Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RENATA LINHARES DE CASTRO | ||
Descritores: | CRÉDITOS BANCÁRIOS PERSI (PROCEDIMENTO EXTRA-JUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO) INSOLVÊNCIA EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/12/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | I – O procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), instituído pelo Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, tem aplicação obrigatória quando o cliente bancário (consumidor) incorre numa situação de mora ou de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, nos moldes consignados pelos seus artigos 2.º, n.º 1, e 14.º, n.º 1. II – O recurso a tal procedimento constitui condição prévia de admissibilidade e procedibilidade à instauração de acção pela qual a instituição bancária peticiona a declaração de insolvência de clientes bancários que entraram em incumprimento do contrato de mútuo com hipoteca para aquisição de imóvel que corresponda à casa de morada de família e constitua a habitação própria e permanente dos mesmos. III – Sendo tal acção intentada com preterição dessa obrigação, estar-se-á perante uma excepção dilatória inominada, a qual é insuprível e de conhecimento oficioso, acarretando a absolvição da instância dos requeridos. IV – A pendência de execuções fiscais, com registo de penhora a favor da Fazenda Nacional em data anterior àquela em que deixaram de ser cumpridas as obrigações resultantes do contrato de crédito, não dispensa a integração dos devedores no PERSI, quando tais penhoras incidam sobre o imóvel que seja casa de morada de família (habitação própria e permanente) dos clientes bancários. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa. I - RELATÓRIO Pela C …, SA foi requerida a declaração de insolvência de N e de J, casados entre si, alegando ter outorgado com os mesmos dois contratos de mútuo com hipoteca, titulados por escrituras públicas datadas de 20/12/1999, pelos quais foram concedidos: um empréstimo no montante de 30.000.000$00 (correspondentes a 149.639,37€) e um segundo no montante de 6.000.000$00 (correspondente a 29.927,87€). Os requeridos obrigaram-se a amortizar o elencado empréstimo no prazo de 25 anos, em 300 prestações mensais. As referidas hipotecas voluntárias - constituídas e registadas a favor da requerente para garantia das responsabilidades assumidas pelos requeridos - incidiram sobre um único prédio urbano. Em 26/11/2008, as partes outorgaram dois documentos autenticados, pelos quais acordaram quanto à alteração da taxa de juros a aplicar, bem como quanto ao reforço do montante de financiamento em mais 10.445,83€ e 8.946,57€, respectivamente. Contudo, os requeridos deixaram de proceder ao pontual pagamento de tais prestações, tendo a requerente declarado resolvido o contrato e intentado, no dia 26/08/2017, acção executiva contra os mesmos. À data de 26/01/2021, os montantes globais em dívida ascendiam a 142.547,79€ e a 39.264,42€, num total de 181.812,21€. Refere a requerente que, sobre o imóvel dado como garantia, incidem penhoras com registo anterior ao daquela que foi realizada no âmbito da execução instaurada pela mesma. Entende que os requeridos se encontram absolutamente impossibilitados de cumprir com as obrigações vencidas, estando em situação de insolvência face ao disposto no artigo 20.º, n.º 1, als. a), b), f), g) e i), do CIRE. Os requeridos deduziram contestação refutando encontrarem-se em situação de insolvência. Mais invocam que, para além da penhora efectuada no âmbito da execução intentada pela C…, SA, apenas existem outras duas penhoras registadas a favor da Fazenda Nacional (sendo que, a 16/03/2020, o valor das dívidas fiscais ascendia apenas ao montante global de 2.058,87€). Referem, também, terem procurado regularizar a situação junto da requerente, ao contrário desta última que não propôs qualquer solução alternativa, nos termos previstos pelo DL n.º 227/2012 de 25/10, sendo que o imóvel em causa corresponde à casa de morada de família dos requeridos (habitação própria e permanente). Nessa medida, deveria a C…, SA ter sujeitado os requeridos ao PERSI, o que não fez, omissão essa que acarreta a absolvição da instância dos mesmos. Mais defendem encontrarem-se em situação de solvência, sendo a requerente a única credora hipotecária devidamente registada, para além de o imóvel ter um valor comercial superior ao que consta como valor patrimonial. Concluem pela verificação da excepção dilatória inominada de preterição dos requeridos ao PERSI, com a sua consequente absolvição da instância. E, sem prescindir, pela improcedência da acção, peticionando a condenação da requerente como litigante de má-fé. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo o tribunal a quo proferido sentença a decretar a insolvência dos requeridos. Inconformados com tal decisão, os requeridos/insolventes dela interpuseram RECURSO de apelação, tendo formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem: “1ª - Nos termos e para os efeitos do art. 635º n.º 4 do CPC, o presente recurso visa o segmento da sentença recorrida que tendo dado como provado que não houve recurso ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (acrónimo “PERSI”) instituído pelo DL 272/2012 de 25-10, ainda assim entendeu que a não sujeição a PERSI não era impedimento para que a requerente intentasse a presente ação. 2ª – Com a sua contestação ao pedido de declaração de insolvência apresentado pela recorrida X…, SA, os recorrentes invocaram a exceção dilatória inominada de preterição de PERSI, de conhecimento oficioso via arts. 573º n.º 2 in fine e 578º do CPC ex vi art. 17º do CIRE, e em violação dos arts. 2º 1 a), 14º, 17º e 18º do DL 227/2012, com a consequente absolvição da instância que deixaram expressamente peticionada. 3ª – Conforme consta da sentença recorrida, o tribunal a quo deu como provado que “31. Não houve recurso ao previsto no DL 272/2012 – PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento). 32. O imóvel que serve de garantia ao contrato de mútuo com hipoteca é a casa de morada de família dos requeridos e constitui a sua habitação própria e permanente.”; contudo, considerou que “… no caso, a não sujeição a PERSI não era impedimento para que a requerente intentasse a presente ação. “, concluindo “… pelo não relevo da não sujeição dos contractos ao regime do PERSI.”, assim laborando em manifesto erro de julgamento por errada interpretação e aplicação da lei. 4ª – Em sede de fundamentação de direito, o tribunal a quo veio dizer que apesar de o contrato celebrado entre recorrida e recorrentes se encontrar sujeito ao regime do DL 227/2012, afinal a sua não integração formal no regime do PERSI era irrelevante, porque a recorrida até teria efetuado algumas diligências - que não o PERSI e que portanto as expectativas dos recorrentes não teriam sido goradas por tal falta... 5ª – O tribunal a quo comparou o caso dos recorrentes ao descrito no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido a 09/12/2017 cujo sumário transcreveu, sendo contudo que facilmente se alcança que a situação aí descrita é claramente diferente. 6ª – Enquanto que aí a instituição de crédito tinha iniciado em Maio de 2011 negociações com os visados, as quais se prolongaram até Março de 2013, após o que, goradas as soluções que estavam a ser negociadas é que avançou judicialmente, já no caso dos recorrentes, a 26 de novembro de 2008 estes negociaram, com sucesso, com a recorrida, o reforço do montante do financiamento que tinha sido concedido em 1999 e portanto em momento muito anterior à criação do regime do PERSI. 7ª – Assim, quando os recorrentes deixaram de proceder ao pontual pagamento das prestações à recorrida, após 20/02/2017 e 20/05/2017, encontrava-se já em plena vigência o regime do PERSI. 8ª – Sendo que a recorrida, tanto relativamente à ação executiva que intentou – da qual desistiu para dar entrada com a presente ação – como relativamente à presente ação a pedir a declaração de insolvência dos recorrentes, não recorreu ao regime do PERSI. 9ª – Não se vislumbrando qualquer fundamento legal para se poder entender que a recorrida não estava obrigada a recorrer ao regime do PERSI, antes de avançar judicialmente contra os recorridos. 10ª – A recorrida deveria, por imposição legal, incluir os recorrentes no PERSI, nos termos dos seus deveres plasmados no art. 4º e seguintes, em especial a alínea b) do n.º 1 e o n.º 2 do art. 9º do DL 227/2012. 11ª - A jurisprudência tem seguido o entendimento que quer comunicação de integração no PERSI, quer a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da ação (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576, nº 2, do CPC), precisamente como os recorrentes invocaram – douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de maio de 2020, consultável in www.dgsi.pt, ECLI; douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de abril de 2021, consultável in www.dgsi.pt e na defesa de que o mesmo se aplica ao processo de insolvência, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24 de setembro de 2020, consultável em ww.dgsi.pt. 12ª – Os recorrentes consideram muito pertinente o vertido no referido acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24 de setembro de 2020, que aqui transcrevem: “… Segundo o artº 1º, nº 1, do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores. E sendo esta a finalidade do processo de insolvência pode ele, secundariamente é certo, visar a satisfação dos créditos dos credores e, assim, das instituições de crédito relativamente a clientes com atrasos, por efeito da liquidação do património do devedor incluindo-se, assim e a nosso ver, no âmbito das ações que as instituições de crédito estão impedidas de intentar antes da extinção do PERSI. Poder-se-ia, em tese, argumentar com a inutilidade de tal procedimento quando o cliente bancário está em situação de insolvência e esta situação for conhecida e certa para a instituição bancária, o que justificaria, ainda em enunciação, o pedido de declaração de insolvência por ficar então claro que nenhuma proposta útil resultaria da integração do cliente no PERSI. Argumento que, a nosso ver, não resiste ao confronto com a causa/função do diploma que veio instituir o PERSI destinado, como no preâmbulo se anota, a estabelecer princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito não só quanto regularização das situações de incumprimento o d e contratos mas também quanto à prevenção do incumprimento, por isto que a verificação da ausência de capacidade financeira do cliente para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato e para regularizar a situação de incumprimento, deve ocorrer depois de instaurado o PERSI (artº 15º) e não fora do procedimento ou antes de iniciado este. …”. 13ª – O PERSI constitui uma fase pré-judicial que visa a composição do litígio por mútuo acordo entre credor e devedor, sendo a própria designação (Procedimento Extrajudicial) absolutamente esclarecedora da intenção do legislador e o intérprete deve presumir que este consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, tal como proclama o artigo 9º, n.º 3, do Código Civil. 14ª – A integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória e nos termos e para os efeitos do art. 18º n.º 1, alíneas a) e b), do DL 227/2012, obsta a que até à sua extinção a instituição de crédito possa não só resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento, como também que possa intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, nada permitindo excluir o processo de insolvência. 15ª – Ao não integrar os recorrentes no PERSI quer quando estes entraram em mora no cumprimento das prestações dos contractos de mútuo, quer quando avançaram para ação de execução, quer quando avançaram para ação judicial de insolvência, a recorrida desrespeitou a imperatividade constante do art.º 18.º n.º 1 als. a) e b), do DL 227/2012, o que constitui uma exceção inominada que deveria conduzir à absolvição da instância dos recorrentes. 16ª - A unidade do sistema jurídico português consagra parâmetros normativos que os Tribunais têm de respeitar no âmbito do exercício dos direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa, como sejam, os arts. 3º, 18º e 20º n.ºs 1 e 5, pelo que, o Tribunal a quo incorreu na violação daquelas normas por ofensa a direitos fundamentais, por violação do imperativo ou tutela da proteção constitucional dos direitos fundamentais, maxime o da tutela jurisdicional efetiva. 17ª - Mal andou o tribunal a quo, ao considerar irrelevante a omissão de prévio recurso ao PERSI, com o que não fez correta nem adequada aplicação do Direito, violando as normas dos artigos 2º n.º 1 als. a) e b), 12.º, 13.º, 14.º n.º 1, 18.º n.º 1 als. a) e b) e 40.º, todos do DL 227/2012 de 25 de outubro, os artigos 576.º n.º 2, 577.º, 578.º e 573.º n.º 2 do Código de Processo Civil, o art.º 9.º do Código Civil, e ainda os artigos 3º, 18º e 20º n.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, assim laborando em errada interpretação e aplicação da lei, pelo que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que considere verificada a alegada exceção inominada, aliás, de conhecimento oficioso, absolvendo os recorridos da instância.”. Peticionam, a final, a revogação da decisão recorrida, a qual defendem dever ser substituída por outra que declare verificada a alegada excepção inominada, com a consequente extinção da instância. A requerente C…, SA apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, nas quais pugnou pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida, elencando para tanto as conclusões que se reproduzem: “I – Os recorrentes interpuseram recurso da decisão que determinou a insolvência. II – Alegam que se imporia a integração no PERSI, conforme regulado no Decreto-Lei Lei 227/2012 de 25.10 como condição prévia à instauração da presente acção, considerando os factos provados relevantes para a decisão da causa, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo. III – Constam da matéria de facto provada os seguintes factos: “10. Os requeridos deixaram de proceder ao pontual pagamento das prestações a que estavam obrigados, mormente as que se venceram, pelo menos após 20/02/2017 e 20/05/2017. 15. Sobre o imóvel dado como garantia dos créditos supra referenciados, existiam registadas três penhoras, sendo 2 penhoras da Fazenda Nacional. 16. Os processos de execução fiscal que deram origem às penhoras registadas a favor da Fazenda Nacional encontram-se activos. 17. A 04/09/2017 a Sra. Agente de Execução fez buscas ao registo predial (ref.: 10573340) tendo constatado a existência de 5 hipotecas voluntárias a favor da aí exequente e, o registo de 3 (três) penhoras: 1ª. Com data de 28/09/2009, a favor do BBVA, no valor de 19.699,02€, no âmbito do processo executivo n.º 6960/04.5YYLSB, Secretaria Geral de Execuções de Lisboa, 2º Juízo, 3ª Secção, em nome de ambos os requeridos 2ª – com data de 26/02/2014, a favor da Fazenda Nacional, no valor de 2.009,43€, no âmbito do processo de execução fiscal aí identificado, em nome do requerido 3ª – com data de 26/02/2014, a favor da Fazenda Nacional, no valor de 2.905,85€, no âmbito do processo de execução fiscal aí identificado, em nome do requerido. 24. A 06/02/2018 a Sra. Agente de Execução diligenciou pela obtenção de certidão com vista ao cancelamento da penhora do BBVA. 25. O que logrou obter a 22/01/2020 (…).” IV – Em data anterior ao incumprimento contratual - 20/02/2017 e 20/05/2017 – encontravam-se registadas três penhoras prévias a favor de terceiros no imóvel garantia das obrigação emergentes dos contratos. V – Considerando a existência de penhoras prévias registadas no imóvel com data anterior aquando do início do incumprimento dos recorrentes, impor-se-ia a integração destes no PERSI? Entendemos negativamente conforme infra se explanará. VI - O PERSI visa promover a prevenção do incumprimento e a regularização de situações de incumprimento dos clientes bancários com as instituições de crédito. VII - O fundamento último do regime previsto no Decreto 227/2012 de 25.10 é evitar o recurso à execução pela instituição de crédito motivada pelo incumprimento dos contratos e expectável venda judicial do imóvel garantia dos contratos. VIII – Determina o artigo 17º, nº 2 alínea b) a extinção do PERSI sempre que seja realizada penhora a favor de terceiros sobre bens do devedor. IX – Aquando do início do incumprimento encontravam-se registadas três penhoras prévias no imóvel. X – Ainda que os contratos de mútuo fossem reestruturados ou regularizados tal não constituiria impedimento à venda judicial do imóvel na execução de terceiro. XI - Aquando do incumprimento não poderia o recorrido saber que o processo a favor do qual se encontrava registada a 1ª penhora seria extinto em data posterior. XII – Prevendo o Decreto 227/2012 de 25.10 a extinção do PERSI sempre que realizada penhora a favor de terceiros sobre bem do devedor, não faria sentido impor ao recorrido a integração dos recorrentes no PERSI, sabendo à partida que procedimento seria extinto. XIII – Não constitui impedimento à instauração de acção contra o devedor a não integração no PERSI porque o procedimento a iniciar sempre seria extinto porque previamente registadas penhoras no bem do devedor encontra reflexo na jurisprudência. XIV – Vide o sumário do Acórdão da Relação de Évora datado de 08/11/2018 no âmbito do processo 246/16.0T8MMN-A.E.1 acessível em www.dgsi.pt - “Se à partida se sabe que procedimento a iniciar vai ser extinto pelo facto de já existir penhora a favor de terceiro, sobre os bens do devedor, não faz sentido, até, atento o princípio de limitação dos actos, a realização de actos inúteis, não devendo a não integração no PERSI ser obstáculo à instauração da execução.” XV – Ainda conforme decidido no citado Acórdão “o fundamento último do Decreto-Lei 227/2012 de 25.10 é evitar o recurso à execução movida pela instituição de crédito, motivada pelo incumprimento dos contratos e expectável venda judicial do imóvel garantia dos contratos, o que não pode ter-se por garantido, mesmo com submissão do devedor ao PERSI, uma vez em face da execução movida por terceiro com registo de penhora prévia à entrada em vigor do diploma e início do incumprimento do contrato, ainda que este fosse objeto de regularização ou reestruturação, tal não impedia a venda judicial do imóvel garantia do contrato naquela execução. Por outro lado, se no decurso do Procedimento este pode ser extinto sempre que realizada penhora a favor de terceiro sobre bens do devedor, não faz sentido impor, à instituição de crédito, que submeta o cliente bancário ao PERSI quando à data do início da mora das obrigações emergentes do contrato já há conhecimento que se encontra pendente execução movida por terceiro a favor do qual o imóvel garantia do contrato (bem a proteger pelo diploma) se encontra penhorado”. XVI – Os factos provados determinam que não obstaria à instauração da presente acção a não integração dos recorrentes no PERSI, conforme decidido na sentença em crise. XVII – Realçamos ainda que antes da vigência do PERSI existiram várias tentativas e negociações para por termo ao incumprimento, pelo que a não integração formal no regime do PERSI não gorou as expectativas dos recorrentes porque não privados de iniciativas para resolução da sua situação.” O recurso foi admitido pelo tribunal a quo e subiu como de apelação, imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, suspendendo, contudo, a liquidação e partilha do activo. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II – DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões no mesmo formuladas, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando estejam em causa questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado - artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (doravante designado por CPC). Assim, as questões a decidir são as seguintes: a) Uma vez que o imóvel que serve de garantia aos contratos de mútuo com hipoteca corresponde à casa de morada de família dos requeridos e constitui a habitação própria e permanente dos mesmos, saber se a requerente C…, SA, previamente à instauração da acção, estava obrigada a recorrer ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), o qual está previsto no Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro; b) Se a integração dos requeridos no PERSI fica prejudicada pela existência de anterior registo de penhoras; c) A considerar-se obrigatória a sujeição dos requeridos ao PERSI e não tendo a mesma ocorrido, se tal omissão deveria ter determinado a absolvição da instância dos mesmos. * III – FUNDAMENTAÇÃO Fundamentação de facto Na sentença recorrida foi considerada provada a seguinte factualidade: “1. A Requerente tem por objecto social a realização de todas as operações permitidas por Lei aos Bancos. 2. Por escritura publica outorgada em 20/12/1999 foi celebrado contrato de mútuo com hipoteca, nos termos do qual a Requerente concedeu um empréstimo no montante de 30 milhões de escudos, correspondente a 149.639,37 € aos Requeridos J … e N …. 3. Por escritura publica outorgada em 20/12/1999 foi celebrado contrato de mútuo com hipoteca, nos termos do qual a Requerente concedeu um empréstimo no montante de 6 milhões de escudos, correspondente a 29.927,87 € aos ora requeridos J … e N …. 4. Para garantia das responsabilidades assumidas pelos aqui requeridos nos contratos supra descritos foram constituídas hipotecas voluntárias a favor da requerente sobre a fracção: prédio urbano sito na freguesia de Almargem do Bispo, concelho de Sintra, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Sintra com o nº 619/19860520. 5. As referidas hipotecas encontram-se registadas a favor da requerente pelas AP. 24 de 1999/11/29 e AP. 25 de 1999/11/29. 6. Em 26/11/2008, foram outorgadas entre as partes dois documentos autenticados, nos termos dos quais a requerente acordou com os requeridos a alteração da taxa de juros a aplicar, bem como o reforço do montante do financiamento em mais 10.445,83 Euros e 8.946,57 Euros, respectivamente. 7. As aludidas alterações contratuais encontram-se registadas definitivamente sob as AP. 20 de 2008/12/03 e AP. 22 de 2008/12/03. 8. Contratualizou-se que sobre o capital mutuado vencer-se-iam juros a taxa correspondente à média aritmética simples da EURIBOR a seis meses. 9. Estipulou-se que em caso de mora, os respectivos juros seriam calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificasse a mora, estivesse me vigor na reclamante para as operações activas da mesma natureza, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano, a título de cláusula penal. 10. Os requeridos deixaram de proceder ao pontual pagamento das prestações a que estavam obrigados, mormente as que se venceram, pelo menos após 20/02/2017 e 20/05/2017. 12. Frustradas todas as diligências suasórias, a requerente declarou resolvido o contrato, considerando vencida a totalidade da dívida remanescente, e instaurou, a 26/08/2017, execução para pagamento de quantia certa que correu termos sob o número de processo 15910/17.8T8SNT, Juízo de Execução de Sintra, J3, pelo valor de € 168.776,28, 13. À data de 26/01/2021 encontram-se em dívida as seguintes quantias, conforme notas de débito - Nº Operação: PT 00350216011025785 . Data de Contrato: 20/12/1999 .Montante em Dívida/ em Cobrança: € 142.547,79 (CENTO E QUARENTA E DOIS MIL QUINHENTOS E QUARENTA E SETE EUROS E SETENTA E NOVE CENTIMOS) . Desdobramento da dívida: . Capital € 125.457,08 . Juros de 20/02/2018 a 26/01/2021 € 17.039,78 . Comissões € 50,93 . A partir de 26/01/2021 exclusive, a dívida será agravada diariamente em 16,29 EUR, encargo correspondente a juros calculados à taxa de 4,6720000 %, acrescida das despesas extrajudiciais que a C … efectue de responsabilidade do devedor. . aquela taxa incluiu a sobretaxa de 3,0000000 % ao ano. - Nº Operação: PT 00350216011026585 (Doc. 2) . Data de Contrato: 20/12/1999 . Montante em Dívida/ em Cobrança: € 39.264,42 (TRINTA E NOVE MIL DUZENTOS E SESSENTA E QUATRO EUROS E QUARENTA E DOIS CENTIMOS) . Desdobramento da dívida: . Capital € 34.087,47 . Juros de 20/05/2017 a 26/01/2021 € 5.017,45 . Comissões € 159,50 . A partir de 26/01/2021 exclusive, a dívida será agravada diariamente em 4,45 EUR, encargo correspondente a juros calculados à taxa de 4,6720000 %, acrescida das despesas extrajudiciais que a C … efectue de responsabilidade do devedor. . aquela taxa incluiu a sobretaxa de 3,0000000 % ao ano. 14. O que perfaz um total de € 181 812,21 (cento e oitenta e um mil e oitocentos e doze euros e vinte e um cêntimo) que revestem natureza garantida por hipoteca. 15. Sobre o imóvel dado como garantia dos créditos supra referenciados, existiam registadas três penhoras, sendo 2 penhoras da Fazenda Nacional. 16. Os processos de execução fiscal que deram origem às penhoras registadas a favor da Fazenda Nacional encontram-se activos. 17. A 04/09/2017 a Sra. Agente de Execução fez buscas ao registo predial (ref.: 10573340) tendo constatado a existência de 5 hipotecas voluntárias a favor da aí exequente e, o registo de 3 (três) penhoras: 1ª. Com data de 28/09/2009, a favor do BBVA, no valor de 19.699,02€, no âmbito do processo executivo n.º 6960/04.5YYLSB, Secretaria Geral de Execuções de Lisboa, 2º Juízo, 3ª Secção, em nome de ambos os requeridos 2ª – com data de 26/02/2014, a favor da Fazenda Nacional, no valor de 2.009,43€, no âmbito do processo de execução fiscal aí identificado, em nome do requerido 3ª – com data de 26/02/2014, a favor da Fazenda Nacional, no valor de 2.905,85€, no âmbito do processo de execução fiscal aí identificado, em nome do requerido. 18. A 09/10/2017, consultado o Registo Informático de Execuções, a Senhora Agente de Execução constatou que o processo executivo relativo à penhora a favor do BBVA se encontrava no: “Estado: Extinção Pagamento Integral (Coercivo)” 19. Nesse dia a Senhora Agente de Execução sustou a execução quanto ao imóvel penhorado, com fundamento na existência do processo executivo do BBVA, nos termos do disposto no artigo 794, n.º 1, do CPC. 20. os requeridos, ali executados, foram citados respectivamente a 16/01/2017 e 20/11/2017. 21. A 01/02/1018 a Senhora Agente de Execução fez buscas ao registo automóvel que lhe resultaram em 8 (oito) matrículas, uma das quais onerada com penhora da Fazenda Nacional – cfr. doc. 3. 22. A 01/02/2018 a Senhora Agente de Execução realizou buscas junto da Segurança Social, das quais resulta que a requerida tem como registo de última remuneração o mês 12 do ano de 2017, no valor de € 2.054,02, a cargo de Luso Atlântica Seguradora, S.A. 23. No mesmo dia, 01/02/2018, a Senhora Agente de Execução informou a requerente aí exequente de: “… que atendendo ao preceituado no artigo 794º n.º 4 do CPC, a sustação integral determina a extinção da execução, a não ser que o exequente nos termos do artigo 752º n.º 1 do CPC venha invocar a insuficiência do bem sobre o qual impende a garantia, prosseguindo com a penhora de outros bens. “ 24. A 06/02/2018 a Sra. Agente de Execução diligenciou pela obtenção de certidão com vista ao cancelamento da penhora do BBVA. 25. O que logrou obter a 22/01/2020 e, cancelada tal penhora, a 05/03/2020 notificou exequente e executados nos termos e para os efeitos do art. 794º n.ºs 1 e 3 do CPC. 26. A 02/04/2020 a requerente, aí exequente, requereu nesses autos ao tribunal que ordenasse o levantamento da decisão de sustação. 27. Tendo sido proferido despacho a 09/07/2020 que, indeferiu o requerido. 28. A 20/01/2021 a Sra. Agente de Execução a notificou para proceder ao pagamento da conta final, nos termos do n.º 5 do art. 721º do CPC. 29. Em 16/03/2020, o valor das dívidas dos requeridos à AT era de 2.058,87€. 30. Os requeridos procuram regularizar a sua situação junto da requerente, tendo efectuado pagamentos parcelares de € 3.000, 00 em 19.12.2019, € 1.000,00, em 08.09.2020, € 1.000, 00 em 07-08-2020, € 1.000, em 29,06.2020 e € 1.500,00 em 28.05.2020. 31. Não houve recurso ao previsto no DL 227/2012 – PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento). 32. O imóvel que serve de garantia ao contrato de mútuo com hipoteca é a casa de morada de família dos requeridos e constitui a sua habitação própria e permanente. 33. A requerente C …é a única credora hipotecária registada relativamente ao imóvel descrito em 4. dos Factos Provados. 34. A lista dos maiores credores dos requeridos e respectivos domicílios, com exclusão da requerente, é a seguinte: - Autoridade Tributária e Aduaneira, Rua da Prata, 10, 1149-027 Lisboa - Instituto da Segurança Social IP, Avenida 5 de Outubro, 175, 1069-451 Lisboa - Novo Banco SA, Avenida da Liberdade, 195, 1250-139 Lisboa Mais se provou que: 35. A alteração contratual a que se referem os artigos 6º a 9º dos Factos Provados resultou de uma reestruturação dos contratos, na decorrência do seu incumprimento por parte dos requeridos. 36. Nessa alteração, a que se referem os artigos 6º a 9º dos Factos Provados, foi, pelas partes, atribuído ao imóvel o valor de 245.000,00 Euros (duzentos e quarenta e cinco mil euros). 37. O actual valor patrimonial do imóvel, que consta da respectiva caderneta predial, por avaliação efectuada em 2018, é de € 63.315,70 (sessenta e três mil, trezentos e quinze euros e setenta cêntimos).” Certamente, por evidente lapso, não se elencou qualquer facto com o n.º 11. Porque provado documentalmente, tem-se, ainda, como assente: 38. Dos documentos outorgados a 26/11/2008, aos quais alude o facto provado n.º 6 (documentos juntos com o requerimento a que corresponde a ref.ª/Citius 18531561), consta o seguinte: 38.1 “(…) ALTERAÇÃO DE EMPRÉSTIMO COM HIPOTECA (…) 1- Que, por contrato de vinte de Dezembro de mil novecentos e noventa e nove, titulado por escritura pública, (…) a C …, SA concedeu aos segundos outorgantes (adiante designados por parte devedor), um financiamento no montante de TRINTA MILHÕES DE ESCUDOS (…). 2- Tal empréstimo, respectivos juros e despesas encontra-se garantido por hipoteca do prédio urbano sito em Almornos, (…) 3- Do mencionado financiamento encontra-se neste momento em dívida, quer o montante do capital emprestado, quer juros e despesas, no valor total de CENTO E CINQUENTA E OITO MIL QUINHENTOS E OITENTA E CINCO EUROS E NOVENTA E QUATRO CÊNTIMOS, que ambas as partes acordam em fixar como montante de capital em dívida a partir desta data, (…). 4- Pelo presente, tendo em vista o cumprimento das obrigações decorrentes para a parte devedora daquele empréstimo a que acima se fez referência, a C … e os segundos outorgantes acordam ainda em proceder à alteração do mencionado empréstimo quanto à taxa de juro a aplicar e à forma da sua fixação, bem como em reforçar o montante de financiamento em mais OITO MIL NOVECENTOS E QUARENTA E SEIS EUROS E CINQUENTA E SETE CÊNTIMOS, em função da capitalização dos juros vencidos. 5- Assim (…), de comum acordo, alteram aquele contrato (…) quanto às cláusulas 4.ª, 7.ª, 8.ª e 10.ª constantes do documento complementar que faz parte integrante da escritura acima referida, bem como em aditar ao referido documento complementar a cláusula 16.ª (…) (…)“ 38.2. “(…) ALTERAÇÃO DE EMPRÉSTIMO COM HIPOTECA (…) 1- Que, por contrato de vinte de Dezembro de mil novecentos e noventa e nove, titulado por escritura pública, (…) a C …, SA concedeu aos segundos outorgantes (adiante designados por parte devedor), um financiamento no montante de SEIS MILHÕES DE ESCUDOS (…). 2- Tal empréstimo, respectivos juros e despesas encontra-se garantido por hipoteca do prédio urbano sito em Almornos, (…) 3- Do mencionado financiamento encontra-se neste momento em dívida, quer o montante do capital emprestado, quer juros e despesas, no valor total de QUARENTA MIL TREZENTOS E SETENTA E TRÊS EUROS E SETENTA CÊNTIMOS, que ambas as partes acordam em fixar como montante de capital em dívida a partir desta data, (…). 4- Pelo presente, tendo em vista o cumprimento das obrigações decorrentes para a parte devedora daquele empréstimo a que acima se fez referência, a C … e os segundos outorgantes acordam ainda em proceder à alteração do mencionado empréstimo quanto à taxa de juro a aplicar e à forma da sua fixação, bem como em reforçar o montante de financiamento em mais DEZ MIL QUATROCENTOS E QUARENTA E CINCO EUROS E OITENTA E TRÊS CÊNTIMOS, em função da capitalização dos juros vencidos. 5- Assim (…), de comum acordo, alteram aquele contrato (…) quanto às cláusulas 3.ª, 6.ª, 7.ª e 9.ª constantes do documento complementar que faz parte integrante da escritura acima referida, bem como em aditar ao referido documento complementar a cláusula 18.ª (…). (…)“ 39. Ficou acordado que o empréstimo venceria juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a três meses e que passaria a ter um prazo de amortização de 46 anos, em 552 prestações mensais. * Fundamentação de direito Os recorrentes insurgem-se contra a sentença que decretou a insolvência na parte em que a mesma considerou que “a não sujeição a PERSI não era impedimento para que a requerente intentasse a presente ação”, bem como quando concluiu “pelo não relevo da não sujeição dos contractos ao regime do PERSI”. Uma vez que o imóvel que serve de garantia ao contrato de mútuo com hipoteca é a casa de morada de família e constitui a habitação própria e permanente dos requeridos, defendem que, antes de avançar judicialmente, sempre a requerente deveria ter agido nos termos e para os efeitos do disposto no Dec. Lei n.º 227/2012 - artigos 2.º, n.º 1, al. a), 14.º, 17.º e 18.º deste diploma. Argumentam que a preterição dos requeridos a PERSI configura uma excepção dilatória inominada que determina a absolvição da instância dos mesmos e que o entendimento defendido na sentença traduz um manifesto erro de julgamento por errada interpretação e aplicação da lei. Refutam, igualmente, a posição do tribunal a quo quanto à relevância a atribuir ao facto de o contrato ter sido reestruturado em 2008 (na sequência de anteriores incumprimentos), designadamente, quando se defende que “houve tentativas e negociações com vista à resolução da situação de incumprimento que não lograram atingir um resultado positivo, (…) não obstante a não integração formal dos requeridos no regime do PERSI, as suas legais e legítimas expectativas não se mostraram goradas por tal falta, visto não terem os mesmos sido privados de diligências de resolução da sua situação, que não chegaram a bom porto, por incapacidade financeira dos requeridos.”. Vejamos se lhes assiste razão. Como consta do preâmbulo do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro (diploma a que nos estaremos a referir quando forem citados artigos sem menção da sua origem), visa o mesmo “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários.” A par de um plano de acção para o risco de incumprimento (PARI), traduzido em procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito, foi definido um procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), “no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”. Este diploma – que foi desenvolvido através do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, de 17 de dezembro - introduziu, assim, na nossa ordem jurídica, princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e regularização das situações de falta de cumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários (susceptíveis de serem qualificados como consumidores para efeitos da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho) e criar uma rede extrajudicial de apoio a esses clientes no âmbito da regularização dessas situações[i]. Entrou o mesmo em vigor em 01/01/2013 – artigo 40.º -, ou seja, em momento muito anterior àquele no qual ocorreu o incumprimento por parte dos requeridos. Considerando que o imóvel que serve de garantia ao contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre a requerente e os requeridos corresponde à casa de morada de família dos segundos (habitação própria e permanente), dúvidas inexistem quanto a estarem os mesmos abrangidos pelo regime consignado no citado Dec. Lei – como prescreve o artigo 2.º, na sua primitiva redacção (à data em vigor e aqui aplicável face ao disposto no artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil, sendo à mesma que nos estaremos a referir ao longo do presente acórdão): “1 – O disposto neste diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários: a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para o arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria; b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel; (…)”[ii]. Porque pertinente, veja-se que o artigo 4.º determina: “1 – No cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa. 2 – Os clientes bancários devem gerir as suas obrigações de crédito de forma responsável e, com observância do princípio da boa fé, alertar atempadamente as instituições de crédito para o eventual risco de incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito e colaborar com estas na procura de soluções extrajudiciais para o cumprimento dessas obrigações”[iii]. Nestes casos, ocorrendo, por parte dos clientes bancários, mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, as instituições têm obrigatoriamente de os integrar no PERSI – artigos 12.º e 14.º -, por forma a viabilizar um mútuo acordo tendente a evitar o recurso à via judicial (privilegiando-se, assim, a renegociação do contrato). O início do procedimento é imposto obrigatoriamente desde que se verifique uma de três situações: a) manutenção do incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, entre o 31.º e 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa - artigo 14.º, n.º 1; b) solicitação por parte do cliente bancário em mora, da sua integração no PERSI, considerando-se que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação – artigo 14.º, n.º 2, al. a); e c) constituição em mora por parte do cliente bancário que antecipadamente alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, considerando-se a integração no PERSI na data do referido incumprimento – artigo 14.º, n.º 2, al. b). Tal procedimento desenrola-se em três fases distintas: a) uma fase inicial – artigo 14.º, b) uma fase de avaliação e proposta – artigo 15.º, e c) uma fase de negociação – artigo 16.º. O mencionado objectivo em alcançar um consenso extrajudicial sai reforçado pelo próprio teor do artigo 18.º, segundo o qual, “No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; (…)”. Ou seja, a acção judicial apenas poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI. Tecidos estes breves comentários, vejamos o que, na sentença recorrida, se escreveu quanto a esta matéria. Na mesma defendeu-se que a integração do cliente bancário no PERSI e a conclusão do procedimento são “condição de admissibilidade da instauração da acção, no caso, executiva, não podendo prosseguir acção que tenha sido instaurada sem a conclusão do PERSI”, bem como que “No caso dos autos, o contrato celebrado entre a requerente e os requeridos encontrava-se em vigor à data de entrada em vigo do DL 227/2012 e as obrigações em causa venceram-se pelo menos em 2018, estando, portanto sujeito ao seu regime.”. Contudo, sustentando-se no entendimento defendido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/02/2017 (Processo n.º 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, relatado por Fernanda Isabel Pereira), refere o tribunal a quo que “já antes do incumprimento que levou à resolução do contrato, o mesmo havia sido reestruturado, em 2008, na sequência de anteriores incumprimentos. Ou seja, houve tentativas e negociações com vista à resolução da situação de incumprimento, que não lograram atingir um resultado positivo, pelo que, socorrendo-nos do entendimento seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão supra referido, entendemos que, não obstante a não integração formal dos requeridos no regime do PERSI, as suas legais e legítimas expectativas não se mostraram goradas por tal falta, visto não terem os mesmos sido privados de diligências de resolução da sua situação, que não se chegaram a bom porto, por incapacidade financeira dos requeridos. Consequentemente, entende-se que, no caso, a não sujeição a PERSI não era impedimento para que a requerente intentasse a presente acção. Concluindo-se pela legitimidade da requerente e pelo não relevo da não sujeição dos contractos ao regime do PERSI, (…)”. Ora, face às concretas circunstâncias do presente litígio, desde já se dirá não se subscrever tal posição. Tendo a requerente intentado acção com vista à declaração de insolvência dos requeridos, sem que previamente tenha cumprido com a obrigação de os integrar no PERSI (nos moldes decorrentes do Dec. Lei n.º 227/2012) - como, aliás, a própria apelada reconhece não ter sucedido -, estar-se-á, perante uma violação, por omissão, de normas imperativas, a saber, os artigos 14.º e 18.º, n.º 1, al. b). Tal imperatividade resulta do teor dessas mesmas normas – no artigo 14.º refere-se expressamente que “o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI” e no artigo 18.º consigna-se que “No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de (…) intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito” – a que não é alheio o fim de cariz social visado pelo diploma no seu preâmbulo – “adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes e a redução dos níveis de endividamento das famílias”; “prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas”; “adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”. Tal omissão, como tem vindo a ser decidido pela jurisprudência (pese embora, na quase globalidade dos casos, em sede de acções executivas), configura uma excepção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, que impede ab initio a instauração de acções judiciais e que, como tal, terá de acarretar a absolvição da instância dos requeridos - artigos 576.º, n.º 2, 577.º e 578.º, todos do CPC, ex vi artigo 17.º do CIRE[iv]. Como se defendeu no acórdão da Relação de Évora de 31/01/2019 (Processo n.º 832/17.0T8MMN-A.E1, relatado por Tomé de Carvalho), “existe uma situação de um crédito que não é exigível, por incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjectivo – com repercussões igualmente no domínio substantivo -, uma condição objectiva de procedibilidade.”[v]. Também a Relação do Porto, no seu acórdão proferido em 14/01/2020 (Processo n.º 4097/14.8TBMTS.P1, relatado por Ana Lucinda Cabral), defendeu: “E o certo é que a execução não poderia ter sido instaurada sem ter ocorrido previamente o dito Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI). Do prisma do demandante este era uma condição de acção. Mais precisamente uma específica condição de acção cuja inexistência conduz à carência da acção, causa de extinção do processo sem julgamento de mérito. Do ponto de vista da defesa do demandado é uma excepção dilatória, isto é, uma circunstância que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância. Uma excepção de cunho eminentemente processual visto o moderno entendimento da autonomia entre o processo e o direito material. Ela opera no plano da eficácia: não intenta extinguir a pretensão exercida mas apenas neutralizá-la ou retardá-la.” Este entendimento, defendido para a acção executiva, terá necessariamente de ser válido para a acção na qual a instituição de crédito venha peticionar a declaração de insolvência do mutuário consumidor. Com efeito, representando o processo de insolvência a execução universal, também no mesmo se visa, em última escala, por efeito da liquidação do património do devedor, a satisfação dos credores (nestes se incluindo as instituições de crédito relativamente a clientes que se encontrem em situação de mora ou de incumprimento) – como se estatui no artigo 1.º, n.º 1, do CIRE, “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”[vi]. Incumbia, pois, à requerente, previamente à instauração da presente acção, ter promovido pelas necessárias diligências inerentes à implementação do PERSI – cfr. artigos 12.º, 13.º e 14.º, n.º 1, do DL. Aliás, dir-se-á, a requerente já assim deveria ter procedido em momento anterior àquele no qual veio a intentar a execução que moveu contra os requeridos. Contudo, uma outra questão se suscita. Será que o facto de, sobre o imóvel, existirem anteriores penhoras registadas a favor de terceiros “dispensava” a integração dos requeridos no PERSI? Relevante para a apreciação desta questão é a existência das duas penhoras a favor da Fazenda Nacional (ambas referentes a processos de execução fiscal e datadas de 26/02/2014) – já que, para além destas duas e da própria penhora registada em nome da aqui requerente (atinente à execução que moveu contra os requeridos), apenas existia uma última (registada a favor do BBVA, SA) que era referente a uma execução já extinta, razão pela qual veio a ser cancelada ainda no decurso do ano de 2020 (ou seja, ainda antes de a presente acção ser intentada). Aliás, do facto provado n.º 18 da sentença recorrida resulta que, em 09/10/2017, era já conhecida a extinção de tal execução. Ambas as penhoras têm registo posterior à data de entrada em vigor do Dec. Lei n.º 227/2012, mas prévio à data na qual os requeridos deixaram de cumprir com as suas obrigações perante a requerente. Nessa medida, numa primeira leitura, sempre se poderia questionar a utilidade de a requerente integrar os requeridos no PERSI, uma vez que o artigo 17.º, n.º 2, refere expressamente que “A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que: a) Seja realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor; (…)”. Isto é, poder-se-ia defender que, existindo execução movida por terceiro, com registo de penhora anterior ao início do incumprimento pelos requeridos, mesmo que estes tivessem sido submetidos ao PERSI e o contrato sido regularizado ou reestruturado, nunca a venda judicial do imóvel poderia ser impedida naquela execução. Porém, para além de a extinção do PERSI com esse fundamento não ser automática (sendo apenas uma mera faculdade à qual a instituição de crédito pode ou não recorrer), importa igualmente não olvidar que, na presente situação, estamos perante execuções fiscais e, estando em causa a casa de morada de família dos requeridos (habitação própria e permanente), há que atender ao prescrito pelo artigo 244.º, n.º 1, do CPPT (Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Dec. Lei n.º 433/99, de 26 de outubro), na redacção conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23 de maio[vii], cujo teor é o seguinte: “Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.” Tal salvaguarda apenas não é aplicável na situação a que alude o n.º 2 do mesmo artigo (e que não se verifica no caso em análise). Mais acrescenta o artigo 4.º, n.º 1, da mesma Lei n.º 13/2016 que “Quando haja lugar a penhora ou execução de hipoteca, o executado é constituído depositário do bem, não havendo obrigação de entregar o imóvel até que a sua venda seja concretizada nos termos em que é legalmente admissível”. Tanto assim é que, como resulta dos autos (os quais se consultaram no Citius), os competentes serviços de finanças informaram não estar agendada qualquer venda do imóvel no âmbito das execuções fiscais intentadas contra os requeridos (vide, documento junto com a Petição Inicial e que corresponde ao email datado de 16/03/2020, o qual integra o Processo de Execução n.º 15910/17.8T8SNT). Atente-se, também, que a requerente não diligenciou pelo prosseguimento da execução que havia intentado contra os requeridos no decurso do ano de 2017, designadamente não reagindo contra o despacho que determinou a manutenção da sustação ao abrigo do artigo 794.º do CPC, tendo, inclusive, nesses autos, sido notificado para os efeitos do artigo 721.º, n.º 5, do mesmo código. Tais execuções fiscais não traduziam (nem traduzem), na prática, uma expectável venda judicial do imóvel garantia dos contratos, razão pela qual, ao contrário do defendido pela requerente/apelada, não será possível afirmar que uma restruturação ou regularização do contrato de mútuo não constituiria impedimento a que venda fosse concretizada na execução movida por terceiro (sendo que, como referido, a execução que havia sido intentada pelo BBVA havia sido extinta em 2017 – pelo que nenhuma venda poderia ocorrer no âmbito da mesma -, pese embora a penhora concretizada na mesma apenas tenha sido cancelada a 22/01/2020). Nessa medida, a existência das mencionadas penhoras não constituía qualquer entrave a que a requerente integrasse os requeridos no PERSI (já que, no âmbito da execução fiscal, nunca o imóvel em causa poderia vir a ser alienado), não sendo despiciendo acrescentar que as execuções fiscais nas quais foram concretizadas, nem sequer afectam de forma comprovada e significativa a capacidade financeira daqueles (em março de 2020, o montante global em dívida ascendia a 2.058,87€). Por fim, importa referir que, no presente caso, diversamente do entendimento da Mma. Juíza a quo, não obsta à conclusão acabada de se defender o facto de, entre requerente e requeridos, terem já ocorrido outras negociações. Não se ignora a facticidade plasmada na sentença, designadamente: 10. Os requeridos deixaram de proceder ao pontual pagamento das prestações a que estavam obrigados, mormente as que se venceram, pelo menos após 20/02/2017 e 20/05/2017. 12. Frustradas todas as diligências suasórias, a requerente declarou resolvido o contrato, considerando vencida a totalidade da dívida remanescente, e instaurou, a 26/08/2017, execução para pagamento de quantia certa que correu termos sob o número de processo 15910/17.8T8SNT, Juízo de Execução de Sintra, J3, pelo valor de € 168.776,28, (…) 35. A alteração contratual a que se referem os artigos 6º a 9º dos Factos Provados resultou de uma reestruturação dos contratos, na decorrência do seu incumprimento por parte dos requeridos. Porém, por um lado, desconhecem-se quais terão sido as invocadas “diligências suasórias”, ou se as mesmas traduziram alguma negociação concreta, sendo certo que nada se mostra junto autos que o esclareça – Que diligências foram encetadas? Em que período? Foi efectuada alguma proposta pela requerente no sentido de ser permitido aos requeridos que cumprissem com as respectivas obrigações emergentes dos contratos de crédito (como prevê o artigo 10.º)? Se sim, que proposta foi essa e qual a razão para não ter sido viabilizada? Por outro lado, no facto provado n.º 35, não se concretiza em que consistiu o “incumprimento por parte dos requeridos”, que levou, no ano de 2008, à alteração da taxa de juros a aplicar e que determinou o reforço do montante de financiamento (sendo que, dos documentos referentes à alteração do empréstimo, nada resulta quanto a essa matéria). Claro está que tal factualidade não foi impugnada pelos recorrentes. Contudo, não se poderá ignorar que a referida alteração contratual é muito anterior a 01/01/2013, data da entrada em vigor do Dec. Lei n.º 227/2012, sendo que, o incumprimento que motivou o recurso à presente acção, apenas ocorreu no ano de 2017 (mais concretamente, a 20/02 e a 20/05 de 2017, como consta do facto provado n.º 10). E, se é certo que existiram negociações que levaram à alteração contratual em 2008, também é verdade que, até 2017, os requeridos terão cumprido com as obrigações a que, nesse âmbito, se vincularam (a requerente não alega o contrário). Não se pode, pois, imputar aos mesmos uma conduta relapsa, desinteressada, de sucessivos incumprimentos. Não se vislumbra, pois, qualquer comportamento da requerente que, já na vigência do regime em análise, pudesse levar-nos a concluir no sentido de terem sido respeitadas as finalidades visadas pelo PERSI (mesmo que através de outros mecanismos que não os previstos neste regime). Para além de, acrescente-se, mesmo quando um determinado devedor bancário é integrado no PERSI, tal circunstância não constitui entrave a que venha novamente a beneficiar deste regime[viii]. O objectivo deste procedimento será sempre o de evitar “que o consumidor se veja a braços com uma situação de incumprimento generalizado, desembocando em insolvência. Insolvência essa que diminui drasticamente a possibilidade de recuperação de créditos, provoca efeitos patrimoniais e pessoais muito pesados sobre o consumidor e máxime, perturba enormemente o mercado de crédito.”, como escreve Ana Filipa Conceição[ix]. Por fim, importa referir que, salvo melhor entendimento, o decidido pelo STJ, no seu acórdão de 09/02/2017, invocado na sentença recorrida, não contraria o que se acabou de expor, já que o mesmo versa sobre uma situação de facto distinta da que se discute nos presentes autos. Em tal aresto, alude-se a um caso no qual foi iniciado um procedimento extrajudicial de regularização da situação de incumprimento por parte dos devedores/executados, procedimento esse que apenas não foi viabilizado por facto imputável aos mesmos. Na situação aqui em causa, perante a facticidade descrita, e ao contrário do que ocorre no citado acórdão do STJ, não se poderá afirmar, com um mínimo de segurança, que a omissão de integração dos requeridos no PERSI não lhes tenha retirado direitos, nem lhes tenha reduzido expectativas legítimas, pois, em abstracto, sempre poderia ter sido alcançado um acordo de regularização da situação de incumprimento. A decisão recorrida não poderá, pois, ser mantida. * IV - DECISÃO Perante o exposto, acordam os Juízes da Secção do Comércio deste Tribunal da Relação em julgar procedente, por provada, a invocada excepção dilatória inominada, assim se revogando a sentença que decretou a insolvência dos requeridos/recorrentes, os quais se absolve da instância, mais se anulando todo o processado subsequente a tal sentença. Custas do recurso pela apelada – artigo 527.º do CPC. Notifique. * Lisboa, 12 de Outubro de 2021 (acórdão assinado digitalmente) Renata Linhares de Castro Nuno Magalhães Teixeira Rosário Gonçalves _______________________________________________________ [i] Vide, Portaria n.º 2/2013, de 2 de janeiro. [ii] Aquando da alteração introduzida pelo Dec. Lei n.º 70-B/2021, de 06 de agosto, manteve-se o âmbito de aplicação do diploma aos contratos de crédito para imóveis destinados à habitação, tendo-se eliminado a al. b) e alterado a redacção da transcrita alínea a) nos seguintes termos: “Contratos de crédito relativos a imóveis abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, na sua redação atual”. [iii] As entidades bancárias deverão, pois, criar mecanismos de vigilância e, ocorrendo uma situação de incumprimento, terão de actuar no sentido de viabilizar a regularização dessa mesma situação (e, segundo o artigo 8.º, n.º 1, sem que lhe seja permitido cobrar “comissões pela negociação das condições do contrato de crédito”). Por seu turno, exige-se dos clientes bancários uma gestão responsável das respectivas obrigações, bem como uma atitude colaborante na busca de uma solução negociada. [iv] Atendendo a que tal excepção não se reporta ao mérito da acção, uma vez cumprido o PERSI, a instituição de crédito poderá propor nova acção contra o cliente bancário, caso não seja alcançado qualquer acordo para regularização da dívida ou o mesmo se revele incapaz de cumprir com as respectivas obrigações. [v] Para além do acórdão citado, no mesmo sentido, vide: da mesma Relação de Évora – acórdãos de 08/03/2018 (Proc. n.º 2267/15.0T8ENT-A.E1, relatado por Conceição Ferreira) e de 28/06/2018 (Proc. n.º 2791/17.0T8STB-C.E1, relatado por Mata Ribeiro); da Relação de Coimbra – acórdão de 19/06/2018 (Proc. n.º 29358/16.8YIPRT.C1, relatado por Vítor Amaral); da Relação de Lisboa - acórdãos de 07/06/2018 (Proc. n.º 144/13.9TCFUN-A.2, relatado por Pedro Martins), de 08/10/2020 (Proc. n.º 14235/15.8T8LRS-A.L1-6, relatado por Ana de Azeredo Coelho) e de 15/12/2020 (Proc. n.º 6971/18.3T8CBR-A/B.C1, relatado por Maria Teresa Albuquerque); e do STJ – acórdão de 13/04/2021 (Proc. n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, relatado por Graça Amaral), todos disponíveis in www.dgsi.pt. [vi] Assim se entendeu no Acórdão da Relação de Évora de 24/09/2020 (Proc. n.º 3242/18.9T8STR-B.E1, relatado por Francisco Matos), disponível no mesmo site, em cujo sumário se consignou: “I – No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de abrir um processo de insolvência do devedor. (…)”, mais se podendo ler no texto do mesmo: “Poder-se-ia, em tese, argumentar com a inutilidade de tal procedimento quando o cliente bancário está em situação de insolvência e esta situação for conhecida e certa para a instituição bancária, o que justificaria, ainda em enunciação, o pedido de declaração de insolvência por ficar então claro que nenhuma proposta útil resultaria da integração do cliente no PERSI. Argumento que, a nosso ver, não resiste ao confronto com a causa/função do diploma que veio instituir o PERSI destinado, como no preâmbulo se anota, a estabelecer princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito não só quanto regularização das situações de incumprimento de contratos mas também quanto à prevenção do incumprimento, por isto que a verificação da ausência de capacidade financeira do cliente para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato e para regularizar a situação de incumprimento, deve ocorrer depois de instaurado o PERSI (artº 15º) e não fora do procedimento ou antes de iniciado este”. Embora para uma situação diversa, veja-se, também, o acórdão do STJ de 13/04/2021 (Proc. n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, relatado por Graça Amaral*), segundo o qual: “I – A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou extintiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 576.º, n.º 2, do CPC)”. [vii] Esta lei visou precisamente proteger a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, sendo de aplicação imediata (inclusive àqueles processos que se encontravam pendentes à data da sua entrada em vigor). [viii] Nesse sentido, veja-se Andreia Sofia Lúcio Engenheiro, dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Julho de 2015, O CRÉDITO BANCÁRIO: A PREVENÇÃO DO RISCO E GESTÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO, p. 54, segundo a qual: “Uma questão que poderá ser colocada é se existe limite para integrar várias vezes o mesmo cliente bancário e várias vezes o mesmo contrato de crédito no PERSI. Conforme o art.14.º n.º 1 e 2 do Regime Geral, as instituições de crédito estão obrigadas a incluir o cliente bancário no PERSI sempre que se verifique alguma das circunstâncias que preencha os requisitos para a aplicação do referido procedimento. O entendimento do Banco de Portugal é também no sentido de não ser estabelecido limite à integração no PERSI, procedendo-se à inclusão sempre que se reúnam as condições para tal, mesmo que decorram do mesmo contrato de crédito. Assim, a instituição de crédito está obrigada a integrar o cliente bancário sempre que se verifiquem os requisitos para aplicar o referido procedimento.”. [ix] O NOVO REGIME DA NEGOCIAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE CRÉDITOS BANCÁRIOS, in Revista Portuguesa de Direito do Consumo, n.º 73, Março de 2013, p. 19. |