código.
2 – De igual forma, não constitui prova documental uma vez que a declaração que esse relatório consubstancia não é idónea a provar qualquer facto juridicamente relevante – alínea a) do artigo 255.º do Código Penal – uma vez que, na sua essência, essa declaração não traduz qualquer conhecimento directo dos factos que constituem o objecto do processo por parte de quem a elaborou.
3 – Tratando-se de uma peça escrita de natureza valorativa que, tendo por base declarações dos arguidos e de outras pessoas, informações e relatórios técnicos de distintas entidades, fotografias, alguma observação pessoal e conhecimentos especializados próprios, extrai, para fins político-administrativos, conclusões sobre as circunstâncias em que o acidente ocorreu e sobre as suas causas, não pode servir para formar a convicção do tribunal de julgamento – artigos 355.º a 357.º do Código de Processo Penal,
4 – Pelo contrário, o “Parecer” elaborado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, porque reflecte um saber técnico especializado, pode ser junto aos autos – n.º 3 do artigo 165.º do Código de Processo Penal – e valorado para a formação da convicção do tribunal – artigos 355.º e 356.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma.
5 – A insusceptibilidade de valoração do Relatório Final da Comissão de Inquérito não afecta minimamente a possibilidade de os seus subscritores serem ouvidos na audiência como testemunhas uma vez que os mesmos têm capacidade e dever de testemunhar – artigo 131.º do Código de Processo Penal – e não estão impedidos de o fazer – artigo 133.º do mesmo diploma.
6 – Porém, eles apenas podem depor sobre factos de que possuam conhecimento directo e que constituam objecto de prova – artigo 128.º, n.º 1, do Código –, podendo, no entanto, interpretar esses mesmos factos se essa interpretação tiver lugar em função de qualquer ciência ou técnica que dominem – alínea b) do n.º 2 do artigo 130.º daquele diploma.
7 – As testemunhas que, no desempenho de funções administrativas, tiverem tomado declarações a outras pessoas que não possam ser lidas na audiência, não poderão nela depor sobre o seu conteúdo. É o que resulta, por identidade ou maioria de razão, do disposto no artigo 356.º, n.º 7, e 357.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Trata-se de um tema proibido de prova, modalidade das proibições de prova, e não de qualquer impedimento das testemunhas.
8 – Se se determinar a realização de uma perícia e se pretender que ela venha a ser valorada pelo tribunal de julgamento, os actos e documentos do processo que podem ser mostrados aos peritos para seu esclarecimento – n.º 3 do artigo 156.º do Código de Processo Penal – são apenas aqueles que também podem ser valorados para o mesmo efeito, sob pena de se estar indirectamente a permitir a valoração do que directamente não podia ser valorado.
9 – A intervenção do tribunal colectivo, quando a competência para o julgamento do objecto de um processo lhe é atribuída pela lei, tem início com a prática dos actos introdutórios da audiência – n.º 3 do artigo 329.º do Código de Processo Penal – e apenas termina com a leitura da sentença – artigo 372.º, n.º 3, do mesmo diploma – ou, caso tenha lugar, com a breve alocução subsequente à leitura da sentença condenatória – artigo 375.º, n.º 2, do Código.
10 – Entre esses dois momentos vigora, tal como acontece no processo civil – artigo 654.º do Código de Processo Civil –, mas aqui com maior extensão dado o diferente âmbito de intervenção do tribunal colectivo, que decide a matéria de facto e a de direito, o princípio da plenitude da assistência dos juízes.
11 - Mesmo quando o Código de Processo Penal se refere à prática de actos da competência do juiz presidente, ele pressupõe e exige que o tribunal colectivo esteja constituído e presente na audiência, sob pena de prática de uma nulidade insanável – alínea a) do artigo 119.º do Código de Processo Penal.
12 – As comunicações previstas nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal não consubstanciam qualquer decisão, constituindo meras advertências para que o direito de defesa possa ser exercido e, consequentemente, o tribunal possa, caso venha a considerar esses factos como provados ou a alterar a qualificação jurídica nos termos anunciados, tomá-los em conta no acórdão que vier a proferir.
13 – Essas comunicações devem ocorrer até ao termo da produção de prova para que possam ser produzidos os meios de defesa que na sequência delas vierem a ser requeridos pelos arguidos, antes, portanto, de terem lugar as alegações orais relativas à questão da culpabilidade, previstas no artigo 360.º do Código de Processo Penal.
14 – O juiz presidente, que preparou a audiência e estudou previamente o processo, deve efectuar as comunicações previstas no n.º 1 do artigo 358.º do Código de Processo Penal logo que considerar que um determinado facto ou um conjunto de factos deve ser submetido à apreciação do tribunal colectivo por ser plausível que o mesmo possa ser considerado provado. O mesmo acontece com as comunicações previstas no n.º 3 do mesmo preceito legal.
15 – Se o presidente não tiver efectuado oportunamente qualquer comunicação e se os restantes sujeitos processuais nada tiverem requerido a tal respeito, pode admitir-se que o próprio presidente ou os restantes membros do tribunal colectivo possam, posteriormente, por só então se terem apercebido da necessidade de efectuar a comunicação, corrigir o procedimento adoptado.
16 – Porém, isso exigirá que o tribunal previamente assuma a irregularidade da falta tempestiva de comunicação e declare a invalidade dos actos posteriores ao termo da produção da prova.
17 – Realizadas então as comunicações que no caso tiverem lugar e produzida a prova que vier a ser requerida, repetir-se-ão os actos anteriormente considerados inválidos.
18 – Estabelece o artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal que «[o] adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada».
19 – Esta disposição, tal como outras que visam assegurar o princípio da concentração, existe porque «a imediação e a descoberta da verdade são prejudicadas pela interrupção da produção da prova repetidas vezes ou por períodos longos, pois ela torna impossível a captação de uma imagem global dos meios de prova e a formulação de um juízo concatenado sobre toda a prova».
20 – A possibilidade de formação dessa «imagem global dos meios de prova e a formulação de um juízo concatenado sobre toda a prova» deve ser assegurada até ao momento em que o tribunal deliberar sobre a questão da culpabilidade, deliberação essa que, por princípio, se segue ao encerramento da discussão – artigo 365.º, n.º 1 – e deve decorrer sem qualquer interrupção ou adiamento a não ser os necessários à alimentação e repouso dos participantes.
21 – Os despachos através dos quais o presidente do tribunal comunica as alterações não substanciais dos factos constantes do despacho de pronúncia não necessitam de ser notificados pessoalmente aos arguidos desde que se tenha mantido intacta a comunicação e a relação de confiança entre os estes e os seus defensores.
22 – De acordo com o n.º 1 do artigo 358.º do Código de Processo Penal, «[s]e no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa».
23 – A organização da defesa dos arguidos passa pela possibilidade de requerer a produção de prova, que pode consistir em novos meios de prova e/ou na reinquirição de prova já anteriormente produzida na audiência.
24 – Esses requerimentos só podem ser indeferidos com fundamentos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 340.º do Código de Processo Penal, ou seja, quando a prova ou o respectivo meio for legalmente inadmissível ou quando for notório que as provas são irrelevantes ou supérfluas, o meio de prova inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa ou o requerimento tiver finalidade meramente dilatória.
24 – Se os arguidos não tiverem esclarecido as razões que justificavam a produção de cada uma das provas por eles requeridas, o dever de cooperação, consagrado no n.º 1 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, impõe que o tribunal, antes de decidir, solicite aos requerentes os necessários esclarecimentos, só depois podendo pronunciar-se sobre eles.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa


I – RELATÓRIO

1 – No dia 3 de Outubro de 2007, no decurso da audiência de julgamento, o Sr. Juiz Presidente, após deliberação do tribunal colectivo, ditou para a acta o despacho que, na parte para este efeito relevante, se transcreve (fls. 9.874 e ss.):
"Quanto à questão prévia suscitada na contestação apresentada a fls. 8603 e ss. pelos arguidos/demandados civis E., F., N., G. e H. e pela demandada civil O., S.A. (artigos 4.º a 79.º) e relativamente ao constante na promoção deduzida pelo Sr. Procurador da República, em acta e na anterior sessão de julgamento, tendo igualmente em conta as posições tomadas quanto a esta pelos arguidos e demandados civis, supra constantes, cumpre apreciar e decidir:
1 – Na acusação deduzida pelo Ministério Público a fls. 3291 a 3356 dos autos, na parte referente à indicação da prova, surge indicada como prova pericial o relatório final da comissão de inquérito do Ministério do Equipamento Social o qual se mostra junto aos autos a fls. 90 a 153 dos mesmos. Ainda na parte relativa à indicação de prova, a Digna Magistrada do Ministério Público solicita que sejam tomados esclarecimentos aos peritos que ali identifica, sendo que, por comparação entre os nomes ali indicados e os que compuseram a supra mencionada Comissão de Inquérito verifica-se a exacta correspondência entre uns e outros, com excepção da que naquela Comissão de Inquérito é identificada como P..
No despacho de pronúncia constante de fls. 4561 a 4565, na parte referente à indicação da prova apenas surge a expressão "a indicada na acusação", pelo que tal despacho de pronúncia faz sua – de forma plena –  a indicação da prova a produzir que da acusação já constava.
A primeira questão a apreciar é a de se saber se o relatório final da Comissão de Inquérito ao acidente ocorrido na obra de construção do viaduto da A15 sobre o rio da Fanadia, determinado por despacho de Sua Exa. o Ministro do Equipamento Social de 19/01/01 se trata de prova pericial tal como esta se mostra configurada nos artigos 151.º a 163.º do C.P.P., na redacção que a este diploma foi conferida pela Lei n.º 48/07 de 29/08 adiantando-se desde já que para a resolução da questão em apreço é indiferente a nova redacção que aos supra citados artigos foi conferida pelo diploma em causa.
Salvo melhor opinião, entendemos que o supra mencionado relatório final da Comissão de Inquérito não se trata de prova pericial e como tal não pode ser considerado.
Com efeito, dispõe o artigo 154.º, n.º 1 do CPP que "a perícia é ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho da autoridade judiciária (...)" e, conforme claramente resulta da epígrafe do mencionado relatório final que traduziu os trabalhos da Comissão de Inquérito, esta e aquele foram determinados por despacho do Ministro do Equipamento Social que, claramente, não é uma autoridade judiciária (vd. artigo 1.º, al. b) do CPP).
Tal, por si só, bastaria para chegar à conclusão supra exarada por este Tribunal Colectivo. Contudo, sempre se dirá que “a fortiori” também o referido meio de prova não obedeceu às formalidades consignadas nos citados artigos 151.º a 163.º do CPP.
Face a este entendimento, forçoso é concluir que os autores do aludido relatório final não assumem a qualidade de peritos e, como tal, nessa qualidade não podem ser ouvidos em sede de julgamento.
2 – Excluído que ficou tal relatório final como prova pericial, importa agora saber se este pode ou não ser valorado por este Tribunal Colectivo e, na afirmativa, a que título. Entendemos que tal relatório final e os documentos anexos que o acompanham podem (e devem) ser atendidos como prova documental a ser livremente valorada nos termos do artigo 127.º do C.P.P.
Na verdade, o ali constante incorpora o conceito de prova documental tal como este se mostra definido no artigo 164.º, n.º 1 do referido diploma.
É certo que os arguidos e os demandados civis questionaram a "admissão" de tal relatório e respectivos anexos como prova documental por, segundo aqueles, tal violar o disposto no artigo 316.º do C.P.P.
Ora, é manifesto que os documentos em causa não foram extemporaneamente juntos. Na verdade aqueles constam do inquérito, sendo que o artigo 165.º, n.º 1 do C.P.P. expressamente afirma que "o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível deve sê-lo até ao encerramento da audiência". Salvo melhor opinião, não pode confundir-se a diversa qualificação que supra foi dada ao relatório final (e documentos e anexos que o acompanham) com a "junção", só agora, do mesmo, já que, independentemente da qualificação o teor do referido relatório é único e do mesmo já os arguidos e demandados civis há muito tiveram conhecimento.
Relativamente à questão do relatório em causa conter declarações de alguns dos aqui arguidos importa dizer que as descrições dos factos (ou de alguns desses factos) por estes feitas perante os autores do referido relatório não obstaculiza a que este possa ser tido em conta como meio de prova livremente atendido (artigo 127.º do CPP), com observância das demais disposições legais que regem a leitura em audiência das declarações anteriormente prestadas (artigos 356.º e 357.º ambos do CPP).
3 – Não podendo os autores do referido relatório serem ouvidos na qualidade de peritos – pelas razões que supra se expuseram – sempre se dirá que nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 340.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.P. aqueles podem e devem ser ouvidos como testemunhas, caso o Tribunal Colectivo entenda que os mesmos depoimentos são relevantes e necessários para a descoberta da verdade e, consequentemente, para a boa decisão da causa, sendo que a tal não obsta o disposto no artigo 133.º, n.º 1, al. d) do CPP, na sua actual redacção, já que, repetindo, aqueles não assumem a qualidade de peritos.
A oportunidade da sua inquirição será oportunamente apreciada por este Tribunal quando se iniciar a fase de produção da prova.
Face ao atrás decidido, prejudicado se mostra igualmente a alegada extemporaneidade invocada pelos arguidos/demandados civis e/ou a violação do disposto no artigo 316.º do C.P.P.
4 – Como é consabido os arguidos encontram-se pronunciados nestes autos pela prática, por cada um, de um crime de infracção de regras de construção agravado pelo resultado, p. p. pelas disposições conjugadas dos artigos 277.º, n.º 1 al. a) e n.º 2 e 285.º, ambos do C. Penal, e relativamente aos arguidos N. e Y. pela prática, por cada um, de um crime de infracção de regras de construção agravado pelo resultado, p. p. pelas disposições conjugadas dos artigos 277.º, n.º 1, al. a), n.º 2 e n.º 3 e 285.º, ambos do C. Penal.
Evitando aqui transcrever os citados preceitos, o teor destes e a natureza do tipo de crime em causa implicam a realização de prova pericial tal como esta se mostra prefigurada nos citados artigos 151.º a 163.º do C.P.P. Com efeito, conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/05/04, processo n.º 912/04 da 3.ª secção, relatado pelo Conselheiro Sousa Fonte, retirado da Internet e do sítio www.pgdlisboa.pt "(...) o princípio da preclusão é absolutamente incompatível com a estrutura do nosso processo penal – um sistema acusatório integrado pelo princípio da investigação, o que significa, em suma, que o esclarecimento do material de facto não pertence exclusivamente às partes, mas em último termo ao juiz, sobre quem recai o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente – independentemente das contribuições das partes – o facto submetido a julgamento.
As normas dos artigos 289.º, n.º 1, 290.º, n.º 1 e 299.º, por um lado, e do artigo 340.º, designadamente os seus n.ºs 2 e 4, por outro, concretizam essa estrutura tanto para a fase da instrução como para a do julgamento e, assim, apesar da apontada finalidade do inquérito e dos actos que aí devem ser realizados e de a acusação ter de conter sob pena de nulidade além do mais, a indicação de provas a produzir ou a requerer, aquelas normas do artigo 340.º impõem ao Tribunal que ordene a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, mesmo daqueles que não foram arrolados pela acusação e/ou pela defesa.
Se o exame à letra se apresentava como essencial na fase preliminar, não se vê como pode ter perdido essa essencialidade por não ter sido então realizado, e essa circunstância, a de não ter sido como devia efectuada na fase de inquérito, não constitui motivo legal para o indeferimento", sendo que tal entendimento sufragado pelo nosso mais Alto Tribunal vale “mutatis mutandis” para o caso em apreço nestes autos.
Abreviando razões e quanto à necessidade da realização de prova pericial e ao poder/dever de investigação oficiosa a que se mostra adstrito o julgador remete-se para os argumentos igualmente aduzidos nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/12/06, processo n.º 3505/06, 3.ª secção, de 30/03/05, processo 136/05, ambos da 3.ª secção e igualmente relatados pelo Conselheiro Sousa Fonte e retirados do sítio atrás mencionado.
É entendimento jurisprudencial dominante que quando a percepção ou a apreciação dos factos exija especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, a prova pericial é determinante e essencial (vide por todos acórdão do STJ de 20/05/98, processo 249/98, da 3.ª secção) sendo manifesto que o tipo de crime em causa nestes autos é, de forma indiscutível, enquadrável no preceituado no artigo 151.º do CPP. Com efeito, a nota típica mais destacada da prova pericial consiste em o perito não trazer ao Tribunal apenas a perspectiva dos factos, mas em trazer também a apreciação ou valoração dos factos ou apenas esta, escrevem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manuel do Processo Civil, 2.ª edição, pág. 376, citados no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/10/05, processo 1717/06-1 relatado pelo desembargador Miguez Garcia in www.dgsi.pt. Mais se escreve em tal acórdão "a prova jurídica e a prova científica não se confundem – apenas se sobrepõem. O perito é alguém que põe à disposição do juiz um meio de prova, que leva consigo um parecer motivado.
Finalmente, em situação similar à dos presentes autos veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/11/05, processo n.º 9515, 3.ª secção, relatado por Conceição Gomes assim como o parecer do Ministério Público ali formulado, subscrito pela Sra. Procuradora Geral Adjunta Maria José Morgado, ambos disponíveis no sítio www.pgdlisboa.pt sendo que em tal caso também em sede de inquérito houve omissão da prova pericial e face às questões técnicas que constituíam o principal tema da prova – tratava-se da análise da prática de um crime de infracção às regras de construção p. p. no artigo 277.º, n.º 1 do C. Penal – se entendeu que a realização de tal diligência (prova pericial) é essencial para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.
Voltando ao caso em apreço, entendemos – como o faz o Ministério Público – que a verificação de qualquer nulidade pela omissão na fase de inquérito e de instrução da prova pericial apenas poderia constituir uma nulidade dependente de arguição na previsão do artigo 120.º, n.º 2 al. d) do CPP a qual há muito se encontra sanada, já que teria que ser arguida até ao encerramento do debate instrutório e tal, in casu, não ocorreu (artigo 120.º, n.º 3 al. c) do CPP).
Não impede o entendimento supra expendido o disposto na al. b) do n.º 4 do artigo 340.º do CPP – o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa (como o invocam os arguidos/demandados civis) – já que a prova pericial que ora se determina nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 340.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.P., não obstante o tempo já decorrido, não se nos afigura de obtenção impossível ou muito duvidosa.
Importa relembrar que a prova pericial não se esgota, nem se limita a um mero exame do local onde ocorreu o sinistro em causa, mas antes se cinge à análise de todos os elementos documentais (incluindo fotografias, diversos relatórios técnicos, informações variadas, etc.) que melhor habilitem a formular o juízo técnico/científico que lhe é solicitado. Ademais, existem no processo muitos desses elementos – alguns dos quais carreados aos autos pelos próprios arguidos e/ou demandados civis – que no nosso entender e sem ultrapassar as nossas competências permitem a realização da prova pericial em causa, sendo que nos termos do disposto no artigo 156.º, n.º 3 do C.P.P. "se os peritos carecerem de quaisquer diligências ou esclarecimentos, requerem que essas diligências se pratiquem ou esses esclarecimentos lhes sejam fornecidos, para tanto lhes podendo ser mostrados quaisquer actos ou documentos do processo".
A prova pericial que ora se determina deverá ser efectuada pelo LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 152.º do C.P.P., sendo que tal entidade pode socorrer-se da faculdade que se mostra consignada no n.º 2 de tal preceito legal.
Tal perícia terá objecto a definir por este Tribunal Colectivo, dentro das questões suscitadas no despacho de pronúncia referentes ao apuramento das circunstâncias em que ocorreu a queda do viaduto da A15 sobre o rio da Fanadia e suas causas colhendo-se, em prazo a conceder, o que a assistente, demandantes civis, arguidos e demandados civis venham a indicar dentro de tal objecto para serem esclarecidos na prova pericial em causa.
5 – Por último quanto à posição assumida pela demandada civil Q., S.A., verifica-se que o ali alegado se encontra claramente prejudicado pelo que atrás se decidiu, já que a referência feita no pedido de indemnização civil formulado pelo demandante civil R. à "prova pericial" não pode ser legalmente considerada, sem prejuízo do que vier a resultar do atrás determinado pelo Tribunal Colectivo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 340.º, n.ºs 1 e 2, 328.º, n.º 3 e artigo 124.º, todos do C.P.P.."

2 – Os arguidos A., B., C. e D., por um lado, e E., F., G. e H., por outro, interpuseram recurso deste despacho, restringindo-o os primeiros ao ponto n.º 2 e os últimos aos pontos n.ºs 2, 3 e 4.

2.1. A motivação apresentada pelos arguidos A., B., C. e D. (fls. 10.270) termina com a formulação das seguintes conclusões:
1. O despacho recorrido e no âmbito em que se recorre não pode ter com fundamento o artigo 356.º do CPP porquanto tal normativo não se aplica ao caso vertente.
2. Também o artigo 357.º do CPP não tem aplicação neste caso porquanto não se vislumbram nenhuma das situações susceptíveis de levar à sua aplicação e contidas nas suas alíneas a) e b).
3. Se o Relatório em causa for usado como meio de prova tal facto violará as garantias de defesa dos arguidos, será violado o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, além do artigo 127.º e alínea c) e artigo 61.º, ambos do CPP.
4. Não devem pois permanecer nos autos como meio de prova, tanto o referido Relatório da Comissão de Inquérito como todos os documentos que lhe servem de suporte, nomeadamente o Relatório emanado do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), devendo ordenar-se o desentranhamento dos mesmos.
Termos em que, deve o presente recurso ser recebido, porque legalmente admissível, tempestivo e apresentado por sujeito processual dotado de legitimidade.
Deve ainda o presente recurso ser provido, ordenando-se o desentranhamento do Relatório da Comissão de Inquérito e de toda a documentação anexa ao mesmo ou que lhe sirva de suporte, nomeadamente do Relatório emanado do Laboratório Nacional de Engenharia (LNEC) para que seja, assim, feita justiça.

2.2. A motivação apresentada pelos arguidos E., F., G. e H. (fls. 10.290) termina com a formulação das seguintes conclusões:
I – O despacho de fls., que no ponto 2, admitiu o Relatório da Comissão de Inquérito do Ministério do Equipamento Social como prova documental, no ponto 3, admitiu a possibilidade dos "peritos" serem ouvidos como testemunhas e no ponto 4, determinou a realização da perícia com recurso aos elementos constantes do processo, nomeadamente o referido Relatório da Comissão de Inquérito, deve ser revogado e substituído por outro que contemple as conclusões ora deduzidas;
II – O Relatório da Comissão de Inquérito do Ministério do Equipamento Social não pode ser admitido como prova documental, por se tratar de prova proibida por lei – artigo 125.º do C.P.P. e parte final da al. a) do n.º 2 do art. 126.º do C.P.P.
III – O Relatório da Comissão de Inquérito do Ministério do Equipamento Social e as declarações dos arguidos foram obtidos mediante consentimento daqueles, mas com utilização de meios enganosos e dissimulados, dado que nenhum deles foi informado dos direitos que lhes assistiam nem foram constituídos arguidos conforme preceitua o artigo 58.º do C.P.P.
IV – Nem sequer durante o decurso da inquirição, e perante a suspeita de eventual crime, por parte da Comissão de Inquérito, a mesma foi suspensa para, no respeito pelo disposto no artigo 59.º do C.P.P., os mesmos serem constituídos arguidos, sendo-lhes comunicados os respectivos direitos e deveres, nomeadamente o direito de se recusarem a prestar declarações.
V – O Arguido tem o direito de ser informado dos direitos que lhe assistem e o direito de não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe foram imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar.
VI – Note-se aliás que os Arguidos Recorrentes, durante todo o Inquérito, sempre exerceram o seu direito de não prestar declarações.
VII – Tais Arguidos não foram informados do direito que lhes assistia de não prestar declarações, tendo as declarações sido obtidas, com recurso a meio enganosos e dissimulados, dado que nunca lhes foi referido que as mesmas podiam ser usadas contra os mesmos, razão pela qual são proibidas e inadmissíveis em processo penal, em respeito pelos artigos 125.º e 126.º n.º 2 al. a) do C.P.P., devendo o aludido relatório ser desentranhado dos autos.
VIII – Subsidiariamente, e sem prescindir do supra referido, o Relatório da Comissão de Inquérito do Ministério do Equipamento Social não pode ser admitido como prova documental sob pena de violação dos artigos 355.º a 357.º do C.P.P. e da violação dos direitos e garantias de defesa dos arguidos previstos no artigo 32.º da C.R.P.
IX – É erróneo e ilegal o entendimento do despacho no sentido de ser possível fazer a leitura e exame do Relatório da Comissão de Inquérito, desde que não se faça a leitura das declarações dos arguidos apensas ao mesmo, na medida em que o relatório e suas conclusões são indissociáveis das declarações dos arguidos.
X – Se, em respeito pelo disposto nos artigos 355.º a 357.º do CPP, não é possível a leitura em audiência das declarações prestadas anteriormente pelos arguidos, também não pode ser possível o exame e leitura do Relatório que foi construído e baseado essencialmente nessas mesmas declarações, sob pena de desvirtuamento das garantias de defesa dos arguidos – n.º 1 do artigo 32.º da C.R.P.
XI – As declarações dos arguidos prestadas perante a Comissão de Inquérito supra referenciada de forma alguma podem ser valoradas, directa ou indirectamente, na formação da convicção do tribunal em respeito pelas garantias de defesa do arguido processualmente e constitucionalmente consagradas nos artigo 58.º, 61.º, 355.º, 356.º e 357.º do C.P.P. e artigo 32.º do C.R.P.
XII – Assim, a leitura e exame em audiência do julgamento do Relatório que se baseia e reproduz as declarações dos arguidos encontra-se vedada pelos artigos 356.º e 357.º do C.P.P.
XIII – Assim conjugado o n.º 4 do artigo 58.º e o artigo 125.º do C.P.P. resulta evidente que as declarações dos arguidos prestadas na Comissão de Inquérito (quer estejam ou não transcritas para o Relatório propriamente dito) não podem ser utilizadas como prova, conforme supra alegado e requerido.
XIV – A admissão do exame, reprodução ou leitura de quaisquer declarações prestadas perante a Comissão de Inquérito, implica uma interpretação dos artigos 355.º, 356.º e 357.º do C.P.P. contrária aos comandos constitucionais previstos no artigo 32.º da CRP, ou seja, configura a procura da verdade material com desrespeito pela pessoa do arguido, "maxime" das suas garantias de defesa, designadamente a inobservância das exigências do contraditório, da oralidade e da imediação.
XV – Sendo inconstitucional a interpretação das disposições conjugadas dos artigos 58.º, 59.º, 61.º, 355.º, 356.º e 357.º do C.P.P. que permitam o exame, reprodução ou leitura em audiência de declarações dos arguidos prestadas em sede da Comissão de Inquérito constantes de fls. 139, por violação das garantias e direitos de defesa do arguido em processo penal, nomeadamente o princípio do contraditório, da oralidade e da imediação no processo penal consagradas e previstas no artigo 32.º da CRP, inconstitucionalidade que, à cautela, desde já se alega nos termos e para os efeitos do disposto na al. b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
XVI – Pelo que o Relatório Final da Comissão de Inquérito não poderá ser examinado ou reproduzido em audiência de julgamento, não podendo ser valorado para a formação da convicção do tribunal sob pena de violação dos direitos e princípios da oralidade, imediação e contraditório no processo penal, não fazendo qualquer sentido que tal documento se mantenha no processo.
XVII – Impondo-se o seu desentranhamento dos autos e a substituição do aludido despacho por outro que não admita o Relatório da Comissão de Inquérito do Ministério do Equipamento Social como prova documental.
XVIII – Tal como as declarações dos Arguidos prestadas em sede da Comissão de Inquérito não podem ser examinadas, reproduzidas ou lidas em audiência de julgamento, igualmente quaisquer pessoas – Autores do Relatório – que tiverem participado na recolha das referidas declarações estão impedidos de serem inquiridas enquanto testemunhas sobre o conteúdo das referidas declarações, em cumprimento do disposto nos artigo 355.º e 356.º, maxime n.º 7 do C.P.P.
XIX – É inconstitucional por violação das garantias e direitos de defesa do arguido em processo penal, consagradas e previstas no artigo 32.º da CRP, a interpretação efectuada das disposições dos artigos 355.º e 356.º do C.P.P. que permita a inquirição de testemunhas que tiverem participado na recolha de declarações cuja leitura não é permitida em audiência, como sucede com as declarações prestadas perante a Comissão de Inquérito, inconstitucionalidade que, à cautela, desde já, se alega nos termos e para os efeitos do disposto na al. b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
XX – Pelo que não deverá ser admitida a inquirição de testemunhas que tiverem participado na recolha de declarações cuja leitura não é permitida em audiência, como sucede com as declarações prestadas perante a Comissão de Inquérito, por força do disposto no n.º 7 do artigo 356.º do C.P.P., devendo ser revogado o despacho e substituído por outro que não admita a inquirição dos autores do relatório como testemunhas.
XXI – No caso concreto, pese embora a necessidade de conhecimentos específicos, técnicos e científicos, verifica-se que, em face do tempo já decorrido desde a data do acidente, a perícia revela-se notoriamente de obtenção impossível ou muito duvidosa, o que desde já se alega nos termos do artigo 340.º n.º 4 al. b) do C.P.P.
XXII – De facto, decorrido este período de tempo, não será suficiente para a realização da perícia, como pugna o M. Tribunal “a quo”, a análise dos documentos, fotografias, exames ou análises já existentes no processo, mormente se atendermos ao disposto no n.º 3 do artigo 156.º à luz dos limites estabelecidos nos artigos 355.º, 356.º e 357.º do C.P.P. Ou seja,
XXIII – Não podem ser mostrados aos peritos quaisquer actos ou documentos actualmente existentes no processo cuja leitura, visualização ou audição em audiência não seja permitida, sob pena de se desvirtuarem as garantias e direitos dos arguidos consagrados no Processo Penal e C.R.P.
XXIV – Se se vai permitir aos peritos a utilização das declarações – cuja leitura e exame está vedada em audiência – para elaboração da prova pericial, verifica-se existir uma contradição insanável na produção de prova permitida em processo penal, com evidente prejuízo para a descoberta da verdade material, “due process of law” e garantias de defesa do arguido previstas no n.º 1 do artigo 32.º da C.R.P.
XXV – Nestes termos e fundamentos será inconstitucional por violação das garantias e direitos de defesa do arguido em processo penal, consagradas e previstas no artigo 32.º da C.R.P., a interpretação efectuada das disposições do n.º 3 do artigo 156.º e 355.º a 357.º todos do C.P.P. que permita a utilização pelos peritos de declarações cuja leitura não é permitida em audiência, como sucede com as declarações prestadas perante a Comissão de Inquérito, inconstitucionalidade que, à cautela, desde já, se alega nos termos e para os efeitos do disposto na al. b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
XXVI – Acresce ainda que se encontram juntos aos autos diversas recolhas de amostras e ensaios ou testes que não poderão ser utilizados para fundamentar a perícia agora ordenada, de modo a assegurar a atendibilidade do resultado e a impedir que a perícia seja o fruto de sugestões, da intimidação ou de convencimentos pré-formados, em respeito pelo artigo 151.º do C.P.P.
XXVII – A utilização na perícia aqui ordenada dos resultados de testes e ensaios realizados por terceiros e inseridos (ou não) noutros relatórios e pareceres inquina o seu resultado e encontra-se vedada por lei.
XXVIII – A valoração pericial deverá incidir sobre factos e não sobre valorações dos mesmos constantes de relatórios técnicos elaborados por outros técnicos, sob pena da perícia passar a ser o fruto da sugestão e de convencimentos pré-formados.
XXIX – Termos em que deverá ser revogado o despacho que ordena a perícia e substituído por outro que decida em sentido contrário.
XXX – Subsidiariamente, e caso assim não se entenda, o que se admite por mero efeito de raciocínio, a realizar-se a perícia ordenada pelo M. Tribunal “a quo”, deve o acesso dos peritos aos elementos do processo ser limitado nos termos acima expostos, não lhe sendo facultados documentos cuja leitura, visualização ou audição em audiência não seja permitida, nomeadamente o Relatório da Comissão de Inquérito, nem permitido utilizar na perícia testes e ensaios cujos resultados constam dos Autos.
XXXI – Deste modo, ao decidir como decidiu, violou o M.º Tribunal “a quo” as disposições dos artigo 32.º da C.R.P., artigos 58.º, 59.º, 61.º, 125.º, 126.º, 127.º, 151.º, 156.º, 340.º, 355.º, 356.º e 357.º do Código de Processo Penal, impondo-se decisão diversa da recorrida, que interpretando e aplicando as normas legais conforme supra explanando, defira as conclusões ora apresentadas.
Assim decidindo, farão V. Exas. Venerandos Desembargadores, a habitual justiça.

3 – O Ministério Público respondeu à motivação apresentada defendendo a improcedência do recurso (fls. 10.330 a 10.344).

4 – Este recurso foi admitido pelos despachos de fls. 10.354.

5 – No dia 7 de Maio de 2009, no decurso da audiência de julgamento, o Sr. Juiz Presidente, após deliberação do tribunal colectivo, ditou para a acta o despacho que, na parte para este efeito relevante, se transcreve (fls. 12.087 e ss.):
2 – Conforme decorreu da prova produzida até ao presente, nomeadamente das várias sessões de julgamento que já tiveram lugar, nas mesmas e por várias testemunhas foi referido, amiúde, o teor do relatório final da Comissão de Inquérito ao acidente ocorrido na obra de construção do viaduto da A15 sobre o rio Fanadia junto a fls. 139 a 170 dos autos assim como os anexos que integram aquele, nomeadamente o relatório efectuado pela Inspecção Geral do Trabalho (fls. 171 a 179) e o parecer elaborado pelo LNEC junto a fls. 131 a 153 dos autos.
Conforme já foi decidido na acta de audiência de discussão e julgamento ocorrida em 3/10/07 tais relatórios não constituem prova pericial, tal como esta se mostra processualmente configurada nos artigos 151.º a 163.º do C.P.P. e, assim sendo, os autores dos mesmos não assumem a qualidade de peritos e, como tal, nessa qualidade não podem ser ouvidos em sede de julgamento (cf. Ponto 1 do despacho de fls. 9874 e 9876 em acta proferido e na referida sessão de julgamento).
Por outro lado, já no ponto 3 do supracitado despacho (fls. 9877 dos autos) se aventou a possibilidade dos autores dos referidos relatórios serem ouvidos como testemunhas face ao conhecimento que poderão demonstrar sobre o objecto dos presentes autos, pelo que os seus depoimentos afiguram-se-nos relevantes e necessários para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa e, assim sendo, determina-se, agora e ao abrigo do disposto nos artigos 340.º, 128.º, 130.º, n.º 2, als. a) e b), 131.º e 133.º, n.º 1 "a contrario" a inquirição de S., T., U., V. e X., todos nos autos melhor identificados.
Por conseguinte, determina-se para a inquirição de S. o próximo dia 12 de Maio, pelas 9,30 horas; para a inquirição de X. o dia 12 de Maio, às 14,00 horas e para a inquirição de W. (testemunha de acusação que ainda não foi possível inquirir) o dia 12 de Maio pelas 14,00 horas, sendo o dia 13 de Maio reservado para a continuação da inquirição de alguma destas testemunhas, caso a mesma não se conclua no dia 12 de Maio.
Para o dia 20 de Maio, às 9,30 horas, determina-se a inquirição de U. e para o dia 21 de Maio, às 9,30 horas, a inquirição de V. e T.
As notificações supra ordenadas deverão ser efectuadas pelo meio mais expedito possível.

6 – Os arguidos E., F., G. e H. interpuseram recurso do ponto 2 desse despacho (fls. 12.357).
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:

I – O despacho de fls., que no ponto 2, determinou a inquirição dos Autores do Relatório Final da Comissão de Inquérito (S., T., U., V. e X.) como testemunhas deve ser revogado e substituído por outro que contemple as conclusões ora aduzidas.
II – Os aqui Recorrentes suscitaram na sua Contestação que a inclusão do Relatório Final da Comissão de Inquérito entre os meios de prova e a sua livre valoração é manifestamente ilegal e até inconstitucional, violando os direitos e garantias de defesa dos Arguidos previstos no artigo 32.º da C.R.P.. Entendeu o Douto Tribunal “a quo” que assim não é, tendo o Tribunal determinado por despacho de 03/10/2007 que o Relatório pode ser livremente atendido como meio de prova (artigo 127.º do CPP), com observância das demais disposições legais que regem a leitura em audiência das declarações anteriormente prestadas (artigos 356.º e 357.º ambos do CPP). De tal despacho apresentaram os aqui Recorrentes Recurso que subirá nos próprios autos conjuntamente com os Recursos que venham a ser interpostos com a decisão final.
III – Os mesmos motivos que impõe que o Relatório não possa ser valorado como meio de prova, impedem a audição dos Autores do mesmo como testemunhas.
IV – O Relatório da Comissão de Inquérito do Ministério do Equipamento Social e as declarações dos arguidos foram obtidos mediante consentimento daqueles, mas com utilização de meios enganosos e dissimulados, dado que nenhum deles foi informado dos direitos que lhes assistiam nem foram constituídos arguidos conforme preceitua o artigo 58.º do C.P.P.
V – Nem sequer durante o decurso da inquirição, e perante a suspeita de eventual crime, por parte da Comissão de Inquérito, a mesma foi suspensa para, no respeito pelo disposto no artigo 59.º do C.P.P., os mesmos serem constituídos arguidos, sendo-lhes comunicados os respectivos direitos e deveres, nomeadamente o direito de se recusarem a prestar declarações.
VI – O Arguido tem o direito de ser informado dos direitos que lhe assistem e o direito de não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe foram imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar.
VII – Note-se aliás que os Arguidos Recorrentes, durante todo o Inquérito, sempre exerceram o seu direito de não prestar declarações.
VIII – Tais Arguidos não foram informados do direito que lhes assistia de não prestar declarações, tendo as declarações sido obtidas, com recurso a meio enganosos e dissimulados, dado que nunca lhes foi referido que as mesmas podiam ser usadas contra os mesmos, razão pela qual são proibidas e inadmissíveis em processo penal, em respeito pelos artigo 125.º e 126.º n.º 1 e 2 al. a) do C.P.P..
IX – O conhecimento que as Testemunhas aqui em causa detêm sobre o ocorrido decorre, na sua maior parte da audição dos Arguidos, que foram ouvidos formalmente e com carácter vinculativo no âmbito da Comissão de Inquérito. Sendo certo que as Testemunhas também analisaram documentos e foram ao local do acidente posteriormente ao mesmo, o conhecimento que detêm e as opiniões que formaram são indissociáveis da audição dos Arguidos.
X – As conclusões do Relatório, a interpretação das causas do acidente e as convicções dos membros da Comissão de Inquérito que se pretendem inquirir como Testemunhas sustentam-se nos "factos apurados relacionados com as circunstâncias do acidente", sendo que a quase totalidade desses factos (dezoito dos vinte e um) foi apurada com base no depoimento dos Arguidos.
XI – Tal como as declarações dos Arguidos prestadas em sede da Comissão de Inquérito não podem ser examinadas, reproduzidas ou lidas em audiência de julgamento, igualmente quaisquer pessoas – Autores do Relatório – que tiverem participado na recolha das referidas declarações estão impedidos de serem inquiridos enquanto testemunhas sobre o conteúdo das referidas declarações, em cumprimento do disposto nos artigo 355.º e 356.º, maxime n.º 7 do C.P.P.
XII – É Inconstitucional por violação das garantias e direitos de defesa do arguido em processo penal, consagradas e previstas no artigo 32.º da CRP, a interpretação efectuada das disposições dos artigos 355.º e 356.º do C.P.P. que permita a inquirição de Testemunhas que tiverem participado na recolha de declarações cuja leitura não é permitida em audiência, como sucede com as declarações prestadas perante a Comissão de Inquérito, inconstitucionalidade que, à cautela, desde já, se alega nos termos e para os efeitos do disposto na al. b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
XIII – Pelo que não deverá ser admitida a inquirição de testemunhas que tiverem participado na recolha de declarações cuja leitura não é permitida em audiência, como sucede com as declarações prestadas perante a Comissão de Inquérito, por força do disposto no n.º 7 do artigo 356.º do C.P.P., devendo ser revogado o despacho e substituído por outro que não admita a inquirição dos autores do relatório como Testemunhas.
XIV – Deste modo, ao decidir como decidiu, violou o M.º Tribunal “a quo” as disposições dos artigo 32.º da C.R.P., artigos 58.º, 59.º, 61.º, 125.º, 126.º, 127.º, 340.º, 355.º, 356.º e 357.º do C.P.P., impondo-se decisão diversa da recorrida, que interpretando e aplicando as normas legais conforme supra explanando, defira as conclusões ora apresentadas.
Assim decidindo, farão V. Exas. Venerandos Desembargadores, a habitual justiça.

7 – O Ministério Público respondeu à motivação apresentada defendendo a improcedência do recurso (fls. 12.498).

8 – Estes recursos foram admitidos pelos despachos de fls. 12.754 e 16.927.

9 – No dia 4 de Março de 2011, no decurso da audiência de julgamento, o Sr. Juiz Presidente, após deliberação do tribunal colectivo, ditou para a acta o despacho que, na parte para este efeito relevante, se transcreve (fls. 15.955 e ss.):
3.º – A fls. 15.728 a 15.7[3]4 (original a fls. 15.771 a 15.777) o Ilustre Defensor dos arguidos A. e outros veio requerer que este Tribunal reconheça e declare "ineficácia de toda a prova produzida por falta de continuidade de audiência", nos termos do artigo 328.º, n.º 6 do C.P.Penal e, consequentemente, que se ordene nova produção de prova, sob pena de nulidade, assim como a repetição dos actos inválidos, tudo, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 120.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 122.º, ambos do C.P.Penal".
Mais vêm requerer que se "reconheça e se declare a nulidade da audiência de julgamento do dia 12 de Novembro de 2010, por falta da presença do colectivo de Juízes, em violação do disposto nos artigos 365.º e 372.º, ambos do C.P.Penal e nos termos do n.º 1 do artigo 201.º do C.P.Civil.
Sobre tal requerimento, pronunciou-se o Digno Procurador da República (fls. 15.792 a 15.797), nos termos ali constantes e propugnando pelo indeferimento global do por aqueles arguidos requerido, por não lhes assistir qualquer razão.
A demandada civil Q., S.A. veio pronunciar-se sobre tal requerimento, fazendo-o a fls. 15.804 a 15.810 dos autos e nos termos ali exarados, sendo que, conclui aquela que tal requerimento apresentado pelo ilustre Defensor dos arguidos A. e outros tem pleno fundamento "razão, pelo que, tendo passado mais de 30 dias da última sessão de audiência de julgamento realizada pelo Tribunal Colectivo, a produção de prova efectuada ao longo de todo o julgamento perdeu a sua eficácia, devendo ser repetida na íntegra, sob pena não poder ser utilizada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 328.º, n.º 6 do C.P.Penal".
Cumpre apreciar e decidir.
Como doutamente refere o Digno Procurador da República na resposta que ofereceu ao sobredito requerimento e a que fizemos referência importa, em primeiro lugar, saber em que fase ou "fases" do julgamento ocorre a violação do prazo de 30 dias, o mesmo é dizer, a que é que se refere o n.º 6 do artigo 328.º do C.P.Penal, quando expressamente estabelece que "o adiamento não pode exceder 30 dias, se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada". Sobre tal questão, há muito que a doutrina e jurisprudência se dividiram quanto à resposta a dar à mesma.
Para uns, o limite temporal de 30 dias previsto no artigo 328.º, n.º 6 do C.P.P vale para toda a audiência de julgamento, desde a sua abertura até à leitura da sentença, já que a ratio do princípio da continuidade inclui o momento da formulação material do juízo sobre a prova.
Assim, para estes a audiência inclui, materialmente, a leitura de sentença (neste sentido, entre outros o professor Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário C.P.Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição 2008, página 726 (nota 7 ao artigo 328.º), na doutrina Gil Moreira dos Santos e, na jurisprudência os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 2-12-1993 e 5-02-2003, in, respectivamente, CJ XVIII, 5, 262 e tomo XXVIII, 1, 216, citados na resposta da demandada civil Q., S.A.).
Para outros, nos quais nos incluímos, é entendimento a ser seguido que importa distinguir aquilo que o legislador quis distinguir, isto é, a fase da produção de prova, da fase da sentença.
Antes do mais e voltando ao caso em apreço verifica-se que no presente julgamento as alegações orais previstas no artigo 360.º do C.P.P ocorreram nos dias 12 e 13 de Outubro de 2010, tendo sido, nesta última data, dado cumprimento à previsão do constante no artigo 361.º, n.º 1 do referido diploma legal.
Até tais datas, sempre foi cumprido o prazo dos 30 dias entre as inúmeras sessões de julgamento que tiveram lugar, ou seja, aquando da produção de prova e no momento em que ela deveria ter lugar não foi posto em causa o prazo a que alude o n.º 6 do artigo 328.º do C.P.P e, para nós, tanto bastaria para que se concluísse pela total improcedência do requerimento que ora se aprecia.
Contudo, este Tribunal Colectivo fez mais.
Apesar de não estar legalmente vinculado ao prazo de 30 dias referido no citado n.º 6 do artigo 328.º do C.P.P, após a previsão do artigo 361.º do mesmo diploma legal e relativamente às várias comunicações de alterações não substanciais dos factos que, face à complexidade e extensão dos presentes autos e dos factos em apreço inevitavelmente teriam lugar, também a comunicação das mesmas respeitou o supra mencionado prazo de 30 dias.
Quod abundat non nocet.
É também invocado no aludido requerimento o teor do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 11/2008, in DR-I-A de 11-12-2008.
Quanto a tal entendemos que não tem, o mesmo, qualquer aplicação legal ao caso em apreço.
Com efeito, o disposto no artigo 328.º, n.º 6 do C.P.Penal, bem como a jurisprudência fixada no referido acórdão do S.T.J. n.º 11/2008 aplica-se à fase da audiência e produção de prova em julgamento e não à fase subsequente da sentença, a qual se inicia com a deliberação e após o encerramento da discussão da causa.
Este – encerramento da discussão da causa – é o momento essencial para distinguir a fase da audiência e a fase da sentença (tanto mais que encerrada a discussão se segue a deliberação, momento este já inserido na fase da sentença, em que, portanto, não está aberta à discussão dos sujeitos processuais, nem ao contraditório), sendo precisamente porque foi concluída a discussão, que em caso de necessidade de produção de novos meios de prova, se impõe a reabertura da audiência, a qual pressupõe o seu anterior encerramento.
Com efeito, não só foi respeitado na fase da produção de prova e enquanto esta decorria o prazo de 30 dias (o prazo mencionado no artigo 328.º, n.º 6 do C.P.Penal), mas também na fase da comunicação/comunicações das alterações não substanciais dos factos que se segue à respectiva e necessária deliberação deste Tribunal Colectivo, tal prazo (30 dias) foi assegurado.
Nestes termos, nulidade alguma foi produzida por este Tribunal Colectivo, no que diz respeito à matéria em apreço no sobredito requerimento como – respondendo, desde já, ao requerimento formulado pelo Ilustre Defensor dos arguidos Y. e outros no decurso da sessão de julgamento do dia 4 de Fevereiro de 2011 (fls. 15.755 a 15.756) – não foi cometida qualquer irregularidade na prolação de tais comunicações, quer quanto ao teor daquelas constante, quer quanto à sua temporalidade.
Na verdade e com todo o respeito que tal posição nos merece não concordamos quando ali se diz que tais comunicação das alterações não substanciais dos factos descritos no despacho de pronúncia e/ou comunicação de alteração da qualificação jurídica esses mesmos factos teriam que ter lugar finda que fosse a produção de prova, (e, in casu, foi-o), mas entendida esta temporalidade – para realização das sobreditas comunicações – por aquele Ilustre causídico, como estando cingida até ao momento previsto no artigo 361.º do C.P.Penal.
Explicitando melhor, é evidente que o Tribunal Colectivo só pode comunicar eventuais alterações não substanciais dos factos e/ou da qualificação jurídica dos mesmos, finda que se mostre a prova produzida.
Mas, como também é evidente, sobre tal só pode pronunciar-se após a deliberação que se segue ao encerramento da discussão da causa, tal como o prevê o artigo 361.º, n.º 2, in fine, do C.P.Penal.
É na sequência de tal deliberação do Tribunal Colectivo que este, através do seu Presidente, comunica, oficiosamente ou a requerimento, as alterações não substanciais dos factos e/ou da qualificação jurídica dos mesmos que possam vir a ter lugar no acórdão que a final vier a ser produzido, ao arguido (ou ao seu Ilustre Defensor que o representa para todos os efeitos legais) – artigo 358.º, n.º 1 C.P.P.
Aqui chegados, também já este Tribunal Colectivo pode pronunciar-se sobre a circunstância (verdadeira) de na sessão de julgamento do pretérito dia 7 de Janeiro de 2011 e na sessão de julgamento de 4 de Fevereiro se ter deslocado à sala de audiência deste Tribunal desacompanhado dos Mm.ºs Juízes-Adjuntos e tendo, sozinho, procedido às comunicações que ali tiveram lugar e que foram efectuadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.P.
Fê-lo, porque legalmente podia fazê-lo.
Fê-lo, porque tais comunicações resultaram de deliberação deste Tribunal Colectivo, atempadamente realizadas.
Não se entende e não se admite que seja insinuado que tal comunicação ou comunicações ocorressem à revelia dos Mm.ºs Juízes-Adjuntos, isto é, sem que previamente a tais comunicações tivesse existido deliberação deste Tribunal Colectivo.
Quanto a tal questão, a demandada civil Q., S.A. também se pronunciou e na peça processual que aquela aduziu a tal propósito e que supra referimos, sendo que aquela, para além de vir elucidar o Tribunal sobre a competência do Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, sobre o que são os seus poderes de disciplina e direcção (o que se agradece) vem referir, inclusive, que o Tribunal Colectivo não esteve presente em qualquer das supra mencionadas sessões e também diz que numa situação de falta de um dos Juízes-Adjuntos deveria ser providenciado pelo Juiz Presidente a substituição do Juiz faltoso nos termos do disposto no artigo 68.º, n.º 1 da LOFTJ.
Bom, se assim fosse, pergunta-se quantos Tribunais Colectivos passavam a existir e, já agora, retomada que fosse a situação de actividade profissional por parte da Mma. Juiz que se encontrava em baixa médica, o que aconteceria ao Juiz que foi substituir aquela nas sessões em causa? Ou passaríamos a ter um Tribunal Colectivo com 4 Juízes?
Para encurtar razões, importa aqui relembrar que a própria leitura do acórdão pode ser efectuada unicamente pelo Juiz Presidente ou mesmo por qualquer um dos outros Juízes, não precisando de estarem os 3 Juízes presentes aquando da prática de tal acto (artigo 372.º, n.º 3, 1.ª parte C.P.Penal) e tal não significa que o acórdão não tenha de estar assinado por todos os Juízes que o compuseram e que a decisão no mesmo vertida não tenha sido sequência da deliberação por todos tomada.
Importa não confundir aquilo que é claro, inequívoco e legal.
Nestes termos não foi produzida qualquer nulidade e/ou irregularidade quando nas sessões de julgamento foram comunicadas alterações não substanciais dos factos e alteração da qualificação jurídica (nos dias 7 de Janeiro de 2011 e 4 de Fevereiro de 2011) tendo sido só o Juiz Presidente a estar presente na sala de audiência e a comunicar tais alterações, na sequência de uma deliberação anteriormente tomada pelo Tribunal Colectivo.
Cremos que com o que atrás se deixa dito foram apreciadas e decididas todas as questões suscitadas nos requerimentos supra mencionados e as invocadas na resposta aduzida pela demandada civil Q., S.A.
Uma última palavra para clarificar aquilo a que foi denominado de "opção técnica do Tribunal" no que diz respeito à forma e fórmula como foram efectuadas as comunicações das alterações não substanciais dos factos e/ou da qualificação desses mesmos factos que constam do despacho de pronúncia.
A extensão e complexidade destes autos é por demais manifesta.
Também o foi na fase da produção de prova.
Como é evidente a deliberação do Tribunal Colectivo terá que ser demorada, extensa e dentro da temporalidade que melhor se adequar às funções actualmente adstritas a todos os Juízes que compõe este Tribunal Colectivo, sem prejuízo, claro está, dos direitos que aos arguidos e a todos os intervenientes processuais estão constitucional e legalmente consagrados.
Era impensável e totalmente desconforme com as regras da experiência e com o normal suceder das coisas, nomeadamente, no que tange à realização de julgamento de manifesta complexidade que logo após o encerramento da discussão da causa, este Tribunal Colectivo (ou qualquer outro) pudesse comunicar todos os novos factos que importassem serem comunicados e que decorressem da deliberação que segue àquela. Como é igualmente impensável e impraticável que, conforme indicativamente o dispõe o artigo 373.º, n.º 1 do C.P.Penal que o acórdão pudesse ser elaborado no prazo 10 dias a que alude o citado preceito legal.
Com todo o respeito por opinião diversa, nomeadamente, com aqueles que defendem que o princípio da continuidade da audiência previsto no n.º 6 do artigo 328.º do C.P.Penal vale para toda a audiência de julgamento desde a sua abertura até à leitura da sentença, entendemos que tal posição é de um dogmatismo extremo e não conforme, nem com a letra nem com o espírito da lei.
Veja-se, entre outros, o que foi processualmente assumido pelo Tribunal Colectivo que procedeu ao julgamento do processo n.º 1718/02.9JDLSB (vulgo processo "Casa Pia") e o que, na jurisprudência, foi seguido (e por este Tribunal Colectivo é acolhido), nos, entre outros, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 5-12-2002 e de 25-09-2007 e no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-01-2006, todos eles constantes do sítio www.dgsi.pt e citados na resposta do Digno Procurador da República a fls. 15.792 a 15.796, para onde se remete, igualmente, a demais jurisprudência ali citada.

10 – Os arguidos A., E. e L. interpuseram recurso desse despacho.

10.1. A motivação apresentada pelo arguido A. (fls. 16.140 e ss.) termina com a formulação das seguintes conclusões:

1.º O Tribunal entendeu no seu despacho de 4 de Março de 2011 que o julgamento se encontra em fase de sentença. Porém, não consta da acta da audiência de 13 de Outubro de 2010 que, após as alegações finais e últimas declarações dos Arguidos, tenha sido declarado pelo Presidente do Colectivo de Juízes o encerramento da discussão, terminando com a declaração de interrupção da audiência e não com o seu encerramento, pelo que o Tribunal violou por erro de interpretação e aplicação o n.º 2 do Artigo 361.º do C.P.P.;

2.º Na audiência de 13 de Outubro de 2010 foi agendada nova audiência a ter lugar a 12 de Novembro de 2010 para "eventuais alterações não substanciais aos factos constantes do despacho de pronúncia e/ou alterações substanciais aos factos constantes desse mesmo despacho e/ou alterações da qualificação jurídica desses mesmos factos", não tendo sido agendada qualquer data para a leitura da sentença, pelo que o Tribunal violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no n.º 2 do Artigo 361.º e no n.º 1 do Artigo 373.º, ambos do C.P.P.;

3.º Após o encerramento da discussão e passagem para a fase de sentença a lei somente prevê a reabertura da audiência para determinação da sanção (Artigo 371.º do C.P.P.). Assim, apenas é possível o aditamento de factos novos e sua imputação ao Arguido mediante o recurso à alteração não substancial dos factos (n.º 1 do Artigo 358.º do C.P.P.) numa fase de discussão, isto é, "no decurso da audiência", e não em sede de sentença. Haja em vista que tais factos apenas podem decorrer da prova produzida e não da deliberação da causa pelo Tribunal. Assim, o Tribunal violou por erro de interpretação e aplicação o n.º 1 do Artigo 358.º, o n.º 2 do Artigo 361.º e o Artigo 371.º, todos do C.P.P.;

4.º Os factos "novos" são do conhecimento do Tribunal desde a Pronúncia, pelo que não são definitivamente factos novos. Mas constam da Pronúncia imputados a um terceiro que não foi pronunciado, pelo que a sua admissão e imputação ao Arguido no momento da sentença constitui uma violação do direito constitucional de defesa do Arguido (Artigo 32.º da C.R.P.), além de uma inconstitucional transmissão de responsabilidade penal (n.º 3 do Artigo 30.º da C.R.P.), tendo o Tribunal violado ambos estes preceitos constitucionais por erro de interpretação e aplicação;

5.º Quer o julgamento se encontre em fase de audiência para discussão, quer esteja numa fase de sentença, em que a audiência teria sido reaberta em virtude da imputação de factos novos ao Arguido, o Colectivo não pode estar sem reunir em audiência por período superior a 30 dias sob pena de perda de eficácia da prova já realizada devendo proceder-se à repetição da mesma. Assim, a ausência do Colectivo de Juízes na audiência de 7 de Janeiro de 2011 resulta na violação do princípio da continuidade da audiência em processo penal, tendo o Tribunal violado por erro de interpretação e aplicação o n.º 6 do Artigo 328.º do C.P.P.;

6.º Quer se entenda que o princípio da continuidade foi ou não cumprido, a prova já realizada perdeu a sua eficácia e deve ser repetida. É razoável admitir que o julgador não mantenha presente no seu espírito toda a prova produzida, tendo passado mais de cinco meses desde a última audiência para produção de prova e, em especial e, como doutamente afirmado pelo Tribunal, num processo de tamanha complexidade, pelo que a não repetição da mesma (prova) constitui uma violação por erro de interpretação e aplicação do disposto no n.º 6 do Artigo 328.º do C.P.P.

Nestes termos e demais de direito, deve o presente recurso obter provimento e em consequência deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro em que se declare a ineficácia de toda a prova produzida ordenando-se a sua repetição nos termos previstos no n.º 6 do Artigo 328.º do C.P.P. com as legais consequências.


10.2. A motivação apresentada pelo arguido E. (fls. 16.045 e ss.) termina com a formulação das seguintes conclusões:
DA INEFICÁCIA DA PROVA PRODUZIDA
I - Mesmo que o prazo de trinta dias previsto no número 6 do artigo 328.º do CPP não se aplique à leitura da sentença (a que seria aplicável o prazo indicativo do artigo 373.º do CPP), o certo é que será apenas quanto a tal leitura propriamente dita, em si mesma, que o mesmo não é aplicável.
II - Atendendo à ratio do número 6 do artigo 328.º do CPP, que é a da oralidade e da imediação da prova e da continuidade da audiência, é manifesto que tal regra se deve aplicar, pelo menos, até à deliberação em que são fixados os factos provados sobre que assenta a decisão.
III - Este é igualmente o entendimento da maioria da doutrina e jurisprudência, podendo citar-se, quanto à primeira, Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 1.ª edição, pág. 809, nota 7) e Gil Moreira dos Santos (Direito Processual Penal, pág. 378),
IV - E quanto à jurisprudência, o acórdão do STJ de 02 de Dezembro de 1999 (citado em Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16.ª Edição, 2007, pág. 695, anotação ao artigo 328.º do CPP), o acórdão do STJ de 30 de Novembro de 2001, (citado em Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16.ª Edição, 2007, pág. 696, anotação ao artigo 328.º do CPP) e o acórdão do STJ de 11 de Janeiro de 2006 (com o sumário reproduzido na resposta do digno Procurador da República de fls. ...).
V - Na verdade, se o prazo do número 6 do artigo 328.º do CPP não se aplica, pelo menos, até à deliberação a que se referem os artigos 361.º, n.º 2 e 365.º e seguintes do CPP – em que, além do mais, são fixados os factos provados sobre que assentará a decisão final do tribunal – seriam postos em causa os princípios da oralidade e da imediação das provas e da continuidade da audiência.
VI - Com efeito, o núcleo fundamental do princípio em causa no número 6 do artigo 328.º do CPP "decorre da relevância que o legislador nacional dá ao princípio da imediação, da oralidade e da continuidade da audiência como princípios fundamentais na apreciação da prova, no modelo de livre apreciação estabelecido no CPP" (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04 de Novembro de 2009, in www.dgsi.pt).
VII - Sendo que o que está em causa nessa opção legislativa é "assegurar que os riscos que o tempo e a duração do processo podem provocar na memória do julgador, como elemento fundamental do princípio da concentração, sejam minimizados" (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra antes citado),
VIII - Pois a "ausência e a distância, que vão além do prazo razoável fixado pelo legislador, provocam necessariamente modificações na memória de quem julga e que podem trazer inconvenientes no processo de decisão e de fundamentação da decisão" (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra antes citado).
IX - Ou, dito de outra forma, o "que está em causa é exactamente um problema de manutenção da continuidade da audiência e da prova que aí é produzida de forma a ser totalmente verificável por quem julga em obediência aos princípios da imediação e oralidade, porque são estes que valem para o processo penal na fase de audiência de julgamento e que permitem uma «construção da decisão» fundada num debate intersubjectivo, contraditório e sujeito à imediação" (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra antes citado).
X - Assim, se há momento no qual é imperioso observar o princípio da imediação é, evidentemente, o momento em que é julgada a causa em termos de facto.
XI - Ora, o julgamento da matéria de facto tem lugar na deliberação que se segue ao encerramento da discussão.
XII - Pelo que, até tal deliberação não poderá deixar de se aplicar o disposto no número 6 do artigo 328.º do CPP, sob pena de absoluta desconformidade com os princípios da continuidade, da oralidade e, sobretudo, da imediação.
XIII - Com efeito, não se entenderia como é que a lei obrigaria a que, no decurso da produção da prova, o tribunal fosse obrigado a não adiar as sessões de julgamento por mais de trinta dias, permitindo, no entanto, que entre a última prova produzida e o respectivo julgamento da matéria de facto pudessem mediar mais de trinta dias, podendo aí mediar o tempo que fosse (por exemplo, seis meses ou mesmo um ano ou mais)!!!
XIV - Aliás, se o número 6 do artigo 328.º do CPP for entendido como sendo apenas aplicável à fase de produção de prova e enquanto esta durar, isto é, até às alegações orais previstas no artigo 360.º do CPP e às últimas declarações dos arguidos, previstas no número 1 do artigo 361.º do CPP, tal norma não poderá deixar de se considerar inconstitucional, por violação do princípio da imediação, o qual "tem natureza constitucional, pois ele está ínsito na ideia de um Estado de Direito (expressamente neste sentido, acórdãos do TC n.º 394/89, 172/92, 212/93, 1183/96, 87/99)." (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 1.ª edição, p. 52, nota 48).
XV - Assim, temos como inequívoco que o momento até ao qual é aplicável o disposto no número 6 do artigo 328.º do CPP é o momento até ao qual é julgada a matéria de facto da causa.
XVI - Entendimento este que, aliás, é confirmado pela larga maioria da doutrina e jurisprudência consultada sobre o assunto, como já se referiu.
XVII - Ora, nos presentes autos, não foi ainda julgada a matéria de facto, pelo que, salvo o devido respeito e melhor opinião, o número 6 do artigo 328.º é aplicável, sem quaisquer restrições, à fase de discussão e julgamento em que se encontram os presentes autos, e assim sendo, sempre salvo o devido respeito e melhor opinião, entendemos que, na verdade, o prazo de trinta dias fixado no número 6 do artigo 328.º do CPP já foi excedido, em primeiro lugar, porque entre as diversas sessões intercalares, sem que entre as mesmas medeiem mais de trinta dias, deve verificar-se uma verdadeira produção de prova.
XVIII - Com efeito, atenta a razão de ser da norma em questão, o prazo de trinta dias referido no n.º 6 do artigo 328.º não é interrompido mediante a realização de uma sessão da audiência em que nenhuma prova foi produzida.
XIX - Ora, mesmo entendendo que as últimas declarações dos arguidos correspondem ainda à produção de prova, o certo é que pelo menos desde 13 de Outubro de 2010 que não é produzida qualquer prova, oral ou não, nos presentes autos.
XX - Assim, encontra-se manifestamente excedido o prazo previsto no número 6 do artigo 328.º do CPP, pelo que deve ser declarado a ineficácia da produção de toda a prova já realizada.
XXI - Mas ainda que assim não se entenda – isto é, que se considere que basta a existência de sessões de discussão e julgamento com menos de trinta dias entre si, mesmo que não seja produzida qualquer prova – o certo é que não se podem considerar realizadas as sessões de audiência e julgamento de 07 de Janeiro de 2011 e de 04 de Fevereiro de 2011, dado que nessas datas não se reuniu o Tribunal Colectivo.
XXII - E o certo é que, quando o mesmo é competente para julgar a causa, nos termos do artigo 14.º do CPP, o Tribunal Colectivo não poderá deixar de se encontrar reunido em todas as sessões de audiência e julgamento, sob pena de tais sessões se terem que considerar inválidas, em resultado da nulidade que decorre da alínea a) do artigo 119.º do CPP, pelo que tudo se passa como se tais audiências de discussão e julgamento não se tivessem realizado.
XXIII - Assim, tendo decorrido mais de trinta dias sem que tenha tido lugar uma sessão de audiência de discussão e julgamento realizada pelo Tribunal Colectivo, foi infringido o disposto no número 6 do artigo 328.º do CPP,
XXIV - Pelo que, em qualquer dos casos, deverá ser declarada ineficaz toda a produção de prova já realizada e ordenar-se a sua repetição.
INVALIDADE DA COMUNICAÇÃO DA ALTERAÇÃO DOS FACTOS CONSTANTES DA PRONÚNCIA.
XXV - O despacho de alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia deverá ser declarado inválido, com as consequências previstas no artigo 123.º do CPP, pois foi proferido finda a produção de prova e até já depois de encerrada a discussão, devendo, porém, ser proferido antes de findas ou encerradas tais fases.
XXVI - Na verdade, já tendo tido lugar as alegações orais previstas no artigo 360.º do CPP, já findou a produção de prova, pois tais alegações só são apresentadas "finda a produção de prova" (cf. início do n.º 1 do artigo 360.º do CPP).
XXVII - Ora, a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP permite aos arguidos a apresentação de defesa quanto à alteração dos factos descritos na pronúncia e/ou quanto à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia, nos mais latos termos pela lei permitidos e de acordo com o seu exclusivo critério, o que, evidentemente, inclui a apresentação de novas provas, conforme tem sido entendido unanimemente pela nossa doutrina e jurisprudência.
XXVIII - Assim sendo, tal comunicação deverá sempre ser efectuada antes de finda a produção de prova, sob pena da produção de prova se repetir indefinidamente.
XXIX - Aliás, que a comunicação efectuada ao abrigo do artigo 358.º do CPP deverá sempre ser efectuada antes de finda a produção de prova e de efectuadas as alegações orais finais, demonstra-o igualmente o facto de, sistematicamente, o artigo 358.º do CPP anteceder o artigo 360.º do CPP relativo às alegações orais.
XXX - E o mesmo resulta de, após o início das alegações orais, só ser admitida nova produção de prova em "casos excepcionais", sendo que, mesmo nesses "casos excepcionais", se deve decidir pela "suspensão das alegações" (citando o n.º 4 do artigo 360.º do CPP).
XXXI - Ora, nos presentes autos, as alegações orais não se encontram suspensas, já tendo findado, pelo que não é mais possível a produção de prova, a qual, porém, irá certamente ocorrer, tanto mais que, após a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP, já foi requerida a produção de prova pelos diversos arguidos.
XXXII - Acresce que não é correcto afirmar-se, como faz o Tribunal Colectivo no douto despacho recorrido, que a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP só pode ser efectuada após a deliberação que se segue ao encerramento da discussão da causa.
XXXIII - Desde logo, como se alcança dos artigos 365.º e seguintes do CPP, em especial dos artigos 365.º e 368.º, a deliberação que se segue ao encerramento da discussão não visa, sequer complementarmente, determinar (ou não) a comunicação de alteração de factos, substanciais ou não, constantes da pronúncia, mas serve antes para julgar a causa, seja de facto, seja de direito.
XXXIV - Ora, para se realizar tal julgamento não pode deixar de, antecipadamente, comunicar-se quaisquer eventuais alterações dos factos constantes da pronúncia, pelo que a comunicação do artigo 358.º do CPP não pode deixar de ser anterior à referida deliberação.
XXXV - Acresce que, como o douto despacho recorrido refere, "este – encerramento da discussão da causa – é o momento essencial para distinguir a fase da audiência e a fase da sentença (tanto mais que encerrada a discussão se segue a deliberação, momento este já inserido na fase da sentença, em que, portanto, não está aberta à discussão dos sujeitos processuais, nem ao contraditório)".
XXXVI - Ora, se assim é, a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP tem que forçosamente ocorrer na denominada "fase de audiência", seja porque tal comunicação está, manifestamente, sujeita à discussão dos sujeitos processuais e ao contraditório, seja porque, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º do CPP, o despacho de alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia deve ser proferido no "decurso da audiência".
XXXVII - Audiência, essa, que se encerra com as últimas declarações dos arguidos, prestadas nos termos do n.º 1 do artigo 361.º do CPP, como resulta claramente do n.º 2 do mesmo preceito legal e foi expressamente referido pelo Tribunal recorrido, pelo que, após as últimas declarações dos arguidos já não é possível comunicar quaisquer alterações aos factos descritos na acusação/pronúncia e/ou quaisquer alterações à qualificação jurídica dos factos escritos na acusação/pronúncia.
XXXVIII - Pelo que o despacho proferido (ou despachos proferidos) nas sessões de julgamento de 12 de Novembro de 2010, 10 de Dezembro de 2010, 07 de Janeiro de 2011 e 04 de Fevereiro de 2011 sempre deverá ser considerado irregular e inválido, nos termos e com as consequências previstas no artigo 123.º do CPP.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
1) Seja declarada ineficaz toda a produção de prova já realizada nos presentes autos e ordenar-se a sua repetição, por infracção e em consequência do disposto no número 6 do artigo 328.º do CPP, atento ainda o disposto nos artigos 14.º, 119.º e 122.º do CPP;
2) Caso assim não se entenda, seja declarado inválido o despacho proferido (ou despachos proferidos) nas sessões de audiência e julgamento de 12 de Novembro de 2010, 10 de Dezembro de 2010, 07 de Janeiro de 2011 e 04 de Fevereiro de 2011, por ser irregular por extemporâneo, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 358.º, 360.º, 361.º e 123.º do CPP.

10.3. A motivação apresentada pelo arguido L. (fls. 16.108 e ss.) termina com a formulação das seguintes conclusões:
INEFICÁCIA DA PROVA JÁ PRODUZIDA

1.ª Mesmo que o prazo de trinta dias previsto no número 6 do artigo 328.º do CPP não se aplique à leitura da sentença (a que seria aplicável o prazo indicativo do artigo 373.º do CPP), o certo é que será apenas quanto a tal leitura propriamente dita, em si mesma, que o mesmo não é aplicável.

2.ª Atendendo à ratio do número 6 do artigo 328.º do CPP, que é a da oralidade e da imediação da prova e da continuidade da audiência, é manifesto que tal regra se deve aplicar, pelo menos, até à deliberação em que são fixados os factos provados sobre que assenta a decisão.

3.ª Este é igualmente o entendimento da maioria da doutrina e jurisprudência, podendo citar-se, quanto à primeira, Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 1.ª edição, pág. 809, nota 7) e Gil Moreira dos Santos (Direito Processual Penal, pág. 378).

4.ª E quanto à jurisprudência, o acórdão do STJ de 02 de Dezembro de 1999 (citado em Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16.ª Edição, 2007, pág. 695 anotação ao artigo 328.º do CPP), o acórdão do STJ de 30 de Novembro de 2001, (citado em Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16.ª Edição, 2007, pág. 696 anotação ao artigo 328.º do CPP) e o acórdão do STJ de 11 de Janeiro de 2006 (com o sumário reproduzido na resposta do digno Procurador da República de fls. ...).

5.ª Na verdade, se o prazo do número 6 do artigo 328.º do CPP não se aplicasse, pelo menos, até à deliberação a que se referem os artigos 361.º, n.º 2 e 365.º e seguintes do CPP – em que, além do mais, são fixados os factos provados sobre que assentará a decisão final do tribunal – seriam postos em causa os princípios da oralidade e da imediação das provas e da continuidade da audiência.

6.ª Com efeito, o núcleo fundamental do princípio em causa no número 6 do artigo 328.º do CPP "decorre da relevância que o legislador nacional dá ao princípio da imediação, da oralidade e da continuidade da audiência como princípios fundamentais na apreciação da prova, no modelo de livre apreciação estabelecido no CPP" (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04 de Novembro de 2009, in www.dgsi.pt).

7.ª Sendo que o que está em causa nessa opção legislativa é "assegurar que os riscos que o tempo e a duração do processo podem provocar na memória do julgador, como elemento fundamental do princípio da concentração, sejam minimizados" (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra antes citado),

8.ª Pois a "ausência e a distância, que vão além do prazo razoável fixado pelo legislador, provocam necessariamente modificações na memória de quem julga e que podem trazer inconvenientes no processo de decisão e de fundamentação da decisão" (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra antes citado).

9.ª Ou, dito de outra forma, o "que está em causa é exactamente um problema de manutenção da continuidade da audiência e da prova que aí é produzida de forma a ser totalmente verificável por quem julga em obediência aos princípios da imediação e oralidade, porque são estes que valem para o processo penal na fase de audiência de julgamento e que permitem uma «construção da decisão» fundada num debate intersubjectivo, contraditório e sujeito à imediação" (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra antes citado).

10.ª Assim, se há momento no qual é imperioso observar o princípio da imediação é, evidentemente, o momento em que é julgada a causa em termos de facto.

11.ª Ora, o julgamento da matéria de facto tem lugar na deliberação que se segue ao encerramento da discussão.

12.ª Pelo que até tal deliberação não poderá deixar de se aplicar o disposto no número 6 do artigo 328.º do CPP, sob pena de absoluta desconformidade com os princípios da continuidade, da oralidade e, sobretudo, da imediação.

13.ª Com efeito, não se entenderia como é que a lei obrigaria a que, no decurso da produção da prova, o tribunal fosse obrigado a não adiar as sessões de julgamento por mais de trinta dias,

14.ª Permitindo, no entanto, que entre a última prova produzida e o respectivo julgamento da matéria de facto pudessem mediar mais de trinta dias, podendo aí mediar o tempo que fosse (por exemplo, seis meses ou mesmo um ano ou mais)!!!

15.ª Aliás, se o número 6 do artigo 358.º do CPP for entendido como sendo apenas aplicável à fase de produção de prova e enquanto esta durar, isto é, até às alegações orais previstas no artigo 360.º do CPP e às últimas declarações dos arguidos, previstas no número 1 do artigo 361.º do CPP,

16.ª Tal norma não poderá deixar de se considerar inconstitucional, por violação do princípio da imediação, o qual "tem natureza constitucional, pois ele está ínsito na ideia de um Estado de Direito (expressamente neste sentido, acórdãos do TC n.ºs 394/89, 172/92, 212/93, 1183/96, 87/99)." (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 1.ª edição, p. 52, nota 48).

17.ª Assim, temos como inequívoco que o momento até ao qual é aplicável o disposto no número 6 do artigo 328.º do CPP é o momento até ao qual é julgada a matéria de facto da causa.

18.ª Entendimento, este que, aliás, é confirmado pela larga maioria da doutrina e jurisprudência consultada sobre o assunto, como já se referiu.

19.ª Ora, nos presentes autos, não foi ainda julgada a matéria de facto.

20.ª Pelo que, salvo o devido respeito e melhor opinião, o número 6 do artigo 328.º é aplicável, sem quaisquer restrições, à fase de discussão e julgamento em que se encontram os presentes autos.

21.ª E assim sendo, sempre salvo o devido respeito e melhor opinião, entendemos que, na verdade, o prazo de trinta dias fixado no número 6 do artigo 328.º do CPP já foi excedido,

22.ª Em primeiro lugar, porque entre as diversas sessões intercalares, sem que entre as mesmas medeiem mais de trinta dias, deve verificar-se uma verdadeira produção de prova.

23.ª Com efeito, atenta a razão de ser da norma em questão, o prazo de trinta dias referido no n.º 6 do artigo 328.º não é interrompido mediante a realização de uma sessão da audiência em que nenhuma prova foi produzida.

24.ª Ora, mesmo entendendo que as últimas declarações dos arguidos correspondem ainda à produção de prova, o certo é que pelo menos desde 13 de Outubro de 2010 que não é produzida qualquer prova, oral ou não, nos presentes autos.

25.ª Assim, encontra-se manifestamente excedido o prazo previsto no número 6 do artigo 328.º do CPP, pelo que deve ser declarada a ineficácia da produção de toda a prova já realizada.

26.ª Mas ainda que assim não se entenda – isto é, que se considere que basta a existência de sessões de discussão e julgamento com menos de trinta dias entre si, mesmo que não seja produzida qualquer prova – o certo é que não se podem considerar realizadas as sessões de audiência e julgamento de 07 de Janeiro de 2011 e de 04 de Fevereiro de 2011.

27.ª Efectivamente, em tais sessões de discussão e julgamento – de 07 de Janeiro de 2011 e de 04 de Fevereiro de 2011 – não se reuniu o Tribunal Colectivo.

28.ª E o certo é que, quando o mesmo é competente para julgar a causa, nos termos do artigo 14.º do CPP, o Tribunal Colectivo não poderá deixar de se encontrar reunido em todas as sessões de audiência e julgamento.

29.ª Sob pena de tais sessões se terem que considerar inválidas, em resultado da nulidade que decorre da alínea a) do artigo 119.º do CPP,

30.ª Pelo que tudo se passa como se tais audiências de discussão e julgamento não se tivessem realizado.

31.ª Assim, tendo decorrido mais de trinta dias sem que tenha tido lugar uma sessão de audiência de discussão e julgamento realizada pelo Tribunal Colectivo, foi infringido o disposto no número 6 do artigo 328.º do CPP,

32.ª Pelo que, em qualquer dos casos, deverá ser declarada ineficaz toda a produção de prova já realizada e ordenar-se a sua repetição.

INVALIDADE DA COMUNICAÇÃO DA ALTERAÇÃO DOS FACTOS CONSTANTES DA PRONÚNCIA.

33.ª O despacho de alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia deverá ser declarado inválido, com as consequências previstas no artigo 123.º do CPP.

34.ª Isto porque o referido despacho foi proferido finda a produção de prova e até já depois de encerrada a discussão, devendo, porém, ser proferido antes de findas ou encerradas tais fases.

35.ª Na verdade, já tendo tido lugar as alegações orais previstas no artigo 360.º do CPP, já findou a produção de prova, pois tais alegações só são apresentadas "finda a produção de prova" (cf. início do n.º 1 do artigo 360.º do CPP).

36.ª Ora, a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP permite aos arguidos a apresentação de defesa quanto à alteração dos factos descritos na pronúncia e/ou quanto à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia, nos mais latos termos pela lei permitidos e de acordo com o seu exclusivo critério, o que, evidentemente, inclui a apresentação de novas provas, conforme tem sido entendido unanimemente pela nossa doutrina e jurisprudência.

37.ª Assim sendo, tal comunicação deverá sempre ser efectuada antes de finda a produção de prova, sob pena da produção de prova se repetir indefinidamente.

38.ª Aliás, que a comunicação efectuada ao abrigo do artigo 358.º do CPP deverá sempre ser efectuada antes de finda a produção de prova e de efectuadas as alegações orais finais, demonstra-o igualmente o facto de, sistematicamente, o artigo 358.º do CPP anteceder o artigo 360.º do CPP relativo às alegações orais.

39.ª E o mesmo resulta de, após o início das alegações orais, só ser admitida nova produção de prova em "casos excepcionais", sendo que, mesmo nesses "casos excepcionais", se deve decidir pela "suspensão das alegações" (citando o n.º 4 do artigo 360.º do CPP).

40.ª Ora, nos presentes autos, as alegações orais não se encontram suspensas, já tendo findado, pelo que não seria mais possível a produção de prova, a qual, porém, irá certamente ocorrer, tanto mais que, após a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP, já foi requerida a produção de prova pelos diversos arguidos.

41.ª Acresce que não é correcto afirmar-se, como faz o Tribunal Colectivo no douto despacho recorrido, que a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP só pode ser efectuada após a deliberação que se segue ao encerramento da discussão da causa.

42.ª Desde logo, como se alcança dos artigos 365.º e seguintes do CPP, em especial dos artigos 365.º e 368.º, a deliberação que se segue ao encerramento da discussão não visa, sequer complementarmente, determinar (ou não) a comunicação de alteração de factos, substanciais ou não, constantes da pronúncia.

43.ª Como se alcança dos citados preceitos legais, a deliberação que se segue ao encerramento da discussão serve para julgar a causa, seja de facto, seja de direito.

44.ª Ora, para se realizar tal julgamento não pode deixar de, antecipadamente, comunicar-se quaisquer eventuais alterações dos factos constantes da pronúncia.

45.ª Pelo que a comunicação do artigo 358.º do CPP não pode deixar de ser anterior à referida deliberação.

46.ª Acresce que, como o douto despacho recorrido refere, "este – encerramento da discussão da causa – é o momento essencial para distinguir a fase da audiência e a fase da sentença (tanto mais que encerrada a discussão se segue a deliberação, momento este já inserido na fase da sentença, em que, portanto, não está aberta à discussão dos sujeitos processuais, nem ao contraditório)".

47.ª Ora, se assim é, a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP tem que forçosamente ocorrer na denominada "fase de audiência",

48.ª Seja porque tal comunicação está, manifestamente, sujeita à discussão dos sujeitos processuais e ao contraditório,

49.ª Seja porque, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º do CPP, o despacho de alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia deve ser proferido no "decurso da audiência".

50.ª Audiência, essa, que se encerra com as últimas declarações dos arguidos, prestadas nos termos do n.º 1 do artigo 361.º do CPP, como resulta claramente do n.º 2 do mesmo preceito legal e foi expressamente referido pelo Tribunal recorrido.

51.ª Assim, após as últimas declarações dos arguidos já não é possível comunicar quaisquer alterações aos factos descritos na acusação/pronúncia e/ou quaisquer alterações à qualificação jurídica dos factos descritos na acusação/pronúncia.

52.ª Pelo que o despacho proferido (ou despachos proferidos) nas sessões de julgamento de 12 de Novembro de 2010, 10 de Dezembro de 2010, 07 de Janeiro de 2011 e 04 de Fevereiro de 2011 sempre deverá ser considerado irregular e inválido, nos termos e com as consequências previstas no artigo 123.º do CPP.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:

1) Ser declarada ineficaz toda a produção de prova já realizada nos presentes autos e ordenar-se a sua repetição, por infracção e em consequência do disposto no número 6 do artigo 328.º do CPP, atento ainda o disposto nos artigos 14.º, 119.º e 122.º do CPP;

2) Caso assim não se entenda, será declarado inválido o despacho proferido (ou despachos proferidos) nas sessões de audiência e julgamento de 12 de Novembro de 2010, 10 de Dezembro de 2010, 07 de Janeiro de 2011 e 04 de Fevereiro de 2011, por ser irregular por extemporâneo, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 358.º, 360.º, 361.º e 123.º do CPP.

11 – O Ministério Público respondeu às motivações apresentadas defendendo a improcedência dos recursos (fls. 16.428 e ss.).

12 – Estes recursos foram admitidos pelo despacho de fls. 16.927.

13 – No dia 25 de Março de 2011, no decurso da audiência de julgamento, o Sr. Juiz Presidente, após deliberação do tribunal colectivo, ditou para a acta o despacho que, na parte para este efeito relevante, se transcreve (fls. 16.174 e ss.):
A) Relativamente aos requerimentos apresentados, respectivamente, pelo Ilustre Defensor dos arguidos Y. e outros (fls. 15.820 a 15.842), pela Ilustre Defensora dos arguidos E. e outros (fls. 15.844 a 15.870) e pelo Ilustre Defensor dos arguidos A. e outros (fls. 15.871 a 15.892), assim como, quanto aos requerimentos de fls. 15.602 a 15.607 e de fls. 15.609 a 15.620, respectivamente, apresentados pela Ilustre Defensora dos arguidos E. e outros e pelo Ilustre Defensor dos arguidos A. e outros, tendo ainda em conta o contraditório que sobre os mesmos foi exercido pelo Digno Magistrado do Ministério Público a fls. 15.973 a 16.008, cumpre apreciar e decidir:
1.º Em todos os requerimentos supra mencionados no início é suscitada a questão deste Tribunal Colectivo, através do seu Juiz Presidente, ter efectuado as comunicações previstas no artigo 358.º, n.º 1 do C.P.Penal, sem que os arguidos estivessem presentes, isto é, defendem aqueles Ilustres causídicos subscritores das peças em causa, que tais comunicações deveriam ter sido efectuadas, pessoalmente, aos arguidos e não só aos seus Defensores, sob pena de nulidade e/ou invalidade de todos os actos subsequentes às sessões de julgamento, a que disseram respeito as comunicações em causa, pelo que, requerem agora a notificação de tais despachos nos termos propostos, correndo a partir daí o prazo para o exercício da defesa, alicerçando tal entendimento nas normas previstas nos artigos 361.º, n.º 1 al. c); 113.º, n.º 1; 141.º, n.º 4 al. c); 277.º, n.ºs 3 e 4; 283.º, n.º 3 al. b) e n.º 5 e 308.º, n.º 1, todos do C.P.Penal.
Quanto a tal pronunciou-se o Ministério Público a fls. 6 a 8 da sua resposta propugnando pelo indeferimento do requerido, já que entende que tais comunicações podem ser efectuadas aos Ilustres defensores dos arguidos – o que o Tribunal fez – por não impor a lei que as mesmas sejam pessoalmente comunicadas aos arguidos.
Relembra-se aqui que nas primeiras sessões desta audiência de discussão e julgamento, todos os arguidos, sem excepção, quer por si quer através dos seus Ilustres Advogados requereram a este tribunal colectivo a dispensa da sua presença nas sessões posteriores alegando, para o efeito, as suas actividades e deveres profissionais, o que não obteve oposição do Ministério Público, razão pela qual, este mesmo Tribunal Colectivo deferiu o pelos arguidos requerido, sendo aqueles representados para todos os efeitos legais, pelos seus Ilustres causídicos nos autos constituídos.
De tal decisão foram notificados os próprios arguidos e daí para cá decorreram dezenas e dezenas de sessões de julgamento, sem a presença daqueles, que assim não viram prejudicadas as suas situações pessoais, profissionais e, essencialmente, patrimoniais, atenta a durabilidade do julgamento em causa.
Dizerem agora, os arguidos – através dos seus Ilustres Advogados – que deviam estar presentes aquando das comunicações em causa é, claramente, um venire contra factum próprio, que não pode ter cabimento legal.
Por outro lado, a posição sustentada pelos arguidos não decorre da lei.
Não decorre, em primeiro lugar, do preceituado do artigo 113.º, n.º 9 do C.P.Penal, nem das outras normas pelos arguidos invocadas.
Sumariamente, dir-se-á que as comunicações de alterações não substanciais dos factos descritos na pronúncia e/ou as comunicações da alteração da qualificação jurídica desses mesmos factos, não se equiparam à acusação e/ou decisão instrutória.
Estas já nos autos estão lavradas e das mesmas, nos termos legais, foi dado conhecimento aos arguidos.
Por outro lado, como bem assinala o Digno Procurador da República, o agendamento das comunicações em causa foi publicitado, em acta e com antecedência.
Os arguidos apesar de dispensados de comparecer podiam (por iniciativa própria ou a conselho dos seus Advogados) ter comparecido, a qualquer momento, nas audiências de discussão e julgamento que tiveram lugar, sendo que, das datas das mesmas, foi dado conhecimento aos advogados que nos autos constituíram.
Não o fizeram, sibi imputet.
Não estamos sós neste entendimento, já que conforme se escreveu no Acórdão do S.T.J de 29/04/2003, processo n.º 756/03 – 5.ª secção – relatado pelo Juiz Conselheiro Carmona da Mota, in www.pgdlisboa.pt: "tendo-se deparado o Tribunal, no decurso da audiência, com "uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação" impunha-se-lhe a sua comunicação à arguida (artigo 358.º, n.º 1 C.P.Penal), mas tal notificação não tinha de lhe ser feita pessoalmente, podendo-o ser – como o foi – ao seu Defensor (artigo 113.º, n.º 9 do C.P.Penal) que a representava em todos os actos processuais, incluindo a audiência na sua ausência (artigo 196.º, n.º 3 al. d), em que tivesse o direito de estar presente".
Ora, se é assim para a situação atrás referida julgamos que tal entendimento vale mutatis mutandis para aquela outra em que o próprio arguido pede (e lhe é concedida) a dispensa em estar presente na audiência de discussão e julgamento.
Acreditamos, assim, que ao terem sido efectuadas as comunicações em causa na pessoa dos Ilustres Advogados constituídos pelos arguidos, não foram violadas quaisquer normas constitucionais ou legais, nomeadamente as pelos arguidos invocadas, nem foi praticada qualquer irregularidade ou nulidade que afectasse o acto em causa ou os actos processuais que se seguiram.
Uma palavra mais para dizer que este regime – do artigo 358.º do C.P.Penal – é processualmente distinto do previsto no artigo 359.º do mesmo diploma onde se prevê, no seu n.º 3, que o arguido tem que dar o acordo para a continuação do julgamento pelos "novos factos" quando estes consubstanciam uma alteração substancial dos factos descritos na acusação e, bem se vê que assim seja, porque aí sim trata-se de uma alteração de factos que tem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, tal como aquela se mostra definida no artigo 1.º al. f) do C.P.Penal.
2.º Vieram, também, todos os arguidos arguir a irregularidade das comunicações das alterações não substanciais dos factos descritos na pronúncia e/ou da alteração da qualificação jurídica dos mesmos, nomeadamente, pondo em causa a temporalidade em que aquelas foram efectuadas, já que, entendem aqueles que as mesmas deviam ter sido efectuadas antes das alegações orais, sob pena da cominação prevista no artigo 123.º do C.P.Penal.
Também aqui não tem razão.
Não nos vamos pronunciar sobre o regime da continuidade da audiência de discussão e julgamento e o que se entende por esta, uma vez que já o fizemos aquando da decisão proferida na acta da anterior sessão de julgamento. A questão ora em apreço é distinta daquela.
Temos para nós que não existem quaisquer dúvidas que as comunicações supra referenciadas podem ter lugar até à prolação da sentença, sendo este o seu momento limite (final).
Aliás, como se extrai da lei processual penal, a deliberação do Tribunal Colectivo só ocorre depois das últimas declarações dos arguidos e, consequentemente, das alegações orais (artigo 365.º do C.P.Penal). Só com a deliberação do Tribunal Colectivo é que este mesmo Tribunal pode vir a aquilatar sobre a existência ou inexistência de quaisquer alterações dos factos ou da sua qualificação jurídica, sendo irrelevante, para o efeito, a inserção sistemática dos artigos 358° e 359°, imediatamente antes das alegações finais.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do S.T.J de 26/05/2004, processo n.º 1404/04 – 3.ª Secção, relatado pelo Juiz Conselheiro Sousa Fonte, in www.pgdlisboa.pt, onde se escreveu que: "a expressão "no decurso da audiência", usada no artigo 358.º, n.º 1 do C.P.Penal, não significa que a alteração tenha de ser notada e comunicada até ao fim da discussão da causa, uma vez que a audiência só é encerrada depois de publicada a sentença, razão pelo que o tribunal colectivo não comete qualquer irregularidade ao dar cumprimento ao disposto naquele artigo já depois de produzidas as alegações orais finais; aliás, sempre os arguidos, através dos seus Ilustres Advogados podem requerer alegações orais suplementares, quanto à matéria das comunicações efectuadas.
Nestes termos, salvo melhor opinião, ao decidir como decidiu relativamente à temporalidade das sobreditas comunicações este Tribunal Colectivo não cometeu qualquer irregularidade e/ou nulidade pelo que não se mostram aquelas ineficazes ou inválidas.
3.º Na primeira parte do seu requerimento de 30 de Novembro de 2010, o arguido A. através do seu Ilustre Advogado, defendeu que a imputação que lhe foi feita de alguns dos factos viola o espírito do artigo 358.º, n.º 1 do C.P.Penal porquanto, em síntese, alega que não são "novos factos", nem o seu conhecimento foi adquirido no decurso do julgamento, mas desde a pronúncia.
Não querendo entrar na discussão do que se entende que sejam "factos novos" temos para nós que não assiste razão ao Ilustre Advogado do arguido A., quando no requerimento em causa afirma que tais factos não são novos e já eram conhecidos na altura do despacho de pronúncia.
É pacífico, com excepção do que resulta da aplicação do disposto nos artigos 358.º e 359.º do C.P.Penal que é a acusação ou o despacho de pronúncia que determina aquilo a que se chama o "objecto do processo" entendido este, de forma muito simples, pelo conhecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submete à apreciação e julgamento do Tribunal.
No despacho de pronúncia – como anteriormente o havíamos referido – manteve-se a factualidade imputada ao então arguido S..., não obstante o arquivamento do presente processo quanto àquele.
O Mm.º Juiz de Instrução Criminal que lavrou tal despacho de pronúncia, esclareceu, no seu devido tempo e lugar, a razão de ser de tal opção, sendo que, na altura, nenhuma irregularidade ou nulidade foi invocada, quer pelo Ministério Publico, quer pelo Ilustre Patrono da assistente, quer pelos Ilustres Advogados nos autos já constituídos.
Não comentamos (nem temos de comentar) a bondade técnica de tal opção, porém da mesma resulta que a factualidade ali vertida está "materialmente" imputada ao arguido S... e não ao arguido A..
No decurso da audiência de discussão e julgamento e de toda a prova na mesma realizada resultou a possibilidade de àquele serem imputados os "novos factos" que supra foram objecto das comunicações atrás referidas, sendo que, alguns desses factos foram pelo próprio arguido assumidos em julgamento (v.g., nomeadamente, a autoria do projecto do cimbre do viaduto da Fanadia – não esquecendo este Tribunal Colectivo que estes (os pelo arguido A. assumidos) por derivados de factos alegados pela defesa não importavam serem comunicados – ainda assim, foram os mesmos incluídos naqueles outros que não derivavam dos factos alegados para defesa, mas antes da prova produzida e que, por isso, impunham a sua comunicação).
Assim, sem necessidade de outras considerações, por escusadas, também se entende que não foi violado nem o espírito da lei, nem a letra da previsão constante do artigo 358.º, n.º 1 do C.P.Penal.
4.º Mencionam ainda os arguidos requerentes que no tocante às comunicações das alterações não substanciais dos factos, este Tribunal Colectivo não explicita a qual ou a quais dos arguidos são imputados os "novos factos" comunicados e que, por via de tal, mostra-se prejudicado o direito de defesa daqueles.
Também afirmam que não foi feita qualquer conjugação com o despacho de pronúncia nem com a acusação, pelo que, sublinhando tal, vem também a Ilustre Advogada dos arguidos E. e outros afirmar que os "novos factos" comunicados têm a partir do n.º 20.º um carácter "avulso" e sem qualquer ligação lógica entre si, sendo que, recorrendo analogicamente ao artigo 341.º do C.P.Penal, dizem que o despacho que continha tais comunicações é nulo, o que invocaram para os tidos e legais efeitos.
Apreciando e decidindo.
A acusação nestes autos deduzida, para a qual remete in totum o despacho de pronúncia, tem 441 artigos.
Tal acusação obedece a uma determinada estrutura lógica e sistemática.
Nas comunicações em causa não se diz que tais "novos factos" irão ser considerados provados (nem tal se pode dizer nesta fase processual), sendo certo que, se o forem, serão forçosamente incluídos num texto lógico, sistemático e interligado.
Não cabia pois, nesta fase processual, situá-los e/ou enquadrá-los dentro desse contexto.
Quanto à circunstância de não serem directamente imputados aos arguidos esses "novos factos" que foram comunicados dir-se-á que a mesma não é exacta, já que, as comunicações em causa dizem respeito (e referem expressamente) os arguidos a que se reportam, sendo que, aqueles outros que foram igualmente comunicados e que tal não concretizam dizem respeito, como é evidente, a todos os arguidos que nos autos se mostrem pronunciados.
Acrescendo dizer que tais "novos factos" terão que ser "lidos" com os restantes factos já constantes do despacho de pronúncia, nomeadamente com os que naquela peça processual concretizam as acções levadas a cabo por cada um dos arguidos.
Face ao exposto, nenhuma irregularidade ou nulidade foi por este Tribunal Colectivo praticada ao fazer as comunicações pela forma como o fez.
5.º Também a Ilustre Advogada dos arguidos E. e outros vem dizer no requerimento sub judice e a propósito da comunicação da alteração da qualificação jurídica efectuada ao arguido N. (artigos 35.º a 88.º do sobredito requerimento) que a mesma não é viável se sustentada nos factos constantes do despacho de pronúncia e que aquela a ser sustentada nos "novos factos" que foram comunicados, insere-se na previsão do artigo 1.º al. f) do C.P.Penal, pelo que, nos termos do disposto no artigo 359.º do mesmo diploma legal tais novos factos não podem ser tomados em conta pelo Tribunal Colectivo para efeito de condenação de tal arguido no processo em causa.
Quanto a esta comunicação, este Tribunal Colectivo foi claro e inequívoco.
A mesma baseia-se nos factos já constantes no despacho de pronúncia, conforme expressamente foi referido na comunicação em causa.
Por outro lado e com todo o respeito que é devido por tal tomada de posição, é indiferente para a comunicação em causa que nas suas alegações orais – o Ministério Público – tenha concluído pela absolvição do arguido em causa.
Também é indiferente, para tal, o juízo que aquela Ilustre Advogada fez da matéria probatória que àquele arguido diz respeito e que no referido requerimento citou.
Repete-se, não é esta a fase processual para motivar a matéria de facto que se considera provada ou não provada e para daí concluir pela condenação ou absolvição dos arguidos, nomeadamente, o arguido N..
Por outro lado, como bem salienta o Ministério Público na resposta que ofereceu sobre o requerimento em causa, a norma prevista no n.º 3 do artigo 358.º do C.P.Penal considera tal alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia como não substancial, sendo que, tal preceito legal foi aditado pela Lei n.º 59/98 que assim consagrou no C.P.P a jurisprudência decorrente do Assento n.º 3/2000 de 15/12/1999, publicado no D.R. I Série-A de 11/02/2000, a qual fixou a seguinte jurisprudência:
"Na vigência dos regimes do Código Penal de 1997 e 1995 o Tribunal ao enquadrar juridicamente os factos descritos da acusação e da pronúncia quando esta existisse podia proceder a uma alteração do correspondente enquadramento ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo pudesse organizar a respectiva defesa", foi o que este Tribunal Colectivo fez no caso em apreço.
O atrás exposto, vale mutatis mutandis para o que a tal propósito foi alegado pelo arguido A., sendo que, neste último caso as novas normas legais citadas não dizem respeito a crime diverso nem agravam os limites máximos das sanções aplicáveis.
Assim, irregularidade ou nulidade alguma se produziu ao efectuar as aludidas comunicações nos termos em que o fez este Tribunal Colectivo.
6.º Em todos os requerimentos supra mencionados os arguidos, para além do demais já analisado por este Tribunal Colectivo vêm expressar o seu juízo e valorar parte da prova produzida pretendendo e concluindo com tal que "os novos factos" comunicados não correspondem à prova nos autos produzida (na opinião daqueles) e sustentam que os mesmos não podem ser dados como provados e/ou não devem ser considerados.
Também quanto a tal o Ministério Público se pronunciou, fazendo-o a fls. 16 a 35 da resposta que ofereceu e também ele citando parte da prova produzida e exarando as conclusões que da mesma extraiu as quais, nalguns aspectos, divergem das pelos arguidos apresentadas.
Contudo o Digno Procurador da República que subscreve tal resposta alerta para o facto de não ser este o momento processual para formular tal juízo, cabendo ao Tribunal Colectivo – em momento próprio e fazendo apelo à livre apreciação de prova (artigo 127.º C.P.Penal) – exarar a matéria de facto que considere provada e não provada e motivar tal juízo de forma ponderada, objectiva, parcial e isenta.
Acrescentamos nós e uma vez mais repetindo que não é este o momento processual para formular juízo valorativo sobre a prova que foi produzida, nem as comunicações efectuadas relativamente à alteração não substancial dos factos constantes do despacho de pronúncia podem levar a concluir que o Tribunal tenha já dado como provados tais "novos factos" pois, conforme expressamente aí se refere, o que aí se diz é que existe a "possibilidade de serem dados como provados os seguintes novos factos (...)".
7.º Aqui chegados importa, por último, apreciar a questão da prova requerida por todos os Ilustres Advogados, nomeadamente, com a inquirição de peritos e testemunhas já nos autos ouvidas e outras que o não foram.
Em todos os requerimentos que agora se analisam nenhum dos seus subscritores concretiza e/ou justifica as razões que levam à reinquirição de novas testemunhas, à reaudição dos peritos nestes autos nomeados ou à inquirição de novas testemunhas.
Não se invocam os motivos de ser inquirida ou reinquirida a testemunha "A" ou "B", a que factos – dentro daqueles que foram comunicados – reportando-os, ainda que de forma não exaustiva, à prova pelos mesmos apresentada.
Conforme se escreveu no Acórdão do S.T.J de 18/03/2004, processo n.º 3566/03 – 5.ª secção, relatado pelo Juiz Conselheiro Simas Santos, in www.pgdlisboa.pt, e a cujo entendimento este Tribunal Colectivo adere, "quando, perante uma alteração não substancial dos factos anunciada em audiência, o arguido requer a reinquirição das testemunhas já ouvidas e que motivaram precisamente essa alteração e que ele teve oportunidade de contra-interrogar amplamente, deve ser indeferido esse requerimento."
Mais se escreve em tal aresto que "os requerimentos de prova são indeferidos se for notório que: – as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas, o meio de prova é inadequado, de obtenção duvidosa, ou – o requerimento tem finalidade meramente dilatória."
Também se escreveu no Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães de 26/10/2009 relatado pelo Juiz Desembargador Nazaré Saraiva, in, www.dgsi.pt, que "o pedido de produção de meios de prova na sequência da comunicação da alteração não substancial dos fatos descritos na acusação ou na pronúncia, tem de ser acompanhado da respectiva justificação, para os efeitos do artigo 340.º n.º 4 do C. P. Penal, de outro modo o Juiz ficaria impedido de apreciar a legalidade dos meios de prova requeridos e de proferir decisão sobre a sua admissibilidade, à luz dos critérios de definição dos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 340.º, como escreve o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário Código de Processo Penal, II edição, página 854 e citado no referido aresto. "O meio de prova tem um fim dilatório quando o requerente quer ou tem consciência de que com o seu requerimento se prejudica o regular andamento dos autos sem que ele possa contribuir objectivamente para o esclarecimento dos autos".
Pelo exposto, indefere-se na sua totalidade tudo o que foi requerido nos requerimentos sub judice, entendendo que com esta decisão e com a que foi proferida na anterior sessão de julgamento se apreciaram todas as questões invocadas pelos Ilustres Advogados dos arguidos.
Face ao atrás decidido, nomeadamente, quanto ao indeferimento da produção da prova apresentada pelos arguidos, convidam-se os Ilustres Advogados dos arguidos a virem dizer se desejam produzir novas alegações orais complementares e reportadas exclusivamente aos novos factos que foram comunicados, assim como quanto às comunicações da alteração da qualificação jurídica desses mesmos factos já constantes do despacho de pronúncia.

14 – Os arguidos A., E. e L. interpuseram recurso desse despacho.

14.1. A motivação apresentada pelo arguido A. (fls. 16.301 e ss.) termina com a formulação das seguintes conclusões:

1. A alteração não substancial dos factos constantes da Acusação ou da Pronúncia constitui uma excepção que obriga a proceder a um complemento, aperfeiçoamento ou alteração da Acusação ou da Pronúncia e, como tal, importa a sua comunicação directa aos Arguidos a quem a autoria dos novos factos é imputada. Não o tendo feito o Tribunal violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no n.º 9 do Artigo 113.º do C.P.P. em conjugação com o n.º 1 do Artigo 358.º do C.P.P.

2. A comunicação dos factos novos efectuada na pessoa do Defensor não é suficiente, exigindo a lei a comunicação directa dos mesmos ao Arguido para que este possa livre e conscientemente exercer a plenitude do seu direito de defesa. Não o tendo feito o Tribunal violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no n.º 1, 3 e 6 do Artigo 32.º da C.R.P. e no n.º 9 do Artigo 113.º do C.P.P.
3. A dispensa dos Arguidos de comparecer em audiência de julgamento não afasta o dever de comunicação aos Arguidos por parte do Tribunal da alteração não substancial e alteração da qualificação jurídica dos factos que lhes são imputados. Não o tendo feito o Tribunal violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no n.º 9 do Artigo 113.º do C.P.P. em conjugação com o n.º 1 do Artigo 358.º do C.P.P.
4. Não tendo o Arguido estado presente nas audiências de 12 de Novembro, 10 de Janeiro, 7 de Janeiro e 4 de Fevereiro, nem tendo sido notificado do conteúdo dos despachos proferidos nessas mesmas audiências, deve ser ordenada a sua notificação pelos meios previstos no Artigo 113.º do C.P.P. e efectuada, deste modo, a comunicação prevista no n.º 1 do Artigo 358.º do C.P.P., sob pena de invalidade e/ou ineficácia de todos os actos posteriores, por violação por erro de interpretação e aplicação dos artigos neste ponto mencionados.
5. As comunicações aos Arguidos de alterações não substanciais dos factos e da qualificação jurídica dos mesmos só pode ser feita até às alegações orais e últimas declarações dos Arguidos, isto é, no "decurso da audiência", pelo que, tendo estas já sido realizadas, o Tribunal violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no n.º 1 do Artigo 358.º do C.P.P.
6. A existência ou inexistência de quaisquer alterações não substanciais dos factos ou da sua qualificação jurídica decorre da prova produzida e não da deliberação da causa, pelo que o Tribunal violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no n.º 1 do Artigo 358.º do C.P.P.
7. A inserção sistemática dos Artigos 358.º e 359.º é relevante para a determinação do momento em que têm lugar alterações não substanciais dos factos ou da sua qualificação jurídica. O legislador determinou que as últimas declarações do Arguido constituem o último acto processual que antecede o encerramento da discussão, pelo que apenas podem ocorrer alterações não substanciais dos factos ou da sua qualificação jurídica até ao encerramento da discussão. Tendo entendido de modo diverso Tribunal violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no n.º 1 do Artigo 358.º do C.P.P.
8. A audiência apenas pode ser reaberta para determinação da sanção, nos termos do Artigo 371.º do C.P.P., pelo que o Tribunal, reabrir a audiência para imputação de factos novos aos Arguidos, violou por erro de interpretação e aplicação o disposto neste artigo.
9. A admissão de uma alteração não substancial dos factos ou da sua qualificação jurídica nesta fase do processo implica uma anulação de todo o processado em audiência de julgamento e, consequentemente, à repetição da produção de prova, de modo a que o direito constitucional de defesa do Arguido possa ser totalmente assegurado e a que toda a prova possa ser unitariamente apreciada pelo Colectivo, pelo que o Tribunal violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos n.ºs 1, 3 e 5 do Artigo 32.º da C.R.P.
10. Os factos novos que o Tribunal Colectivo imputa ao Arguido, ora Recorrente, são factos do conhecimento do Tribunal desde a Pronúncia e que foram imputados a um outro Arguido, K., que não foi pronunciado. Não tendo sido pronunciado o autor dos factos, o Tribunal não pode debruçar-se sobre os mesmos, nem recorrer ao mecanismo da alteração não substancial dos factos para o fazer. Tais factos não podem ser dados como provados ou não provados", uma vez que são factos sem autor e não podem, por esse motivo, ter consequências no plano jurídico-penal, pelo que, neste plano, são inexistentes, constituindo a sua imputação ao Arguido uma transmissão da responsabilidade penal entre Arguidos, pelo que, ao fazê-lo, o Tribunal violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no n.º 3 do Artigo 30.º da C.R.P.
11. O instituto legal de alteração não substancial dos factos ou da sua qualificação jurídica não configura um meio legítimo para correcção da Instrução e da Pronúncia. Os factos que o Tribunal atribui ao Arguido não são factos novos e não resultam das suas declarações, pois já eram conhecidos do Tribunal desde a fase instrutória, constituindo a comunicação de tais factos ao Arguido um erro de interpretação e aplicação do disposto no n.º 1 do Artigo 358.º do C.P.P.
12. Factos novos trazidos ao abrigo do n.º 1 do Artigo 358.º do C.P.P. não podem ser avulsos tendo de ser enquadrados na Acusação. Os factos novos têm de ser imputados a um (ou uns) Arguido(s) específica e justificadamente não podendo ser "implicitamente" imputados a todos os Arguidos uma vez que tal prejudica o seu direito de preparar a sua defesa, pelo que a imputação de tais factos novos encontra-se ferida de inconstitucionalidade em virtude da violação do direito de defesa do Arguido, pelo que o Tribunal violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no Artigo 32.º da C.R.P.
13. Os Artigos 6.º e 24.º do Regulamento de Segurança e Acção de Estruturas e Pontes, aprovado pelo D.L. 235/83 de 31 de Maio não têm aplicação nos presentes autos uma vez que dizem respeito a estruturas definitivas e não a estruturas provisórias, pelo que a alteração da qualificação jurídica relativa ao Arguido A. é irregular por erro de interpretação e aplicação dos Artigos 6.º e 24.º do Regulamento de Segurança e Acção de Estruturas e pontes, aprovado pelo D.L. 235/83 de 31 de Maio.
14. O indeferimento pelo Tribunal Colectivo do requerimento de prova efectuado pelo Arguido é nulo, nos termos da alínea d) do n.º 2 do Artigo 120.º do C.P.P., por omissão de diligências que possam revelar-se essenciais para a descoberta da verdade, viola por erro de interpretação e aplicação o n.º 1 do Artigo 340.º do C.P.P. e é inconstitucional por violação do princípio do contraditório em processo penal e, consequentemente, do direito de defesa do Arguido, consagrados pelo n.º 5 e n.º 2 do Artigo 32.º da C.R.P.
Nestes termos e demais de direito, deve o presente recurso obter provimento e em consequência deve ser revogado o despacho do Tribunal do dia 25 de Março de 2011 e substituído por outro ordenando-se, nomeadamente, e sem prejuízo do douto suprimento, com as legais consequências:
a) A notificação do Arguido da alteração não substancial dos factos que lhe são imputados e da sua qualificação jurídica;
b) A declaração e reconhecimento pelo Tribunal da irregularidade e/ou nulidade das alterações não substanciais dos factos descritos na pronúncia e da alteração da qualificação jurídica dos mesmos e, consequentemente, a repetição de toda a prova produzida até hoje nos presentes autos;
c) A admissão da prova requerida pelo Arguido em sede de contestação à alteração não substancial dos factos bem como à alteração da qualificação jurídica dos mesmos.
14.2. A motivação apresentada pelo arguido E. (fls. 16.358 e ss.) termina com a formulação das seguintes conclusões:
DA FALTA DA COMUNICAÇÃO AOS ARGUIDOS DAS ALTERAÇÕES DOS FACTOS DESCRITOS NA ACUSAÇÃO/PRONÚNCIA.
1.ª O facto dos arguidos se encontrarem dispensados de estar presentes nas audiências de discussão e julgamento em nada afecta, só por si, a obrigatoriedade de serem – ou não – pessoalmente notificados deste ou daquele acto processual.
2.ª Do n.º 9 do artigo 113.º do CPP resulta claramente que as decisões relativas à acusação devem ser efectuadas pessoalmente ao próprio arguido e ao seu defensor
3.ª Ora, a alteração de factos descritos na acusação/pronúncia ou à alteração da qualificação jurídica dos factos aí descritos, não pode deixar de se entender como um complemento ou aperfeiçoamento da própria acusação/pronúncia, passando tais alterações, maiores ou menores, a fazer parte da acusação ou pronúncia.
4.ª Com efeito, das alterações à acusação/pronúncia, ainda que não substanciais, pode resultar a condenação ou absolvição do arguido, tanto quanto tal pode resultar dos factos constantes da acusação ou pronúncia,
5.ª Pelo que as razões que impuseram ao legislador a obrigação de notificação pessoal do arguido da acusação, que, no essencial, respeitam ao cumprimento do principio do contraditório, se impõem igualmente à comunicação das alterações, ainda que não substanciais, à acusação e/ou pronúncia
6.ª Nos presentes autos, nenhum dos arguidos faltou a qualquer sessão de julgamento para que estivesse regularmente notificado, constando dessa notificação a advertência a que se refere a alínea d) do n.º 3 do artigo 196.º do CPP, pelo que nunca seria aplicável o disposto no artigo 333.º do CPP.
7.ª Mas ainda que seja aplicável aos presentes autos este último preceito legal, o certo é que, como já se referiu, a alteração de factos descritos na acusação/pronúncia ou à alteração da qualificação jurídica dos factos aí descritos, não pode deixar de se entender como um complemento ou aperfeiçoamento da própria acusação/pronúncia.
8.ª Pelo que lhe são forçosamente aplicáveis as regras respeitantes à notificação ao arguido da acusação, sendo certo que, nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do CPP, bem como dos artigos 277.º, n.º 3, e 283.º, n.ºs 5 e 6, ambos do CPP, a lei impõe que tal notificação seja pessoal.
9.ª Acresce que tal notificação pessoal ao arguido das alterações aos factos constantes da acusação é igualmente imposta pela letra do próprio n.º 1 do artigo 358.º do CPP, o qual dispõe que "se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa" (sublinhado nosso).
10.ª E compreende-se que assim seja, pois o arguido, após tal comunicação, tem total liberdade de alterar a sua "estratégia de defesa", designadamente a "escolha deste ou daquele advogado" (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 519/98).
11.ª Aliás, se o artigo 358.º do CPP, conjugado com o artigo 113.º, n.º 9, igualmente do CPP, for entendido como permitindo a comunicação das alterações apenas ao defensor do arguido, tal preceito será manifestamente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
12.ª Por tudo, pois, não se encontrando presente nenhum dos arguidos nas sessões em que foi proferido o despacho de alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia, isto é, nas sessões de 12 de Novembro de 2010, 10 de Dezembro de 2010, 07 de Janeiro de 2011 e 04 de Fevereiro de 2011, deviam os arguidos ter sido notificados de tal despacho por via postal simples, atento o disposto no artigo 113.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o que não sucedeu
13.ª Assim, sob pena de nulidade e/ou invalidade de todos os actos subsequentes ao despacho proferido nas sessões de julgamento de 12 de Novembro de 2010, 10 de Dezembro de 2010, 07 de Janeiro de 2011 e 04 de Fevereiro de 2011, por falta de comunicação do mesmo aos próprios arguidos pela forma prevista na lei, deverão os arguidos ser agora notificados por via postal simples do despacho de alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia
DA INVALIDADE E/OU IRREGULARIDADE, POR SER EXTEMPORÂNEO, DO DESPACHO QUE DETERMINOU A COMUNICAÇÃO DAS ALTERAÇÕES DOS FACTOS DESCRITOS NA ACUSAÇÃO/PRONUNCIA.
14.ª O despacho de alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia deverá ser declarado inválido, com as consequências previstas no artigo 123.º do CPP.
15.ª Isto porque o referido despacho foi proferido finda a produção de prova e até já depois de encerrada a discussão, devendo, porém, ser proferido antes de findas ou encerradas tais fases.
16.ª Na verdade, já tendo tido lugar as alegações orais previstas no artigo 360.º do CPP, já findou a produção de prova, pois tais alegações só são apresentadas "finda a produção de prova" (cf. início do n.º 1 do artigo 360.º do CPP).
17.ª Ora, a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP permite aos arguidos a apresentação de defesa quanto à alteração dos factos descritos na pronúncia e/ou quanto à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia, nos mais latos termos pela lei permitidos e de acordo com o seu exclusivo critério, o que, evidentemente, incluí a apresentação de novas provas, conforme tem sido entendido unanimemente pela nossa doutrina e jurisprudência.
18.ª Assim sendo, tal comunicação deverá sempre ser efectuada antes de finda a produção de prova, sob pena da produção de prova se repetir indefinidamente.
19.ª Aliás, que a comunicação efectuada ao abrigo do artigo 358.º do CPP deverá sempre ser efectuada antes de finda a produção de prova e de efectuadas as alegações orais finais, demonstra-o igualmente o facto de, sistematicamente, o artigo 358.º do CPP anteceder o artigo 360.º do CPP relativo às alegações orais.
20.ª E o mesmo resulta de, após o início das alegações orais, só ser admitida nova produção de prova em "casos excepcionais", sendo que, mesmo nesses "casos excepcionais", se deve decidir pela "suspensão das alegações" (citando o n.º 4 do artigo 360.º do CPP).
21.ª Ora, nos presentes autos, as alegações orais não se encontram suspensas, já tendo findado, pelo que não é mais possível a produção de prova, a qual, porém, irá certamente ocorrer, tanto mais que, após a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP, já foi requerida a produção de prova pelos diversos arguidos.
22.ª Acresce que não é correcto afirmar-se, como faz o tribunal a quo no despacho em causa, que a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP só pode ser efectuada após a deliberação que se segue ao encerramento da discussão da causa.
23.ª Desde logo, como se alcança dos artigos 365.º e seguintes do CPP, em especial dos artigos 365.º e 368.º, a deliberação que se segue ao encerramento da discussão não visa, sequer complementarmente, determinar (ou não) a comunicação de alteração de factos, substanciais ou não, constantes da pronúncia.
24.ª Como se alcança dos citados preceitos legais, a deliberação que se segue ao encerramento da discussão serve para julgar a causa, seja de facto, seja de direito.
25.ª Ora, para se realizar tal julgamento não pode deixar de, antecipadamente, comunicar-se quaisquer eventuais alterações dos factos constantes da pronúncia.
26.ª Pelo que a comunicação do artigo 358.º do CPP não pode deixar de ser anterior à referida deliberação.
27.ª Acresce que, como o próprio tribunal a quo refere, "este – encerramento da discussão da causa – é o momento essencial para distinguir a fase da audiência e a fase da sentença (tanto mais que encerrada a discussão se segue a deliberação, momento este já inserido na fase da sentença, em que, portanto, não está aberta à discussão dos sujeitos processuais, nem ao contraditório)".
28.ª Ora, se assim é, a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP tem que forçosamente ocorrer na denominada "fase de audiência",
29.ª Seja porque tal comunicação está, manifestamente, sujeita à discussão dos sujeitos processuais e ao contraditório,
30.ª Seja porque, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º do CPP, o despacho de alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia deve ser proferido no "decurso da audiência".
31.ª Audiência, essa, que se encerra com as últimas declarações dos arguidos, prestadas nos termos do n.º 1 do artigo 361.º do CPP, como resulta claramente do n.º 2 do mesmo preceito legal e foi expressamente referido pelo Tribunal recorrido.
32.ª Assim, após as ultimas declarações dos arguidos já não é possível comunicar quaisquer alterações aos factos descritos na acusação/pronúncia e/ou quaisquer alterações à qualificação jurídica dos factos escritos na acusação/pronúncia.
33.ª Pelo que o despacho proferido (ou despachos proferidos) nas sessões de julgamento de 12 de Novembro de 2010, 10 de Dezembro de 2010, 07 de Janeiro de 2011 e 04 de Fevereiro de 2011 sempre deverá ser considerado irregular e inválido, nos termos e com as consequências previstas no artigo 123.º do CPP.
DA FALTA DE IMPUTAÇÃO AOS ARGUIDOS DE PARTE DOS FACTOS COMUNICADOS AO ABRIGO DO ARTIGO 328.º DO CPP COMO ALTERAÇÃO DOS FACTOS DESCRITOS NA ACUSAÇÃO/PRONUNCIA.
34.ª A circunstância de não ser nesta fase processual que se dão como provados ou como não provados os "novos factos" em nada altera o facto desses "novos factos" terem que estar imputados a um ou mais arguidos em concreto.
35.ª Se assim fosse, da acusação não teria que constar a imputação dos factos nela descritos a nenhum dos arguidos – pois, evidentemente, na acusação não se dão como provados ou como não provados os factos aí descritos –, bastando a sua imputação na sentença!!!
36.ª Por outro lado, o facto de alguns dos "novos factos" não estarem – como o próprio tribunal a quo reconhece não estarem – imputados a nenhum dos arguidos, não pode, sem mais, significar que tais factos são imputados a todos os arguidos que nos autos se mostram pronunciados.
37.ª Tanto mais que, sendo vários os arguidos, a lei manda que a acusação indique qual o grau de participação de cada um deles nos factos narrados (alínea b) do n.º 3 do artigo 283.º do CPP), o que manifestamente não sucede quando não se diz a quem são imputados os factos (ainda que o sejam a todos os arguidos) e em que medida.

38.ª Como facilmente se constata do n.º 3 do artigo 283.º do CPP, uma imputação indirecta, implícita ou presumida dos factos aos arguidos não é permitida por lei.
39.ª Salvo melhor opinião, as regras respeitantes à narração dos factos constantes da acusação/pronúncia e a imputação dos mesmos aos arguidos, não poderão deixar de ser aplicadas às alterações dos factos descritos na acusação/pronúncia que posteriormente sejam comunicados aos arguidos.
40.ª Na verdade, as alterações dos factos descritos na acusação/pronúncia, depois de comunicadas e consideradas válidas, passam, por assim dizer, a fazer parte da própria acusação/pronúncia, que, assim, fica aperfeiçoada e/ou completa.
41.ª Como tal, a narração dos "novos factos" e a indicação do grau de participação que o arguido ou arguidos neles tiveram – ou, dito de outra forma, a imputação desses novos factos a este ou aquele arguido – também se impõe, manifestamente, no caso previsto no artigo 358.º do CPP.
42.ª Como igualmente o impõe o n.º 6 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), pois, no caso previsto no artigo 358.º do CPP, não está dispensada a presença do arguido na audiência.
43.ª Aliás, se assim não for, isto é, se os novos factos não forem imputados a este ou aquele arguido e indicado qual o grau de participação de cada um dos arguidos nesses novos factos, cada um dos arguidos não saberá quais as alterações de facto de que se terá que defender.
44.ª Como forçosamente terá que saber, sobretudo num caso – como sucede nos presentes autos - em que existem diversos arguidos, vários com participações muito diversas, sob pena de se colocar em causa o exercício do contraditório, até com violação do disposto no n.º 5 do artigo 32.º da CRP.
45.ª Ora, dos diversos novos factos que foram comunicados aos defensores dos arguidos, os indicados com os n.ºs 21 e 22 (sessão de 12 de Novembro de 2010), com os números 23, 24, 25 (sessão de 12 de Novembro de 2010) e com os números 27, 28 e 29 (sessão de 10 de Dezembro de 2010) não são imputados a qualquer dos arguidos.
46.ª Assim, contendo o despacho de alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia factos que não são imputados a nenhum dos arguidos, nem se indicando porque motivo os mesmos deverão fundamentar a aplicação de uma pena a este ou aquele arguido ou o grau de participação de cada arguido nos mesmos, tal despacho não poderá deixar de se considerar nulo, atento o disposto no corpo do n.º 3 do artigo 283.º.
DA ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA EFECTUADA AO ARGUIDO N. SER UMA ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL
47.ª Entende o Tribunal que a imputação ao Arguido N. da prática de um crime de infracção das regras de segurança, previsto e punido pelo artigo 277.º n.º 1 al. a.) e n.º 2, agravado pelo resultado nos termos do artigo 285.º, todos do Código Penal e com referência ao artigo 2.º n.º 1 da Portaria 101/96 de 3 Abril, e, não a prática de tal crime na previsão do n.º 3 do citado artigo 277.º, conforme lhe é imputado no dito despacho de pronúncia, não consubstancia uma alteração substancial dos factos.
48.ª Refira-se desde logo que tal alteração não se encontra fundamentada, falta de fundamentação que se invoca para os devidos e legais efeitos, não bastando dizer que a mesma se baseia nos factos já constantes do despacho de pronúncia.
49.ª Até porque, se assim é – o que se admite por mero efeito de raciocínio – o Tribunal já teve muito tempo para fazer a pretendida "correcção", permitindo ao Arguido exercer cabalmente o seu direito de defesa, defendendo-se do crime do qual o Tribunal o pretende agora acusar ao invés daquele de que o acusou na Pronúncia.
50.ª A pretendida alteração de qualificação jurídica só se poderá pretender sustentar nos "novos factos" constantes do(s) mesmo(s) despacho(s).
51.ª A alteração pretendida é uma alteração substancial, nos termos da al. f) do n.º do artigo 1.º do C.P.P., agravando os limites máximos das sanções aplicáveis ao Arguido N., enquadrando-se no artigo 359.º do Código Processo Penal, não podendo ser tomada em conta pelo Tribunal para efeito de condenação no processo em curso, o que se alega.
DO INDEFERIMENTO DA PROVA REQUERIDA PELOS ARGUIDOS.
52.ª O despacho recorrido, no ponto em que indeferiu a prova requerida pelos arguidos, não se encontra minimamente fundamentado.
53.ª A fundamentação de qualquer decisão judicial é imposta por lei e pela constituição (artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
54.ª Não se encontrando fundamentado o despacho recorrido no que respeita ao indeferimento da prova requerida pelos arguidos, tal despacho é ilegal e inválido nesse ponto.
55.ª Mas ainda que assim não fosse, a verdade é que o tribunal a quo não podia ter indeferido a prova requerida pelos arguidos.
56.ª Na verdade, "a admissão da prova constitui o poder mais vinculado do juiz no processo penal. O exercício deste poder é, pois, vinculado e sindicável (acórdão do TC n.º 171/2005)". (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 1° Edição, anotação ao artigo 340°, pág. 838).
57.ª Nem do artigo 340.º do CPP, nem do artigo 315.º do CPP, resulta, ainda que indirectamente, que seja exigida por lei a indicação dos motivos pelos quais se indica esta prova e não aquela, ou que seja exigida a indicação de quais os factos sobre que recairá esta ou aquela prova.
58.ª O que tanto é valido para as provas apresentadas pelos arguidos com a contestação, como para quaisquer outras provas que venham a ser requeridas posteriormente, seja após a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP, seja em qualquer outro momento.
59.ª O mesmo é dizer, a lei não impõe que no requerimento de qualquer prova sejam indicados os motivos pelos quais a mesma é requerida.
60.ª Quanto muito – o que apenas se admite por mero dever de patrocínio – o que resulta do espírito da lei é que da prova requerida, seja pela peça ou momento processual em que a mesma é requerida, seja pelos motivos eventualmente invocados para o fazer, se possa aferir da admissibilidade das provas ao abrigo do n.º 4 do artigo 340.º do CPP.
61.ª Ora, nos presentes autos e no que respeita à prova agora requerida pelos arguidos, é por demais manifesto que a mesma não era irrelevante ou supérflua.
62.ª Como é evidente que os meios de prova indicados não eram inadequados, de obtenção impossível ou muito duvidosa.
63.ª E nem sequer se pode entender que os requerimentos apresentados pelos arguidos tivessem qualquer finalidade dilatória, por se pretender prejudicar o regular andamento dos autos.
64.ª Com efeito, considerando o grande número de alterações aos factos constantes da pronúncia que foram indicados e a novidade de algumas matérias aí indicadas, é manifesto que quer a audição de algumas testemunhas, quer o esclarecimento dos senhores peritos, serão essenciais ou necessários para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
65.ª Aliás, tendo a produção de prova na presente audiência de discussão e julgamento tido inicio há mais de 2 anos (em Março de 2009) e tendo sido ouvidas quase 100 testemunhas, algumas ouvidas por mais de uma vez e grande parte delas por iniciativa do tribunal, parece-nos muito duvidoso que o mesmo tribunal possa agora indeferir, por pretensamente dilatórias, a audição de mais umas poucas testemunhas.
66.ª A tudo acresce que, ao contrário do que foi entendido no despacho recorrido, no caso da prova pericial, os ora arguidos motivaram a razão de ser dos novos esclarecimentos que foram pedidos aos senhores peritos e quais os factos sobre que os mesmos se deviam pronunciar.
67.ª Na verdade, no requerimento de produção de prova foi expressamente referido que "sejam notificados os Senhores Peritos para se pronunciarem sobre todos os novos factos, designadamente sobre a possibilidade de, em concreto, os mesmos terem contribuído para a ocorrência do acidente dos autos, em que medida e por acção e/omissão de quais arguidos."
68.ª Ora, tal esclarecimento, devidamente justificado, não pode deixar de se considerar essencial ou, pelo menos, necessário para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, não podendo, em caso algum, ser considerado dilatório.
69.ª Por tudo, pois, o despacho recorrido é nulo, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP, por omissão de diligências probatórias que podem ser essenciais para a descoberta da verdade,
70.ª Ou, caso assim não se entenda, tal despacho é irregular, nos termos e com as consequências do artigo 123.º do CPP, por omissão de uma diligência probatória pelo menos necessária ou útil para a descoberta da verdade.
71.ª Decidindo como decidiu o tribunal a quo violou, para além do mais, todas as disposições legais citadas nas presentes conclusões.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
1) Seja declarada que alteração da qualificação jurídica efectuada ao Arguido E. é uma alteração substancial, nos termos da al. f) do n.º do artigo 1.º do C.P.P., agravando os limites máximos das sanções aplicáveis ao Arguido N., enquadrando-se no artigo 359° do Código Processo Penal, não podendo ser tomada em conta pelo Tribunal para efeito de condenação no processo em curso.

2) Seja declarado inválido o despacho de 25 de Março de 2011, designadamente por o tribunal a quo ter indeferido as provas requeridas pelos arguidos e ordenada a substituição de tal despacho por outro em que tal prova seja deferida;

3) Seja declarado inválida a comunicação das alterações aos factos constantes da pronúncia por a mesma ser extemporânea;

4) Seja declarado inválido o despacho em que foram comunicadas as alterações aos factos constantes da pronúncia, por o mesmo não conter a imputação de alguns dos novos factos a um ou vários arguidos em concreto;

5) Caso assim não se entenda, seja ordenada a notificação pessoal a todos os arguidos das alterações aos factos constantes da pronúncia.

14.3. A motivação apresentada pelo arguido L. (fls. 16.391 e ss.) termina com a formulação das seguintes conclusões:

I – QUANTO À FALTA DA COMUNICAÇÃO AOS ARGUIDOS DAS ALTERAÇÕES DOS FACTOS DESCRITOS NA ACUSAÇÃO/PRONÚNCIA.
1.ª O facto dos arguidos se encontrarem dispensados de estar presentes nas audiências de discussão e julgamento em nada afecta, só por si, a obrigatoriedade de serem – ou não – pessoalmente notificados deste ou daquele acto processual.
2.ª Do n.º 9 do artigo 113.º do CPP resulta claramente que as decisões relativas à acusação devem ser efectuadas pessoalmente ao próprio arguido e ao seu defensor
3.ª Ora, a alteração de factos descritos na acusação/pronúncia ou à alteração da qualificação jurídica dos factos aí descritos, não pode deixar de se entender como um complemento ou aperfeiçoamento da própria acusação/pronúncia, passando tais alterações, maiores ou menores, a fazer parte da acusação ou pronúncia.
4.ª Com efeito, das alterações à acusação/pronúncia, ainda que não substanciais, pode resultar a condenação ou absolvição do arguido, tanto quanto tal pode resultar dos factos constantes da acusação ou pronúncia,
5.ª Pelo que as razões que impuseram ao legislador a obrigação de notificação pessoal do arguido da acusação, que, no essencial, respeitam ao cumprimento do principio do contraditório, se impõem igualmente à comunicação das alterações, ainda que não substanciais, à acusação e/ou pronúncia
6.ª Nos presentes autos, nenhum dos arguidos faltou a qualquer sessão de julgamento para que estivesse regularmente notificado, constando dessa notificação a advertência a que se refere a alínea d) do n.º 3 do artigo 196.º do CPP, pelo que nunca seria aplicável o disposto no artigo 333.º do CPP.
7.ª Mas ainda que seja aplicável aos presentes autos este último preceito legal, o certo é que, como já se referiu, a alteração de factos descritos na acusação/pronúncia ou à alteração da qualificação jurídica dos factos aí descritos, não pode deixar de se entender como um complemento ou aperfeiçoamento da própria acusação/pronúncia.
8.ª Pelo que lhe são forçosamente aplicáveis as regras respeitantes à notificação ao arguido da acusação, sendo certo que, nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do CPP, bem como dos artigos 277.º, n.º 3, e 283.º, n.ºs 5 e 6, ambos do CPP, a lei impõe que tal notificação seja pessoal.
9.ª Acresce que tal notificação pessoal ao arguido das alterações aos factos constantes da acusação é igualmente imposta pela letra do próprio n.º 1 do artigo 358.º do CPP, o qual dispõe que "se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa" (sublinhado nosso).
10.ª E compreende-se que assim seja, pois o arguido, após tal comunicação, tem total liberdade de alterar a sua "estratégia de defesa", designadamente a "escolha deste ou daquele advogado" (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 519/98).
11.ª Aliás, se o artigo 358.º do CPP, conjugado com o artigo 113.º, n.º 9, igualmente do CPP, for entendido como permitindo a comunicação das alterações apenas ao defensor do arguido, tal preceito será manifestamente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
12.ª Por tudo, pois, não se encontrando presente nenhum dos arguidos nas sessões em que foi proferido o despacho de alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia, isto é, nas sessões de 12 de Novembro de 2010, 10 de Dezembro de 2010, 07 de Janeiro de 2011 e 04 de Fevereiro de 2011, deviam os arguidos ter sido notificados de tal despacho por via postal simples, atento o disposto no artigo 113.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o que não sucedeu
13.ª Assim, sob pena de nulidade e/ou invalidade de todos os actos subsequentes ao despacho proferido nas sessões de julgamento de 12 de Novembro de 2010, 10 de Dezembro de 2010, 07 de Janeiro de 2011 e 04 de Fevereiro de 2011, por falta de comunicação do mesmo aos próprios arguidos pela forma prevista na lei, deverão os arguidos ser agora notificados por via postal simples do despacho de alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia
II — QUANTO À INVALIDADE E/OU IRREGULARIDADE, POR SER EXTEMPORÂNEO, DO DESPACHO QUE DETERMINOU A COMUNICAÇÃO DAS ALTERAÇÕES DOS FACTOS DESCRITOS NA ACUSAÇÃO/PRONÚNCIA.
14.ª O despacho de alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia deverá ser declarado inválido, com as consequências previstas no artigo 123.º do CPP.
15.ª Isto porque o referido despacho foi proferido finda a produção de prova e até já depois de encerrada a discussão, devendo, porém, ser proferido antes de findas ou encerradas tais fases.
16.ª Na verdade, já tendo tido lugar as alegações orais previstas no artigo 360° do CPP, já findou a produção de prova, pois tais alegações só são apresentadas "finda a produção de prova" (cf. início do n.º 1 do artigo 360.º do CPP).
17.ª Ora, a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP permite aos arguidos a apresentação de defesa quanto à alteração dos factos descritos na pronúncia e/ou quanto à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia, nos mais latos termos pela lei permitidos e de acordo com o seu exclusivo critério, o que, evidentemente, incluí a apresentação de novas provas, conforme tem sido entendido unanimemente pela nossa doutrina e jurisprudência.
18.ª Assim sendo, tal comunicação deverá sempre ser efectuada antes de finda a produção de prova, sob pena da produção de prova se repetir indefinidamente.
19.ª Aliás, que a comunicação efectuada ao abrigo do artigo 358.º do CPP deverá sempre ser efectuada antes de finda a produção de prova e de efectuadas as alegações orais finais, demonstra-o igualmente o facto de, sistematicamente, o artigo 358.º do CPP anteceder o artigo 360.º do CPP relativo às alegações orais.
20.ª E o mesmo resulta de, após o início das alegações orais, só ser admitida nova produção de prova em "casos excepcionais", sendo que, mesmo nesses "casos excepcionais", se deve decidir pela "suspensão das alegações" (citando o n.º 4 do artigo 360.º do CPP).
21.ª Ora, nos presentes autos, as alegações orais não se encontram suspensas, já tendo findado, pelo que não é mais possível a produção de prova, a qual pode sempre ocorrer após a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP.
22.ª Acresce que não é correcto afirmar-se, como faz o tribunal a quo no despacho em causa, que a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP só pode ser efectuada após a deliberação que se segue ao encerramento da discussão da causa.
23.ª Desde logo, como se alcança dos artigos 365.º e seguintes do CPP, em especial dos artigos 365.º e 368.º, a deliberação que se segue ao encerramento da discussão não visa, sequer complementarmente, determinar (ou não) a comunicação de alteração de factos, substanciais ou não, constantes da pronúncia.
24.ª Como se alcança dos citados preceitos legais, a deliberação que se segue ao encerramento da discussão serve para julgar a causa, seja de facto, seja de direito.
25.ª Ora, para se realizar tal julgamento não pode deixar de, antecipadamente, comunicar-se quaisquer eventuais alterações dos factos constantes da pronúncia.
26.ª Pelo que a comunicação do artigo 358.º do CPP não pode deixar de ser anterior à referida deliberação.
27.ª Acresce que, como o próprio tribunal a quo refere, "este – encerramento da discussão da causa – é o momento essencial para distinguir a fase da audiência e a fase da sentença (tanto mais que encerrada a discussão se segue a deliberação, momento este já inserido na fase da sentença, em que, portanto, não está aberta à discussão dos sujeitos processuais, nem ao contraditório)".
28.ª Ora, se assim é, a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP tem que forçosamente ocorrer na denominada "fase de audiência",
29.ª Seja porque tal comunicação está, manifestamente, sujeita à discussão dos sujeitos processuais e ao contraditório,
30.ª Seja porque, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º do CPP, o despacho de alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia deve ser proferido no "decurso da audiência".
31.ª Audiência, essa, que se encerra com as últimas declarações dos arguidos, prestadas nos termos do n.º 1 do artigo 361.º do CPP, como resulta claramente do n.º 2 do mesmo preceito legal e foi expressamente referido pelo Tribunal recorrido.
32.ª Assim, após as ultimas declarações dos arguidos já não é possível comunicar quaisquer alterações aos factos descritos na acusação/pronúncia e/ou quaisquer alterações à qualificação jurídica dos factos escritos na acusação/pronúncia.
33.ª Pelo que o despacho proferido (ou despachos proferidos) nas sessões de julgamento de 12 de Novembro de 2010, 10 de Dezembro de 2010, 07 de Janeiro de 2011 e 04 de Fevereiro de 2011 sempre deverá ser considerado irregular e inválido, nos termos e com as consequências previstas no artigo 123.º do CPP.
III — QUANTO À FALTA DE IMPUTAÇÃO AOS ARGUIDOS DE PARTE DOS FACTOS COMUNICADOS AO ABRIGO DO ARTIGO 328.º DO CPP COMO ALTERAÇÃO DOS FACTOS DESCRITOS NA ACUSAÇÃO/PRONÚNCIA.
34.ª A circunstância de não ser nesta fase processual que se dão como provados ou como não provados os "novos factos" em nada altera o facto desses "novos factos" terem que estar imputados a um ou mais arguidos em concreto.
35.ª Se assim fosse, da acusação não teria que constar a imputação dos factos nela descritos a nenhum dos arguidos – pois, evidentemente, na acusação não se dão como provados ou como não provados os factos aí descritos –, bastando a sua imputação na sentença!!!
36.ª Por outro lado, o facto de alguns dos "novos factos" não estarem – como o próprio tribunal a quo reconhece não estarem – imputados a nenhum dos arguidos, não pode, sem mais, significar que tais factos são imputados a todos os arguidos que nos autos se mostram pronunciados.
37.ª Tanto mais que, sendo vários os arguidos, a lei manda que a acusação indique qual o grau de participação de cada um deles nos factos narrados (alínea b) do n.º 3 do artigo 283.º do CPP), o que manifestamente não sucede quando não se diz a quem são imputados os factos (ainda que o sejam a todos os arguidos) e em que medida.
38.ª Como facilmente se constata do n.º 3 do artigo 283.º do CPP, uma imputação indirecta, implícita ou presumida dos factos aos arguidos não é permitida por lei.
39.ª Salvo melhor opinião, as regras respeitantes à narração dos factos constantes da acusação/pronúncia e a imputação dos mesmos aos arguidos, não poderão deixar de ser aplicadas às alterações dos factos descritos na acusação/pronúncia que posteriormente sejam comunicados aos arguidos.
40.ª Na verdade, as alterações dos factos descritos na acusação/pronúncia, depois de comunicadas e consideradas válidas, passam, por assim dizer, a fazer parte da própria acusação/pronúncia, que, assim, fica aperfeiçoada e/ou completa.
41.ª Como tal, a narração dos "novos factos" e a indicação do grau de participação que o arguido ou arguidos neles tiveram – ou, dito de outra forma, a imputação desses novos factos a este ou aquele arguido – também se impõe, manifestamente, no caso previsto no artigo 358.º do CPP.
42.ª Como igualmente o impõe o n.º 6 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), pois, no caso previsto no artigo 358.º do CPP, não está dispensada a presença do arguido na audiência.
43.ª Aliás, se assim não for, isto é, se os novos factos não forem imputados a este ou aquele arguido e indicado qual o grau de participação de cada um dos arguidos nesses novos factos, cada um dos arguidos não saberá quais as alterações de facto de que se terá que defender.
44.ª Como forçosamente terá que saber, sobretudo num caso – como sucede nos presentes autos – em que existem diversos arguidos, vários com participações muito diversas, sob pena de se colocar em causa o exercício do contraditório, até com violação do disposto no n.º 5 do artigo 32.º da CRP.
45.ª Ora, dos diversos novos factos que foram comunicados aos defensores dos arguidos, os indicados com os n.ºs 21 e 22 (sessão de 12 de Novembro de 2010), com os números 23, 24, 25 (sessão de 12 de Novembro de 2010) e com os números 27, 28 e 29 (sessão de 10 de Dezembro de 2010) não são imputados a qualquer dos arguidos.
46.ª Assim, contendo o despacho de alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia factos que não são imputados a nenhum dos arguidos, nem se indicando porque motivo os mesmos deverão fundamentar a aplicação de uma pena a este ou aquele arguido ou o grau de participação de cada arguido nos mesmos, tal despacho não poderá deixar de se considerar nulo, atento o disposto no corpo do n.º 3 do artigo 283.º.
IV — QUANTO AO INDEFERIMENTO DA PROVA REQUERIDA PELOS ARGUIDOS.
47.ª O despacho recorrido, no ponto em que indeferiu a prova requerida pelos arguidos, não se encontra minimamente fundamentado.
48.ª A fundamentação de qualquer decisão judicial é imposta por lei e pela constituição (artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
49.ª Não se encontrando fundamentado o despacho recorrido no que respeita ao indeferimento da prova requerida pelos arguidos, tal despacho é ilegal e inválido nesse ponto.
50.ª Mas ainda que assim não fosse, a verdade é que o tribunal a quo não podia ter indeferido a prova requerida pelos arguidos.
51.ª Na verdade, "a admissão da prova constitui o poder mais vinculado do juiz no processo penal. O exercício deste poder é, pois, vinculado e sindicável (acórdão do TC n.º 171/2005)". (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 1° Edição, anotação ao artigo 340.º, pág. 838).
52.ª Nem do artigo 340.º do CPP, nem do artigo 315.º do CPP, resulta, ainda que indirectamente, que seja exigida por lei a indicação dos motivos pelos quais se indica esta prova e não aquela, ou que seja exigida a indicação de quais os factos sobre que recairá esta ou aquela prova.
53.ª O que tanto é válido para as provas apresentadas pelos arguidos com a contestação, como para quaisquer outras provas que venham a ser requeridas posteriormente, seja após a comunicação prevista no artigo 358.º do CPP, seja em qualquer outro momento.
54.ª O mesmo é dizer, a lei não impõe que no requerimento de qualquer prova sejam indicados os motivos pelos quais a mesma é requerida.
55.ª Quanto muito – o que apenas se admite por mero dever de patrocínio – o que resulta do espírito da lei é que da prova requerida, seja pela peça ou momento processual em que a mesma é requerida, seja pelos motivos eventualmente invocados para o fazer, se possa aferir da admissibilidade das provas ao abrigo do n.º 4 do artigo 340.º do CPP.
56.ª Ora, nos presentes autos e no que respeita à prova agora requerida pelos arguidos, é por demais manifesto que a mesma não era irrelevante ou supérflua.
57.ª Como é evidente que os meios de prova indicados não eram inadequados, de obtenção impossível ou muito duvidosa.
58.ª E nem sequer se pode entender que os requerimentos apresentados pelos arguidos tivessem qualquer finalidade dilatória, por se pretender prejudicar o regular andamento dos autos.
59.ª Com efeito, considerando o grande número de alterações aos factos constantes da pronúncia que foram indicados e a novidade de algumas matérias aí indicadas, é manifesto que quer a audição de algumas testemunhas, quer o esclarecimento dos senhores peritos, serão essenciais ou necessários para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
60.ª Aliás, tendo a produção de prova na presente audiência de discussão e julgamento tido inicio há mais de 2 anos (em Março de 2009) e tendo sido ouvidas quase 100 testemunhas, algumas ouvidas por mais de uma vez e grande parte delas por iniciativa do tribunal, parece-nos muito duvidoso que o mesmo tribunal possa agora indeferir, por pretensamente dilatórias, a audição de mais umas poucas testemunhas.
61.ª A tudo acresce que, ao contrário do que foi entendido no despacho recorrido, no caso da prova pericial, os ora arguidos motivaram a razão de ser dos novos esclarecimentos que foram pedidos aos senhores peritos e quais os factos sobre que os mesmos se deviam pronunciar.
62.ª Na verdade, no requerimento de produção de prova foi expressamente referido que "sejam notificados os Senhores Peritos para se pronunciarem sobre todos os novos factos, designadamente sobre a possibilidade de, em concreto, os mesmos terem contribuído para a ocorrência do acidente dos autos, em que medida e por acção e/omissão de quais arguidos."
63.ª Ora, tal esclarecimento, devidamente justificado, não pode deixar de se considerar essencial ou, pelo menos, necessário para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, não podendo, em caso algum, ser considerado dilatório.
64.ª Por tudo, pois, o despacho recorrido é nulo, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP, por omissão de diligências probatórias que podem ser essenciais para a descoberta da verdade,
65.ª Ou, caso assim não se entenda, tal despacho é irregular, nos termos e com as consequências do artigo 123.º do CPP, por omissão de uma diligência probatória pelo menos necessária ou útil para a descoberta da verdade.
66.ª Decidindo como decidiu o tribunal a quo violou, para além do mais, todas as disposições legais citadas nas presentes conclusões.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
a) Seja declarado inválido o despacho de 25 de Março de 2011, designadamente por falta de fundamentação e por o tribunal a quo ter indeferido as provas requeridas pelos arguidos e ordenada a substituição de tal despacho por outro em que tal prova seja deferida;
b) Seja declarado inválida a comunicação das alterações aos factos constantes da pronúncia por a mesma ser extemporânea;
c) Seja declarado inválido o despacho em que foram comunicadas as alterações aos factos constantes da pronúncia, por o mesmo não conter a imputação de alguns dos novos factos a um ou vários arguidos em concreto;
d) Caso assim não se entenda, seja ordenada a notificação pessoal a todos os arguidos das alterações aos factos constantes da pronúncia.

15 – O Ministério Público respondeu às motivações apresentadas defendendo a improcedência dos recursos (fls. 16.629 e ss.).

16 – Estes recursos foram admitidos pelo despacho de fls. 16.927.

17 – No dia 15 de Abril de 2011, no decurso da audiência de julgamento, o Sr. Juiz Presidente, após deliberação do tribunal colectivo, ditou para a acta o despacho que, na parte para este efeito relevante, se transcreve (fls. 16.353 e ss.):
1.º Relativamente ao requerimento formulado na sessão de julgamento de 25 de Março pelo Ilustre Advogado Dr. Z., exercido que foi o contraditório pelo Digno Procurador da República (cf. fls. 16.190 a 16.199) e reunido que foi o Tribunal Colectivo, cumpre apreciar e decidir:
Tal Ilustre causídico pretende que o despacho proferido nessa sessão de julgamento seja declarado nulo, na parte em que indeferiu a produção de prova pelos referidos arguidos requerida, sustentando tal nulidade na alínea d) n.º 2 artigo 120.º do C.P.Penal.
Mais é pretendido em tal requerimento, que tal despacho seja declarado irregular por ter designado a apresentação de novas alegações para data posterior à prevista no n.º 6 do artigo 328.º do C.P.Penal sob pena de, não o fazendo, incorrer em nulidade, nos termos da já anterior citada alínea d) n.º 2 do artigo 120.º do C.P.Penal.
O Ministério Público concluiu que em tal despacho não foram cometidas quaisquer nulidades e/ou irregularidades, mais dizendo, que todos os actos foram produzidos de acordo com a lei processual penal e pugnando pelo indeferimento, na sua totalidade, do requerido por aquele Ilustre Advogado.
Com excepção do vertido na página 7 da resposta que pelo Ministério Publico foi apresentada, poderíamos desde já aderir in totum ao que ali é referido por aquele Digno Magistrado do Ministério Público.
Na verdade, com a prolação de tal despacho (fls. 16.174 a 16.183) não foram cometidas quaisquer irregularidades e/ou nulidades, respeitando-se no mesmo a lei processual penal ali expressamente invocada sustentando-se tal decisão nos fundamentos de facto e de direito daquela constantes, os quais aqui se dão por reproduzidos e assim se evitam repetir para não se praticarem actos inúteis.
Como dissemos ao princípio, este Tribunal Colectivo só não adere in totum à posição do Ministério Publico atrás referida em virtude de contrariamente ao que o mesmo defende (ao que parece) não entendemos como acto anómalo na estrutura do Processo Penal o facto de se ter dado a possibilidade aos Ilustres Advogados da defesa – querendo, como quiseram – de virem a produzir alegações orais complementares relativamente aos "novos factos" que oportunamente foram comunicados aos arguidos, assim como, quanto à nova qualificação jurídica que tempestivamente foi comunicada ao arguido N., na pessoa do seu Ilustre Defensor.
É certo que tal faculdade não se mostra expressamente prevista na lei processual penal após a fase do artigo 361.º do Código de Processo Penal, porém, tal possibilidade que aos arguidos foi concedida mostra-se justificada pela própria estrutura que orienta todo o Código de Processo Penal, isto é, melhor dizendo, a defesa terá sempre a última palavra, pelo que, mesmo que por forma escrita já se tenha pronunciado sobre as referidas comunicações, ainda assim, entendemos como é comummente aceite na jurisprudência da 1.ª instância conferir tal possibilidade aos Ilustres advogados dos arguidos e que aqueles expressamente aceitaram.
O que não pode é dizer-se que, com tal, se abriu uma "nova fase" do julgamento quando a mesma – no que tange à produção de prova – já há muito havia sido encerrada.
Assim, sem necessidade de outras considerações por escusadas, indefere-se na totalidade o requerimento apresentado pelo Dr. Z. na sessão de julgamento de 25 de Março de 2011.
Notifique.
2.º Relativamente aos requerimentos apresentados no dia de hoje, em acta, pelos Ilustres Advogados dos arguidos cumpre apreciar e decidir:
Afigura-se-nos que o ali requerido já foi objecto de apreciação na decisão proferida por este Tribunal Colectivo na acta da sessão de julgamento de 25 de Março de 2011, a fls. 16.174 a 16.183 dos presentes autos.
Mostra-se, assim, quanto a tal, esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal Colectivo, conforme decorre do preceituado no artigo 666.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal.
Com todo o respeito que nos merecem os seus Ilustres subscritores, tais requerimentos mais não são do que uma versão revista e melhorada daqueles outros, que pelos mesmos foram apresentados e que por este Tribunal Colectivo foram apreciados na decisão supra referida.
Tanto bastaria para que, sem necessidade de mais delongas, se indeferisse na sua totalidade, o ali requerido.
Caso assim não possa ser entendido, à cautela, sempre se dirá que nesta fase processual não se justifica a produção de qualquer outra prova, nomeadamente, a pelos arguidos, respectivamente, requerida nos sobreditos requerimentos.
E não se diga que, com tal, este Tribunal Colectivo violou os direitos e garantias dos arguidos, já que, salvo melhor entendimento, tais direitos e garantias foram sobejamente assegurados em todas as sessões de julgamento que até ao presente ocorreram.
Aliás, basta consultar as sessões de julgamento em que foram inquiridas muitas das testemunhas cuja reinquirição agora se pretende para verificar a forma ampla, exaustiva com que foram debatidas as várias questões em apreço nestes autos, nomeadamente, aquelas relacionadas com os novos factos que aos arguidos foram comunicados após o encerramento da fase de produção da prova.
Concorda-se, assim, com o doutamente expendido na douta promoção do Ministério Publico que antecede e, a qual com a permissão do mesmo, aqui se faz nossa.
Sem mais, indefere-se na sua totalidade o requerido pelos Ilustres Defensores dos arguidos nos requerimentos que ora se analisaram.
Notifique.

18 – Os arguidos E. e L. interpuseram recurso desse despacho.

18.1. A motivação apresentada pelo arguido E. (fls. 16.580 e ss.) termina com a formulação das seguintes conclusões:
DO INDEFERIMENTO DO REQUERIDO NA SESSÃO DE JULGAMENTO DE 25 DE MARÇO DE 2011: PERDA DE EFICÁCIA DA PROVA JÁ PRODUZIDA.
1.ª Existe uma diferença significativa entre o despacho de que agora se recorre e o despacho proferido a 4 de Março de 2011.
2.ª Essa diferença é a de que, quando o despacho de que ora se recorre foi proferido, o processo se encontrava manifestamente na fase de discussão, enquanto que, quando foi proferido o despacho de 4 de Março de 2011, se podia entender que tal fase já havia terminado.
3.ª Na verdade, após o Tribunal ter designado data para a apresentação das "alegações orais complementares", não pode deixar de se entender que foi reaberta a fase de discussão da presente audiência.
4.ª Com efeito, estamos ainda na fase de apresentação das alegações previstas no artigo 360.º do CPP, ainda que tais alegações tenham, agora, um carácter complementar das alegações orais já anteriormente apresentadas ou que não tenha sido produzida nova prova.
5.ª Ora, se assim é – ou seja, se o julgamento, à data do despacho recorrido, ainda se encontrava na fase de produção de prova e discussão – não pode deixar de se considerar que o número 6 do artigo 328.º do CPP tem plena aplicação aos presentes autos.
6.ª Assim, não tendo sido produzida qualquer prova há muito mais de 30 dias (desde pelo menos 13 de Outubro de 2010), logo que na sessão de 25 de Março de 2011 foi designado dia para apresentação das alegações orais complementares, deveria ter sido declarada a perca de eficácia de toda a prova já realizada.
7.ª Mas o certo é que, pelos motivos alegados no recurso do despacho proferido na sessão de discussão e julgamento de 04 de Março de 2011 (pontos 1 a 46 do referido recurso), que aqui se dão por integralmente reproduzidos, o número 6 do artigo 328.º do CPP é aplicável a toda a audiência de discussão e julgamento,
8.ª Sendo ainda certo que, pelo menos até à deliberação do tribunal sobre a prova que tenha sido produzida, terá que ocorrer efectiva produção de prova com não mais de 30 dias de intervalo.
9.ª Pelo que, independentemente da fase em que se entender que se encontram – ou se encontravam, à data do despacho recorrido – os presentes autos, sempre deveria ter sido declarada a ineficácia de toda a prova já realizada.
10.ª Ao não ter sido declarada a perda de eficácia da prova já realizada, omitiu-se uma diligência essencial para a descoberta da verdade legalmente obrigatória, pelo que o despacho recorrido é nulo considerando o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP.
DO INDEFERIMENTO DO REQUERIDO NA SESSÃO DE JULGAMENTO DE 15 DE ABRIL DE 2011: INDEFERIMENTO DA PROVA REQUERIDA PELOS ARGUIDOS.
11.ª O indeferimento da prova requerida pelos arguidos na sessão de 15 de Abril de 2011 nunca tinha sido objecto de qualquer decisão anterior.
12.ª Com efeito, na decisão proferida na sessão de 25 de Março de 2011, o Tribunal Colectivo pronunciou-se sobre a prova que os arguidos tinham requerido conjuntamente com a sua defesa à alteração dos factos e à qualificação jurídica constante da pronúncia, tendo indeferido a prova então requerida por entender que a realização de tal prova não tinha sido justificada.
13.ª Já na sessão de audiência de 15 de Abril de 2011 os arguidos requereram a produção de prova ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 340.º do CPP, além do que justificaram expressamente e detalhadamente a necessidade e/ou utilidade da produção da prova por si requerida.
14.ª Trata-se, pois, de matérias diferentes, sobre as quais podem – e devem – ser proferidas decisões próprias e separadas.
15.ª Pelo que nunca o Tribunal a quo teria esgotado o seu poder jurisdicional.
16.ª No mais, o Tribunal a quo veio entender que a prova requerida na sessão de 15 de Abril de 2011 era desnecessária e que "apenas serviria para protelar ainda mais o encerramento deste julgamento".
17.ª Porém, como se encontra devidamente justificado no requerimento de produção de prova apresentado na sessão de 15 de Abril de 2011, a prova cuja realização foi indeferida é, no mínimo, necessária para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
18.ª Tanto mais que só com nova produção de prova se poderá apurar, com o mínimo de rigor, qual o grau de participação de cada um dos arguidos em cada um desses "novos factos".
19.ª Para mais quando uma parte significativa dos "novos factos" não é imputada a qualquer arguido em particular.
20.ª Por outro lado, existindo nos autos prova pericial, sempre se terá que considerar necessário, senão mesmo essencial, para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, que os senhores peritos se pronunciem expressamente sobre os "novos factos".
21.ª Pelo menos para que os peritos se possam pronunciar expressamente sobre a relevância de tais "novos factos" para a ocorrência do acidente, em que medida e qual a possível imputação dessas situações a cada um dos arguidos.
22.ª Por tudo, pois, é manifesto que a prova requerida pelos arguidos na sessão de 15 de Abril de 2011 e cuja realização foi indeferida é, no mínimo, necessária para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
23.ª Como igualmente é manifesto que a prova que aí foi requerida e indeferida não é irrelevante ou supérflua, nem inadequada ou de obtenção difícil ou muito duvidosa, nem pode de forma alguma ser considerada meramente dilatória.
24.ª Assim, por, em primeiro lugar, os meios de prova que foram requeridos pelos arguidos serem necessários – ou até essenciais – para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa,
25.ª Por, em segundo lugar, tais meios de prova não poderem ser considerados irrelevantes ou supérfluos, nem inadequados ou de obtenção difícil ou muito duvidosa, nem muito menos meramente dilatórios,
26.ª Bem como, em terceiro lugar, por tudo o que já se alegou no recurso do despacho proferido na sessão de 25 de Março de 2011, que aqui se dá por integralmente reproduzido,
27.ª Devia o Tribunal a quo ter ordenado a produção de toda a prova que foi requerida pelos arguidos na sessão de 15 de Abril de 2011.
28.ª Não o tendo feito, o despacho recorrido é nulo, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP, por omissão de diligências probatórias que podem ser essenciais para a descoberta da verdade e por violação do n.º 1 do artigo 340.º do Código de Processo Penal.
29.ª Ou, caso assim não se entenda, tal despacho sempre será irregular, nos termos e com as consequências do artigo 123.º do CPP, por omissão de uma diligência probatória pelo menos necessária ou útil para a descoberta da verdade.
30.ª Tal requerimento é ainda inconstitucional por violação do princípio do contraditório em processo penal e consequentemente do direito de defesa do Arguido, consagrados pelo n.º 2 e n.º 5 do artigo 32.º da C.R.P..
31.ª Decidindo como decidiu o Tribunal a quo violou, para além do mais, todas as disposições legais citadas na presente motivação de recurso.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
1) Ser declarada ineficaz toda a produção de prova já realizada nos presentes autos e ordenar-se a sua repetição;
2) Em qualquer caso, ser ordenada a produção de prova requerida pelo arguido ora recorrente na sessão de audiência de 15 de Abril de 2011.
18.2. A motivação apresentada pelo arguido L. (fls. 16.559 e ss.) termina com a formulação das seguintes conclusões:
I – QUANTO AO INDEFERIMENTO DO REQUERIDO NA SESSÃO DE JULGAMENTO DE 25 DE MARÇO DE 2011: PERDA DE EFICÁCIA DA PROVA JÁ PRODUZIDA.
1) Existe uma diferença significativa entre o despacho de que agora se recorre e o despacho proferido a 4 de Março de 2011.
2) Essa diferença é a de que, quando o despacho de que ora se recorre foi proferido, o processo se encontrava manifestamente na fase de discussão, enquanto que, quando foi proferido o despacho de 4 de Março de 2011, se podia entender que tal fase já havia terminado.
3) Na verdade, após o Tribunal ter designado data para a apresentação das "alegações orais complementares", não pode deixar de se entender que foi reaberta a fase de discussão da presente audiência.
4) Com efeito, estamos ainda na fase de apresentação das alegações previstas no artigo 360.º do CPP, ainda que tais alegações tenham, agora, um carácter complementar das alegações orais já anteriormente apresentadas ou que não tenha sido produzida nova prova.
5) Ora, se assim é – ou seja, se o julgamento, à data do despacho recorrido, ainda se encontrava na fase de produção de prova e discussão – não pode deixar de se considerar que o número 6 do artigo 328.º do CPP tem plena aplicação aos presentes autos.
6) Assim, não tendo sido produzida qualquer prova há muito mais de 30 dias (desde pelo menos 13 de Outubro de 2010), logo que na sessão de 25 de Março de 2011 foi designado dia para apresentação das alegações orais complementares, deveria ter sido declarada a perca de eficácia de toda a prova já realizada.
7) Mais: pelos motivos alegados no recurso do despacho proferido na sessão de discussão e julgamento de 04 de Março de 2011 (páginas 2 a 13 do referido recurso), que aqui se dão por integralmente reproduzidos, o número 6 do artigo 328.º do CPP é aplicável a toda a audiência de discussão e julgamento,
8) Sendo ainda certo que, pelo menos até à deliberação do tribunal sobre a prova que tenha sido produzida, terá que ocorrer efectiva produção de prova com não mais de 30 dias de intervalo.
9) Pelo que, independentemente da fase em que se entender que se encontram – ou se encontravam, à data do despacho recorrido – os presentes autos, sempre deveria ter sido declarada a ineficácia de toda a prova já realizada.
10) Ao não ter sido declarada a perda de eficácia da prova já realizada, omitiu-se uma diligência essencial para a descoberta da verdade legalmente obrigatória, pelo que o despacho recorrido é nulo considerando o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP.
II – QUANTO AO INDEFERIMENTO DO REQUERIDO NA SESSÃO DE JULGAMENTO DE 15 DE ABRIL DE 2011: INDEFERIMENTO DA PROVA REQUERIDA PELOS ARGUIDOS.
11) O indeferimento da prova requerida pelos arguidos na sessão de 15 de Abril de 2011 nunca tinha sido objecto de qualquer decisão anterior.
12) Com efeito, na decisão proferida na sessão de 25 de Março de 2011, o Tribunal Colectivo pronunciou-se sobre a prova que os arguidos tinham requerido conjuntamente com a sua defesa à alteração dos factos e à qualificação jurídica constante da pronúncia, tendo indeferido a prova então requerida por entender que a realização de tal prova não tinha sido justificada.
13) Já na sessão de audiência de 15 de Abril de 2011 os arguidos requereram a produção de prova ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 340.º do CPP, além do que justificaram expressamente e detalhadamente a necessidade e/ou utilidade da produção da prova por si requerida
14) Trata-se, pois, de matérias diferentes, sobre as quais podem – e devem – ser proferidas decisões próprias e separadas.
15) Pelo que nunca o Tribunal a quo teria esgotado o seu poder jurisdicional.
16) No mais, o Tribunal a quo veio entender que a prova requerida na sessão de 15 de Abril de 2011 era desnecessária e que "apenas serviria para protelar ainda mais o encerramento deste julgamento".
17) Porém, como se encontra devidamente justificado no requerimento de produção de prova apresentado na sessão de 15 de Abril de 2011, a prova cuja realização foi indeferida é, no mínimo, necessária para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
18) Tanto mais que só com nova produção de prova se poderá apurar, com o mínimo de rigor, qual o grau de participação de cada um dos arguidos em cada um desses "novos factos".
19) Para mais quando uma parte significativa dos "novos factos" não é imputada a qualquer arguido em particular.
20) Por outro lado, existindo nos autos prova pericial, sempre se terá que considerar necessário, senão mesmo essencial, para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, que os senhores peritos se pronunciem expressamente sobre os "novos factos".
21) Pelo menos para que os peritos se possam pronunciar expressamente sobre a relevância de tais "novos factos" para a ocorrência do acidente, em que medida e qual a possível imputação dessas situações a cada um dos arguidos.
22) Por tudo, pois, é manifesto que a prova requerida pelos arguidos na sessão de 15 de Abril de 2011 e cuja realização foi indeferida é, no mínimo, necessária para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
23) Como igualmente é manifesto que a prova que aí foi requerida e indeferida não é irrelevante ou supérflua, nem inadequada ou de obtenção difícil ou muito duvidosa, nem pode de forma alguma ser considerada meramente dilatória.
24) Assim, por, em primeiro lugar, os meios de prova que foram requeridos pelos arguidos serem necessários – ou até essenciais – para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa,
25) Por, em segundo lugar, tais meios de prova não poderem ser considerados irrelevantes ou supérfluos, nem inadequados ou de obtenção difícil ou muito duvidosa, nem muito menos meramente dilatórios,
26) Bem como, em terceiro lugar, por tudo o que já se alegou no recurso do despacho proferido na sessão de 25 de Março de 2011, que aqui se dá por integralmente reproduzido,
27) Devia o Tribunal a quo ter ordenado a produção de toda a prova que foi requerida pelos arguidos na sessão de 15 de Abril de 2011.
28) Não o tendo feito, o despacho recorrido é nulo, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP, por omissão de diligências probatórias que podem ser essenciais para a descoberta da verdade.
29) Ou, caso assim não se entenda, tal despacho sempre será irregular, nos termos e com as consequências do artigo 123.º do CPP, por omissão de uma diligência probatória pelo menos necessária ou útil para a descoberta da verdade.
30) Decidindo como decidiu o Tribunal a quo violou, para além do mais, todas as disposições legais citadas na presente motivação de recurso.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
1) Ser declarada ineficaz toda a produção de prova já realizada nos presentes autos e ordenar-se a sua repetição;
2) Em qualquer caso, ser ordenada a produção de prova requerida pelo arguido ora recorrente na sessão de audiência de 15 de Abril de 2011.

19 – O Ministério Público respondeu às motivações apresentadas defendendo a improcedência dos recursos (fls. 17.759 e ss.).

20 – Estes recursos foram admitidos pelo despacho de fls. 16.927.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A – Os recursos interpostos do despacho proferido no dia 3 de Outubro de 2007

21 – A primeira questão que os recorrentes põem à consideração deste tribunal é a de saber se o «Relatório Final da Comissão de Inquérito do Ministério do Equipamento Social, junto a fls. 139»[1], que o colectivo considerou não consubstanciar prova pericial, antes o reconduzindo a prova documental, pode valer em julgamento para o efeito da formação da convicção do tribunal.
Antes de nos pronunciarmos directamente sobre esta questão importa dizer que a decisão do tribunal de 1.ª instância de considerar que o referido relatório não consubstanciava prova pericial e que, sob esta veste, não podia ser valorado em julgamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 355.º e ss. do Código de Processo Penal, foi perfeitamente justificada.
A elaboração desse relatório não surgiu na sequência de qualquer despacho proferido no processo pela autoridade judiciária competente que tenha determinado a realização de uma perícia e designado os respectivos peritos. Estes não gozaram das garantias que o processo penal lhes confere. Os demais sujeitos processuais não puderam exercer o contraditório técnico designando, para o efeito, os respectivos consultores.
Em resumo. Não se trata de um acto processual, não tendo, por isso, sido adoptado o procedimento previsto quanto a este meio de prova pelos artigos 151.º a 163.º Código de Processo Penal.
Tratando-se de um acto extrajudicial, o relatório elaborado pela comissão nomeada por um membro do Governo não podia ser considerado como prova pericial.

22 – O tribunal de 1.ª instância considerou, porém, que o referido relatório, não sendo embora prova pericial, constituía prova documental e que, como tal, podia servir, como veio efectivamente a servir[2], para a formação da convicção do tribunal[3].
E, numa primeira leitura, essa decisão podia parecer acertada.
O relatório podia ser visto como uma declaração corporizada num escrito – artigo 164.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – e, como tal, susceptível de constituir prova documental.
Porém, se lermos esse relatório, verificamos que a declaração que ele consubstancia não é idónea a provar qualquer facto juridicamente relevante – alínea a) do artigo 255.º do Código Penal – uma vez que, na sua essência, essa declaração não traduz qualquer conhecimento directo dos factos que constituem o objecto do processo por parte de quem a elaborou. Não é, tal como o exigiria a noção tradicional de documento, a fixação da «memória de um facto para garantir a existência de uma situação jurídica»[4]. Trata-se de uma peça escrita de natureza valorativa[5] que, tendo por base declarações dos arguidos e de outras pessoas, informações e relatórios técnicos de distintas entidades, fotografias, alguma observação pessoal e conhecimentos especializados próprios, extrai, para fins político-administrativos, conclusões sobre as circunstâncias em que o acidente ocorreu e sobre as suas causas.
Se um relatório final elaborado no próprio processo judicial pela Polícia Judiciária que analisasse a prova pessoal, documental e pericial reunida durante a fase de inquérito e tomasse em conta os factos observados pelo OPC que tinha procedido à investigação não poderia servir para formar a convicção do tribunal de julgamento – artigos 355.º a 357.º do Código de Processo Penal – muito menos o pode um relatório materialmente semelhante elaborado, fora do processo penal, por uma entidade administrativa[6].
Não é a qualidade técnica dos seus subscritores que torna valorável o que materialmente não era.
De tudo isto se conclui que o referido relatório, que se encontra, nomeadamente, a fls. 139 a 170 do 1.º volume deste processo, não podia ter sido tomado em conta para a formação da convicção do tribunal[7].

23 – O mesmo se diga quanto à Informação elaborada pelo IDICT, que é o primeiro elemento anexo àquele Relatório.
Também ela constitui uma avaliação da situação por parte de um técnico superior daquele instituto baseada na consulta de documentos e na audição de pessoas que participaram na obra e eram, directa ou indirectamente, responsáveis pela sua segurança.
Outro tanto não se pode dizer do “Parecer” elaborado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, que também se encontra em anexo ao mencionado relatório.
Trata-se de um verdadeiro parecer técnico, que reflecte um saber especializado, cuja junção é permitida pelo n.º 3 do artigo 165.º do Código de Processo Penal.

24 – O que se disse quanto à insusceptibilidade de valoração do Relatório Final da Comissão de Inquérito do Ministério do Equipamento Social e da avaliação do IDICT para o efeito da formação da convicção do tribunal não afecta minimamente a susceptibilidade de os seus subscritores serem ouvidos na audiência como testemunhas uma vez que os mesmos têm capacidade e dever de testemunhar – artigo 131.º do Código de Processo Penal – e não estão impedidos de o fazer – artigo 133.º do mesmo diploma.
Claro está que eles apenas podem depor sobre factos de que possuam conhecimento directo e que constituam objecto de prova – artigo 128.º, n.º 1, do Código –, podendo, no entanto, interpretar esses mesmos factos se essa interpretação tiver lugar em função de qualquer ciência ou técnica que dominem – alínea b) do n.º 2 do artigo 130.º daquele diploma.
Para além disso, tal como os OPC não podem depor sobre declarações que tiverem recebido cuja leitura não for permitida em audiência, também as testemunhas que, no desempenho de funções administrativas, tiverem tomado declarações a outras pessoas que não possam ser lidas na audiência, não poderão depor sobre elas. É o que resulta, por identidade ou maioria de razão, do disposto no artigo 356.º, n.º 7, e 357.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

25 – Depois de ter sido ordenada e de ter sido realizada uma “nova” perícia e de ter sido junto o respectivo relatório sem que qualquer sujeito processual tenha impugnado oportunamente a sua admissão no processo, não parece muito curial discutir se a mesma era «notoriamente de obtenção impossível ou muito duvidosa».
Os factos vieram a confirmar que o não era.
Não obstante, sempre se dirá que, se se pretende que a nova perícia venha a ser valorada para a formação da convicção do tribunal, os actos e documentos do processo que podem ser mostrados aos peritos para seu esclarecimento – n.º 3 do artigo 156.º do Código de Processo Penal – são apenas aqueles que também podem ser valorados para o mesmo efeito, sob pena de se estar indirectamente a permitir a valoração do que directamente não podia ser valorado.
Não está, portanto, proibido que sejam fornecidas aos peritos as amostras anteriormente recolhidas por técnicos e os resultados dos ensaios realizados sobre elas. Pretender proibir esse acesso teria a mesma justificação que pretender proibir a realização de uma outra qualquer perícia sobre um vestígio anteriormente recolhido no processo. Isto não quer dizer que, se vier a ser necessário, não possa ser produzida prova sobre as circunstâncias em que as amostras foram recolhidas ou os ensaios foram realizados.

26 – Concluindo quanto aos recursos interpostos do despacho proferido no dia 3 de Outubro de 2007, dir-se-á que os mesmos devem ser julgados procedentes quanto à insusceptibilidade de valoração para efeitos de formação da convicção do tribunal do «Relatório Final da Comissão de Inquérito do Ministério do Equipamento Social» e da Informação elaborada pelo IDICT, que se encontra anexa ao mesmo, e improcedente na parte restante (susceptibilidade de valoração do «Parecer» elaborado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil e das fotografias juntas, possibilidade de inquirição como testemunhas dos subscritores daquele Relatório e Informação e legitimidade para a realização de uma perícia).
Uma vez que nenhum dos recursos interpostos pelos arguidos improcede integralmente, não são devidas custas.

B – Os recursos interpostos do despacho proferido no dia 7 de Maio de 2009

27 – O despacho proferido pelo tribunal no dia 7 de Maio de 2009 e o recurso dele interposto pelos arguidos E., F., G. e H. surge na sequência e constitui uma concretização do que tinha sido anteriormente decidido no ponto 3 do despacho de 3 de Outubro de 2007, razão pela qual valem quanto a ele o que nessa sede se disse neste acórdão.
Acrescentar-se-á que, não tendo o inquérito realizado por iniciativa ministerial natureza criminal, não se poderiam nele aplicar normas contidas no Código de Processo Penal e previstas para o desenrolar da fase de inquérito[8]. Não há lugar à constituição de arguido numa averiguação administrativa, nem nada impõe ou permite a suspensão da inquirição prevista no artigo 59.º daquele diploma legal.
Dir-se-á ainda e apenas que nem mesmo os OPC estão impedidos de depor como testemunhas em processos em que intervieram no exercício das suas funções durante as fases preliminares. Apenas não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo das declarações que tiverem recebido. Trata-se de um tema proibido de prova, modalidade das proibições de prova[9], e não de qualquer impedimento das testemunhas.
Improcede, portanto, integralmente este recurso interposto pelos arguidos E., F., G. e H..

28 – Uma vez que estes arguidos decaíram totalmente no recurso que interpuseram são responsáveis pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).
De acordo com o disposto o n.º 9 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais[10] e a Tabela III a ele anexa a taxa de justiça varia entre 3 a 6 UC.
Tendo em conta a relativamente pequena complexidade deste recurso, julga-se adequado fixar essa taxa, quanto a cada um dos arguidos, em 3 UC.

C – Os recursos interpostos do despacho proferido no dia 4 de Março de 2011

29 – A primeira questão suscitada pelos arguidos que importa apreciar quanto a estes recursos[11] é a da delimitação do âmbito de intervenção do tribunal colectivo quando a competência para o julgamento do objecto de um processo lhe é atribuída pela lei.
A nosso ver, essa intervenção tem início com a prática dos actos introdutórios da audiência – n.º 3 do artigo 329.º do Código de Processo Penal[12] – e apenas termina com a leitura da sentença – artigo 372.º, n.º 3, do mesmo diploma[13] – ou, caso tenha lugar, com a breve alocução subsequente à leitura da sentença condenatória – artigo 375.º, n.º 2, do Código.
Entre esses dois momentos vigora, tal como acontece no processo civil – artigo 654.º do Código de Processo Civil[14] –, mas aqui com maior extensão dado o diferente âmbito de intervenção do tribunal colectivo, que decide a matéria de facto e a de direito, o princípio da plenitude da assistência dos juízes.
Quer isto dizer que, mesmo quando o Código de Processo Penal se refere à prática de actos da competência do juiz presidente, pressupõe e exige que o tribunal colectivo esteja constituído e presente na audiência.
É o que acontece, nomeadamente, quando a lei confere ao presidente do tribunal a competência para comunicar ao arguido eventuais alterações de factos ou da qualificação jurídica dos factos que lhe são imputados e quando a lei permite que o acórdão seja lido publicamente pelo presidente ou por outro dos juízes que integram o tribunal colectivo. Essa leitura e aquelas comunicações são feitas por um dos indicados juízes durante a audiência em que se encontra necessariamente presente todo o tribunal, sob pena de prática de uma nulidade insanável – alínea a) do artigo 119.º do Código de Processo Penal.
Foi essa nulidade que foi cometida nas sessões da audiência de julgamento deste processo realizadas nos dias 7 de Janeiro de 2011 (acta de fls. 15.666 no 55.º volume) e 4 de Fevereiro de 2011 (acta de fls. 15.750 no 56.º volume), em que o tribunal colectivo não esteve presente, apenas tendo comparecido o seu presidente.
Não pode este tribunal, por isso, deixar de declarar a nulidade de tais sessões da audiência e de todos os actos processuais praticados nesses dias, que se encontram documentados nas actas então elaboradas.

30 – A segunda questão colocada pelos recorrentes tem a ver com a determinação do momento adequado para que o presidente do tribunal efectue as comunicações previstas nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal.
No nosso modo de ver, essas comunicações não consubstanciam qualquer decisão, constituindo meras advertências para que o direito de defesa possa ser exercido e, consequentemente, o tribunal possa, caso venha a considerar esses factos como provados ou a alterar a qualificação jurídica nos termos anunciados, tomá-los em conta no acórdão que vier a proferir.
Essas comunicações devem ocorrer até ao termo da produção de prova para que possam ser produzidos os meios de defesa que na sequência delas vierem a ser requeridos pelos arguidos, antes, portanto, de terem lugar as alegações orais relativas à questão da culpabilidade, previstas no artigo 360.º do Código de Processo Penal.
O facto de o n.º 4 do artigo 360.º apenas prever a produção de meios de prova supervenientes, com a necessária suspensão das alegações, em casos excepcionais e quando tal se revelar necessário para a boa decisão da causa[15], está em consonância com este modo de ver as coisas.
A nosso ver, o juiz presidente, que preparou a audiência e estudou previamente o processo, deve efectuar as comunicações previstas no n.º 1 do artigo 358.º do Código de Processo Penal logo que considerar que um determinado facto ou um conjunto de factos deve ser submetido à apreciação do tribunal colectivo por ser plausível que o mesmo possa ser considerado provado. O mesmo acontece com as comunicações previstas no n.º 3 do mesmo preceito legal.
Se o presidente não tiver efectuado oportunamente qualquer comunicação e se os restantes sujeitos processuais nada tiverem requerido a tal respeito, pode admitir-se que o próprio presidente ou os restantes membros do tribunal colectivo possam, posteriormente, por só então se terem apercebido da necessidade de efectuar a comunicação, corrigir o procedimento adoptado.
Porém, isso exigirá que o tribunal previamente assuma a irregularidade da falta tempestiva de comunicação e declare a invalidade dos actos posteriores ao termo da produção da prova.
Realizadas então as comunicações que no caso tiverem lugar e produzida a prova que vier a ser requerida, repetir-se-ão os actos anteriormente considerados inválidos.
Significa isto que não vemos que se compagine com a tramitação do processo penal português a prática, adoptada como regra, de deixar para o momento da deliberação do tribunal colectivo a ponderação da necessidade de fazer tais comunicações[16].
Basta ver que, durante a deliberação do tribunal colectivo, de acordo com o n.º 2 do artigo 368.º do Código, «o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para a questão de saber:
a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime;
b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou;
c) Se o arguido actuou com culpa;
d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa;
e) Se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança;
f) Se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil».
Desta disposição resulta, antes do mais, que é o presidente que submete os factos a deliberação do tribunal colectivo. E resulta também que, para o fazer, quando for o caso, deve ter previamente procedido de acordo com o previsto nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal.
Não pode transferir para o tribunal colectivo a competência que a própria lei lhe atribui de determinar esses factos e de possibilitar que o tribunal sobre eles se pronuncie[17] sem que a sentença venha a enfermar de nulidade – artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.

31 – Tendo como pano de fundo este entendimento das coisas, analisemos agora o que se passou neste processo.
Como se pode ver das actas juntas a fls. 15.545 e ss. e 15.550 e ss. (55.º volume), as alegações previstas no artigo 360.º do Código de Processo Penal e as últimas declarações dos arguidos ocorreram nos dias 12 e 13 de Outubro de 2010.
Na acta desta última sessão da audiência consta um despacho fundamentado que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 365.º daquele diploma, marcou o início da deliberação do tribunal para o dia 22 de Outubro, designando, desde logo, uma nova sessão da audiência de julgamento para o dia 12 de Novembro de 2010.
No dia 12 de Novembro (acta de fls. 15.580 e ss.) o presidente comunicou uma alteração não substancial de 26 factos, tendo designado o dia 30 de Novembro para a continuação da deliberação do tribunal colectivo e marcado uma nova sessão da audiência de julgamento para o dia 10 de Dezembro.
Nesse dia (acta de fls. 15.639 e ss.) o presidente comunicou a alteração não substancial de mais 4 factos, tendo designado o dia 7 de Janeiro de 2011 para a continuação da deliberação do tribunal colectivo e marcado uma nova sessão da audiência de julgamento para o mesmo dia, pelas 14 horas.
No dia 7 de Janeiro (acta de fls. 15.666 e ss.) o presidente, que não se encontrava acompanhado pelos restantes membros do tribunal, para além do mais, comunicou a alteração não substancial de mais 1 facto, tendo designado o dia 4 de Fevereiro, pelas 15h30, para a continuação da deliberação do tribunal colectivo e marcado uma nova sessão da audiência de julgamento para esse mesmo dia.
No dia 4 de Fevereiro (acta de fls. 15.750 e ss. – 56.º volume) o presidente, que também não se encontrava acompanhado pelos restantes membros do tribunal, para além do mais, comunicou a alteração da qualificação jurídica da conduta de dois arguidos[18], tendo marcado uma nova sessão da audiência de julgamento para o dia 4 de Março.
No dia 4 de Março (acta de fls. 15.951 e ss. – 57.º volume) o tribunal colectivo proferiu diversos despachos tendo marcado uma nova sessão da audiência de julgamento para o dia 25 de Março.
No dia 25 de Março (acta de fls. 16.172 e ss.) o tribunal colectivo apreciou diversas questões que se encontravam pendentes e designou o dia 15 de Abril para uma nova sessão da audiência de julgamento a fim de que fossem produzidas novas alegações, que designou como complementares.
No dia 15 de Abril (acta de fls. 16.340 e ss. – 58.º volume) o tribunal colectivo apreciou diversos requerimentos formulados pelos arguidos e deu a palavra aos respectivos defensores para que pudessem produzir alegações (fls. 16.357), tendo designado o dia 2 de Maio, pelas 14h30, para a continuação da deliberação do tribunal colectivo e marcado uma nova sessão da audiência de julgamento para o dia 1 de Junho, para leitura do acórdão.
Por despacho proferido nos autos pelo presidente no dia 26 de Maio (fls. 16.669 a 16.671 – 60.º volume), a leitura do acórdão foi adiada para o dia 1 de Setembro.
Por despacho proferido nos autos pelo presidente no dia 25 de Agosto (fls. 16.800 a 16.802 – 60.º volume), essa leitura foi adiada para o dia 30 de Setembro.
Na sessão da audiência realizada nesse dia 30 de Setembro (acta a fls. 16.951 e ss. – 61.º volume) foram apreciadas diversas questões e marcada a leitura do acórdão para o dia 11 de Outubro, data em que ele veio efectivamente a ser lido (acta de fls. 17.379 e ss. – 62.º volume).
Tendo em conta esta factualidade e muito embora as comunicações das alterações não tenham sido efectuadas no momento processualmente adequado, não vemos que o procedimento adoptado, quando se atenda apenas ao momento escolhido para as efectuar, que é o que agora está em causa, esteja ferido de qualquer nulidade uma vez que este vício é necessariamente típico e não se vê que qualquer norma do Código preveja uma tal invalidade neste caso.
A irregularidade cometida encontra-se sanada por não ter sido tempestivamente arguida – artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – e por, pelo menos parcialmente, ter sido reparada pelo próprio tribunal, que deu ensejo a que os arguidos produzissem novas alegações, que designou como complementares.

32 – No que diz respeito a estes recursos resta apenas apreciar a questão do âmbito de aplicação do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o que, como se verá, tem, no caso, menos relevância do que, à primeira vista, poderia parecer.
Estabelece este preceito legal que «[o] adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada»[19].
Esta disposição, tal como outras que visam assegurar o princípio da concentração[20], existe porque «a imediação e a descoberta da verdade são prejudicadas pela interrupção da produção da prova repetidas vezes ou por períodos longos, pois ela torna impossível a captação de uma imagem global dos meios de prova e a formulação de um juízo concatenado sobre toda a prova (MEYER-GÖSSNER, 2007: anotação 1.ª ao § 229.º»[21].
Ora, a nosso ver, a possibilidade de formação dessa «imagem global dos meios de prova e a formulação de um juízo concatenado sobre toda a prova» deve ser assegurada até ao momento em que o tribunal deliberar sobre a questão da culpabilidade[22], deliberação essa que, por princípio, se segue ao encerramento da discussão – artigo 365.º, n.º 1 – e deve decorrer sem qualquer interrupção ou adiamento a não ser os necessários à alimentação e repouso dos participantes[23].
Mas mesmo que se entendesse que o prazo de 30 dias previsto no citado artigo 328.º, n.º 6, só tinha aplicação até ao encerramento da discussão[24] não podíamos deixar de concluir que tal norma tinha sido violada uma vez que esta apenas foi encerrada quando, pela 2.ª vez, no dia 15 de Abril de 2011[25], os defensores dos arguidos alegaram sobre a questão da culpabilidade.
Ora, entre o dia 13 de Outubro de 2010 e a data em que se produziram as novas alegações decorreram vários meses sem que tivesse sido produzida qualquer prova, sendo que duas das sessões da audiência, sobre as quais já antes nos pronunciámos, foram consideradas feridas de nulidade.
Por tudo isto, não pode este tribunal deixar de considerar que a prova produzida na audiência perdeu eficácia, razão pela qual não pode ser valorada para efeito da formação da convicção do tribunal.

33 – Resumindo o que se disse quanto à apreciação dos recursos interpostos deste despacho diremos que são nulas as sessões da audiência de julgamento realizadas nos dias 7 de Janeiro e 4 de Fevereiro de 2011, que a irregularidade praticada quanto ao momento escolhido para efectuar as comunicações a que se referem os n.ºs 1 e 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal se encontra sanada e que perdeu eficácia toda a prova produzida na audiência por ter sido violado o disposto no n.º 6 do artigo 328.º daquele Código.
Uma vez que nenhum dos recursos interpostos pelos arguidos improcede integralmente, não são devidas custas.

D – Os recursos interpostos do despacho proferido no dia 25 de Março de 2011

34 – Apreciemos agora os recursos interpostos pelos três recorrentes na parte em que eles impugnaram o decidido pelo tribunal colectivo no primeiro ponto do despacho proferido no dia 25 de Março de 2011.
Sustentam os recorrentes que os despachos através dos quais o presidente do tribunal comunicou as alterações não substanciais dos factos constantes do despacho de pronúncia deviam ter sido notificados pessoalmente aos arguidos.
Não têm, salvo o devido respeito, qualquer razão.
Antes de mais, porque o n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal estabelece, como regra geral, que «[a]s notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado», não se encontrando a notificação das alterações não substanciais dos factos constantes da acusação ou do despacho de pronúncia entre as excepções previstas por essa mesma disposição ou por qualquer outra.
Não se pode, de resto, equiparar um despacho que comunica as referidas alterações ao despacho de acusação ou ao despacho de pronúncia uma vez que um e os outros têm uma relevância processual e um conteúdo muito diversos.
Para além disso, há que ter em conta que o artigo 63.º, n.º 1, do Código atribui ao defensor, também como regra, o exercício dos direitos que a lei reconhece ao arguido, apenas excepcionando aqueles «que ela reservar pessoalmente a este».
Ora, não se vê que a eventual reestruturação da defesa motivada pela mencionada alteração dos factos e da qualificação jurídica seja reservada pela lei ao próprio arguido.
Acresce que, tendo, a seu pedido, sido dispensada a comparência dos arguidos nas numerosas sessões da audiência, dispõe o n.º 4 do artigo 334.º do Código de Processo Penal que estes são nela representados para todos os efeitos possíveis pelos defensores.
Por tudo isto e porque se manteve intacta a comunicação e a relação de confiança entre os recorrentes e os seus defensores não pode este tribunal deixar de entender que a lei não exige que a notificação referida seja feita pessoalmente aos arguidos, bastando, para tanto, que a notificação seja efectuada aos seus defensores.
Se bem que o arguido A. se tenha limitado a impugnar a correcção da nova qualificação jurídica comunicada pelo tribunal (facto que, dada a natureza daquela comunicação, não pode ser impugnado a não ser na sentença, se esta a vier a adoptar) e o arguido N. tenha sido absolvido da acusação que contra ele tinha sido deduzida, sempre se dirá que à mesma conclusão se deve chegar quanto à comunicação da alteração da qualificação jurídica.
Também ela, mantidas as referidas condições, pode ser feita exclusivamente aos defensores dos arguidos.

35 – Os recorrentes impugnaram também o que o tribunal decidiu no ponto 2 do mencionado despacho.
Trata-se de questão que já foi anteriormente abordada neste acórdão, sobre a qual nada mais há a acrescentar.

36 – Debrucemo-nos agora sobre o que foi decidido no ponto 3 do despacho impugnado.
De acordo com o n.º 1 do artigo 358.º do Código de Processo Penal, «[s]e no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa».
Num caso como este em que, por existir conexão, se organizou um só processo – artigo 29.º, n.º 1, do Código –, a existência de uma alteração, no caso não substancial, afere-se, quanto a cada arguido, em função dos factos que a ele são imputados no despacho de pronúncia.
É, por isso, irrelevante saber se se trata de factos objectiva ou subjectivamente novos ou se eles já tinham sido imputados naquele despacho ou na mencionada acusação a uma outra pessoa. O que, para este efeito, importa é que, na perspectiva do presidente que efectua a comunicação, eles tenham resultado da prova produzida em audiência e, relativamente ao arguido ou aos arguidos a que se referem, acarretem uma alteração dos factos constantes do despacho de pronúncia.

37 – No que respeita a estes recursos, resta apreciar a questão do indeferimento de toda a prova requerida pelos arguidos na sequência das comunicações efectuadas pelo presidente.
Do transcrito n.º 1 do artigo 358.º do Código de Processo Penal resulta que o presidente concede aos arguidos, se eles o requererem, «o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa».
Ora, a organização da defesa dos arguidos passa pela possibilidade de requerer a produção de prova, que pode consistir em novos meios de prova e/ou na reinquirição de prova já anteriormente produzida na audiência.
Esses requerimentos, a nosso ver, só podem ser indeferidos com fundamentos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 340.º do Código de Processo Penal, ou seja, quando a prova ou o respectivo meio for legalmente inadmissível ou quando for notório que as provas são irrelevantes ou supérfluas, o meio de prova inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa ou o requerimento tiver finalidade meramente dilatória.
Não tendo os arguidos esclarecido, num primeiro momento, o que justificava a produção de cada uma das provas requeridas, o dever de cooperação, consagrado no n.º 1 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, imporia que o tribunal, antes de decidir, solicitasse aos requerentes os necessários esclarecimentos, só depois podendo apreciar os requerimentos formulados.
Não se pode, por isso, manter o decidido no ponto 7 do despacho impugnado que, sem qualquer pedido prévio de informação, indeferiu a produção de toda a prova requerida pelos arguidos.

38 – Resumido, diremos que, salvo quanto a este último aspecto, em que deve ser revogado o ponto 7 do despacho proferido no dia 25 de Março de 2011, os recursos interpostos pelos arguidos devem ser julgados improcedentes.
Uma vez que nenhum dos recursos interpostos pelos arguidos improcede integralmente, não são devidas custas.

E – Os recursos interpostos do despacho proferido no dia 15 de Abril de 2011

39 – Restaria apreciar os recursos interpostos do despacho proferido no dia 15 de Abril de 2011. Porém, a primeira questão que os recorrentes suscitaram nestes recursos, a da perda de eficácia da prova produzida, foi já apreciada anteriormente por este tribunal, tendo sido reconhecida a invocada perda de eficácia da prova. A apreciação da segunda questão, a do indeferimento da prova requerida pelos arguidos num segundo momento, tornou-se inútil dado o decidido quanto ao primeiro requerimento formulado nesse sentido.
Nada mais há a acrescentar a tal respeito neste momento.

F – Consequência do decidido sobre o conhecimento dos recursos interpostos do acórdão final

40 – Em face do sentido das decisões proferidas quanto aos recursos intercalares apreciados neste acórdão (valoração de prova que o não podia ser, perda de eficácia da prova produzida e indeferimento de toda a prova requerida na sequência das comunicações efectuadas sem que tenha sido dada a possibilidade aos requerentes de esclarecerem os fundamentos da sua pretensão), fica prejudicado o conhecimento dos recursos interpostos do acórdão final, devendo ser realizado novo julgamento e proferido novo acórdão em que o tribunal aprecie a eventual responsabilidade criminal e civil dos condenados no anterior julgamento.

III – DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da 3.ª secção deste Tribunal da Relação em:
a) Julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos arguidos A., B., C., D., E., F., G. e H. do despacho proferido no dia 3 de Outubro de 2007, considerando que o «Relatório Final da Comissão de Inquérito do Ministério do Equipamento Social» e a Informação elaborada pelo IDICT são insusceptíveis de valoração para efeitos de formação da convicção do tribunal.
b) Julgar improcedentes esses mesmos recursos na parte restante, considerando susceptível de valoração para esse mesmo efeito o «Parecer» elaborado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, admitindo a possibilidade de inquirição como testemunhas dos subscritores daquele primeiro Relatório e da Informação do IDICT a ele anexa e a legitimidade da realização de uma perícia.
c) Julgar improcedente o recurso interposto pelos arguidos E., F., G. e H. do despacho proferido no dia 7 de Maio de 2009.
d) Condenar estes recorrentes no pagamento das custas deste recurso, com taxa de justiça que se fixa, quanto a cada um deles, em 3 (três) UC.
e) Julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos arguidos A., E. e L. do despacho proferido no dia 4 de Março de 2011, considerando nulas as sessões da audiência realizadas nos dias 7 de Janeiro e 4 de Fevereiro de 2011 e os actos nelas praticados e considerando que toda a prova produzida na audiência de julgamento perdeu eficácia por, entre o dia 13 de Outubro de 2010 e o dia 15 de Abril de 2011, terem decorrido vários meses sem que tivesse sido produzida qualquer prova e por duas das sessões da audiência terem sido consideradas como estando feridas de nulidade.
f)Julgar improcedente, na parte restante, os recursos interpostos desse despacho por aqueles mesmos arguidos.
g) Julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos arguidos A., E. e L. do despacho proferido no dia 25 de Março de 2011, revogando o despacho recorrido na parte em que, sem ter previamente dado a oportunidade aos arguidos de esclarecerem os motivos que, na sequência das alterações comunicadas, os levaram a requerer a produção de novos meios de prova, os indeferiu, mantendo, em tudo o mais, o despacho recorrido.
h) Não apreciar, por, em parte, já ter sido apreciado e, noutra parte, ter ficado prejudicado pelo anteriormente decidido, o recurso interposto pelos arguidos E. e L. do despacho proferido no dia 15 de Abril de 2011.


Lisboa, 13 de Março de 2013

(Carlos Rodrigues de Almeida)

(Vasco de Freitas)

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[1] Que o Ministério Público indicou como prova na acusação (fls. 3352 – 13.º volume) e que o despacho de pronúncia aceitou sem qualquer reparo (fls. 4565 – 18.º volume).
[2] Veja-se a motivação da decisão de facto do acórdão final na página 267 e ss. dessa peça processual (fls. 17.243 e ss. do 62.º volume).
[3] Embora a prova pericial e a prova documental estejam reguladas na nossa lei como se se tratasse de dois diferentes meios de prova, em dois Capítulos sucessivos (VI e VII) do Título II do Livro III do Código de Processo Penal, elas têm uma natureza muito diferente. Um documento, enquanto verdadeiro meio de prova, é um «instrumento através do qual se adquire para o processo um elemento que serve para a formação da decisão» (TONINI, Paolo, in «La Prova Penale», 4.ª edizione, CEDAM, Padova, 2000, p. 32). Um perito, diferentemente, tem uma natureza polivalente (SCALFATI, Adolfo, in Trattato di Procedura Penale», UTET, Torino, 2009, p. 236). Contribui, como declara expressamente o artigo 151.º do Código de Processo Penal, para «a percepção ou a apreciação dos factos».
[4] MAZZARRA, Assunta e PONZETTI, Roberta, in «Le Prove», Tomo Secondo, diretto da CHIAVARIO, Mario e MARZADURI, Enrico, UTET, Torino, 1999, p. 307.
[5] Defendendo, como regra geral, a inadmissibilidade de valoração dos documentos administrativos com um conteúdo valorativo para a formação da convicção do tribunal, ORLANDI, Renzo, in «Atti e Informazioni della Autorità Amministrativa nel Processo Penale», Giuffrè Editore, Milano, 1992, p. 188 e ss.
[6] Neste mesmo sentido, veja-se, nomeadamente, CANTONE, Raffaele, in «La Prova Documentale», in «Quaderni di Cassazione Penale», Giuffrè Editore, Milano, 2004, p. 37.
[7] Sobre a possibilidade de valoração no processo penal italiano das averiguações de natureza administrativa, veja-se RICCI, Gian Franco, in «Le Prove Atipiche», Giuffrè, Milano, 1999, p. 571 e ss.
[8] Não existe no nosso ordenamento jurídico qualquer disposição com um conteúdo semelhante ao artigo 220.º das “Normas de Execução, de Coordenação e Transitórias” do processo penal italiano, que regula a forma de progressão das actividades de polícia administrativa para as de polícia judiciária. É o seguinte o texto desse preceito legal: «Quando no decurso de actividades inspectivas ou de vigilância previstas na lei surgirem indícios de crime, os actos necessários para assegurar as fontes de prova e recolher qualquer outra coisa que possa servir para a aplicação da lei penal serão realizados com observância das disposições do Código» (sobre esta matéria veja-se, por todos, ZACCHÈ, Francesco, in «La Prova Documentale», in «Trattato di Procedura Penale», XIX, diretto da UBERTIS, Giulio, e VOENA, Giovanni Paolo, Giuffrè Editore, Milano, 2012, p. 59 e ss.).
[9] ROXIN, Claus, in «Derecho Procesal Penal», tradução castelhana da 25.ª edição alemã, Editores del Puerto, Buenos Aires, p. 190. e ss.
[10] Redacção dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro.
[11] Não se pode deixar de assinalar que as conclusões apresentadas, em duas peças processuais autónomas, pelos arguidos E. e L. neste e num outro recurso são praticamente idênticas, apenas diferindo neste caso quanto ao número de parágrafos em que o texto foi subdividido e ao aditamento por um dos recorrentes, em três ocasiões, de algumas palavras introdutórias desses novos parágrafos.
[12] É o seguinte o texto deste preceito: «Seguidamente, o tribunal entra na sala e o presidente declara aberta a audiência».
[13] Diz este preceito que «Regressado o tribunal à sala de audiências, a sentença é lida publicamente pelo presidente ou por outro dos juízes».
[14] Note-se que, de acordo com a parte final do n.º 3 deste artigo, caso haja a substituição de um juiz, «o juiz substituto continuará a intervir, não obstante o regresso ao serviço do juiz efectivo».
[15] O que torna, pelo menos, duvidoso que o disposto no artigo 653.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código de Processo Civil seja aplicável no processo penal.
[16] Neste mesmo sentido ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, in «Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem», 4.ª edição actualizada, UCE, Lisboa, 2011, p. 930.
[17] Isto sem prejuízo de qualquer juiz adjunto, antes do termo da produção de prova ou posteriormente, poder alertar o juiz presidente para a circunstância de existirem mais factos que resultaram da discussão da causa, o que deve levar o presidente a cumprir, quanto a eles, o disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.
[18] A. e o absolvido N. (pontos 3 e 4 do aludido despacho).
[19] Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 11/2008, de 29 de Outubro de 2008, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 239, de 11 de Dezembro de 2008, que fixou a seguinte jurisprudência: «Nos termos do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação; Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma».
[20] Sobre o princípio da concentração (temporal), veja-se, entre nós, por todos, DIAS, Jorge de Figueiredo, in «Direito Processual Penal», I Volume, Coimbra Editora, Coimbra, 1974, p. 183 e ss. Relativamente ao ordenamento jurídico espanhol, veja-se, por todos, QUIROGA, Jacobo Lopez Barja de, in «Tratado de Derecho Procesal Penal», Thomson Aranzadi, Navarra, 2004, p. 348. No direito italiano, veja-se, por todos, TONINI, Paolo, in «Manuale di Procedura Penale», Ottava edizione, Giuffrè Editore, Milano, 2007, p. 542.
[21] ALBUQUERQUE, ob. cit. p. 850.
[22] Por regra, o momento em que se efectua a deliberação não é documentado, presumindo-se, na ausência de qualquer despacho (que deve ser proferido apenas em caso de absoluta impossibilidade), que ela se seguiu ao encerramento da discussão – artigo 365.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Neste processo foi proferido um despacho a marcar o início da deliberação para o dia 22 de Outubro de 2010, tendo sido elaboradas umas denominadas «Actas de Deliberação» (fls. 15.560, 15.577, 15.578, 15.623 e 16.884) que parece não documentarem todas as reuniões do tribunal colectivo para esse efeito (veja-se que nas actas da audiência a deliberação foi agendada para os dia 22/10/2010, 30/11/2010, 7/1/2011, 4/2/2011 e 2/5/2011 e as referidas actas são de 22/20/2010, 2/11/2010, 8/11/2010, 30/11/2010 e 12/9/2011).
[23] Em Itália, em face do artigo 525.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, o princípio da concentração ganha especial relevo no que toca à deliberação «impedindo, salvo nos casos expressamente previstos ex lege, que se possa suspender a deliberação da decisão na sala de conferências (camera di consiglio)» (GAITO, Alfredo, in «Procedura Penale», IPSOA, Milano, 2013, p. 845).
[24] Considerando que este prazo apenas é aplicável até ao encerramento da discussão, veja-se, por todos, RIBEIRO, Vinício, in «Código de Processo Penal – Notas e Comentários», Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 681 e jurisprudência aí citada. Estendendo a aplicação desta norma até à leitura da sentença, veja-se ALBUQUERQUE, ob. cit. p. 851, e SANTOS, Gil Moreira dos, in «O Direito Processual Penal», Edições ASA, Porto, 2003, p. 378, nota 468.
[25] Data que, embora seja posterior à do despacho cuja impugnação ora se aprecia, é mencionada nos recursos interpostos do despacho proferido nesse mesmo dia, que também serão objecto de conhecimento por parte deste tribunal.