Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1812/19.7T8LSB.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) Deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto, por inobservância do disposto no n.º 1 do artigo 640.º do CPC, se a recorrente, sem embargo de declarar pretender impugnar a matéria de facto selecionada pelo Tribunal recorrido, não identifica quaisquer pontos de factos que possam ter sido objeto de errado julgamento, não faz qualquer referência à decisão que, em contrário, devesse ser proferida, nem indica as partes concretas da prova gravada que impusessem a alteração da decisão.
II) Não ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC) se a pretensão da autora se cingiu à declaração de nulidade de um contrato e à condenação da ré na restituição decorrente de tal declaração e se as questões inerentes a essa pretensão foram, todas elas, objeto de apreciação.
III) Existirá contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial – geradora de nulidade da sentença nos termos da al. c) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC - quando aqueles conduzirem, de acordo com um raciocínio lógico, a um resultado oposto ao que foi decidido, ou seja, quando a decisão consequente justifica uma decisão oposta à prolatada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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1. Relatório:
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PERALTA & COUTINHO, S.A., identificada nos autos, instaurou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra LIQUI.DO, S.A., também identificada nos autos, pedindo a restituição da quantia de 303,84 €, por força da nulidade do contrato celebrado por existência de erro na formação da vontade.
Alegou que na sequência do contacto de um colaborador da PT Comunicações, S.A., o mesmo informou-a de que tinha serviços de videovigilância, cujas condições eram apelativas, razão pela qual a Autora acedeu a contratualizar o serviço, pelo preço de 90,00 € por mês, sem fidelização, tendo sido instaladas as câmaras de videovigilância, pela empresa prestadora do serviço, que achava ser a Global Conect mas que afinal foi a Verdincognito Unipessoal, Lda. Após a montagem das câmaras, foi informada por aquela empresa que teria de ativar um serviço online para poder colocar o sistema a funcionar e testar os equipamentos, tendo aderido por assinatura eletrónica. Só mais tarde teve conhecimento de que estava a assinar com a Ré, um contrato de locação de equipamento em vez de um contrato de prestação de serviços de manutenção de equipamentos de videovigilância, sendo que o equipamento instalado e serviço prestado não correspondia ao oferecido, tendo pago aquando da ativação, o montante de 303,84 €. Alegou ainda que contactou o colaborador que lhe referiu que a quantia paga seria abatida nos meses seguintes, tendo a Autora recebido faturas da Ré e procedido à sua devolução, tendo reunido com os representantes da Ré, os quais, em conjunto com a Autora, se aperceberam do engano, tendo a Autora resolvido o contrato celebrado.
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A Ré LIQUI.DO, S.A. apresentou contestação pugnando pela improcedência da ação e peticionando a condenação da Autora no pagamento da quantia de 8.302,47 €.
Alegou que no âmbito do contrato celebrado, face ao não pagamento pela Autora, dos alugueres, procedeu à sua resolução, por incumprimento definitivo, tornando-se exigíveis, para além dos alugueres vencidos, todos os alugueres vincendos, no montante de 6.574,92 €, acrescidos da quantia de 75,00 € de juros de mora, contabilizados desde 22.10.2019, à taxa convencionada de 15,00 %, não tendo a autora restituído os bens alugados, sendo que, para a sua aquisição a mesma terá de pagar 908,48 €.
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A Autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia, com saneamento do processo – tendo sido julgada improcedente a excepção da prescrição - , tendo sido fixado o objeto do litígio e os temas da prova.
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Após, foi realizada audiência de discussão e julgamento e, em 21-02-2020 foi proferida sentença que julgou:
- Improcedente a pretensão da autora, absolvendo a ré do pedido; e
- Parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando a autora a pagar à ré a quantia de 7.280,34 € (sete mil duzentos e oitenta euros e trinta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora contabilizados à de 15%, desde o dia 22.10.2018, até efetivo e integral pagamento, absolvendo a autora do demais peticionado.
A decisão condenou em custas, quanto ao pedido da autora, integralmente a cargo desta e, no que concerne ao pedido reconvencional, na proporção de 87,69% para a autora e de 12,31% para a ré.
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Não se conformando com a referida sentença, dela apela a autora, formulando as seguintes conclusões:
“(…) a) Conforme resultou da prova dada como assente na Sentença a quo, foi celebrado entre as partes um contrato de locação financeira – facto 7 –factos provados.
b) Por vicissitudes várias apresentadas pelo bens locados a Apelante tentou contactar por todos os meios a Apelada , sendo dado como provado que a Apelada deixou de atender ou retribuir qualquer chamada à Apelante – facto 11- factos provados.
c) A Apelante comunicou a resolução contratual com justa causa à Apelada através de email datado de 30.05.2018 conforme texto integralmente reproduzido em sentença, facto dado como assente– facto 12 – factos provados.
d) Ora claro está que na Sentença proferida deveria o tribunal a quo ter-se pronunciado sobre a Resolução contratual operada pela Apelante
e) Sendo certo que provado ficou (facto 11) a motivação da quebra de confiança entre a Apelante e Apelada, esta, justa causa da Resolução.
f) A falta de comunicabilidade entre apelante e apelada, por facto imputável à apelada (facto provado – facto11), que fez um black out total ás comunicações existentes, não atendendo ou retribuindo chamadas, criou na apelante um clima de suspeição e temor pelo futuro desta relação contratual que conduziu justificadamente à sua ruptura.
g) Neste sentido a Jurisprudência: “Os pressupostos da resolução por justa causa não se confundem com os pressupostos do regime da transformação da mora em incumprimento definitivo (art. 808.º do CC), posto que o juízo de verificação da justa causa resolutiva assenta na avaliação da ruptura da relação de confiança entre as partes e não na aferição da subsistência ou não do interesse do credor na prestação.” – Ac do STJ , proc.567/11.8TVLSB.L1.S2.
h) “Ademais, em relações contratuais duradouras, o cumprimento defeituoso da obrigação pode dar origem à resolução do contrato apenas quando esta se concretize em “incumprimentos turbadores”, ou seja, quando por via delas fique abalada a confiança que poderá merecer ao credor o futuro cumprimento exacto por parte do devedor [o que será a “justa causa” para a resolução]”. Ac. Tribunal de Relação de Coimbra – proc. 5402/17.T8CBR.C1 de 26.11.2019.
i) Foi pois justificada a legitima decisão de rescisão contratual por parte da Apelante.
j) E dúvidas não subsistem que a comunicação da resolução contratual foi realizada pela Apelante à Apelada (facto provado- facto 12) e que deveria ter produzido os seus efeitos
k) Ao condenar a Apelante a pagar à apelada o valor total das rendas do contrato sub judice apreciando apenas da resolução contratual por parte da Apelada, e não apreciando a resolução já anteriormente operada pela Apelante, esta reconhecida e dada como provada (facto 12 –factos provados) comete o tribunal a quo uma nulidade, violando o disposto no artº.607 do CPC.
l) A Sentença a quo deveria, isso sim, ter-se pronunciado sobre a resolução contratual operada pela Apelada no sentido de esta não ter eficácia face à resolução contratual anteriormente já comunicada pela Apelante , esta, válida e justificada.
m) Com efeito conclui-se face do exposto que é nula a Sentença de que se recorre nos termos do artº 615 nº al. d) e por isso deve a mesma ser revogada e substituída por outra que aprecie a matéria quanto à qual foi a Sentença em crise omissa, ou seja validando a Resolução contratual com justa causa operada pela Apelante, a qual está dada como provada e absolvendo a mesma do pedido de pagamento de qualquer quantia por não devida á Apelada.
n) Sem conceder, enferma ainda a Sentença a quo de outras vicissitudes que implicam necessariamente a sua revogação, nomeadamente da contradição entre a fundamentação da matéria de facto provada e a decisão final.
o) Está dado como provado a celebração entre as partes de um contrato de locação financeira (facto 7 -factos provados)
p) No entanto conclui a douta Sentença na pag.19 que da matéria assente ficou provado que apelante quis apenas instalar um sistema de videovigilância
q) Transcrição .página 19, “Com efeito, provou-se, apenas, que a Autora pretendia instalar um sistema de videovigilância(…).”
r) Ora a expressão “apenas” utilizada na decisão recorrida delimita de tal modo a convicção do Tribunal relativamente à vontade da Apelante , que em rigor deveria então o tribunal a quo , no seguimento ter decidido que a Apelante nunca quis o contrato celebrado.
s) Esse seria o raciocino lógico em sequencia da conclusão a que chegou o tribunal a quo,
t) No entanto assim não decidiu e por isso contraía-se.
u) Essa contradição entre os fundamentos de facto e a decisão constituem uma causa de nulidade da sentença nos termos do art.º615, nº1 al. c)do CPC que sempre conduziria à absolvição da Apelante quanto ao pedido da Apelada.
v) Pendem assim sobre a Sentença a quo várias enfermidades graves que sempre levariam à sua nulidade.
w) Deve assim ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que reconheça a resolução contratual com justa causa por parte da Apelante e que absolva a Apelante do pedido de condenação no pagamento da quantia de 7394.00€ peticionado pela Apelada, bem como restantes pedidos.
x) Ou subsidiariamente seja revogada a sentença recorrida com fundamento nas nulidades supra expostas”.
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A apresentou contra-alegações nelas tendo concluído o seguinte:
“1.ª) A Recorrente propôs a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a ora Recorrida peticionando a restituição da quantia de 303,84€, por força da nulidade do contrato celebrado por existência de erro na formação da vontade.
2.ª) Para tanto, alegou que na sequência do contacto de um colaborador da PT Comunicações, S.A., o mesmo informou-a de que tinha serviços de videovigilância, cujas condições eram apelativas, razão pela qual a Autora acedeu a contratualizar o serviço, pelo preço de 90,00 € por mês, sem fidelização, tendo sido instaladas as câmaras de videovigilância, pela empresa prestadora do serviço, que achava ser a Global Conect mas que afinal foi a Verdincognito Unipessoal, Lda..
3.ª) Mais referiu, que após a montagem das câmaras, foi informada por aquela empresa que teria de ativar um serviço online para poder colocar o sistema a funcionar e testar os equipamentos, tendo aderido por assinatura eletrónica e que só mais tarde teve conhecimento de que estava a assinar com a Recorrida, um contrato de locação de equipamento em vez de um contrato de prestação de serviços de manutenção de equipamentos de videovigilância.
4.ª) Regularmente citada, a Recorrida apresentou contestação pugnando pela sua improcedência e peticionando a condenação da Autora no pagamento da quantia de 8.302,47 €.
5.ª) Para tanto, alegou que no âmbito do contrato celebrado entre as partes, que face ao não pagamento, pela Recorrente, dos alugueres, procedeu à sua resolução, por incumprimento definitivo, sendo que se tornaram exigíveis, para além dos alugueres vencidos, todos os alugueres vincendos, no montante de 6.574,92 €, acrescidos da quantia de 75,00 € de juros de mora, contabilizados desde a data da resolução, à taxa convencionada de 15,00 %.
6.ª) Mais refere que a Recorrente nunca restituiu os bens alugados, sendo que para a sua aquisição a mesma terá de pagar 908,48 €.
7.ª) A Recorrente apresentou réplica, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
8.ª) Realizado o julgamento, o Tribunal a quo julgou a ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência a aqui Recorrida foi absolvida do pedido;
9.ª) Quanto ao pedido reconvencional foi o mesmo julgamento parcialmente procedente, por parcialmente provado, e, em consequência condenada a Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de 7.280,34 € (sete mil duzentos e oitenta euros e trinta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora contabilizados à taxa de 15%, desde o dia 22/10/2018, até efetivo e integral pagamento, tendo a Recorrida sido absolvida do demais peticionado.
10.ª) Veio a Recorrente apresentar as suas alegações e conclusões de recurso da douta sentença alegando essencialmente que devem ser reconhecidas as enfermidades graves da sentença que sempre levariam à sua nulidade.
11.ª) Sucede que, cumpre mencionar que o raciocínio plasmado nas doutas alegações surge, por diversas vezes, viciado, porque a Recorrente entende fazer interpretações e extrapolações de factos que foram dados como provados, as quais não encontram qualquer reflexo no texto da fundamentação da sentença nem na própria prova produzida.
12.ª) Desde logo, erradamente a Recorrente considera que foi dado como provado qualquer facto relativo a uma quebra de comunicabilidade imputável à Recorrida, apontando como sendo o que se encontra provado pelo ponto 11. dos factos dados como provados. Ora, impõe-se frisar que o que ficou ali provado não foi qualquer quebra de comunicabilidade imputável à Recorrida, mas antes que o comercial da sociedade fornecedora deixou de atender ou retribuir qualquer chamada da Autora, ora Recorrente.
13.ª) A Recorrente alega que a falta de comunicabilidade abrupta e sem fundamento
por parte da Recorrida gerou a quebra de confiança entre as partes intervenientes, o que constitui justa causa de resolução contratual, alegação que se impõe ser infirmada e que se revela até incongruente a nível de argumentação posterior da Recorrente que menciona como outros motivos para não pretender a manutenção do contrato de locação.
14.ª) Acresce que, a sentença nunca dá como assente a quebra da comunicabilidade entre Recorrente e Recorrida por facto imputável à segunda, ao dar como provado no ponto 11- Factos Provados - que a recorrida deixou de atender ou retribuir quaisquer contactos à recorrente, uma vez que quem terá deixado de atender ou retribui chamadas foi o comercial, que ao longo do julgamento se percebe, nem era funcionário da fornecedora nem da Locadora, aqui Recorrida.
15.ª) A Recorrida nunca deixou de atender, responder ou retribuir qualquer contacto, tanto mais que, na sequência das comunicações da Recorrente, ficou provado que houve uma reunião entre o Sr. LP…, um representante da Ré, TS… e um representante da Verdincognito, NT….
16.ª) Por outro lado, afirma que o Tribunal a quo deu como provado no ponto 12. a resolução do contrato por parte da Recorrente comunicada à Recorrida através de email de 30/05/2018. Sucede que, o que o Tribunal a quo deu como provado foi que em 30.05.2018, a LP… remeteu à para o endereço de correio eletrónico info@candor.pt, um e-mail, subordinado ao assunto «Resolução de contracto», tendo reproduzido o seu teor, do qual jamais se extrai qualquer comunicação de resolução, que sempre pressuporia uma série de requisitos que não se encontram presentes.
17.ª) Mais, ainda com relação à sempre alegada “resolução do contrato” pela Recorrente, vem a mesma alegar que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a matéria da resolução, no entanto, tal pedido não é elaborado em qualquer articulado da Recorrente, tanto mais que, o pedido da Autora na sua Petição Inicial é de que seja declarada a nulidade do contrato celebrado e o valor por si pago à ora Recorrida.
18.ª) Pelo que, inexiste qualquer omissão da sentença quanto à matéria da “Resolução Contratual”.
19.ª) A Recorrente ataca, ainda, a douta sentença no tocante ao alegado erro ou vício na formação da vontade. Contudo, uma vez mais, cumpre apenas mencionar que a sentença proferida é bastante clara e robusta na fundamentação quanto aos factos alegados pela Recorrente, os quais não foram dados como provados.
20.ª) A douta sentença recorrida não merece qualquer censura ou reparo, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente e confirmada a decisão da sentença recorrida”.
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O recurso foi admitido liminarmente por despacho de 10-09-2020.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos apelantes, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são:
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I) Impugnação da matéria de facto:
1) Questão prévia – Se existe motivo para a rejeição do recurso, no tocante à impugnação da matéria de facto, por violação dos artigos 639.º e 640.º do CPC?
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II) Nulidades da sentença:
2) Se a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC?
3) Se a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC?
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III) Mérito do recurso:
4) Se a decisão proferida deve ser revogada e substituída por outra a reconhecer a resolução contratual com justa causa por parte da apelante, absolvendo a autora da condenação no pedido reconvencional?
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3. Enquadramento de facto:
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. A Autora é uma empresa que se dedica ao comércio de veículos, máquinas e peças automóvel e que tem dois estaleiros com parques de exposição automóvel, armazéns e escritórios.
2. A Ré, à data dos factos designada por Condor Renting de Equipamentos, S.A., é uma sociedade comercial cujo objeto consiste em aluguer de bens móveis, nomeadamente de bens de escritório, de máquinas e bens informáticos, incluindo softwares e hardwares e de bens industriais.
3. Em abril de 2018, a Autora foi contactada, na pessoa de LM…, trabalhador da mesma, por LMi…, que se apresentou como colaborador/comercial da empresa PT Comunicações, S.A., a fim de apresentar um plano tarifário de comunicações e videovigilância.
4. LP… acordou com LMi… a colocação da videovigilância e alarme pelo preço de 90,00 € mensais, num dos estaleiros da Autora.
5. Assim, em abril de 2018, as câmaras de videovigilância foram instaladas pela empresa Verdincognito Unipessoal, Lda., também conhecida como Global Conect, que se encontrava representada por NF….
6. Após a montagem das câmaras, NT… informou LP… de que seria necessário proceder a testes dos equipamentos e assinar o contrato, tendo o último referido que o administrador da Autora era o seu cunhado VJ….
7. A 14.05.2018, a Autora subscreveu, digitalmente, um documento, que lhe foi remetido para o e-mail, intitulado de «Contrato de Locação Financeira», com o n.º AP-…, no qual consta como locador: a Ré, cliente: a Autora, fornecedor: a Verdincognito Unipessoal, Lda., o qual teria a duração de 60 meses, cujo valor de alugar mensal ascendia a 98,99 €, acrescida de IVA à taxa legal em vigor e que se regia, entre outras, pelas seguintes cláusulas:
«DESCRIÇÃO DOS EQUIPAMENTOS PARA LOCAÇÃO – Equipamentos informáticos ou tecnológicos – Vários. Uma descrição completa será enviada para o cliente no auto de aceitação dos equipamentos, que fica a fazer parte integrante do presente Contrato de Locação.
TERMOS DO CONTRATO DE LOCAÇÃO – O Cliente e a Candor (em conjunto designados como «Partes») celebra o presente contrato de locação de bens móveis (adiante «Contrato»), o qual se rege nos termos dos artigos 1022.º e seguintes do Código Civil e pelas cláusulas seguintes:
1. Bens objeto do Contrato. Escolha dos Bens e do Fornecedor. Cláusulas Contratuais – 1.1. Para efeitos do presente Contrato, o termo «Bem» ou «Bens» abrange qualquer coisa móvel, ou seja, tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas, nomeadamente, qualquer equipamento, máquina, componente ou acessório, equipamento informático (hardware e/ou software, incluindo respetivas licenças, manuais de utilização e cabos, ou outros acessórios entregues pelo Fornecedor), objeto do presente Contrato conforme descrito na Secção II. 1.2. O(s) bem (bens) objeto do presente Contrato encontram-se identificados em documento anexo ao contrato, designado por Auto de Aceitação. 1.3. O Cliente escolheu livremente os bens que pretende utilizar, tendo selecionado o Fornecedor por si pretendido, comunicando essa informação à Candor e comprometendo-se a pagar os alugueres acordados. 1.4. O Cliente declara conhecer que a Candor contactou o Fornecedor transmitindo a informação relativa aos bens a disponibilizar ao Cliente, tendo a Candor adquirido os bens escolhidos pelo Cliente e pago o respetivo preço ao Fornecedor, comprometendo-se pelo presente Contrato e nos termos do mesmo a aluga-los ao Cliente. 1.5. O Fornecedor é total e juridicamente independente da Candor e não representa a Candor nem poderá alterar as presentes cláusulas contratuais, as quais prevalecerão sobre qualquer informação transmitida pelo Fornecedor.
2. Entrega, instalação dos bens e assistência técnica – 2.1. O Cliente obriga-se a assinar um Auto de Aceitação que consiste numa declaração de confirmação de receção dos bens no momento em que os mesmos lhe forem entregues, pelo Fornecedor, estiveram instalados e a funcionar, facto que poderá ser confirmado pela Candor nas instalações do Cliente. 2.2. O Cliente declara que está consciente de que a assistência técnica, a manutenção ou a reparação dos bens é da responsabilidade do Cliente, que tratará diretamente com o Fornecedor de todas as questões sobre o funcionamento dos bens, e caso o Fornecedor deixe de existir ou de prestar assistência, diligenciará junto de profissionais pela reparação e manutenção dos bens, mais declarando manter a Candor isenta de qualquer responsabilidade que possa relacionar-se com o uso, assistência técnica, manutenção ou reparação dos bens. 2.3. A Candor transfere para o Cliente os direitos de garantia dos bens, por forma a que o Cliente possa diretamente junto do Fornecedor denunciar eventuais defeitos que não sejam visíveis à data da entrega e/ou instalação dos bens e reclamar os seus direitos junto deste. O cliente deverá resolver qualquer disputa referente aos bens e ao seu funcionamento diretamente com o Fornecedor.
3. Início, duração, renovação e cessação antecipada – 3.1. O Contrato tem início na data da receção dos bens, vigorando pelo prazo acordado, renovável automaticamente por sucessivos períodos de 12 meses, exceto se alguma das partes denunciar o mesmo por carta registada com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias sobre a data da renovação. 3.2. As partes poderão resolver o presente Contrato em caso de incumprimento pela outra parte de alguma obrigação prevista neste Contrato. 3.3. A cessação antecipada do contrato implica em qualquer circunstância, a título de cláusula penal, a obrigação de pagamento pelo Cliente dos alugueres correspondentes ao período de duração inicial do contrato, tendo em vista compensar a Candor pelo investimento efetuado com a aquisição e disponibilização dos Bens ao Cliente. (…)
4. Obrigações do Cliente – 4.1. O Cliente obriga-se a pagar à Candor os alugueres devidos em virtude da celebração do presente contrato, a obter todas as licenças e consumíveis necessários à utilização dos Bens, bem como a suportar os custos de manutenção e reparação destes. (…) 4.5. O Cliente não adquire através do presente Contrato, nem terá direito a adquirir, a propriedade dos Bens objeto do Contrato. 4.6. O Cliente obriga-se a restituir por sua conta e risco os Bens à Candor, nos termos da cláusula 9, alínea a) deste Contrato. 4.7. Caso o Cliente não restitua os Bens, a Candor poderá diligenciar pelo seu levantamento, ficando o Cliente obrigado a reembolsar a Candor pelas despesas e custas incorridos com o levantamento e restituição. (…)
5. (…)
6. Pagamento dos alugueres – 6.1. Os pagamentos à Candor poderão ser realizados através de referência Multibanco (…) ou por débito direto. 6.2. O Cliente autoriza desde já que os pagamentos sejam efetuados através de débito direto na conta bancária com o IBAN indicado no Auto de Aceitação. Nos casos em que o débito direito seja cancelado ou rejeitado, o pagamento dos alugueres e demais quantias previstas no contrato será feito por multibanco através das referências constantes da fatura, o que implicará um custo acrescido por aviso de cobrança de 2.75 € (+ IVA). 6.3 Os alugueres ajustados são devidos pelo Cliente à Candor e vencem-se antecipadamente no dia 1 do mês a que dizem respeito (…). 6.4. Em caso de mora de qualquer quantia devida são devidos pelo Cliente à Candor juros de mora à taxa convencionada, correspondente à taxa legal para operações comerciais acrescida de 15 %. (…) 6.6. O Cliente obriga-se a pagar 25,00 € (+IVA), quando, tendo existindo autorização de débito direto, o mesmo não se concretize, seja por falta de provisão, seja se for devolvido ou rejeito.
7. (…)
8. Resolução do Contrato – 8.1. Ambas as partes têm o direito de resolver imediatamente e a todo o tempo, o presente Contrato sempre que ocorra uma situação de incumprimento definitivo das obrigações previstas neste Contrato. 8.2. Constituiu incumprimento definitivo, nomeadamente: a) o atraso no pagamento de alugueres pelo Cliente e por período superior a 30 dias, podendo a Candor resolver o Contrato imediatamente, após esgotadas as duas interpelações ao Cliente prevista na cláusula 6.5, sem que o Cliente pague as quantias que sejam devidas; (…) 8.3. A resolução do Contrato por incumprimento confere ainda à Candor o direito a receber, além dos alugueres e prémios de seguro vencidos, juros de mora e custos de avisos e de não concretização do débito direto, os alugueres vincendos até ao termo da duração inicial do Contrato nos termos da cláusula 3.3. 8.4. A resolução do Contrato constitui o Cliente no dever de restituir imediatamente os bens à Candor, nos termos da cláusula 10, alínea a). (…)
9. (…)
10. Cessação do contrato – A cessação do contrato, seja por resolução, denúncia ou qualquer outra forma legalmente prevista, determina as seguintes obrigações para o Cliente: a) Restituição, por sua conta e risco, dos bens ou equipamentos à Candor, em bom estado de conservação, considerando o normal desgaste de uma prudente utilização, para a morada da sede da Candor, ou outra que venha a ser indicada posteriormente por escrito (….) b) Pagamento das quantias vencidas e que sejam devidas; c) Caso o Cliente se atrase a restituir os Bens à Candor por período superior a 10 dias após a cessação do Contrato, o Cliente pagará uma compensação calculada com base no montante que seria devido a título de alugueres como se o contrato se encontrasse em vigor na proporção do período temporal até à efetiva restituição e, em caso de mora no pagamento dos alugueres, o Cliente deverá pagar o dobro do valor do aluguer mensal ou o seu proporcional diário. (…)
11. (…)
12. (…)
13. (…)
14. Formalização do Contrato por Via Eletrónica – 14.1. A Candor e o Cliente acordam em celebrar o contrato de locação por via eletrónica, podendo as Partes, a todo o tempo, aceder, consultar e imprimir o Contrato. 14.2 O custo da celebração do contrato por via eletrónica é de 75,00 € (+IVA), a pagar pelo Cliente à Candor dentro do mês seguinte à receção dos bens. (…)
15. (…)
ACEITAÇÃO DOS TERMOS DO CONTRATO – O presente contrato é livremente e de boa fé celebrado, reduzido a escrito e reciprocamente aceite, mais declarando as partes ter compreendido e aceite o seu integral conteúdo. Este contrato é vinculativo para ambas as partes, apenas podendo cessar nos termos previstos nas cláusulas dele constantes.»
8. Em 16.05.2018, a Autora subscreveu, digitalmente, um documento intitulado de «Auto de Aceitação», no qual constam como intervenientes as sociedades comerciais anteriormente referidas, sendo indicado o IBAN da Autora, do qual consta o seguinte:
«Descrição dos Equipamentos para Locação

QTD.DESCRIÇÃON.º SÉRIE
3Câmara Tubular VF 1MpIRE90032232S…
2Câmara Mini Dome VF 1MpCMI77122002R…
1Gravador HDCVI 8CHHCV58802AN59…

CONFIRMAÇÃO DA RECEÇÃO
O Cliente escolheu livremente os bens que pretende utilizar, tendo selecionado o Fornecedor por si pretendido, a Candor contactou o Fornecedor transmitindo a informação relativa aos bens a disponibilizar ao Cliente, tendo adquirido os bens escolhidos pelo Cliente, pago o preço ao Fornecedor, para que fossem entregues na sequência do contrato de locação celebrado.
O cliente declara e confirma que os bens recebidos correspondem aos que escolheu, que foram recebidos em estado novo e que se encontram instalados e aptos a funcionar.»
9. Em 01.06.2018, a Autora pagou à Ré, por débito bancário, o montante de 303,84€.
10. LP… contactou o comercial relativamente à quantia referida no facto anterior, tendo este lhe dito que tal valor correspondia à ativação e que este não se preocupasse que depois o mesmo seria abatido nas mensalidades.
11. O comercial deixou de atender ou retribuir qualquer chamada da Autora.
12. Em 30.05.2018, a LP… remeteu à para o endereço de correio eletrónico info@candor.pt, um e-mail, subordinado ao assunto «Resolução de contracto» com o seguinte teor:
«Exmos. Srs.
Vimos por este meio suspender o Nosso contracto de locação n.º AP – …/SIN… devido aos equipamentos das camaradas de vigilância não estarem em conformidade e a instalação das mesas estar incompleta sem data de conclusão definitiva.
Por este motivo não temos qualquer interesse em continuar com o serviço e contracto sem que os mesmos se encontrem conforme o acordado inicialmente com o Vosso departamento comercial e devidamente operacionais.
Valor da mensalidade inicial fora dos valores de contracto.
Câmaras sem resolução.
Câmaras rotativas exteriores não colocadas.
Gravador sem função de deteção de passagem.
Alarme ainda não instalado.
Não manutenção das câmaras existentes.
Configurações de alarme com o portão do estaleiro principal.
Aguardamos o documento de rescisão da Vossa parte, caso contrário termos que encaminhar o assunto para o Nosso departamento jurídico.»
13. Na sequência do e-mail, em 11.06.2018 reuniram LP…, um representante da Ré, TS… e um representante da Verdincognito, NT….
14. Na sequência do contrato celebrado foram emitidas e enviadas para a Autora através do correio eletrónico fornecido pela mesma aquando da celebração do contrato, as seguintes faturas:
a. FT n.º PT2018/17323, no valor de 141,06 €, emitida em 15.06.2018 e vencida em 01.07.2018;
b. FT n.º PT2018/18928, no valor de 34,13 €, emitida em 04.07.2018 e vencida nessa mesma data;
c. FT n.º PT2018/22201, no valor de 114,08 €, emitida em 20.07.2018 e vencida nessa mesma data;
d. FT n.º PT2018/21292, no valor de 141,06 €, emitida em 15.07.2018 e vencida em 01.08.2018
e. FT n.º PT2018/25862, no valor de 9,49 €, emitida em 20.08.2018 e vencida nessa mesma data;
f. FT n.º PT2018/25044, no valor de 141,06 €, emitida em 15.08.2018 e vencida em 01.09.2018;
g. FT n.º PT2018/31486, no valor de 8,99 €, emitida em 20.09.2018 e vencida nesse mesmo dia;
h. FT n.º PT2018/30117, no valor de 141,06 €, emitida em 15.09.2018 e vencida em 01.10.2018
i. FT n.º PT2018/34724, no valor de 141,06 €, emitida em 15.10.2015 e vencida em 01.11.2018
j. FT n.º PT2018/35913, no valor de 13,15 €, emitida em 21.10.2018 e vencida nesse mesmo dia.
15. Após data de vencimento das referidas faturas, o pagamento das mesmas não foi efetuado.
16. Em 21.10.2018, a Ré remeteu à Autora a seguinte comunicação:
«Resolução do Contrato por incumprimento a 21-10-2018 (…)
Estimado(a) Cliente,
Como é do conhecimento de V. Exa. o(s) Contrato(s) de Locação AP-… celebrado(s) com a Liqui.do Renting de Equipamentos, S.A., não foi(foram) cumprido(s) pelo Cliente/Locatário(a), não tendo sido pagos os alugueres e demais quantias devidos nos termos contratuais abaixo indicados, apesar de enviados diversos avisos ou interpelações para o pagamento do valor em dívida.
Para evitar os efeitos jurídicos da resolução do Contrato e as obrigações para o(a) Locatário(a) daí resultantes, nos termos legais e contratuais (cláusula 8.5), poderá proceder ao pagamento do valor dos alugueres vencidos até à data da resolução, acrescidos de custos e juros de mora, através da seguinte Referência Multibanco:
Entidade: 11.683
Referência: 773000051
Valor: 744,08 €
Caso opte por manter a resolução do Contrato, o montante total a pagar é de 7.492,50 €, correspondente a:
- 744,08 € respeitamente a alugueres vencidos e custos de atraso, ao qual acrescem juros de mora à taxa convencionada de 15% ao ano no valor de 21,49 €, até à data de 21-10-2018.

FaturaData de VencimentoValor
PT2018/1732301-07-2018141.06 €
PT2018/1892804-07-201834.13 €
PT2018/2129201-08-2018141.06 €
PT2018/2220120-07-2018114.08 €
PT2018/2504401-09-2018141.06 €
PT2018/2586220-08-20189.49 €
PT2018/3011701-10-2018141.06 €
PT2018/3148620-09-20188.99 €
PT2018/3591321-10-201813.15 €

- 6.748,42 € correspondente a alugueres vencidos antecipadamente com a resolução do Contrato, de 21-10-2018 a 31-05-2023 (cláusula penal)
O pagamento do montante total em dívida de 7.492,50 € deverá ser efetuado por Transferência Bancária para o NIB PT….
Face à resolução do Contrato, o(s) bem(bens) locado(s) deverão ser restituídos no prazo de 10 (dez) dias a contar da receção da presente comunicação, juntamente com o Formulário de Restituição que segue em anexo, devidamente preenchido e assinado, para a seguinte morada:
Decorrido o prazo para o pagamento, não sendo tornada sem efeito a resolução, desde já informamos que vamos proceder à cobrança judicial da dívida, com os custos acrescidos daí resultantes imputados ao Cliente incumpridor.
17. A Autora não restituiu os bens alugados.
18. Em 15.11.2018 a Ré deu entrada, no Balcão de Injunções, de um requerimento de injunção contra a Autora, que deu origem ao processo n.º …/…YIPRT, na qual peticiona a condenação desta no pagamento da quantia total de 8.404,47 €, com fundamento no incumprimento do contrato explanado supra, que em virtude da frustração da citação da Autora foi distribuído como ação especial de cumprimento de obrigações pecuniárias, tendo corrido os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz …, a qual foi declarada extinta por deserção.
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
A. O serviço a prestar seria de videovigilância das instalações com serviço de alerta de intrusão, incluindo a manutenção e caso necessário substituição de câmaras já existentes no local e instalação de novas câmaras em pontos considerados em falta, pelo preço acordado de 90,00 €/mês sem qualquer fidelização.
B. Só mais tarde a Autora teve conhecimento de que estava a assinar com a Ré, à data designada por Candor.
C. A Autora verificou que o equipamento instalado não correspondia ao oferecido pelo vendedor e não realizava os serviços oferecidos por este que a Autora necessitava, ou seja, a visualização das câmaras não era consistente, as câmaras instaladas não tinham resolução, não permitiam ver as matrículas dos veículos que entravam e saíam das instalações, não teve o serviço de alerta de intrusão ativada, o gravador não tinha função de deteção de passagem, as câmaras rotativas exteriores não foram colocadas, o valor da mensalidade era superior ao acordado em 141,00 €.
D. A Autora verificou que as referências dos equipamentos instalados não correspondiam ao que o comercial lhe tinha oferecido e vendido nem aos que constavam do auto de aceitação emitido pela Ré.
E. Que da reunião referida em 13, resultou que a Ré percebeu que a Autora fora enganada, que a Verdincognito estava em conluio com o vendedor LMi… e que o mesmo não compareceu à reunião pois já havia sido colaborador da Ré noutros tempos em que fez exatamente a mesma coisa a clientes, tendo inclusive várias queixas contra ele.
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4. Enquadramento jurídico:
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I) Impugnação da matéria de facto:
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1) Questão prévia – Se existe motivo para a rejeição do recurso, no tocante à impugnação da matéria de facto, por violação dos artigos 639.º e 640.º do CPC?
Invoca a recorrente, na sua alegação de recurso, que o presente recurso é “matéria de facto e de matéria de direito” e, quanto ao “recurso da matéria de facto” dedica-lhe o ponto I das alegações onde, depois de reproduzir a matéria de facto apurada pelo Tribunal a quo, faz alusão aos factos provados nºs. 7 a 12, considerando que os mesmos deveriam ter dado origem a outra decisão. E, prosseguindo, invoca a recorrente duas nulidades da decisão recorrida, sem nunca identificar qualquer matéria de facto em contrário do selecionado, a este respeito, pelo Tribunal recorrido.
A ré, na sua contra-alegação, pronunciou-se dizendo, nomeadamente, que “quanto ao recurso respeitante à matéria de facto, cumpre mencionar que o raciocínio plasmado nas doutas alegações surge, por diversas vezes, viciado, porque a Recorrente entende fazer interpretações e extrapolações de factos que foram dados como provados, as quais não encontram qualquer reflexo no texto da fundamentação da sentença nem na própria prova produzida”.
Vejamos se existe motivo para a rejeição liminar do recurso:
Prescreve o artigo 639.º do CPC – sobre o ónus de alegar e de formular conclusões - nos seguintes termos:
“1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”.
Por sua vez, dispõe o artigo 640.º do CPC que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No que toca à especificação dos meios probatórios, “quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Quanto ao cumprimento deste ónus impugnatório, o mesmo deve, tendencialmente, fazer-se nos seguintes moldes: “(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, Processo 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO).
Os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o Acórdão do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES).
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, relator MANUEL BARGADO).
A cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona automaticamente, devendo o Tribunal, se se patentear a falta de indicação das passagens exactas da gravação, a convidar o recorrente a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação (cfr. Ac. do STJ de 26-05-2015, P.º n.º 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (de delimitação do objecto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO);
O ónus atinente à indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação, com exactidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, relator PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, relatora MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, relator GRANJA DA FONSECA).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação (neste sentido, Acs. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, relator MÁRIO BELO MORGADO).
Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Processo 6095/15T8BRG.G1, relator PEDRO DAMIÃO E CUNHA).
A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Processo 6871/14.6T8CBR.C1, relator MOREIRA DO CARMO), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC).
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
Para além disso, e especificamente sobre a reapreciação probatória, importa referir que, como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Processo n.º 501/12.8TBCBC.G1, relatora MARIA JOÃO MATOS): “O recorrente que pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados, já antes ouvidos pelo julgador sindicado e ponderados na sua decisão recorrida (art. 640º do C.P.C.)”.
Do mesmo modo, se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-04-2018 (processo 1716/15.2T8BGC.G1, relatora MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO) escrevendo-se o seguinte:
“1. O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
2. Ao impor tal artigo um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, com fundamento na reapreciação da prova gravada, o legislador pretendeu evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância.
3. Ao cumprimento do ónus da indicação dos concretos meios probatórios não bastará somente identificar os intervenientes, efectuar uma apreciação do que possam ter dito ou impugnar de forma meramente genérica os factos em causa, devendo antes precisar-se, em primeiro lugar, detalhadamente cada um dos pontos da matéria de facto constante da decisão proferida colocados em crise, indicando-se depois, relativamente a cada um deles, as passagens concretas e determinadas dos depoimentos em que se funda a impugnação que impõem decisão diversa (e não que meramente a possibilitariam) e procurando-se localizar, ao menos de forma aproximada, o início e termo de tais passagens por referência aos suportes técnicos, conforme o preceituado no referido n.º4.
4. Se o recorrente não cumpre tais deveres, não é exigível ao Tribunal que aprecia o recurso que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique concretos erros de julgamento da peça recorrida que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respectivos suportes”.
Refira-se, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-06-2018 (Processo 123/11.0TBCBT.G1, Relator JORGE TEIXEIRA) concluindo que: “Tendo o recurso por objecto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivá-lo através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal “a quo”. Nestas situações, não podendo o Tribunal da Relação retirar as consequências que a impugnação da matéria de facto, deve entender-se que essa omissão impõe a rejeição da impugnação do pertinente recurso, por não cumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640º do CPC e consequente inviabilização do cumprimento do princípio do contraditório por parte do recorrido, quando a esses pontos da matéria de facto não concretizados”.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-09-2012 (processo 245/09.8 GBACB.C1, relator BRÍZIDA MARTINS): “O recorrente que queira impugnar a matéria de facto tem que (…) indicar, dos pontos de facto, os que considera incorretamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência”.
Sobre a indicação concreta de meios de prova que se pretendem utilizar, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-09-2018 (Processo 15787/15.8T8PRT.P1.S2, rel. GONÇALVES ROCHA) decidiu que: “A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”.
E, conforme se concluiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015 (Processo 405/09.1TMCBR.C1.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA), não observa o ónus legalmente exigido, “o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado”.
Ora, no presente caso, a alegação da apelante circunscreveu-se à invocação de matéria de facto apurada, considerando que o Tribunal, em sede de subsunção jurídica da mesma, deveria ter julgado a ação procedente e o pedido reconvencional improcedente.
Em nenhum momento da alegação, ou das conclusões da mesma, a apelante se insurge em contrário com o resultado probatório alcançado pelo Tribunal recorrido, não visando a alteração da matéria de facto provada ou não provada, nem invocando existir qualquer insuficiência, excesso ou erro de apreciação na prova produzida, com algum reflexo nos factos e na seleção factual levada a efeito pelo Tribunal a quo.
Como se viu, com vista ao cumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto acima identificados, impor-se-ia à recorrente que identificasse os concretos pontos de facto que considerasse terem sido incorretamente julgados.
A recorrente, sem embargo de manifestar impugnar a matéria de facto selecionada pelo Tribunal recorrido, certo é que, como se disse, não identifica quaisquer pontos de factos que possam ter sido objeto de errado julgamento, assim como, não faz qualquer referência à decisão que, em contrário, devesse ser proferida.
Finalmente, a recorrente também não identifica quaisquer segmentos ou partes da prova gravada (ainda que procedendo à transcrição dos excertos respectivos), nos termos que lhe são impostos pelo nº 2 do referido art.º 640º do Novo Código de Processo Civil.
Assim, na medida em que a recorrente não deu cumprimento aos preceitos legais acima mencionados, quanto à matéria de facto considerada na sentença recorrida como provada e não provada, não especificando na sua alegação os pontos concretos que considera terem sido incorretamente julgados, nem a concreta decisão que devesse ser tomada quanto aos mesmos, não cuidando de indicar as partes concretas da prova gravada que impusessem a alteração da decisão, há lugar à rejeição imediata do recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto, por inobservância do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, assim se mantendo a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto.
*
II) Nulidades da sentença:
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2) Se a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC?
Nas conclusões a) a m) da alegação de recurso, a autora/apelante vem invocar que a sentença proferida é nula, por violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, entendendo que houve omissão de pronúncia do Tribunal recorrido, ao não “validando a Resolução contratual com justa causa operada pela Apelante, a qual está dada como provada e absolvendo a mesma do pedido de pagamento de qualquer quantia por não devida à Apelada”.
Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença, uma sentença é nula quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Vejamos se, no caso, o juiz deixou de se pronunciar sobre questões de que devesse conhecer, sabendo-se que, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades» (assim, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, pág. 132).
Apenas existirá nulidade da sentença por pronúncia indevida ou por omissão de pronúncia com referência às questões objecto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte.
A nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-03-2007, Processo 07A091, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
Caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia. Poderá, todavia, existir mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável.
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronúncia) há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608.º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A questão a decidir pelo julgador está diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita apreciando-a e decidindo-a segundo a solução de direito que julga correta.
De acordo com o nº 2 do art. 608º do CPC, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras, sendo certo que, o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção.
“O dever imposto no nº 2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-2018, Processo nº 1453/17.3T8BRG.G1, relatora EUGÉNIA CUNHA).
Assim, “importa distinguir entre os casos em que o tribunal deixa de pronunciar-se efetivamente sobre questão que devia apreciar e aqueles em que esse tribunal invoca razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção, sendo coisas diferentes deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte, por não ter o tribunal de esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-03-2019, Processo 226/16.5T8MAI-E.P1, relator NELSON FERNANDES).
Na realidade, como se referiu no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-09-2011 (P.º n.º 480/09.9JALRA.C1, relator ORLANDO GONÇALVES): “1.- A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista. 2.- O que importa é que o tribunal decida a questão colocada e não que tenha que apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocados para suporte dessa pretensão”.
Se a decisão não faz referência a todos os argumentos invocados pela parte tal não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo certo que, a decisão tomada quanto à resolução da questão poderá muitas vezes tornar inútil o conhecimento dos argumentos ou considerações expendidas, designadamente por opostos, irrelevantes ou prejudicados em face da solução adotada.
Conclui-se – como se fez no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2019 (Processo 1211/09.9GACSC-A.L2-3, relatora MARIA DA GRAÇA SANTOS SILVA) - que: “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal -“questões”- não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir”.
No caso em apreço, como bem se refere na decisão recorrida e resulta de tal articulado inicial, a autora configurou a sua pretensão baseada na invocada nulidade do contrato celebrado, com vista à restituição, por via da declaração de tal nulidade, do montante de € 303,84, nos termos do artigo 289.º, n.º 1, do CC. É essa a pretensão expressa pela autora.
Ora, a invocação da nulidade de um contrato não é congruente com a pretensão de resolução do mesmo, pois, esta última, não põe em causa a validade do contrato celebrado.
É que, conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-11-2013 (Pº 1443/11.0TBGRD.C1, rel. HENRIQUE ANTUNES), “a resolução é uma forma de supressão ou extinção de contratos válidos, pelo que os contratos nulos ou anuláveis não são resolúveis”.
No caso, não obstante a alegação efetuada no artigo 26.º da petição inicial e a expressão constante do documento n.º 4 junto com a petição inicial, certo é que, a autora veio invocar pretender que o Tribunal conclua pela resolução do contrato (cfr. artigo 29.º da p.i.) e, caso assim não entendesse, pela declaração de nulidade (cfr. artigo 31.º do mesmo articulado).
De todo o modo, no pedido formulado na petição inicial não gizou a autora qualquer pretensão fundada na resolução contratual que considera omitida na apreciação do Tribunal, peticionando, tão-só, a declaração de nulidade do contrato celebrado.
Atendendo à aludida incompatibilidade entre efeito resolutório e declaração de nulidade, o Tribunal recorrido procedeu à apreciação da causa, de acordo com o pedido formulado nos autos, situação que não merece reparo.
Ademais, do próprio teor do documento n.º 4 junto com a petição inicial não se retira, como sustenta a apelada, qualquer efeito “resolutório”, dado que, o que aí é mencionado é que a autora pretende vir “suspender” o contrato, aliás, terminando referindo em tal documento por aguardar “o documento de rescisão de Vossa parte…”, ou seja, ficando na expectativa da manifestação resolutória da ré.
Sem prejuízo, certo é que, o Tribunal recorrido, no saneamento dos autos, procedeu à identificação do objeto do litígio, enunciando, para além do objeto atinente à reconvenção, no ponto A, o de saber: “Se à autora assiste o direito de exigir da ré a restituição do valor que pagou no âmbito do contrato celebrado entre ambas, por força da nulidade do mesmo por existência de erro na formação da vontade da autora”. Em plena compatibilidade com a pretensão gizada pela autora.
Ora, conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-04-2019 (Pº 29433/15.6T8LSB.L1-2, rel. ARLINDO CRUA), “através da alegação, por parte da Autora, de uma concreta causa de pedir e de um específico pedido, tradutores do objecto do processo, estabeleceu-se ou firmou-se o enunciado balizamento cognitivo a que o Tribunal a quo estava vinculado, não podendo este, consequentemente, conhecer acerca de causas de pedir não invocadas, nem ultrapassar os limites do pedido ou pedidos deduzidos (nomeadamente, no que concerne á sua qualidade), em violação do princípio do dispositivo”.
E, conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-05-2018 (Pº 2962/16.7T8STB.E1, rel. TOMÉ RAMIÃO), “para efeitos da nulidade prevista na alínea d) do n.º1 do art.º 615.º do CPC, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio”.
Efetuada tal delimitação do objeto do litígio, certo é que se verificou plena conformidade do decidido na sentença com o objeto decisório, ou seja, sobre o objeto do litígio antes definido.
Mas, independentemente do referido e de qualquer modo, diga-se que o Tribunal recorrido não deixou de apreciar, na sentença proferida, a falta de enquadramento jurídico e de pertinência na relação jurídica em questão no processo, do D.L. n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, diploma que considerou não ser aplicável à situação dos autos (cfr. páginas 20 e 21 da sentença recorrida), pelo que, desse conhecimento se infere, com clareza, que o Tribuna não omitiu pronúncia. Ao invés, o Tribunal recorrido reconheceu que não procedia, ou seja, não assistia fundamento ao pretendido exercício do direito resolutório baseado nesse diploma legal (cfr. artigo 10.º).
E, em consequência, sem qualquer omissão de conhecimento por parte do Tribunal recorrido, a pretensão expressa no petitório pelo autor veio a ser julgada improcedente.
Não se verifica, pois, ter a sentença recorrido incorrido na nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, por omissão de pronúncia, improcedendo a arguição de nulidade correspondente.
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3) Se a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC?
Considera ainda a recorrente que existe uma oposição entre os fundamentos que justificam a decisão e esta, o que, em seu entender, determina a sua nulidade nos termos do preceituado na al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
Enuncia a recorrente que o Tribunal recorrido, incorreu em “contradição entre a fundamentação da matéria de facto provada e a decisão final”, estando dado como provada “a celebração entre as partes de um contrato de locação financeira (facto 7 -factos provados)”, mas, “no entanto conclui a (…) Sentença na pag.19 que da matéria assente ficou provado que [a] apelante quis apenas instalar um sistema de videovigilância”.
Conclui a apelante que:
“r) Ora a expressão “apenas” utilizada na decisão recorrida delimita de tal modo a convicção do Tribunal relativamente à vontade da Apelante, que em rigor deveria então o tribunal a quo, no seguimento ter decidido que a Apelante nunca quis o contrato celebrado.
s) Esse seria o raciocino lógico em sequencia da conclusão a que chegou o tribunal a quo,
t) No entanto assim não decidiu e por isso contraía-se.
u) Essa contradição entre os fundamentos de facto e a decisão constituem uma causa de nulidade da sentença nos termos do art.º615, nº1 al. c)do CPC que sempre conduziria à absolvição da Apelante quanto ao pedido da Apelada”.
Vejamos:
Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença, a mesma é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
“A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos. A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade. A estes vícios se refere a 2.ª parte [da alínea c)] do n.º 1, do art.º 615.º do C. P. Civil” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03-11-2016, Processo 1774/13.4TBLLE.E1, rel. TOMÉ RAMIÃO).
Ou seja: Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-01-94, rel. CARDOSO ALBUQUERQUE, in BMJ nº 433, p. 633, o Acórdão do STJ de 13-02-97, rel. NASCIMENTO COSTA, in BMJ nº 464, p. 524 e o Acórdão do STJ de 22-06-99, rel. FERREIRA RAMOS, in CJ 1999, t. II, p. 160).
Trata-se de um erro lógico-discursivo na medida em que, ocorrendo tal vício, a decisão segue uma determinada fundamentação e linha de raciocínio, mas vem, a final, a decidir em conflito com tal fundamentação.
Esta nulidade verificar-se-á, assim, quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se, constituindo um vício de natureza processual.
Relativamente ao segmento atinente à ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, tem entendido a doutrina que “a sentença é obscura quando contém um passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos” (cfr. Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª ed., 2013, Almedina, p. 400).
“Diz-se que a sentença padece de obscuridade quando algum dos seus passos enferma de ambiguidade, equivocidade ou de falta de inteligibilidade: de ambiguidade quando algumas das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão; de equivocidade quando o seu sentido decisório se perfile como duvidoso para um qualquer destinatário normal. Mas só ocorre esta causa de nulidade constante do 2º segmento da al. c) do nº. 1 do artº. 615º, se tais vícios tornarem a “decisão ininteligível” ou incompreensível” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371).
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, verificamos que, na página 19, da sentença proferida, foram expendidas, nomeadamente, as seguintes considerações:
“No presente caso,
Não se demonstrou que a Autora não pretendesse celebrar o contrato que efetivamente celebrou, não resultando provado qualquer erro na formação da vontade da Autora.
Com efeito, provou-se, apenas, que a Autora pretendia instalar um sistema de videovigilância, o que veio a ocorrer (não se tendo provado que a Autora pretendia um contrato de prestação de serviços em vez do contrato celebrado).
Para além disso, nada se provou quanto ao conhecimento da essencialidade pelo declaratário.
Ora, o ónus da prova nesta temática recaía sobre a Autora, pelo que, não tendo logrado provar tal factualidade, não pode a presente ação proceder”.
Ora, lidas estas considerações constantes da fundamentação de direito da sentença, enquadradas com a matéria de facto apurada, designadamente, com o facto n.º 7 aludido pela apelante, não se vislumbra existir qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, nem qualquer ambiguidade ou obscuridade na sentença proferida.
No mencionado facto provado n.º 7, assinalou-se, tão só, que a 14-05-2018, a autora subscreveu documento que lhe foi remetido para o email, intitulado “Contrato de Locação Financeira”, nos demais termos aí mencionados.
Desta subscrição e da mencionada asserção constante da decisão recorrida, no sentido de que a apelante quis “apenas” instalar um sistema de videovigilância, não se retira qualquer consequência, senão a de se assinalar qual o escopo negocial da autora, nada tendo a ver com a demonstração de alguma divergência entre a vontade de contratação declarada e a que a autora teria.
Não ficou evidenciado, por qualquer modo, que a exclusiva manifestação de intenção da autora no sentido de instalar um sistema de videovigilância (assinalada na decisão recorrida) não comportasse, ainda assim, a subscrição contratual ocorrida precisamente tendo em vista a aludida finalidade de instalação de um sistema de videovigilância.
Dito de outro modo: Não é pela circunstância de a intenção da autora ser a de instalação de um sistema de videovigilância que daí derivaria, sem mais, a manifestação de que a autora não pretendeu celebrar o contrato dos autos, vertido no facto n.º 7 dos factos provados.
E, desta circunstância, que como se vê é perfeitamente conciliável com tal intenção, não advém alguma contradição ou incompatibilidade.
Na realidade, como se viu, só existirá contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial quando aqueles conduzirem, de acordo com um raciocínio lógico, a um resultado oposto ao que foi decidido, ou seja quando a decisão consequente justifica uma decisão oposta à prolatada, o que, no caso não sucede, pois, como se viu, as premissas de facto e de direito em que assentou o decidido (no caso, a verificação da ausência dos pressupostos para a procedência da pretensão de condenação da ré, formulada pela autora), estão conformes com a decisão proferida.
Assim, conclui-se não se vislumbrar qualquer ambiguidade, do mesmo modo que não ocorre qualquer contradição entre a decisão e os fundamentos, pelo que, não padece a decisão recorrida da invocada nulidade.
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III) Mérito do recurso:
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4) Se a decisão proferida deve ser revogada e substituída por outra a reconhecer a resolução contratual com justa causa por parte da apelante, absolvendo a autora da condenação no pedido reconvencional?
Concluiu a recorrente que a decisão proferida deve ser revogada e substituída por outra que reconheça a resolução contratual com justa causa por parte da apelante, absolvendo a autora da condenação no pedido reconvencional.
Sucede que esta pretensão assentava, em exclusivo, na procedência das nulidadeS arguidas, a qual, como se viu, não teve lugar.
Sem outras considerações, a apelação improcederá e, consequentemente, manter-se-á, na íntegra, a decisão recorrida.
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A responsabilidade tributária inerente incidirá sobre a autora/apelante, que decaiu integralmente no presente recurso - cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação deduzida e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
Custas pela autora/apelante.
Notifique e registe.
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Lisboa, 5 de novembro de 2020.
Carlos Castelo Branco – Relator
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes